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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
Departamento de Ciências Administrativas, Contábeis, Econômicas e da Comunicação
Departamento de Estudos Agrários
Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
FÁTIMA FAGUNDES BARASUOL HAMMARSTRÖN
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL: Saber Ambiental como possibilidade de efetivação do direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
Ijuí/RS
2012
FÁTIMA FAGUNDES BARASUOL HAMMARSTRÖN
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL: Saber Ambiental como possibilidade de efetivação do direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
Dissertação apresentada no Curso de Pós-Graduação
Stricto Sensu (Mestrado) em Desenvolvimento, linha de
pesquisa: Direito, Cidadania e Desenvolvimento, da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci
Ijuí/RS
2012
H224e Hammarströn, Fátima Fagundes Barasuol.
Estado democrático de direito ambiental e desenvolvimento sustentável :
saber ambiental como possibilidade de efetivação do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado / . – Ijuí, 2012. –
93 f. ; 29 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento.
“Orientador: Daniel Rubens Cenci”.
1. Meio ambiente. 2. Sustentabilidade. 3. Saber ambiental. 4. Direito
ambiental. I. Cenci, Daniel Rubens. II. Título. III. Título: Saber ambiental
como possibilidade de efetivação do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
CDU: 332.1
349.6
Catalogação na Publicação
Aline Morales dos Santos Theobald
CRB 10/1879
UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
EESSTTAADDOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCOO DDEE DDIIRREEIITTOO AAMMBBIIEENNTTAALL EE
DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO SSUUSSTTEENNTTÁÁVVEELL:: SSAABBEERR AAMMBBIIEENNTTAALL CCOOMMOO
PPOOSSSSIIBBIILLIIDDAADDEE DDEE EEFFEETTIIVVAAÇÇÃÃOO DDOO DDIIRREEIITTOO AAOO MMEEIIOO AAMMBBIIEENNTTEE
EECCOOLLOOGGIICCAAMMEENNTTEE EEQQUUIILLIIBBRRAADDOO
elaborada por
FÁTIMA FAGUNDES BARASUOL HAMMARSTRON
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci (UNIJUÍ): __________________________________________
Prof. Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo (UFSM): ___________________________________
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): _________________________________________
Ijuí (RS), 17 de dezembro de 2012.
Dedico esse trabalho aos dois espíritos de luz que
Deus colocou em meu caminho para me iluminar,
meu filho ARTUR e meu esposo MARCEL.
Ao Artur, razão da minha existência, pelo seu
sorriso ingênuo e sincero juntamente com a frase
“mamãe eu te amo” que me dirigia todas as vezes
que a culpa, por não dedicar a ele o tempo e a
atenção que merecia, doía como uma espada em
meu peito; pelas vezes em que levantava de uma
queda com um olhar de “estou pronto para outra”,
o que me inspirava a jamais desistir diante dos
obstáculos.
Ao Marcel, amor de muitas vidas, por muitas
vezes ter abdicado de seus próprios projetos de
vida para me apoiar; por ter entendido minhas
diversas ausências, mesmo estando ao alcance
de seus olhos; pelas vezes que me “sacudia” com
palavras de incentivo, quando tinha vontade de
desistir, jamais permitindo que eu fraquejasse.
EU AMO VOCÊS.
AGRADECIMENTOS
À Deus, por ter me dado saúde, força e persistência para superar todos os
desafios que surgiram ao longo do Mestrado;
Ao meu pai, que constantemente se fazia e se faz presente, em meu
pensamento e coração, me amparando e me transmitindo seu exemplo de força
nos momentos em que eu o desânimo, a culpa e a solidão me abatiam;
À minha mãe, que do seu modo sempre torceu e rezou por mim;
Aos meus sogros Paulo e Laci, que foram um alicerce me dando suporte todas
as vezes que tinha que abandonar minha família para dedicar-me aos estudos;
À todas as pessoas amigas e familiares, que mesmo muitas vezes não
entendendo a minha ausência, me incentivam a buscar meus objetivos;
Ao meu orientador e amigo Dr. Daniel Rubens Cenci, pelo exemplo de
dedicação, sabedoria e simplicidade; pela credibilidade e confiança que sempre
me dedicou, sem esse apoio certamente esse trabalho não teria sido possível e
pelo exemplo de professor/educador/profissional que é;
À todos os professores do Mestrado, especialmente ao profª Dr. Gilmar Antonio
Bedin, que sempre me incentivou e se mostrou como um exemplo de pessoa,
profissional e incansável estudioso;
À Janete, que durante o período em que foi secretária do Mestrado em
Desenvolvimento que, sempre de boa vontade e um sorriso no rosto, foi um
suporte para todas as dificuldades;
Por fim, e não menos importante, à CAPES, pelo incentivo financeiro que
possibilitou-me realizar o Mestrado.
“Cada dia a natureza produz o suficiente para
nossa carência. Se cada um tomasse o que lhe
fosse necessário, não havia pobreza no mundo e
ninguém morreria de fome.”
(Mahatma Gandhi)
“O mundo tornou-se perigoso, porque os homens
aprenderam a dominar a natureza antes de se
dominarem a si mesmos.”
(Albert Schweitzer)
RESUMO
O presente trabalho discorre sobre o agravamento dos problemas socioambientais que se apresentam na atualidade como ameaças desenfreadas as gerações futuras e da necessidade de implementação de uma nova racionalidade alicerçada sobre o paradigma do saber ambiental. A proteção ambiental tem se tornado uma tarefa inevitável ao Estado Democrático de Direito Ambiental, que deve criar condições para a preservação e fruição de bens ambientais, associado a um (re)significar da racionalidade ambiental. Desta forma buscou-se efetuar um levantamento das principais causas da crise ambiental, com base em uma análise crítica da sociedade atual, regida pela racionalidade econômica, e a forma como esta se posiciona frente aos recursos ambientais, tendo como parâmetro uma sustentabilidade embasada uma atuação ativa do Estado Democrático de Direito Ambiental, associada a uma consciência crítica e transformadora, onde o meio ambiente passe a ser visto como um bem esgotável e limitado e que, uma vez degradado, não mais se recupera, gerando assim consequências catastróficas para esta mesma sociedade que prima pelo capitalismo e pelo consumo em detrimentos dos bens naturais. Diante destas constatações, buscou-se os ensinamentos de Enrique Leff,que traz a educação ambiental e a ética ambiental como pressupostos de um saber ambiental voltado para a construção de novos conceitos e valores que tragam uma (re)significação do papel do homem frente a uma natureza com recursos esgotáveis.
Palavras-chave: Meio Ambiente. Sustentabilidade. Saber Ambiental.
ABSTRACT
This paper discusses the worsening of social problems that present themselves today as threats unbridled future generations and the need to implement a new rationality founded on the paradigm of environmental knowledge. Environmental protection has become an unavoidable task to the Democratic State Environmental Law, which should create conditions for the preservation and enjoyment of environmental goods, associated with a (re) define the environmental rationality. Thus we sought to conduct a survey of the main causes of the environmental crisis, based on a critical analysis of current society, governed by economic rationality, and how it is positioned opposite to environmental resources, as taking one parameter sustainability grounded active performance Democratic State environmental Law, associated with a critical consciousness and transformative, where the environment to become seen as an inexhaustible well and limited and that, once degraded, no longer recovers, thus generating disastrous consequences for this same society press by capitalism and consumption to the detriment of natural resources. Given these findings, we sought the teachings of Enrique Leff, which brings environmental education and environmental ethics as assumptions of a knowledge environment facing the construction of new concepts and values that bring a (re) signifying the role of the man in front of a nature with exhaustible resources.
Keywords: Environment. Sustainability. Environmental Knowledge.
LISTA DE ABREVIATURAS
AIA – Avaliação de Impacto Ambiental
ARPA – Programa Águas Protegidas da Amazônia
CF/88 - Constituição Federal de 1988
CNBS – Conselho Nacional de Biossegurança
COBAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
ECO-92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento
EPIA – Estudo Prévio de Impacto Ambiental
FLACAM – Fórum Latino-Americano de Ciências Ambientais
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PNMA – Programa Nacional para o Meio Ambiente
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
RIO+10 – Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável
RIO+20 – Conferencia das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável
SEMA - Secretaria Especial de Meio Ambiente
SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11
1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO AMBIENTAL ......................................... 15
1.1 Fundamentos Internacionais do Estado Democrático de Direito Ambiental .... 16
1.2 Os aspectos históricos, a evolução do Direito Ambiental no Direito Brasileiro e
sua internacionalização ........................................................................................... 22
1.3 O alcance dos princípios do Direito Ambiental Brasileiro .................................. 29
1.3.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável ..................................................... 29
1.3.2 Princípio da Precaução ................................................................................... 31
1.3.3 Princípio da Prevenção ................................................................................... 31
1.3.4 Princípio da Participação ................................................................................ 32
1.3.5 Princípio do Poluidor Pagador ....................................................................... 33
1.4 Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente ....................................... 36
2 DESENVOLVIMENTO E CRISE AMBIENTAL: perspectivas de sustentabilidade
................................................................................................................................... 41
2.1 Crise ambiental e crise do desenvolvimento ....................................................... 42
2.1.1 Consumo Ilimitado frente a recursos Ilimitados ................................................ 44
2.1.2 A perda da qualidade ambiental (água, ar, solo, fauna e flora) ...................... 46
2.1.3 Urbanização (favelas, desigualdade econômica) ........................................... 50
2.2 Concepções Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável ........................ 53
2.2.1 Desenvolvimento sustentável como enfrentamento da crise ambiental ......... 54
2.2.2 Principais desafios e mecanismos para a concretização de um
desenvolvimento sustentável .................................................................................. 55
2.3 A Sustentabilidade Ambiental e os saberes do Estado Democrático de Direito
Ambiental .................................................................................................................. 58
2.3.1 A globalização e o consumo sustentável ......................................................... 59
2.3.2 A crise social e função do Estado Democrático de Direito Ambiental e da
coletividade na implementação do desenvolvimento sustentável ............................. 61
3 SABER AMBIENTAL E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: uma análise a
partir de Enrique Leff ............................................................................................... 65
3.1 Democracia ambiental, racionalidade ambiental, consciência ambiental e sua
intervenção na qualidade de vida ........................................................................... 68
3.1.1 A Racionalidade Ambiental como pressuposto do Saber Ambiental ............. 69
3.1.2 A Racionalidade Ambiental como forma de reapropriação do meio ambiente 72
3.2. A educação ambiental como uma das formas de saber ambiental .................. 75
3.3 A ética ambiental e a ética pela vida .................................................................... 79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 84
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 89
11
INTRODUÇÃO
O tema do presente trabalho partiu da constatação de que os recursos
naturais, que, até o século passado pareciam inesgotáveis estão chegando a um
limite crítico, uma verdadeira crise socioambiental, uma vez que a sociedade
moderna, regida por uma racionalidade exclusivamente econômica, a qual busca a
satisfação insaciável das necessidades de consumo, está degradando a natureza
sem qualquer preocupação com as consequências que, se antes pareciam
distante, hoje estão muito mais próximas do que se pode imaginar, para não dizer
que algumas já vêm apresentando-se de forma catastrófica.
Tal situação levou o Estado Democrático de Direito Ambiental a passar por
uma reestruturação de seu papel junto à sociedade nas questões voltadas ao meio
ambiente, uma vez que, conjuntamente com todos os atores sociais envolvidos nas
questões de proteção ambiental, o Estado é constitucionalmente responsável pela
garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado que possa garantir uma
qualidade de vida digna, não somente aos seres hoje existentes, como também
aos que virão sucedê-los num futuro breve ou longo. Para que isso seja possível, a
participação da sociedade como sujeitos ativos desta transformação é
imprescindível, conjuntamente com a criação de um novo paradigma de
desenvolvimento sustentável.
A sociedade atual, voltada para a racionalidade econômica, precisa não só
conscientizar-se da finitude dos recursos naturais, como também exercer seu papel
de sujeito atuante e participativo nas tomadas de decisões voltadas à proteção
ambiental; contudo, para que isso ocorra, faz-se necessário uma releitura dos
12
paradigmas atuais do desenvolvimento sustentável, que possibilitará a inserção de
um saber ambiental voltado para a racionalidade ambiental, a qual, amparada pela
democracia, pela ética e pela educação ambiental, fará surgir um novo cenário de
transformação e de redefinição dos conceitos atuais do próprio meio ambiente.
A questão que surge diante de tais constatações e que se buscou encontrar
uma resposta ao longo do presente trabalho foi de que, diante deste quadro de
risco que clama por ações imediatas, existem perspectivas de efetivação do
Estado Democrático de Direito Ambiental como instrumento garantidor do direito
ao(do) meio ambiente ecologicamente equilibrado e o que seria necessário para
que a sociedade viesse a exercer o seu papel na busca deste meio ambiente de
qualidade?
Inúmeras são as obras e autores que trazem a tona os problemas
ambientais, contudo, poucos são aqueles que apontam para possíveis soluções.
Este foi o maior desafio no desenvolvimento do trabalho, uma vez que não basta
ser apresentado o problema, é necessário entender-se as suas principais causas
e, a partir destas, buscarem-se possíveis soluções que possam ser aplicadas de
forma prática e eficaz.
Na busca de tais respostas algumas hipóteses foram levantadas, como o
questionamento da racionalidade econômica vigente e sua transformação para
uma racionalidade voltada ao resgate ambiental e social capaz de redefinir a
relação do homem com o meio ambiente no processo de desenvolvimento e o uso
de conhecimentos interdisciplinarmente produzidos, na perspectiva de novos modos
de produção e estilos de vida, alicerçados pelas condições e potencialidades
ecológicas de cada região, assim como na diversidade étnica e na autonomia das
populações para a gestão democrática dos seus recursos, tendo como elemento
garantidor o Estado Democrático de Direito Ambiental; bem como o saber ambiental,
fundamentado na ética e na educação ambiental e em uma cultura de
conscientização e proteção aos recursos naturais, como alicerce para a
concretização da sustentabilidade e efetivação do Estado Democrático de Direito
Ambiental.
13
Para se atingir os objetivos propostos, a metodologia utilizada na elaboração
deste trabalho foi método hipotético-dedutivo, o qual consiste na construção de
hipóteses, denominadas de conjecturas, as quais passam por testes variados até
serem confrontadas com os fatos, verificando-se com isso qualquer tentativa de
falseamento, pois somente então serem consideradas como certas. Neste método a
partir das hipóteses formuladas deduz-se a solução do problema, colocam-se em
questionamento os conhecimentos já existentes visando o surgimento de novos
conhecimentos.
Como instrumento de foi utilizada a pesquisa bibliográfica e documental, onde
se fez uma análise da situação atual que se encontram os recursos ambientais
frente ao desenvolvimento, bem como o levantamento de possibilidade de
concretização de um desenvolvimento sustentável como característica e
pressuposto fundamental do Estado Democrático de Direito, tendo como base as
obras de Enrique Leff, nas quais é apontado o Saber Ambiental como uma maneira
de (re)significar os conceitos ambientais mediante a desconstrução da racionalidade
econômica e a construção de uma racionalidade ambiental, como forma de garantia
de um desenvolvimento sustentável, voltado à garantia de um ambiente
ecologicamente equilibrado para a atual e as futuras gerações.
Desta forma, ao longo do primeiro capítulo se faz uma evolução histórica do
Estado Democrático de Direito Ambiental, partindo-se de um contexto internacional e
atendo-se de forma mais precisa ao contexto brasileiro. Neste sentido é analisada a
evolução do direito internacional ambiental, partindo-se das primeiras discussões
ambientalistas especialmente aquelas de maiores repercussões como a Conferência
de Estocolmo, realizada em 1972 até a Conferência do Rio de Janeiro de 2012,
dando-se maior ênfase à Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano, ocorrida também no Rio de Janeiro no ano de 1992, a qual
deu origem a um dos principais documentos garantidores de proteção ao meio
Ambiente: a denominada Agenda 21. Visando um maior entendimento das normas
protetivas ao meio ambiente, se faz uma breve análise sobre os princípios que sobre
os quais se solidifica a efetivação das medidas de proteção a um bem de interesse
coletivo, e por derradeiro, são apresentados de forma sucinta os Instrumentos da
14
Política Nacional do Meio Ambiente e o papel do Estado Democrático de Direito
Ambiental como garantidor da aplicação dos mesmos.
No segundo capítulo, parte-se para uma análise da crise ambiental e da crise
do desenvolvimento, frente ao consumo ilimitado de recursos limitados. São
elencadas as possíveis causas e efeitos dessa crise, para então se fazer uma
análise dos conceitos de desenvolvimento sustentável e da forma como este pode
ser uma das únicas maneiras de frear as lesões de que o meio ambiente está sendo
vítima. Ao se questionar os principais desafios e mecanismos para se enfrentar tais
problemas, os quais ultrapassam as questões ambientais e recaem sobre questões
sociais, é trazida a sustentabilidade ambiental e a (re)construção de novos saberes
como mecanismos de efetiva implementação do Estado Democrático de Direito
Ambiental.
Por derradeiro, no terceiro capítulo, se faz uma análise das premissas de
Enrique Leff, ambientalista mexicano, que em suas obras aborda a racionalidade
ambiental como possível solução para a crise, sem, contudo descartar a
racionalidade econômica, visto que não é possível a exigência de uma sociedade
afastada do contexto econômico, defendendo o equilíbrio entre ambas. Ao longo do
capítulo, apresenta-se a racionalidade ambiental, defendida por Leff e outros autores
como Leonardo Boff, como uma forma de reapropriação do meio ambiente,
mediante um novo saber – o saber ambiental – o qual se funda na educação
ambiental, seja ela formal ou informal, e na ética ambiental como uma ética da vida.
Desta forma, perpassa-se ao longo dos três capítulos desde a evolução do
Estado Democrático de Direito Ambiental, as principais causas e efeitos da crise
ambiental até a apresentação e análise do saber ambiental mediante a participação
ativa e consciente dos atores sociais na implementação deste Estado garantidor de
um meio ambiente ecologicamente equilibrado, chegando-se assim a resposta,
mesmo que ainda passível de muitas discussões e análises dos questionamentos e
anseios que originaram o presente trabalho.
15
1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO AMBIENTAL
O Estado Democrático de Direito Ambiental emerge de uma reestruturação do
papel do Estado junto à sociedade, uma vez que com a caracterização do meio
ambiente como um direito fundamental de terceira geração, a proteção ambiental
gerou uma maior responsabilização do Estado moderno na garantia a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, o que leva, consequentemente, a uma
qualidade de vida.
Tal situação acabou por gerar a necessidade de uma reestruturação do
Estado Democrático, o qual, para assumir o papel de um Estado Democrático de
Direito Ambiental precisou passar por profundas mudanças na postura adotada
frente à sociedade, visto que não bastou mais a simples constatação da crise
ambiental sendo imprescindível um novo paradigma de desenvolvimento
sustentável.
Desta forma, Morais traz uma definição do que efetivamente é o Estado
Democrático de Direito e sua principal finalidade:
O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, com o Estado Social de Direito, mas uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e, passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também sobre a ordem jurídica. E mais, a idéia de democracia contém e implica, necessariamente, a questão da solução do problema das condições materiais de existência. (1996, p. 74/75)
16
Diante deste contexto, “[...] em linhas gerais, o Estado de direito ambiental
pode ser compreendido como produto de novas reivindicações fundamentais do ser
humano e particularizado pela ênfase que confere à proteção do meio ambiente. [...]”
(LEITE E FERREIRA, 2004, p. 13), o que evidencia o papel do Estado Democrático
de Direito Ambiental como garantidor de um ambiente ecologicamente equilibrado
perpassa pela efetivação de medidas e políticas em que os atores sociais passem a
fazer parte do processo de desenvolvimento através da efetivação da cidadania, a
qual nasce de uma re(conceitualização) de valores coletivos voltados à proteção
ambiental em prol da própria qualidade de vida desta coletividade.
Para Leite e Ayala (2003), essa nova estrutura de Estado diz respeito a um
novo perfil modificado dos direitos sociais, os quais exigem ações de cidadania
compartilhada entre Estado e cidadãos, através de instrumentos de precaução e
proteção, não só através de responsabilização como de preservação, visando com
isso a preservação ecológica.
1.1 Fundamentos Internacionais do Estado Democrático de Direito Ambiental
O Direito Ambiental internacional nasce da tomada de consciência da
sociedade internacional da necessidade de uma proteção globalizada em relação ao
meio ambiente, o que somente teve uma concretização maior no século XX, mais
especificamente com a Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente Humano,
realizada no ano de 1972 em Estocolmo, a qual serviu de norte para os Estados
estruturarem uma legislação ambiental onde as questões econômicas não
causassem danos irreparáveis ao meio ambiente.
Até então, as primeiras preocupações com questões voltadas ao meio
ambiente, ainda que sem essa denominação, limitando-se apenas a questão da
natureza, e já existiam desde 1900 a.C com surgimento do direito florestal na
Babilônia seguidas de outras normas de regulamentação da poluição e da utilização
de recursos naturais. Contudo tais preocupações estavam muito mais voltadas aos
interesses privados do homem do que com o próprio meio ambiente.
17
Uma visão antropocêntrica e utilitarista vinculada a fatores econômicos fazia
com que as questões ambientais fossem abordadas de forma fragmentada, isolada
por regiões, jamais se tendo um olhar global, o que impossibilitava uma maior
abrangência dos instrumentos de proteção ambiental.
Assim, a real preocupação com o meio ambiente é algo bastante recente, pois
foi somente no século XX, com as primeiras concepções de ecologia, ainda
estudada como ramo da biologia, que começou a se desenvolver um olhar para o
meio ambiente como algo que está interligado à existência dos seres. Até então o
homem não tinha se dado conta dos danos e ameaças ao equilíbrio natural que sua
ação desenfreada e sem qualquer preocupação estavam causando.
Dentre os principais fatores que levaram a constatação das crises ambientais
e a emergência do direito ambiental internacional podem ser citadas a questão da
poluição transfronteiriça, que ultrapassava as fronteiras físicas dos Estados e a
questão da poluição dos mares e oceanos que começou a gerar danos catastróficos
de âmbito global, tudo isso tendo como ponto de partida a utilização desenfreada e
despreocupada do homem junto à natureza.
A constatação dos danos causados por tais ações do homem acabaram por
levar a uma consciência da necessidade de buscarem-se meios de prevenção e de
reparação dos mesmos, o que forçou os países ao reconhecimento de que o meio
ambiente é único para todos os povos, independente de continente ou Estado, não
existindo a possibilidade de se discutir o meio ambiente individualmente em cada
Estado-Nação. Isso fez com que os Estados passassem a pensar juntos meios de
proteção e preservação, o que levou ao surgimento de normas internacionais de
regulamentação do direito ao meio ambiente.
A atual tomada de consciência da necessidade de prevenir-se contra a degradação do meio ambiente, o qual se encontra segmentado por inúmeras partes distribuídas pelos Estados, forçou os países a reconhecer que, no universo do planeta Terra, existe um único meio ambiente e a única maneira de ter-se uma regulamentação racional em relação a ele seria unificar os vários ‘meio ambientes’ – local, nacional, regional ou internacional – num único sistema normativo, determinado pelo direito internacional. [...] somente poderia haver resultado na prevenção de grandes tragédias ambientais desde que
18
houvesse uma efetiva coordenação, em nível internacional, dos esforços e das políticas ambientalistas, adotados nos ordenamentos jurídicos nacionais. (SOARES, 2003, p. 39/40)
Existem inúmeras divergências quanto ao marco inicial do direito internacional
ambiental; contudo é pacífico o entendimento de que somente após a constatação
de que apenas globalmente em ações conjuntas é que se poderia evitar a
continuidade da degradação que começaram a surgir, ainda muito latente, as
primeiras normas internacionais voltadas ao meio ambiente, sendo que os maiores
debates a cerca do tema intensificaram-se a partir dos anos 60.
O que importa, contudo, não é a data exata do surgimento das normas de
proteção ambiental, e sim as características desse novo ramo do direito, o qual
passou a ter uma autonomia e uma flexibilidade com regulamentações de âmbito
internacional e com isso “[...] passa a prevalecer um entendimento de que o Direito
Ambiental do século 21 não deve ser confundido com a mera proteção dos bens
naturais. [...]” (OLIVEIRA, 2007, p. 114)
Apesar da Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, a qual é
considerada como um dos pontos de partida para as discussões sobre meio
ambiente; foi na resolução que convocou os países para a conferência do Rio de
Janeiro sobre meio ambiente que se utilizou pela primeira vez a expressão Direito
Ambiental Internacional, o qual passou a ter uma autonomia no âmbito jurídico e
apresentar características peculiares em relação aos demais ramos do direito.
[...]. Isso faz com que seja um direito que passou a ter um desenvolvimento mais rápido no plano internacional do que no plano interno, muito embora, atualmente, já se verifique um equilíbrio entre ambos. [...]. Trata-se, portanto, de um direito com caráter horizontal, pois abrange diferentes ramos. Possui, ainda, uma natureza inter e multidisciplinar e que se apresenta influenciado por critérios finalistas, ao contrário dos demais ramos, em que o fim a ser atingido não é algo determinante, desde que as relações se processem de modo adequado. (OLIVEIRA, 2007, p. 114):
A ONU desempenhou papel fundamental na criação e desenvolvimento do
Direito Internacional Ambiental uma vez que foi através da Resolução nº 2.398 da
Assembléia Geral que em 1968 que se recomendou a convocação o mais breve
19
possível da Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente Humano. Mesmo
assim ainda decorrem quatro anos de consulta entre os Estados e de trabalho
preparatório, onde foram elaborados e discutidos os principais elementos as serem
apresentados na Conferência.
Durante essas discussões começaram a surgir as primeiras divergências
entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, enquanto os primeiros
pleiteavam para colocar em pauta questões voltadas a poluição da água, do solo e
da atmosfera, os segundos queriam que fossem discutidas políticas de preservação;
verificando-se com isso a despreocupação dos países desenvolvidos com os custos
que Soares (2003, p. 43) chama de “[...] uma política de ‘limpar o mundo a qualquer
custo’ [...]”, o que fez com que alguns países de desenvolvimento não aceitassem
positivamente a realização da Conferência, inclusive o Brasil, uma vez que para
estes existiam problemas considerados de maiores dimensões e com reflexos
diretos como a fome, a pobreza, a educação.
Contudo, após inúmeras discussões e negociações preparatórias, foi marcada
a Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente Humano para ser realizada nos
dias 05 a 16 de junho de 1972, na cidade sueca de Estocolmo, dando assim uma
visão mundial e madura do direito ambiental internacional, sendo este momento
considerado como o marco inicial do desenvolvimento de tal direito, uma vez que
após a referida conferência inúmeros foram os tratados e convenções firmados entre
os países visando a proteção ambiental, sendo todos eles passados pelo crivo de
órgão especializados da ONU.
A Declaração de Estocolmo constituiu um marco para o direito Ambiental Internacional, tendo em vista que a consciência acerca dos dilemas ambientais surgiu na década de 70. [...]. Com base na Declaração de Estocolmo consegue-se formalizar, num documento escrito, metas a serem seguidas pelos países para que se consiga alcançar um nível de desenvolvimento econômico e ambiental de forma a um não interferir negativamente no outro. [...] (OLIVEIRA, 2007, p.138)
Durante a Conferência das Nações Unidas, de acordo com Soares (2003)
foram votados a Declaração de Estocolmo, composta de um Preâmbulo com 07
pontos e de 26 princípios; o Plano de Ação para o Meio Ambiente, composta por 109
20
recomendações envolvendo as políticas voltadas a avaliação do meio ambiente
mundial, à gestão do meio ambiente e as direcionadas às medidas de apoio; a
resolução sobre os aspectos financeiros e organizacionais no âmbito da ONU e a
resolução que criava o Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
(PNUMA)
Paralelamente às reuniões oficias dos Estados durante a Conferência de
Estocolmo, foram promovidos inúmeros eventos promovidos por organizações
governamentais e não governamentais e por entidades privadas em defesa do meio
ambiente. Essas manifestações, associadas as reuniões oficiais acabaram por gerar
reflexos diretos e imediatos nas relações internacionais dos Estados e em seus
ordenamentos internos, fazendo com que surgissem inúmeros tratados e
convenções .
Assim, a referida conferência contribuiu de forma significativa para a
modificação da concepção de Direito Ambiental Internacional, o qual passou a ter
mecanismos de “[...] regulamentação, administração e gestão de recursos
ambientais mediante o estabelecimento de metas econômicas e ecologicamente
aceitáveis. [...]” (OLIVEIRA, 2007, p.122).
Passados 10 anos da Conferência das Nações Unidas, o Programa das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA), tendo por objetivo discutir e
avaliar os resultados da referida conferência, promovem em Nairóbi um encontro
onde é criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
instituída em 1983, a qual tinha por finalidade reexaminar os problemas ambientais e
apresentar novas propostas de solução, gerando após 04 anos de trabalho, o
Relatório Brundthald. Foi neste relatório que apareceu pela primeira vez a expressão
“desenvolvimento sustentável”.
No Relatório Brundthald, ficou nitidamente demonstrada a preocupação da
comunidade internacional com a destruição do meio ambiente e a utilização
indiscriminadas dos recursos da natureza, da mesma forma, ficou evidenciado que a
pobreza e as desigualdades sociais, especialmente nos países pobres era um dos
fatores geradores de poluição ambiental. A Comissão Mundial sobre o Meio
21
Ambiente e Desenvolvimento, de acordo com Silva (2002), classificou os problemas
ambientais em três grandes grupos: o primeiro ligado à poluição ambiental; o
segundo aos recursos naturais e o terceiro às questões sociais ligadas ao homem
como centro dos problemas ambientais.
Os 20 anos subsequentes à Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente
Humano de Estocolmo foram marcados pelo aumento da consciência mundial sobre
as necessidades de preservação do meio ambiente; contudo, vários desastres
ecológicos e grandes catástrofes ambientais, mesmo localizados geram repercussão
no âmbito internacional, dentre eles, de acordo com Soares (2003) podem ser
citados o acidente industrial ocorrido em Seveso na Itália, considerado como o maior
acidente industrial da Europa, ocorrido em 1976; o acidente com o satélite artificial
soviético de telecomunicações Cosmos 924, que despejou grande quantidade de
material radioativo no Canadá, em 1978; o desastre com o petroleiro Amoco Cadiz
ocorrido no Mar do Norte em 1978 que gerou uma maré negra de 10 centímetros de
espessura nas praias francesas; o desastre promovido por uma grande empresa
multinacional ocorrido na cidade de Bhopal, na índia, em 1984, que gerou um
vazamento de gás tóxico causando o envenenamento de toda a cidade; o acidente
nuclear de Tchernobyl, ocorrido na Ucrânia em 1986, envolvendo uma usina elétrica
que gerou uma nuvem de alta radioatividade que teve conseqüências catastróficas
para inúmeros Estados; e o incêndio ocorrido na empresa Sandoz, na Suíça, em
1986, que causou a contaminação do Rio Reno por produtos químicos altamente
tóxicos.
Tais catástrofes serviram para comprovar que as medidas que estavam sendo
tomadas de prevenção foram insuficientes para evitá-los demonstrando assim a
necessidade de soluções globais que pudessem; tias constatações fizeram com que,
a pedido da maioria dos países, a ONU convocassem uma nova conferência
internacional para discutir as medidas já existentes e criar outras de proteção ao
meio ambiente. Assim, através da Resolução nº44/288 de 22 de dezembro de 1989,
a Assembléia Geral da ONU decidiu realizar, no ano de 1992, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), com duração
de duas semanas e coincidindo com o Dia Mundial do Meio Ambiente, qual seja 05
22
de junho, na cidade do Rio de Janeiro; evento este que culminou com a elaboração
da Agenda 21.
Mesmo tratando-se de eventos de âmbito internacional, a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento e os demais encontros
que a sucederam serão abordados no próximo tópico, uma vez que foram realizados
no Brasil e tiveram um influência direta na implementação do Direito Ambiental no
Brasil.
1.2 Os aspectos históricos, a evolução do Direito Ambiental no Direito
Brasileiro e sua internacionalização
A evolução histórica do Direito Ambiental no Brasil remota às Ordenações
Filipinas, onde já se estabeleciam normas de controle da exploração vegetal e se
organizava a utilização do solo das águas dos rios e da caça; contudo, tais
legislações ainda versavam sobre questões muito mais econômicas do que
propriamente ambientais, onde o patrimônio natural era considerado como
propriedade privada.
Posteriormente a esta época, como preceitua Leite e Ferreira (2010), o
período de transição do Império para a República caracterizou-se por intensas
degradações do patrimônio natural brasileiro causadas pela expansão da
monocultura e o aumento da exploração de madeiras. A partir de então começaram
a surgir algumas regulamentações jurídicas de proteção ambiental, ainda que com
uma visão fragmentada e localizada, como o Código Criminal (1830), o Código Civil
(1916), o Código Florestal (1934), o Código de Pesca (1938). Já na década de 60,
com o surgimento de inúmeras demandas ambientais decorrentes do
desenvolvimento industrial, tais normas passaram a ter uma maior centralização no
controle da degradação ambiental, como o novo Código Florestal (1965), a Lei de
Proteção a Fauna (1967), o novo Código de Pesca (1967) e a Lei de Criação de
Áreas Especiais e Locais de Interesse Turístico (1977), contudo ainda se
mantiveram com uma característica interna, situação esta que permaneceu até a
Conferência de Estocolmo em 1972.
23
Assim pode-se concluir que no caso do Brasil, os efeitos da Conferência
Internacional sobre o Meio Ambiente Humano de Estocolmo tiveram grande
amplitude, propiciando o surgimento de uma legislação interna bastante
desenvolvida, especialmente com a criação da Secretaria Especial do Meio
Ambiente em 1974; contudo as medidas adotadas não tiveram a efetivação
esperada, uma vez que nos anos que se sucederam à Conferência de Estocolmo, o
Brasil foi cenário de diversas crises ambientais que além da degradação e poluição
ambiental, ainda vivia uma era de governo centralizador, onde as normas, inclusive
as ambientais, eram de caráter exclusivamente interno, o que somente assumiu uma
nova visão com a positivação expressa na Carta Magna de 1988, a qual destinou um
capítulo inteiro para tratar das questões ambientais.
Contudo, antes do advento da Constituição Federal, ainda foram editadas
duas leis consideradas inovadoras. A primeira delas a Lei nº 6.938/81, que
estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), a qual foi a pioneira na
proteção integral do meio ambiente, afastando-se da concepção até então
fragmentada. Tal lei visou estabelecer não apenas princípios e objetivos de
implementação Política Nacional do Meio Ambiente, mas também instrumentos para
sua efetivação, como a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e a responsabilização
civil objetiva para os casos de danos ambientais, dando legitimidade para o
Ministério Público intervir nesses casos. A segunda foi a Lei nº 7.347/85, que
proporcionou a oportunidade de buscar a tutela jurisdicional através da Ação Civil
Pública, toda vez que houvesse lesão ou ameaça ao meio ambiente e a outros
novos direitos, dando eficácia aos instrumentos de reparação dos danos.
Mas foi a Constituição Federal Brasileira de 1988 que modificou de forma
drástica o cenário centralizador e fragmentado da tutela ambiental a partir do
momento em que reduziu o poder exclusivo do Estado dando um enfoque social na
abordagem de temas como o meio ambiente, o qual passou a ser reconhecido como
um bem jurídico independente e caracterizado como um direito fundamental do
homem, com enfatiza Canotilho e Leite (2011, p. 105):
24
Esse conjunto de inovações constitucionais, substantivas e formais, mais cedo ou mais tarde haverá de levar, no plano mais amplo da Teoria Geral do Direito, uma nova estrutura jurídica de regência das pessoas e dos bens. Da autonomia jurídica do meio ambiente decorre um regime próprio de tutela, já não centrado nos componentes do meio ambiente como coisas; muito ao contrário, trata-se de um conjunto aberto de direitos e obrigações, de caráter relacional, que, como acima referido, é a verdadeira ordem pública ambiental, nascida em berço constitucional.
Com essa visão social, com a abrangência muito maior de tutela do meio
ambiente, a Constituição Brasileira veio ao encontro com o discurso e os
compromissos assumidos pelos Estados, inclusive o Brasil, na Declaração de
Estocolmo de 1972, podendo-se afirmar que a proteção ambiental se consolidou
efetivamente no Brasil nas décadas de 80 e 90.
Corroborando com essa nova visão de proteção ambiental, em 1992 o Brasil
foi sede da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro, onde diversos documentos
de preservação ambiental foram elaborados, sendo um dos mais importantes a
chamada Agenda 21, a qual apresentou um planejamento visando a solução dos
principais problemas ambientais mediante uma cooperação em nível global. Além da
Agenda 21, ainda foi elaborada a Declaração do Rio, a qual demonstra uma
preocupação consciente com a proteção do meio ambiente como um bem de
responsabilidade das gerações presentes para que as gerações futuras possam
receber de forma sadia e equilibrada, possibilitando assim a própria perpetuação das
espécies.
A ECO-92, que teve a representação de 188 delegações governamentais, e
tinha por finalidade analisar o estado em que se encontrava o meio ambiente e as
mudanças que ocorrem desde a Conferência de Estocolmo, há 20 anos. A
Declaração resultante da ECO-92 estabeleceu uma estreita conexão entre a
pobreza mundial e a degradação do meio ambiente, gerando inúmeras regras do
direito ambiental internacional como a questão da responsabilidade internacional
pelos danos causados além das fronteiras nacionais e o dever de adotar legislação
ambiental efetiva. Além destes, a ECO-92 trouxe dois grandes resultados:
25
O primeiro grande resultado da ECO-92 foi a assinatura, pelos Estados participantes da conferência, de duas convenções multilaterais: a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima e a Convenção sobre a Diversidade Biológica, [...]. O segundo grande resultado foi a subscrição de três documentos, em que se fixaram os grandes princípios normativos do direito internacional do meio ambiente para o futuro: a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre as Florestas e a importante Agenda 21, [...]” (SOARES, 2003, p.56)
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima,
assinada por 154 Estados e pela Comunidade Européia, estabelece normas para
redução do lançamento de dióxido de carbono e demais gases não regulamentados
pelo Protocolo de Montreal, os quais geram a elevação da temperatura no planeta
em virtude da destruição da camada de ozônio. Já a Convenção sobre a Diversidade
Biológica, firmada por 156 Estados e a Comunidade Européia, conhecida também
como Convenção da Biodiversidade teve por finalidade a proteção das espécies
animais, vegetais e microorganismos no seu habitat natural.
Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
também denominada de Carta da Terra, reafirma os valores proclamados pelos
Estados na Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, tomando a mesma como ponto de partida e demonstrando a necessidade
de cooperação entre os Estados como forma de preservação ambiental,
reconhecendo os princípios normativos do direito ambiental internacional e fixando
os deveres dos Estados. Da mesma forma ainda consagra o direito ao progresso em
todos os níveis da sociedade uma vez que “[...] expressa a luta contra a pobreza, a
formulação racional de uma política demográfica e o reconhecimento formal da
responsabilidade dos países industrializados pela degradação do meio ambiente
global [...]” (SOARES, 2003, p. 63).
Ainda na concepção de Soares (2003) a Declaração do Rio consagra a
filosofia de proteção dos interesses das presentes e futuras gerações, inaugurando a
temática de um direito intergeneracional em que as responsabilidades das gerações
presentes têm por base o direito das futuras gerações de herdarem um meio
ambiente equilibrado bem como consagra o direito ao progresso em todos os níveis
sociais, através da expressa luta contra a pobreza, a formulação racional de uma
26
política demográfica e o reconhecimento formal da responsabilidade dos países
industrializados pela degradação do meio ambiente internacional; além disso,
estabelece regras e princípios de proteção ao meio ambiente.
Já a Declaração de Princípios sobre as Florestas se deu em virtude da
dificuldade de regulamentação internacional das florestas decorrentes de
divergências políticas bem como do comércio internacional de madeiras; contudo a
mesma deixou de formular normas cogentes o que fez com que sua efetividade
ficasse vinculada a discricionariedade dos Estados.
Um dos documentos mais importantes adotado no decorrer da ECO-92 foi a
Agenda 21, “[...] onde a comunidade internacional apresenta, em extenso
documento, um planejamento destinado a solucionar até 2000 os principais
problemas ambientais [...]” (SILVA, 2002, p.38). Em síntese, a Agenda 21 consiste
em um programa de proteção ambiental para o Século XXI, tendo como temas
principais as dimensões sociais e econômicas do desenvolvimento; a conservação e
gerenciamento de recursos naturais; o fortalecimento do papel de grupos e os meio
de implementação. (GRANZIERA, 2011).
A Agenda 21 pode ser definida como o mais complexo e abrangente
instrumento firmado durante a ECO-92, uma vez que nela foram fixados os
princípios normativos de regulamentação das políticas internacionais voltadas a
proteção e preservação ambiental
[...] seu conjunto de 2.500 recomendações inclui novas formas de educação, preservação de recursos naturais e participação no planejamento de uma economia sustentável, além de conter determinações que preveem a ajuda de nações ricas a países pobres. (OLIVEIRA, 2007, p. 151)
Passados cinco anos da ECO-92, foi realizada em Nova Iorque a RIO+5, com
a finalidade de se obter uma primeira avaliação da implementação das medidas
tomadas naquela; contudo os resultados foram insuficientes, uma vez que o curto
espaço de tempo não permitiu uma mudança significativa de mentalidade e atitudes
capazes de gerarem uma transformação significativa nas questões ambientais,
inclusive por tratar-se de aspectos internacionais.
27
Posteriormente, agora passados dez anos, visando avaliar e discutir o
andamento das propostas estabelecidas pelos Estados na ECO-92, em setembro de
2002 a ONU promoveu a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável,
conhecida também como Conferência RIO+10, evento de âmbito mundial realizado
em Johanesburgo, na África do Sul. Os principais enfoques da conferência voltaram-
se à energia limpa e renovável, às consequências do efeito estufa, à conservação da
biodiversidade, à proteção e uso da água, ao acesso à água potável, dentre outros.
A principal meta estabelecida pela RIO+10 foi o comprometimento dos países
participantes em reduzir pela metade a população sem acesso a água potável e a
saneamento básico até o ano de 2015.
Por ocasião da RIO+10, o Brasil apresentou resultados concretos,
especialmente com a implementação do Programa Águas Protegidas da Amazônia
(ARPA), no qual houve o compromisso de criação e implementação de 500 mil Km²
de parques e reservas na Amazônia até 2012.
Recentemente, mediante a Resolução 64/236 da Assembleia Geral da ONU,
de março de 2010, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, na cidade do Rio de Janeiro em junho de 2012, a qual
teve por objetivo garantir o compromisso político dos Estados com o
desenvolvimento sustentável, bem como avaliar o progresso das medidas
assumidas na Conferência de Estocolmo e na ECO-92, além de discutir os novos
problemas ambientais que se apresentaram após a realização das mesmas.
Na busca de atingir o objetivo de renovar e reafirmar a participação dos
lideres de cento e noventa nações, além de ter sido feito um balanço do que
efetivamente foi feito ao longo dos 20 anos que se passaram da ECO-92, foram
discutidos inúmeros assuntos nos dez dias em que ocorreu a RIO+20, como novas
ações garantidoras de um desenvolvimento sustentável, os processo da chamada
Economia Verde, maneiras de extinguir a pobreza e a importância do envolvimento
dos governos no âmbito internacional para possibilitar um desenvolvimento
sustentável.
28
Ao término da Conferência, o Presidente da Assembleia Geral da ONU,
publicou em 24 de julho de 2012, em inglês, com tradução para várias outras
línguas, dentre ela o espanhol, o documento final da RIO+20, denominado de
Projeto de Resolução, o qual trouxe em seu corpo, a propostas e medidas a serem
adotadas na buscado futuro que queremos. Tal documento tem a seguinte estrutura:
I. Nuestra visión común II. Renovación del compromiso político A. Reafirmación de los Principios de Río y los planes de acción anteriores B. Fomento de la integración, la aplicación y la coherencia: evaluación de los avances logrados hasta el momento y de lo que aún queda por hacer en cuanto a la aplicación de los resultados de las principales cumbres sobre El desarrollo sostenible, y solución de las dificultades nuevas y emergentes C. Participación de los grupos principales y otros interesados III. La economía verde en el contexto del desarrollo sostenible y la erradicación de la pobreza IV. Marco institucional para el desarrollo sostenible A. Fortalecimiento de las tres dimensiones del desarrollo Sostenible B. Fortalecimiento de los mecanismos intergubernamentales de desarrollo sostenible C. Pilar ambiental en el contexto del desarrollo sostenible D. Instituciones financieras internacionales y actividades operacionales de las Naciones Unidas E. Niveles regional, nacional, subnacional y local V. Marco para la acción y el seguimiento A. Esferas temáticas y cuestiones intersectoriales Erradicación de la pobreza Seguridad alimentaria y nutrición y agricultura sostenible Agua y saneamiento Energía Turismo sostenible Transporte sostenible Ciudades y asentamientos humanos sostenibles Salud y población
Contudo, apesar de toda a expectativa que se criou em torno das soluções
que seriam apresentadas por ocasião da RIO+20, de acordo com organizações
envolvidas na busca do desenvolvimento sustentável, tal evento não atingiu os reais
objetivos, uma vez que o desentendimento entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento acabaram por gerar um documento final ficou limitado a inúmeras
intenções e o adiamento da definição de decisões práticas de proteção ambiental.
29
1.3 O alcance dos princípios do Direito Ambiental Brasileiro
Os princípios são instrumentos de que o Estado, especialmente o Estado
Democrático de Direito, se utiliza para garantir à sociedade seja protegida contra os
interesses particulares e até mesmo públicos que possam lhes trazer prejuízos. No
âmbito do Direito Ambiental, a implementação de princípios é a base sobre a qual se
solidifica a efetivação das medidas de proteção a um bem de interesse coletivo,
estando estes expressos na própria normatização ambiental, como enfatiza
Granziera (2011, p.54):
O Direito Ambiental, traduzido em uma política pública, rege-se por princípios que conferem fundamento a sua autonomia e estabelecem uma base lógica em relação ao conteúdo das normas. Quando a norma incorpora, direta ou indiretamente, certo princípio, fica formalmente explicitada a direção tomada pelo legislador na formulação da regra jurídica.
Assim, na legislação ambiental tanto no âmbito brasileiro quanto internacional,
especialmente após a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente Humano, inúmeros são os princípios consagrados e vinculados à
proteção, à preservação ambiental, bem como a responsabilização e reparação dos
danos. Contudo o presente trabalho tem por finalidade focar nas questões brasileiras
e, portanto, os princípios a seguir abordados serão aqueles expressos na
Constituição Federal Brasileira de 1988, os quais são decorrentes dos princípios
internacionais.
1.3.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável
A expressão desenvolvimento sustentável teve sua primeira aparição em
1972 na Conferência Mundial de Meio Ambiente, passando a repetir-se deste então
em todo o contexto internacional e, de forma significativa, na ECO-92, sendo
mencionado em onze dos vinte e sete princípios nela consagrados.
O desenvolvimento sustentável é considerado o princípio norteador do direito
ambiental, sendo expresso por inúmeras vezes ao longo da Declaração do Rio de
Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a qual vincula o mesmo à
30
integração de políticas, a equidade, a transparência, aparticipação pública e a
biodiversidade.
O fundamento primordial de tal princípio pressupõe que [...] o
desenvolvimento sustentável significa que a soma dos recursos naturais e dos
criados pelo homem não deve diminuir de uma geração a outra. [...]” (SILVA, 2002,
p.49), ou seja, para que o desenvolvimento possa ser caracterizado como
sustentável é imprescindível que além dos aspectos ecológicos, ele pressuponha a
igualdade também no âmbito social, econômico, político e cultural do próprio
desenvolvimento.
O legislador constituinte de 1988, ao constar um crescimento desenfreado
das atividades econômicas e dos danos que a livre concorrência do mercado
poderiam causar ao meio ambiente, consagrou na Carta Magna o princípio do
desenvolvimento sustentável, o que já vinha sendo observado, contudo através de
orientações internacionais, como a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. Assim, foi expressa como cláusula pétrea, elencada
entre os direitos fundamentais, a preservação do meio ambiente, o que deve ocorrer
mediante um desenvolvimento sustentável que possibilite as gerações presentes
usufruir dos bens naturais sem com isso prejudicar a qualidade de vida das
gerações futuras.
Ciente da importância de um desenvolvimento econômico, a Constituição
Federal de 1988, na intenção de possibilitar o mesmo de forma harmoniosa com a
preservação ambiental, normatiza a ordem econômica, limitando-a aos ditames da
justiça social, em seu artigo 170, VI. Na verdade o que o legislador buscou foi a
possibilidade do desenvolvimento econômico, caracterizado pela livre concorrência,
caminhar lado a lado com a defesa do meio ambiente, garantindo assim uma
qualidade de vida digna aos cidadãos da geração presente e futura. “Por isso,
delimita-se o princípio do desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que
atenda as necessidades do presente, sem comprometer a futuras gerações.”
(FIORILLO, 2008, p.36)
31
1.3.2 Princípio da Precaução
Consagrado no Princípio 15 da Declaração do Rio, o princípio da precaução
traz como fundamento a concepção de que toda decisão voltada à matéria de
questões ambientais deve ser tomada com base em um conhecimento científico. Na
verdade o referido princípio está relativamente voltado ao que efetivamente se faz
para prevenir um dano ambiental. Contudo, distingui-se do princípio da proteção
antecipatória do ambiente, ou seja, antes mesmo do aparecimento de qualquer risco
de dano.
Em situações práticas, o princípio da precaução orienta que toda vez que
pairarem dúvidas no que tange a liberação de uma atividade que possa causar
danos ao meio ambiente, a mesma não deve ser autorizada, visto não se tem uma
garantia de que não virão a ocorrer lesões ambientais. Contudo, não se pode ignorar
que riscos existem em todas as atividades, o que faz com que a aplicação do
princípio da precaução esteja vinculado a questão da previsibilidade, sem com isso
prejudicar o desenvolvimento econômico.
O princípio da precaução, dessa forma, ao contrário do que possa parecer, não trava o desenvolvimento econômico. Ao contrário, ele garante a preservação das condições mínimas de qualidade ambiental, necessárias ao equilíbrio da vida. Aplicar esse princípio é enxergar um pouco mais longe, para proteger as gerações futuras. (GRANZIERA, 2011, p. 62)
Assim, para que seja invocado o princípio da precaução, é imprescindível que
se demonstre uma mínima verossimilhança ou plausibilidade do risco de ocorrência
de dano, mesmo que se desconheça a natureza do mesmo, devendo a medida a ser
adotada ser proporcional e coerente, ou seja, adequada a proporção do risco.
1.3.3 Princípio da Prevenção
O princípio da prevenção é ordenador do Estado Democrático de Direito
Ambiental, uma vez que afasta qualquer disponibilidade a medidas de prevenção e
degradação do meio ambiente, legitimando ao Estado a se valer de medidas,
inclusive em detrimento de interesses privados, que possa evitar a ocorrência de
32
danos ambientais, ou seja, medidas estas que antecedem a consumação do dano,
onde a prevenção se antecipa à reparação.
Os fundamentos de tal princípio se justificam pelo fato de que depois que o
dano ambiental ocorreu, muitas vezes é praticamente impossível a reconstituição
natural da situação anterior nos exatos modos como se apresentavam
anteriormente, ou seja, o dano é irreversível e irreparável; da mesma forma, se
justifica também pelo fato de que a reparação pode ser muito mais onerosa do que a
prevenção, ou seja, as medidas preventivas são muito mais econômicas do que as
medidas reparativas.
Na legislação brasileira o princípio da prevenção está nitidamente evidente no
Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), implementado pela Lei nº 6.938/81,
como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente; da mesma forma
o mesmo foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225, IV.
1.3.4 Princípio da Participação
Considerado também como um dos princípios norteadores do Estado
Democrático de Direito Ambiental, o princípio da participação no âmbito da tutela
ambiental pressupõe a ação conjunta da sociedade e do Estado na preservação e
proteção do meio ambiente, sendo imposto pela Constituição Federal de 1988 em
diversos de seus artigos, mas de forma mais abrangente em seu artigo 225, caput, a
solidariedade de obrigações entre os mesmos. A participação da sociedade é
elemento primordial para efetivação das medidas ambientais de proteção e
prevenção, uma vez que a ocorrência de omissão tanto por parte desta traz
“[...] um prejuízo a ser suportado pela própria coletividade, porquanto o direito ao meio ambiente possui natureza difusa. Além disso, o fato de a administração desse bem ficar sob a custódia do Poder Público não ilide o dever de o povo atuar na conservação do direito do qual é titular.” (FIORILLO, 2008, p. 51)
Associados ao princípio da participação estão o direito à informação e à
participação social que são trazidos por alguns doutrinadores como princípios
autônomos. O direito à informação parte do pressuposto que para a tomada de
33
qualquer decisão é imprescindível o conhecimento dos fatos que podem levar as
medidas adequadas de proteção e preservação ambiental, dentre as informações a
que o Estado tem o dever de apresentar à sociedade; sendo que Granziera (2011, p.
68), com base na Lei nº 10.650/03 elenca:
[...] 1. qualidade do meio ambiente; 2. políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental; 3. resultados de monitoramentos e auditorias nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas; 4. acidentes, situações de risco ou emergência ambientais; 5. emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos; 6. substâncias tóxicas e perigosas; 7. diversidade biológica; 8. organismos geneticamente modificados.
Da mesma forma o direito à participação social surgiu como pressuposto da
redemocratização brasileira, onde a sociedade organizada passou a ter um papel
imprescindível de atuação nos mais diversos setores, dentre eles junto às questões
ambientais.
Assim, a efetividade do princípio da participação pressupõe o acesso
adequado de toda a sociedade à todas as informações atinentes ao meio ambiente,
estando estas em poder de particulares ou do próprio Estado, quando então, de
posse das mesmas poderão participar ativamente das decisões voltadas as
questões ambientais, visando com isso resguardar o próprio planeta do dano que
está exposto.
1.3.5 Princípio do Poluidor Pagador
Mesmo já tendo manifesto favorável na Declaração de Estocolmo de 1972, o
Princípio do Poluidor Pagador tem preceitos legais no Princípio nº 16 da Declaração
do Rio de Janeiro, posteriormente positivado pela legislação brasileira pela Lei nº
6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente e mais tarde consagrado
pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225, parágrafo 3º.
34
É na Lei nº 6.938/81 que se encontram os conceitos primordiais para que se
possa identificar os sujeitos envolvidos por tal princípio, bem como as definições dos
objetos protegidos pelo mesmo:
Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; V - recursos ambientais, a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera. V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989). (BRASIL, 2008, p. 577/578)
Também denominado de princípio da responsabilização, o princípio do
poluidor pagador tem por finalidade dar efetivação aos princípios da precaução e da
prevenção, uma vez que de nada adianta ações preventivas e participativas se os
responsáveis pelos danos não fossem coagidos a responderem por seus atos.
Contudo tal princípio em momento algum pode ser interpretado como a possibilidade
de pagar para poder poluir, mas sim que os custos com as medidas de prevenção
devem ser arcadas pelo poluidor, ou seja, “[...] refere-se aos custos sociais externos
que acompanham a atividade econômica que devem ser internalizados, isto é, que
devem ser considerados pelo empreendedor e computados no custo do produto
final.” (GRANZIERA, 2011, p. 70).
O princípio do poluidor pagador, mesmo sendo um princípio normativo de
caráter econômico, tem duas finalidades distintas: uma preventiva, que visa evitar a
ocorrência de danos ambientais, e outra repressiva, que visa a reparação do dano
35
quando ocorrido; ou seja, sua finalidade não versa exclusivamente sobre atribuir ao
poluidor os custos com as medidas de proteção ambiental, mas também que este
seja coagido a reparar ou eliminar as fontes causadoras. Da mesma forma, tal
princípio ainda tem por finalidade de traçar linhas de proteção ambientais e de fixar
modelos de emissão e abstenção visando com isso estabelecer um equilíbrio entre
as atividades econômicas e o meio ambiente.
Desta forma, uma vez constatada que não são suficientes apenas medidas
administrativas de proteção e prevenção dos danos ambientais, faz-se
imprescindível a aplicação de uma sanção de caráter repressivo, o que é possível
com a implementação do princípio do poluidor pagador. Através deste, o poluidor
deve arcar com os custos das medidas necessárias para assegurar que o ambiente
esteja num estado aceitável; ou seja, o desenvolvimento de qualquer atividade que
possa gerar o risco de poluição de dano gera o dever de seu agente arcar não
somente com as despesas decorrentes das medidas de reparação e restituição ao
estado anterior como também com as próprias medidas preventivas e de controle,
ressaltando-se sempre que isso não significa uma autorização para poluir em virtude
do pagamento.
O princípio do poluidor pagador não se resume a uma simples
responsabilidade civil de indenizar (referindo-se aqui a uma responsabilidade
objetiva, ou seja, aquela em que não se discute a ocorrência ou não de culpa), pois
se assim o fosse, estar-se-ia diante de uma “[...] ideia da natureza eminentemente
curativa e não preventiva deste princípio, da sua especial vocação para intervir a
posteriori e não a priori. [...]” (CANOTILHO, 2011, p. 67). Tal entendimento fica
nitidamente claro no ordenamento brasileiro no momento em que o mesmo prevê a
tríplice responsabilização pelos danos causados ao meio ambiente, aplicáveis tanto
as pessoas físicas quanto as jurídicas, quais sejam: a responsabilidade penal, que
gera a limitação da liberdade e a restrição de direitos; a administrativa que possibilita
a aplicação de multa e a suspensão da atividade; e a civil, que gera o dever de
reparar o dano restituindo à situação anterior ou a reparação do dano de forma
pecuniária quando não é possível a tal restituição.
36
Em outras palavras pode-se dizer que o princípio do poluidor pagador não se
limita apenas a fazer com que o poluidor arque com os custos das medidas de
proteção, mas que também sirva para eliminar as fontes potencialmente poluidoras e
regular as atividades que possam causar danos ambientais, exercendo desta forma
a função de preservação de reparação e distribuição dos custos das medidas de
proteção ambiental. Desta forma o arbitramento do valor pecuniário para os casos
de prevenção da poluição, arcado por aqueles que desenvolvem atividades de risco,
tem como finalidade maior a redução da poluição à níveis aceitáveis e
“[...] criação de um fundo público destinado ao combate à poluição residual ou acidental, ao auxílio às vítimas da poluição e ao financiamento de despesas púbicas de administração, planejamento e execução da política ambiental.” (CANOTILHO, 2011, p. 69)
Contudo, a eficácia do princípio do poluidor pagador encontra alguns
obstáculos na sua concretização, sendo um dos maiores problemas que envolve o
mesmo não é tanto a questão da quantificação pecuniária que não é suficiente para
custear as despesas de reparação, mas principalmente a impossibilidade de
restituição do status quo ante. Além destes, o fato de que os custos pelo controle da
poluição são arcados também pela sociedade, uma vez que estes são transferidos
para o produto final, atingindo indivíduos que não tem qualquer responsabilidade
pelo dano causado e pela reparação.
1.4 Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente
O Estado Democrático de Direito Ambiental pressupõem a interação dos
indivíduos na concretização de políticas públicas que visem resguardar os bens
naturais, e, dentro desta concepção, a Declaração do Rio e a Agenda 21 traçaram
objetivos de criação de políticas públicas que incentivam a promoção de um
desenvolvimento sustentável, as quais partem de uma participação ativa da
sociedade não só no âmbito de informações como também de processos decisórios;
bem como aborda a questão das diferenças sociais como uma das causas de danos
ambientais, buscando a implantação de políticas de erradicação à pobreza.
37
O Brasil, seguindo tais orientações traz tanto na Lei nº 6.938/81, quanto em
sua Constituição a responsabilidade tanto da sociedade quanto do Poder Público de
proteger e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrados visando uma
qualidade de vida não apenas para as gerações presentes como também para as
futuras. Com base nestes ditames, tais legislações determinaram o dever do Estado
de implementar políticas de proteção ambiental, o que resultou na criação da Política
Nacional do Meio Ambiente a qual “[...] necessita de uma série de ações a cargo do
Poder Público, para ter garantida a sua efetividade, implementando-se de fato o
princípio do desenvolvimento sustentável [...]” (GRAZIERA, 2011, p.77).
No artigo 2º da Lei nº 6.938/81, além de trazer o objetivo das políticas
ambientais, discorre sobre os princípios que devem ser atendidos pela mesma,
quais sejam:
Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais;
IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas
representativas;
V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente
poluidoras;
VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para
o uso racional e a proteção dos recursos ambientais;
VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII - recuperação de áreas degradadas;
IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a
educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação
ativa na defesa do meio ambiente. (BRASIL, 2008, p. 577)
Visando o cumprimento das determinações da Política Nacional do Meio
Ambiente, no que tange ao dever do Estado de proteção dos processos ecológicos
essenciais pode-se citar a Lei nº 9.985/00, a qual instituiu o Sistema Nacional de
38
Unidades de Conservação que tinha como objetivo a preservação das espécies, seu
habitat e o ecossistema, determinando que as unidades de conservação
elaborassem um Plano de Manejo dos recursos naturais.
Quanto à proteção da diversidade e da integridade do patrimônio genético, o
que está expresso em mais de um dos princípios acima elencados, visto que
objetiva a indivisibilidade do bem ambiental, foi editada a Lei nº 11.105/05, onde foi
instituída
“[...] uma estrutura de competências administrativas composta por três instâncias específicas: o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS); a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), e os órgãos e entidades de registro de fiscalização.” (CANOTILHO, 2011, p. 259)
O Estado também recebeu o dever de definir em todas as suas unidades
federativas os espaços territoriais e seus componentes que receberiam uma
proteção especial. Neste sentido, antes mesmo da Constituição Federal, já existia a
Lei nº 4.771/65, que já trazia proteção especial a determinados espaços territoriais,
os quais eram denominados de áreas de preservação permanente; posteriormente à
mesma, e agora já dentro dos ditames constitucionais, e visando regulamentar
alguns dos artigos desta, foi editada a Lei nº 9.985/00, a qual instituiu o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). A referida lei dividiu as
unidades de conservação em dois grupos, quais sejam: as Unidades de Proteção
Integral e as Unidades de Uso Sustentável. Agregado a estas regulamentações, a
Lei nº 9.985/00 ainda institui a Reserva da Biosfera, sendo que atualmente no Brasil
existem sete destas reservas.
A Lei da Política Nacional de Meio Ambiente já determinava a realização de
estudo de impacto ambiental (EPIA), o que foi ratificado pela Constituição de 1988,
qual deve, obrigatoriamente, ser realizado antes da instalação de qualquer obra ou
atividade potencialmente causadora de dano ambiental. Para estabelecer os critérios
que o referido estudo deve seguir, foi editado o Decreto nº 88.351/83, o qual criou o
Conselho Nacional do Meio Ambiente (COBAMA), sendo que, de acordo com este,
uma vez concluído o estudo de impacto ambiental, terá que ser realizado por um
profissional habilitado, deverá ser redigido um documento que traga as conclusões
39
deste, o qual deverá ficar liberado para informação de qualquer pessoa da
sociedade, especialmente aqueles que podem ser possíveis lesados pela
degradação ambiental decorrente da atividade analisada.
Ainda foi atribuído ao Estado o dever de gerir os riscos, sejam eles concretos
ou abstratos, nas questões ambientais devendo o mesmo “[...] controlar a produção,
a comercialização e o emprego de técnicas, e substâncias [...]” (CANOTILHO, 2011,
p. 274) que possam expor a vida da sociedade e o meio ambiente a danos. Em
cumprimento a tal determinação constitucional, foi editada a Lei nº 7.802/89, sendo
esta regulamentada posteriormente pelo Decreto nº 4.074/02, a qual disciplinava as
atividades que envolviam agrotóxicos e, posteriormente a Lei nº 11.105/05, que,
como já foi apresentado, instituiu o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS); a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), e os órgãos e entidades de
registro de fiscalização.
A fauna e a flora são protegidas de maneira individualizada pela Constituição
Federal, uma vez que o constituinte proíbe expressamente qualquer atividade que
possa interferir no equilíbrio ambiental, tanto na forma de ameaça como de dano
efetivo. Esta proteção visa garantir que todas as espécies possam se desenvolver
de forma equilibrada, especialmente aqueles animais que estão em risco de
extinção, aos quais é dedicada uma atenção diferenciada, especialmente no que
tange a reguardar o seu habitat natural. Contudo, antes mesmo das garantias
constitucionais de proteção à flora e à fauna, a Lei nº 5.197/67, em seu artigo 1º, já
estabelecia algumas normas protetivas, pela qual
“[...] os animais de qualquer espécie, em qualquer fase de seu desenvolvimento e que vivem fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição ou apanha.
Além da lei supramencionada, a Lei dos Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98,
descreve as infrações penais e administrativas decorrentes de atitudes lesivas ao
meio ambiente. Complementando a proteção à flora e à fauna, ainda existe a Lei nº
4.771/65, o chamado Código Florestal Brasileiro, o qual foi recepcionado em sua
integralidade pela Constituição Brasileira de 1988.
40
Por derradeiro, e não menos importante, temos a Política Nacional de
Educação Ambiental, a qual busca, através da educação ambiental, capacitar a
sociedade, em todos os âmbitos, para defender o meio ambiente; em outras
palavras, capacitar os indivíduos para exercerem a cidadania ambiental com
responsabilidade e comprometimento. Assim, em cumprimento a determinação do
inciso X da lei que trata das Políticas Ambientais, foi editada a Lei nº 9.795/99,
conhecida como a Lei da Educação Ambiental, pela qual o processo de educação
ambiental deve estar presente em todos os níveis de ensino, seja na educação
formal quanto na informal, tornando a educação ambiental parte da educação
nacional.
A referida Lei da Educação Ambiental tem como princípios básicos “[...] o
enfoque democrático e participativo, enfatizando o respeito ao pluralismo de ideias e
concepções e o reconhecimento da diversidade individual e cultural. [...]”
(CANOTILHO, 2011, p. 281); entretanto, o ponto culminante da mesma é o
fortalecimento da cidadania. Por ser considerado como um dos tópicos centrais
deste trabalho, a educação ambiental terá uma análise mais aprofundada em
capítulo específico, onde a mesma será analisada no somente como um preceito
legal, como também como um dos saberes ambientais ensejadores de uma nova
concepção de desenvolvimento sustentável.
Toda a fundamentação legal que dá amparo e suporte para que o Estado
Democrático de Direito Ambiental venha a ter efetividade, especialmente com a
concepção de um Estado onde a participação democrática, sobretudo nas questões
ambientais, não é suficiente por si só para garantir um desenvolvimento sustentável.
É imprescindível que todos os atores envolvidos – sociedade e Estado – nesta nova
concepção de cidadania estejam cientes da realidade fática das questões
ambientais, de maneira especial da crise que aflige o meio ambiente; bem como
tenham conhecimento dos reais conceitos de desenvolvimento e de
sustentabilidade, pois sem isso não é possível a efetivação dos preceitos
constitucionais e legais de proteção ambiental.
41
2 DESENVOLVIMENTO E CRISE AMBIENTAL: perspectivas de sustentabilidade
A sociedade atual está passando por uma profunda e significativa crise que
envolve as questões econômicas, políticas, sociais e, consequentemente,
ambientais. Essa crise, especialmente a ambiental, não é meramente localizada,
fragmentada, ela atinge a globalidade, uma vez que o planeta e seus elementos
naturais ultrapassam as fronteiras dos Estados. A intervenção do homem na
natureza não se restringe a um ou a outro Estado, mas é generalizada, fazendo com
que os recursos naturais estejam chegando a uma esgotabilidade quase que
insustentável, o que gera uma perspectiva de destruição do próprio planeta.
[...]. A crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionam e legitimam o crescimento econômico, negando a natureza. [...] A visão mecanicista da razão cartesiana converteu-se no princípio constitutivo de uma teoria econômica que predominou sobre os paradigmas organicistas dos processos da vida, legitimando uma falsa ideia de progresso da civilização moderna. [...]. (LEFF, 2009b, p.15)
Desta maneira, a crise ambiental está diretamente vinculada a crise social e
econômica, especialmente a satisfação desenfreada do consumo, caracterizadora
de um desenvolvimento irrefletido e descomprometido, onde o próprio sistema
econômico leva a busca incessante da acumulação de riquezas, através de uma
exploração indisciplinada não somente dos recursos naturais como dos próprios
indivíduos; o que acaba por gerar uma desigualdade nas relações sociais, tendo-se
de um lado a riqueza e o poder e de outro a miséria e a submissão, elementos estes
caracterizados da própria crise ambiental.
42
Esta crise leva a consequências catastróficas, que diariamente são
manchetes na mídia nacional e internacional, demonstrando a extrema necessidade
de que algo concreto seja feito para evitar danos de amplitude incalculável, uma vez
que as lesões causadas ao meio ambiente são irreparáveis, ou seja, não mais é
possível se devolver ao estado anterior aquele ambiente degradado.
Não obstante, não se pode ignorar a necessidade do desenvolvimento da
sociedade em todos os seus âmbitos, especialmente econômico; contudo, este
desenvolvimento precisar ser pensado, planejado, associado a medidas ambientais
protetivas, onde o desenvolvimento econômico ocorra de forma associada a
preservação dos recursos ambientais tendo-se consciência da esgotabilidade dos
mesmos.
2.1 Crise ambiental e crise do desenvolvimento
O homem primitivo já fazia usos dos recursos ambientais, contudo ele
buscava apenas satisfazer suas necessidades essencialmente básicas, o que não
gerava nenhum dano ao meio ambiente. No entanto, como traz Sirvinskas (2007) foi
com a Revolução Industrial que as lesões ao meio ambiente começaram a
apresentar um quadro significativo, vindo a comprometer o próprio equilíbrio
biológico do planeta.
Embora a degradação ambiental venha acompanhando o homem na sua busca pelo domínio da Natureza, pode-se assinalar a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, como um marco de forte agravamento dos impactos da atividade humana sobre o meio ambiente e sobre a saúde humana. (GRANZIERA, 2011, p. 23).
Essa crise, com raízes históricas, assombra a sociedade atual de forma
significativa, uma vez que a mesma está associada ao próprio desenvolvimento da
humanidade, visto que a sociedade atual é “[...] uma sociedade de risco, deflagrada,
principalmente, a partir da constatação de que as condições tecnológicas, industriais
e formas de organização e gestões econômicas da sociedade estão em conflito com
a qualidade de vida.” (LEITE, 2000, p. 13)
43
Os principais indicadores da ocorrência da crise ambiental são o efeito estufa,
a poluição do ar, o empobrecimento do solo, a depredação da biodiversidade, dentre
inúmeros outros que demonstram a degradação dos recursos naturais e seus
catastróficos efeitos para a sociedade atual e para a que há de sucedê-la. Assim, a
crise ambiental está associada a crise social, econômica e até mesmo cultural, uma
vez que seus principais causadores são o desenvolvimento desenfreado e
descontrolado em busca da satisfação das necessidades de consumo, o que
perpassa pela economia, pelas diferenças de classe e pela ausência de consciência
ecológica, uma vez que “[...]. O fato do ser humano não agir tão instintivamente
como os demais seres, podendo decidir a maioria de suas ações, faz com que possa
subjugar a natureza, embora não devesse, transformando-a de acordo com as suas
necessidades.” (CANOTILHO, 2011, p. 157)
Assim, a mudança global que levou à crise ambiental, de acordo com Stern
(1993) está vinculada a causas humanas, mais especificamente o crescimento
populacional e econômico, a mudança tecnológica, a as ações das instituições
político-econômicas e a atitudes e convicções voltadas ao consumismo.
O crescimento populacional fez com que no momento em que cada indivíduo
buscasse na natureza a satisfação de suas necessidades, e na maioria das vezes
de forma indiscriminada, o que fez com que os recursos naturais, tanto renováveis
quanto não renováveis começassem a se esgotar. Da mesma forma, esse
crescimento também gerou o desenvolvimento desestruturado e desorganizado do
ambiente urbano. Assim, o crescimento econômico fez com que a busca pela
satisfação econômica desconsiderasse os danos que pode causar ao meio
ambiente, especialmente nas questões voltadas a um consumismo desenfreado e
irresponsável.
As mudanças tecnológicas geraram a produção de resíduos e fontes
poluidoras de forma exagerada e sema maior preocupação com os reflexos que tais
substâncias poderiam provocar ao meio ambiente, o que acabou por trazer danos
catastróficos. A moderna tecnologia é vista como uma contribuição muito mais
significativa à degradação ambiental do que o crescimento populacional ou
econômico. Da mesma forma ações de instituições político-econômicas, tendo como
44
instituição chave o mercado de consumo, visando satisfazê-lo e aos próprios
governos, com a divisão da mão de obra e da riqueza, acabaram por fazer com que
o meio ambiente fosse vítima de abusos tano no âmbito nacional quanto
internacional.
Atitudes e convicções relacionadas à busca de satisfação materialista podem
ser consideradas como uma das premissas básicas da crise ambiental, pois delas
derivam todas as demais causas, uma vez que, mesmo na incidência de qualquer
um dos fatores supra mencionados, se estes ocorrerem de forma organizada,
planejada, sustentável, e vinculada à preocupação com o meio ambiente, as lesões
à natureza poderiam perfeitamente, se não serem evitadas, pelo menos reduzidas
em grande parte. Assim, atitudes e convicções, ao mesmo tempo em que são
causas da crise ambiente, também podem ser a solução para a mesma,
dependendo da forma como são desenvolvidas.
Foladori (2001) conclui que os problemas ambientais podem ser sintetizados
em três grandes grupos: a depredação dos recursos que leva a extração de riquezas
de forma indiscriminada e a extinção de seres vivos num ritmo muito maior que a
sua reprodução natural; a poluição ambiental decorrente de detritos que não se
reciclam naturalmente na mesma velocidade da sua geração; e a superpopulação
que traz como consequência imediata a pobreza, uma vez que por sua falta de
planejamento não está incorporada ao ciclo do capital.
2.1.1 Consumo ilimitado frente a recursos limitados
Os investimentos no âmbito econômico são planejados visando consumidores
e usuários em potencial e não o indivíduo como um ser humano, como um cidadão.
Assim, não havendo esta preocupação, consequentemente não existe preocupação
com o meio ambiente, pois por muitos anos as lesões a este bem passaram
despercebidas e somente quando os danos acabaram por transformarem-se em
catástrofes de repercussão mundial que os olhares começaram a se voltarem para a
questão ambiental. O modelo de produção que vem sendo utilizado, especialmente
após a Reforma Industrial, baseia-se me tecnologias ofensivas aos recursos
naturais, na apropriação e uso de bens e na própria desigualdade social. A busca
45
incessante pela satisfação não mais das necessidades básicas, mas sim do anseio
consumista, acabou por vitimar o meio ambiente através de uma degradação muitas
vezes irreparável.
O problema econômico centra-se no fato de que os recursos disponíveis ao homem para produzir bens e serviços são limitados, escassos, mas sua necessidade ou desejo desses bens e serviços são variados e insaciáveis. Na verdade, o ser humano enfrenta duas realidades, as quase dominam a vida: a) de um lado, recursos limitados; e b) de outro, necessidades e desejos ilimitados. Essas duas realidades definem a escassez, que é condição na qual os recursos disponíveis são insuficientes para satisfazer todas as necessidades humanas. (MENDES, 2005, p. 90)
Bauman (2001) concebe a sociedade moderna como uma sociedade líquida
que não questiona e que não se posiciona, visto que os indivíduos buscam a
satisfação de seus desejos sem necessidade de discutir regras; sociedade esta que
valoriza o consumo, onde as relações passaram a verter única e exclusivamente na
satisfação dos desejos consumistas individuais; que uma vez atingidos logo
desaparecem, dando lugar a novos desejos.
As necessidades de consumo, tanto as reais quanto as chamadas suntuárias ou de consumo conspícuo, nunca param de crescer. Na verdade, criam-se novas necessidades sob os mais variados pretextos. Daí a assertiva de que os recursos finitos não podem atender a demandas infinitas. (MILARÉ, 2005, p. 74).
Essa insaciável busca pela satisfação, sem limites nem regras, é um dos
elementos preponderantes da crise ambiental, visto que, para atender essa busca
de desejos ilimitados, não ocorre uma preocupação com a possibilidade ou não de
renovação dos recursos que são extraídos da natureza, os quais são limitados. As
técnicas do mercado produtivo visam a satisfação destes anseios custe o que
custar, fazendo com que a sociedade do consumista tenha
[...] um descuido e um descaso na salvaguarda de nossa casa comum, o planeta Terra. Solos são envenenados, águas são poluídas, florestas são dizimadas, espécies de seres vivos são exterminadas; um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da humanidade. Um princípio de autodestruição está em ação, capaz de liquidar o sutil equilíbrio físico-químico e ecológico do planeta e devastar a biosfera, pondo assim em risco a continuidade do experimento da espécie homo sapiens e demens. (BOFF, 1999).
46
O uso inadequado e desnecessário, bem como a apropriação de bens,
produtos e serviços, que dão suporte à sociedade capitalista, são considerados
como a base da crise ambiental, uma vez que levou a um relacionamento
contraditório entre o homem e a natureza, visto que este, ao mesmo tempo que to é
dependente do ecossistema, faz com que a utilização que faz do mesmo seja muito
mais veloz que a regeneração dos recursos naturais, fazendo emergirem daí os
principais efeitos avassaladores da degradação ambiental. A exemplo disso tem-se
a poluição atmosférica, decorrente do aumento assombroso da frota de veículos
para satisfações individuais e a emissão de gases poluentes pelas grandes
empresas; a utilização de fertilizantes e pesticidas buscando uma maior
produtividade agrícola; a devastação florestal, na busca da utilização desenfreada
de madeira.
Com propriedade Leff (2009b) enfatiza que a crise ambiental é resultado de
uma alienação tecnológica, onde o capitalismo real acaba por gerar uma realidade
virtual e imaginária, com estratégias silenciosas onde o pensamento deixa de ter
uma razão teórica e prática, passando a ser meramente simbólico, baseado numa
realidade distorcida ou simplesmente inexistente.
2.1.2 A perda da qualidade ambiental (água, ar, solo, fauna e flora)
Os recursos naturais são os elementos que constituem os ecossistemas; os
quais, mesmo variando entre as diferentes regiões são estreitamente interligados,
sendo compostos pelo ar, a água, o solo, a fauna e a flora. Tais recursos estão
sendo as maiores vítimas da crise ambiental, uma vez que a chamada
irracionalidade produtiva, implementada pelos atuais modelos econômicos,
tecnológicos e culturais, levou ao desequilíbrio e a diminuição da biodiversidade e,
consequentemente, a perda da qualidade de vida dos seres que habitam o planeta.
O desmatamento das florestas vem sendo considerado como um dos
principais causadores dos prejuízos ao ecossistema, uma vez que reduz a
diversidade biológica causando um desequilíbrio natural onde os danos são de
proporções irreversíveis. Associados ao desmatamento, tem-se poluição causada
pelas indústrias, pelos veículos automotores, pelo tabagismo, pela utilização de fogo
47
em locais proibidos, dentre inúmeros outros fatores ensejadores de danos
ambientais.
Os impactos causados da crise ambiental sobre o ar são de proporções
incalculáveis, uma vez que a alteração das características físicas, químicas ou
biológicas da atmosfera podem levar a danos tanto ao ser humano quanto aos
demais seres vivos do planeta. O equilíbrio entre o gás carbônico e o oxigênio era
mantido pelos processos básicos da respiração e da fotossíntese, contudo, a
aceleração da industrialização acabou por alterar significativamente tal equilíbrio.
Assim, os principais problemas atmosféricos encontram-se nas áreas urbanas,
especialmente onde estão instaladas as grandes indústrias, uma vez que,
No contexto urbano-industrial, a poluição atmosférica é causada pela ação antrópica mediante fontes estacionárias, entre as quais se encontram com elevado potencial poluidor as refinarias, a indústria petroquímica e a siderúrgica, a indústria de papel e celulose e a de cimento. (MILARÉ, 2005, p. 270)
Desta forma, as alterações atmosféricas geram efeitos globais, sendo os mais
significativos às chuvas ácidas, causadoras de danos a vegetação, a agricultura e a
própria atmosfera; a redução da camada de ozônio, que permite a excessiva
incidência de radiação ultravioleta, causadoras de inúmeras doenças à saúde não só
humana como dos demais seres vivos; e o efeito estufa, que leva a um aquecimento
exagerado ao redor do planeta.
Atualmente a questão da camada de ozônio tem sido um dos pontos de maior
discussão entre os ambientalistas, uma vez que sua função é proteger a Terra dos
raios ultravioletas e, diante do surgimento de inúmeras doenças causadas pela
exposição aos mesmos, como o câncer de pele, por exemplo, não existe mais a
possibilidade de negação da significativa redução da mesma, especialmente na
Antártida e no sul do Brasil. Da mesma forma, o efeito estufa tem acarretado
significativo aquecimento da temperatura global, o qual, por tratar-se de uma
espécie de isolamento térmico, impede que os raios solares que refletem na Terra
retornem ao espaço, o que intensificou a ocorrência de vários eventos naturais,
como tempestades, furacões, tsunamis, que têm avassalado a Terra nas últimas
décadas.
48
No que tange ao bem considerado como o mais precioso do século XX, a
água, os danos são de igual extensão, visto que a sua escassez, em escala mundial,
é um fantasma que assombra os seres vivos diuturnamente; sendo que os principais
geradores da de tal escassez são os desmatamentos e a utilização desenfreada e
imprudente da água doce, a qual até pouco tempo atrás era inesgotável e hoje se
mostra extremamente finita, uma vez que de toda a água existente no mundo, 97%
encontra-se nos oceanos e dos 3% de água doce restantes, quase ¾ estão em
forma de geleiras. Desta forma, o percentual de água doce é extremamente escasso
para satisfazer às necessidades humanas, tornando a água um dos bens mais
valiosos da face da Terra.
Os desmatamentos desenfreados são uma prova incontestável de que o
desenvolvimento econômico na forma consumista que se apresenta é um dos
causadores em potencial da crise ambiental, uma vez que se desmata para
satisfazer os anseios econômicos, como a construção de rodovias para maior
circulação da produção e do imenso número de veículos automotores, a utilização
de madeiras nobres para a construção de móveis, dentre inúmeras outras ações
extremamente lesivas ao meio ambiente.
Além dos desmatamentos, “[...] a qualidade da água está permanentemente
ameaçada por dois grupos principais de riscos: a contaminação por
microorganismos patogênicos e a modificação das características físicas e químicas
dos corpos da água” (MILARÉ, 2005, p. 282), tudo isso em decorrência do deságue
de resíduos tóxicos das indústrias nos rios. Assim, diante da constatação da
esgotabilidade da água do conhecimento da sua imprescindibilidade para a
sobrevivência dos seres vivos das mais variadas espécies, a Agenda 21, em seu
capítulo 18 recomenda a realização de ações para um gerenciamento sustentável.
Em relação ao solo, parte integrante dos ecossistemas, a sua degradação
através da erosão, constitui um grave risco ao meio ambiente, uma vez que seu
manejo, sem os cuidados necessários com sua fragilidade, podem ocasionar
inúmeros danos. As principais causas da poluição do solo são os resíduos sólidos
despejados sobre o mesmo, a utilização de agrotóxicos, queimadas, atividades de
mineração, cemitérios horizontais, dentre outros.
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Os resíduos sólidos devem ter uma destinação adequada, visto que se trata
de uma questão de saúde pública, sendo que o meio mais utilizado de descarte e
também o mais lesivo, não somente ao solo como também a todos os outros
elementos do ecossistema, é o depósito em céu aberto. O depósito em aterros
sanitários, a compostagem, a reciclarem e a incineração são considerados os meios
mais eficazes de descarte do lixo, os quais, desde que realizados dentro dos
padrões adequados, evitam os danos causados por tais dejetos.
A fauna, formada por conjuntos de animais em determinada região,
denominada de habitat, também é um dos elementos do ecossistema que vem
sofrendo as consequências da crise ambiental, especialmente no que tange a
extinção de inúmeras espécies de animais, o que se dá pela caça predatória, pela
pesca indiscriminada, pelo tráfico de animais silvestres, e até mesmo pelo efeito
estufa que está afetando diretamente os ecossistemas terrestres e marinhos. De
acordo com estudos realizados por pesquisadores vinculados à ONU, a situação da
fauna em âmbito mundial é alarmante, uma vez que
[...] constatou-se que a destruição dos habitats e das espécies invasoras é a maior ameaça a biodiversidade. Afirma esse estudo que um quarto dos mamíferos do planeta estão ameaçados de extinção nos próximos trinta anos. [...]. A principal causa é a atividade humana que vem continuamente destruindo os habitats dos animais e a introdução de espécies exóticas. [...] Dentre essas causas podemos apontar a ocupação dos espaços territoriais rurais, a poluição das águas, a exploração dos recursos naturais de maneira desordenada, a mudança climática global, as espécies invasoras, etc. (SIRVINSKAS, 2007, p. 274)
A flora, também denominada como ecossistema sustentado, uma vez que não
vive isoladamente, dependendo da interação com outros seres vivos, o que impede
a sua dissociação com a fauna, também é um dos elementos constitutivos dos
ecossistemas que está sendo vítima direta da crise ambiental, especialmente em
decorrência dos desmatamentos; sendo que “[...] os prejuízos ecológicos,
econômicos, científicos e outros mais, não comportam avaliação nem imaginação
[...]” (MILARÉ, 2005, p. 305).
50
2.1.3 Urbanização (favelas, desigualdade econômica)
O aumento populacional, especialmente na zona urbana, associado às
desigualdades sociais é ao mesmo tempo causa e consequência dos problemas
ambientais. Esse aumento populacional teve seu marco inicial com a Revolução
Industrial, sendo que, conforme Meadows (2007), o pico de crescimento ocorreu
entre o meio dos anos 90 e início dos anos 2000, tendo em 2001 apresentado uma
taxa de crescimento populacional mundial de 1,3% ao ano, o que corresponde ao
dobro do que ocorria no início dos anos 90. Tal crescimento, na forma como vem
ocorrendo, ao invés de eliminar a pobreza, acabam por perpetuá-la, aumentando a
disparidade entre ricos e pobres.
No sistema econômico vigente, o crescimento geralmente se dá nos países que já são ricos e flui desproporcionalmente para as pessoas mais ricas desses países. [...] décadas de crescimento têm sistematicamente aumentado as diferenças entre ricos e pobres. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em 1960, 20% da população mundial que vivia nos países mais ricos possuía uma renda per capita 30 vezes maior do que os 20% que viviam nos países mais pobres. Por volta de 1995 a relação entre a renda média dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres tinha passado de 30:1 para 82:1. (MEADOWS, 2007, p. 42)
Outro dado importante trazido por Davis (2006) é de que as cidades têm
absorvido quase dois terços do crescimento populacional global, sendo que a
previsão é de que no ano de 2020, a população urbana chegue a 10 bilhões de
habitantes, o que significa que 95% do aumento populacional ocorrerá nas cidades.
Contudo, esse aumento estrondoso da população urbana levará a uma
desigualdade cada vez maior, visto que a forma de distribuição dessas pessoas não
obedece a critérios organizacionais e os grandes aglomerados, ensejadores das
maiores favelas, que nada mais são do que cidades informais (SIRKIS, 2003),
acabam por se formarem sem que sejam percebidos especialmente nos países
menos desenvolvidos, onde 78,2% da população urbana está nas favelas em
contrapartida a 19% que se encontram nas mesmas nos países desenvolvidos.
Tudo isso gira em torno de uma busca incessante pelo trabalho, o que leva as
pessoas, que muitas vezes estão no meio rural, a criarem a ideia imaginária de uma
qualidade melhor de vida nas cidades, onde o trabalho é mais diversificado, o que
51
não passa de um lego engano, pois acabam por transformarem-se em meros
instrumentos de produção.
Assim, fica nítido que a industrialização acabou por gerar a exploração do
homem pelo próprio homem, onde a forma de urbanização que passou a se
desenvolver desconstituiu a personalidade humana fazendo com que os indivíduos
passassem a ser meros reprodutores de uma concepção capitalista onde o interesse
econômico e a busca pela acumulação de capital se sobrepuseram ao interesse
social, fazendo com que surgisse um distanciamento e uma dissolução das relações
sociais, o que levou facilidade de alienação e, consequente segregação social,
criando-se ambientes periféricos e centrais.
Na concepção de Lefebvre (2004), a cidade passou ao mesmo tempo a ser
produto e produtora, possibilitando assim a acumulação e circulação do capital e
gerando um crescimento descontrolado da cidade capitalista a qual, ao mesmo
tempo em que anulou as diferenças entre a cidade e o campo, passou fragmentar
ambientes dentro da própria cidade, gerando com isso disparidades sociais e o
surgimento de periferias, onde a ilegalidade, a marginalidade e a miséria passaram a
ser produtos de uma estruturação e um desenvolvimento mal formulados.
A urbanização voltada exclusivamente ao capital acabou por influenciar
diretamente na consciência de seus habitantes, os quais se acostumaram e se
acomodaram diante das desigualdades, aceitando-as como algo natural e
necessário para o desenvolvimento ou simplesmente ignorando-as. Tal aceitação
ocorre tanto entre os que vivem nos centros, os quais acreditam estarem em
situações privilegiadas; como entre os que se encontram nas periferias, que acabam
por assimilar a sua situação, acreditando, no íntimo de suas frustrações, que nada
podem fazer para mudar o contexto.
Esta situação somente começou ser constatada e refletida nos últimos anos,
a partir da conscientização das crises ambientais que passaram a assolar toda a
humanidade, uma vez que a questão da crise ambiental perpassa diretamente pela
crise do desenvolvimento urbano. A sociedade industrial chegou ao limite da
insustentabilidade, fazendo com que mudanças radicais de âmbito global,
52
envolvendo estruturas econômicas, políticas, tecnológicas e sociais, tornem-se
imprescindíveis para a sobrevivência da humanidade. O crescimento
desproporcional das cidades levou a uma ocultação da natureza, onde as
construções são feitas com materiais que, ou pertencem à própria natureza, ou
causam danos ao meio ambiente.
Tais constatações levaram ao surgimento da necessidade de criação de um
novo modelo de desenvolvimento que apresentasse políticas de qualidade
ambiental, abrangendo tanto a qualidade do meio ambiente natural quanto urbano;
passando-se aí então a se falar em desenvolvimento sustentável, estendendo-se
assim a um desenvolvimento urbano sustentável, o qual deve atender as
necessidades das gerações presentes sem gerar danos às gerações futuras.
Desenvolvimento sustentável não significa somente a conservação dos nossos recursos naturais, mas sobretudo um planejamento territorial, das áreas urbanas e rurais, um gerenciamento dos recursos naturais, um controle e estímulo às práticas culturais, à saúde, alimentação e sobretudo qualidade de vida, com distribuição justa de renda per capita. (CARRERA, 2005, p.7)
O desenvolvimento urbano sustentável teve como marco jurídico a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em 1992, da
mesma forma que a garantia do direito à cidade, no âmbito nacional, teve seu
alicerce no Estatuto da Cidade que teve como objetivo a implementação dos artigos
182 e 183 da Constituição Federal Brasileira, os quais tratam da política urbana,
tudo isso visando um direito à cidade como um direito fundamental.
Tais instrumentos jurídicos vêm ao encontro do pensamento de Lefebvre
(1999), para quem o direito à cidade é o direito à centralidade, onde deixe de existir
a exclusão urbana decorrente de uma organização espacial discriminatória e
desordenada. O direito à cidade diz respeito a todos os habitantes enquanto sujeitos
que se envolvem em relações sociais dentro do quadro urbano e afirmam a
exigência de uma presença ativa e participativa. Da mesma forma o
desenvolvimento, na concepção de Veiga (2005) deve ir em direção de uma eco-
socio-economia para ser um garantidor de igualdades e preservação.
53
2.2 Concepções de Sustentabilidade e de Desenvolvimento Sustentável
As expressões desenvolvimento sustentável e sustentabilidade aparecem
geralmente na forma de sinônimos, o que efetivamente não corresponde a realidade.
A sustentabilidade é a manutenção do status quo ante dos diversos ambientes –
natural, artificial, do trabalho, cultural, genético, sendo que
[...] quando usarmos o termo sustentabilidade deve estar implícita a expressão sociedades sustentáveis, pois abrange a integridade dos recursos e processos ambientais naturais, com base em sistemas políticos plurais (democráticos). A expressão deve ser necessariamente compreendida no plural porque, no Instituto Vitae Civilis, bem como num grande universo de ONGs do movimento ambientalista mundial, abraçamos a perspectiva de um mundo ambientalmente sadio, onde as diversidades biológica, cultural, étnica, racial e religiosa são parte integrante dos pressupostos da sustentabilidade. (BORN, 2003, p.109).
Já o desenvolvimento sustentável pressupõe a evolução, o crescimento em
todas as esferas, de forma a suprir as necessidades dos homens sem com isso
afetar os recursos ambientais, deixando de comprometer a sustentabilidade destes,
bem como
[...] consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futura. Requer como seu requisito indispensável, um crescimento econômico que envolva equitativa redistribuição dos resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor entendimento da maioria da população. (SILVA, 2009, p. 26/27)
A expressão desenvolvimento sustentável foi usado pela primeira vez em
1971 pela Primeira Ministra da Noruega e Presidenta da Comissão Mundial sobre o
Meio Ambiente e Desenvolvimento, Gro Herlem Bruntland, quando esta, juntamente
com uma comissão, propôs que o desenvolvimento econômico fosse integrado à
questão ambiental, o que levou mais tarde a criação do “Relatório Brundtland”
(1983); documento este que tornou-se referencial para a Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992 – Rio-92, onde o termo foi
vastamente utilizado em diversos documentos, dentre ele a Agenda 21.
54
Inúmeros são os conceitos encontrados para a expressão desenvolvimento
sustentável, contudo todos chegam a uma mesma concepção, qual seja, de que
consiste em usar os recursos naturais respeitando o meio ambiente e os seres vivos
que integram o mesmo. Esta utilização responsável perpassa por um
desenvolvimento que reconhece os limites dos recursos naturais e concilia o
crescimento econômico à preservação da natureza.
2.2.1 Desenvolvimento sustentável como enfrentamento da crise ambiental
As catástrofes mundiais que vêm assolando globalmente a sociedade têm
levado esta a despertar para os problemas ambientais que se postam a sua frente;
não há mais como negar que “[...] a Questão Ambiental é uma questão de vida ou
morte, de morte ou vida, estas, não apenas de animais e plantas, mas do próprio
homem e do Planeta que o abriga.” (MILARÉ, 2005, p.50). Tudo isso não passa de
uma consciência de que o homem afetou o meio ambiente de forma radical,
provocando consequências que colocaram em risco a própria sobrevivência dos
seres vivos.
Para o referido autor, uma das únicas formas de enfrentar e superar a crise
que assola o meio ambiente é através de um desenvolvimento sustentável, um
desenvolvimento ecologicamente equilibrado, o que concilie o desenvolvimento da
sociedade com a preservação dos recursos ambientais, o que somente poderá
ocorrer com a utilização racional de tais recursos. Desta forma, para que um
desenvolvimento sustentável possa efetivamente ser colocado em prática, é
imprescindível
[...] a conciliação de duas situações aparentemente antagônicas: de um lado, temos a necessidade da preservação do meio ambiente; de outro, a necessidade de incentivar o desenvolvimento socioeconômico. Essa conciliação será possível com a utilização dos recursos naturais, sem, contudo, causar poluição ao meio ambiente. (SIRVINSKAS, 2005, p. 5/6)
O desenvolvimento socioeconômico da atualidade está vinculado a uma nova
visão do processo civilizatório da humanidade, onde é necessário o questionamento
do próprio crescimento econômico, mediante uma problematização das próprias
55
bases da produção, onde a “[...] economia ecológica tenha um olhar crítico sobre a
degradação ecológica e energética resultantes dos processos de produção e
consumo tentando situar as trocas econômicas dentro do metabolismo geral da
natureza.” (LEFF, 2009a, p. 208)
O desenvolvimento sustentável preconiza um modo de consumo que tenha
por finalidade garantir não só a satisfação das necessidades das gerações atuais,
como também das futuras gerações; o que implica em substituir-se o consumo
agressivo e incondicional pelo consumo racional dos recursos ambientais, evitando-
se o desperdício e o excesso e ainda, após o consumo, cuidar para que os
eventuais resíduos não provoquem degradação ao meio ambiente. Gadotti (2000,
p.53) define de uma forma bastante plausível a forma como o desenvolvimento
sustentável deve ocorrer para atingir as suas finalidades, segundo o referido autor
“[...] desenvolvimento sustentável deve ser economicamente factível,
ecologicamente apropriado, socialmente justo e culturalmente equitativo, sem
discriminação”.
Desta forma, o desenvolvimento sustentável que se busca é aquele que é
viável no âmbito econômico, sem deixar de ser adequado no contexto ambiental; e
para isso é necessário remodelar a relação do homem com a natureza, passando a
preservação ambiental a ser o elemento regulador do desenvolvimento sustentável.
Sob essa concepção, é imprescindível a utilização de políticas públicas, tanto de
âmbito global quanto local que tenham o indivíduo como principal sujeito e ator
interativo na construção de um desenvolvimento socioeconômico equilibrado e
vinculado diretamente a consciência da finitude dos recursos naturais, ou seja, onde
o desenvolvimento social, econômico e político sejam componentes plenamente
identificáveis do desenvolvimento sustentável.
2.2.2 Principais desafios e mecanismos para a concretização de um
desenvolvimento sustentável
Não se pode desconsiderar que o crescimento econômico é uma condição
necessária para o desenvolvimento, razão pela qual não se pode buscar um
desenvolvimento sustentável dissociado daquele; contudo na concepção de Sachs
56
(2007) para que isso seja possível, é necessário um progresso social que vise uma
inclusão mediante medidas compensatórias redistributivas.
O desenvolvimento sustentável não se refere especificamente a um problema limitado de adequações ecológicas de um processo social, mas a uma estratégia ou modelo múltiplo para a sociedade, que deve levar em conta tanto a viabilidade econômica como ecológica. Num sentido abrangente, a noção de desenvolvimento sustentável leva à necessária redefinição das relações sociedade humana/natureza e, portanto, a uma mudança substancial do próprio processo civilizatório.
Dentre os principais desafios que o Documento de Contribuição Brasileira à
Conferência RIO+20 – elaborado a partir dos trabalhos da Comissão Nacional para a
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – traz pode-se
destacar dentre inúmeros outros, a erradicação da pobreza extrema, a equidade, a
responsabilidade social das empresas, a educação, o papel do Estado, a produção e
consumo sustentáveis e o desenvolvimento urbano adequado.
Tais questões foram acolhidas pela Conferencia das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável – RIO+20, tanto que passaram a fazer parte do
Documento apresentado pela Assembleia Geral da ONU, sendo dado grande ênfase
a questão da erradicação da probreza como um dos principais problemas que
dificultam um desenvolvimento sustentável:
[...] 2. La erradicación de la pobreza es el mayor problema que afronta el mundo en La actualidad y una condición indispensable del desarrollo sostenible. A este respecto estamos empeñados en liberar con urgencia a la humanidad de la pobreza y el hambre. 3. Por consiguiente, reconocemos que es necesario incorporar aun más El desarrollo sostenible en todos los niveles, integrando sus aspectos económicos, sociales y ambientales y reconociendo los vínculos que existen entre ellos, con el fin de lograr el desarrollo sostenible en todas sus dimensiones. 4. Reconocemos que la erradicación de la pobreza, la modificación de lãs modalidades insostenibles y la promoción de modalidades sostenibles de producción y consumo, y la protección y ordenación de la base de recursos naturales del desarrollo económico y social son objetivos generales y requisitos indispensables del desarrollo sostenible. Reafirmamos también que es necesario lograr el desarrollo sostenible promoviendo un crecimiento sostenido, inclusivo y equitativo, creando mayores oportunidades para todos, reduciendo las desigualdades, mejorando los niveles de vida básicos, fomentando el desarrollo social equitativo y la inclusión, y promoviendo uma ordenación integrada y sostenible de los recursos naturales y los ecosistemas que preste apoyo, entre otras cosas, al
57
desarrollo económico, social y humano, y facilite al mismo tiempo la conservación, la regeneración, el restablecimiento y la resiliencia de los ecosistemas frente a los problemas nuevos y emergentes. [...]
Dentre mecanismos apontados pelos Estados por ocasião da RIO+20 como
ensejadores de soluções para a crise ambiental é a chamada economia verde, a
qual é considerada como uma das de maior probabilidade de aplicabilidade e
eficácia, como verifica-se pelo item 56 do documento final:
[...] 56. Afirmamos que cada país dispone de diferentes enfoques, visiones, modelos e instrumentos, en función de sus circunstancias y prioridades nacionales, para lograr el desarrollo sostenible en sus tres dimensiones, que es nuestro objetivo general. A este respecto, consideramos que la economía verde en el contexto del desarrollo sostenible y la erradicación de la pobreza es uno de los istrumentos más importantes disponibles para lograr el desarrollo sostenible y que podría ofrecer alternativas en cuanto a formulación de políticas, pero no debería consistir en um conjunto de normas rígidas. Ponemos de relieve que la economía verde debería contribuir a la erradicación de la pobreza y el crecimiento económico sostenible, aumentando la inclusión social, mejorando el bienestar humano y creando oportunidades de empleo y trabajo decente para todos, manteniendo al mismo tiempo el funcionamiento saludable de los ecosistemas de la Tierra. [...]
A definição do termo economia verde ainda não está sedimentado, existindo
diversas interpretações, contudo sua ideia central, de acordo com Louredo, é que
trata-se de um “[...] conjunto de processos produtivos da sociedade e as transações
deles decorrentes contribuam cada vez mais para o desenvolvimento sustentável,
tanto nos aspectos sociais quanto ambientais.[...]” (2012, p. 03)
Nesta vertente, o papel do Estado, através de políticas públicas integradoras
e participativas é de fundamental importância, associado a uma transformação nas
concepções dos indivíduos dos conceitos de prioridades, sendo necessária uma
redefinição das relações dos homens com o meio ambiente, ocorrendo
obrigatoriamente uma mudança drástica no processo de desenvolvimento
econômico e social; pois vivemos em uma sociedade, onde o capitalismo, o
consumismo e o individualismo são características marcantes, e, a busca
desenfreada pela satisfação dos desejos individuais vem sugando do meio ambiente
tudo aquilo que possa servir de instrumentos para que seus objetivos sejam
satisfeitos, sem uma preocupação com as consequências que isso pode gerar.
58
2.3 A Sustentabilidade Ambiental e os saberes do Estado Democrático de
Direito Ambiental
A possibilidade de um desenvolvimento social em todos os seus aspectos,
inclusive econômico, que aconteça de uma forma onde os recursos ambientais
sejam utilizados com racionalidade e inteligência, onde a satisfação das
necessidades das gerações atuais não comprometa o futuro das próximas gerações
é que denomina-se de sustentabilidade ambiental.
A principal finalidade da sustentabilidade é garantir um planeta futuro com
condições adequadas para a existência das mais diversas formas de vida mediante
a garantia de recursos naturais essenciais para uma qualidade de vida adequada.
Assim, na busca de um desenvolvimento sustentável, Leff (2009b) traz a concepção
de um saber ambiental, onde as ações do mundo atual perpassem por reflexões
sobre a evolução social e econômica da situação em que se encontra o meio
ambiente, especialmente com um olhar voltado para os principais elementos que
constituem a atual crise ambiental, como a degradação ambiental, o risco de um
colapso ecológico e o avanço da desigualdade e da pobreza.
Nestes tempos está se forjando o saber ambiental, [...], saber sobre um ambiente que não é a realidade visível da poluição, mas o conceito da complexidade emergente onde se reencontram o pensamento e o mundo, a sociedade e a natureza, a iologia e a tecnologia, a vida e a linguagem. [...]. De um saber atravessado por estratégias de poder em torno da reapropriação (filosófica, epistemológica, econômica, tecnológica e cultural) da natureza. (LEFF, 2009b, p. 10)
Contudo para que se possa falar em um saber ambiental é imprescindível
que se analise o mercado globalizado, do atual conhecimento científico e da
racionalidade instrumental e econômica, uma vez que somente com o entendimento
da complexidade destes é que se é possível atingir uma racionalidade ambiental que
tem como essência um desenvolvimento sustentável. Neste contexto, o papel do
Estado Democrático de Direito Ambiental é de fundamental importância, tanto a
Carta Magna Brasileira estabelece de forma clara e taxativa o dever do Estado e da
coletividade de garantir uma qualidade de vida ecologicamente equilibrada.
59
2.3.1 A globalização e o consumo sustentável
Na concepção de Bauman (2000), a sociedade atual vem passando por uma
série de transformações, onde, passa de uma modernidade sólida para uma
modernidade líquida, onde tudo é transitório e volátil, inclusive as relações sociais e,
porque não, as relações com o meio ambiente, onde o individualismo consumista
vem degradando os recursos ambientais de tal forma que há um esquecimento da
preservação e da sustentabilidade em prol das gerações futuras; e tudo isso estaria
interligado ao atual processo de globalização.
A globalização vem tomando espaço a partir da segunda metade do século
XX, trazendo como principais características a instantaneidade nas relações, de
forma especial no campo das relações econômicas de diferentes países. A rapidez e
o acesso facilitado da informação possibilitam que os mais diversos fatos aconteçam
simultaneamente em diversos países e de forma interligada, tendo como
consequência direta o comprometimento dos recursos naturais.
O desenvolvimento econômico globalizado é o principal propulsor das
desigualdades sociais, que é uma das principais causas da crise ambiental, uma vez
que leva a crise da civilização; assim a “[...] a degradação ambiental se manifesta
como sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade
regido prelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a
organização da natureza”. (LEFF, 2009b, p. 17)
Essa forma de desenvolvimento econômico apresentada pela globalização
leva a um grave paradoxo, de um lado temos uma sociedade que busca um
consumo insaciável, onde os desejos consumeiristas ultrapassam as reais
necessidades; e de outro temos recursos naturais limitados e finitos; e, tudo isso
leva a tão discutível crise da civilização e consequentemente a crise ambiental.
Milaré (2005) enfatiza que a sociedade atual passa por um momento em que há um
culto ao consumismo associado a criação de necessidades desnecessárias.
60
[...] fizemo-nos reféns de um modelo civilizatório depredador e consumista que, se universalizado, demandaria três planetas semelhantes ao nosso. [...] Evidentemente isso é impossível, o que comprova a falta completa de sustentabilidade de nosso modo de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Não são poucos os analistas do estado da Terra que advertem: ou mudamos de padrão de relacionamento com a Terra ou vamos ao encontro do pior. (BOFF, 2003, p. 36)
O estilo de vida consumista que caracteriza a sociedade atual traz, conforme
Trigueiro (2012), três armadilhas, quais sejam, a primeira ético-moral, onde se tem a
necessidade de ostentar abundância onde há escassez, a segunda ecológica, onde
o consumo desenfreado leva a devastação e destruição de recursos naturais finitos;
e a terceira de ilusão, uma vez que a felicidade e a paz estão associadas à
aquisição de bens materiais.
Contudo, mesmo diante da constatação das consequências nefastas que a
globalização, especialmente com seu modelo econômico consumista trouxe, é
plenamente possível associar esse desenvolvimento com um consumo sustentável,
mediante uma economia e um uso racional de energia e matéria prima e a
conservação dos recursos naturais de forma a respeitar os ecossistemas Milaré
(2005). Essa concepção de um desenvolvimento sustentável racional vem ao
encontro da concepção de saber ambiental, o qual, segundo Leff (2006, p. 13) “[...]
trata-se da reapropriação da natureza e da reinvenção do mundo; não só de ‘um
mundo no qual caibam muitos mundos’, mas de um mundo conformado por uma
diversidade de mundos, abrindo o cerco da ordem econômica-ecológica
globalizada.”
No Brasil foi criada em 2001 uma organização não governamental e sem fins
lucrativos denominada de Instituto Akatu, o qual tem por finalidade desenvolver um
consumo consciente. De acordo com dados apresentados por tal instituto em
parceria com o Relatório Estado do Mundo 2010, publicado pelo Worldwatch
Institute, a humanidade está consumindo 50% a mais do que a natureza consegue
renovar, sendo que 16% da população mundial é responsável por 78% do consumo
total da humanidade. Em contrapartida, a mesma pesquisa constatou que no Brasil,
28% dos consumidores estão praticando um consumo consciente, o que demonstra
que, mesmo de forma ainda bastante reduzida, a sociedade já começou a perceber
61
os danos que um consumo desenfreado pode causar ao meio ambiente. O Instituto
Akatu acrescenta à política dos já conhecidos e difundidos 3R’s – reduzir, reutilizar e
reciclar – um 4º R, qual seja, repensar; o que certamente é o ponto de partida para o
consumo consciente, uma vez que com a reflexão no ato do consumo é o primeiro
passo para a adoção de uma postura equilibrada frente as reais necessidades e a
disponibilidade dos recursos naturais. (TRIGUEIRO, 2012).
Desta forma, para Leff (2009b) é possível uma sustentabilidade ecológica no
contexto da globalização como forma de sobrevivência da humanidade o que deve
decorrer de um esforço conjunto entre as nações, na busca de um crescimento
econômico sustentado. Esta sustentabilidade
[...] busca conciliar os contrários do desenvolvimento: o meio ambiente e o crescimento econômico [...]; seu intuito não é internalizar [...] mas proclamar o crescimento econômico como um processo sustentável, firmados nos mecanismos do livre mercado como eficaz de assegurar um equilíbrio ecológico e a igualdade social. (LEFF, 2009b, p. 26/27)
Assim, o desenvolvimento sustentável na era da globalização precisa atingir a
economia global, também denominada de economia verde, a qual deve ter por
finalidade propor que, além das tecnologias produtivas e sociais, sejam criados
meios pelos quais fatores essenciais ligados à sustentabilidade socioambiental, hoje
ignorada nas decisões econômicas, passem a ser considerados.
2.3.2 A crise social e a função do Estado Democrático de Direito Ambiental e
da coletividade na implementação do desenvolvimento sustentável
A degradação do meio ambiente que assola a sociedade contemporânea está
diretamente associada à crise social, pois esta é uma das ensejadoras daquela.
Desta maneira, não se pode falar em um desenvolvimento sustentável sem associar
a ele um desenvolvimento social equitativo.
A concentração de capital nos países desenvolvidos em detrimento dos
demais gera a um assustador desequilíbrio social que traz por consequência a
pobreza, a miséria, a marginalização dentre outros diversos problemas sociais que
62
afetam não só os países subdesenvolvidos, como geram reflexos diretos nos países
ricos e, por consequência, no meio ambiente. Associado a isso, o alto índice de
desemprego gerado pelo sistema de crescimento industrial dos países
desenvolvidos leva a exclusão e a segregação social, o que é cenário da sociedade
atual, mesmo nos países mais ricos.
Os números dessa crise social são aterrorizantes, uma vez que de acordo
com as estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), são 200
milhões de desempregados e ao mesmo tempo, o Relatório das Nações Unidas
estima 2 bilhões de pessoas está vivendo estão vivendo abaixo da linha da pobreza.
Essa grande massa da sociedade que são os atores da crise social, vivem em
condições completamente desfavoráveis, e são essas condições que acabam por
gerar danos ambientais, como a questão da ausência de saneamento básico que
leva não só ao surgimento de doenças e morte dessas pessoas, como também é
fator de poluição do ar.
De acordo com Veiga (2005) são necessárias algumas transições interligadas
que podem ensejar um desenvolvimento sustentável, dentre elas uma
sustentabilidade maior decorrente de uma estabilização populacional e a distribuição
equitativa das riquezas, com uma visão especial para a população que vive na
margem da pobreza.
A menos que as pessoas pobres e marginalizadas possam influenciar ações políticas de âmbito local e nacional, não é provável que obtenham acesso equitativo ao emprego, escolas, hospitais, justiça, segurança e outros serviços básicos (VEIGA, 2005, p. 81)
Frente a tais cenários, a problemática da sustentabilidade passou a ser um
foco de reflexão crítica em torno das dimensões do desenvolvimento e atuação das
políticas públicas e da sociedade, especialmente face a todas as garantias
normativas de proteção ao ambiente, seja ele natural ou artificial, que se
pressupõem como um dos elementos constitutivos do Estado Democrático Direito
Ambiental. Assim, uma das formas que se tem de fazer com que as desigualdades
sociais possam ser enfrentadas, ou pelo menos amenizadas, e, consequentemente,
se atinja um desenvolvimento sustentável, é através de políticas públicas
63
integradoras e participativas, onde os principais atores – a sociedade em geral –
tenha influente papel no processo decisório.
A discussão sobre políticas públicas ambientais somente passou a figurar no
cenário internacional depois de vinte anos passados do Relatório de Brundtland de
1997 e em virtude de muita discussão e esforço por parte da Comissão Mundial de
Meio Ambiente das Nações Unidas. A partir daí, então, começaram a ser discutidas
políticas alternativas que buscassem uma mudança significativa no estilo de
desenvolvimento. (FERREIRA, 2003). Já, no âmbito brasileiro, a Constituição
Federal de 1988 em seu artigo 225, impõe ao Poder Público, juntamente com a
coletividade, o dever de adotar medidas que assegurem um meio ambiente
ecologicamente equilibrado buscando assim um efetivo Estado Ambiental de Direito,
o qual “[...] só pode existir dentro de uma ótica democrática, garantindo-se o direito
de participação popular.” (ARAÚJO, 2008, p. 02)
A implementação de políticas públicas voltadas ao meio ambiente não
significa um entrave para o desenvolvimento econômico, o que se busca com as
mesmas é possibilitar que as gerações futuras efetivem seu direito ao meio
ambiente protegido, tendo acesso a todos os recursos ambientais necessários para
a manutenção da vida.
Assim, o desenvolvimento sustentável segue anunciando um futuro de oportunidades comuns, um mundo de maior equidade social e equilíbrio ambiental, sem abrir mão da ideia de que isto pode ser obtido com mais crescimento econômico nas condições sociais vigentes. (SCOTTO, et al , 2007, p. 33)
Contudo, não basta a implementação por parte do Estado de políticas
públicas, é necessário uma interação entre todos os sujeitos envolvidos no
desenvolvimento, para que intervenham na crise ambiental com uma visão reflexiva
e questionadora que ultrapasse uma a racionalidade econômica e adentre na
problemática social, econômica, política e ecológica, na busca de uma racionalidade
ambiental o que leve a um saber ambiental. (LEFF, 2006)
64
Nessa direção, torna-se necessária uma iniciativa criativa, inovadora e inclusiva wque permita o engajamento de todos os atores sociais relevantes, desde governos, instituições internacionais, sociedade civil, setor empresarial, com a finalidade de enfrentar a grande demanda ética da Humanidade: conferir a cada indivíduo desse planeta um sentido existencial que lhe permita viver com dignidade (FLEDMANN, 2003, p. 157)
Leff (2006) apresenta com propriedade algumas formas de enfrentar os
desafios da sustentabilidade, quais sejam: a economia ambiental que procura
incorporar as condições ambientais da sustentabilidade, através de uma avaliação
de custos e benefícios ambientais e sua tradução em valores econômicos e preços
de mercado; a economia ecológica que estabelece o limite entrópico do processo
econômico e a incomensurabilidade entre os processos ecológicos e os mecanismos
do mercado, procurando desenvolver um novo paradigma que integre processos
econômicos, ecológicos, energéticos e populacionais; e a possibilidade de pensar e
construir uma nova racionalidade produtiva, fundada na articulação de processo
ecológicos, energéticos e culturais que constituem um potencial ambiental de
desenvolvimento sustentável.
Todas essas questões perpassam pela formação de um novo saber, um
saber que se fundamente em um referencial empírico que é a realidade social, a
qual é construída com base em juízos de valores e na interdisciplinaridade do
conhecimento; um saber que problematize o conhecimento fragmentado e busque a
construção de um novo conhecimento teórico e prático que rearticule as relações do
homem com a natureza; saber este denominado por Enrique Leff de SABER
AMBIENTAL.
65
3 SABER AMBIENTAL E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: uma análise a
partir de Enrique Leff1
A sustentabilidade ambiental é decorrente da necessidade de uma
reconstrução econômica, como única forma de garantir a sobrevivência da
humanidade, diante da crise ambiental que emerge nos anos 60. Contudo, essa
sustentabilidade perpassa por uma nova conceituação de ambiente, uma vez que
este “[...] está integrado por processos, tanto de ordem física como social,
dominados e excluídos pela racionalidade econômica dominante. [...]”. (LEFF, 2002,
p. 159).
O saber ambiental ainda encontra-se em um processo de construção, uma
vez que não se tem um conhecimento acabado em relação ao mesmo, sendo
necessário um maior aprofundamento nas suas concepções interdisciplinares. Para
tanto é necessária a desconstrução de conceitos já estabelecidos, baseados estes
em uma racionalidade econômica, para se construir uma nova racionalidade agora
de caracterização ambiental. A complexidade que envolve o saber ambiental impede
que o mesmo seja construído com base nos conhecimentos atuais, mas é preciso
1 Ambientalista mexicano; doutor em Economia do Desenvolvimento em Paris/França em 1975;
especialista em Economia Política do Meio Ambiente em Educação Ambiental. Desde 1986 é coordenador da Rede de Formação Ambiental para a América Latina e o Caribe, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Atualmente é professor de pós-graduação da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Autônoma do México (UNAM) e membro do Conselho Consultivo Nacional da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos e Pesca do México, da Comissão Assessora para a criação da Universidade Autônoma da Cidade do México e do Conselho de Assessoria Internacional do Fórum Latino-Americano de Ciências Ambientais (FLACAM), da Argentina. É autor de mais de 150 livros e artigos publicados no México, Espanha, Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Alemanha, Holanda, e em vários países da América.
66
uma transformação de conhecimentos e a incorporações de um processo mais
complexo.
A produção do saber ambiental perpassa pelas relações de poder e leva a
transformação dos conhecimentos oriundos dos próprios problemas ambientais; pois
é mediante a assimilação de novos conceitos e métodos legitimado por paradigmas
do conhecimento e das disciplinas ambientais que será, para Leff (2002), possível a
transmissão do saber ambiental. Habermas (1983) ainda fundamenta que dentro
deste contexto, a natureza torna-se objeto de experiência, na busca de uma ciência
alternativa decorrente da substituição de uma manipulação técnica por um
tratamento diferenciado aos recursos naturais, criando-se assim uma nova técnica, a
qual é voltada para a liberação dos potenciais da natureza.
Amparado no paradigma da complexidade de Morin, na reorganização do
processo científico e tecnológico de Habermas, e em inúmeras outras bases sólidas,
Enrique Leff é um dos autores, para não se dizer o principal, que aborda a questão
do saber ambiental como uma das únicas soluções para combater a degradação
socioambiental e se construir um novo saber, uma nova racionalidade e com isso
garantir um futuro sustentável.
Leff sustenta suas concepções em vários outros autores, como Ignacy Sachs
que aborda o ecodesenvolvimento e suas estratégias; Blanch que aborda o conceito
de qualidade de vida; Edgar Morin que aborda as questões da teoria da
complexidade em suas diversas obras; e Friedrich Nietzsche que faz uma análise da
sociedade moderna, indagando a contradição entre o domínio do conhecimento e o
poder do saber, dentre inúmeros outros.
A maior referência em suas obras verte no seu próprio conhecimento e
reflexão, organizados em uma vasta produção científica, produzida nos últimos 20
anos. Tais obras podem ser divididas em duas grandes fases: a primeira, baseada
nos fundamentos da filosofia marxista estruturalista da Escola Francesa, na qual
discute sobre as dinâmicas sociais no sistema capitalista, debatendo sobre a
valorização na natureza enquanto recurso econômico. A segunda fase é marcada
pela crítica à epistemologia clássica positivista, disciplinar e técnica de abordar a
67
questão ambiental, visando a construção de outra epistemologia a qual se
fundamenta na crítica ao racionalismo do saber que leva a exclusão de outros
saberes. Nessa construção busca na filosofia pós-moderna de Marx, Weber,
Habermas e Foucault, através das concepções de formação social, racionalidade
substantiva e conceito de saber, defendida respectivamente por cada um desses
filósofos, a proposta de uma nova metodologia que através da utilização de uma
racionalidade ambiental levasse a um novo saber baseado no diálogo dos saberes,
mediante uma prática complexa e interdisciplinar.
Em suas obras Leff dá ênfase e discute temas como globalização, ambiente e
desenvolvimento, democracia ambiental, ecologia produtiva, ética ambiental, direitos
culturais, modernidade e pós-modernidade, sociologia do conhecimento e
racionalidade ambiental, psicanálise, interdisciplinaridade, educação ambiental,
demografia, qualidade de vida, desenvolvimento e, especialmente, a formação do
"saber ambiental", uma vez que para ele “[...] o conceito de ambiente vai colocando
a prova seu sentido questionador, transformador e recreativo nos domínios do
saber.” (LEFF, 2009b, p.12). Ainda enfatiza que a crise ambiental é uma crise do
conhecimento.
Na obra “Saber Ambiental”, a qual serve como uma espécie de síntese de
inúmeras de suas outras obras, Leff não apenas apresenta as causas para a crise
ambiental, como também apresenta soluções, demonstrando uma visão positiva da
situação que se encontra o meio ambiente.
Através de uma abordagem direta da racionalidade ambiental e da
racionalidade econômica, não descarta esta última, o que demonstra que o referido
autor não traz soluções utópicas, uma vez que na sociedade de consumo em que
estamos inseridos não se pode simplesmente desconsiderar a questão econômica
para se buscar a sustentabilidade. Contudo, demonstra a necessidade de se
entender ambas as racionalidades como complementares uma da outra, sendo que
esse equilíbrio somente pode se dar mediante um saber ambiental.
68
O saber ambiental emerge de uma reflexão sobre a construção social do mundo atual, onde hoje convergem e se precipitam os tempos históricos que já não são mais os tempos cósmicos, da evolução biológica e da transcendência histórica. (LEFF, 2009b, p. 68)
O que mais se destaca nas obras de Henrique Leff é o fato do mesmo
apresentar soluções reais para a crise ambiental, uma vez que traz a racionalidade
ambiental e a consciência ambiental como formas de um saber ambiental eficaz na
luta contra a degradação do meio ambiente e como pressupostos para uma
sociedade ecologicamente equilibrada, que tem uma preocupação com a que irá
deixar para as gerações futuras.
3.1 Democracia ambiental, racionalidade ambiental, consciência ambiental e
sua contribuição na qualidade de vida
A constatação da crise ambiental abordada no capítulo anterior leva a urgente
necessidade de uma transformação no processo de conhecimento da problemática
ambiental, a qual não se limita exclusivamente a preservação da diversidade
biológica, mas sim uma participação efetiva da sociedade na reconstrução do
próprio exercício da cidadania em prol de solução não só dos problemas ambientais
como também dos problemas sociais.
Os princípios da racionalidade econômica e instrumental formaram o alicerce
da civilização moderna, fazendo com que os custos socioambientais derivados
dessa racionalidade produtiva obrigassem à incorporação de normas ecológicas ao
processo econômico, ampliando com isso o conceito de ambiente. Desta forma, a
sociedade atual tem por base pressupostos éticos baseados em uma racionalidade
econômica e no direito privado, razão pela qual as condições ecológicas de
sustentabilidade são ignoradas, gerando uma destruição de valores, o que somente
pode ser mudado mediante uma democracia ambiental que desenvolva uma
racionalidade ambiental que decorra de um desenvolvimento sustentável que
propicie “[...] novos princípios aos processos de democratização da sociedade que
induzem à participação direta das comunidades na apropriação e transformação de
seus recursos ambientais.” (LEFF, 2009, p.60)
69
Esse processo de transição da racionalidade econômica ou instrumental para
a racionalidade ambiental se dá mediante a construção de um saber ambiental que
problematiza as questões ambientais, buscando a integração de um conhecimento
complexo que transcende a realidade atual.
3.1.1 A Racionalidade Ambiental como pressuposto do Saber Ambiental
Na visão de Enrique Leff para se construir um saber ambiental voltado para
um desenvolvimento sustentável é necessária a desconstrução da racionalidade
capitalista, essência da problemática ambiental, para que assim seja possível a
construção de nova racionalidade, qual seja a racionalidade ambiental, que dê
legitimidade a todos os atores sociais para intervirem em tal desenvolvimento de
forma consciente e com a resignificação de conceitos materialistas e econômicos.
Essa racionalidade ambiental está baseada em uma nova ética, em princípios
de uma vida democrática e em valores e identidades culturais que dão sentido à
existência humana, capazes de mobilizar e reorganizar a sociedade visando a
transformação das estruturas do poder associadas à ordem econômica estabelecida,
orientando assim, a transição para um desenvolvimento sustentável.
[...], a racionalidade ambiental se funda numa nova ética que se manifesta em comportamentos humanos em harmonia com a natureza; em princípios de uma vida democrática e em valores culturais que dão sentido a existência humana. Esses se traduzem num conjunto de práticas sociais que transformam as estruturas do poder associadas à ordem econômica estabelecida, mobilizando um potencial ambiental para a construção de uma racionalidade social alternativa. (LEFF, 2009b, p. 85)
A principal causa da problemática ambiental é a racionalidade econômica, a
qual “[...] desconhece toda a lei de conservação e reprodução social para dar cursos
a degradação do sistema [...]” (LEFF, 2009b, p. 23). Essa realidade é geradora de
uma sociedade onde a vida humana está estritamente vinculada as satisfações dos
interesses de consumo e a uma globalização econômica em que os interesses do
mercado se subjuga os saberes, degrada a qualidade de vida mediante a utilização
desenfreada dos recursos naturais que traz como consequência direta a pobreza,
em suas mais amplas interpretações e a degradação e destruição dos ecossistemas.
70
A urbanização desenfreada decorrente do aglomero de produção, do
consumo desregrado e o próprio progresso com a acumulação de irracionalidades é
a principal característica da racionalidade econômica, onde a natureza é submissa a
leis do mercado, colocando em risco a própria sobrevivência do planeta. Desta
forma,
Se o crescimento econômico não é sustentável e se a racionalidade econômica não contém os mecanismos para uma desativação, então é necessário construir outra racionalidade produtiva que possa operar conforme os princípios da sustentabilidade. [...], é necessário formular uma nova economia que funcione sobre a base dos potenciais ecológicos do planeta, do poder do saber, da ciência e tecnologia, e das formas culturais de significação da natureza. (LEFF, 2006, p. 222)
Tais situações demonstram a necessidade da desconstrução da
racionalidade capitalista, cerne da crise ambiental, o que deve acontecer em todas
as instâncias da ordem e vida social, o que requer a construção de outra
racionalidade. Toda racionalidade social articula um sistema de teorias e conceitos,
de normas jurídicas e instrumentos técnicos, de significações e valores culturais,
estabelecendo critérios e assim, legitimando as ações dos agentes sociais na busca
de um desenvolvimento sustentável que implique ‘[...] na superação da racionalidade
econômica: não pela rejeição da eficiência econômica e nem pela abdicação do
crescimento econômico, mas pela colocação dos mesmos a serviço de um novo
projeto societário”. (PADILHA, 2008, p. 27). Não obstante, a transição para essa
racionalidade ambiental é um dos elementos de construção de um saber ambiental
que é internalizado pelos atores sociais, uma vez que
[...] a retotalização do saber proposta pela problemática ambiental é mais do que a soma e a articulação dos paradigmas científicos existentes; implica internalizar o saber ambiental emergente. A necessária inter e transdisciplinaridade do saber ambiental trasncende os alcances de um paradigma globalizante, a unificação das homologias estruturais de diferentes teorias, ou a integração dos saberes diversos por uma metalinguagem comum. (LEFF, 2009b, p.148)
A racionalidade ambiental fundamenta-se em valores éticos e critérios que
atualmente não são considerados pela racionalidade econômica, e se constrói tendo
por base uma inter-relação entre a teoria e prática, mediante a presença de
71
requisitos como a formação de uma consciência ecológica, o planejamento
transetorial da administração pública, a participação da sociedade na gestão dos
recursos ambientais e a reorganização interdisciplinar do saber, tanto na produção
quanto na aplicação do conhecimento.
Dentre os valores éticos necessários para a construção da racionalidade
ambiental, podem ser citados: a diversidade, a complexidade, a interdependência, a
sinergia (trabalho conjunto), o equilíbrio, a equidade, a solidariedade, a
sustentabilidade e a democracia; mediante os quais, a racionalidade ambiental
propõe uma critica radical ao conceito de racionalidade histórica, onde a realidade
social aparece como expressão de leis naturais, imanentes e necessárias da
história, “[...]. A construção racionalidade ambiental (a adequação de seus meios a
seus fins) passa pela legitimação ideológica de seus princípios; a legalização de
suas normas; a teorização, cientifização dos processos que lhe dão suporte material;
e a instrumentação de seus meios eficazes.” (LEFF, 2009b, p. 166)
Leff articula a racionalidade ambiental em quatro esferas de racionalidade: a
racionalidade substantiva, a qual define os valores e objetivos que norteiam as
ações sociais direcionadas à construção da racionalidade ambienta, visando a
construção de “[...] uma teoria crítica da produção e do desenvolvimento
sustentável.” (LEFF, 2009b, p. 139); a racionalidade teórica, que sistematiza os
valores da racionalidade substantiva relacionando-os com questões culturais,
políticas, econômicas, ecológicas, além de dar sustentação a construção de uma
nova racionalidade social e produtiva, mediante a criação de critérios avaliativos dos
projetos e formas alternativas de desenvolvimento; a racionalidade instrumental, que
visa os meios técnicos, funcionais e operacionais que dão sustentação ao
desenvolvimento sustentável, bem como a implementação eficaz de estratégias que
mobilizem os atores sociais na promoção de políticas públicas que possibilitem a
operacionalização da racionalidade ambiental; e a racionalidade cultural, a qual é um
sistema de significados que traduz a identidade cultural de cada povo, possibilitando
práticas sociais coerentes com os potenciais geográficos e os recursos naturais, e
isso decorre de uma educação ambiental com novos objetivos interdisciplinares que
questionem os paradigmas dominantes e incorpore na prática docente e nos
programas curriculares o saber ambiental.
72
A construção da racionalidade ambiental decorre da integração de diferentes
esferas da racionalidade, inclusive a esfera da racionalidade econômica, uma vez
que “[...] nas práticas de apropriação e transformação da natureza se confrontam e
amalgamam diferentes racionalidades: a racionalidade capitalista de usos dos
recursos; a racionalidade ecológica das práticas produtivas; a racionalidade dos
estilos éticos de uso da natureza.” (LEFF, 2009b, p. 142)
A passagem da racionalidade capitalista para uma racionalidade ambiental
caracteriza-se por um processo de transição, onde, mesmo ambas se
antagonizando em diversos aspectos, deve ser reconhecida a complementariedade
entre elas. Isso pressupõe a desconstrução da racionalidade capitalista para uma
reconstrução econômica basilada na equidade e na sustentabilidade, o que é
possível mediante uma gestão participativa e democrática dos recursos ambientais.
Assim, para que seja desconstruída a racionalidade capitalista é necessária a
construção de uma racionalidade social onde o paradigma ambiental se sobrepõem
aos efeitos da produtividade e da busca pelo lucro, qual seja a racionalidade
ambiental.
3.1.2 A racionalidade ambiental como forma de reapropriação do meio
ambiente
A atual problemática ambiental trouxe consigo a necessidade de buscarem-se
meios de evitar o esgotamento dos recursos naturais mediante uma utilização
racional e uma produção sustentável, sem com isso desconsiderar a necessidade do
desenvolvimento econômico.
O discurso dominante da sustentabilidade promove um crescimento econômico sustentável, eludindo as condições ecológicas e termodinâmicas que estabelecem limites e condições à apropriação e transformação capitalista da natureza. [...]. O discurso da sustentabilidade busca conciliar os contrários do desenvolvimento: o meio ambiente e o crescimento econômico. [...]; seu intuito não é internalizar [...] mas proclamar o crescimento econômico como um processo sustentável, firmados nos mecanismos do livre mercado como eficaz de assegurar um equilíbrio ecológico e a igualdade social. (LEFF, 2009b, p. 23/26-27)
73
Na busca de uma solução palpável para a integração entre um
desenvolvimento sustentável e um desenvolvimento econômico, surgiu a figura do
ecodesenvolvimento, termo proposto por Maurice Strong, difundido por Ignacy
Sanches e acolhido por Leff, o qual, além da preocupação com o meio ambiente,
incorporou as devidas atenções às questões sociais, econômicas, culturais, de
gestão participativa e ética como uma forma de reapropriação da natureza. A teoria
do ecodesenvolvimento traz uma nova concepção ética para natureza, a qual se
baseia na conservação dos recursos renováveis e no não desperdício dos recursos
não renováveis. Desta forma, ao propor uma nova racionalidade produtiva, o
ecodesenvolvimento é um dos elementos que compõe o saber ambiental, uma vez
que visa internalizar o meio ambiente no processo econômico, com fundamentos e
instrumentos teóricos e práticos, sem desconsiderar as questões epistemológicas,
institucionais e políticas.
Os objetivos do ecodesenvolvimento respondem à necessidade de reajustar a ordem internacional, para resolver os problemas da degradação socioambiental gerados pelo desenvolvimento capitalista: a marginalidade, a pobreza, o esgotamento dos recursos, a contaminação ambiental. Suas ações foram orientadas pelo princípio de ‘pensar globalmente e atuar localmente’, confiando que a eficácia das transformações resultaria da consciência individual e da planificação dos governos. [...]. (LEFF, 2009a, p. 214)
Aliado do desenvolvimento sustentável, o ecodesenvolvimento pressupõe
transformações institucionais, jurídicas e políticas, visando uma apropriação da
natureza. Novos comportamentos dos atores sociais que visem o enfrentamento da
racionalidade econômica, voltada exclusivamente para o consumo e o lucro, são
objetivos do ecodesenvolvimento visando mudanças no campo das lutas sociais que
possibilitem aos indivíduos a apropriação de seu patrimônio de recursos naturais e
culturais.
Boff questiona o atual modelo de desenvolvimento sustentável, no qual a
relação atual do homem com a natureza continua ocorrendo de forma
exclusivamente utilitarista; sendo assim, o desenvolvimento de uma sustentabilidade
que garanta o equilíbrio entre as necessidades humanas e os recursos naturais, é
uma questão de vida ou morte. “Esquecemos que nós somos parte da natureza e
que ela não é composta apenas pelos seres humanos. Todos os seres são
74
interdependentes e formam a comunidade de vida. A rede, que desta conectividade
se deriva, é responsável pelo equilíbrio da vida e do planeta”. (2012, p. 38)
A democracia ambiental, onde ocorre a participação direta da sociedade na
gestão e manejo dos recursos naturais, mediante uma desconcentração de poder e
uma descentralização da economia, são pressupostos para uma reapropriação não
só da própria natureza como também da capacidade de intervenção na vida política
e na elaboração dos processos produtivos. Esse processo se dá por meio da
racionalidade ambiental.
A racionalidade ambiental que daí emerge se distancia de uma concepção conservadora e produtivista da natureza para converter-se em uma estratégia para a reapropriação social da natureza, baseada na valoração cultural, econômica e tecnológica dos bens e serviços ambientais da natureza. A racionalidade ambiental desemboca em uma política do ser, da diversidade e da diferença que reformula o valor da natureza e o sentido da produção. (LEFF, 2006, p. 69)
A partir do momento em que novas opções e mudanças sociais ocorrem,
associadas com uma organização produtiva, nasce uma nova perspectiva para a
recuperação da natureza em seu lugar na cadeia produtiva; pois a construção de
uma sociedade sustentável decorre da consciência de seus atores de que precisam
ser agentes pensantes e interativos no processo de produção; processo este que
relaciona o teoria com a prática como forma de construir um saber ambiental.
Leff ainda reitera que “[...] a construção da sustentabilidade estará guiada por
uma ressignificação e revalorização social da natureza que haverá de conduzir até a
apropriação cultural dos processos ecológicos.” (2006, p. 208). Assim, os valores
ecológicos e os direitos culturais trazidos pela nova concepção de racionalidade,
qual seja, a racionalidade ambiental, muitas vezes confrontam-se com valores
culturais tradicionais que defendem acirradamente a racionalidade econômica na
forma vigente nos dias atuais. Somente desta maneira é possível se chegar a uma
qualidade de vida que ultrapasse as diferenças e possibilite a reapropriação da
natureza.
75
Para Leff, a construção do saber ambiental fundamenta-se em um novo
paradigma voltado ao campo da complexidade, o qual exige uma visão
interdisciplinar e um diálogo de saberes. A racionalidade ambiental uma forma de
integração interdisciplinar do conhecimento com a finalidade de interpretar as
questões ambientais e tudo o que está vinculado com as mesmas, de forma
complexa e interligada.
3.2 A educação ambiental como uma das formas de saber ambiental
A educação, nas suas mais diversas formas, é um direito público subjetivo de
todos os indivíduos, sendo um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, uma
vez que dentro de suas principais finalidades está o resgate da dignidade e da
cidadania. Dentro deste contexto está inserida a educação ambiental, a qual é o
ponto de partida para a conscientização e a percepção dos problemas ambientais
que assombram a humanidade nos dias atuais. (SÉGUIN, 2002)
O saber ambiental parte de uma nova racionalidade teórica com novas
estratégias conceituais mediante a inclusão de novos princípios teóricos e
instrumentos de reorganização do processo produtivo da natureza. A ciência e o
saber, a tradição e a modernidade passam a compor esse novo paradigma de
conhecimento, tudo isso levando em consideração as diferenças culturais e étnicas,
objetivando um equilíbrio ecológico, uma justiça social e uma diversidade cultural.
A educação ambiental está intimamente ligada ao saber ambiental, o qual se
fundamenta em um referencial empírico que é a realidade social, a qual é construída
com base em juízos de valores e na interdisciplinaridade do conhecimento. Para Leff
(2009b) a educação ambiental exige a construção de construção de novos
elementos interdisciplinares de estudo mediante o questionamento dos paradigmas
dominantes e da inclusão do saber ambiental em novas estruturas curriculares, nas
práticas docentes, na formação de professores e pessoas que atuem diretamente
com o meio ambiente.
Para se chegar a uma educação ambiental é imprescindível uma
interdisciplinaridade ambiental, onde ocorra um processo de reconstrução social
76
através da transformação ambiental do conhecimento, o qual passa a ter uma
complexidade e exige uma mudança de valores dos atores sociais. Assim, na “[...]
educação ambiental confluem os princípios da sustentabilidade, da complexidade e
da interdisciplinaridade. [...].” (LEFF, 2009b, p. 247)
A educação ambiental é um saber construído conjuntamente entre todos os
cidadãos e o Estado, levando em consideração as transformações individuais e
coletivas na busca de uma visão solidária, onde as gerações presentes tenham
consciência da importância da utilização equilibrada dos recursos naturais como
forma de garantir a perpetuação de tais recursos e da própria humanidade, ou seja,
a “[...] educação ambiental é atravessada por vários campos de conhecimento, o que
a situa como uma abordagem multirreferencial, e a complexidade ambiental.” (LEFF,
2009b, p. 203)
Essa participação incondicional da sociedade na construção de seus destinos
passa por um processo de novos paradigmas educacionais, sendo que a educação
ambiental já vem sendo considerada como um dos elementos primordiais de
preservação do meio ambiente e de pressuposto para um Estado Democrático de
Direito Ambiental, tanto que, em 27 de abril de 1999 tornou-se lei (Lei no 9.795/99),
trazendo em seus dois primeiros artigos em que consiste e o que compõem a
Educação Ambiental:
Art. 1º. Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Art. 2º. A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal.
Na concepção de Fiorillo a educação ambiental, inicialmente esculpida na
Constituição Federal e posteriormente positivada em legislação específica, busca
“[...] trazer uma consciência ecológica ao povo, titular do direito ao meio ambiente,
permitindo a efetivação do princípio da participação na salvaguarda desse direito.”
(2004, p. 54)
77
No capítulo 36 da Agenda 21, documento que propõem diretrizes e princípios
normativos de regulamentação e implementação das políticas ambientais dos mais
diversos países, traz explícita a finalidade da Educação ambiental, qual seja de
[...] desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas que lhes são associados. Uma população que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e compromissos para trabalhar, individual e coletivamente, na busca de soluções para os problemas existentes e para a prevenção dos novos [...].
A Educação Ambiental enquanto entendida como um instrumento que tem a
finalidade de desenvolver nos atores sociais conhecimentos e atitudes que visem a
preservação ambiental está intimamente ligada a uma consciência ecológica, na
qual o homem passa a valorizar a natureza. Sendo assim, a Educação Ambiental é
uma das maneiras de desenvolver a consciência sobre os problemas ambientais e
de, além de desenvolver a consciência ecológica, capacitar as pessoas para
modificarem o quadro caótico em que se encontra o meio ambiente, caracterizando-
se assim um saber ambiental.
Para Leff, a crise ambiental é o fator que desencadeou o surgimento de uma
“[...] consciência ambiental que enfrenta o mito do desenvolvimento e a esperança
de alcançar os benefícios da globalização econômica-ecológica.[...]” (2009b, p. 200);
e a implementação de políticas educativas que proporcionem conhecimentos,
capacidade e habilidades são ferramentas de condução a um processo endógeno de
desenvolvimento sustentável.
A educação ambiental pode processar-se de duas formas: formal ou informal.
Enquanto a primeira abrange desde a educação infantil até o nível universitário,
envolvendo discentes, docentes e demais profissionais envolvidos no processo
educacional; a segunda abrange toda a sociedade, nos seus mais diversos grupos,
independentemente de acesso a escola ou qualquer outro meio formal de
aprendizagem.
O marco de inserção da educação no contexto ambiental foi a Conferência
sobre Educação Ambiental, realizada em Tbilisi, na Geórgia, em 1977, organizada
78
pela UNESCO em cooperação com o PNUMA, a qual definiu os objetivos,
características, recomendações e estratégias relacionadas Educação Ambiental.
Nesta referida conferência, a qual ficou conhecida como Conferência de Tbilisi,
foram apresentadas inúmeras recomendações referentes a implementação da
Educação Ambiental:
A educação ambiental deve abranger pessoas de todas as idades e de todos os níveis, no âmbito do ensino formal e não-formal. Os meios de comunicação social têm a grande responsabilidade de colocar seus enormes recursos a serviço dessa missão educativa. Os especialistas no assunto, e também aqueles cujas ações e decisões podem repercutir significativamente no meio ambiente, deverão receber, no decorrer da sua formação, os conhecimentos e atitudes necessários, além de detectarem plenamente o sentido de suas responsabilidades nesse aspecto. Uma vez compreendida devidamente, a educação ambiental deve constituir um ensino geral permanente, reagindo às mudanças que se produzem num mundo em rápida evolução. Esse tipo de educação deve também possibilitar ao indivíduo compreender os principais problemas do mundo contemporâneo, proporcionando-lhe conhecimentos técnicos e as qualidades necessárias para desempenhar uma função produtiva visando à melhoria da vida e à proteção do meio ambiente, atendo-se aos valores éticos.
Desta forma, não se pode atribuir a concepção de Educação Ambiental à Leff,
contudo, pode-se atribuir ao mesmo a propagação desta como um processo
necessário à formação de uma nova consciência e ética ambiental, mediante o
reforço da necessidade de se investir na prática interdisciplinar para a construção de
novos conhecimentos, priorizando a valorização e integração de saberes e sua
incorporação nas instituições de ensino, às práticas docentes e na formação de
novos profissionais e educadores em meio ambiente, tudo isto mediante um saber
ambiental.
O saber ambiental parte de uma nova racionalidade teórica com novas
estratégias conceituais mediante a inclusão de novos princípios teóricos e
instrumentos de reorganização do processo produtivo da natureza. A ciência e o
saber, a tradição e a modernidade passam a compor esse novo paradigma de
conhecimento, tudo isso levando em consideração as diferenças culturais e étnicas,
objetivando um equilíbrio ecológico, uma justiça social e uma diversidade cultural.
79
[...] o saber ambiental surge como um processo de revalorização das identidades culturais, das práticas tradicionais e dos processos produtivos das populações urbanas, camponesas e indígenas; oferece novas perspectivas para a reapropriação subjetiva da realidade; abre um diálogo entre conhecimento e saber no encontro do tradicional com o moderno. (LEFF, 2009b, p. 232).
A formação de uma consciência ecológica, o planejamento transetorial da
administração pública, a participação da sociedade na gestão dos recursos
ambientais e a reorganização interdisciplinar do saber, tanto na produção quanto na
aplicação do conhecimento, aqui enfatizando a questão da educação ambiental, são
na concepção de Leff (2009b), requisitos para a construção da racionalidade
ambiental, a qual deve ser construída e ter como característica primordial uma inter-
relação permanente da teoria com a prática.
Desta forma o desenvolvimento de programas de educação ambiental e a
concretização de seus conteúdos dependem deste complexo processo de
emergência e constituição de um saber ambiental, onde ocorra uma vinculação entre
o processo de pesquisa e produção de conhecimentos como “[...] um laboratório de
sistematização e experimentação de saberes, que vão sendo inscritos nos
programas de formação ambiental no próprio processo de sua constituição” (LEFF,
2009b, p. 219).
Com a implementação de uma racionalidade ambiental norteada pela
educação ambiental e pelo saber ambiental é possível atingir a garantia de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano garantido dentro dos
fundamentos de direitos fundamentais garantidos universalmente.
3.3 A ética ambiental e a ética pela vida
A Educação ambiental, acima abordada como uma das formas de
enfrentamento da crise ambiental, que para Leff é uma crise civilizatória, deve estar
fundamentada na ética, a qual define como sendo “[...] uma filosofia de vida, a arte
da vida; arte e filosofia não da vida orgânica, mas da boa vida, da qualidade de vida,
do sentido da vida. [...]” (2009b, p. 446).
80
Leff defende que a questão ambiental é uma problemática eminentemente
social, gerada por um conjunto de processos econômicos, políticos, jurídicos, sociais
e culturais e que
[...] A resolução dos problemas ambientais [...] implica a ativação de um conjunto de processos sociais: a incorporação de valores do ambiente na ética individual, nos direitos humanos e nas normas jurídicas que orientam e sancionam o comportamento dos atores econômicos e sociais; a democratização dos processos produtivos e do poder político; as reformas do Estado que lhe permitam mediar a resolução de conflitos de interesse em torno da propriedade e aproveitamento dos recursos e que favoreçam a gestão participativa e descentralizada dos recursos naturais; as transformações institucionais que permitam uma administração transversal do desenvolvimento; a integração interdisciplinar do conhecimento e da formação profissional e a formação de um diálogo entre ciências e saberes não científicos.” (LEFF, 2006, p. 241)
Enrique Leff busca em Nietzsche uma explicação para os problemas
civilizatórios que acabam por refletir diretamente no caos ambiental, sendo que para
este a civilização moderna sofre pela concepção equivocada de mundo que se
originam na sua própria história, onde a razão e o sentimento são dissociados,
concepções essas muitas vezes plantadas e cultivadas com a finalidade de regular a
conduta humana, como no caso das religiões que impunham medo aos fiéis como
forma de manter controle sobre seus atos. Quem detinha a força era o detentor do
conhecimento, conhecimento este que nem sempre condizia coma verdade e a
realidade. “[...] Nietzsche indaga portanto, a contradição entre o poder do
conhecimento, o domínio do poder no saber, e a vontade de poder da vida, e nesse
contexto se pergunta: até que ponto a verdade pode suportar ser incorporada?[...]”
(LEFF, 2009b, p. 455). Assim, a ética ambiental é uma ética da vida e não da
sobrevivência dos seres vivos, mas da recriação da vida humana.
Toda a ética é uma ética da vida. A ética do desenvolvimento sustentável, muito mais do que um “jogo de harmonização” de éticas e racionalidades implícitas no discurso do “desenvolvimento sustentável” [...] implica a necessidade de conjugar um complexo de princípios básicos dentro de uma ética do bem comum e da sustentabilidade. [...]. (LEFF, 2009b, p. 448/449)
A constatação de que a ética da vida está interligada com a ética do meio
ambiente contribui para o entendimento do paradoxo trazido por Milaré de que as
81
ameaças a vida e a sobrevivência dos seres que habitam o planeta Terra provêm da
própria humanidade. “[...]. Então, como recorda a celebração pascal, ‘a vida e a
morte travam um duelo estanho’: é preciso que a vida se imponha. O duelo não é de
meros indivíduos: trava-se entre a espécie humana e a vida planetária.” (2005, p.
121). Esse duelo somente poderá ser contido por uma ética ambiental que despreza
a racionalidade depredadora que visa um crescimento desenfreado, onde a natureza
limitada é consumida de forma ilimitada, impossibilitando assim a existência de um
planeta sustentável.
A ética, instantânea e temporal, expressa a atitude do homem consigo mesmo, com o outro e com o mundo, transcendendo ao ideal de moralidade justiça, objetivando um juízo de apreciação de um determinado atuar, sem, contudo aplicar-se à distinção entre o bem e o mal, mas ao certe e ao errado. Surge, através da ética, uma consciência, a consciência de que preservar é forma de autodefesa. (SÉGUIN, 2002, p. 108)
A realidade atual está marcada pelas relações individualistas e interpessoais
peculiares de uma sociedade em que a ética do ter sobrepõem-se aos demais
valores. Assim, a finalidade da ética ambiental é criar uma nova consciência
ambiental, onde os indivíduos não visem mais apenas satisfazer seus desejos
instantâneos, mas satisfazer suas necessidades tendo o discernimento de que os
recursos naturais são limitados e que outros seres vivos também dependem deles.
Com uma visão ética, o consumo passa a ser mais consciente, deixando-se de lado
uma busca insaciável de satisfações individualistas; não obstante, para
implementação de uma ética ambiental como uma ética pela vida, é imprescindível a
mudança de paradigmas e a incorporação de novos valores, valores estes que
reconhecem o meio ambiente como um bem coletivo, limitado e esgotável.
A ética ambiental expressa e se funda em novos valores: o ser humano solidário com o planeta; o bem comum fundado na gestão coletiva dos bens comuns da humanidade; os direitos coletivos antes dos direitos privados; o sentido do ser antes que o valor do ter; a construção do futuro além do encerramento da história. (LEFF, 2009b, p. 457)
Com base nesta visão, Leff defende a necessidade de uma recriação da vida
humana, mediante a desconstrução da origem da moral, das concepções atuais e do
rompimento da realidade do mercado na busca da construção de uma racionalidade
82
ambiental, a qual encontra seus fundamentos na própria vida humana e não na
natureza. Essa racionalidade tem por base uma ética criativa, uma ética da vida,
onde há um rompimento da razão, sendo esta substituída por uma visão poética da
natureza, onde a esperança renova-se, “[...] não para ganhar o céu, mas para
arraigar-se na Terra; para poder habitar este mundo como seres humanos; para que
valha a pena viver a vida, para sorrir a existência.” (2009b, p. 460).
A ética da vida valoriza a individualidade de cada indivíduo na construção de
um saber ambiental, onde as diferenças são respeitadas, bem como a
características heterogêneas dos mais diversos grupos sociais; onde a
complexidade dos saberes parte de um entendimento da complexidade e da
interdisciplinaridade dos méis diversos conhecimentos.
[...] O desenvolvimento sustentável requer uma moral diante do consumo e uma ética da frugalidade. [...] A ética do desenvolvimento sustentável funda-se assim numa política da diversidade, da diferença e da alternativa. É uma política que tem por objetivo a construção de uma nova racionalidade produtiva que funda uma nova economia – ecológica, moral e cultural – como condição de sustentabilidade. (LEFF, 2009b, p. 466)
A sustentabilidade é um fim que pressupõem um processo de desconstrução
da concepção de mundo, feita de objetos, para voltar ao mundo do ser. [...] A ética
do saber ambiental leva a desmontara epistemologia que coisifisou, objetivou e
alienou o mundo, e construir um saber emancipatório que possa conjugar a
sustentabilidade e a solidariedade; [...] (LEFF, 2009b, p. 473).
A (re)criação de novos valores, como a solidariedade pelo planeta, a
priorização do coletivo em detrimento do individual, a valoração do ser ao invés do
ter e o entendimento da complexidade dos saberes que envolvem os indivíduos,
valores estes que devem partir de uma visão crítica dos problemas socioambientais
que assolam a sociedade atual, são pressupostos de uma nova ética, de uma ética
que ultrapassa a questão da natureza e abrange o mundo do imaginário e ao
mesmo tempo dos sentidos.
83
A implementação de um saber ambiental, amparado na educação ambiental e
numa nova ética – a ética da vida –, é apontada por Leff, em suas diversas obras,
como uma maneira de impedir que a crise ambiental que devasta hoje o meio
ambiente e coloca em eminente risco as gerações futuras. Através do saber
ambiental, decorrente da emersão de novos valores, do diálogo dos saberes e da
(re)significação do papel do homem na natureza, associado a efetiva atuação do
Estado democrático de Direito Ambiental, o desenvolvimento se tornará
efetivamente sustentável, e a vida no planeta Terra sairá da zona de risco de
extinção.
84
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término do presente trabalho, torna-se imprescindível o registro de que
muitas foram as indagações as quais nos propusemos a responder ao longo do
mesmo, das quais muitas continuaram em aberto. Isso decorre do fato de que as
questões que envolvem o meio ambiente, a sustentabilidade e a possibilidade de
um desenvolvimento sustentável, com a intervenção direta de todos os atores
envolvidos, especialmente o Estado Democrático de Direito Ambiental
desenvolvendo seu papel, ainda estão em fases muito latentes. Assim, além de
não terem sido respondidas todas as questões iniciais, muitas outras ainda
surgiram no decorrer das leituras e elaboração do texto; contudo, isso não tem um
aspecto negativo, pelo contrário, pois tais constatações serviram para comprovar
a teoria de Morin, defendida por Leff, de que o saber ambiental, como forma de
um novo atuar social junto ao meio ambiente, precisa passar pela desconstrução
de conceitos predefinidos, para somente assim, serem construídos novos
paradigmas ambientais, onde a racionalidade econômica passe a estar associada
a racionalidade ambiental, uma vez que um desenvolvimento amparado na inter-
relação de ambas é que poderá ser chamado de um desenvolvimento sustentável.
A problemática ambiental leva a reestruturação do papel do Estado junto à
sociedade, uma vez que tais questões exigem, na concepção de Bolzan (2012)
“[...] um tratamento inovador, o que repercute também sobre a perspectiva das
políticas e práticas do Estado e para além do Estado.” Isso decorre da vinculação
direta dos problemas sociais com os problemas ambientais, os quais estão
intimamente ligados levando assim a sociedade como um todo, associada a um
85
Estado reestruturado, a construção de um novo paradigma de desenvolvimento,
focado na sustentabilidade.
As questões ambientais não podem ser analisadas de por regionalizada ou
territorializada, pois elas ultrapassam fronteiras, o que forçou os países ao
reconhecimento de que não é possível fragmentar e individualizar os problemas
ambientais tendo por parâmetro a individualidade de cada Estado-Nação. O meio
ambiente é um bem coletivo que não se encontra delimitado por demarcações
fronteiriças e que a sua conservação perpassa o âmbito internacional, gerando
impacto político, social e econômico a todos os Estados; sendo assim, somente
mediante uma visão local, articulada com as dimensões globais das questões
ambientais é que será possível resguardá-lo para as futuras gerações, garantido
assim o Estado aquilo que lhe é exigido pela Constituição Federal Brasileira, qual
seja, o dever de propiciar a todo o cidadão, das gerações presentes e futuras, um
meio ambiente sadio e equilibrado que lhes possibilite uma qualidade de vida
digna.
Conferências de âmbito mundial, como a Conferência Internacional sobre o
Meio Ambiente Humano, realizada em 1972, na cidade sueca de Estocolmo e a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro em 1992, são eventos históricos que demonstram que
a visão dos Estados em relação as questões ambientais já vem sendo modificada,
especialmente com a edição de documentos como a Agenda 21, a qual teve por
objetivo maior a implementação de um plano de proteção ambiental, onde o
desenvolvimento passou a ser observado não só mais nas dimensões sociais e
econômicas, como também ambientais.
Contudo, para se chegar ao que foi proposto no início do trabalho, que seria
a apresentação de possíveis soluções para a crise ambiental, foi necessária a
verificação das principais causas da mesma, perpassando-se necessariamente
pela crise do desenvolvimento, desenvolvimento este que na modernidade está
exclusivamente voltado para a satisfação das necessidades individuais e
consumistas, que leva, nas palavras de Leff, a uma alienação tecnológica, onde a
busca pelo “ter” ultrapassa o interesse coletivo do “ser” e os indivíduos alienam -se
86
diante de um consumo ilimitado de recursos limitados; levando as tão conhecidas
diferenças de classe, que, consequentemente, geram ao desequilíbrio social e
ambiental, ou seja, uma crise civilizatória.
Mais do que correta a sistematização dos problemas ambientais
apresentada por Foladori (2001), quais sejam a depredação dos recursos; a
poluição ambiental decorrente de detritos; e a superpopulação que traz como
consequência imediata a pobreza. Diante destes, verifica-se nitidamente que os
problemas ambientais somente encontrarão solução mediante a solução paralela
destes problemas sociais, em outras palavras, ratifica-se aquilo que já foi dito, a
crise ambiental está diretamente vinculada a crise social; e é neste ponto, que o
papel do Estado manifesta-se como imprescindível, mediante a implementação
de políticas públicas ambientais que, sem desconsiderar o desenvolvimento
econômico, levem em consideração a problemática social, econômica, política e
ecológica, na busca de uma racionalidade ambiental.
Assim, visando atingir o objetivo inicial de demonstrar a possibilidade de um
desenvolvimento sustentável no Estado Democrático de Direito Ambiental, após
serem analisadas as principais causas da crise ambiental, buscou-se em Henrique
Leff, um dos autores que aborda com propriedade o saber ambiental como uma
das necessárias soluções para combater a degradação socioambiental e construir
um novo saber, uma nova racionalidade, como condição sine qua non de se garantir
um futuro sustentável.
Amparado no paradigma da complexidade de Morin e na reorganização do
processo cientifico e tecnológico de Habermas, Leff argumenta que o saber
ambiental ainda encontra-se em processo de construção, o qual depende de um
aprofundamento interdisciplinar que decorre da desconstrução de conceitos e
conhecimentos já sedimentados, os quais deverão ser reconstruídos com base em
um processo mais complexo mediante novos paradigmas desse conhecimento.
A democracia, a racionalidade e consciência ambiental são os instrumentos
que possibilitam a efetiva implementação do saber ambiental, o qual se fundamenta
em novos valores éticos onde a teoria e a prática estão aliadas na busca de
87
proteção aos recursos ambientais. Por esta razão já foi levantado no início deste
trabalho que não basta apenas a constatação dos problemas ambientais, é
necessário a tomada de medidas urgentes e efetivas que impeçam a continuidade
da degradação da natureza, como das formas mais eficazes de impedir as
catástrofes que virão a ocorrer em curto prazo.
A efetivação de medidas práticas de preservação ambiental, na concepção de
Leff, origina-se na construção do saber ambiental como forma de reapropriação do
meio ambiente, uma vez que é imprescindível a formação de uma consciência
ecológica, o planejamento transetorial da administração pública, a participação da
sociedade na gestão dos recursos ambientais e a reorganização interdisciplinar do
saber, tanto na produção quanto na aplicação do conhecimento.
Não é suficiente, portanto, apenas falar em desenvolvimento sustentável, é
necessário, como ressalta Boff (2012) que haja um equilíbrio entre as necessidades
humanas e os recursos naturais, mediante o entendimento da sociedade de que o
ser humano também é um dos elementos que compõe meio ambiente e somente
ele, como único ser racional deste planeta, é responsável tanto pela sua destruição
quanto pela sua salvação. Diante desta consciência, a sociedade passará a valer-se
da democracia ambiental para intervir diretamente na gestão dos recursos naturais;
a desconcentração do poder e a descentralização econômica são formas de
propiciar ao homem a essa reapropriação da natureza, o que obriga o Estado a
adotar medidas efetivas que possibilitem esta interação e intervenção nas questões
ambientais.
Contudo, para que sociedade possa obter esse entendimento precisará
passar, como já dito, pela desconstrução dos conceitos e conhecimentos hoje
firmados, o que somente ocorrerá com uma educação ambiental efetiva e uma ética
ambiental intrínseca nas atitudes de todos os atores envolvidos no processo de
preservação e proteção ambiental. A educação ambiental certamente é ponto de
partida para essa nova consciência, educação essa que emerge tanto no âmbito
formal quanto informal.
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A inserção de disciplinas voltadas a preservação ambiental já nas séries
iniciais, no momento em que o indivíduo está começando a formar a sua consciência
crítica, é um direito subjetivo de todos e um dever do Estado, principalmente de um
Estado denominado de Estado Democrático de Direito Ambiental que traz como
fundamento principal de sua Carta Magna a dignidade da pessoa humana. Para que
esta educação atinja o seu objetivo a interdisciplinaridade e o entendimento da
complexidade do conhecimento ambiental é o elemento garantidor da mudança de
valores ético-ambientais.
A ética aqui mencionada é aquela defendida por Leff como sendo a ética da
vida, uma vez que ela é uma das responsáveis pela sobrevivência do meio ambiente
e, consequentemente, de todos aqueles que dele dependem para sua sobrevivência.
Esta ética faz com que a sociedade, na busca da satisfação de suas necessidades,
leve em consideração a finitude dos recursos naturais, bem como tenha a percepção
de que o meio ambiente é um bem de todos e não unicamente para satisfação de
seus anseios pessoais e individualistas.
Por derradeiro, o saber ambiental, que encontra sua origem em uma
educação ambiental e uma ética ambiental voltada à ética da vida, é um dos
instrumentos que possibilita a implementação de uma racionalidade ambiental; o que
perpassa pela relação direta da teoria e da prática e pela desconstrução do
paradigma atual do conhecimento ambiental; e, é neste contexto que se verifica
plenamente a possibilidade de, mediante ações conjuntas e concretas entre a
sociedade e o Estado Democrático de Direito Ambiental, de um desenvolvimento
sustentável que garanta efetivamente o direito das gerações futuras a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
89
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