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Abordagens do fascismo: um campo de estudo em permanente renovação. Daniele Alves Lima 1 Resumo Buscaremos analisar neste trabalho algumas características do fenômeno fascista, principalmente em referência a autores como Robert Paxton, Francisco Carlos Teixeira da Silva, que contribuem de forma especial na análise de uma temática não pouco debatida, e Zeev Sternhell que procurou abordar as questões que envolvem o nascimento desta ideologia e que nos será útil em alguns pontos de nossa abordagem. O objetivo, ainda que bastante limitado, será apontar algumas características deste fenômeno político para que possamos, posteriormente, usá-lo como base para o estudo do caso específico do movimento político Falange Espanhola das JONS, parte de uma temática mais ampla que está sendo desenvolvida em dissertação de mestrado. Palavras-chave: Século XX – fascismo – Falange Espanhola das JONS – liberalismo – corporativismo. Abstract In this piece of work we intend to consider some fascist phenomenon caractheristics, especially in reference to authors such as Robert Paxton, Francisco Carlos Teixeira da Silva, whom contribute in a special way in the analysis of a not so deeply discussed issue, and Zeev Sternhell that sought adress the questions involving the rise of this ideology and we will be helpful in some points of our approach. The objective, though very limited, will point some caracteristics of this political phenomenon so that we can then use it as a basis for studying the specifics of the political movement Spanish Falange of JONS, part of a comprehensive theme being developed on ours master's dissertation. Keywords: Century XX – fascism - Spanish Falange of JONS – liberalism- corporatism. 1 mestranda da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, desenvolve o projeto de pesquisa “La gaita y La lira. Falange Espanhola das JONS e a construção da Nova, Espanha como modelo de modernidade alternativa para o século XX, 1933 –1936”. Nesta pesquisa, a historiadora busca uma compreensão mais ampla deste movimento político e das mudanças que o século XX proporcionou à Espanha. (E-mail: [email protected])

Fascismo e Nazismo

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acontecimentos pertinentes à Segunda Guerra, o rompimento do Brasil com os países do Eixo, em especial com a Alemanha, acarretou no afundamento de navios da marinha mercante brasileira. A partir disso, a população brasileira foi às ruas em protestos, por meio de passeatas

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  • Abordagens do fascismo: um campo de estudo em permanente renovao. Daniele Alves Lima1

    Resumo

    Buscaremos analisar neste trabalho algumas caractersticas do fenmeno fascista, principalmente em referncia a autores como Robert Paxton, Francisco Carlos Teixeira da Silva, que contribuem de forma especial na anlise de uma temtica no pouco debatida, e Zeev Sternhell que procurou abordar as questes que envolvem o nascimento desta ideologia e que nos ser til em alguns pontos de nossa abordagem. O objetivo, ainda que bastante limitado, ser apontar algumas caractersticas deste fenmeno poltico para que possamos, posteriormente, us-lo como base para o estudo do caso especfico do movimento poltico Falange Espanhola das JONS, parte de uma temtica mais ampla que est sendo desenvolvida em dissertao de mestrado. Palavras-chave: Sculo XX fascismo Falange Espanhola das JONS liberalismo corporativismo.

    Abstract In this piece of work we intend to consider some fascist phenomenon

    caractheristics, especially in reference to authors such as Robert Paxton, Francisco Carlos Teixeira da Silva, whom contribute in a special way in the analysis of a not so deeply discussed issue, and Zeev Sternhell that sought adress the questions involving the rise of this ideology and we will be helpful in some points of our approach. The objective, though very limited, will point some caracteristics of this political phenomenon so that we can then use it as a basis for studying the specifics of the political movement Spanish Falange of JONS, part of a comprehensive theme being developed on ours master's dissertation. Keywords: Century XX fascism - Spanish Falange of JONS liberalism- corporatism.

    1 mestranda da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, desenvolve o projeto de pesquisa La gaita y La

    lira. Falange Espanhola das JONS e a construo da Nova, Espanha como modelo de modernidade alternativa para o sculo XX, 1933 1936. Nesta pesquisa, a historiadora busca uma compreenso mais ampla deste movimento poltico e das mudanas que o sculo XX proporcionou Espanha. (E-mail: [email protected])

  • Falar em fascismo no apenas falar em um movimento poltico circunscrito

    num determinado momento histrico de crise. O fascismo, na forma como entendemos, no um fenmeno meramente conjuntural, mas tambm fenomenolgico. Desta forma, no foi apenas uma resposta crise do capitalismo, mas um determinado conjunto de idias ainda localizveis nos dias atuais em organizaes neofascistas na Europa, principalmente. Portanto, falar em fascismo envolve no s um tema possvel em

    Histria Poltica, mas um debate poltico. Como nos coloca Francisco Carlos Teixeira da Silva, a liberao dos arquivos, anos depois do terror da Segunda Guerra Mundial e dos tratados estabelecidos poca, trouxeram novos materiais de anlise e proporcionaram o surgimento de novos objetos e novas abordagens sobre os elementos constitutivos do fascismo. Contudo, seu estudo envolve dificuldades tericas e, ainda, ticas. No s por suscitar a lembrana de um terror desumanizado, mas exatamente porque o fascismo e suas caractersticas mais malficas, como o racismo e as formas de excluso, ainda vivem de forma intensa em movimentos neofascistas. Falar em fascismo, portanto, falar de um fenmeno que persiste, ainda que obsoleto, e que possu algum papel poltico contemporneo. Segundo o prprio autor, impossvel escrever sobre o fascismo histrico - o que apenas uma distino didtica - sem ter em mente o neofascismo e suas possibilidades2.

    O fascismo, expresso que nomeia o movimento italiano liderado por Mussolini, acabou por se expandir enquanto expresso e foi adotado como forma de designar outros movimentos de extrema-direita que surgiram nos anos 20 e 30. Entrou na lista dos -ismos, incorporando caractersticas precisas e transportando-se pelo espao. Exatamente por ser um fenmeno poltico caracterstico de um determinado perodo de crise poltica, suas premissas tericas influenciaram, de diferentes formas e intensidades, outros pases que no somente a Itlia. Na Alemanha, o uso do termo nazismo serviu para explicitar um fenmeno que mantinha algumas peculiaridades, ainda que incorporado como movimento fascista. O fascismo, assim, e compartilhando da prpria idia de Francisco Carlos Teixeira da Silva, deve ser pensado no plural, os

    2 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Os fascismos. In: REIS FILHO, D. A.; FERREIRA, J. &

    ZENHA, C. (org.). O sculo XX. O tempo das crises. Revolues, fascismos e guerra. v. 2. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p.112.

  • fascismos, j que no esteve limitado aos casos italiano e alemo. Ao contrrio, configurou-se como influncia para outros movimentos polticos no entreguerras.

    Todavia, o fascismo, pensado no plural, ao mesmo tempo em que amplia nossa viso sobre o fenmeno, traz uma srie de dificuldades. Levanta-se um grande debate sobre como diferenciar, como classificar os movimentos como fascistas ou no fascistas. Inicia-se assim, por vezes, o embate entre aqueles que o consideram como fenmeno particular da Itlia e Alemanha, sendo os diversos outros movimentos apenas o transporte de algumas de suas diretrizes, e aqueles que o concebem como passvel de existncia em outros pases. Ao mesmo tempo em que se busca afastar a Alemanha e a Itlia como casos exclusivos, h uma tentativa de analisar mais detalhadamente outros casos, procurando as autonomias nacionais dos diversos fascismos. Neste sentido, segundo o autor, os estudiosos concordam em dois pontos. Primeiro, em relao prpria universalidade do fascismo enquanto fenmeno histrico tendo seu pice no entreguerras e, segundo, quanto necessidade de garantir a autonomia de uma teoria do fascismo frente aos fenmenos histricos que o envolvem.3

    As dificuldades esto ancoradas no prprio mtodo de estudo do tema. Em grande medida, busca-se um mtodo comparativo dos fenmenos atravs da elaborao de um conjunto de elementos constitutivos do fascismo, colocados como ferramentas na prpria ligao entre os possveis fascismos, ou seja, busca-se localizar elementos especficos do fascismo no interior dos projetos polticos ou de regimes polticos, dentre eles, em especial, o antiliberalismo, o anti-socialismo, o antiparlamentarismo, a concepo orgnica do Estado, a crtica aos partidos polticos como representantes de interesses setoriais, o nacionalismo exaltado e o autoritarismo. Acreditamos que por vezes este mtodo, ao elucidar semelhanas, acaba por encobrir as diferenas nacionais ou, ao menos, deix-las em segundo plano. Os projetos polticos so colocados apenas em referncia ao conjunto de caractersticas fascistas, esquecendo-se que estes movimentos possuem elementos mais amplos de anlise, na medida em que se caracterizaram como respostas especficas s crises que comprometeram seus pases.

    Esquece-se que a cultura um elemento importante e que os projetos polticos so pensados no interior de sociabilidades especficas, marcadas, com mais ou menos intensidade, pelo conjunto de smbolos e vises de mundo compartilhados por um

    3 Ibid., p.118.

  • determinado pas ou regio. Portanto, o mtodo comparativo deve ser uma ferramenta e no deve comprometer uma anlise da totalidade destes projetos, ao contrrio, ele deve permitir a localizao das semelhanas e o aparecimento das diferenas. Afinal, como nos atenta Marc Bloch, as comparaes so extremamente teis para trazer tona as

    diferenas.

    1.1. Por uma anatomia do fascismo: Robert Paxton e as questes centrais que envolvem o estudo deste movimento poltico.

    O fascismo foi um movimento poltico caracterstico do sculo XX e que esteve ligado umbilicalmente no s crise profunda que atingiu as bases do sistema liberal, mas tambm a um movimento mais amplo de embate entre modernidade e tradio. O limiar do novo sculo provocou mudanas profundas nas bases materiais e econmicas, com a intensificao do modelo industrial e do sistema econmico que o envolve, e gerou uma srie de mudanas no interior do campo social, modificando as formas de sociabilidade que regiam o cotidiano dos indivduos e suas vises de mundo correspondentes. Em grande medida, as duas grandes guerras, em especial a primeira, foram momentos centrais na conformao das mudanas do novo sculo, colocando ao mundo as inovaes que vieram para o bem e para o mal.

    O fascismo surge, assim, no interior de um contexto histrico de mudanas, colocando-se como a encarnao da prpria mudana, como eixo de superao do atraso e como elemento de renovao que objetivava no apenas o domnio do cenrio poltico, mas uma insero total na vida dos indivduos. Buscava ser, portanto, no apenas uma lente de observao da poltica, da economia, das relaes sociais. Pretendia ser uma lente atravs da qual os indivduos viam o mundo e sua existncia. Por esta dimenso, tornou-se um fenmeno poltico de grandes propores, imprimindo sua marca no sculo XX e gerando uma srie de anlises convergentes em alguns pontos e divergentes em outros. Isto porque, como coloca Robert Paxton, muitos tm a impresso de saber o que o fascismo realmente . Alguns de seus elementos caractersticos so sempre recorridos e colocados como uma espcie de manual de conhecimento deste movimento poltico, muitas vezes de forma simplista e limitada.

    Vista um pouco mais de perto, a realidade fascista se apresenta como mais

  • complexa. Isto porque o fascismo deve ser analisado mais em referncia a sua prtica do que a seu projeto. Neste sentido, importante estabelecer a diferena entre discurso fascista e prtica fascista, ainda que ambos sejam fundamentais no entendimento do fascnio provocado por ele. Considerado como uma forma radical de anti-capitalismo por alguns e como um socorro ao capitalismo por outros, em grande medida sob uma anlise marxista (mas no por todas as anlises marxistas), o fascismo possuiu uma srie de pressupostos tericos e diferentes prticas que buscaremos traar frente, com base especialmente na anlise de Paxton.

    O fascismo criticava o capitalismo no centralmente no que diz respeito explorao econmica que promove, embora esta seja um ponto de referncia, mas sim em relao a seu materialismo e sua colocao autnoma em relao nao,

    promovendo o afastamento do Estado na gerncia das questes relacionadas ao campo econmico e social. Assim, rejeitavam a noo materialista, onde as foras econmicas aparecem como o motor da histria. A crise econmica dos anos 20, acoplada a uma crise mais geral ps-Primeira Guerra Mundial, acabou por tornar acentuada a idia de que as foras do mercado, alm de desagregadoras, eram provocadoras do desemprego e da queda de produtividade, tornando mais intensos os conflitos no interior das relaes de trabalho, mais especificamente na luta de classes. Era, portanto, necessrio estabelecer o Estado como centro gerenciador da administrao econmica, como organismo abarcador de toda a totalidade social. O uso de expresses como revoluo ou revolucionrio nos discursos fascistas vai ao encontro da prpria idia de mudana total, de subverso da ordem preestabelecida em prol de uma redistribuio do poder social, econmico e poltico.4

    Foi um movimento que objetivava redesenhar as fronteiras entre o pblico e o privado, quebrando os limites que os separavam, recriando e criando novos espaos de atuao. Na relao entre indivduo e coletividade, o fascismo buscou eliminar a supremacia dos interesses individuais e coloc-los como secundrios frente aos interesses coletivos. Assim, a nao deveria ser a comunidade envolvida em prol dos prprios interesses nacionais, ou seja, os interesses dos indivduos seriam os interesses

    4 Como coloca Paxton, apesar do uso das expresses, no deve ser pensado em relao a concepo que o

    termo revoluo possuiu em 1917. O uso dos termos deve ser considerado dentro de um novo significado, mas precisamente em relao aos prprios objetivos dos atores polticos na concepo do discurso. C.f PAXTON, R. A anatomia do fascismo. So Paulo: Paz e Terra, 2007.

  • da ptria. Com isso, se objetivava criar uma coletividade unida por laos identitrios e um Estado orgnico e total, mantendo entre ambas essas instncias uma relao simbitica ainda que hierrquica.

    O fascismo, apresentado como fenmeno de extrema-direita, no se colocava nem como representante de uma nova direita, nem como da esquerda. No se colocava como centrista, ao contrrio, buscavam-se opor de forma veemente aos iderios polticos presentes poca. Criticava profundamente o parlamentarismo liberal, o individualismo burgus, ao mesmo tempo em que se colocava como uma muralha de conteno da revoluo comunista e das idias marxistas. Todavia, neste ponto, temos uma questo que envolve a diferenciao entre discurso e prtica fascista. Segundo Paxton, apesar da crtica ao Estado Liberal e a burguesia, pontos localizveis nos discursos fascistas, necessrio pensar que os fascistas, para chegarem e se manterem no poder, estabeleceram diversas alianas no s com a burguesia, mas tambm com conservadores nacionais. Estes viam no fascismo uma forma de conter o avano da esquerda e a crise que ameaava o pas e tornava iminente uma possvel revoluo, ao mesmo tempo em que acreditavam poder manipular as lideranas fascistas conforme seus interesses, o que em suma no aconteceu. Todavia, considerar que o lder fascista tambm possuiu um comando absoluto desconsiderar que o exerccio do poder exige alguma maleabilidade na prpria gerncia dos diferentes interesses daqueles que participam do jogo poltico, ou seja, exige uma mediao bastante razovel para manter a coeso. Neste sentido, a prpria noo de lder fascista deve ser relativizada. Apesar da importncia fundamental da centralidade de Hitler e Mussolini, na prtica as decises correntes no jogo poltico conflitavam sempre os interesses particulares dos lderes com outros interesses como os da militncia poltica ou das elites conservadoras. As ditaduras fascistas no eram monolticas, nem estticas. Os lderes necessitavam da cooperao ou ao menos do que poderamos chamar de aval dos diversos outros grupos que participam direta, ou indiretamente, da cpula decisria do poder organizado. Assim, sustentavam diversos conflitos e tenses e, por isso, o elemento autoritrio era de suma importncia, exatamente para nivelar e subordinar os interesses privados aos imperativos da nova ordem. Paxton afirma que estes regimes, portanto, se consolidavam sobre bases de conflituosa colaborao entre o lder fascista, seu partido,

  • a mquina estatal e a sociedade civil5. O que esses movimentos buscavam era uma modernidade alternativa, uma

    sociedade tecnicamente avanada, promotora do crescimento econmico e industrial, criadora de constantes oportunidades de crescimento, elevando a nao e promovendo a produtividade. As tradies, constantemente invocadas, no representavam um desejo de retorno a uma tradio remota ou uma restaurao de um passado longnquo e glorioso, mas apareciam como referncia, como o elemento de elo entre a comunidade e como formadora dos laos de identidade que unem os indivduos ptria-me.

    Como podemos analisar, portanto, a diferena entre a base terica e discursiva do fascismo e suas estratgias aps a chegada ao poder? Como diferenciar a anlise entre movimentos fascistas que alcanaram o exerccio do Estado e outros que no passaram de projetos polticos? Devemos estar atentos, para isso, na diferena entre teoria e prtica, entre o discurso fascista e suas prticas cotidianas. O fascismo, como parte de uma nova poltica de massas, baseou sua ao no poder e no em um programa especfico, como coloca Paxton. Os programas fascistas eram, em grande medida, informais e fluidos, importando mais a fidelidade dos adeptos do que propriamente sua concordncia intelectual.6

    Outro aspecto na anlise do fascismo, e que trataremos de forma mais ampla posteriormente, a busca pelas razes intelectuais deste fenmeno histrico. Muitos intelectuais so vistos como promotores do que seriam as razes do fascismo, tornando-se, atravs deles, possvel imaginar sua realizao. Nenhuma anlise que busque tais razes pode deixar de lado a noo do fascismo como movimento poltico caracterstico de um momento histrico especfico. Pensar as razes do fascismo no mais importantes ou determinantes do que o prprio contexto que propiciou seu aparecimento. As razes culturais contribuem no esboo geral do que venho a ser este movimento, mas no devem ser conformadas como uma linha evolutiva, evitando anlises de tipo teleolgicas. Optamos pela anlise de Paxton, que coloca em determinado ponto, se referindo ao fim do sculo XIX, que a preparao intelectual e

    5 Paxton faz referncia anlise de Ernst Fraenkel para falar do Estado nazista alemo como um Estado

    dual, dividido em um Estado normativo e um Estado prerrogativo. O primeiro constitudo pelas autoridades legais e pelo servio pblico e o segundo pelas organizaes paralelas do partido. Assim, ele faz uma diferenciao onde o Estado normativo segue regras especficas, burocrticas e o segundo, ao contrrio, no se aplicava uma regra. Essas diversas instncias que participavam do poder, direta ou indiretamente, vivam sob conflito e conciliao. PAXTON, Ibid., p. 205. 6 Ibid., pp. 40-41.

  • cultural pode ter tornado possvel imaginar o fascismo, mas ela no o causou7. Segundo Paxton, o fascismo, colocado no quadro mais geral dos diferentes -

    ismos, apresenta-se como dispare, na medida em que rejeita uma determinada universalidade onde a comunidade est frente da humanidade e onde cada movimento nacional acaba por dar expresso ao seu particularismo cultural. Portanto, o fascismo, como mais um -ismo, no pretendeu ser um produto de exportao. Como coloca o prprio autor, fazer funcionar uma internacional mostrou ser uma tarefa impossvel8.

    Ao analisar as possveis variaes do fascismo e sua existncia sob a forma de movimentos nacionais variados, no devemos dispensar o fascismo como ponto de anlise comparativa, apenas no us-lo com uma viso esttica, ora colocando-o como um conjunto de pressupostos essenciais, ora como um caso particular da Itlia. Apesar dos constantes nominalismos, o termo continua sendo fundamental nas abordagens. No se pode considerar o fascismo de forma isolada, mas tambm no devemos conceb-lo de forma cega, como um conjunto coerente de idias, transportadas no tempo e no espao de forma coesa. Por outro lado, a criao de taxonomias no colaboram para o avano na abordagem sobre o tema. necessrio, assim, observar as variaes, no organizando um programa fascista de modo a obter um tipo ideal, o que apenas nos daria uma viso esttica do que foi o fascismo.9

    1.2. O bero das idias: a busca das razes culturais e intelectuais do fascismo e o caso espanhol.

    O fascismo resultado das diferentes crises que acompanharam o nascimento do sculo XX. A Primeira Guerra Mundial proporcionou o nascimento, ainda pouco evidente, de um ativismo nacionalista, mobilizando uma massa de indivduos pouco familiarizados com um conflito que tomou grandes propores. A guerra no gerou o fascismo, mas lanou alguns elementos que unidos permitiram a conformao do contexto histrico de seu surgimento. Isso porque a guerra transformou, de diversas formas e intensidades, as vises de mundo daqueles que participaram ativamente, frente s trincheiras, e tambm daqueles que mesmo afastados dela sentiam o peso e o som das

    7 Ibid., p.75.

    8 Ibid., p. 44.

    9 Ibid., p. 46.

  • balas. Por isso, ao fim da guerra, as concepes sociais, polticas e culturais haviam se modificado, tomando uma nova feio por conta da devastao humana e material do conflito e da crise poltica e econmica subseqente. A guerra acentuou as tenses polticas e colocou lado a lado vertentes diversas que buscavam, desde j, dominar os princpios polticos da ordem mundial. O fascismo foi uma destas vertentes, mas colocou-se crtico ao conjunto ideolgico preexistente, apresentando s dores da guerra o fim das angstias e dos medos e o nascimento de uma nova forma de colocar-se no mundo.

    Obviamente, todo o contexto histrico anterior ao nascimento do fascismo aparece como cenrio de conformao das idias que posteriormente reconheceremos como pertencentes a seu iderio. Todavia, a discusso sobre este fenmeno histrico implica, por vezes, um olhar s idias vigentes no fim do sculo XIX, buscando o que seriam suas razes culturais e intelectuais e o conjunto de influncias que acabam por condicionar o aparecimento de um movimento que possua, no cerne de sua proposta, algumas das premissas posteriormente compartilhadas pelo grupo liderado por Mussolini. Pretendemos examinar as questes surgidas de tais abordagens, permitindo transport-las ao caso espanhol.

    Paxton afirma que o fim do sculo XIX representou, ou ao menos ensaiou, uma espcie de revolta contra a f liberal na liberdade individual, na razo, na harmonia humana natural e no progresso. Antes mesmo do estopim de 1914, j podamos localizar valores antiliberais, muitas vezes direcionados por um crescente nacionalismo, pela existncia do racismo e de uma nova esttica do instinto e da violncia. Neste sentido, era possvel localizar um campo cultural que permitiu que o fascismo germinasse.

    Podemos colocar a anlise de Zeev Sternhell, referente nova escola francesa encabeada por Sorel, como um modelo exemplificativo. O autor busca analisar uma possvel conformao de idias fascistas na Frana do incio do sculo. O nascimento da nova escola, formada a rigor em 1906-1907, por Sorel, Berth e Lagardelle marca uma nova leitura do sindicalismo revolucionrio francs. Apesar do posterior afastamento de Lagardelle, este grupo e seus adeptos iniciam uma forte crtica civilizao materialista, ordem democrtica liberal e impotncia da sociedade individualista diante da modernidade. Este revisionismo revolucionrio, em grande medida influenciado pelas idias sorelistas, propunha uma nova organizao da relao entre a dupla teoria

  • revolucionria e ao revolucionria. A rigor, afirmavam a necessidade de estabelecer um movimento inverso: a teoria como resultado da ao direta e no mais o contrrio. Por isto Sorel repudiava o reformismo muitas vezes abraado pelo proletariado francs, colocando-o como mais um elemento resultante das regras do jogo liberal.

    Podemos observar neste revisionismo elementos do que posteriormente classificaramos como sendo parte de um programa fascista, dentre eles a noo corporativa da economia, da sociedade e da poltica, a defesa de um Estado ativo e interventor e da propriedade privada. E, ainda, a crtica a luta partidria e seu parasitismo, ao modelo de organizao social nos moldes liberais, o reconhecimento do papel modernizador do Estado e do papel revolucionrio de uma minoria intelectualizada. A aproximao desta vertente revisionista impulsionada por Sorel e colocada pelos autores como a sntese socialista e nacional - com uma vertente do sindicalismo italiano e a posterior admirao nutrida por Mussolini em relao a Sorel, cria a tentao quase inevitvel de ver neste movimento francs a possvel origem das idias centrais do fascismo. Conclui o autor que,

    Berth no se enganou. A autoridade saiu, efetivamente, vitoriosa em toda a

    linha, dessa grande revolta contra o sculo XVIII, contra o materialismo e o racionalismo, contra o liberalismo, o marxismo ortodoxo, o socialismo

    reformista e a democracia. Em Frana e na Itlia, desde o final do primeiro

    decnio do nosso sculo, ela assumir os contornos do fascismo10.

    Todavia, na Frana, este movimento no passa de uma sntese intelectual. Apesar de Sternhell no ter por objetivo uma anlise de tipo teleolgica, este texto serve para ilustrar o que muitas vezes ocorre com as anlises direcionadas a uma busca pelas razes do fascismo. A possvel ligao entre o movimento sorelista, na Frana, com italianos simpatizados com o revisionismo revolucionrio de Sorel, na Itlia, nos permite pensar as relaes entre o conjunto ideolgico conformado principalmente pela ditadura de Miguel Primo de Rivera, na Espanha, e alguns pontos do projeto falangista e do pensamento poltico de Jos Antonio Primo de Rivera. A tentao, neste caso, buscar as razes do pensamento falangista j no incio do sculo, ou ao menos coloc-las como o bero do que posteriormente se colocar como os pontos centrais de ao

    10 ASHRI, Maa; STERNHELL, Zeev & SZNAJDER, Mario. Nascimento da

    Ideologia Fascista. Portugal: Bertrand Editora, 1995.

  • poltica da Falange. A ditadura de Miguel Primo de Rivera, que corresponde aos anos de 1923 a

    1930, aparece como um ensaio corporativo nascido de dois decretos-leis: o decreto-lei de organizao corporativa nacional11, de 1926, e o decreto-lei sobre organizao da agricultura, de 1928, alm de outros textos corporativos para organizaes especiais. Esses decretos surgem nos anos 20 para solucionar a chamada questo social a partir da interveno direta do Estado nos problemas sociais. Esse modelo corporativo objetivava um enquadramento das classes operria e patronal em estruturas no-sindicais de conciliao e arbitragem. Ou seja, a questo social aparece como eixo de ao do Estado primoriverista, no excluindo um projeto poltico corporativo-ditatorial.

    Todavia, esse modelo incorpora uma srie de elementos culturais de identificao, como o catolicismo. Em termos gerais, podemos observar trs indicaes bsicas. Primeiro, uma aproximao com o catolicismo social, base ideolgica de Eduardo Auns, ministro do trabalho da ditadura primoriverista, tambm era uma medida de aproximao com grupos conservadores importantes no cenrio poltico espanhol. Segundo, a incorporao das experincias de conciliao laboral desenvolvidas pelos comits paritrios catales nos anos que seguiram a Primeira Guerra Mundial. Em terceiro e ltimo lugar, a presena de um pensamento nacionalista voltado, em grande medida, para uma concepo estadista. A aproximao entre o corporativismo e o pensamento social catlico, influenciado ainda que timidamente por um antiliberalismo, acaba por conformar a centralidade de ao do Estado ditatorial espanhol. Com isso, queremos explicitar que havia no s a construo de um modelo corporativo em termos polticos, sociais e econmicos e o abarcamento de elementos culturais considerveis na Espanha, mas tambm a conformao de um sentimento nacional. Esse sentimento acaba associado a uma crtica ao liberalismo e a democracia.

    11 Este decreto se configurou como um mecanismo de arbitragem e conciliao, onde possvel observar

    a tentativa de estabelecer uma relao mais paritria entre o corpo patronal e operrio. A corporao aparece como obrigatria, funcionando como um brao do Estado que acaba por coordenar e regular, diretamente, os comits paritrios locais. Segundo Perfecto, funciona como um corpo profissional do Estado. Este um ponto interessante de anlise, na medida em que, na Espanha, diferentemente da Itlia, reconhece-se um pluralismo sindical, transformando os sindicatos em associaes livres, porm internalizadas em corporaes obrigatrias. Esta, segundo o prprio autor, foi uma medida necessria estabilidade da ditadura primorriverista, de forma que era necessrio respeitar, ou ao menos aceitar, uma situao j permanente na Espanha, onde era possvel observar uma espcie de diversidade no interior dos prprios sindicatos. C. f. PERFECTO, Miguel Angel. Influncias ideolgicas no projeto de corporativismo poltico-social da ditadura de Primo de Rivera (1923-1930). Penlope. Revista de Histria e Cincias Sociais, n. 5. Lisboa: Celta, 1991.

  • O Estado primoriverista possuiu um eixo de ao bastante claro: os sindicatos. Havia o reconhecimento do pluralismo sindical e, at certo ponto, a tolerncia diversidade existente no interior dos prprios sindicatos. Em suma, o objetivo, ainda no to claro neste momento, era gerir as relaes sociais e econmicas, aplicando os sentidos de disciplina, hierarquia e ordenao funcional. Segundo Perfecto,

    Frente frmula fascista do monoplio sindical e da sindicalizao das

    estruturas corporativas, em Espanha opta-se por criar as corporaes desde a base, reduzindo o papel dos sindicatos patronais eleio dos componentes

    dos comits paritrios, os quais uma vez eleitos, atuam como representantes

    do Estado no campo laboral.12

    As corporaes, enquanto organismos delegados pelo prprio Estado, mantm funes de direo e fiscalizao dos sindicatos, permitindo uma interveno direta do governo nos assuntos ligados s relaes de trabalho e evitando possveis conflitos entre operrios e corpo administrativo. Os comits paritrios possuam diversas competncias, dentre elas, os pactos coletivos de trabalho, onde eram decididas as questes que envolviam salrio, jornada de trabalho, descansos e etc. Possuam, ainda, atribuies judiciais relativas ao descumprimento destes pactos ou de leis gerais ligadas ao trabalho. A originalidade destes comits espanhis reside em sua capacidade legislativa, executiva e judicial. A ateno dada s relaes de trabalho parte da prpria colocao do ofcio como elemento determinador nas relaes entre os indivduos e criador de fraternidade. Como colocado por Perfecto,

    Os pactos coletivos de trabalho dispunham de todas as caractersticas que a

    lei italiana de 3 de abril de 1926 especificava para eles. A diferena mais notvel, no caso espanhol, era de que os pactos eram levados a cabo no seio

    de uma organizao supra-sindical tutelada pelo Estado, ao passo que em Itlia realizavam-se diretamente pelas associaes profissionais operrias e

    patronais.13

    E ao analisar a questo do ofcio, acrescenta que ele aparece como o

    12 PERFECTO, Miguel Angel. Influncias ideolgicas no projeto de corporativismo

    poltico-social da ditadura de Primo de Rivera (1923-1930). Penlope. Revista de Histria e Cincias Sociais, n 5. Lisboa: Celta, 1991, pp. 99-108. 13

    Id., p. 104.

  • Lao de unio de todos os que compe um setor de produo, sejam patres, tcnicos ou operrios, adquire, em alguns dos seus defensores, um carter

    quase teolgico.14

    A noo de organicidade da sociedade sempre um ponto de comparao entre a ditadura primoriverista e o projeto poltico falangista. Isto porque ambos direcionavam sua proposta a grupos especficos da sociedade e os elegiam como centros de ao direta do Estado: a famlia, o municpio e as corporaes gremistas. A estruturao do Estado estava pautada na supresso dos interesses individuais pelos interesses coletivos.

    No nosso objetivo traar um panorama da ditadura de Miguel Primo de Rivera. Apenas apontar que, mais do que semelhanas, os anos 20 e 30, na Espanha, so marcados pela reviso e conformao de projetos polticos alternativos e, consequentemente, havia um dilogo entre diversas correntes do pensamento poltico espanhol. Assim, a apreenso ou influncia de elementos fascistas nestes projetos possvel, seno localizvel. Todavia, necessrio se afastar das anlises que buscam as razes do fascismo espanhol. E mais, procurar o bero das idias falangistas, em especial do pensamento poltico de Jos Antonio Primo de Rivera, na ditadura de Miguel Primo de Rivera acaba por reduzir a abordagem, traando uma linha evolutiva das idias que desembocaram no projeto poltico do movimento. Consideramos mais produtivo buscar influncias, mas sem se distanciar do prprio movimento falangista, sua organizao interna, sua forma de atuao, seus pressupostos tericos. Deve-se, neste caso, estar atento mais ao filho que ao pai.

    Compartilhamos da abordagem de Paxton, quando afirma que seria equivocado traarmos linhas retroativas que nos levem s razes, ao incio, ao bero das idias. Transportando a anlise do autor para o caso espanhol, conclumos que a relao entre a ditadura primoriverista e o projeto poltico de Jos Antonio Primo de Rivera, chefe nacional da Falange Espanhola das JONS, nos proporcionaria, se observada atravs de uma viso teleolgica dos fatos, apenas uma leitura retroativa, limitando o olhar apenas para os textos e afirmaes que parecem nos apontar semelhanas. Segundo o autor, essa busca pelos pensadores pioneiros no leva em conta, muitas vezes, que para o

    14 Id., p. 105.

  • nascimento do fascismo, ponto central de anlise, foram necessrios diversos elementos especficos como uma poltica de massas, ou seja, uma participao maior dos indivduos comuns na poltica, onde o objetivo no era afast-los do jogo poltico, ao contrrio, era disciplin-los e manej-los tornando-os um corpo coeso de ao15. Neste sentido, tornou-se extremamente necessrio uma mudana na cultura poltica onde no era mais possvel afastar a participao das massas na poltica.

    Bibliografia

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    15 PAXTON, Ibid., p. 79.