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www.colecaomossoroense.org.br 1 FÁTIMA MARTINS LOPES ÍNDIOS, COLONOS E MISSIONÁRIOS NA COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE DO NORTE Edição Especial Para o Acervo Virtual Oswaldo Lamartine de Faria

Fátima Martins Lopes. Índios, colonos e missionários na

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FÁTIMA MARTINS LOPES

ÍNDIOS, COLONOS E MISSIONÁRIOS NA COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA

DO RIO GRANDE DO NORTE Edição Especial Para o Acervo Virtual Oswaldo Lamartine de Faria

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Lopes, Fátima Martins L864

Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte/Fátima Martins Lopes; Apresentação de Enélio Lima Petrovich - Natal/RN: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

475 páginas. Ilustrações (mapas, gravuras e documentos a-nexos).

Prêmio Janduí/Potiguaçu (1998), promovido pelo IHG/RN.

1. Rio Grande do Norte - Colonização. 2. Rio Grande do

Norte - História. 3. Índios - Rio Grande do Norte. 4. Rio Grande do Norte - Missões de Aldeamento. I. Título.

CDD 981.32

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AGRADECIMENTOS Ao historiador Olavo de Medeiros Filho que me cedeu não

só a sua biblioteca particular, mas idéias, discussões e entusias-mo para o trabalho.

Ao presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Dr. Enélio Lima Petrovich, por me abrir as portas ao precioso acervo da sua instituição.

Aos que fazem a Fundação Vingt-un Rosado Aos meus três colegas do Mestrado, Soraya Geronazzo

Araújo, Roberto Airon Silva, Francisco Eugênio Paccelli Gurgel da Rocha, que me acompanharam na estada em Recife, pois sem o companheirismo e a certeza de que eu não sofria sozinha teria sido impossível sobreviver.

À profa. Virgínia Amoedo, coordenadora da Divisão de Pesquisa Histórica da UFPE, e colega de discussões, agradeço pela disponibilidade do acervo de microfilmes e fotografias do-cumentais do AHU.

Aos meus colegas professores do Departamento de Histó-ria da UFRN, por aceitarem diminuir a minha carga de aulas, sem o que seria impossível cumprir os prazos. E à professora

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Francisca Aurinete Girão Barreto da Silva pela ajuda com o mundo das notas.

À CAPES, que me agraciou com Bolsa de Estudos para Recém-Graduados durante os dois anos e meio de curso, acredi-tando na minha capacidade.

Aos professores do Mestrado em História do Brasil da UFPE, que souberam instigar, principalmente Bert Barickman e Judith Hoffnagel.

Ao meu orientador, prof. Dr. Marc Hoffnagel, pela sua confiança e paciência com as atribulações da minha vida parti-cular.

Agradeço especialmente ao meu marido Paulo e aos meus filhos Carolina e Eduardo, que suportaram a sobrecarga de cui-dar da casa e viver sozinhos, conseguindo ainda me dar apoio e se sair bem.

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PREFÁCIO Eis mais um livro de Fátima Martins Lopes que engran-

dece as letras potiguares e brasileiras. Sim, em tão boa hora, a Fundação Vingt-Un Rosado edita:

Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capitania do Rio Grande do Norte.

Trata-se, na verdade, de uma pesquisa com a qual a autora demonstra possuir amplos conhecimentos no campo da História, da Antropologia e de outros ramos correlatos. Integra o quadro de sócios efetivos do centenário Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – A mais antiga instituição cultural do Estado, fundado em 29 março de 1902.

Então, devemos ressaltar que o presente estudo originou-se como resultado do concurso que a Casa da Memória Norte-rio-grandense promoveu, em nível nacional – Prêmio Jandu-í/Potiguaçu,em 1997, tendo sido, dessa forma, Fátima Martins Lopes a vitoriosa, em 1997, entre outros trabalhos apresentados.

Com efeito, além do “Catálogo de Documentos Manuscri-tos Avulsos da Capitania do Rio Grande do Norte”, que organi-zou, referente ao período de 200 anos (1623-1823), esta publica-ção vem consagrar a autora, atribuindo-lhe o mérito de ser uma

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das mais competentes pesquisadoras, cuja atividade intelectual valoriza uma gama de instituições, destacando-se a Universida-de Federal do Rio Grande do Norte. É que, no exercício do ma-gistério, fazendo parte do Departamento de História, coordenou diversos cursos, realizando também o de mestrado em “História do Brasil”, na Universidade Federal de Pernambuco.

Suas viagens a Portugal, vendo e examinando os arquivos e bibliotecas do torrão lusitano, no manuseio de documentos raros e seculares, ilustram o seu valioso curriculum vitae.

Aliás, reportando-nos ao que se evidenciou na apresenta-ção daquele Catálogo, inserido no projeto Resgate de Documen-tação Histórica “Barão do Rio Branco” do Ministério da Cultu-ra, oportuno recorrermos ao que ali escrevemos, pois se afigu-ram considerações perfeitamente cabíveis.

Realmente, uma pesquisa de fôlego que a autora nos ofe-rece como verdadeiro presente régio, alto e nobre...

Por sua vez, acrescentamos que sempre em busca de novos horizontes e espaços na seara das letras, prosseguiu auscultando o passado e, a exemplo do mestre Luís da Câmara Cascudo, genial e humilde, bem pode afirmar que tudo tem uma história digna de ressurreição e de simpatia. Velhas árvores e velhos nomes, imor-tais na memória (“A Província 2” – Natal/RN, pág. 6).

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Este livro, conseqüentemente, focaliza, com erudição e in-teligência, como prova de dedicação às letras, em dimensão maior, temas pouco explorados e estudados, circuns-

tância que muito contribui para o nosso aprimoramento in-telectual. A perspicácia e a sabedoria da autora, em estilo pecu-liar, acessível, dão crédito mesmo à pesquisa.

Ora, abrangendo na parte 1 a “Conquista e Missões Volantes”, a “Consolidação da Conquista: Alianças e Trabalho Indígena”, no capítulo 2, e “Missões Volantes: Intermediadoras da Conquista” (capitulo 3), envereda pelos caminhos difíceis mas gratificantes, e focaliza, com maestria, a “Colonização e Missões de Aldeamento” (parte 2). Eruditos comentários e elucidações convincentes se espe-lham no capítulo 4 - “Colonização e Resistência”, e “Missões de Aldeamento na Colonização do Rio Grande” (capítulo 5).

Enfim, são tantos os enfoques e abordagens que dignificam e projetam Índios, Colonos e Missionários na Colonização da Capi-tania do Rio Grande do Norte, de Fátima Martins Lopes.

Obviamente, nestas breves considerações, à guisa de pre-fácio, fica a certeza de que o leitor, conhecendo ângulos varia-dos e dispersos contidos neste livro, somente tem a aprimorar a sua cultura e, assim, sobre a matéria aqui ventilada, alcança o melhor nível de conhecimento, necessário e compensador.

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Que Fátima Martins Lopes, confreira e pesquisadora de escol, prossiga escrevendo, sob a égide da História, que é eterna.

Não será fácil – convenhamos – que mais alguém suplante este trabalho magnífico. Apenas, se for a hipótese, poderá seguir as pegadas de sua autora, corroborando o que ela tão bem escre-veu, com tanto amor e tanta competência, espargindo a sua cul-tura multiforme nesta Estado e além fronteiras do pais.

Um registro de sucesso e aplauso. Estes os nossos votos...

Natal, setembro de 2003

Enélio Lima Petrovich Presidente do Instituto Histórico e Geográfico

do Rio Grande do Norte

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NOTA EXPLICATIVA

O texto que ora se publica foi apresentado à Banca Julga-

dora do Concurso Janduí/Potiguaçu no final de 1997. Ele foi resultado de pesquisa elaborada durante o Curso de Mestrado em História do Brasil, cursado no Programa de Pós-Graduação em História da UFPE, sendo a primeira versão da dissertação que foi defendida apenas em 1999. Dessa forma, o texto ainda não apresenta as modificações sugeridas pelo meu orientador, prof. Dr. Marc Jay Hoffnagel, nem aquelas oferecidas pela Ban-ca por ocasião da defesa. É, portanto, minha inteira responsabi-lidade a sua forma e conteúdo.

O sentimento de estranheza que tive quando, agora, o li para a revisão final de editoração, fez com que eu o visse com um olhar crítico e tentado a proceder mudanças. Mas nada foi alterado, em respeito ao Concurso e a mim mesma de cinco anos atrás, pois, como diz meu dedicado professor, Dr. Antônio Mon-tenegro, nada melhor que o tempo para nos fazer olhar para trás e corrigir o percurso, rever os conceitos, redefinir opções.

Acredito que é com o continuar na profissão, pesquisando e escrevendo, que podemos nos melhorar e melhorar a nossa

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escrita. É um aprendizado contínuo que só ganha sentido quando compartilhado, analisado e criticado.

A autora

Rio, 24/10/2002

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LISTA DE ABREVIATURAS ABA - Arquivo da Biblioteca da Ajuda - Lisboa. AHU - Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa. DHBN - Documentos Históricos da Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro. DPH/UFPE - Divisão de Pesquisa Histórica da Universidade Federal de Pernambuco. IHGRN - Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. HCJB - História da Companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite. LCPSC - Livro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal - acervo documental do IHGRN.

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LDS - Livro da Datas e Sesmarias da Capitania do Rio Grande - acervo documental do IHGRN. LTV - Livro de Termos de Vereação - acervo documental do IHGRN. Ms - Documento manuscrito. Rev. do IAHGPE - Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. Rev. do IHGRN - Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Rev. do IC - Revista do Instituto do Ceará. TART - Traslado do Auto de Repartição das Terras do Rio Grande - acervo documental do IHGRN.

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LISTA DE MAPAS

MAPA 1 - Territórios indígenas tradicionais

MAPA 2 - Aldeias Potiguara citadas por cronista portugueses

(1598-1630)

MAPA 3 - Aldeias Potiguara citadas por cronistas holandeses

(1630-1654)

MAPA 4 - Aldeamentos e Vilas

MAPA 5 - Missão de Guajiru e arredores.

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LISTA DE GRAVURAS

GRAVURA 1 - “Nova et accurata Tabula”, de Joan Blaeu (1640) - Capitanias do Brasil.

GRAVURA 2 - “Mapa de João Teixeira” - Capitania do Rio

Grande.

GRAVURA 3 - “Aldeia Tupinambá”, de Zacharias Wagner.

GRAVURA 4 - “Morte do Padre Philippe Bourel”, autor desco-

nhecido.

GRAVURA 5 - Antigas Missões de Guajiru e Guaraíras - Igrejas.

GRAVURA 6 - Antiga Missão de Apodi - Igreja.

GRAVURA 7 - Antiga Missão de Mipibu - Igreja.

GRAVURA 8 - Igreja de Nª Sra do Ó - Nísia Floresta. GRAVURA 9 - Antiga Missão de Igramació - Igreja e terreiro.

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LISTA DE DOCUMENTOS 1. 10/04/1607 - Carta régia ao Conselho Ultramarino. (Trans-

ferência de Potiguara). 2. 09/01/1662 - Carta régia ao Governador de Pernambuco

(Conflitos iniciais com tapuias) 3. 22/03/1688 - Carta de Joseph Lopes Ulhoa ao Rei. (Como

tratar os tapuias) 4. 28/03/1692 - Carta régia ao Governador de Pernambuco.

(Despesas com novas aldeias). 5. 08/01/1697 - Carta régia ao Governador de Pernambuco.

(Objetivos das Missões). 6. 10/01/1698 - Carta régia ao Governador de Pernambuco

(Proibição de se tirar índios das aldeias). 7. 17/01/1698 - Carta régia ao Governador de Pernambuco

(Forma de doutrinar). 8. 20/05/1699 - Carta régia ao Capitão-mor do Rio Grande

(Aldeamento dos Canindé).

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9. 07/04/1700 - Certidão do Padre Philippe Bourel (Criação da Missão de Apodi).

10. 22/05/1703 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba (Demarcação de terras).

11. 04/06/1703 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba (Demarcação de terras).

12. 18/11/1704 - Carte régia ao Desembargador Christóvão Soares Reymão (Demarcação de terras em Mipibu e Gua-raíras).

13. 26/05/1704 - Certidão do Padre Vicente Vieira (Transfe-rência para Igramació).

14. 26/05/1704 - Certidão do Padre Joan Gincel (Transferência para Igramació)

15. 11/07/1704 - Certidão do Padre Manoel Diniz (Transferên-cia para Igramació)

16. 09/08/1704 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba (

Aldeia de Na Sra do Amparo de Cunhaú).

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17. 09/08/1704 - Carta régia ao Desembargador Christóvão Soares Reymão (Transferência para dos caboclos agrega-dos aos Canindé para Guaraíras).

18. 04/09/1706 - Carta régia ao Governador de Pernambuco ( Trabalho militar e agrário).

19. 15/09/1706 - Carta régia ao Desembargador Manoel Velho de Miranda (Queixa de Philippe Bourel sobre a venda de escravos em troca de armas em Goianinha).

20. 15/11/1706 - Carta régia ao Governador de Pernambuco (Venda de armas, pólvora e bala aos tapuias).

21. 29/07/1713 - Requerimento dos Oficiais de Natal ao rei (Transferência de índios cativos para o Rio de Janeiro).

22. 10/01/1726 - Carta régia ao Governador de Pernambuco (Pedido de novas terras para Guajiru)

23. 03/06/1728 - Carta régia ao Governador de Pernambuco. (Ordem de se demarcar novas terras de Guajiru)

24. 22/06/1728 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba (Demarcação de terras de Carmelitas)

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25. 01/07/1730 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba ( Pedido da Lagoa Parim dos Carmelitas).

26. 12/05/1730 - Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba ( Terras carmelitas na ribeira de Goianinha).

27. 05/08/1764 - Ofício sobre o estabelecimento das Vigara-rias em Pernambuco e suas anexas.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................... 21 PARTE 1 - CONQUISTA E MISSÕES VOLANTES ........ 42 CAPÍTULO 1 POTIGUARA, FRANCESES E PORTUGUESES: DISPUTA PELO LITORAL .......................................................... 42 1.1 - Os Potiguara: escambo, alianças e resistência ................. 45 1.2 - Franceses: escambo, alianças e disputa pela terra ........... 67 1.3 - Portugueses: alianças, escravidão e posse da terra .......... 72

CAPÍTULO 2 CONSOLIDAÇÃO DA CONQUISTA: ALIANÇAS E TRABALHO INDÍGENA ........................................ 98 2.1 - Forte dos Reis Magos e Natal: bases para a conquista colonial ............................................. 101

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2.2 - Potiguara: mão-de-obra escrava e livre para a colonização ............................................... 120

2.3 - Zorobabé, Potiguaçu, Antônio Felipe Camarão, Pedro Poti e Antônio Paraupaba: guerreiros a serviço de quem? .......................................................... 130

CAPÍTULO 3 MISSÕES VOLANTES: INTERMEDIADORAS DA CONQUISTA ...................................................................... 178

PARTE 2

COLONIZAÇÃO E MISSÕES DE ALDEAMENTO ....... 250

CAPÍTULO 4

COLONIZAÇÃO E RESISTÊNCIA ............................................ 250

4.1 - Curraleiros e a ocupação colonial do sertão .................. 252

4.2 - Tapuias e o território tradicional ................................... 272

4.3 - Resistência indígena e resposta colonial:

a “Guerra dos Bárbaros” ....................................................... 287

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CAPÍTULO 5

MISSÕES DE ALDEAMENTO NA COLONIZAÇÃO

DO RIO GRANDE .................................................................... 325

5.1 - Legislação indigenista e os aldeamentos ....................... 325

5.2 - Missões: redutos de sobreviventes ................................ 343

5.3 – Vida missioneira na colonização do Rio Grande .......... 384

CONCLUSÕES .................................................................... 453

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INTRODUÇÃO

As Missões religiosas, que são aqui entendidas como for-mas de ação dos missionários das diversas ordens religiosas no trabalho da catequização e subordinação dos indígenas à cultura européia, com a finalidade religiosa de “catequizar e converter” os índios ao cristianismo e com o objetivo político-econômico de possibilitar a colonização portuguesa, pressupunham a convi-vência entre dois mundos culturais diferentes que se relaciona-vam em posições desiguais e hierarquizadas que envolviam su-

bordinação e dominação.1 As Missões Volantes, ações iniciais dos missionários nas

colônias da América, se caracterizaram pela visita dos padres e frades às aldeias indígenas com o intuito de catequizar, batizar e casar os indígenas. Porém, após este período inicial, a necessi-dade crescente de controlar a terra e os nativos, de forma mais rígida e persistente para possibilitar o projeto colonial, levou ao estabelecimento das Missões de Aldeamentos em áreas de avan-

ço da “fronteira cultural” entre os mundos indígena e colonial.2

Nessas áreas, quase sempre com produção econômica iniciante e dependente da força de trabalho escrava do índio, as Missões suscitaram conflitos entre colonos e missionários pelo controle

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da mão-de-obra indígena e a legislação real não se mostrou efi-caz para dirimir esses conflitos, conforme fica evidente pelas

seguidas leis e decretos sobre o assunto.3 O problema da “liber-dade” dos índios, e ao mesmo tempo da sua utilização, precisava ser resolvido para possibilitar o desenvolvimento dessas áreas de

expansão colonial.4 Em 1686, instituiu-se, o “Regimento e Leis sobre as Mis-

sões do Estado do Maranhão e Pará, e sobre a Liberdade dos Índios”, conhecido historicamente por “Regimento das Mis-sões”. Estendido mais tarde para todo o Estado do Brasil, o Re-gimento confirmava a Lei de 1680, que garantia a liberdade dos índios, e determinava que a administração das Missões passasse aos missionários religiosos que assumiriam o controle espiritual e temporal sobre os índios reduzidos, criando um modelo ideo-lógico de ação missionária entre os índios condicionando-os

como criaturas dependentes e tuteladas.5

Nesse mesmo período, o Nordeste colonial português, li-vrando-se do domínio holandês, reiniciava um processo de po-voamento, retomando também a presença missionária nos alde-amentos indígenas. Criou-se, dessa forma, a Junta das Missões, em Pernambuco, subordinada à que existia em Portugal, com a finalidade de promover e cuidar dos assuntos referentes às Mis-

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sões e à catequese dos indígenas, seja no nível civil, eclesiástico ou criminal, abrangendo toda a Capitania de Pernambuco e A-

nexas, incluindo-se aí a do Rio Grande.6 As Missões de Aldeamento da Capitania do Rio Grande co-

meçaram a surgir, então, nesse movimento de retomada do povoa-mento colonial, sendo formadas as Missões de Guajiru (hoje, cida-de de Estremoz) e Guaraíras (hoje, cidade de Arês), sob a adminis-tração dos padres da Companhia de Jesus, que reduziram os rema-nescentes Potiguara do litoral norte-rio-grandense. Logo, porém, a Capitania do Rio Grande seria envolvida pelo movimento de resis-tência indígena à penetração colonial, conhecido como Guerra dos Bárbaros, encabeçado por grupos étnicos do sertão nordestino, que resultaria na redução de grande contingente dessas etnias nas refe-ridas Missões, assim como, na criação da Missão do Apodi (hoje, Apodi), na ribeira do rio de mesmo nome no sertão potiguar, tam-

bém sob a administração jesuíta.7 A situação de conflito constante entre colonos, indígenas e

missionários levou a uma legislação complementar às anteriores: o “Alvará de 23 de novembro de 1700”, ordenando que cada Missão recebesse uma légua de terra em quadra para o sustento dos índios e dos missionários residentes, liberando legalmente o restante da terra para a colonização e obtendo a garantia do su-

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primento de mão-de-obra aos colonos. A Guerra dos Bárbaros prolongou-se por quase 50 anos de conflitos intermitentes, le-vando a novas reduções e criando a necessidade de novas Mis-sões. Nesse contexto, foram fundadas a Missão de Igramació (hoje, Vila Flor), no litoral Sul, e a de Mipibu (hoje, São José de Mipibu), próxima à Natal, com a administração dos Carmelitas Reformados e dos Capuchinhos, respectivamente, reduzindo

tanto os Potiguar como os tapuias do sertão.8 As Missões da Capitania do Rio Grande, como as restantes

do Brasil, perduraram sob o controle dos missionários religiosos e sob o “Regimento das Missões” até o final da década de 1750 e início de 1760, quando, sob o governo do Marquês de Pombal, os Jesuítas foram expulsos das terras do Império português e a Junta das Missões foi extinta. A administração dos índios aldeados pas-sou ao poder laico dos Diretores de Índios por força do Alvará de 18 de agosto de 1758, que confirmou para todo o Brasil o Diretó-rio dos Índios, novo regulamento para as antigas Missões religio-sas que, agora, deveriam ser transformadas em Vilas.

As Missões religiosas do Brasil, pela sua importância his-tórica, sempre foram temas constantes de estudos e pesquisas desde o século passado. No entanto, o enfoque dado a esses es-tudos quase sempre surgia a partir de interesses externos a elas,

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ou seja, pelas suas características peculiares, as Missões suscita-ram estudos que podiam ser direcionados ideologicamente, ser-vindo, assim como “armas” em disputas acadêmicas e políticas. Assim, temos estudos os mais contraditórios possíveis: uns de-fendendo as ações dos missionários (historiadores da Ordens

Religiosas), outros abominando-as9; uns vislumbrando nelas

exemplos da comunidade perfeita10, outros só percebendo nelas

uma extrema exploração dos índios pelos missionários11; ou-tros, ainda, tentaram encontrar nelas características estruturais que teriam sido herdadas pelo “autoritarismo” e pelo “subdesen-volvimento” do país ou das áreas onde elas se desenvolveram.

Nesses estudos, alguns aspectos das Missões foram levan-tados de forma isolada, dificultando uma análise e interpretação mais global de seu significado na história da colonização brasi-leira. As Missões, sem dúvida, são um objeto de estudo privile-giado para várias abordagens por que nelas ocorreu um grande exemplo de relações interétnicas, de encontro entre dois mundos que começavam a se conhecer.

No que diz respeito ao estudo das Missões no Rio Grande do Norte, eles estão ainda no estágio “factual”, isto é, os histori-adores tradicionais e os cronistas das Ordens Religiosas preocu-param-se em localizar e identificar as Missões do Rio Grande,

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seus missionários e etnias aldeadas em cada uma. Contudo, não fizeram uma análise interpretativa de seu significado para a co-lonização da Capitania do Rio Grande. Quando muito, detecta-ram que nelas ocorria o processo de aculturação indígena essen-cial à colonização, numa forma de aplicação dedutiva e mecâni-ca da explicação pré-estabelecida pelos estudos do restante das Missões no Brasil.

Os primeiros pesquisadores, sócios do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, trabalharam com o acervo documental da referida entidade e obras dos cronistas do Brasil colonial, publicando sua produção na revista do mesmo Institu-to. Esses historiadores tradicionais do Estado abordaram o tema de forma superficial, dada a sua preocupação com a história da colonização portuguesa da antiga Capitania do Rio Grande: Vi-cente Lemos, Capitães-mores e governadores do Rio Grande do Norte, v.1. (1912); Tavares de Lira, História do Rio Grande do Norte (1912); Rocha Pombo, História do Rio Grande do Norte (1922); Luís da Câmara Cascudo, História do Rio Grande do Norte (1955) e História da Cidade do Natal (1947); Tarcísio Medeiros, Aspectos geopolíticos e antropológicos da História do Rio Grande do Norte (1973); Tarcísio Medeiros e Vicente

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Lemos, Capitães-mores e Governadores do Rio Grande do Nor-te, v. 2. (1980).

Vale salientar ainda que a bibliografia acima citada se ca-racteriza pelo estilo peculiar da época de narrar e informar os acontecimentos, registrando datas e fatos, sem buscar explica-ções ou fundamentação teórica para determinados acontecimen-tos, mas de grande validade e importância considerável para a preservação da memória de período tão significativo da História local e disponível para uma retomada do tema nos dias atuais, com um novo aparato teórico-metodológico com que se analise, se interprete e se entenda o cotidiano dos primeiros habitantes do Rio Grande do Norte e as relações estabelecidas entre eles e os europeus recém-chegados.

Câmara Cascudo trouxe alguns capítulos sobre os índios, identificando sua etnia, localização e costumes, relata ainda, especificamente, uma parte sobre a Guerra dos Bárbaros, movi-mento de resistência indígena à colonização portuguesa na Capi-tania. Quanto às Missões, suas informações restringem-se à cro-nologia, às seqüências factuais de atividade missionária e a re-censeamentos populacionais, principalmente quando trata da extinção das Missões, não iniciando qualquer tentativa de análi-

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se ou interpretação12 . Na mesma linha historiográfica são os outros livros e autores citados.

Os cronistas das Ordens Religiosas, por sua vez, enfocam as Missões com o objetivo de preservar a história das Ordens, daí preocuparem-se, principalmente, com o arrolamento crono-lógico da atuação de seus missionários, sem questionar ou anali-sar essa atividade. As Missões do Rio Grande são tratadas da mesma forma, aparecendo, quase sempre, apenas como um nú-mero a mais no quadro total das Missões brasileiras da Ordem.

Acreditamos que o melhor entendimento da História do Brasil Colonial pode e deve acontecer através do aprofundamen-to do conhecimento da história regional e local, e para que isso aconteça cremos que as relações entre índios e colonos devam ser exaustivamente exploradas, pois estão nelas o cerne do nosso povo e sua cultura.

Essa crença não é original, bem o demonstra o número crescente de pesquisadores, sejam historiadores ou antropólo-gos, que se debruçam sobre os documentos históricos na tentati-va de trazer à luz a história dos nativos e europeus no início do Brasil. Essa atividade, no entanto, está imbuída da preocupação constante de trazer à vida não apenas o colono, mas também o nativo com o seu modo de pensar, sua cultura e seu mundo, as-

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sim como recuperar as relações que ambos estabeleceram entre si, com as suas formas, suas funções e seus resultados tanto para a colonização como para a cultura indígena, numa tentativa de revisar a embolorada história colonial brasileira. Tais atividades revisionistas têm sido, particularmente, valorizadas, devido ao período “comemorativo” dos 500 anos de contato entre Europa e América, quando estudiosos do mundo inteiro voltam-se para uma análise crítica do período inicial do contato e seus resultan-tes no desenvolvimento e na situação atual das Américas, prin-cipalmente a Latina.

Nesse contexto, as Missões Meridionais, como as do Norte e do Nordeste do Brasil, têm merecido, a partir da década de 80, uma atenção significativa dos pesquisadores, pois despertou-se para o fato de que aspectos fundamentais da sociedade e da eco-nomia coloniais dessas regiões, ou de parte delas, estão ligadas a esse núcleo de contato interétnico inicial. Não se podia menos-prezar por mais tempo a importância das Missões para o apazi-guamento e aculturação dos indígenas brasileiros, assim como para a sua inserção no mundo colonial, seja como mão-de-obra civil ou militar.

No entanto, não basta um saber episódico e cronológico, que já foi relatado, principalmente, nas crônicas das Ordens Re-

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ligiosas que atuaram no Brasil. Busca-se, ao contrário, a com-preensão das relações estabelecidas entre os índios e missioná-rios nesse início de colonização dentro do espaço físico bastante limitado das Missões, se comparado ao, anteriormente, ilimitado espaço de sobrevivência indígena.

Por outro lado, saber o que se passou nas Missões por si só pouco acrescentaria ao conhecimento histórico. Essas relações internas às Missões só são importantes e significativas quando colocadas no conjunto da história da colonização do Brasil. Isto é, as relações internas ganham importância e particular signifi-cado quando são interligadas às relações externas, como a rela-ção Estado-Igreja, a relação colonos-Estado e a relação colonos-Missão, que baseavam a colonização do Brasil.

Nessa perspectiva, as Universidades do Nordeste têm for-mado núcleos regionais e locais interdisciplinares, envolvendo principalmente, antropólogos, historiadores e arqueólogos, com a finalidade de recuperar a história indígena e colonial, nelas inseridas também a História das Missões. Desses estudos têm sido produzidos trabalhos de abordagem regional e local que contribuem para a formação gradual de um conhecimento mais sólido da história indígena da região Nordeste, sustentado do-cumental e metodologicamente, e que serve como base para as

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pesquisas. Podemos citar as coordenações de Maria Sylvia Porto Alegre (CE), Beatriz Góis Dantas (SE) e Gabriela Martin (PE).

Nesses núcleos, há também uma produção de trabalhos acadêmicos, principalmente do Mestrado de Pernambuco, cuja temática missioneira também é encontrada, mesmo que em pe-queno número: Maria do Céu Medeiros (1981), Bartira Ferraz Barbosa (1991), Sarah Maranhão Valle (1992) e Paulo Tadeu de Souza Albuquerque (1991), este último tratando de pesquisa histórico-arqueológica na área da Missão de Igramació da Capi-tania do Rio Grande. As pesquisas baseiam-se em fontes primá-rias, pautando-se numa metodologia histórico-crítica, analisando o papel dos missionários, indígenas, colonos e das próprias Mis-sões, vistas isoladamente ou em grupos sob a administração da mesma Ordem Religiosa. Apesar de não tratarem das Missões do Rio Grande, tais trabalhos contribuem para suscitar questio-namentos e para estabelecer parâmetros de análise, partindo do pressuposto que os movimentos de expansão e fixação coloniais foram desencadeados em todo o Nordeste e que, guardando-se as características locais, correspondiam às mesmas funções den-tro do processo de colonização portuguesa.

O estudo das Missões podem contribuir ainda para um re-dimensionamento da importância do papel e contribuição do

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indígena na sociedade potiguar. Muitos são os historiadores, entre eles Cascudo, que admitem o bom sucesso do processo de aculturação indígena nas Missões, confirmado pelo desapareci-mento do indígena como elemento étnico-cultural, fundido à

população colonial.13 No entanto, pesquisas histórico-antropológicas recentes efetuadas no Nordeste, que incluem a reconstituição histórica das Missões e seus índios, demonstram que, ao contrário, o processo de aculturação dos indígenas foi insuficiente ou ineficaz. Concluem que, após a expulsão dos jesuítas e a extinção das Missões religiosas, muitos índios foram dispersos de seus aldeamentos, tendo uns formado novos nú-cleos de habitação resistindo ao contato e domínio do “branco”, enquanto outros foram “transformados” em “caboclos”, pela força das leis do Império brasileiro, para justificar a expropria-

ção das terras indígenas doadas pelo “Alvará de 1700”.14 Com esses estudos, estão conseguindo demonstrar que a miscigena-ção étnica não foi o único elemento de “desaparecimento” do indígena nordestino.

Nesse aspecto, o estudo das Missões do Rio Grande torna-se interessante para uma revisão da História colonial do Rio Grande do Norte, pois as Missões tiveram uma importância sig-nificativa, na difusão posterior dos núcleos populacionais colo-

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niais, porque foi a partir das cinco Missões coloniais que se ori-ginaram as primeiras vilas do Rio Grande e consequentemente, os primeiros municípios na organização política da Capitania. Portanto, muitas são, ainda, as questões a serem respondidas sobre a história local no que se refere às relações entre esses três grupos humanos coloniais.

O estudo da temática missioneira foi motivado inicialmen-te pela participação, no ano de 1991, no projeto “Levantamento de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo”, coorde-nado nacionalmente pelo Prof. John Manuel Monteiro, do Nú-cleo de História Indígena e do Indigenismo da USP, com a fina-lidade de se elaborar um “Guia de Fontes para a História Indíge-

na e do Indigenismo em Arquivos Brasileiros”, já publicado.15 Em 1993, sob a mesma coordenação do NHII-USP, efetu-

ou-se o projeto de “Microfilmagem e Indexação dos Documen-tos Relativos à História Indígena e do Indigenismo”, trabalhando com o acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, que suscitou dúvidas e curiosidades, além de propor-cionar um contato maior com a documentação relativa a temáti-ca indígena, motivando o nosso interesse para o aprofundamento na pesquisa sobre a temática. Como resultado desse trabalho

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conjunto, foi editado um catálogo com documentos imprescin-

díveis ao estudo do Nordeste colonial.16 Para alcançarmos os objetivos propostos e responder as

questões levantadas, utilizamos como fontes primárias manus-critas, os documentos sobre a temática indígena e missioneira do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, levan-tado e indexado no Projeto de Microfilmagem e Indexação já citado. Assim como os documentos cartoriais do Arquivo da Cúria Metropolitana de Natal. Como fontes principais disponí-veis temos: Livros de Registro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal; Livros de Termos de Vereação da Câmara de Natal; Livro do Auto de Repartição da Terra; Livros de Re-gistros de Sesmarias concedidas pelo Governo da Capitania do Rio Grande; Coleção de Documentos Avulsos; Livro de Regis-tro dos Autos de Criação de Vila Flor e Atas da Câmara; Livros de Registro de Batismos, Casamentos e Óbitos

Pesquisamos, ainda, no rico acervo documental da Divisão de Pesquisa Histórica, do Departamento de História, da UFPE. Pela Capitania do Rio Grande ter sido anexa à Capitania de Per-nambuco por longo tempo, explica-se a existência nesse acervo de documentos referentes ao Rio Grande, o que já foi exemplifi-cado por Maria Idalina Pires em seu livro A Guerra dos Bárba-

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ros: resistência e conflitos no nordeste colonial, que trata de acontecimentos que se deram principalmente na Capitania do Rio Grande, utilizando os referidos documentos da DPH. O a-cervo contém cópias de manuscritos originários do Arquivo His-tórico Ultramarino, do Arquivo da Torre do Tombo e da Biblio-teca Nacional de Lisboa entre outros. Estudamos as relações entre as Missões e Estado, através da legislação e das resoluções referentes às Missões, e entre Missões e colonos, através dos contatos estabelecidos, dos trabalhos indígenas prestados aos colonos e dos problemas e conflitos surgidos entre eles.

Utilizamos, além dos manuscritos do acervo do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, as obras dos cronistas da época já bastante difundidos e utilizados em pesquisa histórica, a correspondência e relatos dos missionários e os trabalhos dos historiadores das Ordens, além de documentos impressos, onde podemos encontrar informações e subsídios para entender a mentalidade dominante.

Muitos estudos tradicionais sobre as Missões Religiosas coloniais se utilizaram da segmentação dos vários níveis da so-ciedade missioneira, enfocando um único aspecto de cada vez. Outros utilizaram uma sistemática que valorizava o indivíduo colonial, a seqüência cronológica e factual. Essas metodologias

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impediam o interrelacionamento das Missões com o processo colonial em vigor, determinando que elas fossem entendidas como segmentos autônomos e isolados do mundo colonial.

No nosso entendimento, para haver uma apreensão do sig-nificado global das Missões é necessário que se estabeleça as relações entre elas e o mundo circundante, privilegiando um estudo que leve em conta todas as dimensões - econômica, polí-tica, social, cultural, ideológica - sem compartimentação nem subordinação de uma pela outra.

Entendemos que as Missões devem ser analisadas no con-texto histórico colonial global, enfocando as estruturas sócio-econômicas e políticas, levando-se em consideração as especifi-cidades da mentalidade e ideologia dominante da época colonial, acompanhando a tendência da História Social que busca uma

integração da história material e da história da mentalidade.17

Seguimos, assim, uma metodologia histórico-crítica, baseada principalmente na análise documental, problematização e inter-pretação, que já vem sendo utilizada nos grupos de estu-do/pesquisa da História Indígena e do Indigenismo, encabeçado pelo Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP, exemplificada nos recentes livros produzidos pelos seus inte-

grantes: História dos Índios no Brasil 18 e Negros da Terra.19

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Pela inexistência de uma História das Missões da Capita-nia do Rio Grande, optamos por fazer uma investigação privile-giando a problematização e interpretação, mas sem deixar de efetuar uma narrativa dos acontecimentos. Não pretendemos de forma alguma cair numa história factual, onde os fatos falam por si, mas, ao contrário, os utilizaremos como ponto de partida para a colocação de problemas a fim de possibilitar a interpretação do seu significado para a colonização do Rio Grande.

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NOTAS 1. Aroldo Azevedo, Aldeias e aldeamentos de índios, Separata do Boletim

Paulista de Geografia, nº 3, out. 1959, p.4. 2. Ver Arno Kern, Missões: uma utopia política, Porto Alegre, Mercado

Aberto, 1982 e Nádia Farage, As muralhas dos Sertões, Rio de Janeiro, Paz e Terra/ANPOCS, 1991.

3. Para legislação indigenista ver: José Oscar Beozzo, Leis e regimentos

das Missões, São Paulo, Paulinas, 1983 e Georg Thomas, Política indi-genista dos portugueses no Brasil, São Paulo, Loyola, 1982.

4. Mário Pastore, Trabalho forçado indígena e campesinato mestiço livre no

Paraguai: uma visão de suas causas baseada na teoria da procura de ren-das econômicas, Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 11, n. 21, p. 147-185, set. 1990/ fev. 1991.

5. João Renôr F. de Carvalho, A Lei dos Índios do Maranhão de 1680 e o Regimento das Missões de 1686, Boletim de Pesquisas da CEDEAM, Manaus, v. 2, n. 3, p. 86-113, jul. out. 1959.dez. 1983.

6. F. A. Pereira da Costa, Anais Pernambucanos, Recife, Fundação do Patri-mônio Histórico e Artístico de Pernambuco, 1983.

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7. Vicente Lemos, Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte: 1598-1697, Rio de Janeiro, Tip. do Jornal do Comércio, 1912, v. 1. pp. 63-79.

8. Ibidem. 9. Júlio Pernetta, Missões Jesuítas no Brasil, Curitiba, Typ. Livraria Econô-mica, 1909.

10. Clóvis Lugon, A República “Comunista” Cristã dos Guaranis: 1610-1768, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.

11. Moacyr Flores, Os índios infiéis, Estudos Ibero-Americanos, Porto Ale-gre, v. 8, n. 1, jul. 1992, p. 9-17.

12. Luís da Câmara Cascudo, História do Rio Grande do Norte, Rio de Janei-ro, Departamento de Imprensa Nacional/MEC, 1955.

13. Luís da Câmara Cascudo, História da Cidade do Natal, Prefeitura Muni-cipal de Natal, 1947, p. 95.

14. Ver Maria Sylvia Porto Alegre, Aldeias indígenas e povoamento do Nor-

deste no final do século XVIII; aspectos demográficos da “cultura de contato”, Relatório apresentado no XVI Encontro Anual da ANPOCS, Caxambú, out. 1992. e Beatriz Góes Dantas, Missão Indígena no Gerú, Aracajú, Programa de Documentação e Pesquisa Histórica/UFS, 1973. (ed. mimeografada da Comunicação ao V Seminário de História do Nor-deste - Aracajú).

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15. Manuel Monteiro (org.), Guia de Fontes para a História Indígena e do

Indigenismo em Arquivos Brasileiros, São Paulo, NHII-USP/FAPESP, 1994.

16. Maria Sylvia Porto Alegre; Marlene da Silva Mariz; Beatriz Góis Dantas (orgs.), Documentos para a História Indígena no Nordeste: Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe, São Paulo, NHII-USP/FAPESP/Governo do Ceará, 1994.

17. George Duby, História Social e Ideologias das Sociedades, in: Jacques Le Goff e Pierre Nora (org.), História: Novos Problemas, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1979.

18. Manuela Carneiro da Cunha (org), História dos Índios do Brasil, São Paulo, FAPESP/SMC/Companhia das Letras, 1992.

19. John Manuel Monteiro, Negros da terra, São Paulo, Companhia das Le-tras, 1994.

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PARTE I CONQUISTA E MISSÕES VOLANTES

CAPÍTULO 1

OS POTIGUARA, FRANCESES E PORTUGUESES:

DISPUTA PELO LITORAL.1

O ponto fundamental da conquista portuguesa sobre o ter-ritório da Capitania do Rio Grande foi a construção do Forte dos Reis Magos, somente no final do século XVI. A partir do estabele-cimento de soldados e suas defesas, a luta pelo domínio das mes-mas terras pelo franceses e a resistência indígena local foram pau-latinamente sendo vencidas, possibilitando a colonização portugue-sa no litoral potiguar. No entanto, tentativas de colonização já ha-viam ocorrido, quando da distribuição das terras brasileiras em Capitanias Hereditárias em 1535. (Ver Gravura 1).

Preocupada inicialmente apenas com o Oriente, fonte de mercadorias imediatas, a Coroa Portuguesa, após o “descobri-mento” do Brasil, levaria três décadas para instituir um projeto de colonização, incentivado pelas promessas das recentes des-

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cobertas de imensas riquezas na área andina pelos espanhóis, por uma nova situação política na Europa com a ascensão de Carlos V ao trono espanhol (abarcando um enorme império) e, também, pela constante presença de corsários franceses que a-

meaçavam a posse portuguesa.2 João de Barros, “Feitor da Casa da Índia e da Mina” e

“Historiador dos Feitos Portugueses nas Índias”3, recebeu a Ca-pitania do Rio Grande, em 1535, como seu quinhão de terras no extremo norte do Brasil, para descobrir e colonizar, sob suas próprias expensas, em troca do direito de usufruir das riquezas e dos nativos da nova colônia. Para explorar e dar início à coloni-

zação, ele aliou-se a outros Donatários4 para financiarem uma expedição conjunta que, no entanto, fracassou frente à ferocida-de com que foram recebidos pelos nativos que impediram a

permanência dos portugueses.5 Como havia ocorrido no Rio Grande, a expedição também fracassou na tentativa de desem-barcar no Ceará, só o conseguindo no Maranhão, à custa de mui-tas vidas perdidas aos índios de lá e também ao mar, mas, mes-mo ali a duração da “colônia” - a vila da Nazaré - foi efêmera, por não conseguir resistir às constantes reações indígenas e ao

esquecimento do reino.6

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Da mesma forma, uma segunda tentativa de colonização, intentada então pelos filhos de João de Barros - Jerônimo e João - também apenas passaria pela costa norte-rio-grandense, indo se estabelecer novamente no Maranhão, onde residiram por cinco anos (1556-1561), povoando a “Ilha das Vacas”, área que tam-

bém teriam abandonado pela hostilidade dos índios.7 No litoral do Rio Grande os nativos que resistiram à tenta-

tiva de colonização dos representantes do Donatário eram os Potiguara, do tronco lingüístico Tupi-Guarani, que como seus aparentados do restante do litoral leste do Brasil, tomaram con-tato com os europeus desde o início das navegações explorató-rias da costa. Já em 1501, Américo Vespúcio participando da viagem que tomou posse das terras brasileiras para Portugal, chantando “marcos de posse” pelo litoral, relatou a hostilidade dos índios Potiguara, que teriam matado, em ato “cruel e besti-al” (a antropofagia), três “cristãos” que desceram à terra para “...verem que espécie de gente era e se possuia alguma riqueza

em especiarias ou drogas...”.8 (Ver Mapa 1).

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1.1 - Os Potiguara: escambo, alianças e resistência. Poucas são as descrições desses primitivos habitantes das

terras norte-rio-grandenses. Vespúcio, na mesma ocasião citada, se referiu a eles como “gente pior que animais”, estarrecido pelos fatos que acabou de se relatar, assim como observou que “

estava nua e era da mesma cor e porte que a outra passada”.9 Já Gabriel Soares de Souza, em 1587, informa sobre os

Potiguara de maneira bastante elucidativa, portanto, apesar de longa, vale a citação de todo o trecho:

“Não é bem que passemos já do rio da Paraí-ba, onde se acaba o limite por onde reside o gentio Pitiguar, que tanto mal tem feito aos moradores das Capitanias de Pernambuco e Tamaracá, e a gente dos navios que se perderam pela costa da Parahiba até o rio do Maranhão. Este gentio senhoria esta costa do Rio Grande até o da Paraíba, onde confi-naram antigamente com outro gentio, que chamam os Caytés, que são seus contrários, e se faziam crue-lissima guerra uns aos outros, e se fazem ainda ago-ra pela banda do sertão onde agora vivem os Cay-

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tés, e pela banda do Rio Grande são fronteiros dos Tapuias, que é a gente mais doméstica, com quem estão às vezes de guerra e às vezes de paz, e se aju-dam uns aos outros contra os Tabajaras, que visi-nham com elles pela parte do sertão. Costumam es-ses Pitiguares não perdoarem a nenhum dos contrá-rios que captivam, porque os matam e comem logo. Este gentio é de má estatura, baços de côr, como to-do outro gentio; não deixam crescer nenhuns cabe-los no corpo senão os da cabeça, porque em êles nascendo os arrancam logo; falam lingua dos Tupi-nambás e Caytés; têm os mesmos costumes e genti-lidades ...Este gentio é muito belicoso, guerreiro e atraiçoado, e amigo dos franceses, a quem sempre faz boa companhia, e industriado d´elles inimigo dos portugueses. São grandes lavradores dos seus mantimentos, de que estão sempre muito providos, e são caçadores bons e tais flecheiros, que não erram flechada que atirem. São grandes pescadores de li-nha, assim no mar como nos rios de água doce. Cantam, bailam, comem e bebem pela ordem dos Tupinambás, onde se declarara amiudamente sua

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vida e costumes, que é quasi o geral de todo gentio

da costa do Brasil.”10

Através desse relato, obtêm-se informações preciosas so-bre os nativos da capitania do Rio Grande que habitavam o lito-ral à época da chegada dos europeus, já que são poucos os escri-tos sobre os Potiguara nesse período. Supõe-se que para isso haja duas explicações: a primeira é relativa ao quase abandono da região pelos portugueses que nela não encontraram atrativos econômicos além do fortuito extrativismo de pau-brasil; a se-gunda explicação, que não deixa de estar vinculada à primeira, é o privilegiamento da exploração das áreas mais propícias à ren-tabilidade econômica imediata (Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro), que demandava a fixação populacional e conseqüente estudo do povo daquela região. Esta preocupação é encontrada já na carta de Caminha ao Rei, dando notícias da “nova terra” e das providências tomadas, dentre as quais estava a de deixarem dois degredados para aprenderem a “língua e a terra” a fim de

melhor terem informações na ocasião do retorno.11 Além disso, os franceses que aportavam na costa do Rio Grande à procura de pau-brasil também não deixaram relatos sobre esse período ini-cial, principalmente porque aqui estavam como corsários, flibus-

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teiros autorizados pela Coroa Francesa, mas não legais do ponto de vista das relações políticas européias.

Dessa forma, utilizando-se os relatos de religiosos, de funcionários reais e de cronistas portugueses e franceses qui-nhentistas sobre os indígenas Tupinambá das regiões litorâneas que se estendiam da Bahia ao Rio de Janeiro, pode-se ter uma idéia de como eram os Potiguar em seus “jeitos e formas”, par-tindo-se do princípio que pertencendo ao mesmo tronco Tupi as semelhanças culturais estariam presentes, de acordo com a idéia de Gabriel Soares de Souza, contemporâneo destes, com o que

concorda Florestan Fernandes,12 que estudou a organização sócio-cultural dos Tupinambá.

Os indígenas Tupi-Guarani falavam diversos dialetos da

língua-tronco Tupi-guarani, de acordo com cada família,13 mas, a partir do contato com os europeus, e da necessidade destes de comunicarem-se com os nativos, os dialetos foram estudados, tendo o Padre Anchieta, já em 1595, conseguido elaborar a pri-meira gramática e vocabulário em Tupi. Esta não era, porém a gramática do Tupi falado pelos indígenas, era uma uniformiza-ção dos vários dialetos tupis, com a finalidade de facilitar os trabalhos dos missionários de contactar os nativos por toda a costa brasileira, do Maranhão a São Paulo. Aos poucos essa no-

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va língua uniformizada foi tomando lugar dos dialetos diversos,

originando uma língua nova: o “nheengatu” ou Língua Geral.14 Certamente, falar o Tupi foi um dos fatores que facilitou o

contato dos europeus com os índios Potiguar, já que a língua já

vinha sendo estudada e falada por “línguas”15 que sempre parti-cipavam nas expedições, principalmente missionários e mame-lucos, mas, por outro lado, também permitiu o conhecimento prévio pelos Potiguara do tipo de ações que os portugueses vi-nham praticando no processo de colonização contra seus aparen-tados mais ao Sul, o que sem dúvida contribuiu para uma resis-

tência acirrada à presença lusa, quando não a sua fuga.16 Os homens Potiguara costumavam perfurar o lábio inferi-

or, durante a puberdade, por onde transpassavam ossos, pedras ou madeiras, às vezes também perfuravam as faces e orelhas para o mesmo fim. Pintavam várias partes do corpo com desenhos e cores diversas, predominando porém o negro, do suco de jenipa-po, e o vermelho, extraído do urucum. Utilizavam enfeites de plu-mas coloridas pelo corpo e cabelos, cordões de contas naturais e braceletes. Sua boa disposição física, com pouca sujeição às suas doenças e defeitos físicos, sempre foi visto com interesse pelos

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cronistas que ressaltavam a vivacidade das crianças, a “formosura”

das mulheres e a “longevidade” dos homens.17 Habitavam a proximidade do litoral e as ribeiras de rios,

fabricando canoas e apetrechos para a pesca, que era feita com flechas e pequenos anzóis feitos de espinhas de peixe ligados a fios de algodão ou espécie de cânhamo. Moravam em aldeias, sua principal unidade da organização social, cuja localização era escolhida num lugar alto, ventilado, próximo a água e adequado às plantações que se faziam ao seu redor. Suas habitações, feitas com toras de madeira, cobertura de folhas e sem divisões inter-nas, tinham duas ou três entradas apenas, e eram compridas e arrumadas em volta de um terreiro quadrado que ficava vazio. Num lugar permaneciam apenas três ou quatro anos, quando, por desfazerem-se as casas, tinham que mudar. Em cada casa

moravam cerca de duzentas pessoas aparentadas entre si.18 Sobre as aldeias dos Potiguara do Rio Grande, Cascudo diz

que “... ardiam 164 fogueiras quando do momento da conquista

...pessimisticamente seis mil almas.”19 Essa população foi, ao iní-cio da colonização portuguesa, pouco acrescida de brancos, mas muito diminuída de indígenas, que fugiam para o interior e para a

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região do Ceará, como indicou Carlos Studart Filho que datou a

chegada dessa leva migratória ao Ceará por volta de 1603.20 Há também outras citações deste processo de esvaziamen-

to do Rio Grande em diversas cartas de jesuítas contidas na obra do Padre Serafim Leite, historiador da Companhia de Jesus: em uma de 17 de janeiro de 1600, o Padre Francisco Pinto dizia que haveria 150 aldeias no Rio Grande, que já estavam desfalcadas pela ação da varíola; em outra carta, esta do Padre Pero de Casti-lho, datada de 16 de junho de 1614, relatou-se que, em 1603, haveriam 64 aldeias e em 1613 somente “... oito aldeotas, que já

lhes não quadra outro nome ... [por] serem pequenas...”21 A razão desta diminuição populacional foi sem dúvida a morte, por doenças e pela guerra, mas também o medo à escravidão que forçava a interiorização dos índios. Ainda no livro de Serafim Leite, encontra-se relatos de dois outros missionários jesuítas sobre a sua chegada no Forte dos Reis em 1606, quando foram muito bem recebidos pelo Capitão do Forte por garantirem ali a permanência dos índios que ameaçavam interiorizarem-se, te-mendo pela perda da sua liberdade entre os colonos portugue-

ses.22 O viajante Domingos da Veiga dizia, em 1621, não haver

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na Capitania mais de 300 moradores e escravos, e 300 índios

flecheiros repartidos em quatro aldeias.23 Percebe-se que o processo da ocupação branca foi lento, o

que, no entanto, não impediu a constante e imensa evasão indí-gena da Capitania. O próprio Domingos da Veiga explicou: “... havia antes tantas quantidades delas que lhe não sabia o núme-ro e ainda êstes cada dia vão fugindo para o Seará pelo ruim

trato que aqui lhe fazem os capitões.”24 A migração destes indígenas, no entanto, não foi uma prá-

tica iniciada com a conquista, pois, outra característica cultural bem definida dos povos Tupi era a sua grande mobilidade espa-cial, promovendo constantes mudanças de locais de moradia provocadas pela necessidade de buscar novas terras para o culti-vo, identificadas com a busca da lendária “terra sem males”: “... paraíso terrestre onde as plantas crescem por si, há fartura pa-ra todos, todos são felizes e ninguém sofre, os homens são eter-

nos.” 25 Além disso, na época do contato com os europeus tal idéia da busca do “paraíso” ficou mais forte pelo medo da escra-vidão, das doenças e da morte. Em dois relatos seiscentistas de viajantes pela Amazônia encontra-se o registro da existência de uma ilha povoada por um povo que falava a língua geral que, através da tradição oral, afirmavam terem partido das terras de

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Pernambuco onde os portugueses os subjugavam, por volta de 1600, em número de 60 mil, esvaziando ao mesmo tempo 84 aldeias. A ilha ainda hoje se chama Tupinambarana, assim como

os índios que lá foram encontrados.26 Essas migrações em fuga à colonização foram também fa-

cilitadas porque cada uma das aldeias eram independentes entre si, havendo no comando político um principal, geralmente ho-mem velho, cuja autoridade só era realmente forte no caso de guerra: “...no tempo de paz cada um faz o que o obriga seu ape-

tite.”27 Além disso, eram nas reuniões do conselho de indíge-nas, composto pelo seu principal e pelos mais velhos e conceitu-ados da aldeia, que se resolviam os assuntos de importância co-letiva, sendo costume, também, os chefes determinarem à ma-drugada, o trabalho a ser feito e a distribuição do tempo de ser-

viço.28 Era também obrigação dos principais o estabelecimento dos tratados de paz e a orientação de seu grupo nesse sentido. No Rio Grande vemos a importância dos principais na sua atua-ção quando do processo de conquista portuguesa.

Comentando a conquista do Rio Grande em 1598, Frei Vi-cente do Salvador, em 1627, relatou que os portugueses “con-venceram” o Principal Ilha Grande, que estava preso no Forte dos Reis Magos, a levar o convite dos portugueses aos outros

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principais, para tratarem da paz. Tendo sido “bem instruído”, deveria falar aos outros, entre outras coisas:

“... se quereis ter vida e quietação e estar em

vossas casas e terras com vossos filhos e mulheres, é necessário ... fazer com êles pazes, as quais serão sempre fixas, como foram as que fizeram com o Braço de Peixe e com os tobajaras, e o costumam fazer em todo o Brasil, que os que se metem na igre-ja não os cativam, antes os doutrinam e defendem, o que os franceses nunca fizeram e menos o farão a-gora, que têm o porto impedido com a fortaleza, donde não podem entrar sem que os matem e lhes

metam com a artilharia no fundo os navios.”29

Assim, os principais Zorobabé e Pau-Seco e também o Camarão Grande (Potiguaçu) entre outros, fizeram a “paz” no Forte, sendo a mesma ratificada, juntamente com os Potiguar da Paraíba, em 11 de Junho de 1599 na cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves (hoje João Pessoa), em cerimônia que além das autoridades coloniais das três capitanias (Pernambuco, Para-íba e Rio Grande), compareceram os chefes indígenas da Paraí-

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ba, Braço de Peixe (Piragibe), Braço Preto e Pedra Verde, e os

Potiguara Pau-Seco e Mar Grande.30 Após o acordo de paz na Paraíba, o Padre Pinto retornou

ao Rio Grande para confirmar as pazes e logo erigiu uma cruz em uma aldeia indígena potiguar da Capitania. Relatou o próprio padre: “Depois de tornarmos ao Forte do Rio Grande, por assim o querer um grande principal, que foi o princípio das pazes, lhes fomos a pôr uma crus em um lugar onde ele queria juntar sua gente, que estava espalhada por causa das guerras passa-

das.” 31 Segundo a carta do Padre Pero Rodrigues esse “grande principal” seria o Camarão Grande (Potiguaçu): “...o maior de

toda aquela comarca...”32 que havia tratado a paz com o Go-vernador de Pernambuco Mascarenhas Homem. Portanto, a pri-meira aldeia a ter uma cruz foi a aldeia do Camarão Grande que ficava à esquerda do Rio Potengi. A cruz seria o símbolo da paz entre índios e portugueses, e que sob a sua sombra estariam “protegidos” da morte e escravidão impostas pelos portugueses, podendo retornar às suas aldeias até então abandonadas. Segun-do esta hipótese, outros principais dispuseram-se também a acei-tá-la em suas aldeias, sendo erigidas mais oito cruzes ao sul do Forte, cinco ao Norte, e mais algumas uma distância de 9 a 19 léguas ao Norte. (Ver Gravura 2)

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Percebe-se, então, que o assentimento dos principais era crucial para a aproximação com os europeus, no entanto, pela existência da independência política entre as aldeias, era neces-sário o convencimento de cada principal em separado, o que, sem dúvida, dificultou o domínio português que deveria ser “ne-

gociado”, com base nas alianças e trocas de favores.33 O trabalho destes indígenas era dividido sexualmente e

também pela idade, sendo alguns proibidos ao sexo oposto, co-mo a fabricação de bebida de fermentação de raízes, o “cauim”, feita pelas jovens das tribos. Os homens dedicavam-se à caça, à pesca, à preparação da terra para o plantio, à construção de ocas e canoas, confecção de armas e instrumentos, à cata de lenha e à guerra contra os inimigos. As mulheres cuidavam das planta-ções, desde a semeadura à colheita de suas principais roças: mandioca e milho, com os quais se faziam as farinhas e também as bebidas; cuidavam também das caças e peixes para a alimen-tação de todos, assim como teciam fios para confeccionar as redes onde dormiam; moldavam o barro para fazer potes e pane-las; cuidavam das crianças e animais domésticos; faziam cestos de fibras vegetais; coletavam os frutos, raízes e mel; e carrega-

vam os utensílios quando da mudança de local da aldeia.34

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O trabalho indígena era, em sua essência, comunal. Apesar de haver entre os Tupi a posse de instrumentos e utensílios, não havia a apropriação da terra nem do seu produto por grupos pri-vilegiados. Os alimentos conseguidos em comum, tanto na caça e coleta quanto nas roças, garantiam a alimentação de todos da comunidade e parece não ter havido dificuldades em obtê-los, tanto que é o “excedente” dessa “produção” que vai alimentar os primeiros colonos que chegaram, até que as roças coloniais fos-sem estabelecidas.

Longe da idéia preconcebida da “preguiça” indígena, na reali-dade, o trabalho que existia na sociedade Tupi era adequado à neces-sidade de alimentos que havia. Pela inexistência da prática de acú-mulo de excedentes, não se justificava trabalho que o produzisse, daí os portugueses ressaltarem a “imprevidência” dos nativos.

Como foi visto, as mulheres dentro da organização social Tupi tinham uma função produtiva bem definida, no entanto, a sua participação na sociedade também estava relacionada à per-petuação das comunidades não apenas no aspecto biológico, mas também no social, visto que era através dos casamentos que se estabeleciam as ligações entre guerreiros, isto é, relação entre sogros e genros, e entre cunhados. Essa relação pode ser enten-dida num trecho de Anchieta:

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“... há verdadeiros matrimônios ´in lege natu-rae`, e assim, muitos mancebos até que se casem, por ordem e conceito de seus pais servem ao sogro ou sogra que ha de ser, antes que lhe dêem a filha, e assim que tem muitas filhas é mais honrado pelos genros que com elas adquirem, que são sempre mui-to sujeitos a seus sogros e cunhados, os quais depois dos pais têm grandíssimo poder sobre as irmãs e muito amor, como elas também toda a sujeição e

amor aos irmãos com toda a honestidade.”35

Da mesma forma, as alianças estabelecidas através dos ca-samentos das filhas com os europeus, poderia garantir ao sogro e cunhados uma “importância” social maior através do aumento do número de guerreiros sobre os quais ascenderiam. Pela pers-pectiva indígena o genro deveria servir ao sogro, o que era feito pelos europeus através do municiamento para a guerra contra os

inimigos tradicionais e mesmo com a participação nelas.36 Nas guerras tradicionais, os Potiguara manejavam o arco e

flecha, utilizados para a pesca, caça e guerra. Marchavam ou navegavam por grandes distâncias em grande número de guer-reiros a fim de encontrar o inimigo, que eram pegos, na maioria

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das vezes, de surpresa: “Surpreendendo o adversário: agarram homens, mulheres e meninos e levam-nos de regresso às sua tabas onde são os prisioneiros executados, moqueados e final-

mente devorados.”37 Como se vê, as guerras tinham um intuito de fornecer prisioneiros para o cerimonial de antropofagia que, por ser demais apavorante ao europeu, foi minuciosamente descrito pelos cronistas, no entanto, não tinha outra intenção senão o de causar respeito e temor aos vivos, pois movia-os a vingança. Esses sacrifícios eram extremamente honrosos tanto para o sacrificado, quanto para o executor, que eram tidos ambos como bravos guer-reiros e geravam um ciclo sem fim de vinganças, sempre alimenta-das pelo ódio recíproco advindo das lutas anteriores, o que propor-cionaria um núcleo de união dentro da tribo, assim como um víncu-

lo com os antepassados,38 como informou Léry:

“Os selvagens se guerreiam não para conquis-tar países e terras uns dos outros, porquanto sobe-jam terras para todos; não pretendem tampouco en-riquecer-se com os despojos dos vencidos ou o res-gate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confes-sam eles próprios serem impelidos por outro motivo:

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o de vingar pais e amigos presos e comidos, no pas-

sado...”39

Essas características sócio-culturais dos Tupi foram bas-tante ressaltadas pelos cronistas e se demonstraram bastante difíceis de serem “extirpadas” dentre eles, ao ponto do Padre Nóbrega assentir que os índios não eram um “papel em branco” onde tudo poderia ser imprimido facilmente, chegando a afirmar que só mesmo à custa da força é que eles deixariam o seu modo

de vida.40 Contudo, o seu conhecimento da natureza e das for-mas de obtenção de alimentos e produtos da terra, assim como o seu trabalho no estabelecimento dos núcleos coloniais de povo-amento e nas roças, foram as motivações para a aproximação

pacífica inicial dos europeus.41 As relações de troca pacíficas estabelecidas primeiramen-

te entre europeus e indígenas foram baseadas numa confluência dos interesses desses dois mundos. Para os portugueses a obten-ção da água, alimentos e força de trabalho para extração de pro-dutos naturais, como o pau-brasil e o âmbar, e na produção nas roças de açúcar, em troca de utensílios europeus era extrema-mente lucrativo. Além disso, a “amizade” com alguns grupos indígenas poderia resultar no acréscimo de alguns guerreiros no

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seu corpo de soldados contra possíveis invasores europeus e

outros grupos indígenas “hostis”...42 Sob a perspectiva indígena, a troca de seus “produtos”, ba-

sicamente alimentos e trabalho, por utensílios europeus era tam-bém muito interessante, principalmente quando se tratava de ferramentas de metal que facilitavam nas roças de alimentos. Ao mesmo tempo, os trabalhos exigidos aos homens (extração vege-tal, transporte de madeira e nas guerras), e às mulheres (agricul-tura e afazeres domésticos) não interferia na estrutura sócio-cultural indígena, ao contrário, a reforçava, pois os produtos obtidos pelas trocas desses trabalhos garantia aos participantes

um maior prestígio entre seus pares.43 Portanto, as características culturais indígenas Tupi no iní-

cio dos contatos com os europeus auxiliaram afinal à sua própria conquista, visto que essas relações amistosas de troca tinham seu limite na constância da colonização e conseqüente cresci-mento das necessidades de mão-de-obra, que em determinados momentos levaram ao apresamento também dos “aliados”, seja para a utilização direta, como escravos, seja para sua venda em outras áreas. Essa possibilidade de serem escravizados acabou em certos casos por minar a confiança indígena nessas relações

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amistosas estabelecidas, levando ao rompimento e à passagem da categoria “amigo” a “inimigo”.

A resistência dos Potiguara às tentativas de colonização portuguesa podem ser entendidas dentro da perspectiva das quebras das relações de troca que já vinham ocorrendo nas regiões limítrofes ao sul, como em Pernambuco onde as lutas pela ocupação da Capi-tania pelos familiares de Duarte Coelho deflagraram uma verdadeira guerra, onde mortes e escravidão eram comuns. A notícia dessa situ-ação provavelmente chegara à Capitania do Rio Grande e aos seus habitantes, pois muitos cronistas relataram a situação de conflito entre os índios Tupi e os colonos das regiões da Bahia e Pernambuco

e as conseqüentes fugas para outras terras.44 Esses conflitos e fugas ao convívio dos portugueses são “explicados” por José de Anchieta, que teve grande experiência catequética em todo litoral do Brasil de São Vicente à Pernambuco, na sua “Informação do Brasil e suas Capitanias”, de 1584:

“O que mais espanta aos Indios e os faz fugir dos Portugueses, e por consequencia das igrejas, são as tiranias que com eles usam obrigando-os a servir toda a sua vida como escravos, apartando mulheres de maridos, pais de filhos, ferrando-os,

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vendendo-os, etc., e se algum, usando de sua liber-dade, se vai para as igrejas de seus parentes que são cristãos, não o consentem lá estar, de onde muitas vezes os Indios, por não tornarem ao seu poder, fo-gem pelos matos, e quando mais não podem, antes se vão dar a comer a seus contrarios; de maneira que estas injustiças e sem razões foram a causa da destruição das igrejas que estavam congregadas e o são agora de muita perdição dos que estão em seu

poder.”45

Percebe-se que, para Anchieta, a ameaça da escravidão era motivo bastante forte para a fuga ou, mesmo, para a morte vo-luntária que, ao menos, seria segundo os seus próprios costumes. Contudo, a pressão portuguesa pela liberação das terras também pode ser entendida como outra motivação, que completa a ante-rior: em carta datada de 1558, o jesuíta Irmão Antônio Blasquez explica que muitos índios vizinhos de Salvador fugiam “...pela grande sede e cobiça dos Christãos... porque lhes deixassem as

roças e terras desembaraçadas.”46 Essa grande “expedição” de fuga dos Tupi à colonização

portuguesa foi relatada também pelo cronista francês Claude

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d`Abbeville, que ressaltou a sobrevivência de índios Tupinambá no Maranhão, em 1614 “... os quais presenciaram a fundação de

Pernambuco [1535] ...”47 Para d‘Abbeville, quando os portu-gueses se apoderaram das terras do litoral onde os Tupi habita-vam, quiseram também se apoderar dos seus habitantes, e por isso, os índios “...preferiram abandonar o seu próprio país a se

entregarem aos portuguêses.”48 Florestan Fernandes, baseado nesta passagem dos relatos

de Claude d‘Abbeville e em outros cronistas, concluiu que os Tupi do Maranhão e adjacências, incluindo-se a Serra de Ibiapa-ba no Ceará, teriam procedido, provavelmente da costa de Per-nambuco e da Bahia, e não do Rio de Janeiro, área do Trópico de Capricórnio que é apontada por d´Abbeville. Fernandes adi-ciona que, a cobiça dos portugueses pelos territórios litorâneos do Nordeste, querendo desalojar daí os índios e franceses, e pela mão-de-obra para sua lavouras e demais serviços, explicaria a luta e fuga comuns aos povos Tupi dessa região, incluindo os Tupinambá, da Bahia, os Caeté, de Pernambuco, e os Potiguara da Paraíba e Rio Grande, que, mesmo sendo inimigos tradicio-nais, se uniram algumas vezes em frágeis alianças contra os por-tugueses. Esses índios em fuga, num processo de ondas sucessi-vas a partir de 1562, teriam adquirido no contato com os portu-

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gueses nos seus lugares de origem um conhecimento sobre o processo de colonização portuguesa, transmitindo aos outros índios tais conhecimentos, o que ajuda a explicar a resistência aos portugueses de povos que pouco contato tiveram com eles,

como o caso dos Potiguara. 49 Contudo, mesmo nesses poucos contatos, o processo de

colonização dos portugueses foi precocemente sentido pelos Potiguara, pois, têm-se notícia, através de um Alvará do Rei D. Sebastião, que “assaltos” e “insultos” já ocorriam no Rio Gran-de ainda na década de 1560:

“[a tentativa de colonização pelos filhos de

João de Barros] ...não houve efeito por os gentios dela estarem escandalizados assim dos moradores das outras Capitanias como de pessoas deste Reino que vão a dita Capitania fazer saltos e roubos cati-vando os gentios da terra e fazendo-lhes outros in-sultos, de maneira que, querendo seus filhos tomar um pôrto na dita Capitania para se proverem do ne-cessário, por os ditos gentios estarem escandaliza-dos e de pouco tempo atrás salteados de gente por-tuguêsa, lhe mataram um língua, com outro homem,

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e lhe feriram outros e trabalharam para matarem a todos, para se vingarem dos males e danos que ti-nham recebido de navios com que no dito pôrto lhe

tinham feito saltos...”50

Nesse documento, percebe-se que, apesar de não haver co-lonização efetiva, os navios portugueses provavelmente utiliza-vam a costa norte-rio-grandense para abastecerem-se de água e alimento frescos nas viagens para o Brasil, e também de nativos que seriam levados a outras áreas. O que deveria ser comum pela necessidade de mão-de-obra para o estabelecimento das roças de alimentos e também da própria atividade açucareira. Não seria por outros motivos que nos navios, que sobraram da primeira expedição de tentativa de colonização do Rio Grande e que chegaram às Antilhas depois de desistirem da ocupação no

Maranhão, havia 340 índios entre “livres e escravos”.51 Não era à toa, portanto, que os Potiguar lutaram o quanto puderam con-tra os portugueses e sua aproximação.

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1.2 - Franceses: escambo, alianças e disputa pela terra. Sob a perspectiva dos interesses portugueses, as alianças

com os indígenas foram utilizadas nas áreas iniciais da coloniza-ção, para a proteção dos núcleos de povoamento dos ataques dos índios insubmissos e dos agentes de outras nações européias, principalmente franceses. Dessa forma, as alianças estabelecidas com os indígenas acabaram por fazer parte das disputas entre as nações européias pela posse do Novo Mundo, quando os france-ses e portugueses tentavam atrair “parceiros” tanto para as ativi-dades de troca como de guerra, principalmente quando a posse de territórios estava em jogo.

Assim, a presença francesa na costa nordeste do Brasil era um fato que também poderia incentivar a resistência Potiguara aos portugueses visto que o sistema de escambo estabelecido entre franceses e índios era uma solução economicamente favo-rável a ambos: os franceses conseguiam explorar o pau-brasil com total apoio e trabalho dos Potiguara, e estes conseguiam utensílios, armas e prestígio social por estarem aliados aos es-trangeiros. Além disso, os Potiguara e franceses viam-se respec-tivamente como aliados numa guerra comum contra os portu-gueses, onde o apoio de ambos era imprescindível, seja pelo

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conhecimento da terra e número de guerreiros disponíveis dos Potiguara, seja no municiamento e conhecimento das táticas

européias dos franceses.52 Os franceses, preteridos na “repartição” do Novo Mundo

entre os reinos católicos de Portugal e Espanha, não admitiram tal condição e desde os primeiros tempos do Brasil contactaram amistosamente os índios do litoral, auxiliados pela presença a-penas intermitente dos portugueses nas costa, praticamente as-

sumindo o domínio da região.53 No Rio Grande a sua presença remonta ao período anterior à primeira expedição colonizadora de 1535, quando então teriam auxiliado e fustigado os Potiguara

contra os portugueses54 . A preocupação dos primeiros colonos portugueses com a

presença francesa nas costas norte-rio-grandense se faz evidente na carta do alcaide de Igaraçu, Afonso Gonçalves, que, em 1548, informou ao Rei D.João III da passagem de numerosas

embarcações francesas em direção às terras dos Potiguara55 , e na de Jerônimo de Barros, filho de João de Barros, que em 1561, ainda tentava continuar com a posse das suas terras, reclamando ao Rei da presença francesa e pedindo uma fortaleza para defen-der o seu direito, pois:

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“ ... os franceses todos os anos vem a ela car-regar de Brasil por ser o melhor pau de tôda a cos-ta. E fazem já casas de pedra em que estão em terra fazendo comércio com o gentio. E os anos passados estiveram nesta Capitania dezessete naus de França a carga e são tantos os franceses que vêm ao resga-te que até as raízes do pau brasil levam porque tinge mais as raízes do que o pau que nasce nesta Capita-

nia.”56

A tentativa fracassada de domínio efetivo do território da Baía da Guanabara entre 1555 e 1560, financiada pela Coroa e por mercadores franceses e apoiada pelos índios Tamoio, amea-çou a soberania portuguesa e a unidade da colônia, assim como abalou as suas atividades mercantis na concorrência pelo merca-do europeu de pau-brasil. Não foi por acaso que os franceses insistiram na sua permanência por mais quinze anos no litoral norte-fluminense, “... fornecendo armas e munições, bem como apoio naval às incursões dos seus aliados silvícolas ... tendo construído, além disso, um entreposto que abastecia as naus

francesas de produtos brasílicos.”57 Porém, após a sua expul-são definitiva, os franceses tiveram que buscar nova área na cos-

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ta brasileira para servir de base de apoio às suas embarcações para suprí-las de pau-brasil, longe das áreas já ocupadas pelos portugueses, o que significaria a região acima da Capitania de Itamaracá.

A presença francesa, suas alianças com os índios do Rio Grande e seu intento de domínio da região ficam claramente

evidentes no Mapa de Jacques de Vaulx de Claye, de 1579,58 e nas anotações existentes nele. Nas legendas referentes a algumas das aldeias apontadas há referências da disponibilidade de guer-reiros Potiguar e também tapuias: a aldeia de “Random”, próxi-mo à Lagoa de Guaraíras, no litoral norte-rio-grandense, forne-ceria 600 índios, provavelmente, Potiguara habitantes do litoral e já velhos conhecidos nos seus resgates. As aldeias de “Tarara Ouasou” e de “Ouratiaune”, referidas como de tapuias, prova-velmente Tarairiú pela similitude dos nomes e pela localização próximo ao Rio Açu, no centro e norte da Capitania, forneceri-am, respectivamente, 800 e 1000 guerreiros. Próximo ao semi-círculo desenhado no mapa, que abrange o litoral e sertão inici-ando-se ao Sul, no Rio São Domingos (R. Paraíba), e terminan-do ao Noroeste no Rio Acaraú (CE), está ressaltado a existência de 10.000 “selvagens” prontos a desferir a guerra contra os por-tugueses. Para Medeiros Filho, tal mapa significaria a “... exis-

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tência de um plano concebido pelos franceses, com vistas à conquista militar do território...”. Mas além disso, este mapa demonstra a força e importância das alianças estabelecidas pelos franceses com os indígenas, que abrangeu não somente os Poti-guara mas também os tapuias do sertão, para tentar o domínio do território.

Essa presença francesa continuou a ser uma constante no território norte-rio-grandense e Gabriel Soares de Souza, em 1587, também notificou a sua presença: “Neste rio [Grande] há muito pau de tinta, onde os franceses o vão carregar muitas vezes...” . A constância nas suas vindas, fica demonstrado tam-bém pela presença de um castelhano de lábios furados que vivia entre os índios e era “...língua dos franceses entre os gentios nos

seus resgates...”59 . Evidentemente, a associação índio/francês não favorecia

de modo algum às expectativas portuguesas quanto a sua reto-mada do domínio da região, ao contrário, criava uma barreira quase intransponível para uma expedição particular, pois, apesar de ter sido instituído o Governo Geral no Brasil desde 1549, a Capitania do Rio Grande continuou pertencendo aos Barros até

1582, quando foi “devolvida” ao rei D. Felipe I.60 Além disso, a presença francesa tornava-se cada vez mais prejudicial à Coroa

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Portuguesa visto a sua aliança com os Potiguara nos ataques aos centros de povoamento portugueses nas Capitanias de Pernam-buco e Itamaracá que eram “... mui molestadas dos Indios Piti-guaras, moradores do rio chamado Paraíba, onde têm grande comércio com os Franceses por causa do pau de brasil, e os ajudam nas guerras e fazem muito mal por terra e por mar aos portugueses, os quais não têm índios amigos que os ajudem

porque os destruíram todos.”61 Contudo, a resistência Potiguara ao domínio português não

pode ser entendida apenas como uma ação manipulada pelos franceses. As alianças, como já se viu, estavam inseridas no mundo indígena sob a sua própria perspectiva, no que se con-corda com Carlos Fausto quando diz: “Da perspectiva indígena, porém, as diferentes ´linhagens` de europeus é que eram incluí-

das na lógica da vingança da guerra tupi.”62 1.3 - Portugueses: alianças, escravidão e posse da terra. A partir de 1580, com a nova conjuntura européia advinda

da União Ibérica, a região do nordeste colonial do Brasil passou a fazer parte dos planos expansionistas de Felipe II com a efeti-

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vação de uma ligação da costa leste do Brasil com a região A-mazônica, através da consolidação de núcleos coloniais em pon-tos estratégicos da costa, principalmente nas desembocaduras de

grandes rios.63 É num contexto de alianças temporárias e débeis e de ex-

pansão das fronteiras coloniais, que a conquista do Rio Grande se inicia, tendo de um lado os Potiguara, informados sobre os portugueses e experientes nas práticas belicosas aliados aos franceses, e de outro, os Portugueses que necessitavam do con-trole dessa porção de terra, seja para o “sossego” das outras á-reas já colonizadas adjacentes (Paraíba e Pernambuco), seja para

dar prosseguimento ao projeto filipino de ampliação colonial.64 Como já foi mencionado, uma das grandes molestações

que os colonos de Pernambuco e Itamaracá sofriam era a cons-tante ameaça Potiguara. Essa é uma queixa sempre presente en-tre os cronistas da época, e é apontado por eles como a motiva-ção para a decisão do Rei quanto à retomada da região aos fran-

ceses aliados aos Potiguara.65 É indiscutível a necessidade de “sossego” para se poder levar adiante um assentamento humano colonial, pois as lavouras precisam de gente trabalhando cons-tantemente e a necessidade de um contingente de homens sem-pre à disposição da segurança poderia afastar muitos do trabalho

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produtivo. Além do fato que muitos dos ataques índios culmina-vam com a destruição não só das construções mas também das próprias lavouras. Por outro lado, a segurança da população que aceitava navegar pelo Oceano para colonizar uma nova terra também era imprescindível, pois senão a continuidade da colô-nia ficaria ameaçada pela inexistência de colonos que se dispu-sessem a enfrentar os índios.

Frei Vicente do Salvador descreve bastante bem os pro-blemas que os colonos de Pernambuco enfrentavam, apontando, porém, que o motivo para esses conflitos era a necessidade de terras para acomodar. muita gente que vinha de Portugal e das outras capitanias para povoarem a de Pernambuco, o que obriga-ra Duarte Coelho a ordenar que se “despejasse” os índios inimi-gos das terras contíguas através da guerra. Como resultado dessa ação o próprio frade franciscano ressalta.

“À fama destas duas vitórias ficou todo o gen-

tio desta costa até o Rio São Francisco tão atemori-zado que se deixavam amarrar dos brancos como se foram carneiros e ovelhas. E assim iam de barcos por êsses rios e os traziam carregados dêles a ven-

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der por dois cruzados, ou mil réis cada um, que é o

preço de um carneiro.”6

Os resgates dos índios “voluntários”, conseguidos pelo temor, muitas vezes, foram a solução encontrada pelos portu-gueses para resolver dois problemas presentes numa nova colô-nia: a necessidade da liberação das terras e a necessidade de se obter a mão-de-obra para trabalhar nelas. Contudo, quando não havia índios “voluntários” eles poderiam ser “conseguidos”:

“Com certos enganos e com algumas dádivas de roupas e ferramentas que davam aos principais e resgate que lhes davam pelos que tinham presos em cordas pera os comerem, abalavam aldeias inteiras e em chegando à vista do mar, apartavam os filhos dos pais, os irmãos dos irmãos e ainda às vezes a mulher do marido, levando uns o capitão mamaluco, outros os soldados, outros os armadores, outros os que impetraram a licença, outros quem lha conce-deu, e todos se serviam dêles em suas fazendas e al-guns os vendiam, porém com declaração de que e-ram índios de consciência e que lhes não vendiam

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senão o serviço, e quem os comprava, pela primeira culpa ou fugida, os ferrava na face, dizendo que lhe

custaram seu dinheiro e eram cativos.”67

Fica claro nesta passagem que todos na nova colônia lu-cravam com o “resgate” dos índios, e que o trabalho deles era imprescindível nas lavouras, entendendo-se então porque, apesar de legislação contrária à escravidão de índios amigos, esta era uma

prática comum na colônia.68 Nesse contexto, entende-se também as razões para certos principais de aldeias estabelecerem alianças com os portugueses: para não serem escravizados era necessário se aliar a eles, e garantirem, ao mesmo tempo, a segurança da sua gente e o apoio contra os seus próprios inimigos.

Em Pernambuco, a aproximação com os índios Tabajara foi calcada nesse tipo de acordo. Na década de 1570, muitas entradas ao R. São Francisco foram feitas, ajudadas por Piragibe (Braço ou Espinha de Peixe), grande principal “... e da sua gente que era muito esforçada e guerreira, [que] entraram muitas léguas pelo sertão matando os que resistiam e cativando os

mais.”69 No entanto, esse acordo foi quebrado quando num re-torno à Olinda, os portugueses resolveram “amarrar” o próprio Piragibe e seus homens, que, no entanto, conseguiram reverter a

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situação atacando e matando os pernambucanos, libertando os índios que haviam cativado e fugindo para se esconder entre os Potiguara na Paraíba, seus tradicionais inimigos, que, contudo, “... se fizeram seus amigos pera os ajudarem em as guerras, que

nos faziam [aos portugueses]...”70 Este é um bom exemplo de como as alianças entre índios e europeus eram flúidas de acordo com os diversos interesses em jogo, não só do lado europeu mas também dos índios que podiam esquecer temporariamente suas inimizades passadas em prol de uma luta conjunta.

A inimizade dos Potiguara com os portugueses de Per-nambuco também pode ser entendida nesse mesmo contexto, pois, logo no início do estabelecimento da Nova Lusitânia havia muitos Potiguara da Paraíba fazendo resgates de “peças cati-vos”, galinhas, bugios, papagaios, mel, cêra, fio de algodão “... por uma foice, por uma faca ou um pente...” Outros ajudavam os portugueses em suas roças “com sua própria vontade”, princi-palmente nos períodos de dificuldades quando “... só pelo comer

se vinham meter por suas casas e servi-los.”71 No entanto, mui-tos dos responsáveis pelos resgates entre os índios acabavam por roubá-los e levá-los para Pernambuco, cometendo “vexações e agravos” e fazendo com que os Potiguar não mais quisessem sequer o escambo com os portugueses, indo se aliar aos france-

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ses e atacando as vilas e engenhos. Um exemplo dessas “vexa-ções” foi o rapto da filha do principal Potiguara Iniguaçu, de uma aldeia da Serra da Copaoba (PB), para levá-la à Pernambu-co, o que causou grande refrega principalmente porque aos guer-reiros de Iniguaçu juntaram-se os Potiguara da Baía da Traição, aliados já aos franceses, que tinham grande interesse em se aliarem também aos Potiguara da Serra por causa do fornecimento do pau-brasil para o seu comércio. Segundo Vicente do Salvador esse epi-sódio, ocorrido em 1574, teria dado início a uma guerra da perdura-

ria por 25 anos, isto é, até a conquista do Rio Grande.72 São estes Potiguara que desistiram de uma convivência

amistosa com os portugueses que não dariam sossego aos colo-nos de Pernambuco. O Pe. Anchieta bem ressaltou que a Capita-nia de Pernambuco e Itamaracá era “...mui molestada dos Indios Pitiguaras...”, mas esqueceu-se de mencionar os motivos que tais índios teriam para tanto, lembrou-se apenas da sua aliança com os franceses que “...os ajudam nas guerras e fazem muito mal por terra e por mar aos portugueses, os quais não têm ín-

dios amigos que os ajudem porque destruíram a todos.”73 É fácil entender porque não tinham “índios amigos”, contudo, o jogo de alianças não era definitivo e aquele que era inimigo hoje poderia ser o amigo de amanhã. Os Tabajara são um bom exemplo desta

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afirmativa: como as tradições culturais indígenas eram muito arrai-gadas, muitas das alianças estabelecidas entre os índios contra os portugueses acabavam por serem desfeitas frente às antigas discor-dâncias e, desta maneira, os Potiguara e Tabajara se “intrigaram”,

tornando estes últimos a se aliar aos portugueses.74 Desta forma, os guerreiros de Piragibe, “os índios do nos-

so gentio” como eram chamados os índios aliados, foram o grande auxílio dos portugueses de Pernambuco na tomada da região Potiguara da Paraíba e do Rio Grande. Após conseguir estabelecer uma fortaleza e um núcleo de povoação onde cresce-ria a cidade de Filipéia de Nª Sª das Neves (atual João Pessoa), o cuidado seguinte foi o de consolidar a conquista, atacando os centros de ocupação dos Potiguara como a Serra da Copaoba, a Baia da Traição, o rio Tejucopapo e o Mamanguape. Nestas incursões é interessante notar que o seu resultado era contado em número de índios guerreiros mortos ou índios “cativos”, sendo estes sempre em maior número, ocorrendo até o cativeiro

de novecentas pessoas “... as mais delas fêmeas e moços.”75 Percebe-se que longe de ser apenas uma conquista territo-

rial com o intuito de esvaziar a terra, as guerras de conquista no Nordeste objetivavam também conseguir trabalhadores para as lavouras que já existiam, a presença de “fêmeas e moços” entre

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os cativos demonstra isso, o que estava inteiramente de acordo com a legislação em vigor que garantia a escravidão dos índios

resistentes à conquista portuguesa.76 Vale ressaltar-se que na cultura tupi eram as mulheres as responsáveis pela agricultura e tratando-se de um povo ainda “não-aculturado” seriam elas a força de trabalho desejada, dessa forma, os guerreiros poderiam ser descartados quando não aceitassem a subordinação à “alian-

ça” com os portugueses.77 Muitas expedições contra os Potiguara da Paraíba também

encontraram aldeias “despejadas” de gente, servindo apenas para o abastecimento das tropas com os mantimentos que eram encontrados como farinhas, favas e mandiocas, o que é explica-do por Vicente do Salvador pela fuga ocasionada pelas notícias das batalhas e apresamentos que se adiantavam aos portugueses e “seus gentios”: “O que sabido pelas outras comarcas se vigi-

am melhor, não pera se defenderem, mas pera fugirem.”78 E o destino deste índios era o Rio Grande.

É fácil entender, portanto, porque os ataques dos Potiguara do Rio Grande aos estabelecimentos portugueses ficaram cada vez mais acirrados e os confrontos com os portugueses cada vez mais violentos. Em 1591, Feliciano Coelho, novo capitão da Paraíba, “...achando-a sob constantes assaltos que os potiguares

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faziam nas roças e arrebaldes...”79 liderou um ataque a uma aldeia potiguara onde:

“... mataram tantos que era piedade ver de-

pois tantos corpos mortos... E os contrários com mêdo se espalharam pelos matos, dando-lhes lugar que entrassem na aldeia, e fizessem tal matança nas mulheres, meninos e velhos que nela ficaram, que só um foi tomado vivo, por se meter debaixo do cavalo do capitão Martins Lopes, e êle o defender, pera se

saber determinação dos franceses e gentio...”80

Sabe-se que a própria expedição de conquista do Rio Grande, apesar de não haver muitos relatos sobre ela, foi marcada pela vio-lência de ambas as partes, ficando evidente, porém, a continuidade do cativeiro dos Potiguar: em uma aldeia mataram 400 e cativaram 80; em outra, já no regresso de Mascarenhas Homem a Pernambuco,

“...mataram e cativaram mais de 1500 índios.”81 Nestas incursões, também a ajuda dos guerreiros Tabajara

foi importante, pois, na formação das tropas que vieram por ter-ra, contavam com “...o nosso gentio, que eram das aldeias de Pernambuco noventa frecheiros, a das da Paraíba setecentos e

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trinta, com seus principais que os guiavam, o Braço de Peixe, o Assento de Pássaro, o Pedra Verde, o Mangue e o Cardo Gran-

de...”82, sendo os dois primeiros da “nação” Tabajara e os últi-mos Potiguara da Paraíba, já em aliança com os portugueses,

muitos dos quais com a presença missionária em suas aldeias. 83 É interessante notar que dos soldados brancos havia “cento

e setenta e oito homens de pé e de cavalo”, contudo, muitos des-tes não chegaram ao Rio Grande por causa da varíola que dizi-mou índios e soldados pelo caminho, e que também alcançou as aldeias dos Potiguara. Sendo este um dos fatores que ajudaram na conquista portuguesa, pois, em março de 1598, ao prender alguns dos guerreiros Potiguara, Feliciano Coelho, capitão da Paraíba que comandou as tropas de terra, teve informações que seis aldeias, amparadas por franceses, só não haviam atacado os portugueses que construiam o Forte por causa da doença.

Outra facilidade na conquista portuguesa também pode ser associada à pouca contribuição francesa. O Frei Vicente do Sal-vador dá a entender que os franceses não permaneceram com todo o seu contingente possível para enfrentar os portugueses, havendo relato de apenas um navio de reforço francês, apesar de Mascarenhas Homem, Governador de Pernambuco que coman-dou as tropas de mar, quando se encaminhava para o Rio Grande

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ter encontrado sete navios franceses na região de Búzios (litoral ao sul de Natal), os quais fugiram imediatamente, tendo perma-

necido talvez uns cinqüenta soldados.84 Tal número não é pou-co, mas não demonstra um efetivo que deveria haver para garantir a posse da terra aos franceses. Provavelmente, o possível “plano de conquista” francês, identificado no Mapa de Jacques de Vaulx de

Claye85, estivesse calcado mais na sua própria iniciativa de ataque, ou talvez não contasse com a União Ibérica, que redirecionou a ação colonizadora no nordeste do Brasil e foi responsável pela organiza-ção de uma expedição de conquista como a do Rio Grande, bancada não somente pelos colonos cansados das “molestações” dos Potigua-ra mas também pelos cofres reais.

A conquista dos Potiguara do Rio Grande pelos portugue-ses, portanto, possibilitou o “sossego” das capitanias vizinhas, mas conseguiu também escravos obtidos entre os prisioneiros da guerra, cujo destino não se encontra ao certo entre os cronistas, mas que deveria ser as regiões coloniais já estruturadas como Paraíba, Pernambuco e Bahia, onde a necessidade de trabalhadores era constante, seja pelas fugas, seja pelas mortes por guerras e doenças.

Principalmente, a conquista conseguiu, como nas outras áreas coloniais, o estabelecimento da “paz” e conseqüente alian-ça entre os portugueses e os Potiguara locais. Esta nova situação

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possibilitaria também a criação de uma nova área para coloniza-ção, ampliando, como era de interesse da Coroa, a soberania ibérica sobre a América e afastando temporariamente o perigo francês que se dirigiu mais para o Norte, ocupando mais tarde o Maranhão. Nas terras do Rio Grande, muitos Potiguara perma-neceriam agora sob o domínio da Coroa portuguesa, para serem seus “valentes guerreiros” e “bravos trabalhadores”.

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NOTAS 1. Adotou-se a grafia Potiguara seguindo a indicação do Programa Povos Indígenas no Brasil, do CEDI/Instituto Sócio- ambiental, nov./94. Con-forme também os remanescentes Potiguara da Baía da Traição (hoje mu-nicípio da Paraíba) se auto-denominam. Adotou-se ainda grafar os subs-tantivos gentílicos segundo a “Convenção para grafia dos nomes tribais” estabelecida pela Associação Brasileira de Antropologia, de 14 de no-vembro de 1953, isto é, o uso de maiúsculas iniciais e a não flexão de gê-nero e número. Sobre essas questões ver em SILVA, Araci; GRUPIONI, Luís Donizete. A temática indígena na escola, p. 32-45. Adotou-se tam-bém no texto usar a grafia antiga - Capitania do Rio Grande - pois assim foi utilizada até meados do século XVIII, quando se adicionou o adjeto “do Norte” para distinguir da Capitania do Rio Grande de São Pedro, no sul.

2. COUTO, Jorge. A construção do Brasil, p. 200. 3. BUESCU, Ana Isabel. João de Barros: Humanismo, mercancia e celebra-ção imperial. Oceanos, n. 27, p. 10-24, jul./set. 1996. Fidalgo criado na corte de D. Manuel como companheiro do Príncipe D. João, futuro João III, João de Barros assumiria diversos cargos públicos, sendo o mais im-portante, que o punha em constante proximidade ao Rei, o de Tesoureiro das Casas da Índia, Mina e Ceuta, instalando-o no Paço da Ribeira, em Lisboa por 35 anos. Outra função, recebida ainda de D. Manuel, foi a de historiar as “cousas das partes do Oriente”, o que posteriormente fez com a sua obra “Ásia”, dividida em “Décadas”, nome como é mais conhecida.

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4. COUTO, J., op. cit., p. 219-230. Aires da Cunha, fidalgo com experiência de mar que capitaneou a primeira expedição de colonização do Rio Gran-de; Fernão Álvares de Andrade, Tesoureiro-mor do Reino e Antônio Car-doso de Barros, Provedor Geral da Fazenda, eram os donatários das capi-tanias que somavam terras que iam da Baia da Traição (hoje na Paraíba) até a foz do Amazonas, contudo, apenas os dois primeiros participaram da organização da expedição. A Capitania do Rio Grande se estendia da Baía da Traição ao Rio Jaguaribe (hoje no Ceará).

5. TAVARES DE LIRA, Augusto. História do Rio Grande do Norte, p. 13. Aportaram no Rio Baquipe, ou Pequeno para os portugueses (hoje, Ceará-Mirim) onde resgataram alguns náufragos, mas também perderam muitos homens aos “petiguares”, que eram relatados com terror pelos resgatados.

6. MOREIRA, Rafael; THOMAS, William M. Desventuras de João de Bar-ros, primeiro colonizador do Maranhão. Oceanos, n. 27, p. 101-111, jul./set. 1996. Grande expedição capitaneada por Aires da Cunha, que te-ria como maior objetivo o de ocupar a foz dos grandes rios para facilitar a interiorização em busca de terras das riquezas minerais, talvez o próprio Peru.

7. Ibid., p. 106. Os autores sublinham a presença dos filhos de João de Barros apenas nesta segunda expedição, o que está de acordo com Gabriel Soares de Souza, em seu Tratado Descritivo do Brasil. Por outro lado, historia-dores do Rio Grande do Norte indicam a efetivação de apenas uma expe-dição, a de 1535, da qual Jerônimo e João teriam participado. Cf. TAVA-RES DE LIRA, Augusto, op. cit., p. 13.

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8. Apud. CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte, p. 32. Transcrição de parte da “Lettera”, de 1504, onde Vespúcio relata a Pi-etro Soderini a viagem que fez em 1501 às costas do Brasil para chanta-rem os marcos de posse e a sua aportada no Cabo de São Roque, na costa do Rio Grande, onde teria ocorrido o episódio. A presença dessa expedi-ção na costa norte-riograndense ficou marcada pela chantadura do “Marco de Touros” no litoral norte; o mesmo se encontra guardado no Forte dos Reis Magos, Natal.

9. CASCUDO, Luís da Câmara, op. cit., p. 32. 10. SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil, p. 54. 11. ARROYO, Leonardo. A Carta de Pero Vaz de Caminha, p. 52. 12. FERNANDES, Florestan. A organização social dos Tupinambá, p. 15-18. A unidade lingüística e cultural dos grupos indígenas do litoral é acentua-da nas fontes históricas, basicamente nos cronistas do século XVI, para quem todos indígenas da Costa Brasileira seriam Tupi, o que foi confir-mado por estudos etnológicos de Alfred Metraux sobre a cultura material e religião, que liga esses povos a uma unidade cultural dos antigos Tupi. Para Fernandes “... todos [Tupinambá, Tupina, Potiguar, Caeté] faziam parte de um grupo étnico básico, revelando em seu sistema sócio-cultural os mesmos traços fundamentais.”

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13. URBAN, Greg. A história da cultura brasileira segundo as línguas nati-vas. In: CUNHA, Manuela C. da. (Org.). História dos índios no Brasil, p. 89-93.

14. BUENO, Silveira. Vocabulário Tupi Guarany, p.13. 15. “Língua” era a expressão utilizada na colônia para designar aquele que sabia falar as línguas nativas e servia como intérprete aos conquistadores.

16. FERNANDES, F., op. cit., p. 43. 17. Ver as descrições física e cultural nos relatos de LÈRY, Jean de. Viagem

à Terra do Brasil, p. 111-125; SOUZA, Gabriel Soares de, op.cit., p. 199-332; CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil, p. 87-106; e BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogo das grandezas do Brasil, p. 244-271.

18. SOUZA, G. Soares de, op. cit., p. 304-307. 19. CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte, p. 37. 20. STUDART FILHO, Carlos. Notas históricas sobre os indígenas cearen-ses. Revista do Instituto do Ceará, n. 45, p. 91, 1931.

21. Pero de Castilho, apud. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus

no Brasil (daqui em diante HCJB), t. 5, p. 504.

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22. LEITE, S., op. cit., p. 507. 23. VEIGA, Domingos. Descripção do Rio Grande. Rev. do IHGRN, v. 34, p. 259-263, 1920; Ver também LEMOS, Vicente. Capitães-mores e Gover-nadores do Rio Grande do Norte, p. 15. Sobre o período de 1627 a 1630, Lemos diz: “Havia na Capitania cinco a seis aldeias, que, reunidas podi-am contar 700 a 750 índios frecheiros, e a principal delas era chamada Mopibú...”

24. Barão de Studart apud. MEDEIROS, Tarcísio.,op. cit., p. 30. 25. RIBEIRO, Berta. O índio na História do Brasil, p. 22. Sobre a busca da “terra sem males” há uma discussão interessante, havendo duas facções opostas: uma que a valoriza apenas como um fenômeno sincrético pós-conquista e outra que o vê apenas como um fato cultural tupi independen-te da conquista. Cf. também em FAUSTO, Carlos. Fragmentos de Histó-ria e cultura Tupinambá. In: Cunha, Manuela C. da (Org.). História dos Índios no Brasil, p. 386-387; VAINFAS, Ronaldo. Heresia dos Índios, p. 64-65.; e MONTEIRO, John. Negros da terra. p. 23-28.

26. Os relatos são de: Maurício de Heriarte - Ouvidor Geral do Maranhão, companheiro de viagem de Pedro Teixeira, descobridor do Rio Amazo-nas, em relatório ao Governador do Maranhão, em 1667; e de Cristóvão de Acuña, padre jesuíta espanhol que acompanhou Pedro Teixeira em sua viagem de volta - Quito/Belém, em 1640. Acunã afirma que a migração deu-se no período de 1530 a 1612, motivada pelo impacto com a civiliza-ção européia. HERIARTE, Maurício de. Descrição do estado do Mara-

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nhão, Pará, Gorupá e das Amazonas. In: VARNHAGEN, F. História Ge-ral do Brasil, t. 1, p. 162. O relato de Heriarte mostra semelhança de cos-tumes entre esse povo e o Tupi que já se descreveu, fazendo desse modo, acreditar-se na tradição resguardada.

27. SOUZA, G. Soares de, op. cit., p. 303. 28. BRANDÃO, A., op. cit., p. 255.; Discussão sobre as funções dos princi-pais pode ser encontrada em MONTEIRO, John, op. cit. , p. 22-25.

29. SALVADOR, Vicente do. História do Brasil, p. 273. 30. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra Natalense, p. 25-27. 31. LEITE, S., op. cit., p. 505. 32. Apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de, op. cit., p. 13. 33. Ver em MONTEIRO, John, op. cit., p. 23. Cf. também em BRANDÃO,

A. Diálogos das grandezas do Brasil, p. 255: “... nas cousas tocante à guerra, lhes guardam mais respeito; porque ele é o que as trata e ordena, determinando o que se deve fazer com receber as embaixadas e dar res-posta a elas, posto que, para o assentar das pazes ou mover novamente guerra, se segue e guarda o parecer dos mais antigos.”

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34. Sobre o trabalho indígena pré-colonial existe interessante publicação: CATHARINO, José Martins. Trabalho índio em Terras de Vera ou Santa Cruz e do Brasil. Rio de Janeiro: Salamandra, 1995.

35. ANCHIETA, José de. Cartas, p. 337; Ver também em NÓBREGA, Ma-nuel da. Cartas do Brasil, p. 100: “A suas filhas nenhuma cousa dão em casamento, antes os genros ficam obrigados a servir a seus sogros.”

36. ANCHIETA, José de, op. cit., p. 459: “...os Indios lhes chamavam Temi-

recó a mulher de N. [índia que vive com português], e a eles genros, e os Portugueses aos pais e mãis delas sogros e sogras, e aos irmãos cunhados, e lhes davam resgates, ferramentas, roupas, etc., como a tais, como os In-dios a que chamam genros lhes vão a roçar ou pescar algumas vezes...”

37. LÉRY, Jean, op. cit., p.188. 38. Ver em CUNHA, Manuela C. da; VIVEIROS DE CASTRO, E. Vingança e temporalidade: os Tupinambá. Journal de la Société des Américanistes, n. 79, p. 191-208, 1987. E também: FAUSTO, Carlos. O ritual antropofá-gico. Ciência Hoje, n. 86, p. 88-89, nov./dez. 1992.

39. LÉRY, Jean, op. cit., p. 183. 40. Apud. RIBEIRO, Berta. O Índio na História do Brasil, p. 40. 41. NÓBREGA, Manuel da, op.cit., p. 89. Carta ao Dr. Navarro, Mestre em Coimbra (1549): “Os mesmos índios da terra ajudam a fazer as casas e

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as outras cousas em que se queira empregá-los; pode-se já contar umas cem casas e se começa a plantar cannas de assucar e muitas cousas para o mister da vida”.

42. Ver em SHWARTZ, Stuart. Segredos internos, p. 44.; FAUSTO, Carlos. Fragmentos da História e Cultura Tupinambá. In: CUNHA, Manuela Car-neiro da.(Org.). História dos Índios no Brasil, p. 385; MONTEIRO, Jonh. Negros da terra, p. 17-18; e PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indígena na Bahia entre os séculos XVI e XVIII. Revista de História, n. 129-131, p. 183, 1993/1994.

43. MONTEIRO, John., op. cit., p. 32. 44. SALVADOR, Vicente do. História do Brasil, p. 188. 45. ANCHIETA, José de. Cartas. p. 342. 46. Irmão Antônio Blasquez. apud. NAVARRO, Azplicueta e outros. Cartas

avulsas, p. 205. 47. D´ABBEVILLE, Claude. História da Missão dos Padres Capuchinhos na

Ilha do Maranhão, p. 211. 48. Ibid., p. 208. 49. FERNANDES, Florestan. A Organização Social dos Tupinambá. p. 40.

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50. Alvará de D. Sebastião, de 2 de março de 1561, apud. CASCUDO, Luís da C. História do Rio Grande do Norte, p. 18-19.

51. CASCUDO, Luís da C., op. cit., p. 17. Ver também MOREIRA, R.; THOMAS, W., op. cit., p. 108.

52. Cf. em MONTEIRO, J. Negros da terra; MARCHANT,Alexander. Do

escambo à escravidão; e PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro, op. cit.; e FAUSTO, Carlos, op. cit.

53. ANCHIETA, J. de, op. cit., p. 318.: “Na era de 1504 vieram os Franceses

ao Brasil a primeira vez ao porto da Baía, e entraram em Paraguaçú, que está dentro da mesma Baía, e fizeram seus resgates e tornaram com boas novas à França...”. O resgate do pau-brasil diretamente com os índios era interessante para os franceses visto que o utilizavam largamente na tintura de tecidos que fabricavam, e o pagamento dos impostos e preços monopo-lizados por Portugal encareceriam o produto.

54. TAVARES DE LIRA, A., op. cit. p. 14; CASCUDO, Luís da C., op. cit., p.16; MOREIRA, R.; THOMAS, W., op. cit., p. 102; MEDEIROS, Tarcí-sio. Proto-História do Rio Grande do Norte, p. 190, ressalta que grande parte das mercadorias tomadas da nau francesa La Pelerine, em Pernam-buco em 1532, seria proveniente da região de Genipabu, “... posto francês do rio Potengi, ou Rio Grande.”

55. COUTO, Jorge. O conflito luso-francês pelo domínio do Brasil até 1580. Separata das Actas dos 2º Cursos Internacionais de Verão de Cascais, v.1, p. 121. O autor estabelece interessante estudo sobre as relações polí-

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tico-diplomáticas européias com relação à presença dos franceses no Bra-sil, sem deixar de ressaltar a importante influência das necessidades eco-nômicas de cada nação.

56. CASCUDO, L. da Câmara., op. cit., p.16. 57. COUTO, Jorge. O conflito luso-francês... Separata das Actas ..., v.1, p. 136.

58. Apud MEDEIROS FILHO, Olavo. O Rio Grande do Norte no Mapa de Jacques de Vaulx de Claye. Cadernos de História, n.1, v.3, p. 39-34, jan./jun. 1996. Estudo feito sobre o referido mapa existente na Biblioteca Nacional de Paris, na secção de “Cartes et Plans”, sob o código Rés. Ge D 13871, com o nome “Partie de la Guyane et litoral du Brésil depuis la Guyane jusq´au Rio Real”.

59. SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil, p. 50. 60. CASCUDO, L. da Câmara. História do Rio Grande do Norte, p.20. Com o recebimento de 150$000 de tença, em 21/06/1582, Jerônimo de Barros passou os direitos hereditários que tinha à Felipe I. Ver também TAVA-RES DE LIRA, A., op. cit., p. 15.

61. ANCHIETA, José de, op. cit., p. 314. 62. FAUSTO, Carlos, op. cit., p. 385.

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63. Cf. em COUTO, Jorge, op. cit. 64. MELLO, Astrogildo; WRIGHT, Antônia. O Brasil no período dos Filipes (1580-1640). In: BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. História geral da civilização brasileira, v. 1, t. 1., p. 176-189.

65. Como exemplo, ver em BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das

grandezas do Brasil, p. 43-45. 66. SALVADOR, Vicente do, op. cit., p. 186-188. 67. Ibid., p. 197. 68. A legislação indigenista desde o Regimento de Tomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil, sempre vai defender a liberdade dos índios “amigos”, contudo sempre havia a possibilidade de se escamotear a es-cravidão através de subterfúgios os mais diversos. Para uma discussão so-bre a legislação indigenista colonial ver: MALHEIROS, A. Perdigão. A escravidão no Brasil, v. 2.;THOMAS, G. Política indigenista dos portu-gueses no Brasil.; BEOZZO, J. O. Leis e Regimentos das Missões.; e PERRONE-MOISÉS, B. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista no período colonial. In: CUNHA, Manuela C. da (Org.). História do Índio no Brasil, p. 115-132.

69. SALVADOR, V., op. cit., p. 198. 70. Loc. cit.

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71. Ibid., p. 133. 72. Ibid., p. 202-204. Ver também MELO, José Octávio Arruda de. História

da Paraíba, p. 26. e ALENCASTRO, Luís F. A interação européia com as sociedades brasileiras entre os séculos XVI e XVIII. In: O BRASIL nas vésperas do mundo moderno, p. 102. Para ele, os ataques eram uma res-posta às expedições de apresamento.

73. ANCHIETA, José de. Cartas, p. 314. 74. MELO, José Octávio A. de, História da Paraíba., p. 29. O autor ressalta que os Potiguara chamavam os Tabajara de panemas, isto é, fracos, e que este talvez fosse um dos motivos para as “intrigas”.

75. SALVADOR, Vicente do, op. cit., p. 282. 76. A Lei de 20 de março de 1570, sob o governo de D. Sebastião, foi cha-mada de “lei de liberdade dos índios”, pois, proibia o cativeiro, exceto em casos de prisioneiros de “guerra justa” , entre outros, e a situação em tema se configurava como motivo para a mesma. MALHEIROS, A. Perdigão. A escravidão no Brasil, v. 2, p. 169.

77. Cf. em MONTEIRO, John. Negros da terra. 78. SALVADOR, V. do, op. cit., p.282. 79. Ibid., p. 287.

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80. Loc. cit. 81. Sobre o relato da conquista do Rio Grande ver em SALVADOR, Vicente, op. cit., p. 289-296.

82. Ibid., p. 292. 83. MELO, José Octávio A. de. História da Paraíba, p. 38 84. SALVADOR, V., op. cit., p. 289. Uma índia Potiguara da Paraíba teria avisado ao corsário francês Jacques Riffault no Rio Grande sobre o tama-nho da expedição que se armava na Paraíba e Pernambuco contra eles, quanto ao que ele teria dito que deveria ir buscar reforços na França.

85. Ver Nota 62.

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CAPÍTULO 2

CONSOLIDAÇÃO DA CONQUISTA: ALIANÇAS E TRABALHO INDÍGENA

Como foi visto, o avanço do domínio francês sobre as ca-

pitanias do norte colonial português no fim do século XVI co-meçou a inquietar a Coroa Portuguesa, neste momento também Espanhola através da União Ibérica. O que era um extrativismo irregular, sem fixação de colonos, passou a ter um caráter mais permanente, havendo relatos de construções francesas no litoral

norte-rio-grandense.1 Para evitar que os franceses adquirissem direitos às terras efetivamente ocupadas, a Coroa Ibérica come-çou a retomada da posse de suas terras, através da força. Após conseguir reconquistar a região da Paraíba, construindo um forte e criando um núcleo povoador, o novo passo deveria ser em direção à Capitania do Rio Grande e em 1596 e 1597, o Rei Fe-lipe II assinou duas Cartas Régias que determinaram a conquista e colonização dessas terras.

Cumprindo a primeira parte das determinações régias, parti-ram para o Rio Grande o Capitão-Mor de Pernambuco, Manuel

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Mascarenhas Homem e o da Paraíba, Feliciano Coelho, chegando à barra do Rio Grande (atual Rio Potengi) em fins de 1597. Aí cons-truiram uma paliçada que protegeria as tropas portuguesas e os ín-dios Tobajara da Paraíba, que os acompanhavam, dos ataques dos índios Potiguara aliados aos franceses e, já em seis de janeiro de

1598, deram início a construção do Forte dos Reis Magos.2 O período imediato foi conflituoso, as lutas contra os fran-

ceses e indígenas Potiguara continuaram porque os primeiros pretendiam manter seus privilégios na região e os últimos não queriam a presença dos portugueses que sabiam ser diferentes dos franceses que não os escravizavam. Houve mortes e prisões e, finalmente, os franceses foram expulsos, indo procurar abrigo nas regiões do Ceará e Maranhão.

Desamparados pelos franceses, os Potiguara não consegui-ram resistir à força portuguesa, e depois de junho de 1598, ini-ciou-se o processo de aproximação entre portugueses e indíge-nas com a intermediação do mameluco Jerônimo de Albuquer-que, que havia comandado uma das companhias vindas da Para-íba, e, principalmente, dos padres da Companhia de Jesus, isto é, através da ação das armas e da cruz. Para os Potiguara, como já não havia mais os franceses para apoiá-los na continuidade da guerra, o melhor seria “meterem-se na igreja” para, pelo menos,

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não serem cativados, destino legal dos “insubmissos” à Coroa Portuguesa e resistentes à religião católica. Assim, o principal Potiguaçu (Camarão Grande) firmou a “paz” com os portugue-ses no Forte. Por ordem do Governador Geral do Brasil, D. Francisco de Souza, pela importância da nova conquista e da pacificação dos Potiguar para os planos de expansão colonial, a mesma foi solenemente ratificada, em 11 de junho de 1599 na cidade de Filipéia de N. Sra. das Neves (hoje João Pessoa), comparecendo os chefes indígenas Potiguara Pau-Seco, Zoroba-bé e Mar Grande entre outros, e os Tabajara da Paraíba, Braço de Peixe (Piragibe), Braço Preto e Pedra Verde, além dos repre-sentantes da Coroa portuguesa, os Capitães-mores de Pernam-buco e da Paraíba, Manuel Mascarenhas Homem e Feliciano Coelho, os Oficiais da Câmara da Paraíba, o Ouvidor-mor Braz de Almeida, o futuro Capitão-mor de Pernambuco Alexandre Moura, e Frei Bernardino das Neves e Padre Francisco Pinto,

como intérpretes e mediadores.3 Com a paz sacramentada, já se podia cumprir a segunda

parte das ordens régias que era a de fundar uma povoação, a fim de afastar de vez a possibilidade de novas investidas francesas e dar início ao processo de povoamento da Capitania. Desta for-ma, ao fim do século XVI, havia se instalado um núcleo povoa-

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dor português na capitania do Rio Grande, a partir do qual se desenvolveria a continuidade da ocupação portuguesa na região norte-nordeste e, consequentemente, o estabelecimento de novas relações entre os Potiguara e portugueses intermediadas pelos missionários jesuítas.

2.1 - Forte dos Reis Magos e Natal: bases para a conquista colonial A preocupação portuguesa com a presença de agentes de

outras nações européias nas suas terras coloniais no Brasil não parou com a conquista do Rio Grande, pois somente o total do-mínio da região garantiria a posse definitiva da colônia, visto que as capitanias do Maranhão e do Amazonas e Grão-Pará e-ram tão vulneráveis aos ataques estrangeiros por mar quanto as capitanias do leste e, de fato, sofreram as suas próprias invasões de holandeses e ingleses em 1596 e, posteriormente, de franceses

em 1612.4 A continuidade da conquista, agora em direção ao norte, passou então a contar com a presença de soldados portugueses se-guros no Forte dos Reis Magos como um posto avançado, que ga-rantiria um contingente militar disponível e melhor posicionado,

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assim como o repouso e o fornecimento de água e mantimentos para as expedições saídas da Paraíba e Pernambuco.

Neste sentido, o Forte dos Reis Magos, que foi provido de seus soldados inicialmente por Mascarenhas Homem, logo teria o seu contingente militar garantido, em vista da necessidade de preservação e continuidade da conquista. No relatório das recei-tas e despesas do Brasil do Governador Geral Diogo de Mene-zes, a capitania do Rio Grande tinha apenas despesas em 1610, sendo ela toda relativa à manutenção dos soldados no forte, o que evidencia a importância estratégica que a capitania assumia

para a coroa a despeito da sua falta de receitas.5 A ligação das colônias portuguesas do litoral leste com a

Amazônia, área genuinamente espanhola pelos tratados anterio-res à União Ibérica, era importante à Coroa de Felipe II não so-mente para garantir a sua supremacia aí na disputa com as outras nações européias, mas também pela possibilidade de explorar efetivamente essa região, além de fomentar o intercâmbio entre as diferentes natureza e economia daí e do litoral. Neste momen-to, é necessário lembrar, que as possessões ibéricas do Oriente, antigas fornecedoras das famosas especiarias que garantiram imenso comércio a Portugal, estavam já perdidas, e a Amazônia poderia ser

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uma sua substituta com a exploração das especiarias da floresta a-mazônica, as “drogas do sertão” já conhecidas pelos espanhóis.

O próprio Governador Geral do Brasil, Diogo de Menezes, em carta ao Rei, datada de primeiro de março de 1612, deu su-porte a essa idéia ao destacar as qualidades climáticas da capita-nia do Maranhão, diferentes dos areais das do Ceará e do Rio Grande, chamando atenção para a possibilidade de se cultiva-rem, nas suas “matas verdadeiras e várzeas muito férteis”, a

cana de açúcar, o algodão e outros gêneros.6 John Monteiro, num estudo sobre a escravidão indígena no

Maranhão, por outro lado, adicionou a essa exploração dos re-cursos naturais da região norte, a possibilidade concomitante de se dispor de uma imensa população nativa, que poderia ser utili-zada tanto na própria região, como para o tráfico de escravos índios para Pernambuco a “...atividade mais vantajosa da regi-

ão...”7 desde antes da invasão dos holandeses naquela Capitania. Desta forma, Monteiro, demonstrou que a expansão para o Mara-nhão seria parte de uma marcha ibérica em direção ao norte, que tinha objetivos geo-políticos, mas também econômicos, visto que garantia, entre outras coisas, a continuidade do fornecimento de presas indígenas sempre necessárias à economia açucareira, devido

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ao crescente declínio demográfico entre os nativos do nordeste,

ocasionado pelas escravidão, guerras, fugas e doenças.8 Além disso, desde 1535, nas primeiras tentativas de ocu-

pação da região do litoral norte - capitanias do Maranhão, Grão-Pará e Amazonas, verificou-se a dificuldade de alcançá-la por mar. A existência de uma corrente marítima rápida e ventos no sentido leste-oeste, borrascas tropicais súbitas, orla arenosa e dunas baixas que não servem como referências de terra para navegação, mar de pouca profundidade e baixios de rochas fo-ram empecilhos que os navegantes logo relataram, anunciando a necessidade de um caminho por terra, visto que se a ida para o Oeste era perigosa por causa da corrente, o retorno seria quase

impossível.9 A dificuldade era tanta que o jesuíta Pero Rodri-gues, escreveu em 1618: “O ir de Pernambuco para lá [Mara-nhão] é fácil, mas o tornar é dificultoso, e tanto que é melhor ir

a Portugal.”10 Os diversos naufrágios nas costas maranhenses, devido às dificuldades da navegação costeira na direção oes-te/leste, foi, inclusive, um dos motivos para o estabelecimento de um Estado separado do Brasil - o Estado do Maranhão e Grão-Pará - em 1621, o qual deveria se reportar diretamente a Lisboa e não mais a Salvador.

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Assim, logo que o Rio Grande foi tomado, o caminho ter-restre que ligaria as capitanias do litoral leste às do litoral norte foi tentado pela costa, sendo alguns de seus viajantes iniciais os Padres da Companhia de Jesus, como os Padres Francisco Pinto e Luís Figueira que em 1607 entraram pelo Ceará até a Serra da Ibiapaba onde foram atacados, resultando na morte do primeiro. O mesmo caminho foi usado, entre 1603 e 1605 para as primei-ras tentativas terrestres de ocupação do Maranhão intentadas por Pero Coelho de Souza e, posteriormente, em 1614, pelas tropas de Jerônimo de Albuquerque que enfrentaram e venceram os franceses estabelecidos em São Luís do Maranhão, efetivando a conquista. O Forte dos Reis Magos foi também ponto de apoio às expedições de Diogo do Campos Moreno, Sargento-mor do Brasil, que fora incumbido pelo Governo Geral de verificar as

potencialidades da nova região portuguesa.11 Juntamente com o Forte, a cidade fundada na nova con-

quista - Natal, cumpriria seu papel de apoio à expansão colonial portuguesa, ampliando a área ocupada pelos portugueses e em-purrando a linha de fronteira econômica mais para o norte. Uma fronteira que deveria contar com a efetiva presença de colonos, pois apenas com eles o desenvolvimento da capitania aconteceria. Assim, ainda sob o comando de Mascarenhas Homem no Forte,

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procedeu-se o início da distribuição de terras para assentamento de colonos com a primeira doação de sesmaria datada de 9 de janeiro de 1600 a favor do Capitão-mor do Rio Grande João Rodrigues

Colaço, nas terras que margeiam o Rio Potengi.12 A distribuição de terras rurais foi iniciada com as sesmari-

as concedidas por João Rodrigues Colaço, entre 1600 e 1603, que alcançaram o Rio Curimataú ao Sul e, aproxidamente, 18 km além do Forte para o norte; em direção ao interior, corriam

margeando os Rios Potengi e Jundiaí.13 As informações destas sesmarias, contidas no Traslado do

Auto de Repartição das Terras do Rio Grande, são uma das pouquíssimas fontes históricas restantes sobre o Rio Grande e sua organização inicial. Originaram-se de um processo de reavalia-ção da distribuição das sesmarias, em 1614, ordenado pelo Rei em razão de “notícias” sobre as imensas áreas que tinham sido distri-buídas aos padres da Companhia de Jesus e aos filhos do Capitão-mor Jerônimo de Albuquerque Maranhão, áreas essas que, no en-tender real, não estariam sendo bem utilizadas, como demonstra parte da sua provisão de vinte e oito de agosto de 1612:

“Eu El rey faço saber aos que este alvará vi-rem que eu sou ynformado que na capitania do Rio

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grande do estado do Brazil se repartirão terras a di-verças pessoas com obriguação de as cultivarem e beneficiarem, conforme as condições e obrigações que lhe forão postas com que não tem comprido e em que meu serviço e fazenda reais recebem perda, e tendo ysso consideração e ha boa ynformação que tenho da bondade e capacidade das ditas terras pa-ra nellas se fazerem engenhos e outras fabricas e bemfeitorais, ey por bem ... fação repartição das

terras da dita capitania...”14

Na realidade, a Companhia de Jesus recebeu, entre 1600 e 1607, cinco datas de terras na capitania, sendo uma “...hus chãos do çítio desta çidade donde tem hua cazinha de taipa e

telha...”15 e as outras datas muito bem localizadas nas várzeas dos rios Potengi e Jundiaí, e nas margens da Lagoa de Guajiru (atual Estremoz). Apenas esta última sozinha:

“... podera comprehender esta data quatorze leguoas de terra pouco mais ou menos... Muitas des-tas datas dos padres he terra ynutil, e de nhenhum proveito e muita serve para pastos e mantimentos ...

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não se ha feito na dita terra bemfeitoras alguas mais que dous curraes de vaccas e alguas eguoas e qua-

tro escravos da guiné.”16

No parecer do rei, tanta quantidade de terra utilizada para apenas dois currais de gado era de grande dano a sua fazenda e

aos moradores da capitania.17 Por sua vez, as terras que foram doadas por Jerônimo de

Albuquerque a seus filhos Antônio e Mathias, eram de “...cinco mil braças de terra em quadra na varze de cunhaú comessando

a medir donde entra a ribeira de piquis em curumataú...”18, onde foi construído um engenho de água, o Engenho Cunhaú, o que foi considerado pelo rei “...mui exorbitante em cantidade de

terras ... e demais se não terem nellas feito bemfeitorias...”19 Na realidade estas foram as únicas sesmarias distribuídas

no Rio Grande nesse período que alcançaram tamanhos tão exa-gerados. No entanto, como ficou dito no relatório do Ouvidor Geral Manoel Pinto da Rocha, baseado nas informações dadas pelo “mestre de engenho” Jerônimo Matheus que verificou a qualidade e potencialidade das terras da capitania, as terras da-das aos padres da Companhia de Jesus poderiam ser capazes de

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produzir cana, mas não o suficiente para se construir um enge-nho. Quanto às terras dos filhos de Jerônimo de Albuquerque, concluiu que se fossem todas boas seriam capazes de abastecer até quatro engenhos, o que não acontecia, pois parte delas era seca e outra alagada, podendo suportar talvez apenas mais um

“trapiche”.20 Esta “diligência” demonstra a preocupação real quanto ao

melhor aproveitamento possível das novas terras conquistadas e, para o rei, elas não estavam contribuindo com o que poderiam para a colônia, principalmente porque não estavam produzindo cana-de-açúcar. Como o próprio rei deixou claro, ele foi infor-mado que as novas terras eram de “bondade e capacidade... pa-ra nellas se fazerem engenhos”. Provavelmente, as informações sobre o Rio Grande que chegaram ao rei foram semelhantes às que um autor desconhecido deu em uma descrição da capitania em 1607, a “Relação das Cousas do Rio Grande, do sítio e dis-posição da terra”:

“... é a capitania melhor que a da Paraíba. Porque as várzeas todas servem para ingénios, os campos todos para criação de gado e neste particu-lar por comum parecer de todos é a melhor terra do

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Brasil, porque não tem passo de terra que não apro-veite para isso, com excelentes água; não faltam tampouco muitos matos para fazer rocerias, tem os ares muito sãos, e, com estar tão perto da linha, não

é muito quente.”21

Para este informante otimista, a capitania seria capaz de ter até trinta engenhos em suas várzeas, o que demonstraria re-almente ser muito melhor que a da Paraíba, já que esta em 1601

tinha em funcionamento quatorze engenhos.22 Não fica claro a intenção de uma descrição tão favorável, talvez a de agradar a metrópole, talvez a de atrair colonos, no entanto, o que transpa-rece é a esperança que a nova colônia se desenvolvesse bem para o sucesso de toda colonização.

Outros cronistas, no entanto, foram mais atentos quanto à realidade e às potencialidades do Rio Grande, que acabaram sendo confirmadas mais tarde. O Sargento-mor do Brasil, Diogo de Campos Moreno, por exemplo, em sua descrição da capitania de 1609, dizia ser ela de “...pouco proveito para canas de açú-car...”, tendo apenas um engenho funcionando; por outro lado, “...se dão mui proveitosamente todas as sortes de gados...”, além de se criarem bem cabras, porcos, criações miúdas de gali-

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nhas, perus e patos; e também pescarias de mar. Segundo ele, pro-duzia, ainda, muitas roças de legumes, frutas e hortaliças, além de arroz, mandioca e milho. Deixou claro que os colonos eram pobres mas que “... havendo quem trabalhe e quem com curiosidade apli-que e ajude os pobres moradores, a terra dará com que se cubram e

com que possam tratar com outros.”23 Moreno deu também uma indicação do contingente populacional da capitania em 1611, que teria “... pobremente acomodados até 25 moradores brancos, fora da obrigação da Fortaleza, e destes tem pelas roças e redes e fazen-

das principiadas da Capitania até 80 moradores;”24 De fato, esta situação descrita por Moreno pode ser verificada

nas informações que foram recolhidas no Traslado do Auto de Re-partição das Terras do Rio Grande: das 186 datas distribuídas entre 1600 e 1614, 38 eram urbanas, e destas apenas 13 eram habitadas em 1614; as outras 136 datas eram rurais, das quais apenas 58 ti-nham atividades econômicas: 7 produziam cana de açúcar; 30 ti-nham roças de alimento; em 21 criava-se gado vacum e/ou cavalar e 18 tinham redes de pescaria de mar. Essas atividades, nem sempre eram excludentes dentro de uma mesma data.

Ocorria, ainda, que nas várias datas recebidas por um só sesmeiro eram praticadas atividades diversas que acabavam por complementarem-se. Percebe-se que a complementação das ati-

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vidades com a criação do gado, a roça de alimentos e a pescaria deveria ser necessário à sobrevivência na capitania, pois dos 99 favorecidos com a doação de terras no Rio Grande, os 10 que receberam quatro ou mais datas e os 6 que receberam três, con-seguiram manter suas terras produtivas até 1614, sendo que a maioria dos 47 que receberam apenas uma data haviam abando-nado a sua terra.

A pouca produtividade econômica da capitania fica evi-denciada em haver apenas um engenho localizado na ribeira do Cunhaú, no litoral sul, apesar dos colonos ressaltarem a possibi-dade e necessidade de se construir pelo menos um “trapiche” na área próxima às várzeas dos rios Potengi e Jundiaí, onde tam-bém se produzia cana de açúcar. Provavelmente esse trapiche foi construído nas terras do Vigário Gaspar Gonçalves da Rocha no

rio Potengi 25, e pode ser o Engenho Potengi referenciado pelos holandeses como de pouca produção em 1630 e de “fogo morto”

na invasão em 1633.26 O bastante curioso quanto à distribuição destas datas é a

quantidade das terras devolutas, muitas das quais já haviam sido cultivadas, mas foram abandonadas: 78 datas estavam devolutas em 1614 por motivos diversos, desde “fraqueza da terra” e falta de água a “problemas com os índios”. Na maioria das datas onde se

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relatou o tempo de abandono, este se deu por volta dos anos de 1605 a 1608. Coincidentemente ou não, o Padre Vieira fez referên-cias a distúrbios entre os índios do Rio Grande nesse período:

“Pelos anos de 1605, sendo já pacificadas as

guerras que em Pernambuco foram muito porfiadas da parte dos naturais, pelas violências de certo ca-pitão português, se tornaram a pôr em armas todos os índios avassalados que havia desde o Rio Grande até o Ceará, onde ainda não tínhamos a fortaleza

que hoje defende aquele sítio.”27

Possivelmente, esses distúrbios citados tenham sido cau-sados por João Soromenho, chefe de uma expedição enviada pelo Governador Diogo Botelho em socorro aos homens de Pero Coelho de Souza, que haviam permanecido em 1604 no Ceará na tentativa de formar novo núcleo povoador ao redor de um fortim de taipa. No entanto:

“...João Soromenho, achou de melhor alvitre

divertir os homens na caça aos índios, alguns já domésticos, que levaria a vender, do que cumprir a

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missão de que se vira incumbido: por esse motivo seria preso e seus índios mandados em liberdade às

sua terras com mantimentos e ferramentas.”28

De fato, Soromenho foi preso e respondeu aos Corregedo-res da Corte, contudo, em carta régia de sete de junho de 1607, o Governador Geral Diogo Botelho foi comunicado do “... livramen-

to com as culpas que tinham ido do Brasil contra ele.”29 Prova-velmente, após seu “livramento”, Soromenho voltou ao Rio Gran-de onde habitava, em 1614, na casa que tinha num dos dois portos de pescaria existentes na data de terras de duas mil braças de costa nas proximidades do rio do Pirangi, que recebera em 23 de abril de

1601 do Capitão-mor João Rodrigues Colaço.30 Esses distúrbios não foram os únicos que aconteceram e

dificultaram a ocupação dos colonos: os índios impediram o estabelecimento das atividades em, pelo menos, três datas. Na data de Gaspar de Albuquerque de Atayde e de Manoel Rodri-gues, na várzea do rio Trairi, “...querendo a principio povoar com hu curral de guado lho impedio ho gentio das aldeias vezi-

nhas por respeito de suas roças de mantimentos...”31 As difi-culdades para instalação dos colonos chegavam inclusive a en-

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frentamentos diretos, como na data de Manoel Calado de Lima, na ribeira do Potengi, cuja “...léguoa não tem bemfeitorias por

os yndios as tolherem, e ho ferirem...”32 Contudo, apesar das dificuldades com os indígenas e com

a própria natureza (a falta de água e o solo arenoso), os colonos da capitania adequaram-se ao que ela possuia em abundância, isto é, condições para extração do sal natural, para criação do gado e outros animais, para pescarias, produção de mantimentos como farinha e milho, e eventualmente, coleta de âmbar nas praias. Todos estes produtos tinham um fim certo no comércio com Pernambuco, como demonstram várias informações de di-versos cronistas.

Um exemplo bem claro é o de Frei Vicente do Salvador que, em 1627, descrevendo a capitania após a sua conquista, demonstrou como um problema poderia ser transformado em benefício:

“Cria-se na terra muito gado vacum e de tôdas

as sortes, por serem pera isto as terras melhores que pera engenhos de açúcar, e assim não se hão feito mais que dois, nem se poderão fazer, porque as ca-nas-de-açúcar requerem terra massapés e de barro e estas são de areia sôlta, e assim podemos dizer ser

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o pior do Brasil, e contudo, se os homens têm indús-tria e querem trabalhar nela, se fazem ricos ... ainda que o território é o pior do Brasil, como temos dito, nêle se dão muitas criações e outras granjearias de que se leva muito proveito, e do mar muitas e boas pescarias ... Nem estão longe dali as salinas, onde naturalmente se coalha o sal em tanta quantidade que podem carregar grandes embarcações todos os anos, porque, assim como se tira um, se coalha e cresce continuamente outro. Nem obsta que não vão ali navios de Portugal (senão é algum de arribada), pois basta que vão a Paraíba, donde dista somente vinte e cinco léguas, e de Pernambcuo cinquenta, porque destas partes se provejam do que lhe é ne-

cessário, como o fazem em seus caravelões.”33

De fato, o comércio direto com Portugal era difícil à capi-tania do Rio Grande já que nela não havia uma produção açuca-reira satisfatória, mas, como referido, ele acabava sendo feito via Pernambuco, que era também o mercado consumidor preferen-cial para os produtos do Rio Grande. Segundo o holandês Adriano Verdonck, que inspecionou em 1630 toda a Capitania como um

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espião para observar as potencialidades da capitania para os holan-deses e que fez sobre ela um relato minucioso ao Conselho Holan-dês em Pernambuco, a capitania tinha apenas um engenho, o Cu-nhaú, que fazia anualmente de seis a sete mil arrobas de açúcar, mas também produzia “...muito gado, farinha e milho que é ordi-

nariamente trazido para Pernambuco com o açúcar.”34 Outra atividade que garantia a economia do Rio Grande

através da ligação comercial com Pernambuco era a pesca. Se-gundo Antônio Paraupaba, índio Potiguara que em 1628 deu um depoimento aos holandeses com a descrição das várzeas do Rio Grande, a pescaria também teria finalidade no comércio com Pernambuco: “Tareyrich [Trairi], um pequeno rio. Ali há um francês, João Oroutan que lá exerce a pesca e vende o peixe aos portugueses que habitam em Pernambcuco e que o vêm procu-

rar com os navios.”35 No entanto, foi a criação de gado a atividade que mais en-

volveu os colonos do Rio Grande, tendo sido uma das mais refe-ridas nas informações sobre as datas em 1614. Essa escolha não foi aleatória, além da “qualidade” da terra favorecer a ela, a pro-cura pelo gado na sociedade colonial também era grande. Tem-se que lembrar que além da necessidade do gado como alimento nas vilas e povoações, as outras atividades econômicas acaba-

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vam também por exigir o gado para a tração animal. Stuart S-chwartz, lembra que a criação de gado se desenvolveu a partir da indústria agro-açucareira, porque os engenhos necessitavam do gado para o trabalho pesado, e exemplifica com o Engenho do Sergipe do Conde estudado por ele, um grande engenho à água que tinha 35 bois em 1591. Por outro lado, lembra que “... no século XVII calculou-se que num engenho de tração animal necessitava-se de 12 a 14 juntas de seis a oito bois para a lim-peza, cultivo e colheita, e três a quatro juntas de seis a oito bois

para fazer o engenho funcionar.”36 Vê-se que não era pouca a quantidade de bois sempre necessários aos engenhos, e, levan-do-se em conta a proximidade entre o Rio Grande e os vizinhos engenhos da Paraíba e Pernambuco, pode-se cogitar serem eles

o destino da produção pecuária norte-rio-grandense.37 Além da sua utilização na atividade agro-açucareira, deve-

se também lembrar que os carros de boi eram empregados nas atividades agrárias em geral, mesmo em roças, como a de man-dioca, e nas serrarias e coleta de lenhas. Além disso, o emprego do couro de boi na atividade tabaqueira, para o encouramento dos rolos de fumo, e a sua exportação para o reino como meios de sola para sapateiros faziam parte da vida econômica de Per-

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nambuco38, e a possibilidade do Rio Grande concorrer com essa receita não é impossível.

Com o perfil econômico voltado para a subsistência e co-mércio intra-colonial que apresentou desde seus tempos iniciais, a capitania do Rio Grande não deixou de contribuir com a eco-nomia total da colônia, apesar de não ter se mostrado tão produ-tiva, do ponto de vista açucareiro, como o esperado na sua con-quista. No entanto, um dos problemas que disso derivava, e que foi comum às capitanias com uma economia limitada ao merca-do interno, era a obtenção de mão-de-obra para os trabalhos em geral, visto que a obtenção de escravos negros era difícil pela

“pobreza” dos colonos.39 Isto pode ser visto no Traslado do Auto de Repartição das

Terras do Rio Grande, através da pouquíssima referência à presença de escravos nas datas em atividade: das 186 datas, em apenas sete há indicação de posse de escravos, sendo que destas somente os quatro escravos da Companhia de Jesus e os do Doutor Bartholomeu Fer-reira (sem indicação do número) são “de guiné”. Nas outras cinco referências há apenas a indicação geral da presença de “escravos”,

sem indicação da procedência e do número.40 Dessa forma, é de se cogitar que a mão-de-obra utilizada ini-

cialmente nas lavouras, pescarias e no trato com o gado do Rio

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Grande fosse conseguida através da escravidão dos grupos Potigua-ra aprisionados nas guerras de conquista, que eram legitimamente escravos, e das “alianças” estabelecidas após a paz com os Potiguar que haviam aceitado a subjugação ao rei ibérico.

2.2 - Potiguara: mão-de-obra escrava e livre para a colonização Do aprisionamento dos Potiguara durante a conquista en-

tre 1597 e 1598, o saldo de escravos legítimos não foi pequeno. Provavelmente, muitos foram levados para Pernambuco onde seriam utilizados nas lavouras açucareiras, mas também poderi-am ter permanecido no Rio Grande, servindo aos novos colonos. Em apenas uma aldeia nas proximidades do Forte, os soldados “...mataram mais de quatrocentos potiguares e cativaram oiten-

ta...”41 e no retorno de Mascarenhas Homem e Feliciano Coe-lho do Rio Grande para suas capitanias, em junho de 1598, en-contraram uma grande “cerca”, entre outras, a qual atacaram, guerrearam e “...não deixaram de ficar mortos e cativos mais de

mil e quinhentos...”42

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A prática de se cativarem os prisioneiros das guerras de conquista era legal e normal nas colônias, tanto que muitos ín-dios Potiguara capturados na tentativa de conquista do Ceará por Pero Coelho de Souza, em 1603, foram dados como presente ao

Governador Geral Diogo Botelho que estava em Pernambuco.43 Além disso, as atividades de Jerônimo de Albuquerque,

comandante da tropa de soldados que permaneceu na capitania após o retorno de Mascarenhas Homem para Pernambuco, não são muito claras entre os cronistas, mas, sabe-se que ele foi em busca do contato com outros Potiguara que resistiam à conquis-ta. Um recado seu, mandado aos Principais Zorobabé e Pau Se-co, foi assim relatado por Vicente do Salvador:

“... é necessário ... fazer com êles [os portu-

gueses] pazes, as quais serão sempre fixas, como fo-ram as que fizeram com o Braço de Peixe, que os que se metem na igreja não os cativam, antes os

doutrinam e defendem...”44 (grifo nosso)

Nota-se que a ameaça do cativeiro estava explícita, o que demonstra que Jerônimo de Albuquerque continuou a aprisionar aqueles que resistiam à aproximação colonial, principalmente

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porque, como o Padre Aires de Casal ressaltou, ele continuou tendo ainda “...muitos e renhidos combates com os aborígenes por mais

de um ano...”45, tendo as pazes sido estabelecidas solenemente apenas em junho de 1599. Assim, vê-se que a obtenção de escravos legais nas conquistas foi possível no Rio Grande.

Por outro lado, sabe-se que os resgates com os índios Po-tiguara começaram a ocorrer logo concomitante à conquista, o que pode ser confirmado na Relação de Ambrósio de Siqueira, de 1605, citada por Olavo de Medeiros Filho, que demonstra que ainda no segundo semestre de 1598, foram oferecidos “... cousas miúdas de resgate para resgatarem e comunicarem com

o gentio...”46 Tratava-se de foices, machados e ferramentas com que foram presenteados a alguns índios e Principais, como tática que serviria para facilitar a aproximação.

Mas, foi após o estabelecimento da paz que os resgates fo-ram intensificados. Na descrição da capitania de 1609 de Diogo de Campos Moreno, os índios não mais recebiam presentes ape-nas, eles agora os trocavam: “ Também em todo este sítio se dão muito às criações miúdas de galinhas, perus, patos e papagaios mansos, que o gentio traz aos moradores a troco de um anzol ou

de uma faca.”47 Além disto, também começaram a prestar ser-viço à Coroa, como na construção do Forte:

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“...assim, os Petiguares como das outras na-ções, em todas as obras públicas e do serviço de Sua Majestade, sendo chamados dos Capitãis, vieram sempre e ajudaram com muita fidelidade, como foi nos Fortes do recife e do Rio Grande, e nas trinchei-ras e mais fortificações, que se fizeram para a de-fensão das terras e dos imigos, que a ela viessem, no que , por serviço de Sua Majestade e Bem Publico, não levaram estipêndio algum, mais que a sustenta-

ção ordinária;”48

Sabe-se também que as aldeias Potiguara do Rio Grande, após o estabelecimento da paz com os portugueses, foram repovo-adas e continuaram a ter suas próprias lavouras, o que pode ser visto na descrição anônima do Rio Grande de 1607, que mostra algumas várzeas ainda ocupadas pelos índios: a várzea do rio Jacú, litoral sul, onde “... os índios fazem grandes milharadas e lavou-ras...”; a várzea do rio Trairi, onde “...estão lá duas aldeias de ín-dios.”; e a várzea do rio Ceará-Mirim, onde “...os índios fazem

grandes lavouras no verão.” 49 (Ver Mapa 2) No seu relato de 1621, o viajante Domingos da Veiga dizia

não haver mais que 300 moradores e escravos, e 300 índios flechei-

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ros repartidos em quatro aldeias do Rio Grande.50 Já Vicente Le-mos, citando o relatório de Adriano Verdonck, sobre o período de 1627 a 30, disse que: “Havia na capitania cinco a seis aldeias, que, reunidas, podiam contar 700 a 750 índios frecheiros, e a principal

delas era chamada Mopibú...”51 Portanto, havia um contingente populacional Potiguara que, a troco de resgates, poderia também trabalhar nas propriedades coloniais, principalmente, em vista da situação levantada por Diogo de Campos Moreno, isto é, que os moradores da capitania eram “pobres” mas que “...havendo quem

trabalhe...a terra dará com que se cubram...” 52 Não seria novidade o trabalho dos índios Potiguara aos co-

lonos portugueses, visto que, como relatou Vicente do Salvador, franciscano que missionou na Paraíba e Pernambuco por volta de 1603, muitos Potiguara livres haviam servido nas casas dos colonos no início da colonização de Itamaracá e Pernambuco em troca de sobrevivência apenas: “... não havia branco, por pobre que fôsse, que não tivesse vinte ou trinta negros dêstes, de que se serviam como de cativos, e os ricos tinham aldeias intei-

ras.”53 Em 1610, o jesuíta Diogo do Couto confirma que este quadro continuava:

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“... certifico que os Índios ajudam comumente e de ordinário os moradores em suas fazendas, assi nas plantas das roças e canaviais, como nas fábri-cas dos engenhos, tanques, açudes, e levadas, e para tudo o mais que dêles se queiram servir, e, tôdas as vezes que vão buscar os ditos Índios às Aldeias para o seu serviço e lhes pagam, os trazem, e por êste respeito estão as fazendas mais aventajadas do que

nunca estiveram.”54

Neste sentido, conclui-se que, talvez, tenha sido através

dos índios Potiguara que habitavam as proximidades de suas terras, nas várzeas do Jacu e Cunhaú, que Jerônimo de Albuquer-que tenha conseguido construir e pôr o seu Engenho Cunhaú para funcionar, já que nas informações dadas em 1614 sobre a data de seus filhos não há referência a “escravos de guiné”, apesar da pro-dução do seu engenho conseguir alcançar de seis a sete mil arrobas

de açúcar que eram levados para Pernambuco.55 Além do Engenho Cunhaú, também a grande maioria das

datas referenciadas no Traslado do Auto de Repartição das Ter-ras do Rio Grande, de 1614, não trazia qualquer informação sobre quem trabalhava as terras. No entanto, mesmo que faltem

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informações precisas sobre a utilização da mão-de-obra dos Po-tiguara neste momento do Rio Grande, o seu uso deve ser pro-vável, já que o era para outras áreas, como o verificado através de um dos manuscritos da Biblioteca da Ajuda, Lisboa. Trata-se de uma correspondência entre o Rei e seu Conselho Ultramarino datada de 1607 na qual é respondido o pedido de autorização do Conde de Linhares para transferir “...quinhentos ou seiscentos

indios petigares com suas familias para estarem nas fazdas [fa-

zendas] que tem na Bahia e nos Ilheos...”56 (Ver Documento 1), ao que o rei respondeu que não daria a autorização, mas que caso o Conde “convencesse” os índios a irem por sua própria vontade que não o impedissem.

Vê-se que deveria ser então prática comum utilizar-se dos serviços dos índios em troca da garantia de terras para o seu susten-to e do ensinamento da doutrina cristã. Sobre o episódio citado não foi possível encontrar qualquer referência quanto ao seu desfecho, no entanto, a simples existência do pedido e, principalmente, da resposta que foi dada, deixa suspeitas que poderia ter sido concluí-do, principalmente, porque se encontra relatos sobre índios traba-lhando nas fazendas e engenhos de açúcar de todo Nordeste.

O Padre Anchieta em sua Informação da Província do Brasil dirigida ao Padre Superior da Companhia, datada de

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1585, deixa claro a utilização do trabalho indígena nos engenhos e fazendas da Bahia, nas proximidades de Salvador:

“... para o serviço dos engenhos e mais fazen-

das tem até 3.000 escravos da Guiné e de índios cristãos da terra cerca de 8.000 entre escravos e li-vres. Os de Guiné e escravos da terra vivem na ci-dade e nos engenhos e fazendas de seus senhores, e os índios livres alguns em casas dos Portugueses e outros entre aldeias de que nossos Padres têm cui-dado e dali vão a servir os Portugueses, scilicent

por seu estipêndio.”57 Esta realidade da Bahia que usava o trabalho indígena pô-

de ser confirmada pelas pesquisas de Stuart Schwartz58 e de

Maria Hilda Paraíso59 que conseguiram demonstrar a importân-cia do trabalho indígena, inclusive para a estruturação dos sis-temas de trabalho escravo negro que acabou por superar numeri-camente o indígena.

Contudo, o uso do trabalho indígena nas fazendas e enge-nhos não se resumiu à Bahia. Na mesma Informação..., o Padre Anchieta, também falou sobre Pernambuco que “Tem 66 enge-

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nho de assucar, e cada um é uma grande povoação e para ser-viço deles e das mais fazendas terá até 10.000 escravos de Gui-

né e Angola e de Indios da terra até dois mil.”60 O uso do trabalho indígena não foi privilégio laico, pois

Anchieta também referenciou a presença dele nas propriedades religiosas, como no Colégio de Pernambuco, em Olinda, onde, “Além dos irmãos tem 30 pessoas de serviço, de ´escravos da

Guiné` e da terra.”61 e no Colégio da Bahia que tem:

“... além dos irmãos, cento e cinquenta pesso-as de serviço, entre escravos e escravas de Guiné, e alguns índios e índias da terra, escravos e livres, e quase todos vivem casados na fazenda que está jun-to da cidade em uma povoação com sua igreja, onde os Padres lhes ensinam a doutrina e dizem missa e dali se repartem e vêm à casa trabalhar nas obras e

em outros vários ofícios.” 62 Vê-se que o trabalho indígena nessas duas áreas era bas-

tante difundido, tanto nas propriedades rurais laicas e religiosas quanto nas cidades para onde se deslocavam. Este trabalho, co-mo visto, não era obrigatoriamente escravo, como Schwartz o

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distinguiu, os índios livres poderiam perfeitamente trabalhar em serviços ligados diretamente à produção açucareira ou secundários a ela, como a limpeza e manutenção do sistema hidráulico; o trans-porte da produção, principalmente nos barcos; a pesca e caça para a subsistência; a obtenção de lenha, podendo ser feitos em troca de

mercadorias (facas, machadinhas, etc) ou de “salário”.63 Se esta foi uma realidade para a Bahia e Pernambuco, ca-

pitanias açucareiras que podiam importar a quantidade de escra-vos da Guiné que foi relatada, o uso do indígena no trabalho produtivo poderia ser facilmente factível nas capitanias onde a opção pela escravidão negra era muito restrita, como o caso do Rio Grande, e onde o trabalho indígena deveria ser essencial aos colonos, seja trabalho escravo, seja trabalho livre. Este é um aspecto da história econômica norte-rio-grandense anterior aos holandeses que, apesar das indicações claras, ainda está para ser confirmado, necessitando que novos documentos e estudos sur-jam para isso.

No entanto, não é somente no trabalho ligado à produção econômica que os Potiguara “serviram” à colonização nesse momento: tratando-se de uma área de expansão da fronteira co-lonial, o Rio Grande deveria dispor de grande número de “guer-reiros” ao Rei, o que seria a prova da aceitação de sua suserania.

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2.3 - Zorobabé, Potiguaçu, Antônio Felipe Camarão, Pedro Poti e Antônio Paraupaba: guerreiros a serviço de quem? Não foi à-toa que o acordo de paz entre os Potiguara e os

portugueses foi estabelecido solenemente: daquele momento em diante, os Potiguara deixavam de ser “índios hostis” à coloniza-ção para serem “índios mansos” ao convívio com os portugue-ses, isto é, passavam de “inimigos” a “amigos”. Esse acordo ficou guardado nos autos jesuíticos através da participação ativa dos seus missionários nele e é um jesuíta, o Padre José de Mora-es, que em 1759, recorda o que ficou estabelecido, possibilitado pela ação missionária que:

“... capacitando-os a assignar e jurar com as

cerimonias proprias do seu gentilismo o contracto; que vinha a ser huma ampla liberdade para os Por-tugueses criarem nas suas terras os gados vaccum, e cavallar, na parte que melhor e mais conveniente lhes parecesse, para poderem extrahir em benefício da Capitania de Pernambuco, que é o descoberto

que por então delles se podia utilizar.”64

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É claro o uso que os portugueses fariam da terra cedida pelos Potiguara, mas, além disto, o que mais deveria constar neste “acordo” para garantir a paz? Provavelmente, o estabele-cimento de uma “aliança” guerreira, pois, assim, além de garan-tir que não teriam mais os Potiguara como “inimigos”, consegui-riam arrebanhar mais “amigos” para combater os outros índios ainda resistentes à conquista.

Para os Potiguara o acordo significaria, sem sombra de dúvida, uma “liberdade” garantida pela legislação, visto que era vigente a Lei de 1587 que a garantia àqueles índios que se sub-metessem por livre vontade aos representantes da Coroa portu-guesa. É lógico que nem sempre a legislação garantia a liberda-de de fato, mas, o acordo era o único caminho possível apresen-

tado pela colonização se se queria manter a paz.65 Por outro lado, como já se viu no capítulo um, as alianças

tinham um caráter próprio para os Tupi, inseridas no seu mundo cultural, que asseguravam tradicionalmente a continuidade e sobrevivência dos grupos. Num momento de conflito crucial, como o vivenciado pelos Potiguara na conquista portuguesa, elas certamente teriam ainda este sentido.

Assim, como tinham se aliado anteriormente aos france-ses, agora os Potiguara buscavam conviver com os portugueses,

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o que faz com que as alianças sejam entendidas como uma tenta-tiva indígena de sobrevivência, conforme o observado por John Monteiro para as relações estabelecidas entre índios e europeus no século XVI:

“... a presença e as ações de todos os grupos

do litoral influíram de forma decisiva nas relações luso-indígenas. Variadas, inconstantes e até contra-ditórias - pelo menos a partir do ponto de vista eu-ropeu -, importante é reconhecer que tais ações constituíram muito mais que meras reações à pre-sença portuguesa, pois antes eram informadas por

uma dinâmica histórica própria dos índios.”66 Além disso, para ele, a “situação historicamente nova da

conquista” ainda levou a que os Tupi buscassem na sua própria estrutura (ou tradição) elementos que pudessem ser reorganiza-dos de forma a “... desenvolver novas estratégias para garantir

a preservação de seu modo de ser.”67 Se a forma inicial das alianças baseada no escambo não mais funcionava devido à fi-xação colonial, que exigia mão-de-obra e soldados-guerreiros, novas formas de aliança poderiam ser estabelecidas, mesmo que

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ainda baseadas nos elementos estruturais tupi: liderança, com-plexo guerreiro e parentesco. Assim, frente às ameaças da escra-vidão, da “guerra justa” ou mesmo da dizimação desenfreada, as alianças guerreiras, que os punham numa nova situação de “a-migos”, poderiam ser tentadas.

Na conquista do Rio Grande, as alianças, baseadas na uti-lização dos “índios mansos” como guerreiros contra os “índios hostis”, não foi prática inovadora, era uma repetição de tática que vinha sendo utilizada com sucesso na conquista do litoral brasileiro. À facilidade da manipulação das animosidades tradi-cionais entre os grupos indígenas inimigos, juntava-se as difi-culdades enfrentadas pela Coroa para organizar as expedições de conquista, principalmente, devido à escassez de recursos huma-nos (soldados) e materiais (armamentos à fogo, munições, pól-vora, além de alimentos), e às dificuldades de transportá-los nos deslocamentos ligeiros necessários.

Além disso, a Coroa deveria administrar essa organização junto a um controle rígido dos gastos, pois as despesas acaba-vam sendo repartidas entre ela e os colonos que se beneficiariam

com a nova conquista.68 Sendo a capitania do Rio Grande “po-bre”, como foi visto, e dependente de Pernambuco para suas despesas, não é de se admirar que os problemas de manutenção

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de muitos soldados no Forte tenham sido abrandados com o a-poio guerreiro dos Potiguara.

Por outro lado, o desconhecimento sobre as novas áreas a serem conservadas ou conquistadas e o temor aos seus habitan-tes nativos poderiam ser também dificuldades que os comandan-tes das expedições e seus soldados deveriam enfrentar. O mesmo não acontecia entre os índios que tinham o conhecimento da região e de seus habitantes, tinham hábitos alimentares adequados aos produtos locais, além de usarem com a mesma habilidade os ar-mamentos tradicionais idênticos aos dos outros índios inimigos. Muitas expedições coloniais, de fato, tiveram seus quadros comple-tados por guerreiros “aliados” e muitas das vezes este era o dife-

rencial que garantia a vitória aos portugueses.69 Assim como o Rio Grande havia sido conquistado com a

ajuda dos Tobajara, da Paraíba, as novas áreas da costa leste-oeste seriam conquistadas com a ajuda dos Potiguara. Um e-xemplo desse trabalho “militar” prestado à Coroa portuguesa na expansão colonial foi a sua participação na tentativa de conquis-ta do Ceará levada a termo por Pero Coelho de Souza em 1603. A tropa de conquista contava com 65 soldados vindos da Paraí-ba e duzentos “índios frecheiros” Tabajara e Potiguara, estes

chefiados por Garaguinguira.70

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A presença dos índios nas tropas de conquista além de fa-cilitar as entradas de reconhecimento, auxiliavam também no contato com outros grupos indígenas que poderiam aliar-se a eles. Foi o que também ocorreu na expedição de Coelho de Sou-za, no caminho para a Serra de Ibiapaba, onde encontraram mui-tos índios falantes do Tupi que acabaram por “agregar-se” a eles com mulheres e filhos, formando uma imensa caravana que

“... entre grandes e pequenos eram mais de 5 mil almas.”71

Este número talvez seja exagero de Vicente do Salvador, mas foi, sem dúvida, o grande número de guerreiros índios que auxi-liou na vitória sobre os resistentes índios da Ibiapaba, princi-palmente, pela posição privilegiada que os da serra tinham.

Também na conquista do Maranhão os Potiguara foram importantes. Chefiando as primeiras tropas de conquista, Jerô-nimo de Albuquerque escolheu 300 índios Potiguara, que com mulheres e filhos acompanharam os 216 soldados e seus coman-

dantes.72 O Padre Bettendorf, que relatou a conquista, explicou a ida dos Potiguara ao Maranhão como uma forma de facilitar o contato, pois por meio dos índios amigos ou mesmo parentes, poderiam “... ganhar os ânimos dos da Ilha, para serem amigos

dos Portugueses...”73 Percebe-se que a presença dos índios nas

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expedições de conquista tinha também uma função “diplomáti-ca” junto aos índios Tupi que se queria contactar.

Além da participação na conquista de novas áreas, ou me-lhor, no confronto com índios arredios ainda inimigos, os índios “mansos” ou “amigos”, como eram chamados os que já tinham se aliado aos portugueses, também participavam nas expedições contra índios “sublevados” ou “rebeldes”, isto é, aqueles que já tendo estabelecido contato com os portugueses, acabavam por entrar em estado de guerra por motivos variados.

Uma curiosa participação dos Potiguara neste tipo de con-flito entre portugueses e índios, foi o envio dos guerreiros co-mandados pelo Principal Zorobabé à Bahia para enfrentarem os Aimoré sublevados entre 1602 e 1604. Eram cerca de mil e tre-zentos guerreiros que foram acompanhados pelo Pe. jesuíta Dio-go Nunes, que deveria controlá-los, com a promessa de breve

regresso ao seu lugar de origem.74 A belicosidade reconhecidamente acirrada dos Potiguara e

o perigo constante de se revoltarem, por ainda não estarem “se-guros na paz”, foram os motivos apontados por Vicente do Sal-vador para o seu envio à Bahia:

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“... todos concordaram que, se não fôsse com outro gentio, bicho do mato como êles, não se lhe poderia fazer guerra, pera o que se ofereceu Manuel Mascarenhas a mandar-lhes o gentio potiguar da Paraiba, que já estava de paz, e para que também, divertidos com isto os potiguares e tirados da pátria,

não tornassem a rebelar-se.”75 Ao chegarem em Salvador, os Aimoré já estavam acalma-

dos, mas mesmo assim, parte dos Potiguara foram enviados a Ilhéus, porém com grande resistência só quebrada pela interven-ção dos jesuítas.

Robert Southey, cronista inglês que escreveu sua História do Brasil entre 1810 e 1819, deu outra versão para este conflito. Para ele, os Potiguara, ao verem que não havia mais guerra em que lutar, teriam pedido para regressar, quando o Governador da Bahia e alguns homens da cidade, “... gente que contava com estes pobres selvagens, para lhes cultivarem as terras ...”, tenta-ram “persuadi-los” a que ficassem trabalhando para eles. Frente à recusa dos índios em permanecerem e à sua preparação para um enfrentamento direto, “... dois conselhos se celebraram du-rante a noite, e em ambos se resolveu que se declarassem rebel-

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des estes homens ofendidos, e como tais se atacassem, sendo

reduzidos à escravidão.”76 Para Southey, foi neste momento que aconteceu a intervenção dos padres, tanto para convencerem os colonos quanto os índios de manterem a paz.

A prática dos colonos e autoridades de quererem transfor-mar os índios “amigos” em seus trabalhadores escravizados não era incomum. Como já se viu, também os guerreiros Tobajara, do principal Piragibe da Paraíba, foram ameaçados de apresa-mento quando voltavam da expedição colonial contra os índios do Rio São Francisco, em 1572, o que resultou numa ferrenha batalha contra os portugueses, levando a que os Tobajara fugis-

sem para o Rio Grande para se esconderem da escravidão.77 Zorobabé, no entanto, por contar com o apoio do Pe. Dio-

go Nunes e do Governador Geral Diogo Botelho, que já estava em Salvador, em lugar de ser escravizado, foi mandado comba-ter um quilombo no rio Itapucuru, próximo ao rio Real (Alago-as), “...oferecendo-lhes desde logo a propriedade dos pretos que conseguissem aprisionar, e o poderem recolher às suas terras,

apenas acabada a guerra.”78 O que realmente ocorreu, obtendo muitos prisioneiros que “... que foi vendendo pelo caminho para comprar uma bandeira de campo, tambor, cavalo e vestidos, com que entrasse triunfante na sua terra... da qual vieram espe-

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rar ao caminho muitos potiguares quarenta léguas, outros a

vinte e a dez, abrindo-lho e limpando-lho a enxada.” 79 Este “triunfo”, no entanto, não foi do agrado dos missioná-

rios, principalmente, quando Zorobabé apresentou a disposição de fazer guerra a um grupo de índios do sertão comandado por Milho Verde, tradicional inimigo seu, por ele estar agora no comando e pretender continuar com vingança pelos seus ante-passados, o que ia contra as disposições religiosas e reais de que as guerras só poderiam ser empreendidas sob a ordem régia dire-ta e por motivo justo, o que não era o caso. Por outro lado, tam-pouco os colonos e as autoridades coloniais gostaram do seu “triunfo”, visto que sua fama de grande guerreiro e sua disponi-bilidade à guerra poderiam voltar-se contra a colonização, inici-ando uma rebelião. O medo que tinham que ele encabeçasse uma rebelião era tanto que, por formas que não são relatadas nos cronistas, acabou enviado à Olinda e daí a Portugal, para Évora,

onde acabou morrendo.80 Vê-se que os “aliados” Potiguara eram, ao mesmo tempo,

temidos e passíveis de serem escravizados no momento em que entrassem em desacordo com a política de paz colonial, isto é, a “aliança” era para o serviço único e exclusivo da Coroa e sua colonização.

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Apesar de, nas “alianças” estabelecidas com os portugue-ses, haver sempre a possibilidade de, mudando as circunstâncias, os índios “amigos” passarem a ser vistos e enfrentados como “inimigos”, muitos grupos após o estabelecimento das pazes permaneceram ao lado dos portugueses, mesmo tendo que en-frentar outras nações européias que assinalavam com a promessa da liberdade incondicional.

O exemplo desse tipo de aliança que perdurou por muitas gerações é o da família do Potiguaçu, o Camarão Grande, Prin-cipal Potiguara da aldeia da margem esquerda do rio Potengi que resistiu acirradamente junto com os franceses à conquista portuguesa, mas, que após as pazes estabelecidas no Forte dos Reis Magos a fez permanente, surtindo em grande ajuda guerrei-ra aos planos ibéricos de expansão e consolidação da colônia na costa leste-oeste do Brasil.

O acordo de paz que o Pe. Francisco Pinto relatou em car-ta de 17 de janeiro de 1600, ocorrido após a fundação do Forte, teve lugar numa “choupana e ramadas” construída próximo ao Forte, para onde foram chamados os principais do Rio Grande, entre eles o Potiguaçu, que foram convencidos pelos padres a estabelecerem as pazes, garantindo-lhes que “... o Rei dos brancos folgava de lhes dar paz e não queria que os Portugueses os cati-

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vassem como dantes faziam ...”81 Com a paz estabelecida os jesuí-tas trataram de consolidá-la com a aposição de uma cruz na aldeia de Potiguaçu, onde “... ele queria ajuntar a sua gente, que estava

espalhada por causa das guerras passadas”82, e com a presença de missionários andantes que, partindo de Olinda, visitavam as aldeias para catequisarem e controlarem o acordo de paz.

Como forma de assegurar a permanência da paz, sabe-se ainda, através da carta do Padre Pero Rodrigues de 19 de de-zembro de 1599, que Potiguaçu consentiu também que alguns ín-dios da sua aldeia fossem para Pernambuco para assentarem-se próximo à vila de Olinda, tomando Potiguaçu “...um irmão seu, com a gente que tinha, [e] foi em pessoa aposentá-lo aonde o capi-tão lhe assinou. E isto feito, se tornou pera sua terra, muito conten-

te do que tinha assentado com os portugueses.”83 Vê-se que no acordo constava uma espécie de “garantia” aos portugueses que Potiguaçu manteria a paz visto que um seu irmão e outros parentes estavam sob o controle direto dos colonos de Pernambuco.

Potiguaçu, depois de possibilitar a presença dos missionários no Rio Grande e de ser batizado solenemente em 1612, quando

recebeu o nome cristão de Antônio Camarão84 , acompanhou com seus guerreiros uma das expedições que foi por terra para a con-

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quista do Maranhão, em 1614, provavelmente a comandada por Jerônimo de Albuquerque, que já havia sido capitão-mor do Rio Grande, entre 1603 e 1609, e possuia terras na capitania. Bernardo Pereira de Berredo, citado por Medeiros Filho, relata que Potiguaçu não conseguiu chegar ao Maranhão, pois morrera ao alcançar no Ceará a aldeia de seu irmão Jacaúna.

Após a sua morte, parece que as terras que eram da sua al-deia na margem esquerda do Potengi acabaram sendo doadas a

colonos que chegavam a capitania. 85 Sobre seus guerreiros que foram para o Maranhão e seu povo que ficou no Rio Grande não se tem notícias do destino, a não ser o de seu filho que havia ido

para Pernambuco.86 Antônio Felipe Camarão, que em 1647 afirmou ter 46 a-

nos, deve ter nascido no período da conquista do Rio Grande, mas foi “criado e doutrinado” na aldeia de São Miguel ou Mere-tibe em Pernambuco, pelos franciscanos. Não se sabe, ao certo, quando Felipe Camarão foi para esta aldeia, ou se acompanhan-do o grupo liderado por um seu tio que serviu de “garantia” no acordo de paz que seu pai celebrou, ou se mais tarde depois do batismo de seu pai Potiguaçu, em 1612, já que no relato do Pe.

Pero Rodrigues o principal havia se batizado com seus filhos.87

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O certo é que Antônio Felipe Camarão manteve o acordo de aliança que seu pai havia empenhado e tornou-se uma das grandes ajudas que os portugueses tiveram para consolidar a sua colônia na costa nordeste. O início de sua participação nas guer-ras dos portugueses se deu contra os índios de sua própria “na-ção” que haviam se aliado aos holandeses que dominaram a Ba-hia em 1625. Depois guerreou contra “mocambos de negros” e novamente contra os holandeses em Pernambuco entre 1630 e 1648, ano em que adoeceu e morreu.

O seu esforço, e mesmo o de seu pai, como guerreiros do rei, não ficou desabonado de todo. Por seus serviços nas lutas contra os holandeses e na “conservação dos mais índios”, que desde Pernambuco até o Ceará o respeitavam e temiam, foi re-conhecido pelo próprio rei que, em correspondência datada de 14 de maio de 1633 ao Governador de Pernambuco, Mathias de Albuquerque, deu-lhe “...mercê do Hábito da Ordem de Cristo com quarenta mil réis de renda, e que se lhe passe patente de capitão mor dos índios petigares com outros quarenta mil réis de soldo pagos no almoxarifado dessa capitania e se lhe dê bra-

são de Armas...”88 Como Felipe Camarão, seus parentes e sucessores mante-

riam o cargo vitalício e as honras, como Governador dos Índios

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de Pernambuco e suas Anexas e um soldo anual de 40 mil réis “... com as mesmas liberdades, isenções e franquias”: Francisco Pinheiro Camarão (1648-1672), Diogo Pinheiro Camarão (1672-1683), Sebastião Pinheiro Camarão (1694-1721) e Antônio Do-mingos Camarão (1721-1731). Todos exerceram atividades den-tro do Terço dos Índios, como era chamada sua tropa de solda-dos-guerreiros, seguindo a carreira de Sargento, Tenente e Capi-tão do Terço até assumir o cargo de Capitão-mor ou Governador

dos Índios de Pernambuco.89 Para o Rei e seu Conselho, a transmissão do cargo entre parentes, numa função como a do controle dos índios da região da costa nordeste, região que sem-pre foi muito rica, mas também muito problemática, serviria como incentivo/cooptação ao apoio dos outros Principais, mas também como exemplo aos outros índios que poderiam procurar receber as mesmas atenções:

“...e como seja conveniente ao serviço de S.

Magde favorecer simelhantes Indios para q. o e-

xemplo das mces q. se lhes fizer sirvão de exemplo para q. outros procurem adiantarem-se no q. se of-ferecer nas ocasioens de q. forem encarregados, o-

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brando com a mesma fidelidade como se tem porta-

do Dom Sebastião Pinheiro Camarão.”90 Se os Principais ganhavam respeito e “triunfo”, seus guer-

reiros, além de manter a sua função tradicional dentro da sua cultura e garantir a sua liberdade, também recebiam presentes pois, segundo o Rei, para se “... conservar os índios dessa capi-tania obedientes e quietos e para o fazer só o meu mandar, que se lhe se dêm algumas mercadorias, como pano de linho, pentes, facas, tesouras, espelhos e outras coisas semelhantes com que

se obriguem assistir na guerra...”91 A função do Terço dos Índios do Camarão era, portanto,

essencialmente guerreira e nesta atividade marcaram a sua pre-sença nos muitos combates em que participou, entre eles, aos holandeses na invasão de Pernambuco, aos índios rebelados na Guerra do Açu no Rio Grande, e aos negros do Quilombo dos Palmares nas Alagoas. Serviços estes que foram reconhecidos co-

mo “sempre prontos” e “zelosos” pelo Rei.92 Contudo, isto não servia de impedimento a que servissem também como trabalhado-res aos colonos. É o próprio Rei quem confirma este “dever”:

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“... como não estão em guerra atual, que não se devia impedir aos índios das Aldeias sujeitas ao seu governo que sirvão aos moradores, para se pos-sam ajudar por este meio para se sustentarem e me-recerem aquele estipêndio que lhe é dado pelo seu trabalho, porém que este o devem ter em tal parte e situação e tão vizinhos as mesmas aldeias que se possam juntar facilmente para qualquer ocasião que

se offerecer;”93 Além disso, seus serviços também foram utilizados nas

minas de salitre do sertão pernambucano. Em correspondência ao Rei, datada de 6 de agosto de 1702, o Governador dos Índios, Sebastião Pinheiro Camarão, deu conta de ter enviado oitenta casais de índios de suas aldeias para se aldearem e servirem nas minas de salitre em Buíque (Pernambuco), conforme ordem real,

ao que o rei respondeu agradecendo pelo serviço. 94 Neste mo-mento, quando estava em andamento a “Guerra dos Bárbaros”, tais minas eram de suma importância para a segurança colonial, pois garantiam a fabricação local de pólvora.

Fica claro que, apesar dos Principais continuarem exer-cendo uma chefia guerreira e mesmo política entre os seus, suas

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ações eram restritas e deveriam moldar-se aos interesses da Co-roa e da colonização, a simples transferência de índios de uma aldeia para outra causava transtornos aos colonos que chegavam aos ouvidos do rei que imediatamente ordenava que se agisse

conforme as determinações das “autoridades”.95 Fatos como este, evidentemente, causavam conflitos entre os Governadores dos Índios e os funcionários coloniais, missionários e colonos. Os dois primeiros, determinados por suas funções, acabavam por imiscuir-se no que, no parecer do Governador dos Índios,

era de jurisdição dele.96 Os colonos, por sua vez, acabavam por atrair os soldados do Terço ao serviço das suas casas, no tempo

de paz, não liberando-os para o retorno às aldeias.97 Um destes conflitos acabou, inclusive, por determinar a

prisão do Governador de Índios Antônio Domingos Camarão, em 1731, por não admitir a intromissão do missionário carmelita no “governo temporal” de suas aldeias, assim como, não admitir dar posse a outro índio do cargo de Capitão de duas dessas al-deias, tática engendrada pelas autoridades para diminuir o seu poder. Frente às suas posições, foi mandado prendê-lo pelo “... justo receio de que posa fazer alguma sublevação nessas capi-

tanias com o seu desordenado procedimento.”98

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Por outro lado, os Governadores de Índios também exerci-am uma certa intermediação entre seu povo e o próprio rei, soli-citando resolução direta de seus problemas de posse e uso das

terras99, pedindo a presença de missionários e clérigos para

assistência religiosa e ensino da língua portuguesa100 e buscan-do soluções para a continuação do seu Terço, principalmente em função da falta de guerreiros que ficavam espalhados pelos lo-

cais onde iam lutar101 ou que, nos momentos de paz, acabavam na “...casa de algumas pessoas principais que dos ditos índios

costumão servir-se sem lhes pagarem o seu trabalho.”102 Nesse sentido, entende-se que as alianças estabelecidas pe-

los Potiguara, baseadas nas suas instituições tradicionais - chefia guerreira e alianças - longe de se cristalizarem na sua forma tra-dicional, conseguiram redefinir direções para os seus destinos. É claro que foi um destino inserido no processo da colonização portuguesa, mas não se pode negar que foi um caminho que con-tinuava tentando manter relações com a própria cultura anterior aos colonos. A presença dos missionários e dos colonos não conseguiu destruir de todo, pelo menos dentro das aldeias co-mandadas pelos Camarão, algumas das suas instituições básicas.

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A família Camarão, no entanto, não foi unânime no seu apoio aos portugueses, uma facção que habitava a Baía da Trai-ção se aliou aos holandeses, tornando-se um grande problema para a dominação portuguesa, assim como antes o foram quando eram aliados aos franceses. Com a mesma forma de agir dos franceses, os holandeses também fariam a aproximação com os índios de maneira a ganhar o apoio dos que conheciam muito bem a terra e tinham já muitas tensões com os portugueses, que poderiam ser aproveitadas num processo de tomada da terra.

Ainda em 1625, na fuga da tentativa frustrada de ocupação na Bahia, alguns navios holandeses aportaram na Baia da Trai-ção, conseguindo ajuda dos Potiguara locais, assim como, con-vencendo-os a permitirem que alguns índios partissem com eles para Holanda. Entre estes índios estavam Antônio Paraupaba e Pedro Poti, primo de Antônio Felipe Camarão. Os que ficaram foram perseguidos pelos portugueses como rebelados pela sua traição à aliança estabelecida anteriormente e o confronto alas-trou-se da Baía da Traição à Serra da Copaoba, envolvendo os Potiguara do Rio Grande. Nesta ocasião foi levado preso para a Fortaleza dos Reis Magos, um irmão de Potiguaçu, o Jaguarari,

que ficaria detido na fortaleza até a invasão holandesa.103

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Frente à rebelião, as autoridades coloniais e religiosas de Per-nambuco resolveram que a atitude potiguara deveria ser enfrentada com uma “guerra justa” e “...pelo conseguinte, os que fôssem nela tomados seriam escravos, que são no Brasil os despojos dos solda-dos, e ainda o sôldo, porque o gentio não possui outros bens, nem os

que vão a estas guerras recebem outro sôldo...”104 As lutas perduraram até 1628, surtindo realmente grande

número de escravos para os soldados e colonos. Mesmo com o acordo de paz estabelecido na Serra da Copaoba, a gente do Principal Cipoúna acabou sendo repartida “... pelos soldados e outros moradores, pera que os servissem em pena de culpa e

rebelião.”105, como ordenou o Governador de Pernambuco. Junto com essa “gente” também foram levados “muitos filhos em reféns” como garantia da paz, como já se viu fazerem no acordo com o Camarão Grande.

Este confronto que, para Vicente do Salvador e outros au-

tores106, tinha apenas um tom de vingança portuguesa, em es-tudos mais atuais recebeu nova interpretação. Luís Felipe Alen-castro ressaltou que a situação de disputa entre ibéricos e holan-deses no Atlântico sul já surgia claramente com a criação da Companhia das Índias Ocidentais pelos holandeses, em 1621. Para ele, a “guerra justa” contra os Potiguara, permitida pelas

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autoridades coloniais, tinha um “claro objetivo de fazer escra-vos”, visto que as perturbações navais com a disputa com a Ho-landa trazia problemas para o abastecimento de escravos africa-nos nos engenhos do nordeste açucareiro. Lembra ainda que em 1627 os moradores da Bahia também avançaram sobre tribos Jê

do Rio Paraguaçu com o mesmo intuito.107 Percebe-se, portanto, que na invasão holandesa de Pernam-

buco em 1630 e do Rio Grande em 1633, os ânimos entre portu-gueses e Potiguara não eram os mais amistosos, o que poderia ter facilitado a aproximação destes índios com os holandeses. O Pe. Vieira, pela sua ótica, explicou a posse holandesa das colônias co-mo uma espécie de castigo aos portugueses, por causa das injusti-ças cometidas contra os índios desde o início da colonização:

“E como grande parte das injustiças do Brasil

caíram desde seu princípio sobre os índios naturais da terra, ordenou a justiça divina que dos mesmos índios juntos com os holandeses se formasse o açoi-te daquela tão florente República. Rebelaram-se muitos dos índios e cristãos e vassalos, e unindo su-as armas com as do inimigo vencedor, não se pode

crer o estrago que fizeram nos portugueses.”108

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Os holandeses, por sua vez, já conhecendo as tensões exis-tentes, podiam, segundo Alencastro, por em prática o que já fa-ziam em outras áreas em que tomaram o poder dos ibéricos, como na Insulíndia, isto é, estabelecer alianças com os nativos contra os portugueses e espanhóis.

Neste sentido, os índios Potiguara que foram para a Holanda em 1625 foram de grande auxílio pois serviram de contato entre os holandeses e os seus parentes que ficaram e sobreviveram à revan-che ibérica. Para isso, os índios aprenderam a ler e escrever em ho-landês e foram instruídos nos princípios da religião cristã, sob a perspectiva protestante. Este investimento na sua educação e susten-to, segundo José Antônio Gonsalves de Mello, se entende como uma preparação para a conquista da região nordeste da colônia portugue-sa, o que se confirmou com os depoimentos que os Potiguara deram ao Conselho dos XIX, em Haia, onde relataram as características das regiões em que viviam e conheciam bem , assim como, quando fo-ram enviados em 1630 de volta ao Brasil para servirem de “... intér-pretes dos selvagens e outros serviços que lhes possa pedir confor-

me a sua capacidade.”109 A aliança entre os índios do Brasil e os holandeses se ba-

seava na garantia da liberdade incondicional aos primeiros esta-belecida no “Regimento do governo nas praças conquistadas ou

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que forem conquistadas nas Índias Ocidentais”, de 1629, por-tanto, anterior à invasão de Pernambuco, o que demonstra que o plano de conquista já incluia esta aliança. Segundo o Regimento, os índios não poderiam ser escravizados, alugados por dinheiro, ultrajados, nem obrigados a trabalhar contra a sua vontade, por-que somente com este respeito se conseguiria o seu auxílio. Os colonos holandeses poderiam contar com o trabalho indígena desde que pagassem por ele o “salário de costume” em gêneros, especialmente panos de algodão: três varas por mês, segundo

uma Resolução do Conselho do Recife, de 1638.110 No entanto, tal qual a política portuguesa para os índios, a

holandesa também determinava a liberdade legal, porém na prá-tica os prepostos e encarregados das aldeias acabavam por ex-plorá-los, contratando-os para serviços diversos sem pagamento e, mesmo, escravizando-os. Deve-se lembrar também que quan-to mais longe das autoridades holandesas em Pernambuco e mais difícil a obtenção de escravos negros, como nas salinas do Rio Grande e Ceará e no Maranhão, mais fácil deveria ser des-respeitar essa legislação, como efetivamente ocorrera, desenca-

deando uma série de desavenças nestes locais, em 1644.111 Tais desavenças provocaram nova confirmação da liber-

dade dos índios pelo Conselho dos XIX que foi lida para os índios

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numa reunião na aldeia de Tapesserica, nas proximidades de Goiana (Pernambuco), em 30 de março de 1645, em que se determinou também que deveria haver regentes índios nas aldeias, submetidos às autoridades superiores de Pernambuco. Os chefes regentes eram os mesmos que haviam estado na Holanda: Antônio Paraupaba, para as aldeias do Rio Grande; Pedro Poti, para as da Paraíba e Domingos Fernandes Carapeba, para as de Itamaracá.

O trabalho dos índígenas para os colonos holandeses devia ser importante para a colonização que se pretendia, mas era do seu trabalho guerreiro prestado ao governo colonial holandês que dependia a conservação da colônia. Cada grupo de aldeias Tupi contava com um número de guerreiros comandados por um capitão, holandês ou índio, que os tinha em prontidão para quando fosse necessário. No Rio Grande, segundo o relatório do Conselheiro Supremo Adrien van der Dussen, em 1639, havia

um total de 203 guerreiros nestas aldeias.112 (Ver Mapa 3).

Aldeia Capitão Nº de homens Goiana Jacob Pietersz 46 Parari Willem Jansz 30 Mompabu Davidt Loeman 56 Tapupe Dirckmulder 40 Tapiop Jan Alders 51

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Guerreiros como estes, além de trabalharem na proteção da colônia, também eram designados para irem em expedições ao exterior, como em 1641, quando 300 Potiguara formaram parte das tropas que, sob o comando de Cornelius Jol, partiram de Pernam-buco para invadir Luanda e São Tomé, áreas onde deveriam garan-

tir o suprimento de escravos negros para os engenhos.113 Os guerreiros indígenas do Brasil aliados aos holandeses

não ficaram restritos aos Tupi das aldeias do litoral. A “feroci-dade” e “rudeza” dos tapuias dos sertões também foram apro-veitadas, segundo Maurício de Nassau, para “...quando for ne-cessário irem à guerra com a nossa gente por seu soldo como se paga aos mais, vão também, e finalmente terão aqui tratamento

como de amigos.”114 Gonsalves de Mello ressalta também que, frente às características culturais nômades dos tapuias contacta-dos, a aliança com eles não visava o trabalho aos colonos, mas teria a finalidade de garantir fronteiras seguras, mantendo nelas “postos avançados”. De fato, no Rio Grande, os seus grandes aliados foram os Tarairiú que viviam nas áreas mais próximas ao Ceará. Na fronteira ao sul do seu domínio, os holandeses con-taram com os tapuias Cariri e Guaianases. Estes tapuias apesar de aliados eram mantidos afastados dos centros de habitação holandeses, por causarem constante temor de não serem contro-

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lados. Um exemplo desta situação se deu em 1639, quando o Principal Janduí desceu o Rio Grande em direção a Pernambuco com 2000 tapuias (mulheres, crianças e homens), causando grande prejuízo aos moradores pois matavam o gado e arranca-vam toda a roça que achavam. Imediatamente, o Conselho do Recife despachou os filhos de Janduí do Recife para que con-

vencessem seu pai a retornar com sua gente para o Açu.115 A guerra entre as duas nações européias, Espanha e Ho-

landa, como se viu, acabou por ocupar um palco diferente e a-presentar personagens novos. Estes se integraram tanto a ela que passaram a defender acirradamente o lado a que estavam ligados. É o que aconteceu na tentativa de convencimento de mudança de aliança entre os índios Potiguara envolvidos na guerra: Antônio Felipe Camarão, Diogo Pinheiro Camarão e Diogo da Costa, do lado português, escreveram a Pedro Poti e Antônio Paraupaba, do lado holandês, para convencê-los a mudar de lado.

As cartas que foram trocadas entre estes índios demons-tram o nível de envolvimento que estavam e, principalmente, uma luta pelo que acreditavam ser a facção mais favorável aos índios. Nota-se, evidentemente, a forte influência que os religio-sos e autoridades de ambos os lados, protestantes e católicos, tiveram sobre estes índios, porém o que deve ser ressaltado é a

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luta que eles continuavam a encetar na tentativa de sobrevivên-

cia num mundo que já era mais colonial do que nativo.116 As cartas, datadas entre agosto e outubro de 1645 e que fo-

ram ditadas em tupi, foram encontradas no Arquivo da Compa-nhia das Índias Ocidentais em 1885 e estavam acompanhadas de uma tradução para o holandês feita pelo ministro da Igreja Pro-testante Johanes Eduards. Seu teor, basicamente, é de conclama-ção a que seus parentes abandonassem a aliança com os holan-deses e que voltassem a aliar-se aos seus parentes e aos portu-gueses. Junto às cartas, meio de comunicação eminentemente europeu, foram enviadas mulheres tapuias que serviriam de mensageiras e que revelariam alguns segredos apenas a Pedro Poti, o que era costume entre os Tupi. Vale salientar também que as alianças já estavam determinadas desde 1630 e só foram questionadas pelos índios em 1645 quando novas circunstâncias advindas do início da resistência colonial pernambucana aos holandeses geraram diversos conflitos na Paraíba e no Rio Grande que envolveram a população indígena. Pelas cartas a preocupação dos Potiguara com os seus parentes subordinados aos holandeses é evidenciado ao mencionarem os estragos do gado e da roça dos índios, e o temor pelo destino do povo Poti-guara em meio aos conflitos destas áreas.

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Por outro lado, a carta de Pedro Poti a Antônio Felipe Ca-marão traz a mesma tentativa de convencimento: “Primo Cama-rão, abandone estes perversos e perigosos Portugueses e junte-

se a nós.”117 Pedro também havia se tornado um fervoroso pro-testante e inimigo dos portugueses, ressaltando o estado de con-tínua ameaça de escravidão sob eles:

“Estou envergonhado da nossa família e na-

ção ao ver-me induzido, por tantas cartas suas, à traição e deslealdade: nomeadamente, para aban-donar meus legítimos líderes de quem recebi tantos benefícios... Continuo a assegurar que permanecerei um soldado leal aos meus chefes até a morte!

Eu estou bem e nada me falta aqui. Nós vive-mos mais livremente do que qualquer um de vocês, por vocês continuarem sob uma nação que nunca pensou em outra coisa senão escravizá-los... Não acredite que nós sejamos cegos para reconhecer as vantagens que temos com os holandeses, entre os quais eu fui educado. Eu nunca os ouvi dizer que eles escravizavam qualquer índio, mantenham qualquer um como escravo, ou que eles tivessem morto ou mal-

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tratado alguém do nosso povo. Eles nos chamam de irmãos e vivem conosco como irmãos. Portanto, nós

desejamos viver e morrer com eles.”118 O certo, porém, é que as tentativas de convencimento não

deram resultado, pois Pedro Poti e Antônio Paraupaba permane-ceram no lado holandês, inclusive com a participação do primei-ro na segunda Batalha dos Guararapes, em 1649, quando foi preso. Antônio Paraupaba relatou ao Governo holandês em 1656 que os portugueses não perdoaram a traição de Pedro Poti in-fringindo torturas físicas e mentais com intuito de fazê-lo passar para o lado português e abjurar a religião protestante. Como não conseguiram convencê-lo, foi mandado a Portugal, morrendo na

viagem em 1652.119 Verifica-se, então, o que já foi mencionado no capítulo um

quanto às alianças. Apesar delas fazerem sentido para os euro-peus na luta pela conquista da terra, para os índios elas assumi-ram uma forma de luta pela sobrevivência à conquista. Se já não conseguiam conter a conquista, pelo menos mantiveram meca-nismos de sobrevivência a ela: as alianças eram estabelecidas também segundo as conveniências e interesses dos índios, seu

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guerreiros não lutavam pela Coroa desta ou daquela nação ape-nas, lutavam pela própria sobrevivência.

Esta constatação deve ser entendida numa nova forma de se encarar a ação indígena no processo de colonização, abando-nando-se a idéia dicotômica colonial que distinguia o índio “manso” do “hostil”, a “amigo” do “inimigo”, como se as ações dos índios fizessem apenas sentido em relação às determinações coloniais. O sentido do seu proceder deve ser buscado também em suas próprias razões e interesses.

Num texto sobre a participação indígena nas insurreições liberais pernambucanas entre 1817 e 1848, Marcus Joaquim Maciel de Carvalho chama atenção para este fato:

“As ideologias trazidas pelo homem branco

eram remanejadas pelos nativos dentro de um con-junto de estratégias de sobrevivência das comunida-des. Assim a participação do gentio nas disputas se-nhoriais não se dava por uma obediência cega aos senhores das terras circunvizinhas às aldeias. Eles não eram meros peões na política local, mas agentes

históricos com interesses próprios.”120

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Assim, vê-se que nas disputas entre facções senhoriais co-loniais acabou por repetir-se os padrões das disputas anteriores entre franceses e portugueses ou entre holandeses e portugueses. Em todos os casos, os índios foram, sem dúvida, necessários e atraídos pelos lados contendores como seus aliados, mas os ín-dios não estabeceram as “alianças” apenas para os satisfazer, eles próprios tinham seu motivo: garantir a sobrevivência num novo contexto.

É essa mesma luta pela sobrevivência que, após a expulsão dos holandeses em 1654, levou os índios que tinham apoiado os batavos à Serra da Ibiapaba, no Ceará, apesar de terem sido

“perdoados” pelo Rei.121 Aí se reuniram grupos Tupi e tapuias, como relatado pelo Padre Vieira, que fugiram do litoral de Per-nambuco, Paraíba e Rio Grande, por:

“...temor q. tem do trato dos Portugueses, de

que trazem estudados exemplos, ajudando não pou-co a isto a lembrança dos delitos passados, posto que perdoados pelos Governadores em nome de S. Magestade. Fomenta este temor a companhia dos retirados de Pernambuco, q. como mais culpados temam ainda mais, e como mais ladinos sabem en-

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frentar melhor os motivos deste receo. Nem húns e outros estão totalmente esquecidos da amizade e dadivas dos Olandezes, com quem comerceavão nes-

ta costa ...”122

É também inseridos na luta pela sobrevivência no contexto

colonial que se pode tentar entender os acordos de paz e a resul-tante aproximação com a cultura européia intermediada pelos missionários.

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NOTAS 1. CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal, p. 23. 2. Id. História do Rio Grande do Norte, p. 24. 3. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil (daqui em diante HCJB), t. 1, p.520-525.

4. BEOZZO, Oscar. Leis e regimentos das Missões, p. 27. 5. Arquivo Histórico Ultramarino (daqui em diante AHU), Caixa RN-1. Mi-crofilme da Divisão de Pesquisa Histórica da Universidade Federal de Pernambuco (daqui em diante DPH-UFPE).Há a referência ao pagamento de salários anuais ao Capitão-mor, ao Sargento do Presídio, um condestá-vel, dois bombardeiros, um alferes, quatro cabos de esquadra, trinta e seis mosqueteiros, 40 soldados arcabuzeiros, além de pessoal de apoio: um es-crivão da fazenda, um almoxarife, um atambor, um pífaro, três abandeira-dos e um barbeiro.

5. Diogo de Menezes, apud. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. A con-

quista da costa leste-oeste. In: BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (Dir.). História geral da civilização brasileira, t. 1, v. 1, p. 198.

6. MONTEIRO, John. Escravidão indígena e despovoamento na América Portuguesa: São Paulo e Maranhão. In: O BRASIL nas vésperas do Mun-do Moderno, p. 151.

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8. Ibid., p. 149. 9. MOREIRA, Rafael; THOMAS, William M. Desventuras de João de Barros: primeiro colonizador do Maranhão. Oceanos, n. 27, p. 102. jul/set. 1996.

10. Apud. BEOZZO, O., op. cit., p.26. 11. BUARQUE DE HOLANDA, S., op. cit., p. 198-200. 12. Traslado do Auto de Repartição das Terras do Rio Grande (daqui em diante TART), data nº 1 de 09/01/1600. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (daqui em diante Rev. do IHGRN), v.7, p. 18, 1909.

13. TART. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 18-76, 1909. 14. Provisão Real de 28/09/1612. Rev. do IHGRN, v.7, p. 09, 1909. 15. TART, data nº 04 de 14/08/1600. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 20, 1909. 16. TART, data nº 102 de 07/09/1612. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 49, 1909. 17. Provisão Real de 28/09/1612. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 11, 1909. 18. TART, data nº 65 de 02/05/1604. Rev. do IHGRN, v.7, p. 37, 1909. 19. Provisão Real de 28/09/1612. Rev. do IHGRN, v.7, p. 10, 1909.

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20. Termo de Encerramento dos Autos de Repartição das Terras do Rio Grande, 21/02/1614. Rev. do IHGRN, v.7, p. 77-79, 1909; e Diligência para avaliação das Terras de Cunhaú, 08/03/1614. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 79-81, 1909. Trapi-che é um pequeno engenho de açúcar movido por animais.

21. Apud. LEITE, S. HCJB, t. 1, p. 558. Apêndice I. 22. MELO, José Octávio Arruda de. História da Paraíba, p. 47. 23. Apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na Capitania do Rio

Grande , p. 45. 24. Apud. MEDEIROS FILHO, O. Aconteceu na Capitania do Rio Grande, p. 60.

25. TART, data nº 93, Rev. do IHGRN, v.7, p. 46, 1909. Doada a Pedro Xara na ribeira do Potengi, ressalta: “... serviria para canas fazendo-se o enge-nho do Padre Viguairo como fica dito”; TART, data nº 30, Rev. do IH-GRN, v.7, p. 27, 1909. Doada ao Padre Gaspar Gonçalves da Rocha na ri-beira do Potengi: “...está povoada e esteve sempre com roças que aly se dão muy bem e asy canna que tem plantada ha muitos annos, e he terra capás de hu trapiche dos fructos que della colhe...”.

26. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os holandeses na Capitania do Rio

Grande, p. 40. 27. VIEIRA, A., op. cit., p. 122.

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28. BUARQUE DE HOLANDA, S., op. cit., p. 199. 29. Em nota de Rodolfo Garcia. VARNHAGEN, F. História geral do Brasil, t. 2, p. 59.

30. TART, data nº 17 de 23/04/1601. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 23, 1909; e TART, data nº 47 de 31/03/1603. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 32, 1909.

31. TART, data nº 89 de 02/11/1605 e TART, data nº 90 de 02/11/1605. Rev.

do IHGRN, v. 7, p. 45, 1909. 32. TART, data nº 126 de 02/07/1608. Rev, do IHGRN, v 7, p.58, 1909. 33. SALVADOR, Vicente do. História do Brasil, p. 298-299 34. Apud., MEDEIROS FILHO, O. Os holandeses na capitania do Rio

Grande, p. 2. 35. Apud. ibid., p.12. Este francês é João Lostão, também chamado de Navar-ro pela sua origem, que recebeu grande extensão de terra beirando a costa no litoral sul, a partir do rio Pirangi; TART, datas nº 15, 48, 56,107,108 e 131. Rev. do IHGRN, v.7, p. 23,33,35,52 e 59, 1909.

36. SCHWARTZ,Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial, p. 90. 37. Em trabalho recentemente publicado, Francisco Carlos Teixeira da Silva ressaltou que a importância do gado vivo do Rio Grande para Pernambu-

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co foi tanta que, em meados do século XVIII, foram proíbidas as char-queadas no seu litoral norte, pois elas diminuiam consideravelmente o a-bastecimento de carne verde em Pernambuco. SILVA, Francisco Carlos da. Pecuária, agricultura de alimentos e recursos naturais no Brasil-Colônia. In: SZMRECSÁNYI, Tamás (Org.). História econômica do pe-ríodo colonial, p. 151.

38. Cf. ANDREONI, João Antônio (André João Antonil). Cultura e opulên-

cia do Brasil, p. 310. 39. Cf. em MONTEIRO, John. Negros da terra. Num estudo sobre a sociedade e economia paulistas no século XVII, demonstrou como o indígena acabou sendo a solução encontrada pelos paulistas para a execução de trabalhos di-versos nas lavouras, no transporte da produção, na segurança dos povoamen-tos e no sertanismo, isto é, no apresamento de outros índios.

40. Data da Companhia de Jesus: TART, data nº 102, 07/01/1607, Rev. do

IHGRN, n. 7, p. 49, 1909.; Data do Dr. Bartholomeu Ferreira:TART, data nº 169 , de 18/10/1611, Rev. do IHGRN, n. 7, p. 70, 1909.; Outras datas com referência a escravos: TART: datas nº 20,de 19/06/1601; nº 42 de 15/03/1602; nº 59 de 05/03/1604; nº 95 de 15/04/1606; nº 158 de 10/08/1610. Rev. do IHGRN, n. 7, p. 24; 31; 36; 47; 67, 1909.

41. SALVADOR, V., op. cit., p. 294. 42. Ibid., p. 296.

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43. Ibid., p. 311. 44. Ibid , p. 297. 45. Apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra natalense, p. 30. 46. Apud. Ibid., p.14. 47. Apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na capitania do Rio

Grande, p. 45 48. Relato do Jesuíta Diogo do Couto, datado de 06/08/1610, apud. LEITE, S. HCJB, t.1, p. 497-98.

49. Apud. LEITE, S. HCJB, t.1, p. 558. Apêndice I. 50. VEIGA, Domingos da. Descripção do Rio Grande. Rev. do IC, v.34, p. 259-262, 1920.

51. LEMOS, Vicente. Capitão-Mores e Governadores do Rio Grande do

Norte, p. 15. 52. Apud. MEDEIROS FILHO, O. Aconteceu na capitania do Rio Grande, p. 45.

53. SALVADOR, Vicente do, op. cit., p. 133.

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54. Certidão do Jesuíta Diogo do Couto, datada de 06/08/1610, em Olinda, apud. LEITE, S. HCJB, t.1, p. 497-98.

55. A presença de escravos negros no Engenho Cunhaú é apontada por José Antônio Gonsalves de Mello, em 1637 na passagem para o domínio ho-landês quando contaria com 30 negros e 20 pares de bois. Em 1810, Hen-ry Koster diria que possuia cerca de 150 escravos. Apud. MEDEIROS FI-LHO, Olavo de. O Engenho Cunhaú à luz de um inventário, p. 13.

56. Arquivo da Biblioteca da Ajuda (daqui em diante ABA), Códice nº 51-VIII-48, fl. 139/139v, Lisboa. Microfilme da DPH-UFPE.

57. ANCHIETA, José de. Cartas, p.421. 58. SCHWARTZ, Stuart. Segredos internos, p. 40-73. Ver: Cap. 2 - Uma geração exaurida: agricultura comercial e mão de obra indígena.

59. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indí-gena na Bahia entre os séculos XVI e XVIII. Revista de História, n. 129-130, p. 179-208, ago.-dez./93 a ago.-dez./94.

60. ANCHIETA, J., op. cit., p. 418. 61. Ibid., p. 419. 62. Ibid., p. 422.

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63. SCHWARTZ, S. Segredos internos, p. 59. 64. MORAES, José de. História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. Memórias para a História do extincto Estado do Maranhão, p. 84.

65. Desde o Regimento de Tomé de Souza, de 1548, existia a distinção de atitude frente aos índios “mansos” e “hostis”. MALHEIROS, Perdigão, A escravidão no Brasil, p. 164. A Lei de 22/08/1587, de Felipe II, mantém a observância da Lei de D. Sebastião de 1570 que garantia a liberdade dos índios “mansos”. A Lei de 11/11/1595 e a Provisão de 26/07/1596 regu-lamentam que só é lícito o cativeiro de prisioneiros de “guerra justa” au-torizada pelo Rei ou Governador. Ibid., p. 176.;

66. MONTEIRO, John. As populações indígenas do litoral brasileiro no sécu-lo XVI: transformações e resistência. In: O BRASIL nas vésperas do mundo moderno, p. 125.

67. Ibid., p. 132. 68. Como ocorreu com as despesas da conquista e colonização do Rio Gran-de que foram pagas pelos colonos de Pernambuco através da cobrança de um imposto especial pela Câmara do Senado de Olinda, de um cruzado por caixa de açúcar. Vale lembrar que as várias queixas dos colonos de Pernambuco sobre a necessidade de seu “sossego” foram influenciantes na decisão da conquista do Rio Grande. Cf. PEREIRA DA COSTA,. A-nais Pernambucanos, v. 2, p. 143.

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69. Cf. CHAIM, Marivone Matos. Os aldeamentos indígenas na capitania de Goiás, p. 82-83.

70. SALVADOR, V. do História do Brasil, p.308. 71. Ibid., p. 308-309. 72. SALVADOR, Vicente do, op.cit., p. 365; e nos Prolegômenos do Capítu-lo 5, de Capistrano de Abreu, p. 342.

73. Apud. FERNANDES, Florestan. A organização social dos Tupinambás, p. 40.

74. Rodolfo Garcia, na nota 85, informa sobre documentação da Câmara de Olinda de 15/03/1603, que indica terem sido até 1300 “frecheiros petigua-res”. VARNHAGEN, F. História geral do Brasil, p. 61.

75. SALVADOR, V. do, op. cit., p. 302. 76. SOUTHEY, Robert. História do Brasil, p. 272; LEITE, Serafim. HCJB, t. 1, p. 527, confirma a ameaça de aprisionamento dos Potiguara na Bahia.

77. Ver Capítulo 1; e SALVADOR, Vicente do, op. cit., p. 198. 78. VARNHAGEN, F., op. cit., p. 62. 79. SALVADOR, Vicente do, op. cit., p. 318.

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80. SALVADOR, Vicente do, op. cit., p. 319; LEITE, S. HCJB, t. 1, p. 527. Zorobabé foi mandado com a mulher e filhos a Lisboa e, em 19/05/1610, o Conselho de Estado resolveu mandá-lo para Évora com 400 réis de ten-ça por dia porque “andava nu” e, dizia-se, comunicava-se com franceses.

81. Padre Francisco Pinto apud. LEITE, S. HCJB, t. 5, p. 504. 82. Padre Francisco Pinto apud. ibid., t. 5, p. 505. 83. Padre Francisco Pinto apud. LEITE, S. HCJB, t. 1, p. 521. 84. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. Me-mórias para a História do extincto Estado do Maranhão, t.1, p. 91. Tam-bém Sérgio Buarque de Holanda aceita o nome cristão Antônio Camarão para Potiguaçu quando cita seu filho Antônio Felipe Carmarão, “herói das guerras holandesas”, como seu homônimo. BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. (Org.). História geral da civilização brasileira, t. 1, v. 1, p. 197.

85. MEDEIROS FILHO, O. Aconteceu na capitania do Rio Grande, p. 31-34. 86. Durante muito tempo se confundiu o Camarão Grande, Potiguaçu, com seu filho, Antônio Felipe Camarão, mas é clara a existência dos dois Ca-marâo em tempos diferentes. Conferir nos Prolegômenos ao Livro Quarto, de Capistrano de Abreu. In: SALVADOR, Vicente, op. cit., p. 215; Em documentos cedidos por José Antônio Gonsalves de Mello a Olavo de Medeiros Filho, encontra-se um que confirma a sua filiação ligada a Poti-

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guaçu: “ ... mi Padre fue autor de las pazes tan desseadas que mi nacion, y gente hizieron com los Portugueses...” MEDEIROS FILHO, O. Aconte-ceu na capitania do Rio Grande, p. 39.

87. LEITE, Serafim, op. cit., p.508. 88. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (daqui em diante DHBN), v. 17, p. 290-291, 1929.

89. AHU, códice 128, fl.77v./78, 12/02/1721. Carta Patente de nomeação de Antônio Domingos Camarão como Governador dos Índios - Microfilme DPH/UFPE; AHU, Caixa 6 (1-100), fl.64, 07/05/1675. Requerimento de Antônio Pessoa Arcoverde - Cópia Ms. DPH/UFPE; AHU, Caixa 8 (1-153), fl. 100, 01/12/1691. Requerimento de Antônio Pessoa Arcoverde - Cópia Ms. DPH/UFPE; AHU, códice 128, fl. 77v./78, 12/02/1721. Carta Patente - Microfilme DPH/UFPE.

90. AHU, códice 907, fl. 109/109v., 05/02/1721. Consulta do Conselho Ul-tramarino - Microfilme DPH/UFPE; AHU, códice 128, fl. 77v./78, 12/02/1721. Carta Patente - Microfilme DPH/UFPE; Ver também em PEREIRA DA COSTA. Anais Pernambucanos, v. 5, p.329.

91. Carta do Rei ao Governador de Pernambuco, 14/051633. DHBN, v.17, p. 290, 1929.

92. AHU, códice 265, fl. 260/260v., 15/03/1712. Cons. do Conselho Ultrama-rino - Cópia Ms. DPH/UFPE.

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93. AHU, códice 258, fl. 330v., 09/08/1724. Carta do Rei ao Governador dos Índios - Cópia Ms. DPH/UFPE.

94. AHU, códice 257, fl. 119v., 08/05/1703. Carta do Rei ao Governador dos Índios - Cópia Ms. DPH/UFPE.

95. AHU, códice 256, fl.3, 07/11/1673. Cartas do Rei ao Governador de Per-nambuco e ao Governador dos Índios - Cópias Ms. DPH/UFPE.

96. AHU, códice 256, fl.186, 29/11/1694. Carta do Rei ao Governador de Pernambuco - Cópia Ms. DPH/UFPE; e AHU, códice 257, fl. 119v., 08/05/1703. Carta do Rei ao Governador dos Índios - Cópia Ms. D-PH/UFPE.

97. AHU, códice 258, fl. 330v., 09/08/1724. Carta do Rei ao Governador dos Índios - Cópia Ms. DPH/UFPE.

98. AHU, códice 260, fl.14v./15, 24/07/1731. Carta do Rei ao Governador de Pernambuco; e AHU, códice 260, fl. 6v., 15/06/1731. Carta do Rei ao Governador de Pernambuco - Cópias Ms. DPH/UFPE.

99. AHU códice 257, fl. 149v., 06/08/1704. Carta do Rei ao Governador dos Índios - Cópia Ms. DPH/UFPE.

100. AHU, códice 257, fl. 340v., 22/03/1712. Carta do Rei ao Governador dos Índios - Cópia Ms. DPH/UFPE.

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101. AHU, códice 256, fl. 3, 07/11/1673. Carta do Rei ao Governador de Pernambuco - Cópia Ms. DPH/UFPE; AHU, códice 257, fl. 138v., 17/07/1704. Carta da Rainha ao Governador de Pernambuco - Cópia Ms. DPH/UFPE; AHU, códice 265, fl.260/260v., 15/03/1712. Consulta do Conselho Ultramarino Cópia Ms. DPH/UFPE.

102. AHU, códice 258, fl.330v., 09/08/1724. Carta do Rei ao Governador de Pernambuco - Cópia Ms. DPH/UFPE.

103. MEDEIROS FILHO, O. Os holandeses na capitania do Rio Grande, p. 31-33. Diz-se que, por “amor a seu filho e mulher” atraídos pelos holan-deses, Jaguarari acabou preso, apesar de depois de solto, em 1633, ter mantido fidelidade aos portugueses. Fica a suspeita que Jaguarari era pai de Pedro Poti, que confirmadamente foi para Holanda.

104. SALVADOR, V., op. cit., p. 446. 105. SALVADOR, V., op. cit., p. 447. 106. VARNHAGEN, F., op. cit., p.201; e PINTO, Irineu. História da Paraí-

ba, p. 49-50. 107. ALENCASTRO, Luís F. A interacção européia com as sociedades brasi-leiras entre os séculos XVI e XVIII. In: O BRASIL nas vésperas do mun-do moderno, p. 104-105.

108. VIEIRA, Antônio, Escritos instrumentais sobre os índios, p. 130.

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109. Conselho dos XIX apud. MELLO, J. A. Gonsalves de. Tempo dos Fla-mengos, p. 198. Para este período ver: Ibid., Capítulo 4: Atitudes dos ho-landeses para com os índios e a catequese, p. 197-226; e MOREAU, Pier-re. História das últimas lutas entre holandeses e portugueses, p. 25-26.

110. Apud. MELLO, J. A. G. Op. cit., p. 199 e 206. Vara é uma medida de comprimento equivalente a 1,10 m. ACIOLI, Vera L. C. A escrita no Bra-sil Colônia, p. 307.

111. ALENCASTRO, Luís F., op cit., p. 105; e MELLO, J. A. G., op. cit., p. 208. 112. Apud. MELLO, J. A. G., op. cit., p. 216. 113. ALENCASTRO, Luís F., op. cit., p. 105; MELO, J. A. G., op. cit., p. 220; e .BARLÉU, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil, p. 212-215.

114. MELO, J. A. G., op. cit., p.202. 115. Ibid., p. 203. 116. Cartas tupis dos Camarões. Revista do Instituto Arqueológico e Geográ-

fico Pernambucano, v. 12, nº 68, p. 281-305, 1906. Foram traduzidas do holandês para o português por Theodoro Sampaio.

117. Carta de Pedro Poti a Antônio Felipe Camarão, apud. HEMMING, John.

Red gold, p. 305-306.

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118. Apud. op. cit. 119. PEREIRA DA COSTA, F. Anais Pernambucanos, p. 443-445. 120. CARVALHO, Marcus J. M. de. Os índios de Pernambuco no ciclo das insurreições liberais, 1817/1848: ideologias e resistência. Rev. da Socie-dade Brasileira de Pesquisa Histórica, n. 11, p. 63, 1996.

121. LORETO COUTO, Domingo. Desagravos do Brasil e glórias de Per-

nambuco, p. 453. O perdão foi dado em 24/05/1654. Segundo o Padre VIEIRA, op. cit., p. 131: “Entraram os índios rebeldes nas capitulações da entrega com perdão de todas as culpas passadas: mas eles como igno-rantes de quão sagrada é a fé pública, temendo que os portugueses, como tão escandalizados, aplicariam as armas vitoriosas à vingança, que tão merecida tinham, e obrigados de certo rumor falso de que os brancos iam levando tudo à espada, lançaram-se às serras de Ibiapaba, como refúgio conhecido, e valhacouto seguro de malfeitores.”

122. “Carta ao Padre Provincial em que se dá informação da missão da serra e das cauzas por que se suspendeu a vinda dos Padres”, de 10/06/1658. Apud. MARTINS, Vicente. O hospícios dos Jesuítas de Ibiapaba. Revista do Instituto do Ceará, t. 42, ano, 42, p. 143-168, 1928. Ver também: STUDART FILHO, Carlos. A missão jesuítica da Ibiapaba. Revista do Instituto do Ceará, t. 59, ano 59, p.5-68, 1945; e MELLO, J. A. G., op. cit., p. 224.

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CAPÍTULO 3

MISSÕES VOLANTES: INTERMEDIADORAS DA CONQUISTA

Logo que os europeus aportaram na América, a humani-dade dos seus habitantes tornou-se a grande discussão para os teólogos europeus: antropofagia, poligamia, amoralidade, bestia-lidade, despreocupação com o futuro, indiferença aos bens mate-riais e espirituais eram os “defeitos” que foram levantados para duvidar da humanidade dos nativos americanos. A indecisão quanto à humanidade do indígena americano acabou por permi-tir o massacre genocida, os abusos, e a escravidão efetuada pelos colonizadores, em busca de mão-de-obra que procurasse ouro e prata ou que pusesse suas terras a produzir.

Essa polêmica, durante anos foi levada a diante por “de-fensores dos índios”, como Bartolomeu de Las Casas entre ou-tros, que não concordavam com o tratamento “desumano” dado aos índios americanos. Tais discussões teológicas levaram a uma decisão do Papa Paulo II em favor dos nativos, que foram consi-derados como parte do “rebanho de Deus” mas que estavam

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afastados por não terem quem os reconduzisse à “verdade”. As-sim, em 1537 foram lançadas as Bulas Universibus Christi fide-libus e Sublimis Deus, afirmando que os índios possuiam alma imortal e proibindo, sob pena de excomunhão, a escravatura indígena no Novo Mundo. Pregava aos fiéis:

“...apesar de que tais índios vivam fora da igreja,

não devem, nem deverão ser despojados de sua liber-dade, nem da posse de seus bens, porque são criaturas humanas e, como tais, suscetíveis de fé e salvação. Eles não devem ser levados à destruição pela escravidão,

mas à vida pelo exemplo e a oração.”1 Por ocasião do “Descobrimento” do Brasil, um trecho da

carta do escrivão Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manuel já demonstrava outra idéia eurocentrista sobre os nativos america-nos comum na época:

“Imprimir-se-a facilmente neles qualquer cu-

nho que lhe quiserem dar [...] E bem creio que se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais de-vagar ande que todos serão tornados e convertidos

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ao desejo de Vossa Alteza [...] não deixe de vir logo

o clérigo para os batizar.” 2 Os portugueses imaginavam, otimisticamente, que, por

não terem “reis” nem “leis” que os comandassem e “livros sa-grados” a que seguissem, os índios “brasis” assimilariam tudo que lhes fosse ensinado sem nenhuma resistência. Essa idéia também foi a do Padre Manoel da Nóbrega ao dizer que os ín-dios eram “... um papel em branco, onde se podia escrever à

vontade...”3 Isto, porém, não seria confirmado na vida cotidiana colonial, pois as “leis” indígenas, invisíveis aos olhos europeus, não permitiram a rápida assimilação da cultura ocidental cristã esperada pelos europeus, consolidando a idéia pessimista dos europeus sobre os índios, que passaram de não-humanos a de-culturados e, finalmente, a indômitos. O Padre Anchieta deixou registrada essa constatação: “[os índios]... têm capacidade para se converter, mas obsta a sua malícia e maus costumes, e são tão feros e indômitos que parecem mais próximos da natureza

das feras que da dos homens;”4 Apesar dos europeus não terem certeza quanto à humani-

dade dos índios da costa do Brasil e desqualificarem sua cultura como tal, estabeleceram relações amistosas de trocas com eles,

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que eram controladas inicialmente pelos regulamentos das expe-dições de exploração mercantil que vinham procurar principal-mente o pau-brasil. Alexander Marchant, no seu Do escambo à escravidão, resgatou a história da expedição da Nau Bretoa cujo regulamento permitia que se levasse índios para Europa, mais como objetos exóticos do que como escravos para o trabalho, mas também permitiu o uso da força indígena no corte e trans-porte das toras de madeira em troca de mercadorias européias. Essa troca de trabalho por mercadorias acabou sendo imprescin-

dível a essas expedições.5 No entanto, essas relações amistosas seriam drasticamente

modificadas com a nova política colonizadora da Coroa portu-guesa, pois, com a instituição do sistema de Capitanias Hereditá-rias, reforçou-se a necessidade de mão-de-obra ao exigir-se a efetiva ocupação e produtividade das terras. Para este efeito, as doações reais deram plenos poderes aos Donatários para o cati-veiro dos índios “... para o seu serviço e dos navios, e de man-dá-los vender a Lisboa até certo número cada ano livres de sisa

...”6 O trabalho indígena tornou-se, portanto, básico para o esta-belecimento colonial português na costa.

Com o sistema de Governo Geral, instituído em 1549 por D. João III, houve uma modificação legal nas relações entre co-

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lonos e índios, talvez já sob a influência da Bula papal que de-terminara a humanidade indígena em 1537. Sob o novo Regi-mento dos Governadores as diretrizes da ação portuguesa no Brasil foram direcionadas, hierarquicamente: ao serviço de Deus e exaltamento da fé cristã; ao serviço do Rei e aproveitamento dos reinos; povoamento do Brasil e o “proveito dos naturais

dela”.7 O Regimento de Tomé de Souza, como ficou conhecido, trazia regulamentos para as relações entre colonos e índios prin-cipalmente quanto à sua utilização como mão-de-obra, proibin-do a escravidão e a guerra sem licença do Governador, porque “...era costume saltear e roubar os gentios de paz por diversos modos, atraindo-os enganosamente, e indo depois vendê-los ...” Tal procedimento estava sendo impedido a partir daí porque, justificava-se, “...o principal fim por que se manda povoar o Brasil é a redução do gentio à fé católica [...] e convém atraí-los à paz para o fim da propagação da fé, e aumento da povoação e comércio.” Por outro lado, o mesmo Regimento determinava que se “... fizesse guerra aos índios que se mostrassem inimigos, destruindo-lhes as aldeias e povoações, matando e cativando [...] e fazendo executar nas próprias aldeias alguns Chefes que

pudesse aprisionar enquanto negociasse as pazes.” 8

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Vê-se que o Regimento já trazia implícito dois modos dife-rentes de procedimento com os índios, de acordo com a disposi-ção ou não destes em aceitarem a aproximação colonial: para os índios “gentios de paz” a catequese, para os “inimigos” a guerra. Tal postura seria mantida na maioria das leis indigenistas colo-niais posteriores.

Junto com o Governador Tomé de Souza, vieram os Pa-dres da Companhia de Jesus, comandados pelo Padre Manuel da Nóbrega, futuro Superior da nova Missão do Brasil, cuja função na colônia deveria ser o de estabelecer Missões, que, segundo Serafim Leite, poderiam ser definidas como: “... o conjunto de meios com que se converte o gentio à fé cristã ou o conjunto de pregações com que se instruem e afervoram os católicos na ob-servância da vida cristã, isto é, na prática dos mandamentos de

Deus e da Igreja.”9 A estes missionários jesuítas também foram dadas ordens

diretas do Rei: deveriam cumprir o papel de catequisadores e protetores dos índios, a fim de impedir a ação preadora dos co-lonos. Deveriam “... converter os naturais à Santa Fé Cathólica [...] e tratar bem os que forem de paz...”, mas, ao mesmo tempo, deveriam juntar-se aos Capitães-mores para evitar que “...pessoa alguma, de qualquer qualidade e condição que seja, não vá saltear

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nem fazer guerra aos gentios por terra ou por mar, sem Vossa

licença ou que tais índios estejam alevantados e de guerra.”10 Como nota-se, os missionários eram encarregados da pro-

teção dos índios dos abusos coloniais mas também da permissão de fazer-se a “Guerra Justa”, em conformidade com a política dual observada no Regimento dos Governadores. Frente a essa posição dual, o papel dos missionários na colonização do Brasil em relação aos indígenas foi bastante discutido na historiografia, apontando, inicialmente, para duas direções hegemônicas e di-vergentes: uma que ressaltava a função salvadora dos missioná-rios e a outra que os apontava como reforçadores do domínio português e extermínio étnico.

Para os historiadores das diversas Ordens Religiosas, prin-cipais representantes da primeira posição, os missionários que iam às colônias em missões tinham a idéia de serem reais “sal-vadores” das almas indígenas perdidas. Serafim Leite, padre jesuíta que escreveu a História da Companhia de Jesus no Bra-sil, já no nosso século, dizia: “ O fruto dessas missões consiste em fazê-los de bárbaros, homens, e de homens, cristãos e de

cristãos, perseverantes na fé.”11 O carmelita André Pratt tam-bém aceita essa idéia: “ Quando estes venturosos ministros de Jesus Cristo se viam numa aldeia de Índios, conduzidos à Cris-

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tandade pelos seus desvelos, então se consideravam no centro de sua família, e eram olhados pelos neófitos como pais aman-

tes de seus filhos ...”12 Por outro lado, o representante da tese da exploração indí-

gena pelos missionários foi Júlio Pernetta. Para ele, as missões “... só serviram para dilatar o funesto e atrofiante domínio dos jesuítas no Brasil-Colônia ... para usufruir e degradar toda uma raça, abafando a enérgica vitalidade de que era dotada, redu-

zindo-a criminosamente à passividade idiota...”13 Estudos mais recentes, no entanto, têm tentado demonstrar

a pertinência dos missionários ao seu mundo, abandonando a prática de definições maniqueístas que os colocavam em lados opostos de ação: bons ou maus, salvadores ou exploradores.

Para a antropóloga Berta Ribeiro, os missionários teriam diferentes motivações concomitantes para se lançarem ao Novo Mundo: salvar almas, ou converter os indígenas ao catolicismo; ser-vir à colonização, proporcionando-lhe paz e trabalhadores; e obter o sustento da Ordem. Os três objetivos por ela apontados não são ex-cludentes, ao contrário, à mentalidade européia recém saída do mun-do medieval, extremamente voltada à religiosidade, unia-se nesse momento a mentalidade mercantilista surgente, explicando-se então

a superposição de valores religiosos e econômicos.14

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Num estudo aprofundado sobre a ação jesuítica no Brasil colonial - O combate dos soldados de Cristo na Terra dos Pa-pagaios - Luís Felipe Baêta Neves lembra que a ideologia e as práticas institucionais jesuíticas nasceram e dispersaram-se his-torica e geograficamente da Europa para o ocidente, sendo per-meadas pelos preconceitos e interesses coloniais europeus. No entanto, ressalta que foram eles que, ao virem para o Brasil ca-tequizar os índios, admitiram a humanidade e a racionalidade dos mesmos: “...pelo menos, não negaram à distância a ´possibilidade` que fosse da racionalidade, da conversibilidade,

da paradoxal ´humanidade` daquelas ´hordas selvagens`.”15 Tal posição explicaria a forma escolhida pela qual os mis-

sionários deveriam converter os índios: o “convencimento” atra-vés da razão estimulada pelos meios pacíficos dos ensinamentos e pelo exemplo. Porém, admitiam também que se esse “conven-cimento” fosse insuficiente para convertê-los, a “guerra justa” poderia ser aceita a fim de que fossem domados, sendo, portan-to, um “instrumento de salvação da alma”, que deveria ser con-

trolado para não haver aplicação incorreta.16 Para Baêta Neves, os jesuítas não eram “...apenas aplica-

dos pedagogos e professores que aceitaram formas violentas aplicadas pelos leigos...”, nem tampouco eram “... soldados que

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eventualmente vestiam batinas ...”: eram homens do seu tempo, que estavam imbuídos de uma militância cristã comum à socie-dade européia católica, vivenciando uma época de combate espi-ritual e territorial com as forças da Reforma Protestante. Que apesar de sua organização institucional ser hierarquizada e ca-racterizada pela obediência e pela participação das expedições de ampliação das fronteiras coloniais, não eram “soldados” mili-tares como os cruzados, eram religiosos que enfrentavam sim uma “conquista espiritual” e que esta envolvia “táticas e estra-tégias” de catequese que foram bem articuladas no mundo ameri-

cano com os interesses coloniais das Coroas ibéricas.17 Para ele, a catequese era um “...esforço nacionalmente feito para conquistar homens, e um esforço para acentuar a semelhança [a de serem

homens] e apagar as diferenças [as de não serem cristãos]...18 Essa atuação não foi exclusiva dos jesuítas na colônia. Ou-

tras ordens missionárias também vieram para o Brasil com a finalidade de fomentar a aproximação com os índios. Um exem-plo bem estudado por Maria do Céu Medeiros, foi a Ordem dos Oratorianos na Capitania de Pernambuco e suas anexas.

Maria do Céu Medeiros é de opinião semelhante à de Baê-ta Neves. Para ela, os missionários eram “...legítimas figuras do seu tempo ...situados no contexto da Contra-Reforma, de cujo

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espírito eram portadores.”19 A expansão do mundo conhecido, com as descobertas marítimas, havia apresentado vazios que deveriam ser ocupados pela cristandade. Dessa forma, os mis-sionários se incumbiram de ocupar os espaços coloniais vazios, e uma das maneiras para se fazer isto era atraindo os índios à religião católica, mas nunca esquecendo de que “...o serviço de

Deus e do Rei não se podiam separar...”20 A ponte que ligava os dois “serviços” era o Padroado, ins-

tituto que aliava os interesses eclesiásticos de expansão da fé cristã aos interesses reais ibéricos de expansão mercantil. A Or-dem de Cristo, instituída pela Igreja com fins cruzadísticos, ga-rantiu esta ligação custeando muitas expedições marítimas que deveriam obrigatoriamente expandir o cristianismo para as terras incógnitas. Nas terras novas, por outro lado, era a Coroa Ibérica a responsável pelo recebimento dos dízimos da Igreja e sua rea-plicação na atividade missionária, responsabilizando-se também pelos provimentos e manutenção dos cargos eclesiásticos. Edu-ardo Hoornaert conseguiu deixar clara esta ligação:

“Portugal é senhor dos mares ´nunca dantes

navegados`: organizador da Igreja em termos de conquista e redução, planificador da união entre

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missão e colonização. Por onde chegam os portu-gueses plantam o famoso ´padrão` que traz as ar-mas reais e a cruz intrinsecamente ligadas entre si. Portugal goza dos favores da Cúria Romana em ne-

gócios do além mar”21 Com essa finalidade dupla, a expansão da cristandade a-

través da conversão do gentio ao catolicismo e a garantia da posse da terra e da sobrevivência colonial, os missionários se multiplicavam, mesmo sendo em pequeno número, cobrindo longas distâncias com despreendimento e capacidade de ação, pois eram estas as qualidades necessárias quando se andava pe-

las terras do Novo Mundo.22 Na costa do Brasil, foram os jesuítas que começaram a a-

ção catequética, espalhando-se pela Bahia, pela Capitania de São Vicente e todo o restante do litoral. Nesse primeiro momen-to, utilizavam-se das missões volantes, isto é, os jesuítas visita-vam as fazendas, engenhos e as aldeias indígenas pregando a doutrina cristã e tentando converter os indígenas, que poderiam permanecer nas suas aldeias originais ou serem reduzidos às

Aldeias de El-Rey. 23 Pela sua importância religiosa e colonial, as missões volantes foram encaradas como a principal atividade

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dos missionários nas colônias, sendo os Colégios, inclusive,

formados para servir de base de apoio a elas.24 Sobre as ações dos jesuítas praticadas nessas missões vo-

lantes nas proximidades da Bahia, é o Padre Anchieta quem fala:

“...vivem de ordinário seis dos nossos: três Padres e três Irmãos ...a ensinar e administrar os sacramentos aos escravos de Guiné e Índios da Ter-ra: têm a seu cargo duas aldeias de Indios, umas cinco léguas da vila para o sul, outras quatro para o Norte, não residem nelas, mas visitam-as a miúdo, e também visitam outras mais longe, que são de cris-

tãos e pagãos...”25 Com a expansão da fronteira colonial novas áreas também

foram missionadas pelos jesuítas e é sobre o trabalho dos mis-sionários do Colégio de Olinda, que Anchieta diz:

“... os irmãos andam em contínuas missões aos

engenhos que estão a quatro, oito e doze léguas da vila, catequisam, batizam e acodem a outras neces-sidades extremas, não somente dos portugueses, mas

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principalmente dos escravos que de Guiné serão até

10.000, e dos Indios da terra até 2.000.” 26 Dentre os sacramentos administrados nas Missões volan-

tes, era o batismo o mais importante para os missionários, por ser ele o símbolo da passagem de “bárbaro” a “homem”. Era através dele que se confirmava a “conversão” do índio, que se distinguia o “pagão” do “converso”, mas, ideologicamente, tam-bém distinguia o índio “bom” do “mau, o “amigo”, do “inimi-go”. O recebimento do nome cristão, mesmo não tornando-o exatamente um igual, visto que era “convertido”, o tornava parte da comunidade cristã e dentro dela o índio estaria seguro da es-cravidão. Essa preocupação em “salvar almas” pode ser eviden-ciado pelo grande número de batizados que os missionários fazi-am. O Padre Bettendorf escreveu uma interessante passagem que demonstra esse afã de batizar: “... e como eram tantos os meninos era necessário pôr-lhes um escriptinho na testa para poderem lembrar correntemente de seus nomes quando adminis-

travam os Sacramentos do Santo Baptismo.”27 Por outro lado, Maria do Céu Medeiros lembra que, para o

mundo colonial, o batismo do índio representava “... a morte do homem velho - o índio tribal, e o nascimento de um novo ho-

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mem; o súdito do rei.”28 No entanto, somente o batismo não garantia que esse novo “súdito” estivesse apto a servir ao seu novo rei: novas práticas sociais, econômicas e políticas lhe deve-riam ser ensinadas para que fosse útil à Coroa. Assim, ao lado das suas funções religiosas, como a celebração dos batismos e missas, das confissões e comunhões, assim como o ensinamento da doutri-na cristã, os missionários também tentavam alcançar uma mudança dos costumes, ou melhor, tentavam “civilizar” os índios.

As missões volantes estavam de acordo com a percepção dos missionários da dificuldade de ensinar a doutrina, de cate-quisar enfim. Desta forma, segundo Serafim Leite, “A obra de sua conversão iria estabelecer-se mais num plano prático do

que doutrinário, mais de mudança de costumes que de fé.”29 E as mudanças que deveriam ser trabalhadas eram principalmente quanto à antropofagia, à poligamia e ao seminomadismo. Não é por outro motivo que, desde 1558, Nóbrega estabeleceu para os seus missionários a “Lei que se deve dar aos índios”:

1. “defender-lhes de comer carne humana e guerrear sem

licença do Governador; 2. fazer-lhes ter uma só mulher;

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3. vestirem-se, pois têm muito algodão, ao menos depois de cristãos;

4. tirar-lhes os feiticeiros; 5. mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos; 6. fazê-los viver quietos, sem se mudarem para outra parte

senão para entre cristãos, tendo terras repartidas que lhe bastem, e com estes Padres da Companhia para os

doutrinarem.”30 Além da catequese e do controle sobre a cultura indígena,

outra forma de “civilizar” seria através do exemplo, um “... meio de se apresentar concretamente as virtudes cristãs que são

necessárias...”.31 No entanto, essas “virtudes” nem sempre e-ram observadas nos colonos, que, muitas vezes, pretendiam es-cravizar os índios. Assim, a ação missionária tendeu então para uma “pedagogia do isolamento”, segundo Maria do Céu Medei-ros, que delegava aos missionários maior influência no “processo civilizatório” a que os índios eram submetidos em suas aldeias ou em aldeamentos formados pela redução dos índios, onde não deveria haver a presença de colonos ou de autoridades coloniais além dos

próprios missionários.32 Por sua vez, estes deveriam seguir um pa-drão de comportamento cristão estabelecido pelos vários regulamen-

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tos que tentaram garantir uma uniformidade e direcionamento das práticas missionárias, principalmente porque, como se sabe, essas atividades aconteciam geralmente no meio das matas brasileiras, longe de um controle maior por parte dos superiores das Ordens, que

no máximo poderiam enviar visitadores.33 O exemplo ao avesso também foi utilizado como forma de

“civilizar” os índios, principalmente para se tentar evitar a repe-tição dos “erros graves” que eram punidos com os castigos e-xemplares geralmente a morte ou o desterro, que serviam para

manter o controle através do medo.34 Apesar dos castigos terem sido, na sua maioria, imputados no âmbito do poder temporal, os missionários não desqualificavam a sua eficácia, é o que pode se perceber no relato do Padre Nóbrega sobre o caso do índio mor-to na boca do canhão a mando do Governador por ter assassina-do um português: “...isto pôz grande medo aos outros que esta-vam presentes; e os nossos Christãos se abstiveram de andar

pelas aldeias, o que foi serviço de Deus...”35 Os desterros, co-mo o do Principal Zorobabé em 1604, o de Simão Tagoabuna em 1662, preso e desterrado por ter se rebelado contra o governo

português na Serra da Ibiapaba,36 ou o de João Pregador, tapuia do Rio Grande, provavelmente um feiticeiro, que tinha seguido-

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res e fomentava a rebelião37, são exemplos de como o castigo do afastamento teria grande uso para o controle da resistência dos Principais.

Os missionários também acabavam tendo funções coloni-ais por estarem em proximidade constante com os índios e con-seguirem a confiança deles. Eram eles os escolhidos, para inter-mediar os acordos de paz por ambos os lados, como confirma o Padre Vieira: “... fizeram as pazes entre eles e os tobajaras [da Serra da Ibiapaba], sendo os mesmos padres medianeiros, fican-

do como por fiadores de ambas as partes.”38 Como já foi visto, estes acordos de paz eram de suma importância para a colônia, pois garantiam a possibilidade do estabelecimento de alianças que geravam braços guerreiros e braços agricultores, ao mesmo tempo que garantiam o sossego para a consolidação da colônia.

Numa discussão com Gabriel Soares de Souza, atuante co-lono de Pernambuco, os jesuítas justificaram as suas atividades junto aos índios, em 1580:

“O único remédio dêste Estado é haver muito

gentio de paz, pôsto em Aldeias, ao redor dos enge-nhos e fazendas, porque com isso haverá gente que sirva, e quem resista aos inimigos, assim Franceses

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e Ingreses, como Aimorés, que tanto mal teem feito e vão fazendo, e quem ponha freio aos negros da Gui-

né, que são muitos e de só os Índios se temem.”39 Vê-se que ao lado dos objetivos religiosos, era claro tam-

bém aos missionários o cumprimento dos objetivos coloniais, que não eram estanques. A “civilização”, a que os índios deveri-am ser conduzidos, significava, ao final, a sedentarização, a formação da família nuclear, a adoção de comportamentos soci-ais e políticos cristãos e ocidentais (abandono da nudez, dos enfeites, da antropofagia, do incesto, da vida comunal etc.) e, principalmente, a adoção de formas de obtenção do sustento européias (agricultura sedentarizada). É o que Baêta Neves chamou de civilização através do controle do corpo, do tempo e do comportamento: “A lei deve prevalecer; o processo político militar e as práticas institucionais pedagógicas da Companhia de Jesus terão como integrante de seu núcleo principal de obje-tivos impor e fazer valer Regras e Normas que afastem as popu-

lações do Demônio e a aproximem de Cristo.”40 O “processo civilizatório” era, portanto, exercido através

de várias ações que redundavam enfim em um controle sobre o indígena, inclusive sobre a moral conforme os desígnios do

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Concílio de Trento. Na investida contra a cultura indígena, iden-tificava-se os valores da civilização européia com o “bem” e os da cultura indígena com o “mal”. Assim, entende-se a necessária “passagem” do índio “bárbaro”, “pagão”, “inimigo” e ”mau” ao índio “manso”, “cristão”, “amigo” e “bom”, pois quanto mais próximo à “civilização”, mais “humano”. E quanto mais “huma-no”, mais pronto a servir à colonização, pois “... a quebra do modo de pensar e agir do índio, condição primordial para fazer dele um fiel vassalo de Sua Magestade, se subordinava à impo-

sição da cultura do colonizador.”41 Na perspectiva indígena, no entanto, a aceitação da religi-

ão cristã, primeiro passo para ser um súdito real e livrar-se da ameaça da escravidão, pode ser entendida como outra forma de estratégia de sobrevivência no mundo conflituoso da conquista portuguesa que admitia apenas a existência de cristãos. Os não cristãos, sejam eles hereges ou pagãos, deveriam ser persegui-dos, guerreados ou catequisados a qualquer custo, mesmo que o resultado desta catequese não seja uma conversão verdadeira.

A dificuldade de comunicação inicial na transmissão da doutrina, que exigia inclusive intérpretes tanto para a catequese quanto para as confissões; a rapidez com que se efetuavam os batismos em massa, num afã evangelizador; a curta permanência

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dos missionários entre os índios; a resistência exercida pelos Principais e xamãs, são algumas das situações que apontam para uma “conversão” superficial, temporária, fluida e miscigenada, isto é, “contaminada” pela própria cultura indígena, fazendo aquilo que Ronaldo Vainfas chamou de “catolicismo tupinam-

bá” no seu livro maravilhoso, Heresia dos Índios.42 Para ele, o re-sultado das missões religiosas entre os índios Tupi seria uma conver-são construída “...por meio das traduções do catolicismo para o tupi e a tradução tupi do catolicismo; por meio das circularidades entre os símbolos culturais cristãos e os indígenas.” Dessa forma, na rea-

lidade, os índios seriam mais “cristianizados”43 do que cristãos, isto é, teriam apenas passado pelo processo de catequese, o que não ga-

rantia que fossem cristãos de fato.44 Baêta Neves é de opinião semelhante, para ele a “conversão”

para os índios poderia ter motivações diversas que não a religiosa, e, quando aconteciam, não havia garantias de que fossem duradouras ou mesmo de que fossem isentas de empréstimos culturais:

“Com o decorrer da ocupação colonial e do

trabalho catequético, começam a aparecer os pri-meiros resultados positivos do proselitismo dos ina-cianos. Alguns ´índios` ou ´tribos` inteiras parecem

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se ´converter` ao catolicismo. Tais conversões, se corroboram a posição dos que acreditam na racio-nalidade do gentio, nunca o fazem de modo cabal-mente satisfatório. Afinal os conversos podem se desconverter; podem estar fingindo uma ´conversão` que só visa objetivos de ordem bem diferente da considerada espiritual; podem manter ao lado de seu ´catolicismo` vários elementos - até mesmo reli-giosos - de sua cultura original, e assim por diante. E - o que é fundamental acentuar - mesmo quando os missionários exibem orgulhosos ´conversões per-feitas`, jamais deixam de nomear tais indivíduos como ´índios`. São ´índios conversos` mas são

´índios` e ´conversos`.”45 Na Capitania do Rio Grande, a presença missionária é no-

tada desde a sua conquista pelos portugueses que foram acom-panhados pelos jesuítas Gaspar de Samperes e Francisco Lemos, além dos Frades Franciscanos João de São Miguel e Bernardino das Neves, este “...por ser muito perito na lingua brasílica e mui

respeitado pelos potiguares.”46 Eram missionários que vinham do Colégio Jesuíta de Olinda e do Convento Franciscano, que já

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tinham contato com os Potiguara da Paraíba, inclusive com a formação de aldeamentos nas cercanias da cidade de Filipéia de Nª Srª das Neves (atual João Pessoa). A presença desses religio-sos nas expedições de conquista advinha da necessidade de se ter um meio de contato com os indígenas e também uma assis-tência religiosa aos portugueses.

Realmente, cumprindo o papel de “medianeiros”, como diria o Pe. Vieira, os padres jesuítas tiveram função relevante na apro-ximação entre portugueses e Potiguara ao final das lutas armadas que resultaram na expulsão dos franceses e consequente enfraque-cimento dos Potiguara. Segundo o Pe. Pero Rodrigues, em carta de 19 de dezembro de 1599, os padres Francisco Lemos e Gaspar de Samperes faziam entradas pelo Rio Potengi acima, acompanhados de soldados, para persuadir aos índios que se rendessem. Para isso, iam acompanhados também de alguns índios de suas aldeias na Paraíba, já cristãos, que também faziam pregações sobre as “con-

veniências” da aproximação com os padres.47 Aos poucos, alguns índios foram se “encorajando” e indo

ao Arraial, formado nas proximidades da fortaleza, para falar com o Capitão-mor “...e tornaram aos seus, muito contentes, assim por ver que lhes cumpriam os Padres a palavra que lhes

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deram, de os deixar tornar, como pelo bom gasalhado que no

Capitão achavam, de comer e beber, roupas e resgates.”48 A aproximação, como se vê, foi tentada através do “con-

vencimento” dos resgates, mas também foi facilitada pelas difi-culdades de sobrevivência que os Potiguara enfrentavam, advin-das do contato em si. Vale lembrar que a epidemia de varíola que atacara as tropas de Feliciano Coelho no caminho para o Rio Grande, atingiu também os Potiguara, pois, conforme informa-ção do Pe. Rodrigues: “...os franceses disseram que houve Al-

deia em que amanheciam cem pessoas mortas.”49 Além disso, também a própria guerra de conquista desestruturava a econo-mia indígena, levando a grande fome, por causa das mortes, mas também pelos cativos que os portugueses levavam, entre os quais muitas crianças e mulheres que nem sempre chegavam aos

destinos devido a “morrerem de bexigas”.50 A aproximação com os indígenas já iniciada e uma crise

epidêmica em andamento, foi o quadro que Mascarenhas Ho-mem encontrou ao retornar ao Rio Grande no início de 1599, trazendo em sua companhia o Padre Francisco Pinto, considera-do um dos melhores “línguas” no Brasil de então, e o Padre Gaspar de Samperes, que já havia estado no Rio Grande e era o responsável pelo projeto da Fortaleza dos Reis Magos. Foi a

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intervenção destes padres junto aos principais das tribos Poti-guara que possibilitou a paz. O Padre Pinto enviou o Pe. Sampe-res de novo ao sertão do Rio Grande para convidar aos Princi-pais, que ele já tinha contactado na sua vinda anterior, para irem à Fortaleza a fim de consolidarem as pazes com o Capitão- mor: “Vieram; e entre eles o maior de tôda aquela comarca, por no-me Camarão Grande, e a tudo isto se achou presente o Capitão-

mor e o capitão da Fortaleza João Rodrigues Colaço.”51 Foi neste encontro que acordou-se que para a “garantia” de paz, o Camarão Grande deveria ceder alguns de seus parentes para

começarem a povoar em Pernambuco entre os portugueses.52 Como se vê, os objetivos religiosos e coloniais caminhavam

juntos na ação missionária na conquista do Rio Grande. O Capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem, encarregado da conquista, fez um relato abonador da conduta dos missionários que demonstra essa concomitância de interesses:

“Os padres, com zelo de servir a Deus e a S.

Majestade e bem das almas daqueles gentios, cami-nhando a pé, obra de cinquenta léguas, pelo sertão, entraram em vinte e cinco aldeias dos gentios inimi-gos, de que algum estava ainda tão encarniçado que

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com muita dificuldade e risco de suas vidas o pude-ram atrair à nossa amizade e, em efeito, com prega-ção dos padres e ajuda de Nosso Senhor, vieram to-dos ao que deles se pretendia, que era aceitarem as pazes e descerem com sua gente pera onde pudes-sem tratar da salvação de suas almas e ajudar aos

moradores destas capitanias.”53 (grifo nosso) Obtido o acordo de paz com o Potiguaçu, era imprescindí-

vel ao sossego do restante da capitania, estender-se a paz para os Potiguara da Serra da Copaoba, local tradicionalmente marcado pela resistência potiguara à aproximação com os portugueses. Os padres, então, mandaram recados àqueles Principais para que viessem à Fortaleza falar com eles e o seu Capitão, a exemplo do Potiguaçu. Respondendo ao convite, o Principal Pau Seco foi ao Rio Grande, ficando a meia légua da Fortaleza numa aldeia de um parente seu, convidando aos Padres que o fossem visitar primeiro. Chegando à aldeia, o Padre Pinto pregou, e depois conversou com o Principal convencendo-o a visitar o capitão do Forte, que lhe oferecia a paz. Após o acordo com o capitão, no Forte dos Reis Magos, o Principal Pau Seco “... foi muito satis-feito com as dádivas que o capitão lhe deu, e em especial com

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uma roupeta do mesmo, com uma cruz de comenda no peito.”54

Novamente os resgates são usados como demonstrativo da “boa vontade” e “amizade” dos portugueses.

Nesse encontro, concordaram também que o Padre faria uma peregrinação nas outras aldeias potiguara, acompanhado dos Princi-pais Pau Seco e Mar Grande com a mesma finalidade de estabelecer a paz com os outros Principais. Andaram por muitas aldeias, nas quais o Padre Pinto disse ter sido sempre bem recebido:

“....com algum trabalho por estarem de fome,

e também com alguns sobressaltos de alguns que, por nos não conhecer, falavam assim de nos quere-rem matar; ...em todas as aldeias fazia as minhas práticas [pregações] em seus terreiros, como é cos-tume, aonde se ajuntavam não somente os princi-pais. Fiz-lhe algumas práticas e assentaram comigo de me virem acompanhando até a Paraíba para

cumprir as pazes.”55 Foi esta grande “paz” estabelecida, no dia 13 de junho de

1599, com a presença de quinze a vinte Principais Potiguara da Serra da Copaoba e do Rio Grande, que seguiram o Padre Pinto

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até a cidade de Filipéia de Nª Srª das Neves, onde, ao mesmo tempo, estabeleceram a paz com os índios Tabajara já cristãos, entre eles o Principal Piragibe e seu filho Braço Preto, que eram tradicionais inimigos dos Potiguara.

A par com as “práticas” do Padre Pinto, tais pazes foram possíveis de acontecer, principalmente pelos Potiguara atraves-sarem uma grande seca e ser “... universal a falta de alimentos pela grande esterilidade em que se achavam as suas lavou-

ras.”56 Os índios acreditavam que os Padres poderiam resolver os seus problemas, principalmente o da falta de água para as lavouras. É o que transparece no relato do próprio Padre Pinto, quando um Principal lhe pediu que enviasse chuvas:

“Parece, imaginava êle, que eu era algum san-

to para lha poder alcançar. Eu lhe disse que só Deus, criador de todos, era o que podia dar a chuva e tudo, que nós não podíamos mais fazer que pedir a Deus o de que tínhamos necessidade, e Êle, quando é sua vontade, no-lo concede. Quis Nosso Senhor que logo, indo-se êles para suas Aldeias, veio tanta chuva, que êles foram bem molhados e a terra tam-

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bém abastada de água; por onde ficaram todos cui-

dando que por aquela petição lhes viera.”57 Por causa deste episódio, diz o Pe. José de Moraes: “Foi tão

grande o conceito, que os índios fizerão da Santidade do Venerável Padre, que dali por diante lhe não derão outro nome que o de Ama-

nayára, que quer dizer, Senhor das Chuvas.”58 O Padre Pinto trans-formara-se, por querer ou não, num verdadeiro Caraíba.

Pelas suas tradições, os Tupi acreditavam na ação benefi-ciadora dos Caraíbas, xamãs muito poderosos que, antes da chegada dos europeus, de tempos em tempos percorriam as al-deias pregando a busca da “terra sem mal” onde não haveria fome, nem necessidade de trabalho. Tais promessas, de certa forma, os missionários também passaram a fazer com suas pre-gações, seus acenos de paz e bem-viver e seu contato com

Deus.59 Uma demonstração dessa assimilação entre caraíbas e missionários foi dada pelo Padre jesuíta Antônio Pires, atuante em Pernambuco, em carta de 5 de junho de 1552, onde relata a sua estranheza pelo fato de que, em algumas aldeias em que cos-tumava pregar, os índios lhe ofereciam milho em abundância:

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“Quando vim para casa, já me estava aguar-dando um Principal de outra aldeia que vinha car-regado com sete ou oito negros de milho. O seu in-tento é que lhe demos muita vida e saúde e manti-mentos sem trabalho, como os seus feiticeiros lhes

promettem.”60 Dessa forma, os missionários, como o Padre Pinto, acaba-

vam sendo percebidos, ou como quer Eduardo Hoornaert: “... ´redefinidos` ou antes ´pré-definidos` como pajés a partir de

esquemas ancestrais da cultura tupi.”61 Isto é, eram as tradi-ções ancestrais indígenas que diziam aos índios como agir e o que esperar, e foi assim munidos que eles encararam os missio-nários e aceitaram a sua aproximação e intermediação com o mundo colonial. De pajés que “... lhes davam coisas boas, scili-

cet, mantimentos...”62 , quer dizer, que lhes protegiam contra as dificuldades da vida cotidiana e espiritual, não poderiam esperar outra coisa senão a proteção prometida.

No entanto, essa aceitação não pode ser entendida apenas como uma mera submissão à presença portuguesa, pois antes era informada por uma dinâmica própria da sua tradição frente à situa-ção historicamente nova da conquista, uma situação que trazia o

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enfrentamento com a fome, com a morte e com as doenças estra-nhas que seus Principais e pajés tradicionais não conseguiam debe-lar. E foi nessa situação que os missionários apareceram, não como guerreiros, mas como aqueles que apontavam para uma solução dos problemas. Ao “convencer” e “converter” os Principais, conse-

guiam que os seus seguidores também o fizessem.63 É este papel de amigo dos Principais e de líder carismáti-

co, em substituição aos caraíbas tradicionais, que se observa na atuação do Padre Pinto quando, após o acordo de paz na Paraíba, ao retornar ao Rio Grande para confirmar as pazes, logo erigiu uma cruz em uma aldeia indígena da Capitania. Relatou o pró-prio padre: “ Depois de tornarmos ao Forte do Rio Grande, por assim o querer um grande principal, que foi o princípio das pazes, lhes fomos a pôr uma Cruz em um lugar onde ele queria juntar sua gente, que estava espalhada por causa das guerras

passadas. “64 Era a Aldeia do Camarão, o “grande principal” que já tinha tratado da paz com Mascarenhas Homem, que fica-va à esquerda do rio Potengi e que, de acordo com Padre Vicen-te do Salvador, era “... grande e fortemente cercada, ... e despe-

jada.”65 . A Cruz seria o símbolo da paz entre índios e portu-gueses intermediada pelos missionários, e sob a sua sombra os índios estariam, pelo menos legalmente, protegidos da escravi-

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dão imposta pelos portugueses aos índios hostis, podendo retor-nar às suas aldeias até então esvaziadas pelas doenças e mortes, mas também pelo medo da escravidão.

Com a primeira Cruz levantada e a paz garantida por ela, os outros chefes Potiguara do Rio Grande dispuseram-se tam-bém a aceitá-la em suas aldeias, e assim, mais oito cruzes foram erigidas pelo Padre Pinto ao Sul do Forte, cinco ao Norte, e mais

algumas a uma distância de 9 ou 10 léguas ao Norte também.66 Para estabelecer a aproximação com os indígenas, o Padre

Pinto utilizava-se de um “método”67, principalmente, quando pre-tendia fazer contatos para se iniciar nova povoação ou fazer desci-mentos dos índios para as aldeias já convertidas. Sua forma de ação demonstra a grande experiência no contato com os índios através do aproveitamento de elementos da cultura tupi, principalmente, quando agia como um caraíba que prometia uma nova vida.

Primeiramente, ele adquiria um conhecimento prévio so-bre a forma de ser dos índios que queria contactar, através dos índios já aldeados; se viviam em aldeias ou se eram nômades; qual a sua organização política; se eram inimigos dos portugue-ses e o por quê; e se “...nelles havião disposição para se pode-

rem aldêar, e que meios serião mais efficazes à sua redução.”68

Utilizava como tática de aproximação, enviar “embaixadores”,

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isto é, alguns índios aparentados ou vizinhos que lhes falassem da presença do Padre e que lhes levassem presentes deste, em nome do seu afeto: “...alguns prêmios de avellorios, facas, ma-chados, fouces e alguma veste e calção do córte ou peça mais subida na côr que no preço, para o Principal, por serem as dá-divas o melhor instrumento para quebrantar os corações destes

brutos, sobre animados penhascos.”69 Os índios geralmente, faziam perguntas aos “embaixadores”

sobre o Padre, suas intenções, sobre a vida que levavam em sua companhia e como eram tratados por ele, a que, bem instruídos pelo Padre, deveriam responder favoravelmente; depois, manda-vam alguns índios para averiguarem sobre o que tinham ouvido e, finalmente, marcavam um prazo determinado para a visita dele.

Assim, munido dos presentes que daria aos índios e de um altar portátil, o Padre Pinto andava o longo percurso e, antes de chegar à povoação, mandava os índios à sua frente para anunciar a sua chegada. Ao chegar, logo lhe indicavam uma casa que pudesse usar e o Padre armava a sua rede para receber suas visi-tas: o primeiro era o Principal e depois os outros homens; a se-guir as mulheres traziam presentes, frutas, bebida, farinhas, bei-jus, caça assada, cozida ou crua, sem falarem nada, e o Padre se via obrigado a comer e beber de tudo que recebia para não ofen-

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der a elas e aos seus maridos. Depois sentavam-se ao chão e congratulavam-se com o Padre, falando dos presságios que ti-nham antecedido a sua vinda:

“...que virão hum passaro de extrema grande-

za alguns dias antes da sua chegada, que tinhão so-nhado com huma grande chuva com a qual cresce-rão repentinamente seus milhos e as suas mandio-cas; o que tudo erão avisos de que o Padre havia fi-

nalmente de chegar às suas terras.”70 Também o Principal falava de seus problemas de guerras,

de calamidades e de epidemias. Por seu turno, o Padre respondia contando, por si mesmo

ou por intérpretes, tudo o que se passara na sua viagem e seus incômodos, mas, principalmente, falava que:

“...o fim de todo este trabalho não era outro

mais que o buscar a sua amizade e tratar de seu bem, promettendo-lhes a sua assistência para os de-fender de seus inimigos, porque sentia do coração

os grandes males que lhe tinhão contado.”71

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Nestes relatos, fica patente que os missonários eram espe-rados e tratados como um caraíba que resolveria os problemas indígenas. Mas também fica claro que o Padre falava e agia co-mo um caraíba, como um estratagema de aproximação, pois ele sabia que era isto que se esperava dele. Ele levava em conta as tradições que queria substituir, por isso ele não falava em mo-mento algum sobre a sua intenção de instruí-los na palavra de Deus “...porque não queria de golpe introduzir-lhes nenhuma

mudança de lei e de terras...”72, pois isto poderia assustá-los e fazê-los fugir.

Em adição a esta “prática”, o Padre distribuia os presentes que trouxera, primeiro ao Principal e suas mulheres, depois aos outros da tribo, sem deixar de evidenciar a diferença entre eles. Cuidava dos doentes e agradava as crianças e assim as suas mães, e assim aos seus maridos, que falavam dele ao Principal “...que não convinha privarem-se da companhia daquelle bom Padre, que tanto cuidado tinha com elles e com tanto carinho

tratava os seus filhos.”73 Finalmente, os índios acabavam por vir pedir-lhe macha-

dos e foices, que apreciavam e necessitavam para as suas lavou-ras. Ao que respondia-lhes o Padre:

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“...que elle não trazia mais que três ou quatro machados, e outras tantas fouces para o Principal e seus parentes mais chegados, porém que na sua al-dêa tinha quantidade de ferramentas que pudessem suprir a todos, querendo elles viver na sua compa-nhia, livres de seus inimigos, com grandes roças pa-ra os sustentarem, que para elles de propósito tinha mandado fazer: boas terras para fazerem outras, com a poderosa conveniência de serem vassalos de El-Rei de Portugal, que era senhor de grande poder, protegia muito aos Índios e lhes fazia particulares mercês, e sobretudo que lucrarião a segurança de sua salvação, sendo filhos de Deos e herdeiros do Céo, que seus pais e avós não merecerão, e que era este hum bem tão superior, que só para lh´o com-municar se tinha elle desterrado de sua terra e pa-rentes, e andava embrenhado por aquelles matos, porque não queria que o diabo fosse senhor das su-as almas e os atormentasse para sempre no fogo do

inferno.”74

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Na realidade, o que o Padre Pinto lhes prometia era uma espécie de “terra sem mal”, tal qual um verdadeiro caraíba fari-a. Não foi à-toa que os índios do Rio Jaguaribe, que tinham sido aldeados por ele, foram a procura de seus restos mortais, quando nova e intensa seca se abateu sobre aqueles sertões no ano de 1609, pois, segundo o Pe. Moraes, diziam que: “...na posse da-quelle corpo estava todo o remedio das suas maiores afflicções;

tendo o sol e a chuva ao arbítrio das suas vontades.”75 De fato, depois de sua morte em 11 de janeiro de 1608, a-

tacado por índios Tacarijus na Serra de Ibiapaba quando tentava a aproximação com eles para abrir uma frente de comunicação entre Pernambuco e o Maranhão, seu companheiro de jornada, o Pe. Luiz Figueira, o enterrou no pé da serra, construíndo aí uma

tosca capela.76 No entanto, acossados pela seca de 1609, os índios aldeados do Rio Jaguaribe

“...lembrando-se logo do seu querido Amana-

jara [sic], que, em idênticas circunstancias, já lhes havia feito cahir chuva, e por isso resolveram a transladação de seus ossos para junto de si ... Da serra foram trasladadas essas relíquias para a al-deia de Porangaba (Arrouches) e depositadas em

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uma igreja especial levantada por ordem do Felippe

Camarão”.77 Os Potiguara, comandados por Potiguaçu, foram visitar o

seu amigo trasladado para a aldeia de Porangaba, “... vestidos todos de gala ao seu modo, da mesma peça que costumão trajar as mais vistosas aves daquelle paiz ... com coifas de plumagem

... ajudados dos arcos e frechas, de que iam armados.”78 Ao chegarem, o Potiguaçu, pela sua grande soberania, “...tanto pela valentia de seu braço, como pela destreza na guerra e grande número de vassalos com que se tinha feito dos mais podero-

sos...”79, mandou que todas as aldeias se juntassem para cele-brar ao seu modo as exéquias do defunto padre. Assim foram três dias e noites de “contínuo choro”, após o que mandou cons-truir uma nova e maior igreja, para depositarem no altar os ossos do padre, depois do que retornou ao Rio Grande.

Os padres jesuítas que relataram este episódio, entende-ram-no como uma demonstração da força da conversão obtida por este padre entre os Potiguara, no entanto, pode-se perceber, contrariamente, que mesmo depois de morto o Padre Pinto con-tinuava sendo encarado e merecendo respeito como um caraíba que, por poderoso que era, poderia continuar a protegê-los.

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A partir da missão dos Padres Pinto e Samperes, estando inici-ada a ação catequética na Capitania do Rio Grande, os jesuítas preo-cuparam-se em formar uma residência central em Natal, “... porque para haver residência um cada aldeia era impossível por não haver

tantos Padres.”80 Assim, em 14 de agosto de 1600, foi registrada a doação de uma data de terras da cidade aos jesuítas pelo Capitão-Mor Rodrigues Colaço, que foi confirmada em 8 de agosto de 1603

pelo Capitão-Mor Jerônimo de Albuquerque.81 À época desta con-firmação da doação das terras, o Padre Gaspar de Samperes estava de volta a Natal supervisionando as “obras”, provavelmente, a do Forte dos Reis Magos e a da residência dos Padres, acompanhado

pelo Padre Superior Diogo Nunes.82 Em 1607, o Padre Gaspar de Samperes confirma a exis-

tência de um curral, casas e roças na várzea do Rio Jundiaí, de propriedade da Companhia de Jesus, como se observa no Tras-lado do Auto de Repartição das Terras do Rio Grande. Havia também terras na Várzea do Rio Ceará-Mirim. Em 1609, a exis-tência de uma residência de “cal e pedra” dos Padres da Com-panhia, na Cidade do Natal, é mencionada na “Relação das Praças Fortes do Brasil” em 1609, de Diogo de Campos More-

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no.83 Estas propriedades seriam as garantidoras do sustento dos padres na capitania, durante as missões volantes.

Com o andamento da construção da “casa” que acolhia os missionários em Natal, as missões volantes partidas de Pernam-buco se intensificaram, seguindo-se continuamente de ano em ano, sempre com dois jesuítas. Infelizmente, não se tem infor-mações precisas sobre todas elas, principalmente, porque as fon-tes principais são os próprios jesuítas, com sua correspondência e relatórios que se encontram no Arquivo da Ordem, em Roma. Contudo, muitos desses relatos foram transcritos pelo Pe. Sera-fim Leite, na sua História da Companhia de Jesus no Brasil, da qual se vale aqui.

Em 1605, há uma missão volante partida por mar do Colé-gio de Olinda, que se repetiu no ano seguinte, por terra, com os Padres Diogo Nunes e André de Soveral, cujas ações foram rela-tadas na Carta Ânua de 1606. Contaram que com a sua chegada conseguiram acalmar os índios Potiguara, que temiam pela sua liberdade, nas proximidades da Fortaleza dos Reis Magos, ao ponto de que já “... se dispunham a levantar-se para a defen-

der.”84 Este temor pela liberdade, pode estar ligado ao levante que o Pe. Vieira relatou ter acontecido entre os índios do Rio Grande e Ceará nesta época, em razão dos apresamentos ilegais

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feitos por João Soromenho e seus homens, conforme vimos no capítulo 2. Segundo a Carta Ânua, a presença dos padres pôde dar novamente a “esperança da liberdade” aos índios, e ao Ca-pitão-mor permitiu que também tivesse “...a esperança de se

situarem moradores nas suas fronteiras.”85 Nota-se que a paz entre índios e colonizadores continuava frágil, visto as contínuas ameaças de apresamentos, pelo lado português, e de levantes, pelo indígena, e era esta fragilidade das relações que dificultava a estabilização da nova colônia, exigindo a presença missionária para proceder a aproximação e consolidá-la.

Prosseguindo com essa missão, os padres visitaram as al-deias dos índios, entre as quais destacaram uma governada por uma índia já batizada, Antônia Potiguar, que ao saber da vinda dos Padres havia mandado abrir e limpar um caminho reto pela mata e veio recebê-los a “15.000” passos da aldeia; nessa ocasi-ão Antônia “...regulou o seu estado matrimonial, com o homem

que tinha escolhido, e com quem já vivia.”86 Essa Aldeia de Antônia localizava-se perto da Lagoa de Guaraíras e, segundo Olavo de Medeiros Filho, seria a mesma Aldeia Goiana de crô-nicas posteriores, cuja localização coincide com a atual cidade

de Goianinha.87 (Ver Gravura 2)

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É interessante notar a importância que é dada pelos mis-sionários a Antônia, uma índia “... que podia dar exemplo aos melhores governantes quer no respeito dos súditos, como na paz

da república.”88 Esta consideração talvez se baseie em ser ela já “crista” que “regulou seu estado matrimonial”, o que ao final, serviria como exemplo de bom comportamento aos outros índios e, principalmente, às índias, visto que a liberdade sexual era um dos elementos culturais que deveriam ser modificados, confor-me ressaltou o Pe. Vieira entre os ítens da “Lei que se deve dar aos índios”.

De fato, diversos missionários no período da conquista do litoral deram grande valor às figuras femininas, indicando-as como intérpretes, catequistas e, mesmo, meirinhas, apesar de também terem-nas culpado pelos desvios morais da colônia. O Pe. Antônio Pires, atuando em Pernambuco em 1552, disse ter como intérprete uma mulher casada “da terra”, com quem con-fessava algumas índias cristãs, e admitia:“... creio que é melhor

confessora que eu, porque é mui virtuosa.”89 O Pe. Nóbrega, por sua vez, explica o porquê da importância destas mulheres índias cristãs para a conversão dos índios:

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“As Índias forras que ha muito que andam com os Christãos em peccado, trabalhamos por re-mediar por não se irem ao sertão porque são chris-tãs e lhes ordenamos uma casa à custa dos que as tinham para nella as recolher e d`alli casarão com alguns homens trabalhadores pouco a pouco. Todas andam com grande fervor e querem emendar-se de seus peccados e se confessam já as mais entendidas e sabem-se mui bem accusar. Com se ganharem es-tas se ganha muito, porque são mais de 40 só nesta povoação, afora muitas outras que estão pelas po-voações, e acarretam outras do sertão, assim já c-hristãs como ainda gentias. Algumas destas mais antigas prégam às outras. Temos feito uma delas meirinha, a qual é tão diligente em chamar à dou-trina que é para louvar a Nosso Senhor: estas, de-pois de mais arraigadas no amor e conhecimento de Deus, hei de ordenar que vão prégar pela aldei-as de seus parentes e certo que em algumas vejo claramente obrar a virtude do Altissimo. Ganhare-mos também que estas nos trarão meninos de Gentio

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para ensinarmos e criarmos em uma casa que para

isso se ordena ...”90 (grifo nosso) Nota-se, claramente, uma estratégia de proselitismo que

contava com a ativa participação feminina no convencimento dos demais membros dos grupos familiares. Por outro lado, Ro-naldo Vainfas lembrou a pertinência da função religiosa femini-na às tradições tupi, que, apesar de não ser muito frequente, pô-de ser verificada por ele através de alguns cronistas e da ação de uma “uma caraíba” que participou ativamente na Santidade do Jaguaripe por ele estudada:

“A proeminência de uma caraíba não deixa de

ser fato surpreendente, embora também não seja uma excepcionalidade do caso estudado. Alguns cronistas aludiram mesmo a existência de ´feiticeiras` e ´adivinhas` entre os tupinambá, para usar as expressões européias. É o caso de Hans Sta-den, que dedicou um capítulo de sua obra para tra-tar de como os índios tornavam as mulheres adivi-nhas. É o caso de Yves d´Evreux, que, mencionando uma velha tupinambá reputada bruxa no Maranhão,

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afirmou: ´quando todos os feiticeiros já não sabiam o que fazer, então ela era convidada e trazida com

segurança...`”91 Como se percebe, havia mulheres índias cuja proeminên-

cia religiosa era evidente na sociedade Tupi, mas esta proemi-nência também poderia estar relacionada aos seus ascendentes, como se verifica no relato do Pe. Bettendorf, em suas Chrônicas da História do Maranhão, sobre uma “princeza de seus antepas-sados”, Maria, que “...chamava-se Moacara, que quer dizer ´fidalga grande` , porque costumam os índios além de seus Princi-paes escolher uma mulher de maior nobreza, a qual consultam em tudo como um oráculo, seguindo-a em seu parecer.” Com o seu batismo e casamento cristãos, Maria Moacara tornou-se uma gran-

de aliada ao proselitismo jesuíta no Maranhão.92 Ao que parece, Antônia também poderia ser uma “prince-

za de seus antepassados”, se atinar-se para o fato de Serafim Leite referir-se a ela como “Antônia Potiguaçu”, demonstrando

a sua ligação com a família Camarão.93 Desta forma, percebe-se que a aproximação dos jesuítas

com a “governadora” Antônia tinha fundamentos bem estabele-cidos nas crenças e procedimentos jesuíticos anteriores, o que

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confirma a importância da sua intermediação para a consolida-ção da presença portuguesa na Capitania do Rio Grande. No entanto, não se pode deixar de ressaltar que, pela perspectiva indígena, a importância de Antônia e o “respeito” que os índios tinham a ela, provavelmente, estavam baseados na sua posição destacada anterior à sua adesão ao cristianismo, o que foi bem aproveitado pelos missonários.

Antônia não foi a única mulher índia a servir de catequista na conquista do Rio Grande. Na missão de 1612, o Pe. Pero de Castilho relatou a existência de outra “meirinha das mulheres”, cuja ascendência “nobre” também foi ressaltada:

“Uma índia gentia, mas nobre e principal,

servia havia muitos tempos em certa Aldeota destas de meirinha das mulheres, fazendo-as com muito cuidado e fervor ainda que gentia, entrar na Igreja, sendo sempre a primeira, exortando-as com prègações, que fazia pelas casas e praças, como qualquer prègador. Esta sendo já velha e gentia co-mo vou contando, veio a enfermar de tal modo que

daquela acabou seus dias ...”94

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É interessante notar que esta “meirinha das mulheres”, di-ferentemente de Antônia Potiguar, não era batizada, apesar de já fazer pregações, denotando que a escolha dos índios auxiliares pelos missionários estava ligada ao prestígio pessoal daqueles entre seus pares. Outro exemplo desta situação foi o próprio Potiguaçu que, segundo o Pe. Moraes:

“ainda cathecumeno, e não de todo instruído

nos mysterios da nossa Santa Fé pelos nossos pa-dres ... era na sua ausencia o melhor substituto e o mais apto catechista, tomando tão deveras à sua conta a instrução de seus vassalos, que quando via se esfriavão na perseverança do que os Padres lhes recomendavão ... era elle um fervoroso pregador, que não só com o exemplo, mas também com a pala-vra os animava a guardar a mesma doutrina que

aquelles lhes tinhão praticado.”95 A preocupação com o exemplo também pode ser vista por

ocasião do batismo de Potiguaçu, pois a sua posição de Principal dava ao fato uma importância superior, haja visto ser ele o que “... dominava entre todos os maioraes daquelle sertão com mais

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autoridade e poder que os outros...”96, o que justificaria um batismo solene, pela sua ascendência.

Assim, na missão de 1611, de novo os Padres Diogo Nu-nes e Gaspar de Samperes, foram ao Rio Grande, mais uma vez para catequizarem e batizarem os índios. Visitaram as Aldeias e particularmente a Aldeia do Camarão onde, em 1612, batizaram o próprio Camarão e sua família: “... e como o Principal Cama-rão era a pessoa mais abalisada naquelles sertões, pedio elle e o approvarão os Missionários, que o seu baptismo se fizesse com aquella solemnidade que pedia o seu caracter e era preciso para conciliar mais respeito, assim do Sacramento, como ao

cargo que entre os mais o distinguia.”97 O batismo ocorreu no dia 25 de fevereiro de 1612, prece-

dido de grande festa, quando dançaram, tocaram e cantaram toda a noite. Amanhecendo o domingo, com flores do campo enfei-tando o caminho da casa do Principal à igreja:

“Sahio elle finamente vestido de gala, prece-

dendo hum festival acompanhamento, levando con-sigo sua mulher e filhos e grande numero de vassa-los que o seguião. Chegarão à Igreja, onde o espe-ravão os Padres, que com a maior pompa e cerimo-

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nias da Igreja lhe conferirão o baptismo e à toda a

sua familia.”98 Os mesmos padres casaram-no, em seguida, em uma Igre-

ja que ele próprio havia ajudado a construir. O relato na Carta Ânua de 1612 diz:

“... concluído o baptismo, voltou a casa a vestir-

se com elegância para o santo matrimônio ... no meio do cortejo, o noivo, e atrás a noiva, ambos bem vesti-dos e asseados. Ao entrar na Igreja, recebidos com um Diálogo, ele, deixando as outras mulheres, casou-se

com esta, eleita para espôsa verdadeira. “99 Essas missões volantes conseguiam, como se vê, catequi-

sar e mesmo batizar alguns Potiguara, contando para isso com o auxílio de alguns dos mais proeminentes entre eles. Porém, co-mo eram intermitentes, os seus resultados nem sempre perdura-vam. Os sobressaltos coloniais, causados pela instabilidade da paz, continuavam, como confirma o relato de Diogo de Campos Moreno, de 1612, que dizia haver na Capitania pequenas aldeias de índios mal governados e inquietos, que necessitavam de sa-

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cerdotes sempre presentes para mantê-los em paz e doutriná-

los.100 Estes conflitos podem ser semelhantes aos encontrados no Traslado do Auto de Repartição das terras do Rio Grande, que referem-se a três datas impedidas de serem ocupadas pelos sesmeiros por causa da presença dos índios nas proximidades.

Em 1613, em nova missão, o Padre Gaspar de Samperes retornou ao Rio Grande, acompanhado agora do Padre Pero de Castilho, que narrou sua missão pormenorizadamente, dando

uma idéia de como seria sua ação.101 Das 64 aldeias indígenas existentes em 1603, só restavam

naquele ano oito “aldeotas”, que assim foram chamadas por serem muito pequenas. Elas distribuiam-se pelo território da capi-tania, numa pequena faixa litorânea, com aproximadamente 150 km de distância entre a primeira, ao sul, e a última, ao norte, e fo-ram todas percorridas por eles por seis vezes num período de sete meses. Em todas as aldeias foram recebidos com grande festa e a já costumaz “saudação lacrimosa”, que para ele era uma demonstra-ção de amor e saudades dos jesuítas. (Ver Mapa 4)

Esta recepção calorosa que os missionários sempre tive-ram nas visitas às aldeias, como na de Antônia, foi entendida pelos missionários, como uma demonstração da consideração que os mesmos mereciam daquela gente, com a finalidade de

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agradá-los para que permanecessem entre eles para os doutrinar e batizar. Dizia o Pe. Nóbrega: “E alguns vêm pelos caminhos ao nosso encontro, perguntando-nos quando os havemos de os baptisar, mostrando grande desejo e promettendo viver confor-

me o que lhes aconselhamos.”102 No entanto, a prática da recepção calorosa e festiva entre

os Tupi não era algo excepcional, nem demonstrativo de uma distinção exclusiva dos missionários. Na realidade, Florestan Fernandes ressaltou que a recepção festiva era prática comum entre os Tupi quando recebiam visitas longínquas e, principalmente, de seus caraíbas, devendo ser vista como demonstração de respeito ao

prestígio do visitante 103 , o que é confirmado pelo relato do Pe. Nóbrega: “De certos em certos annos vêm uns feiticeiros de mui longe terras, fingindo trazer santidade e ao mesmo tempo de sua vinda lhes mandam limpar os caminhos e vão recebê-los com dan-

sas e festas, segundo seu costume...” 104 Os Tupi também faziam festas e danças e mandavam lim-

par os caminhos para a recepção dos guerreiros no seu retorno das guerras: “A guerra determinada, a primeira cousa que or-denam é mandarem fazer os caminhos mui limpos, rasos e largos,

para saírem por eles e tornarem, quando vierem vitoriosos.”105 É

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o que se vê na recepção que deram ao Potiguar Zorobabé, vindo de Alagoas onde havia desbaratado um mocambo de escravos fugi-dos, na qual “... vieram esperar pelo caminho alguns potiguares quarenta léguas, outros a vinte e a dez, abrindo-lho e limpando-

lho a enxada.”106 Come se vê, apesar do entendimento dos mis-sionários, o que os índios faziam nada mais era do que cumprir

desígnios tradicionais de civilidade indígena.107 Note-se, no entanto, que, com este tipo de recepção, os

missionários foram elevados ao patamar de prestígio de um ca-raíba ou de um guerreiro, funções que, deve-se lembrar, eram caras à cultura tupi. Portanto, apesar da motivação da recepção festiva não ser exatamente aquela imaginada pelos missionários, ela acabava por conferir-lhes grande importância, favorecendo o seu trabalho de catequização e aproximação dos índios com o mundo colonial.

Contou ainda o Pe. Pero de Castilho, que logo ao chega-rem às aldeias, procuravam saber se havia algum doente grave

para “ver e remediar” 108 e, se fosse o caso, catequizar rapida-mente e batizar, se assim o doente quisesse. A seguir dirigiam-se logo “ ... à Igreja, porque em tôdas as há, e algumas mui bem acabadas, com seus sinos e soma de painéis de santos pelas

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paredes “109 , a fim de celebrar a missa e pregar contra as “ guerrinhas “ e o costume de matar e comer carne humana, no qual persistiam apesar de muitos já serem conhecedores da dou-trina cristã e batizados. Todos os dias que permaneciam nas al-deias, ensinavam a doutrina pela manhã e à tarde. A tentativa de civilizar continuava.

Na primeira aldeia a que chegaram, denominada por ele de Tambuçurama (sic), foram avisados de que um grupo de índios dela e de outras aldeias, haviam partido para “ ... certa guerri-nha contra a nação tapuia chamada Tarariju (sic), acompanha-dos de outros tapuias , que se queriam e pretendiam vingar dê-

les, pelos terem quase destruído e desbaratado o ano atrás.”110

Essa atitude foi entendida e explicada pelo padre Pero de Casti-lho como um esquecimento das Leis de Deus e das obrigações de cristão que tinham assumido no batismo, por causa da longa ausência dos Padres que os deixavam “...vivendo como meros

gentios...”111, voltando aos costumes antigos dos seus ascen-dentes. Por essa razão, ele decidiu que não mais batizaria adul-tos, apenas excetuando-se os doentes graves, pois entendia que não estavam sendo bem doutrinados e que precisavam de mais tempo de catequese.

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Essa necessidade de maior permanência entre os indígenas era justificada também pelos padres pelos muitos agrados que os índios lhes faziam, entendidos por eles como um convite à sua permanência. Para exemplificar estes “agrados” o Pe. Castilho citou dois fatos: em uma aldeia, cujo Principal chamava-se Jerô-nimo Nhedaíguaí, os índios tinham “...feito no outão da sua I-greja uma casa de sobrado, que ainda que com pouca arquitec-tura, foi singular remédio contra bichos e pulgas e mais incon-

vinientes de Aldeias...”112; em outra aldeia, onde havia tempo não passavam os Padres da Companhia, por ter morado nela um clérigo secular, à sua chegada, os indígenas puseram abaixo a casa do antigo clérigo e construíram outra muito rapidamente, a fim de convencê-los a retornarem sempre.

Apesar de concordar-se com Mário Maestri, de que a boa recepção indígena fazia parte das tradições indígenas, tem-se de levar em conta o fato dos missionários sempre ressaltarem os pedidos para que os padres permanecessem entre eles. É lógico que para os missionários isto poderia ser enfatizado, para valori-zar o seu trabalho frente aos seus Superiores e à própria Coroa Ibérica. Contudo, também se pode tentar compreender estes pe-didos dos índios como uma forma de garantirem a sua liberdade, pois sabe-se que a presença jesuíta entre os índios inibia o avan-

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ço colonial sobre as suas terras e sobre a mão-de-obra que pode-ria ser obtida entre eles.

Retornando para Olinda, os missionários, Castilhos e Samperes, passaram pelas aldeias do sul, onde “ficavam os po-bres índios do Rio Grande, suspirando e chorando por nós ... Consolei-os com eles dizendo que ... desde o princípio das pazes até agora, sempre estiveram debaixo do amparo e proteção da Companhia, acudindo-lhes o melhor que pôde, e lhe foi possível

...”113 Constou ainda nesta carta, um pedido aos seus Superio-res para que continuassem a enviar novos missionários ao Rio Grande, mesmo que somente para missões volantes, apesar de o melhor, para ele, serem missões permanentes, conforme os pró-prios índios pediam. Tais “pedidos” relatados, podem estar rela-cionados às dificuldades advindas dos conflitos constantes com os colonos, como os que são relatados nas missões seguintes. Percebe-se que não havia uma certeza de que a obra missionária fosse fecundar, e que havia dúvidas quanto à continuidade da paz e da segurança da liberdade indígena.

Em 1615, a chegada dos padres havia impedido a fuga dos índios, que permaneceram em paz com o Capitão. Em 1618, os padres Antônio Antunes e Francisco de Oliveira permaneceram por mais de um ano entre os índios por causa da situação instá-

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vel com os colonos, tendo o Padre Oliveira falecido em 23 de outubro de 1619. Continuaram as missões períodicas, durante a década de 1620 com dois jesuítas a cada ano, que enfrentaram constantes conflitos com os colonos “...que viam com maus o-lhos a assistência e defesa dos índios, chegando alguns daque-les desafectos a deitar fogo às casas de palha em que os missio-

nários moravam, e isto com a conivência do Capitão-Mor.”114

Nos anos de 1629-31, repetem-se os distúrbios no Rio Grande, e o Padre sugere a vinda de Capitães-Mores realmente zelosos,

para que não resultasse inútil o trabalho dos Padres.115 Estes conflitos, com certeza, estavam ligados ao aprovei-

tamento dos índios como mão-de-obra nas propriedades coloni-ais e a constante ameaça de escravidão, visto que os relatos mis-sionários sempre falam na necessidade da “defesa dos índios”, contra os colonos.

Na década de 1620, houve conflitos com os Potiguara que aceitaram a aproximação com os holandeses na Baía da Traição. Era Capitão-mor naquela época, Francisco Gomes de Mello que, reunindo-se às tropas mandadas pelo Capitão-mor da Paraíba Antônio Coelho “... foi bater os índios comprometidos no auxí-lio que prestavam à esquadra holandesa ... na Baía da Traição

...”116

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Em plena invasão holandesa, ainda vieram seis padres, dois em cada ano, de 1632 a 1634, nas últimas missões volantes. A invasão holandesa pôs, portanto, um ponto final às missões volantes no Rio Grande. Contudo, como se pôde perceber no relato do Padre Pero Castilho, esse tipo de ação missionária já tinha demonstrado sua ineficiência, porque, tendo um caráter intermitente, não conseguia impedir que os índios retornassem aos seus costumes culturais, assim que se viam sozinhos.

Pode-se dizer, então, que a doutrina cistã estava sendo ab-sorvida muito superficialmente, o que por sua vez, permite inter-pretar que a “ vontade “ de se tornar cristão estava muito mais liga-da à necessidade da segurança que os jesuítas ofereciam, do que propriamente à necessidade de uma nova religião. Note-se que o discurso, que o principal Ilha Grande teria falado aos outros princi-pais, advertia claramente que “ ... os que se metem na igreja não os

cativam, antes os doutrinam e defendem ...” (Grifo nosso)117 Ao final do relato de sua missão, o Padre Pero de Castilho

fez um resumo das suas atividades na Capitania do Rio Grande durante os sete meses de 1613: “ ...soma dos baptismos de ino-centes que foram por todos quatrocentos e dezesseis; os de a-dultos, vinte e quatro; casamentos em lei de graça, trinta e cin-

co; confissões, trezentos; comunhões, vinte”.118 No seu relato,

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ficam claras as preocupações maiores dos missionários quanto aos índios Potiguara: impedir as guerras entre eles e os “tapui-as”; estimular os casamentos novos e a reunião de casais separa-dos; realizar os batismos das crianças e também dos doentes in extremis; cuidar “espiritualmente” dos doentes, que ao que pare-ce eram muitos, pois em todas as aldeias eram encontrados, principalmente os que sofriam de doenças contagiosas que al-cançavam vários membros das famílias:

“Fomos chamados uma noite, em certa Aldeia,

para um enfêrmo adulto pagão, que estava muito mal e no cabo; chegados a êle, me pus logo a o ca-tequizar, não houve tempo para mais, e o baptizei. Remediado êste, se seguiram outros poucos na mesma casa, que também estavam assazmente atri-bulados, os quais outros, depois de catequizados, baptizei na mesma noite ... O dia seguinte faleceram todos e os enterramos, que cuido chegaram a quatro

ou mais.”119 Este relato, de certa forma, confirma a superficialidade da

aceitação da religião cristã entre os índios espalhados pelas ter-

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ras do Rio Grande, principalmente quando se observa a decisão do Padre Pero Castilho de não mais batizar adultos, explicando que agia dessa forma por lhe parecer que: “...ficariam os que assim admitisse de novo no mesmo perigo e ocasiões que os já baptizados.” Isto é, frente ao “...mau cheiro do sangue e carne humana, que por algumas Aldeias ou pelo menos arrebaldes se

demasiara...”120, o batismo destes índios só os colocaria na situação de pecarem continuamente, visto que não haviam lar-gado os hábitos pagãos ainda. Por outro lado, na “estatística” que ele apresenta aos seus superiores, ficou patente a preocupa-ção com a doutrina e batismo das crianças que ainda poderiam ser moldadas no cristianismo.

De qualquer forma, os jesuítas e as autoridades coloniais já haviam percebido que esse tipo de missão não frutificava como era esperado, assim resolveram mudar a forma de agir. O Padre Sera-fim Leite explicou: “A catequese seria uma quimera enquanto não se organizassem aldeias com regime próprio de defesa e autorida-de. Dispersos, os índios nem se purificariam de supertições, nem deixariam de se guerrear e comer uns aos outros. Era preciso mo-

dificar o seu sistema social e econômico.”121 No entanto, apesar de não terem conseguido alcançar os

resultados religiosos e civilizadores desejados - a conversão e a

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modificação dos costumes culturais -, pode-se dizer que a con-solidação da conquista do Rio Grande havia sido efetuada: os conflitos entre colonos e índios Potiguara que ocorreram no pe-ríodo foram contornados, principalmente, pela presença dos missionários, e as alianças foram sedimentadas pela política de aproximação dos missionários, que valorizava pessoas de posi-ção destacada entre os indígenas, principalmente as chefias, co-mo ocorreu com Antônia Potiguar e Potiguaçu.

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NOTAS 1. Apud FROHLICH, Roland. História da Igreja, p. 128. 2. ARROYO, Leonardo. A carta de Pero Vaz de Caminha, p. 60. 3. Manuel da Nóbrega, apud. RIBEIRO, Berta. Os índios na História do

Brasil, p.41. 4. Apud. LEITE, Serafim. Suma histórica da Companhia de Jesus no Brasil, p. 60.

5. MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão, p. 37-63. 6. MALHEIRO, Perdigão. A escravidão no Brasil, v. 2, p.158. 7. Regimento dos Governadores, do Rei D. João III, apud. LEITE, Serafim.

Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil, v.1, p.4. 8. Regimento de Tomé de Souza, apud. MALHEIRO, P. Op. cit., p. 165. 9. LEITE, Serafim. Suma histórica Companhia de Jesus no Brasil. p. 102. 10. Rei D. João III, apud. LEITE, S. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil, p.6.

11. LEITE, Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas no Brasil, vol. 1, p . 10.

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12. PRATT, André. Missões Carmelitas no Extremo Norte do Brasil, p. 21. 13. PERNETTA, Júlio. Missões Jesuítas no Brasil, p.13. 14. RIBEIRO, Berta. Os índios na História do Brasil, p. 42. Sobre a sobrevi-vência das Ordens ver: COUTO, Jorge. Um estabelecimento jesuítico no Nordeste do Brasil: o Colégio do Recife. Separata dos Arquivos do Cen-tro Cultural Calouste Gulbenkian, Lisboa/Paris, v. 34, p. 571-584, 1996. e COUTO, Jorge. As estratégias de implantação da Companhia de Jesus no Brasil. In: AZEVEDO, F. e MONTEIRO, J. (Orgs.). Confronto de cul-turas, 1997.

15. NEVES, Luís Felipe Baêta. O combate dos soldados de Cristo na terra

dos papagaios, p. 60. 16. Ibid., p. 69. 17. Ibid., p. 70. 18. NEVES, Luís Felipe Baêta, op. cit.., p. 45. 19. MEDEIROS, Maria do Céu. Igreja e dominação no Brasil escravista, p. 57.

20. Ibid., p. 56. 21. HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil, t.2, parte 1, p. 35.

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22. MEDEIROS, Maria do Céu, op. cit., p. 59. 23. Segundo Maxime HAUBERT, o termo “ reduzir “ deve ser entendido como: devolver à fé cristã, trazer para a vida policiada das aldeias sob a administração dos missionários, o que implica numa transferência dos ín-dios das suas áreas originais para aldeamentos formados com o intuito de catequese. Índios e Jesuítas nos Tempos das Missões, p. 15; AZEVEDO, Aroldo. Aldeias e Aldeamentos, p. 4, expõe diferentes tipos de aldeamen-tos no período colonial, a Aldeia de El-Rey era criada nas vizinhanças das cidades e vilas, congregando os índios livres, para facilitar a trabalho mis-sionário e oferecer mão-de-obra aos colonos.

24. Conferir nos “Regulamentos das Missões”, do Padre Visitador Cristóvão de Gouveia, datado de 1586, apud. LEITE, Serafim. História da Compa-nhia de Jesus no Brasil, t. 2, p. 306-307.: “ Por serem as Missões muito necessárias nestas terras e principal fim das fundações dos Colégios, ha-verá sempre em cada Colégio, pelo menos um Padre de muita confiança ... enviados para ajuda das necessidades dos Índios e negros da Guiné.”

25. Informação da Província do Brasil para o nosso Padre (1585). ANCHIE-TA, José de. Cartas, p. 426.

26. Ibid., p. 420. 27. BETTENDORF, João Felipe. Chronica da Missão dos Padres da Compa-nhia de Jesus no Estado do Maranhão. Revista do Instituto Histórico Bra-sileiro, t. 72, parte 1, 1910. p. 168.

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28. MEDEIROS, Maria do Céu, op. cit., p. 37. 29. LEITE, Serafim. Suma Histórica da Companhia de Jesus, p. 68. 30. Apud. LEITE, Serafim. Suma histórica....p. 22. 31. NEVES; Luís Felipe Baêta, op. cit., p. 58. 32. MEDEIROS, Maria do Céu , op. cit., p. 36. 33. Sobre esses regulamentos cita-se: “Regulamento das Missões”, do Visita-dor Jesuíta Cristóvão de Gouveia (1586) apud. LEITE, S. HCJB, t. 2, p. 306-307; “Regulamento das aldeias”, do Padre Antônio Vieira apud. LEITE, S. HCJB, t. 4, p. 106-124; “Modo como se há de governar o gen-tio que há nas aldeias do Maranhão e Grão- Pará” in VIEIRA, A. Escritos instrumentais sobre os índios, p. 72-83; e “Regimento das Missões” (1686) in BOLETIM de Pesquisa da CEDEAM, n. 3, v. 2, p. 95-113.

34. Sobre o uso dos “castigos exemplares” para negros e índios ver em S-CHUARTZ, S. Burocracia e sociedade no Brasil colonial, cap. 7, p. 113-136: Procedimentos e funções.

35. Carta de Nóbrega ao Padre Azpilcueta, de 10/03/1549. NÓBREGA, Ma-nuel da. Cartas do Brasil, p. 94.

36. ANNAES do Archivo Público e do Museu da Bahia, ano 3, v. 4 e 5, 1919, p. 159.

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37. AHU, códice 265, fl. 76, 09/12/1692. Cópia Ms. DPH/UFPE. 38. VIEIRA, Antônio. Escritos instrumentais sobre os índios, p. 125. 39. Apud. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, t. 2, p. 92.

40. NEVES, Luis F. Baêta, op. cit., p. 57. 41. MEDEIROS, Maria do Céu, op. cit., p. 36 42. VAINFAS, Ronaldo. Heresia dos índios, p. 117 e 151. Para ele o catoli-cismo tupinambá seria resultado de um “processo de transculturação complexo que escapava a vontades individuais.”

43. Ibid., p. 158. 44. Ibid., p. 150. 45. NEVES, Luís Felipe Baêta, op. cit., p. 61-62. 46. SALVADOR, V. do. História do Brasil, p. 267. 47. LEITE, Serafim. HCJB, t. 1, p. 516. 48. Carta do Pe. Pero Rodrigues de 19/12/1599, apud. LEITE, Serafim.

HCJB, t. 1, p. 517.

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49. Carta do Pe. Pero Rodrigues de 19/12/1599, apud. LEITE, Serafim. HCJB, t. 1, p. 515.

50. LEITE, Serafim. HCJB, t. 1, p. 518. 51. Carta do Pe. Pero Rodrigues de 19/12/1599, apud. ibid., p.520. 52. Carta do Pe. Pero Rodrigues de 19/12/1599, apud. ibid., p. 521. 53. Relatório de Mascarenhas Homem, apud. LEITE, Serafim. HCJB, t. 1, p. 525-526.

54. Carta do Padre Francisco Pinto, de 19/05/1599, apud. ibid., p. 522. 55. Carta do Padre Francisco Pinto, de 19/05/1599, apud. ibid., , p. 523 56. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na Extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. Me-mórias para a História do Extincto Estado do Maranhão, t.1, p. 85.

57. Padre Pinto apud. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5,p. 505. 58. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na Extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p.85.

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59. FAUSTO, Carlos. Fragmentos da História e cultura tupinambá. In CUNHA; Manuela C. da (Org.) História dos índios no Brasil, p. 386; Conferir também em FERNANDES, Florestan. A organização social dos tupinambás; HAU-BERT, Maxime. Índios e jesuítas no tempo das Missões; MONTEIRO, John. Negros da terra; VAINFAS, Ronaldo. Heresia dos índios.

60. NAVARRO, Azpilcueta e outros. Cartas avulsas, p. 149. 61. HOORNAERT, E. História da Igreja no Brasil, t. 2, v. 1, p. 399. 62. Chefe Porta Grande, Principal de uma aldeia na Bahia, apud. MONTEIRO, John. As populações indígenas do litoral brasileiro no século XVI: transforma-ção e resistência. In: BRASIL nas vésperas do mundo moderno, p. 127

63. Cf. em MONTEIRO, John. As populações indígenas do litoral brasileiro no século XVI: transformação e resistência. In: BRASIL nas vésperas do mundo moderno, p. 134.

64. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5 p. 505. 65. SALVADOR, Vicente do. História do Brasil, p. 269. 66. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5, p. 506. 67. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p. 93- 98.

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68. Ibid., p. 93. 69. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p. 93.

70. Ibid., p. 96. 71. Ibid., p. 97. 72. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p. 97

73. Ibid., p. 98. 74. Ibid., loc. cit.. 75. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p. 86.

76. MARTINS, Vicente. O hospício dos jesuítas de Ibiapaba. Revista do

Instituto do Ceará, n. 42, 1928, p. 143-144; Ver também MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Mara-nhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p. 86; LEITE, Serafim. HCJB, t. 3, p. 4-10.

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77. MARTINS, Vicente. op. cit, p. 144. O autor confundiu pai e filho, na realidade quem foi ao Ceará atrás dos restos mortais do Padre Pinto foi Antônio Camarão, o pai de Antônio Felipe Camarão.

78. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de, op. cit., p. 87.

79. Ibid., p. 89. 80. LEITE, Serafim. HCJB, p. 506. 81. TART, datas nº 4, de 14/08/1600. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 20, 1909; e data nº 54, de 08/08/1603. Rev. do IHGRN, v. 7, p. 34, 1909..

82. LEITE, Serafim. HCJB, t.5, p. 506. 83. Apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra Natalense p. 59. 84. LEITE, Serafim. HCJB, t.5, p. 507. 85. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5, p. 507. 86. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5, p. 507. 87. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aldeia Antônia, ou Aldeia Goiana: ori-gem de Goianinha, O Poti, 03/06/1990, cad. 2., p. 2.

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88. CARTA Ânua de 1605 e 1606, apud. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5, p. 507. 89. Carta do Pe. Antônio Pires aos Irmãos jesuítas, de 05/06/1552. NAVAR-RO, Azpilcueta e outros. Cartas avulsas, p. 150.

90. Carta do Padre Manuel da Nóbrega aos irmãos do Colégio de Coimbra, de Pernambuco, em 13/09/1551. NÓBREGA, M. Cartas do Brasil, p. 120.

91. VAINFAS, Ronaldo. Heresia dos índios, p. 116. 92. BETTENDORF, João Felipe. Chronica da Missão dos Padres da Compa-nhia de Jesus no Estado do Maranhão. Revista do Instituto Histórico Bra-sileiro, t. 72, parte 1, 1910. p. 172.

93. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5, p. 507. 94. Carta do Pe. Pero de Castilho ao Pe. Superior Henrique Gomes, em Per-nambuco, de 10/05/1614, apud. LEITE, Serafim. HCJB, t.5, p. 516.

95. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p. 89. Ver também LEITE, Serafim, HCJB, t.5, p. 508.

96. Ibid., p. 86. 97. Ibid., p. 90.

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98. MORAES, José de (Pe.). História da Companhia de Jesus na extincta Província do Maranhão e Pará. In: ALMEIDA, Candido Mendes de. op. cit., p. 90. Ver também LEITE, S. HCJB, t.5, p. 508 e 509.

99. CARTA Ânua de 1612, de 14 de agosto de 1613, assinada por Domingos Coelho, apud. LEITE, Serafim. HCJB, t.5, p. 509.

100. Diogo de Campos Moreno apud. LEMOS, Vicente. Capitães-Mores e

governadores do Rio Grande do Norte, p. 10. 101. Carta do Padre Pero de Castilho ao Superior Henrique Gomes, em Pernambu-co, 10/05/1612, transcrita por LEITE,Serafim. HCJB, t.5, p. 511-521.

102. Carta ao Mestre de Coimbra, de 10/08/1549,. NÓBREGA, Manuel da.

Cartas do Brasil, p.92. 103. FERNANDES, Florestan. A organização social dos Tupinambá, p. 287. 104. Na Informação das Terras do Brasil. NÓBREGA, Manuel da. Op. cit., p. 99. 105. BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grandezas do Brasil, p. 257. 106. SALVADOR, Vicente do . História do Brasil, p. 318. 107. MAESTRI, FILHO, Mário. Jesuítas e Tupinambás: a catequese impos-sível. In: AZEVEDO, Francisca e MONTEIRO, John (Orgs.). Confronto de culturas, p. 213-228.

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108. Carta do Pe. Pero de Castilho. Apud. LEITE, Serafim. HCJB, t.5, p. 516.

109. Carta do Pe. Pero de Castilho. Apud. ibid., p. 512.

110. Ibid., p. 511.

111. Ibid., p. 512. 112. Ibid., p. 513.

113. Ibid., p. 520.

114. LEITE, Serafim. HCJB, t. 5, p.522.

115. Ibid., p. 522; Vicente Lemos, em seu livro Capitães-Mores e Governa-dores do Rio Grande do Norte, nada comenta sobre esses fatos citados por Serafim Leite.

116. LEMOS, Vicente. Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte, p. 13.

117. SALVADOR, Vicente do. História do Brasil, p. 297.

118. Carta do Pe. Pero de Castilho. LEITE, Serafim. HCJB, t.5, p. 520.

119. Ibid., p. 517.

120. Pero de Castilho, apud. LEITE,Serafim. HCJB, t. 5, p. 517. 121. Serafim Leite, apud. RIBEIRO, Berta. Os índios na História doBrasil, p. 41.

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PARTE II

COLONIZAÇÃO E MISSÕES DE ALDEAMENTO

CAPÍTULO 4

COLONIZAÇÃO E RESISTÊNCIA

Após a partida dos holandeses, com o restabelecimento do Senado da Câmara em Natal, foram publicados avisos nas Capi-tanias da Paraíba e Pernambuco, para que as pessoas que tivessem terras na Capitania do Rio Grande viessem retomar sua posse no prazo de seis meses. Caso não o fizessem nesse tempo, as terras seriam consideradas devolutas e, portanto, passíveis de serem con-

cedidas novamente.1 Nesse intento, o novo Capitão-mor, Antônio Vaz Gondim, teria promovido a vinda de 150 moradores e de 3

Companhias de Infantaria para reiniciar a vida na Capitania.2

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Esta nova leva de colonos em breve voltaria seus olhos pa-ra uma região antes pouco conhecida e, por isso mesmo, pouco ocupada e aproveitada. As novas necessidades da colônia levariam a um redirecionamento geo-político e econômico, que reavaliaria as áreas impróprias para a cana-de-acúcar, isto é, aquelas que se afastavam do litoral em direção ao que ficou conhecido como ser-

tão.3 Devido a diversas condições, físicas e econômicas, a pecuária se tornaria a atividade que aí se desenvolveria em larga escala.

No entanto, neste “deserto despovoado” viviam espalha-dos vários grupos de índios tapuias, que já haviam sido mencio-nados pelos Tupi no início da conquista e que foram aos poucos sendo contactados pelos portugueses e, principalmente, pelos holandeses. Foram estes grupos que desencadearam uma grande resistência à presença dos colonos portugueses e seus rebanhos no sertão, conhecida como a “Guerra dos Bárbaros”. Foram também estes índios que, vencidos pelas tropas coloniais, foram aldeados, preenchendo as Missões religiosas, somando-se aos Potiguara que nelas já estavam. Sua redução a estes aldeamen-tos, justificava-se, serviria ao serviço de Deus e de Sua Majestade e ao bem comum dos colonos, entendendo-se disto que, além da propalada “civilização” oferecida pelos missionários, estes índios deveriam ser sossegados, reduzidos a espaços pré-determinados,

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liberando o restante da terra, tornados vassalos e, se possível, trans-formados em trabalhadores que serviriam “livremente” aos colo-nos. No entanto, muito trabalho deveria ser feito antes que isto acontecesse e, apesar de, efetivamente, ter-se conseguido o apazi-guamento, a limitação territorial, a vassalagem e também o serviço aos colonos, não se pode dizer que se tenha conseguido a sua “civi-lização” nos moldes que eram esperados.

4.1 - Curraleiros e a ocupação colonial do sertão Até à chegada dos novos colonos e autoridades portugue-

sas, em 1657, as terras do litoral do Rio Grande estavam quase totalmente desocupadas, não só de colonos europeus, mas tam-bém de indígenas, pois o temor à vingança portuguesa, que po-deriam sofrer pela sua união anterior com os holandeses, levou grupos de índios Tupi interior a dentro, tendo alguns alcançado a Serra da Ibiapaba, no Ceará, onde reuniram-se em grande núme-ro aos seus habitantes tradicionais. Antônio Paraupaba, Potigua-ra que apoiara os holandeses e fora Regedor dos Índios do Rio Grande, relatou essa fuga e o seu motivo ao Conselho da Holanda, em 1654, pretendendo atrair o apoio dos ex-aliados: “... confiamos

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firmemente que VV. Exas mandarão o mais depressa possível para lá o socorro suficiente para a subsistência da infeliz nação de ín-dios e para a conservação da Igreja reformada, a única verdadei-

ra.”4 Paraupaba jogava com a disputa religiosa entre protestantes e católicos, mas não conseguiu o efeito que queria, pois, mesmo rei-terando os pedidos de socorro em 1656, não foi atendido.

Estes Tupi, originados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande, reunidos na Serra da Ibiapaba, atraíram a atenção do Pe. Antônio Vieira que, sendo Provincial do Maranhão desde 1655 e tendo conseguido do Rei a garantia da ascendência espiritual e temporal sobre os índios aldeados, mandou um emissário índio

para convencê-los a receberem os jesuítas nas suas aldeias.5 Os índios contactados mandaram emissários ao Maranhão,

vestidos com roupas e enfeites europeus, levando cartas “... es-

critas em papel de Veneza, e fechados com lacre da Índia...”6 , demonstrando que a sua ligação com os holandeses havia sido rica e deixara frutos. Esta antiga ligação, no entanto, não os im-pediu de aceitar a presença dos dois missionários jesuítas envia-dos para iniciar uma missão, que, em 1658, reunia três grandes aldeias com mil e seiscentos índios Tupi e, ao redor delas, outros grupos de tapuias com casas e lavouras.

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Em 1660, o próprio Pe. Vieira visitou a Missão de São Francisco Xavier, como foi chamada, e, para sossego dos mis-sionários, acertou a transferência dos “índios de Pernambuco” para o Maranhão, para libertarem “os da serra” do seu jugo a fim destes se submeterem mais facilmente aos portugueses. Tal decisão se ba-seou na constatação de que a presença de tais índios, que convive-ram com os holandeses e permaneciam tão rememorados e “conta-minados” pela crença protestante, dificultava a ação dos jesuítas

entre os índios que ainda não tinham sido batizados.7 Em uma carta do Pe. Vieira, esta transferência foi assim relatada:

“... entenderam os padres na conversão e con-

dução dos outros índios que se chamam Potiguáras, em que padeceram grandes trabalhos, e venceram dificuldades que pareciam invencíveis ... Depois de dois meses de contínuo e expressivo trabalho e vigi-lância (que também era mui necessária) chegaram os padres com essa gente ao rio onde os embarca-ram por ele abaixo para as aldeias do Pará em nú-

mero por todos até mil almas.”8

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A transferência desses mil Potiguara, da Serra da Ibiapaba para o Estado do Maranhão, pode ser entendida também porque estes índios Tupi já eram bem habituados aos trabalhos coloniais e poderiam ser mais úteis à colonização em andamento no Ma-ranhão do que nas terras afastadas da Ibiapaba, ou mesmo nas recém-reconquistadas aos holandeses e ainda se preparando para o repovoamento do litoral leste.

A existência da Missão de São Francisco Xavier foi curta, pois, já em 1662, mesmo sem a presença dos Potiguara, rebeli-ões comandadas pelo Principal Simão Tagaibuna fizeram os padres abandonarem-na. Nem mesmo a assinatura de um acordo de vassalagem dos índios, conseguida na visita do Pe. Vieira, nem a concessão de terras aos jesuítas pelo Governador Geral em 1662, conseguiram deter as sublevações, pois a presença dos soldados no novo fortim de Nª Srª d´Assunção, no rio Camucim, resgatando pau-violeta e âmbar, desencadeou lutas entre os gru-pos tapuias da região e o apresamento de mulheres e crianças das aldeias, tornando a presença dos jesuítas impraticável. Parte da Provisão do Governador Geral, de 1662, esclarece os motivos para o estabelecimento e também da extinção da Missão, que deveria:

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“... reduzir a gentilidade à fé cathólica e livrar das perseguições que padecia do governo de Simão Tagoabuna, e bem assim se seguirem em grandes progressos ao serviço de S. Mag. e utilidade publica na communicação do Maranhão pelo certão que el-les intentavam penetrar para bautizar as aldeias que por noticias certas sabiam haver, o que se dellata entre húm e outro Estado, por sua distancia cortan-do de norte a Sul, ficava muito breve na Jornada, e sem os incomodos e perigos das que hoje se faziam,

ou por mar ou por prayas de toda aquella costa.”9 Por esta Provisão, percebe-se também a importância que a

ligação terrestre, entre os Estado do Maranhão e do Brasil, as-sumiu neste momento. Como antes já foi dito, a ligação maríti-ma, entre a costa leste e o Maranhão, era extremamente penosa, mas a posse da área que havia sido efetivamente ocupada pelos portugueses no período filipino dependia desta ligação. E esta precisava do apaziguamento dos índios que viviam no meio des-te “caminho”. Não apenas dos índios “mansos”, conhecedores dos portugueses e fugidos deles, mas também dos tapuias que habitavam aquelas terras espalhados pelo sertão. A presença dos

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portugueses nas regiões do Maranhão, Piaui e Pará podia garan-tir a posse da terra, mas o seu isolamento limitava o desenvol-vimento econômico da colônia, o que poderia ocorrer caso os dois Estados se interligassem.

Um caminho menos penoso que o do litoral deveria ser encontrado para ligar o Maranhão à Bahia, e tal projeto foi inici-ado na década de 1670 por Vidal Marcial Parente, com maior avanço no governo de Gomes Freire de Andrade (1685-87), quando João Velho do Vale fez a ligação entre São Luís e a Serra da Ibiapa-

ba e, mais tarde, desta à Bahia.10 Em carta ao Capitão-mor do Rio Grande, datada de 1695, o Governador Geral justificou a instalação de aldeamentos indígenas nas ribeiras dos rios Jaguaribe, Açu e Pi-ranhas “...não só pela segurança dos moradores dessas capitanias, mas pela do novo Caminho que se abriu do Estado do Maranhão até esta praça como Sua Majestade mandou.” Finalmente, haviam estabelecido o caminho procurado por mais de oito anos para facili-

tar o comércio entre os dois Estados.11 Neste contexto, a necessidade de se reocupar as capitanias

do litoral leste também estava presente e procurou-se intensifi-car a doação das terras, a fim de implementar uma economia capaz de sustentar a presença de colonos além do litoral. A ati-vidade que começou a ser incentivada foi a pecuária.

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Desde o início da colonização do litoral, a necessidade de alimentos não era inteiramente suprida pelo que era trazido nos navios europeus, tendo os colonos adaptado alguns dos seus produ-tos às condições locais e adquirido hábitos alimentares dos índios, incorporando muitos novos elementos. No entanto, a criação do ga-do bovino foi uma contribuição européia à economia colonial, que logo ganhou espaço de produção concomitante à cana-de-açúcar. A atividade açucareira limitava-se às áreas dos vales fluviais - as vár-zeas -, mas os interflúvios eram utilizados para a produção de ali-mentos e criação do gado, destinados à tração animal e alimentação

dos engenhos e pequenas povoações.12 No entanto, em áreas não propícias à produção açucareira,

devido ao clima semi-árido e à qualidade do solo, como no caso de grande parte das terras da capitania do Rio Grande, mesmo nas várzeas dos rios a solução para a ocupação colonial foi o estabelecimento de atividades econômicas alternativas, como a produção de alimentos agrícolas, a pesca e a pecuária, destina-dos ao abastecimento dos mercados coloniais próximos, isto é, o litoral açucareiro. No caso do Rio Grande, o mercado de destino da sua produção era principalmente Pernambuco, como já se viu no capítulo 1, para onde eram levados o pescado salgado e o

gado em pé, através de comboios.13

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Durante a ocupação holandesa, a pecuária na área sertane-ja teve uma grande expansão, pois a contínua necessidade de abastecimento do litoral de Pernambuco, área que manteve uma grande população e ocupação eminentemente açucareira, fez das terras imprestáveis para o açúcar, já reconhecidamente favorá-veis à pecuária, as maiores produtoras de gado vacum para o abastecimento pernambucano. O que, ao fim da ocupação, ga-rantiu uma grande quantidade de gado solto, sem dono e espa-lhado pelo sertão. Não demoraria então que, aos poucos, as ri-beiras dos rios fossem ocupadas pelo gado e pelos colonos que vinham para apascentá-los.

Com o retorno do domínio português, lentamente as ne-cessidades de alimento aumentavam, à proporção em que as cidades e vilas iam se formando e crescendo, levando a que as autoridades coloniais também passassem a legislar sobre uma melhor utilização e repartição dos solos coloniais, visando à manutenção da oferta de alimentos, chegando, mais tarde, a pro-ibir a criação do gado até 10 léguas do mar e também nas mar-gens dos rios, a fim de garantir, não sómente a produção açuca-

reira, mas também a de alimentos. 14 Lembrando ainda que a atividade pecuária tinha também outra importância econômica para a colônia: o fornecimento de couro para o enrolamento do

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tabaco e para a exportação de solas de sapateiro, principalmente pela Bahia, mas também por Pernambuco. Tal atividade cres-cente levou, inclusive, ao surgimento de oficinas de beneficia-mento do couro no próprio Recife, com a criação de um curtume

em 1701, expandindo-se para dezoito em 1749.15 No Rio Grande, o resultado dessa tendência de expansão

da atividade pecuária e da conseqüente necessidade de maior quantidade de terras disponíveis para o gado criado solto, foi a interiorização na distribuição das terras, como no restante do nor-deste colonial. Estas terras ainda não ocupadas por europeus atraí-ram novos colonizadores, não só grandes senhores assentados em outras capitanias adjacentes, como alguns dos soldados que comba-teram os holandeses, a quem o Rei de Portugal prometera “remune-rar” pelos seus serviços, com terras a serem distribuídas nas capita-

nias do Norte antes ocupadas pelos invasores.16 Este novo processo de ocupação territorial do nordeste ou

um “rush fundiário”, segundo Francisco Carlos Teixeira da Sil-va, teve seu ápice entre os anos de 1670 e 1690, baseado na dis-tribuição de grandes sesmarias em terras conquistadas ou a se-rem conquistadas aos índios. No entanto, as grandes extensões de terras concedidas levaram a disputas entre os requerentes de terras, que haviam se antecipado na petição, e aqueles que efetivamente

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haviam lutado nas guerras e liberado a terra dos índios. Tais dispu-tas, e também o pouco povoamento das grandes parcelas de terra distribuídas, resultaram na limitação do tamanho das sesmarias em três léguas por uma. O que, no entanto, não impediu a continuidade

de muitos conflitos entre sesmeiros e moradores.17 A pecuária era, de fato, uma atividade bastante atrativa aos

grandes senhores ligados à produção açucareira do litoral, visto que supriam desta forma a sua própria necessidade de animais para tração e alimentos, sem prejuízo das melhores terras, desti-nadas ao açúcar, e sem necessidade da sua presença contínua no sertão, pois podiam empregar vaqueiros ou arrendar suas terras a

moradores.18 Também a estes a pecuária era atrativa, por não exigir grandes investimentos iniciais de instalação e manutenção e, por outro lado, por dar justificativa a um pedido futuro de doação de sesmaria para si próprio, quando já tivesse um plantel suficiente para iniciar a sua fazenda. Foram também estas facili-dades que devem ter atraído e possibilitado a instalação dos co-lonos no Rio Grande que, segundo Tavares de Lira, seriam:

“...imigrantes vindos do reino ou das ilhas em

busca de ambicionadas riquezas, oficiais que se re-tiravam do serviço, empregados que deixavam as

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suas funções, praças que tinham pertencido a forças regulares, negociantes e lavradores de Pernambuco e, sobretudo, criadores de gado seduzidos pelas ex-

celentes pastagens existentes na capitania...”19 Apesar do Regimento recebido pelo Capitão-mor do Rio

Grande, Valentim Tavares Cabral, ter impedido a distribuição de sesmarias, a necessidade de povoamento levou a que a doação de terras fosse continuadamente feita pelos Capitães-mores, ba-seados na decisão do Governador Geral, datada de 16 de março de 1660, que autorizava as concessões de terras devolutas, exi-

gindo-se porém a posterior confirmação régia.20 Assim, a redis-tribuição das terras do Rio Grande começou logo a seguir ao restabelecimento do cargo do Capitão-mor e do Senado da Câ-mara, em 12 de julho de 1659, repetindo o padrão utilizado na épo-ca da conquista, nos anos iniciais de 1600: as ribeiras do Potengi, Jundiaí, Mipibu, Trairi, Jacu e Curimataú/Cunhaú, alcançando tam-bém as margens das grandes lagoas como a de Estremoz e de Guara-íras. Em 22 de junho de 1666, João Fernandes Vieira, ex-oficial da guerra holandesa e Capitão-mor da Paraíba entre 1555 e 1557, obte-ve uma grande sesmaria, que ia da ribeira do Rio Ceará Mirim por dez léguas de costa até a Ponta de Touros, com outras tantas léguas

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para o sertão. Apesar de Vieira não a ocupar pessoalmente, a expan-são da pecuária também nesta ribeira foi marcante, abrindo caminho

para a interiorização.21 Logo, no entanto, as sesmarias seriam doadas na direção

das áreas mais interioranas, ditas pelos requerentes como terras “devolutas e desaproveitadas”, embora em todos os primeiros pedidos de concessão de sesmarias houvesse referência à pre-sença de índios tapuias nelas. Os sete requerentes de terras na ribeira do Açu, em 1676, encabeçados por Domingos Fernandes Araújo, pediam cada um cinco léguas por seis de largura nas margens do rio Açu, justificando que:

“...tem suas criações de gados vacum e caval-

gaduras e não tem terras suas onde as pode acomo-dar e de presente tem descoberto no sertão desta Capitania por onde corre o Rio Assinum [nome do atual rio Açu] muitas terras devolluptas e desapro-veitadas que nunqua foram povoadas, por estarem em poder do gentio brabo donde elles suplicantes se podem acomodar cõ as criações de seus gados sen-do tudo em aumento da fazenda Real e serviço de

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sua Alteza povoarece as terras que estão devolup-

tas...”22 (Grifo nosso) Ne região do Seridó, também no ano de 1676, na ribeira

do rio Acauã, os requerentes Teodósia Leite de Oliveira, Teodó-sia dos Prazeres e Manoel Gonçalves Diniz, da mesma forma justificaram sua petição:

“...tem suas criações de gados vacum e caval-

lares e não tem terras suas onde as poder acomodar e de prezente tem descoberto no Sertão desta capi-tania terras devollutas em hum Rio que chama a-cauham, que nunqua forão povoadas nem aprovei-tadas por estarem em poder do gentil (sic) bravo

donde elles suplicantes se podem acomodar...”23 (Grifo nosso)

Estas terras foram novamente concedidas, em 1679, em

virtude de não ter sido cumprida a ordem do Governador Geral que determinava fossem elas povoadas no prazo de um ano, a-

pós a primeira doação.24 Também estes novos requerentes fo-ram explícitos quanto aos motivos da sua petição:

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“... querem povoar o Sertam dos Tapuias ou dos Indios Canindez pera a parte onde elles habi-tam que são a cincoenta ou sessenta legoas desta di-ta Cidade e Capitania pouco mais ou menos (...) po-dem acomodar seus gados (...) [pedem que].. lhas dêm a elles suplicantes por devolutas como estam e per nam estarem povoadas nem aver quem athé este tempo prezente (...) povoarem (...) no sertãm ou por

temerem o gentio ...”25 (Grifo nosso) Vê-se que, em todos os exemplos, se reitera a idéia de um

sertão “vazio”, no entanto, “ocupado” por índios. Isto não é uma incongruência no pensamento colonial, visto que só se admitia a propriedade régia das terras do Brasil. Não sendo os índios ta-puias vassalos do rei de Portugal, não poderiam ter direito à pos-se delas, como os colonos portugueses, mesmo sendo de conhe-cimento geral que os índios eram os seus habitantes primitivos. Nesse início de interiorização, os índios podiam ser vizinhos aceitáveis, desde que eles também aceitassem pacificamente os colonos, inclusive podendo-se fazer resgates com eles, como se percebe na petição de sesmaria de umas sobras de terras na ri-beira do Acauã: “...elles suplicantes tem feyto grande dispendio

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e, actualmente estão fazendo com o dito gentio ..., para mays

obrigados os terem e conservarem a paz em que estão...”26 Também no Açu, os Janduí conviviam com os vaqueiros

dos sesmeiros, conforme se vê no relato do Capitão Gregório Varela de Berredo Pereira, de 1690:

“... há dez anos, pouco mais ou menos, que se

começaram a descobrir estes campos [do Açu], o qual é todo habitado de Tapuias Bárbaros, que se não pode contar a imensidade que há deste gentio, com diversas nações todas bárbaras e agrestes. No princípio que este sertão se começou a descobrir fo-ram para ele alguns vaqueiros com gado, de que fa-bricaram alguns currais, e estavam vivendo, com os Tapuias com muita paz e amizade pelo interesse que tinham de lhe darem ferramentas de machados e foices, que é o que eles necessitam para cortarem as árvores donde estão as abelheiras para tirarem o

mel de pau, seu quotidiano sustento.”27 Da mesma forma que no Açu e Acauã, os Nogueira Ferrei-

ra, primeiros sesmeiros de terras na ribeira do Apodi, também

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conviviam com os tapuias, no caso os Paiacu, a quem, na década de 1670 “... haviam dado seus resgates aos Tapuyos, para os

domar...”28 Ao que tudo indica, a relação entre colonos recém-chegados, seu gado e os índios tapuias não foi de inimizade i-mediata. Junto aos relatos de conflitos ocasionais, há também os de resgates e de acordos de convivência, como os citados acima, até porque a presença colonial era esparsa e, ao mesmo tempo, garantia um fornecimento eventual de alimento aos índios, que podiam usufruir de animais domesticados, e das ferramentas de ferro citadas. As relações entre tapuias e vaqueiros eram tão próximas que, para se fazer a paz com estes índios da região do Açu, foi proposto ao rei que se deveria procurar, para fazerem papel de intermediários “... alguns vaqueiros naquelle sertão com os quaes estes Tapuyos comem e bebem e a quem chamão

compadres.”29 (Ver Anexo 2) Repetia-se o que havia ocorrido na relação inicial entre os Tupi e os colonos portugueses.

Estas relações parecem não ter se restringido a uma oferta dos vaqueiros para garantir a paz, mas deviam ser uma troca destes utensílios por trabalho, pelo menos é o que deixa transpa-recer a cláusula oitava do acordo de paz entre os Canindé e o Rei de Portugal:

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“Mas q. sendo necessário aos moradores da-quellas partes algús Indios Janduins para as suas lavouras, curraes, pescarias, e Engenhos, os pedi-ram a quem Governar a Aldea pagandolhe seu tra-balho, conforme he uso, e costume naquellas partes,

assy, e da maneira q. o faziam antes da guerra”.30

(Grifo nosso) Assim, na década seguinte, a ocupação colonial do sertão

norte-rio-grandense foi se estendendo pelas ribeiras, como in-forma Cascudo, baseado nos livros de Datas e Sesmarias:

“Com Geraldo de Suni [Capitão-mor entre

1679 e 1681] avançam as sesmarias pelo Seridó, com Luís de Souza Furna, Antônio Lopo e Pedro de Albuquerque Câmara, em 28 de novembro de 1679, nas serra do Trapiá e Acauã. Aos Nogueira Ferreira doou terras na ribeira do Apodi. Seu sucessor, An-tônio da Silva Barbosa (1681-1682), concedeu ses-marias na ribeira do Açu, partindo do riacho Parai-bu nas cabeceiras do Piató, atingindo o rio Xoró, Xororó, Mossoró e raia do Jaguaribe, em data de 24

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de dezembro de 1681. Os beneficiados, Estevão Ve-lho de Moura, José Peixoto Viegas, Manuel da Silva Vieira e Antônio de Albuquerque Câmara, foram os iniciadores da fixação demográfica nessa zona. Al-buquerque da Câmara, grande latifundiário, teve seus desencontros com a indiaria, na necessidade inadiável de obter o braço servil, gratuito e farto, para o arroteamento das roçarias e amanho do ga-do. Estevão Velho de Moura, depois Sargento Mor de Infantaria de Ordenanças no Ceará, alegava ´ser dos primeiros que tratou das pazes com o gentio que habitava nos sertões do Rio Grande com dispêndio

de sua Fazenda`.”31 Nota-se que, ao cabo de 20 anos, a ocupação das terras pe-

la pecuária se estendeu até às ribeiras dos rios mais distantes, confinando-se já com as terras finais da capitania na ribeira do Jaguaribe, hoje parte do Ceará.

Assim como no Rio Grande, na Capitania da Paraíba tam-bém se estendeu a presença das fazendas de gado pelo seu inte-rior, tendo-se distribuído terras no rio Piranhas e seus afluentes, área que hoje algumas partes pertencem ao Rio Grande do Nor-

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te. Foram grandes sesmeiros, como o próprio João Fernandes Vieira e sua família e os Oliveira Ledo, que conseguiram montar suas próprias tropas de soldados para fazerem as expedições de conquista e garantirem a segurança da posse delas, colocando aí

muitos moradores e vaqueiros a seu serviço.32 Desta forma, no início da década de 1680, o sertão do Rio

Grande estava pontilhado de currais de gado, que tomavam o espaço indígena e modificavam o seu modo de viver, como de maneira geral acontecia em todo o nordeste, pois o avanço dos currais para o interior tocava obrigatoriamente nas terras onde, tradicionalmente, habitavam os índios tapuias. (Ver mapa 1) A frente de penetração da pecuária vinda do litoral pernambucano, paraibano e norte-rio-grandense acabava por se chocar com a que vinha do Maranhão e Piauí em direção ao Ceará, impossibilitando qualquer movimentação livre dos índios no sertão, pois para qual-

quer direção que se voltassem encontrariam uma frente pastoril.33 Por outro lado, os tapuias habitantes do sertão passaram de

vizinhos tolerados a uma “barreira à expansão da pecuária”34, visto que, em decorrência do encontro das frentes de penetração da pecuária no Ceará, a atividade colonial começou a se adensar nas ribeiras dos rios, áreas essenciais à sobrevivência dos animais, mas também à dos tapuias que aí também se concentravam. De forma

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que a contínua distribuição das terras e o crescente fluxo popula-cional de colonos, assim como os conflitos intermitentes, ocorridos entre uns e outros pelas diferenças evidentes da cultura, levariam a enfrentamentos cada vez mais graves.

Neste novo contexto, os tapuias passaram a ser encarados de forma dupla pelos colonos e autoridades coloniais, como an-tes já havia acontecido com os Tupi: seriam tapuias “hostis” ou, na expressão mais usada na época, “bárbaros”, que resistentes à penetração colonial deveriam ser eliminados, a fim de liberar as terras e dar sossego à colonização; por outro lado, aqueles que aceitassem a vassalagem ao Rei de Portugal, tornavam-se “man-sos”, e prontos para serem aldeados e preparados para servirem aos colonos. Lembrando, ainda, que entre as duas categorias ainda se encontra o cativo, isto é, aquele que, aprisionado na guerra, tornava-se “escravo legal”, podendo ser levado aos nú-cleos de povoamento para ser vendido, geralmente mulheres e crianças que mais facilmente serviriam aos colonos depois de “domesticados”, como se pode verificar nesta ordem do Gover-nador Geral ao Capitão Manoel de Abreu Soares, sobre o prece-dimento na guerra que se deveria fazer aos tapuias, em 1688:

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“E como eu declarei em Junta Geral que fiz, que os prisioneiros desta guerra seriam escravos daquelles que os captivarem, assim como este é o grande estímulo para o gosto dos soldados, é muito importante o reparo que Vossa Mercê deve fazer em não consentir que deixem de degollar os Barbaros grandes só por os captivarem, o que principalmente farão aos pequenos, e às mulheres de quem não po-

de haver perigo, que ou fujam, ou se levantem.”35 4.2 - Tapuias36 e o seu território tradicional

Como se viu, a interiorização da pecuária no Rio Grande

colocou os colonos em contato com grupos tapuias, em áreas que eram tradicionalmente habitadas pelos últimos. Este encon-tro se tornaria um confronto violento, que acabou por levar a uma quase extinção étnica dos tapuias devido à morte, à fuga e à aculturação forçada nos aldeamentos missionários para os que

sobreviveram.37 Mas quem eram esses tapuias? No seu livro História do Rio Grande do Norte, Câmara

Cascudo confirmava a diferença entre os índios Tupi, habitantes

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do litoral, e os tapuias, habitantes dos sertões do Rio Grande do Norte. Sobre eles, Cascudo dizia:

“O Rio Grande do Norte lembra seus ances-

trais aborígenes, Paiacus, Paiins, Monsorós, Pegas, Caborés, Icózinhos, Panatis, Arius ou Áreas e Jan-duís, de truculenta memória, além dos Potiguares clássicos, comedores de camarão, dominadores do Rio onde a Capital se plantou ... Eram apenas duas raças. Potiguares eram tupis. Todos os demais eram Cariris, apelido dado pelo inimigo tupi, KIRIRI, o

calado, o silencioso, o taciturno.”38 Mais adiante, falando sobre os Janduí, Cascudo é categórico:

“ Eram cariris legítimos. Sua raça se dizia (informa Elias Herck-man, que os conheceu de perto) Tarairiou, certamente Tarairus, divididos em duas tribos, uma dirigida por Jandui, que tomou no-

me dêsse chefe, e a segunda comandada por Caracará”.39 No entanto, outros estudiosos discordaram dessa afirmativa.

Sobre a classificação dos tapuias no Nordeste, baseado em estudos etnológicos e lingüísticos, Thomaz Pompeu Sobrinho publicou vários trabalhos na Revista do Instituto do Ceará, e

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ainda em 1934, lançou um artigo sob o título: “Os Tapuias do Nordeste e a Monografia de Elias Herckman”, onde distingue os tapuias Tarairiú dos Cariri e também dos Gê. Para tal estudo, utili-zou-se dos cronistas, principalmente Elias Herckman que fez um minucioso relato, que se pode dizer etnográfico, sobre os Tarairiú, em 1639, que foi transcrito e analisado por Pompeu Sobrinho. So-bre a questão das famílias tapuias ressaltou este trecho:

“Dividem-se em várias nações. Alguns habitam

transversalmente a Pernambuco, são os CARIRYS cujo rei se chama KERIOUKEIOU. Outra nação reside um pouco mais longe, é a dos CARIRIWASYS e o seu rei é KURUPOTO. Há uma terceira nação, cujos índios se chamam CARERYJOUWS. Conhecemos particular-mente a nação TARAIRYOU; JANDUWY é o rei de

uma parte dela e CARACARÁ da outra.”40 Pompeu Sobrinho ressaltou que, como se nota, Herckman

havia dividido os tapuias, seus conhecidos, em quatro famílias: Cariris, Caririwasus, Cararijus ou Carariús e Tarairiús (grafia utilizada por ele). Destacou ainda a segmentação desta última em duas outras, cada parte comandada por um principal diferente.

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Com o que concorda o etnólogo Estevão Pinto, que confirma esta classificação: “... esses tapuias [os Tarairiú] estavam subdivididos em dois grupos ou tribos chefiados por Janduwi e outra por Cara-cará. Os Janduwí, (ou Janduí) eram uma segmentação mais co-

nhecida e não pertenciam taís índios à família cariri...”41 O historiador Olavo de Medeiros Filho, também aceitando

essa interpretação, foi além, confrontando as informações de Herckman com a de outros cronistas coevos: Gaspar Barléus, Guilhermo Piso, Georg Marcgrave, Joan Nieuhof, Hessel Ger-ritz e Joannes de Laet; indicando, inclusive, as denominações de algumas tribos em língua tupi e na dos tapuias, exemplificando

aqueles Tarairiú, que se auto-designavam de Otshicayayanoe.42 As diferenças culturais, entre os grupos tapuias Tarairiú e

Cariri, confirmam as observações que os cronistas fizeram. A primeira distinção estaria na localização das áreas culturais de influência de cada família: os Tupis habitavam o litoral; os Tara-iriú, a região “sublitorânea”, que se expandia além do litoral, formando uma faixa muito irregular, e, ocupando nas regiões secas do Seridó e sertão, as ribeiras dos rios Jaguaribe, Apodi, Açu, Piranhas, Sabugi e Seridó. Em alguns trechos atingia o mar, como no Ceará e Piauí. Os Cariris viviam mais para o inte-

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rior dos Estados do Nordeste, nas proximidades de rios perma-

nentes com vales úmidos, como o do Rio São Francisco.43 Os dados linguísticos também os diferenciavam, apesar de

se ter pouca informação da língua Tarairiú. Sabe-se, através de comparações com termos tarairiús resguardados, que não era a mesma falada pelos Cariri. Estes tiveram sua língua bastante estudada por dois missionários: Frei Capuchinho Luiz Vicente Mamiani, que escreveu “Gramática da lingua Cariri” e “Um ca-tecismo da Doutrina Cristã na Lingua Brasílica da Nação Cariri”, de 1698, e Frei Capuchinho Bernardo de Nantes, que publicou em 1709 o “Catecismo da Lingua Cariri”. Ajudou também nesse as-pecto, informações contidas em documentos históricos, como a divisão étnica de Herckman e a sua informação sobre o sub-grupo chefiado por Canindé, que também pertenceria à família Tarairiú, o que foi confirmado posteriormente através do “Termo de Capitula-

ção do Canindé, Rei dos Janduins”.44 Uma diferença cultural, entre outras, que Pompeu Sobri-

nho considerou demarcatória, era a prática do endocanibalismo entre os Tarairiú. Quando morria um componente da tribo, os outros comiam-no, sendo seus ossos e cabelos pulverizados e consumidos junto ao mel e à farinha. Da mesma forma, a mãe comia o seu natimorto, dizendo que melhor sepultura não have-

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ria para ele. Tais descrições encontram-se nos relatos dos holan-

deses Elias Herckman, Zacharias Wagner e Gaspar Barléus.45

Entre os Cariri esta prática nunca foi observada pelos padres que os acompanharam por longo tempo e escreveram sobre eles.

O próprio Pompeu conclui :

“Possuiam estes índios [os Tarairiú] uma cul-tura com traços característicos e falavam uma lin-gua que, pelos vestígios conservados até o presente, não se pode atribuir a nenhum dos grupos linguísti-cos conhecidos. Os Tarairius, portanto compõem uma família etnico-linguística, perfeitamente distin-

ta da família Kariri”.46 Olavo de Medeiros Filho, concordando com os estudos de

Pompeu Sobrinho, nos dá uma relação das tribos Tarairiú que habitavam tradicionalmente a Capitania do Rio Grande: Janduí, Ariú, Pega, Canindé, Genipapo, Paiacu, Panati, Caratiú e Core-ma, sendo estes os grupos que entrariam em contato com os co-

lonos portugueses na interiorização da pecuária.47 (Ver Mapa 1)

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Quanto às características físicas, Elias Herckman deixou um relato sucinto sobre os Tarairiú que consegue criar uma boa imagem desses indígenas:

“Este povo de Tapuyas é robusto e de grande

estatura, os seus ossos são grossos e fortes, a cabe-ça grande e espessa, a sua cor natural é atrigueira-da, o cabelo é preto e de ordinário o trazem penden-te sobre o pescoço, mas por diante até acima das orelhas cortam-no igualmente, o que faz parecer

que trazem um boné sobre a cabeça...”48 Esses tapuias, como alguns outros indígenas do Brasil,

costumavam depilar todo o corpo e o rosto. Todos, inclusive as crianças, costumavam pintar o corpo, utilizando-se de tinta pre-ta, extraída do jenipapo, e vermelha, do urucu. Andavam nus, porém com os genitais cobertos: as mulheres usavam uma espé-cie de “avental”, confeccionado com folhas preso à cintura e os homens usavam um cendal, também vegetal. Para enfeitarem-se, os homens perfuravam bochechas, lábios, orelhas e nariz, por onde transpassavam ossos, pedras coloridas ou madeira. Tam-bém utilizavam penas de aves diversas, que prendiam nos cabe-

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los e corpo, colando-as com cera de abelha ou atando-as com fios de algodão para fazer cordões, pulseiras e tornozeleiras. Usavam também sandálias feitas com fibras vegetais.

O clima hostil do sertão nordestino impunha aos Tarairiú uma vida semi-nômade. De acordo com as estações do ano, os Ta-rairiú mudavam seu acampamento para os lugares que melhor lhes garantissem a sobrevivência, portanto não tinham casas ou aldeias fixas, num único lugar, mas construiam acampamentos regulares, dentro de uma área delimitada. Nieuhof relata que, nos meses de novembro, dezembro e janeiro, os Tarairiú sempre acercavam-se

do mar, região mais rica nesse período do ano.49 Por causa da transitoriedade de seus acampamentos, suas casas eram rústicas, nada diferenciando de um abrigo feito de paus e folhas, geralmente à beira de alguma água. Dormiam em redes, ou mesmo no chão, quando viajando, mas sempre tinham uma fogueira perto. As mu-danças, sempre constantes, eram indicadas pelos feiticeiros e anun-ciadas pelos “reis” que determinavam o local do próximo acampa-mento, quando então iniciavam os preparativos. As mulheres e crianças eram incumbidas de transportar os utensílios, cestarias, bagagens e armas, pois os homens participavam de um costume

que Rouloux Baro designou de “correr a árvore”50, que consistia numa espécie de competição, entre dois grupos de tinham que cor-

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rer carregando ao ombro um tronco de madeira preparado para esse fim, até o lugar do novo acampamento.

Além de encarregadas de transportar as bagagens, as mulheres também deveriam, no novo acampamento, procurar os paus e folha-gem para confecção dos abrigos. Eram também elas que se incumbi-am da alimentação e bebidas, e dos cuidados das crianças, auxiliadas pelas anciães. Aos homens cabia a caça, pesca e a procura de mel silvestre; eram exímios caçadores, chegando a “... flechar uma ave

em pleno vôo...”, segundo Nieuhof.51 Construiam armadilhas para peixes e animais terrestres; caçavam principalmente pequenos ani-mais, já que grandes não havia pelo sertão.

Sua alimentação básica era, pois, a caça, assada em fornos subterrâneos, a pesca, o mel, frutos, raízes, ervas e animais sil-vestres como lagartos e cobras. Após as chuvas e os rios estarem cheios, os Tarairiú voltavam para as várzeas a fim de plantarem mandioca, milho, legumes, e alguns frutos. Das raízes, como a mandioca e outra denominada de “atug”, os índios fabricavam farinhas e pães. Dado interessante é a prática de cerimônias pro-piciatórias à fertilidade da terra, comandada pelos feiticeiros das tribos; sem elas não se fazia a semeadura. Apesar de alguns cro-nistas dizerem que não praticavam a agricultura por serem nô-

mades52, Jacob Rabbi, que conviveu com eles durante anos,

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ressalta que as migrações se davam entre os meses de novembro e janeiro, o que não prejudicava o cultivo, que se dava entre os meses de março e abril. Informou ainda que uma porção da co-lheita era sempre separada para a próxima semeadura. Roulox

Baro se referiu ainda à plantação de tabaco entre eles.53 José Elias Barbosa Borges lembra, porém, que se tratava de uma ati-vidade agrícola temporária e, portanto, diferenciada da exercida pelos Tupi e Cariri que habitavam em locais próximos a fontes

perenes de água.54 Os Tarairiú adoravam a constelação da Ursa Maior, e cul-

tivavam a lenda de que, em tempos passados, haviam vivido sem preocupação quanto à alimentação ou qualquer outro esfor-ço pela sobrevivência, porém tendo ofendido ao seu deus, este condenou-os a sofrer para conseguirem sobreviver. Por isso, acreditavam que ao morrer, enfrentariam o “Diabo”, que os in-quiriria sobre a natureza da sua morte, e depois alcançariam um lugar de prazeres, repleto de peixes e mel. Acreditavam também na existência de espíritos e na intermediação dos feiticeiros, que eram tidos um grande estima. Eram eles que invocavam os espí-ritos, que se materializavam, ou então incorporavam-nos a fim de profetizarem. Os cronistas holandeses denominavam esses espíritos de “diabos” ou espíritos maus.

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Os Tarairiú eram guerreiros temidos pelos outros indíge-nas, pela sua ferocidade, força, velocidade e destreza na guerra, onde adotavam a tática da surpresa, isto é, da guerrilha, que muito intimidava os colonos, como Berredo relata: “... na guerra não dão quartel a ninguém, nem apresentam batalhas à cara descoberta, senão com súbitas avançadas e depois por detrás das árvores fazem os seus tiros; usam muito de gritarias para

meterem medo.”55 Tinham como armas um propulsor de dar-dos, clavas chatas de madeira dura, semelhantes a espadões, e machados líticos. Eram grandes guerreiros e orgulhavam-se dis-so, indo em grande contentamento para a guerra, pois era nelas que conseguiam honrarias por matar os inimigos. Desde cedo, as crianças eram ensinadas a andar e nadar e desenvolviam também grande destreza e força, que eram treinadas para a guerra.

Durante o contato com os holandeses e portugueses, as armas tradicionais acabaram recebendo o reforço das armas de fogo dos europeus: “... não sabiam atirar com espingardas, mas hoje o fazem melhor do que nós e trazem muitas dos vaqueiros

que tomaram e algumas prezas mais que tiveram.”56 Durante a “Guerra dos Bárbaros”, o uso contínuo das armas de fogo pelos tapuias fez com que o Governador Geral mandasse investigar de onde eles poderiam estar recebendo armas, pólvora e munições,

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com que se supriam há mais de cinco anos. Desconfiavam que conseguiam as armas dos soldados e moradores que matavam, mas que recebiam as munições através de contrabando com na-

vios que navegavam o Rio Açu até por oito léguas adentro.57 A obtenção das armas e munições, porém, acabava sendo feita por esta via, mas também através dos próprios colonos portugueses, como alguns moradores de Cunhaú e Goianinha que compravam tapuias a outros que os haviam cativado, a troco de espingar-

das.58 Esta situação foi objeto de queixa do Jesuíta Felipe Bou-rel ao Rei, pois com as armas nas mãos os tapuias enfrentavam-

nos, andando “... muito soltos e repugnantes a se aldearem.”59 Além das armas, os Tarairiú também adotaram os cavalos,

o que causava muito espanto e temor aos portugueses, levando o Capitão-mor da Paraíba a compará-los aos Araucanos, que causa-vam muitos problemas aos reis de Castela na região da atual Ar-gentina, sendo, portanto, conveniente que lhes fizessem guerra, “... por terem muita creação de Egoas, e cõ qualquer disciplina nos

poderão fazer muito dano...”60 Os temores foram comprovados, pois a guerra de assaltos rápidos, com que os tapuias estavam acos-tumados, ficou ainda mais repentina e prejudicial com as novidades trazidas pelos europeus, que fizeram os tapuias “... mais fortaleci-

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dos no sertão, onde agora ficaram dominantes, usando cavalos selados, com pistolas e cravinas aparelhadas de prata e muita

pólvora e bala.”61 (Ver Documento 2) Numa sociedade guerreira como a destes tapuias, a posi-

ção dos chefes, geralmente um grande guerreiro, era de grande prestígio, havendo cerimônias de coroação com muitos festejos. Porém, seu poder era baseado na persuasão do resto da tribo, o que não impedia que fosse obedecido, principalmente em épocas de guerra. Havia diferenciações sociais, demonstradas por dis-tinções físicas adotadas pelo “rei”, como a utilização das unhas crescidas dos polegares e o cabelo cortado diferentemente, e também pelo maior número de mulheres que podia ter.

Os principais eram, também, nomeados com os mesmos

nomes dos subgrupos62, sendo por isso compreensível os vários chefes Janduís e Canindés que foram registrados através dos vários anos pelos cronistas. Contudo, a função principal dos chefes na colonização está relacionada ao assentimento dos a-cordos de paz com as autoridades coloniais. Durante a “Guerra dos Bárbaros”, muitos acordos foram feitos com a “assinatura” dos Principais, por representantes (geralmente os escrivães das Câmaras), com o que, juntamente com seu povo, se tornavam vassalos do rei de Portugal, merecendo forma diferenciada de

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tratamento. Um destes acordos, transcrito por Ernesto Ennes, dá a idéia da força de comando destes Principais:

“Em os sinco de Abril deste presente anno,

chegaram a esta Cidade da Bahia joseph de Abreu vidal, Tio do Canindé Rey dos Janduins, Mayoral de tres aldeas sugeitas ao mesmo Rey; e Miguel Perei-ra Guarejú Pequeno, Mayoral de tres aldeas sugei-tas também ao mesmo Caninde; e com elles o Capi-tão João Paes Florian Portuguêz, em nome de seu sogro putativo, chamado Neongugê; Mayoral da sua Aldea sucuru da mesma nação Janduim, e cunhado reciproco do dito Rey Canindê, a cuja obediencia, e poder absoluto está sugeita toda a nação Janduim, dividida em vinte, e duas Aldeas; Sitas no Certão q. sobre as Capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Pa-rahiba, e Rio Grande; nas quaes ha trese, para qua-torze mil almas, e sinco mil hómes de arcos, destros

nas armas de fogo.”63 As cláusulas deste acordo de paz garantiam aos índios a

sua “liberdade natural”, afirmando que não poderiam ser escra-

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vizados em quaisquer circunstâncias e por qualquer pessoa, e dava-lhes também a posse de dez léguas de terra “de cada ban-da” para cada aldeia. Em troca disto se obrigavam a aceitar a vassalagem aos Reis de Portugal, a trabalhar para os colonos quando fosse necessário, em troca de pagamento, e nos serviços para o Rei, que podiam ser nas construções e nas guerras contras outros povos indígenas ou nações européias. Além disso, obriga-vam-se a aceitar a religião cristã e a se batizarem, e comunicarem às autoridades a acorrência de minas nas terras que conheciam.

Percebe-se que estes índios tinham características diferen-tes dos Tupi, no entanto, a forma de aproximação foi a mesma: troca de resgates, numa convivência amistosa, seguida por vá-rios conflitos que surgiam do contato entre a busca colonial por novas áreas para implantação do modo de vida europeu e o pró-prio modo de vida indígena. É, basicamente, a mesma história que se repete em um ambiente ecológico diferente, envolvendo, novamente, povos cuja cultura estava voltada para a sobrevivên-cia tribal e não para o acúmulo individual. Novamente, os mis-sionários foram requisitados para transformá-los em “homens”, para afastá-los do meio natural e apresentá-los ao meio “cultu-ral”, através daquilo que acreditavam ser o único meio: a cate-quese e conversão ao cristianismo. Contudo, como logo veriam,

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estes tapuias resistiriam bravamente e, paradoxalmente, parecem ter “usado” o apoio da igreja como estratégia de luta em uma guerra aniquiladora.

4.3 - Resistência indígena e resposta colonial: a “Guerra dos Bárbaros”

A presença dos europeus na América levou a um confron-

to entre os mundos europeu e nativo, que resultou num intenso processo de aniquilamento dos povos americanos, chegando, em alguns casos, a beirar a extinção física e étnica. No litoral brasi-leiro, como se viu, este confronto levou a uma “guerra” episódi-ca que foi envolvendo os diferentes povos litorâneos, ocasionando vários embates independentes entre si, à medida em que o contato se efetuava e tornava-se permanente. Este processo gerou uma sé-rie de guerras e conseqüentes acordos de paz, que levaram grande número de índios a viverem em suas aldeias sob a orientação de missionários, que tinham como função “civilizar” os nativos, fa-zendo-os capazes de contribuir com a obra colonial.

No sertão do nordeste a situação seria semelhante, com o agravante dos combatentes conhecerem-se entre si e terem tido a

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oportunidade de formar uma idéia sobre o outro, pois a invasão dos holandeses, que arrebanharam os tapuias dos sertões como seus aliados, ocasionou o contato entre eles e os portugueses, fazendo com que tivessem mais notícias e presenciassem a força de guerra um do outro. Fato este que veio somar-se, negativa-mente, ao preconceito contra os tapuias, forjado pelas primeiras descrições inferiorizadoras feitas pelos Tupi sobre os seus ini-

migos do interior, e solidificada pelos cronistas portugueses.64 Desta forma, pode-se dizer que os portugueses temiam os

tapuias e vice-versa, porque sabiam, mutuamente, dos seus po-deres. A fuga dos tapuias para as serras após a partida dos ho-

landeses65, pode demonstrar este temor, assim como, as diver-sas falas dos portugueses quanto à “fereza” e insubordinação dos tapuias também. Talvez este temor mútuo tenha mantido por algum tempo as relações entre eles ao nível de convivência acei-tável, quando a ocupação do sertão apenas começava.

No entanto, as formas de vida não poderiam ser mais dís-pares, pois a vida semi-nômade dos tapuias, sempre seguindo as variações sazonais, sem se fixar em aldeias e, por isso mesmo, dependendo do que lhes oferecia a natureza, sofreria bastante com a presença sedentária dos colonos e seu gado, apesar deste,

às vezes, servir de alimentos a eles.66 A interiorização de cada

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vez maior número de colonos e a ocupação dos nichos ecológi-cos das ribeiras ocupadas tradicionalmente pelos tapuias, difi-cultaram a obtenção de sua alimentação preferencial - caça, pes-ca e mel, e levaram a conflitos intermitentes que gerariam a grande guerra que se seguiu.

Sem dúvida, a guerra foi resultado do confronto destes dois mundos, que se arrastou por quase cem anos, abrangendo, paulatinamente, os sertões da Bahia até o Maranhão, acompanhan-do o caminho do gado. Ainda na década de 1650, os problemas com os tapuias nos sertões da Bahia fizeram com que os primeiros bandeirantes paulistas fossem chamados para dominar a série de revoltas dos “gentios bárbaros”, que impediam a expansão da pe-cuária, configurando o que Maria Ilda Paraíso chamou de um “cír-culo de ação-reação-repressão”, isto é, a interiorização colonial, com seu gado e suas doenças, levariam a uma resposta bélica indí-gena pela proteção de seu modo de vida, que por sua vez, levaria a uma pronta investida colonial sobre os índios, matando, afugentan-

do e escravizando-os pelas mãos dos hábeis paulistas.67 A solução “paulista” para este problema baseou-se no fato

de que eles tinham já grande experiência no trato da guerra e apresamento contra índios insubmissos na região do sul coloni-

al68 e, principalmente, porque tinham grande interesse nesta

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“guerra justa”, visto que lhes era garantido o envio das presas

para a venda nas cidades.69 A instrução do Governador Francis-co Barreto, ao paulista Bernardo Bartolomeu Aires, em 1658, é categórica quanto à ação que a sua tropa deveria fazer aos tapui-as nos sertões baianos: “... desbaratando e massacrando-os por todos os meios e esforços conhecidos pela habilidade militar ... poupando somente mulheres e crianças tapuias, a quem você

dará a vida e cativeiro.”70 Vê-se, claramente, os interesses co-loniais neste pequeno fragmento de frase: livrar o território, seja pela morte ou pela fuga forçada, e conseguir escravos que pudes-sem servir à colonização, destinados, principalmente, às áreas não-açucareiras, de pequenos proprietários e produtores voltados para o

mercado interno regional71, isto é, como diz Schwartz, para “... áreas de fronteiras ou nas regiões pobres, onde a necessidade de trabalhadores era menor e as desvantagens eram compensadas

por seu preço.”72 Tais compensações eram calculadas em relação à outra forma de obtenção de mão-de-obra escrava, isto é, através da compra de escravos negros africanos.

O resultado final da ação dos paulistas na Bahia pode ser visto numa carta datada de 1699, do Governador Geral do Bra-sil, falando que tinham “... em poucos anos, deixado esta capi-

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tania livre de todas as tribos de bárbaros que a oprimia, extin-guindo-os tão efetivamente que desde então não se encontra

nenhum gentio pelos sertões que eles conquistaram.”73 A afir-mativa pode ser um tanto exagerada, mas, efetivamente, neste período haviam conseguido alcançar o objetivo de colonos e do Estado colonial de liberar as terras para a expansão da fronteira econômica em direção ao sertão.

Da mesma forma que na Bahia, a expansão da pecuária em direção às capitanias do norte - Paraíba, Rio Grande e Ceará - a partir de Pernambuco, também levou aos sertões os conflitos com os tapuias, iniciados ainda na década de 1650, alastrando-se e intensificando-se a partir da década de 1670, com focos de rebeliões nos sertões pernambucanos e paraibanos, e também no sul do atual Piauí, com a interiorização das fazendas de gado

ligadas aos Dias d‘Ávila da Bahia.74 Nestas regiões, os conflitos entre colonos e tapuias tam-

bém tiveram seu início logo a seguir à expulsão holandesa e à retomada do povoamento português. No ano de 1659, o mesmo da instalação da Câmara de Natal, uma Consulta do Conselho Ultramarino dizia ao rei que seria conveniente ao repovoamento de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande “... mandar conduzir para as ditas Capitanias os indios que dellas se auzen-

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tarão para a serra da Capaoba, Seará, e Camusy, onde não são necessários...”, para servir aos moradores e receber a doutrina-ção religiosa, porque estes índios tapuias “... são soberbos, e mal intencionados, e fizerão muitas tiranias entre os nossos a res-peito de seguirem um Capitão olandez e hoje se vão fazendo poderosos, por terê muita creação de Egoas, e cõ qualquer dis-ciplina nos poderão fazer muito dano ... se não lhe atalhar no principio o orgulho...”. Como solução para a situação, foi reco-mendado que, para a redução e conservação da amizade destes tapuias Janduí, deveria ser mandado para a região o Pe. Pedro de Lara, secular, conhecedor da língua dos tapuias, e o índio Antô-nio Mendes, levando o “...perdão que das culpas, que estes In-dios tiverê cometido em se lansar cô os olandezes no tempo, quê

ocuparão aquellas Capitanias...”75 O documento citado demonstra que os colonizadores por-

tugueses temiam a possibilidade de um levante tapuia e tenta-vam, ao mesmo tempo, promover uma aproximação que resul-tasse em benefício da colônia, isto é, a paz e o fornecimento de serviço aos colonos.

A mesma Consulta refere-se ainda aos problemas causa-dos pelo apresamento de dois filhos de um Principal Janduí e o envio para Lisboa de outros quatro índios Janduí, pelo ex-

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Capitão-mor da Paraíba, João Fernandes Vieira, dando notícias do seu paradeiro “... delles hé faleçido hû nesta Cidade, outro está na Ilha terceira, e outro fugindo a nado do navio, em que vinha, se tornou para a Parahiba, e o quarto he o que fas este requerimento...” Este último, o Janduí Antônio Mendes, pedia ao Rei que o enviasse de volta ao Brasil e que promovesse o retorno dos tapuias às suas áreas tradicionais para os acalmar. Esta situação parece ter se acirrado pois, em 1662, os mesmos Janduí estavam “... receando que se use o mesmo com alguns de seus Principais e estão rebelados e declarados inimigos em tan-to que já mataram alguma gente dos moradores do Rio Grande e nos mais tem causado tanto receio que trataram de fazer duas

casas fortes ...”76 (Ver Documento 2) Além de distúrbios como este acima, outros sinais evidencia-

vam que a situação era insegura para a população da Capitania do Rio Grande e de Natal, que em 1664 requereu a permanência do Padre Leonardo Tavares de Mello como pároco da cidade, pois, naquele recomeço de povoamento, nenhum outro padre queria ir para aquela freguesia, por medo dos “... barbaros tapuios que desci-

am todos os anos do sertão em grandes chusmas...”77 Contudo, como já se viu, durante a interiorização da pecu-

ária na Capitania do Rio Grande, nas décadas de 1670 e 80, a

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distribuição de sesmarias nas ribeiras dos rios Acauã, Seridó, Açu, Apodi e Mossoró obrigou à convivência entre os tapuias e vaqueiros, que nem sempre era conflituosa, lembrando a citação de Joseph Ulhoa sobre chegarem a ser “compadres” (Ver Documento 3). Mesmo quando ocorriam alguns distúrbios, eles poderiam ser resolvidos através de acordos, como parece ter acontecido em 1681, quando os Oficiais da Câmara de Natal solicitaram ao Capitão-mor Geraldo Suni, que se mandasse soldados e um intérprete ao sertão, para trazer a Natal os “principais” dos índios, a fim de promover a paz e união com os moradores, devido aos danos e morte de um

morador do sertão pelos tapuias.78 Por outro lado, parece também que alguns conflitos eram

resolvidos através da força, como o ocorrido no ano de 1682, quando, pelo mesmo motivo e atendendo também ao pedido do povo, a Câmara resolveu mandar o Capitão Barreto da Silva ao sertão do Açu, com a sua Companhia, e o intérprete Capitão Francisco Bagoz de Valadares, “... para reparar o dano que o

gentio fazia”.79 Estes conflitos isolados continuaram a aconte-cer, a ponto do recém-chegado Capitão-mor Manoel Muniz pe-dir ajuda ao Rei, em 1684, por estar preocupado com a situação precária da Fortaleza, que não dispunha de munições, e da capi-tania, que só tinha 300 homens brancos capazes para armas,

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espalhados pelos sertões e insuficientes para defenderem-se,

caso “o inimigo tentasse se apoderar da Capitania.”80 Seu temor deveria ser verdadeiro, pois ele mesmo relatou uma

situação que poderia facilmente levar a uma verdadeira rebelião:

“ ...os sesmeiros, ou seus prepostos residentes nas terras do interior, sem recursos para comprar negros de Guiné ou de Angola, premidos pela obri-gação de viver, recorriam frequentemente à captura dos indígenas, forçando-os às tarefas da agricultu-ra, serviço que nas tabas, pertencia às mulheres como impróprio para guerreiro ... Daí uma série de provocações, de negaças, de violações que o indíge-

na deveria sofrer ou rebelar-se”81 Assim, apesar da “amizade” entre vaqueiros e índios, e de al-

gumas tentativas de contornar os problemas de convivência, os con-flitos foram avolumando-se e tornaram a situação insustentável, co-mo no episódio que Gregório Berredo Pereira reputa como o que desencadeou a “Guerra dos Bárbaros” na região, durante o governo de Paschoal Gonçalves de Carvalho (1685-1688):

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“E estando vivendo com esta união se ateou uma dúvida entre eles e os vaqueiros, de que resul-tou matarem-lhe um filho dos principais dos seus, com muito pouca razão da nossa parte, que se logo se acudira a esta desordem com o dispêndio de pou-co cabedal, que era o que eles pretendiam, não su-cedera o que hoje experimentamos ... [ porque] por verem o pouco caso que se fez do que eles requeri-am, degolou todos os vaqueiros que ali havia e lhes tomou as armas e o gado e se pôs em campanha à cara descoberta, que foi necessário levar este negó-cio por armas, por lhes não dar ousadia a se não vi-rem senhoreando da Capitania do Rio Grande, co-

mo intentavam ...”82 Como fica evidente, parece ter havido uma tentativa de

acordo, pelo menos pela parte dos índios que não encontraram resposta colonial ao seu problema, levando à deflagração do que seria conhecida como a “Guerra dos Bárbaros”, pois logo a se-guir, no ano de 1686, o Capitão-mor Paschoal Gonçalves de Carvalho mandou para a ribeira do Açu uma expedição coman-dada pelo Cabo Manoel de Abreu Soares, com 150 infantes e

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quatro capitães de Ordenanças, e os índios das aldeias adminis-tradas por Diogo Camarão, para combater os tapuias que ataca-

vam os moradores daquela região.83 Também resolveu nomear a Jerônimo Cavalcante de Albuquerque como Coronel de Cava-laria da Ordenança, para socorrer os colonos que moravam nos lugares distantes da Capitania, próximos dos tapuias que esta-

vam destruindo as suas fazendas.84 A situação foi piorando, com os tapuias vencendo as tro-

pas enviadas contra eles, o que levou a Câmara de Natal, no início de 1687, a pedir socorro através de um Vereador da Câ-mara enviado ao Governador Geral, na Bahia, pois o levante do Açu já havia matado quase cem moradores e vaqueiros e destru-

ído o seu gado.85 Como resposta a este pedido, o Governador Geral Mathias da Cunha ordenou que o Coronel Antônio de Al-buquerque da Câmara assumisse a liderança das tropas, podendo recrutar cabos, oficiais e soldados, assim como, se apoderar de munições, mantimentos e gado para o sustento dos soldados, e prometeu que as Capitanias vizinhas mandariam ajuda em “toda gente possivel” para lutar contra a “nação que mais morte tenha

feito aos brancos e escravos.86

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O ano de 1688, portanto, se iniciaria com a guerra em ple-no curso. Ainda em janeiro, os “gentios” estavam senhores de todo o sertão e se acercavam da cidade de Natal, assaltando os colonos na ribeira do Ceará-Mirim, os quais mal podiam se de-fender de dentro de suas casas- fortes construídas aí e também em Tamatanduba, Cunhaú, Goianinha, Mipibu, Guaraíras, Po-tengi, Utinga e na Aldeia de São Miguel de Guajiru, onde não ficavam seguros porque só assitiam seis soldados em cada uma

para a sua defesa.87 Ao mesmo tempo, as tropas de Antônio Albuquerque da Câmara sofreram grandes baixas ao enfrentar os tapuias nas cabeceiras do rio Açu, região do Seridó, sendo, tam-bém ele, obrigado a se refugiar dentro de casa -fortes, sem poder de fogo contra os índios, e, o pior, permitindo que os mesmos se

apoderassem das armas dos soldados mortos.88 Desta forma, também nos sertões do Rio Grande, se esta-

beleceu aquele “círculo de ação/reação/repressão”, nomeado por Maria Ilda Paraíso, que dera início a outros conflitos entre portugueses e tapuias no nordeste colonial. E a repressão coloni-al veio com a mesma força verificada anteriormente na Bahia: determinou-se que para “desinfestar” os sertões do Rio Grande deveriam ser chamados os paulistas. Assim, em março de 1688, o Governador Geral Mathias da Cunha ordenou que o paulista

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Domingos Jorge Velho deixasse a ida para os Palmares e se en-caminhasse para a ribeira do Açu com a seguinte recomendação:

“Espero que não só terão as glórias de degol-

larem os barbaros, mas a utilidade dos que prisio-narem, porque por a guerra ser justa resolvi em Conselho de Estado, que para isso se fez, que fos-sem captivos todos os barbaros que nella se prisio-nassem na forma do Regimento de Sua Magestade

de 611”89 (Grifo nosso) Em ordem semelhante dada ao Capitão Manoel de Abreu

Soares, o Governador Geral foi categórico em dizer que ele cui-dasse para que os seus soldados não deixassem de degolar os guerreiros tapuias, na ânsia de obter cativos, pois, deveriam ca-tivar “principalmente aos pequenos, e as mulheres de quem não

se pode haver perigo, que fujam, ou se levantem.”90 Para o outro capitão da campanha do Açu, Antônio Albu-

querque da Câmara, Mathias da Cunha deu as mesmas ordens, com o aviso complementar de que só deveria conceder a paz, se os índios a pedissem depois de serem derrotados totalmente e

estarem oferecendo vassalagem ao Rei de Portugal.91

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Vê-se que, também no Rio Grande, a motivação colonial para a guerra contra os tapuias era a defesa das propriedades coloniais, a conquista do território para a expansão da pecuária, mas também a busca de cativos que deveriam ser vendidos nas áreas coloniais já ocupadas e mesmo no próprio Rio Grande.

A ordem para matar os homens deve-se exatamente a estes objetivos, visto que não interessava manter presos aqueles que poderiam facilmente sublevarem-se novamente e oferecer séria resistência ao processo de aculturação forçada, que se imple-mentava após as derrotas. No entanto, o cativeiro de mulheres e crianças deve-se à maior adequação das mulheres às atividades agrícolas, que já faziam tradicionalmente, assim como o cativei-ro das crianças levava em conta a possibilidade dos meninos serem educados nos moldes culturais europeus. Por outro lado, Maria Ilda Paraíso lembra que esta estratégia também levava a um aceleramento da aculturação, devido à inviabilização da re-produção social e mesmo física do grupo nos moldes tradicio-

nais.92 Além disto, era com o dinheiro obtido na venda destes cativos que se conseguia pagar as despesas da guerra, os impos-tos, o quinto do Rei, a jóia do Governador, e o que sobrasse era

dividido para o pagamento dos soldados, cabos e oficiais.93

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Pela necessidade de se dar uma solução à guerra enfureci-da que se apresentava, junto à vinda dos paulistas que estavam na Bahia, também foi determinado que se pedisse à Câmara de São Vicente que ajudasse ao Rio Grande, enviando novos pau-listas para a guerra do Açu, acenando com a possibilidade de

obterem muitos cativos legalmente, já que a guerra era justa.94

Além disto, foi lançado um Bando nas capitanias adjacentes, convocando criminosos, mamelucos ausentes ou fugidos por ferimentos e outras culpas, e “todo degredado e omiziado de qualquer qualidade e condição que seja , que houver nas Capi-tanias de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande e Rio de São Francisco, de uma ou de outra banda, Sergipe d`el Rei e da Bahia”, para assistirem na guerra dos Bárbaros até se acabar,

com a promessa de perdão real dos seus crimes.95 Apesar da presença dos Paulistas de Domingos Jorge Ve-

lho, das tropas do pernambucano Manoel Abreu Soares e as de Antônio Albuquerque da Câmara, auxiliados pelos Terços dos Camarões e de Henrique Dias, nos sertões do Açu, os índios continuavam a vencer as batalhas. Seja pelo maior conhecimen-to que tinham da região, seja pela sua tática de guerrilhas que deixava os portugueses assustados, ou mesmo, pelas grandes dificuldades por que os soldados passavam, necessitando sempre

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de munições, fardas e alimentos, sem falar na constante falta de

água potável96 , a situação da capitania estava insuportável e várias sugestões para a solução das inquietações chegaram ao Rei, principalmente porque se aproximava o final do governo de Paschoal de Carvalho.

Um destes pretendentes ao cargo de Capitão-mor foi Jose-ph Lopes Ulhoa, que enviou ao Rei uma proposta de ação contra os Janduí, para que se usasse mais da “industria” (inteligência) do que “das armas” para, com menos gastos, se conseguir a sua “sujeição”, principalmente, porque conseguindo-se vencê-los pelas armas, o máximo que se obteria, seriam uns trinta guerrei-ros mortos e outros feridos, e, o pior, os que sobrevivessem não sossegariam até vingarem os seus mortos, e se comunicariam com as outras “nações”, insuflando-as também contra os portu-gueses, o que causaria “... novas rebeliões q. castigar, e eterna aquella guerra e impossível quietação dos moradores daquella

capitania.”97 (Ver Documento 3) Ulhoa não foi o escolhido, e a sua carta pressagiou o que

estava para acontecer, pois as várias nações de tapuias realmente acabaram sendo envolvidas no conflito, e somente depois de várias décadas foi que a paz voltou à Capitania. No entanto, uma das suas sugestões acabou sendo utilizada, mesmo porque ela já havia sido

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efetuada durante o acordo de paz com o Potiguaçu, em 1599. Ele sugeriu que, para a “quietação” dos tapuias deveriam promover uma aproximação através dos vaqueiros “compadres” , que os induziria à paz, “...e para segurança della lhe tomará cinco ou seis filhos dos

mayoraes em reféns os quaes os terá em sua compa na fortaleza,

segurando lhes todo o bom tratamto .“98 Um estratagema de “paz” semelhante foi posto em funcio-

namento quando um grupo tapuia Panati, acampado na ribeira do Potengi, próximo a Natal, resolveu pedir pazes ao Capitão-mor Agostinho César de Andrade, que as concedeu, mantendo homens, mulheres, velhos e crianças (cerca de duzentas pessoas) aldeados na Aldeia de Guajiru, enquanto uns trinta guerreiros acompanhavam o paulista Domingos Jorge Velho na grande batalha na serra do Acauã (hoje, da Rajada) contra os Canindé, em 1689. No acerto da “paz”, os índios ainda se compromete-ram a servir como intérpretes, dar informações sobre os outros tapuias, e lutar contra eles ao lado dos portugueses, como efeti-

vamente fizeram.99 Assim, em janeiro de 1689, os tapuias continuavam senho-

res do sertão do Açu e um grupo deles, os Panati, estavam no-vamente nas cercanias de Natal, acampados próximos ao lugar chamado “Azul” ou do “Silva”, que ficou chamado mais tarde

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de Capela, próximo ao rio Água Azul, no atual município de Ceará Mirim (Ver Mapa 5). A proximidade dos tapuias assusta-va aos colonos, que amotinados pediam que se negasse as pazes pedidas, alegando que deveria ser uma espécie de armadilha para melhor poderem saber das reais condições militares dos moradores, pois continuavam a fazer “insultos” nas vizinhanças

da cidade, matando gado e bestas, atacando as roças e casas.100

Diziam ainda que o Capitão deveria seguir as recomendações dadas pelo Governador Geral, quanto a degolar os guerreiros e não lhes dar a paz até que fossem totalmente derrotados, pois acreditavam que eles queriam apenas conseguir com os colonos “frecharia”, armas, pólvora, chumbo (munições) e ferramentas em troca de suas “drogas”, para resgatarem com os índios que

continuavam no sertão.101 Percebe-se que, assim como a guerra atingia aos colonos

(neste período havia apenas quatro moradores em Natal pelos outros terem fugido), também afetava aos índios, que tinham o seu sistema de vida alterado, principalmente, porque as batalhas se davam em sua área de moradia. Lembrando ainda que era justamente neste período do ano (entre novembro e março) que os tapuias costumavam descer ao litoral, pela seca no interior. Como as cartas afirmam, os tapuias andavam vagando, procu-

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rando comida, matando o gado e roubando as roças, mas não com o intento de prejudicar os colonos, mas de sobreviver, co-mo sempre haviam feito.

Contudo, a situação foi resolvida com a aceitação, pelo Capitão-mor, do pedido que os Oficiais da Câmara fizeram, para que distribuísse os mais de cento e cinquenta índios entre os moradores mais necessitados da Capitania, para, assim, terem ajuda na criação do gado e para reparar a destruição que sofre-ram com mortes de gado e de colonos, justificando que só desta forma, divididos e repartidos entre os moradores, se batizariam e domesticariam, pois, em troca do seu serviço, lhes dariam sus-tento, roupas e doutrina católica, ajudando-os também nas suas

próprias lavouras.102 Apesar do início ameaçador e de algumas perdas, o ano de

1689 traria grandes vitórias aos colonizadores. A entrada que o Mestre-de-Campo Domingos Jorge Velho fez contra os Canin-dé, que estavam na serra da Acauã (atual serra da Rajada), na ribeira do Seridó, resultou numa “renhida peleja”, quando mata-ram muitos guerreiros a fio de espada e “cativaram muita gente de mulherio e crias” e se “... retiraram trazendo ao Recife du-zentas crias e mais mulherio, donde entraram três principais

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também prisioneiros, com o título de reis e com esta preza se

vem prostrar aos pés do Senhor Governador”103 Este resultado foi motivo de parabenização pelo então Go-

vernador Geral, Arcebispo Manuel da Ressurreição, a Jorge Ve-lho: “E dou a Vossa Mercê o parabem de um aviso que do Reci-fe me fez o Provedor da Fazenda [...] de haver Vossa Mercê

degollado 260 Tapuyas.”104 Os prisioneiros que sobraram foram levados a Recife, co-

mo demonstra o relato sobre a festa de Santo Antônio, organiza-da em homenagem ao novo Governador de Pernambuco, Câma-ra Coutinho:

“Foi a cousa maravilhosa que, nesse dia, en-

traram os Paulistas vencedores triunfando ao som de caixas e trombetas, com a preza que haviam to-mado em guerra com os reis manietados com cor-rentes de ferro, com todas as crias e mulherios e to-

do o mais despojo da guerra...”105 Por outro lado, parte da tropa do pernambucano Manoel de

Abreu Soares, comandada pelo Capitão Afonso de Albertin, enfrentou os Janduí que haviam atacado a “estacada” que ti-

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nham no Arraial do Açu, e seguindo-os, e tendo vários comba-tes, conseguiram muitos mortos:

“... morreram e entre estes se conheceu morto

o Rei João Doim, o Principal Jacaré Su e outro Principal irmão do Carnaúba, e o Capitão João Comprido, e o Capitão João Bravo e o Capitão Francisco Lopes, o Capitão João Conde, o Capitão Gago e o Capitão Virete, filho de Jacaré Su; fica-ram prisioneiros o Capitão Diogo, o filho do Rei Chamunde, o general dos aventureiros André Vidal com título de Rei e outros mais cabos e aventurei-

ros.”106 Também estes prisioneiros foram levados a Recife na festa

de Santo Antônio:

“... e para que esta glória e este aplauso fos-sem maior chegaram também, por outra parte, do nosso Arraial do Açu, também prisioneiros, aquele celebrado Tapuia chamado por antonomásia André Vidal, que tanto dano nos havia feito, com quatro

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companheiros mais, os quais logram o título de Reis naquela república bárbara, que nesta ocasião se

remete a Sua Majestade.”107 A comemoração deve ter sido muito grande, visto que es-

tes eram os “primeiros frutos desta guerra”, que foram ofereci-dos, como de costume, ao Governador de Pernambuco, que a-briu mão dos seus direitos e os deu aos “... próprios vencedores;

essas presas foram vendidas em praça pública...”108 É interessante notar que os principais tapuias e seus capi-

tães identificados haviam recebido nomes cristãos, principal-mente o de João, demonstrando que estiveram em contato com a religião cristã. Dúvidas, no entanto, permanecem: teriam sido batizados pelos pastores protestantes, ainda no período holandês, ou por missionários católicos que andaram pela Serra da Ibiapa-ba, onde muitos tapuias se esconderam após a expulsão dos fla-mengos? Ou, talvez, tenham sido batizados pelos Oratorianos

que andavam pela região do Jaguaribe, no Ceará?109 O certo é, no entanto, que se comprova que o contato, entre os tapuias e a colonização, já estava bastante avançado quando a “Guerra dos Bárbaros” estourou.

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Importa, também, ressaltar que a derrota nestes combates deve ter causado grandes danos à organização guerreira dos ta-puias, sem falar na própria desestruturação social ocasionada pelo aprisionamento de tantas mulheres e crianças. Além disso, como forma de combater a resistência indígena, foi estabelecido o costume de mandar os Principais em degredo. Dentre os Prin-cipais aprisionados que chegaram em Recife como os “primei-ros frutos” da guerra, “cinco cabecilhas da Guerra do Rio Grande” foram enviados para o Rio de Janeiro, onde foram es-tabelecidos com “salário e farda” na Aldeia de São Lourenço,

na atual cidade de Niterói.110 O aprisionamento e morte destes grandes Principais, deve,

por outro lado ter animado aos soldados e também aos oficiais da Câmara de Natal que, em um Memorial enviado por portador ao Rei, relataram que a guerra havia consumido mais de duzen-tos homens, “30.000” (!) cabeças de gado e mil cavalgaduras, pedindo que, para diminuir as suas perdas, o Rei mandasse pa-gar aos moradores o gado gasto no sustento das tropas, assim como, que repartisse as terras conquistadas entre as pessoas da Capitania, como prêmio por sua participação na “Guerra dos Bárbaros”, tanto em gente como em recursos. Pediam ainda que se estabelecesse um presídio no Arraial do Açu, onde se alojari-

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am soldados para a proteção dos moradores da área, para as pes-carias que fazem na foz do rio Açu e para evitar que o “gentio bárbaro comercie com piratas do norte”. Pediam ainda que, junto a este Arraial, se alojassem cem casais de índios domésti-cos do Ceará, para ajudarem na defesa dos moradores e na con-

dução do gado para Pernambuco.111 Percebe-se, por este memorial, que acreditava-se que a

guerra estava vencida, apesar de ainda serem necessários o cui-dado e a proteção dos paulistas no sertão. As perdas sofridas durante os anos de guerra, deveriam ser saldadas para que a vida retomasse seu rumo, contando-se agora com a liberação das ter-ras que deveriam ser, também, distribuídas e ocupadas para o “bem comum” e o “serviço de Sua Magestade”. No entanto, isto era apenas o começo de uma luta que ainda duraria cerca de 30 anos, com seus conflitos intermitentes, às vezes, congregando grande número de índios, outras vezes apenas um pequeno gru-po de guerreiros resistentes, mas sempre lutando contra as mes-mas estratégias coloniais: degolas, manutenção de reféns, aprisi-onamento e cativeiro, legais ou não, e a redução dos sobreviven-tes e signatários dos tratados de paz, em aldeamentos adminis-trados por missionários.

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NOTAS 1. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 1, fl. 1, 1659. 2. CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte, p. 93; e LEMOS, Vicente. Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte, p. 22.

3. Sertão seria uma “... corruptela de desertão, significando terra deserta,

isto é, ignota, desconhecida, o sertão começaria, originariamente, logo depois da costa.” MELO, José Octávio Arruda de . História da Paraíba, p. 72.

4. Apud. LIRA, A. Tavares de. História do Rio Grande do Norte, p.105-106. Teriam se reunido “mais de quatro mil almas”. .

5. MARTINS, Vicente (Pe.). O hospício dos jesuítas de Ibiapaba. Revista do

Instituto do Ceará, v. 42, 1928. p. 146-149; STUDART FILHO, Carlos. A missão jesuítica da Ibiapaba. Revista do Instituto do Ceará, v. 59, p. 5- 30, 1945.

6. VIEIRA, Antônio. Escritos instrumentais sobre os índios, p. 139. 7. Ibid., p.189. 8. Carta do Pe. Vieira, sobre as missões do Ceará, Maranhão, Pará e Rio das Amazonas. Revista do Instituto do Ceará, v. 10, p. 110, 1896.

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9. Provisão do Governador Geral Francisco Barreto, em 17/04/1662. Annaes do Archivo Público e do Museu do Estado da Bahia, v. 4-5, n. 3, p. 159, 1919.

10. ABREU, J. Capistrano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil, p. 122. 11. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (daqui em diante DHBN), v. 38, p. 337-338, 1937. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor do Rio Grande, 21/05/1695.

12. Ver em SZMRECSÁNYI, Tamás. História econômica do período colo-

nial, os artigos sobre a produção de alimentos e a pecuária coloniais de ANDRADE, Manuel Correia de. A pecuária e a produção de alimentos no período colonial, p. 99-108; LINHARES, Maria Yedda. A pecuária e a produção de alimentos na colônia, p. 109-120; e SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Pecuária, agricultura e recursos naturais, p. 121-159; Ver tam-bém PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil, p. 41-45.

13. ANDRADE, Manuel Correia de. A pecuária e a produção de alimentos no período colonial. In: ZMRECSÁNYI, Tamás. História econômica do período colonial, p. 106; SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Pecuária, a-gricultura e recursos naturais. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. op. cit.,. p.151; e ; SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte, p. 65. A importância deste comércio entre Rio Grande e Pernambuco, aos poucos, foi tomando tal vulto que, após a criação das charqueadas do litoral norte, por volta de 1740, e o escasseamento do boi em pé e de carne verde no mercado de Recife, devido ao desvio do boi para essas oficinas de charqueada, o Governador de Pernambuco José

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Tomás de Melo resolveu, em 1788, proibir a continuidade das oficinas nos rios Açu e Mossoró, a fim de garantir a oferta deste produto nos seus mercados, como era anteriormente.

14. Ver ANDRADE, Manuel Correia de. A pecuária e a produção de alimen-tos no período colonial. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. op. cit., p. 102-103; e LINHARES, Maria Yedda. A pecuária e a produção de alimentos na co-lônia. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. op. cit., p. 102: Alvará de 27/02/1701, ampliou o de 1688, proibindo a pecuária próxima ao mar e rios, obrigando as pessoas a terem pastos fechados.

15. PIRES, Maria Idalina. “Guerra dos Bárbaros”: resistência indígena e

conflitos no Nordeste colonial, p. 33. 16. Carta Régia de 29/04/1654, citada por PIRES, Maria Idalina, op. cit., p, 83. 17. SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Pecuária, agricultura e recursos natu-rais. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. op. cit., p. 123-125; Para os conflitos entre sesmeiros e posseiros durante a “Guerra dos Bárbaros” na ocupação do sertão ver PIRES, Maria Idalina, op. cit., p. 102-109.

18. Ver MEDEIROS, Maria do Céu. Igreja e dominação no Brasil escravis-

ta, p.25-29. Lembra ainda que a crise nos domínios orientais portugueses somaria número significativo de novos colonos tentando a vida no Novo Mundo.

19. LIRA, A. Tavares de. História do Rio Grande do Norte, p. 123.

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20. Ibid., p. 100. 21. Ibid., p. 98.

22. IHGRN, LDS n. 2, registro 31, fl. 22v., 24/03/1676. Apud. MEDEIROS FILHO, O. Índios do Açu e Seridó, p. 101.

23. IHGRN, LDS n. 2, registro 30, fl. 21v., 24/03/1676. Apud. MEDEIROS FILHO, O., op. cit., p. 108.

24. Apud., MEDEIROS FILHO, Olavo de, op. cit., p. 103-104. 25. IHGRN, LDS n. 2, registro 39, fl. 35, 01/02/1679. Apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de, op. cit., p. 110-111.

26. Transcrição da Cópia dos Autos de Demarcação do Sítio do Ingá, no sertão do Seridó, 1772. IHGRN, Pasta 46. Apud., MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó, p. 114.

27. BERREDO PEREIRA, Gregório Varela. Breve compêndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o Senhor Governador Antônio Lu-ís Gonçalves da Câmara Coutinho. Rev.do IAHGPE, v. 51, p. 264, 1979.

28. LIMA, Nestor. Municípios do Rio Grande do Norte: Acari, Angicos e Apodi. Rev. do IHGRN, v.25/26, p. 59, 1929.

29. AHU, Caixa RN 1, 22/03/1688. Carta de Joseph Lopes Ulhoa ao Rei - Manuscrito DPH/UFPE.

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30. Copia das capitulações realizadas entre o Governador Geral do Brasil Antonio Luis Gonçalves da Camara e Canindé Rei dos Junduins, apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó, p. 134.

31. CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte, p. 94.

32. MELO, José Octávio Arruda de. História da Paraíba, p. 72-75. 33. ABREU, J. Capistrano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. 34. PIRES, Maria Idalina. “Guerra dos Bárbaros”: resistência indígena e

conflitos coloniais, p. 35. 35. DHBN, v. 10, p. 275-276, 1929. Ordem do Governador Geral ao Capitão Manoel de Abreu Soares, 14/03/1688.

36. Tapuia é uma palavra tupi para a designação geral de grupos que não são Tupi, não é, portanto, uma cultura ou família; foi o termo usado pelos cronistas coloniais com este mesmo significado, contudo, deve-se ressal-tar que diferentemente das designações étnicas, abarca grande número de grupos com grandes diferenças entre si. Cf. em STEWARD, Julian (Ed.). Handbook of South American Indians, v. 1, p. 555

37. Para os cronistas, os tapuias eram “quase incontáveis”, mas, em estudos recentes, admite-se que eles poderiam chegar a 1.600.000. STEWARD, Julian., op. cit., p. 564.

38. CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte, p. 38.

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39. Ibid, p. 41. 40. Elias Herckman apud. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Os tapuias do nordeste e a monografia de Elias Herckman, Revista do Instituto do Cea-rá, n. 48, p. 15, 1934.

41. PINTO, Estevão. Etnologia brasileira, p. 40; Quanto à classificação e distinção dos tapuias do nordeste ver também STEWARD, Julian (Ed.). op. cit. p. 564-565.; HEMMING, John. Red gold, p. 345; e BORGES, José Elias Barbosa. Indígenas da Paraíba: classificação preliminar. Edu-cação e Cultura, v. 3, n. 12, p. 30-43, jan./mar. 1984.

42. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó, p.21-30. 43. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Tapuias do nordeste, Revista do Instituto

do Ceará, v. 53, p. 6, 1939; e BORGES, José Elias Barbosa, op. cit., p. 38. 44. Publicado como documento nº 11, por MEDEIROS FILHO, Olavo de.

Índios do Açu e Seridó, p. 132. 45. Apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Op. cit., p. 33-75. 46. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Tapuias do nordeste, Revista do Institu-

to do Ceará, v. 53, p.231; Em estudos lingüísticos recentes o Tarairiú foi classificado como família lingüística isolada. URBAN, Greg. A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas. In: CUNHA, Manuela C. da (Org.). História dos índios no Brasil, p. 99.

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47. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os tarairius, extintos tapuias do nordes-te, p. 6.

48. Elias Herckman apud. POMPEU SOBRINHO, Thomaz. Os tapuias do nordeste e a monografia de Elias Herckman, Revista do Instituto do Cea-rá, n. 48, p. 17, 1934. Outras descrições em que se baseia aqui são encon-tradas em ANDRADE, Pedro Carrilho de.Memória sobre os índios no Brasil. Rev. do IHGRN, v. 7, n. 1-2, p. 133-131, 1909; BERREDO PE-REIRA, Gregório Varela. Breve compêndio ... Rev. do IAHGP, v.51, p.265-266, 1979; MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó, p. 33-75; ________. Os Tarairiús, extintos tapuias do Nordeste, p. 7-19.

49. Joan Nieuhof apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os índios do Açu e

Seridó, p. 56. 50. Joan Nieuhof apud. ibid., p. 57. 51. Ibid., p. 50. 52. ANDRADE, Pedro Carrilho de. Memória sobre os índios no Brasil. Rev.

do IHGRN, v.7, p. 136, 1909 : “... correm hu dia todo sem cansarem, não tê outro exersisio nem ocupasão, de lavoura, nem planta.”

53. STEWARD, Julian (Ed.), op. cit., p. 565. 54. BORGES, José Elias Barbosa. Indígenas da Paraíba: classificação preli-minar. Educação e Cultura, v. 3, n. 12, jan./mar. 1984, p. 30-43

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55. BERREDO PEREIRA, Gregório Varela. Breve compêndio ... Rev.do IAHGP, v. 51, p. 266, 1979.

56. BERREDO PEREIRA, Gregório Varela, op. cit., p. 265. 57. DHBN, v. 10, p. 324-325, 1929. Carta do Governador Geral ao Governa-dor de Pernambuco, 12/10/1688.

58. AHU, Códice 257, fl. 199, 15/09/1706. Carta do Rei ao Desembargador Cristóvão Soares Reymão - Cópia Ms. DPH/UFPE.

59. AHU, Códice 257, fl. 189v., 09/09/1706. Carta do Rei ao Capitão-mor do Rio Grande - Cópia Ms. DPH/UFPE

60. Consulta do Conselho, 28/11/1659. Rev. do Instituto do Ceará, v. 34, p. 327, 1920; Ver também AHU, Códice 275, fl. 315v., 09/01/1662 - Micro-filme DPH/UFPE. (Ver Documento 2)

61. IHGRN, Caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 101-102v, 02/12/1712. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Governador de Pernambuco.

62. STEWARD, Julian (Ed.). Op. cit., p. 564. 63. Copias das capitulações realizadas entre o Governador Geral do Brasil Antonio Luis Gonçalves da Camara e Canindé Rey dos Junduins, em 10 de abril de 1692., apud. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Índios do Açu e Seridó, p. 132-135.

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64. Sobre as formas de conhecimento entre si, ver em PARAÍSO, Maria Ilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indígena na Bahia entre os sé-culos XVI e XVIII. Revista de História, n. 129/131, p. 194-195, 1993/1194.

65. Consulta do Conselho Ultramarino sobre a petição do Cabo das Tropas dos Índios de Pernambuco Antônio Mendes, 28/11/1659. Rev. do IC, v.34, p. 327-330, 1920. Pede para mandar reconduzir às Capitanias do Rio Grande, Pernambuco e Paraíba, os índios Janduí que “dellas se au-zentarão para a serra da Capaoba, Seará, e Camusy”

66. AHU, Caixa RN 1, 22/03/1688. Carta de Joseph Lopes Ulhoa ao Rei. Microfilme da DPH/UFPE.: “sempre andão volantes sustentandosse al-guas vezes dos frutos da terra e cassa que matão e outras de algum gado que lhes dão os vaqueiros o eles lhe roubão.” (Ver Documento 3)

67. PARAÍSO, Maria Ilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indígena na Bahia entre os séculos XVI e XVIII. Revista de História, n. 129/131, p. 196, 1993/1194.

68. MONTEIRO, John. Escravidão indígena e despovoamento. In O BRASIL

nas vésperas do mundo moderno, p. 137-167. Demonstra como os paulis-tas adquiriram a experiência que lhes deu a fama e capacidade de “desin-festar” os sertões. Ver também _______. Negros da terra, p. 57-91.

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69. PARAÍSO, Maria Ilda Baqueiro, op. cit., p. 193-206. O local de venda, inicialmente, deveria ser São Paulo, mas as dificuldades de envio e manu-tenção dos cativos fez com a venda fosse na própria região.

70. DHBN, v. 4, p. 71-72, 1926. Instrução do Governador Francisco Barreto a Bernardo Bartolomeu Ayres, 01/02/1658.

71. PARAÍSO, Maria Ilda Baqueiro, op. cit , p. 206. 72. SHWARTZ, Stuart. Por que a escravidão africana? In: SZMRECSANYI, Tamás, História econômica do período colonial, p. 11.

73. DHBN, v. 39, p. 88-89, 1938. Carta do Governador Geral João de Len-castro ao Governador Fernando Martins Mascarenhas de Lencastro, 11/11/1699.

74. PIRES, Maria Idalina. “Guerra dos Bárbaros”: resistência indígena e

conflitos no nordeste colonial, p. 56-60. 75. Consulta do Conselho Ultramarino sobre a petição do Cabo das Tropas dos Índios de Pernambuco Antônio Mendes, 28/11/1659. Revista do Insti-tuto do Ceará, v. 34, p. 327-330, 1920.

76. AHU, códice 275, fl.315v, 09/02/1662. Carta da Rainha ao Governador de Pernambuco. Microfilme da DPH/UFPE. (Ver Documento 2).

77. LEMOS, Vicente. Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do

Norte, p. 25.

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78. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n.2, fl. 55/55v., 23/08/1681. Requerimento dos Oficiais da Câmara ao Capitão-mor.

79. IHGRN, Caixa 117, LTV n.1, fl. 46v./47, 10/03/1682. Termo de Verea-ção.

80. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 97, 22/07/1684. Carta do Capitão-mor Manoel Muniz ao rei.

81. Apud., MEDEIROS, Tarcísio. Aspectos geopolíticos e antropológicos da

História do Rio Grande do Norte, p.50-51. 82. BERREDO PEREIRA, Gregório Varela. Breve compêndio... Rev. do

IAHGPE, v. 51, p. 264-265, 1979. 83. LIMA, Nestor. Municípios do Rio Grande do Norte: Areia Branca, Arez, Assu e Augusto Severo. Rev. do IHGRN, v.25/26, p. 139, 1929.

84. IHGRN, Caixa 65, LCPSD n. 2, fl. 96v, 12/04/1686. Carta Patente do Posto de Coronel da Cavalaria de Ordenança.

85. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 96v./97, 23/02/1687. Carta dos Ofici-ais da Câmara ao Governador Geral.

86. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 100/101, 16/09/1687. Ordens do Go-vernador geral Mathias da Cunha.

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87. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 107v., 22/01/1688. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador Geral; IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 108, 22/01/1688. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Governador de Pernambuco.

88. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 108, 27/01/1688. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador Geral.

89. DHBN, v. 10, 1929, p. 262/263, 08/03/1688. 90. DHBN, v. 10, 1929, p. 275/276, 14/03/1688. 91. DHBN, v. 10, 1929, p. 276/280, 14/03/1688. 92. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indí-gena na Bahia entre os séculos XVI e XVIII. Revista de História, n. 129/131, p. 203, 1993/1194. Ver também MONTEIRO, John. Negros da terra.

93. Segundo Carta régia de 25/10/1707, apud. PERRONE-MOISÉS, B. Ín-dios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista no pe-ríodo colonial. In: CUNHA, Manuela C. da (Org.). História dos índios no Brasil, p. 127.

94. DHBN, v. 11, 1929, p. 141. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor e São Vicente, 10/03/1688.

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95. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 109/109v., 12/02/1688. Bando do Governador Geral Mathias da Cunha.

96. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 111v./112, 29/05/1688; IHGRN, Cai-xa 65, LCPSC n. 2, fl. 116/117, 22/01/1689.

97. AHU, Caixa RN 1, 22/03/1688. Carta de Joseph Lopes Ulhoa ao rei. Microfilme da DPH/UFPE. (Ver Documento 3)

98. AHU, Caixa RN 1, 22/03/1688. Carta de Joseph Lopes Ulhoa ao rei. Microfilme da DPH/UFPE

99. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 125/125v., 26/3/1689. Carta do Capi-tão-mor Agostinho César de Andrade à Câmara de Natal; e DHBN, v. 10, p. 164-166, 1929. Carta do Governador Geral à Câmara, 27/08/1689.

100. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl.117v./118v., 22/01/1689. Carta dos Oficiais da Câmara do Governador Geral.

101. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 119/119v., 23/03/1689. Requerimen-to do povo da Capitania do Rio Grande ao Mestre-de-Campo Domingos Jorge Velho; fl. 120/120v., 26/03/1689. Requerimento dos Oficiais da Câmara de Natal ao Mestre-de-Campo Domingos Jorge Velho; e fl. 125v./126v., 31/03/1689. Carta dos Oficiais da Câmara ao Capitão-mor Agostinho César de Andrade.

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102. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 127v./128, 02/06/1689. Carta dos Oficiais da Câmara ao capitão-mor; fl. 128/128v., 25/06/1689. Carta dos Oficiais da Câmara ao Capitão-mor; e fl. 128v./129, 06/07/1689. Ordem do Capitão-mor Agostinho Cesar de Andrade para distribuir os índios.

103. BERREDO PEREIRA, Gregório Pereira. Breve compêndio ... Rev. do

IAHGPE, v. 51, p. 268, 1979. 104. DHBN, v. 10, p.371-373, 1929. Carta do Governador Geral a Domingos Jorge Velho, 27/08/1689.

105. BERREDO PEREIRA, Gregório Pereira. Breve compêndio ... Rev. do

IAHGPE, v. 51, p. 269, 1979. 106. Apud., p. 266. Esse Principal “Chamunde” deve ser o Canindé, também Tarairiú.

107. BERREDO PEREIRA, Gregório Pereira. Breve compêndio ... Rev. do

IAHGPE, v. 51, 1979, p. 269. 108. Ibid., p. 269. 109. MEDEIROS, Maria do Céu. Igreja e dominação no Brasil escravista., p.49-90.

110. Apud. LEITE, Serafim. HCJB, t. 7, p. 121, 1949. 111. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 129-131v., 02/07/1689.

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CAPÍTULO 5

MISSÕES DE ALDEAMENTO NA COLONIZAÇÃO DO RIO GRANDE

5.1 - Legislação indigenista e aldeamentos

Em 1532, D. João III criou a Mesa da Consciência e Or-

dem para assisti-lo nos assuntos relacionados à Igreja e à “cons-ciência” real. Composta por padres e advogados, discutia as ques-tões morais do domínio português nas colônias, entre elas as relacio-nadas com os índios, como a sua natureza e posição social na colô-nia, a legalidade da sua escravidão e da “guerra justa”. No entanto, as decisões tomadas pela Mesa tinham pouca influência concreta sobre a rarefeita e distante colonização no Brasil, que permitia o desrespeito a certos valores morais e legais da metrópole, como a

concubinagem com as índias, por exemplo.1 Contudo, os problemas nas relações entre colonos e índios

ficaram mais evidentes ainda, por causa da necessidade constan-te de mão-de-obra para a consolidação da colonização. Deve-se

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lembrar, que a década de 1560 foi marcada por grandes epide-mias, que atingiram os índios imunologicamente despreparados, ocasionando imensa mortalidade, e diminuindo, conseqüente-mente, o número deles disponíveis para o trabalho, levando, por conseguinte, a uma desenfreada “caça” aos indígenas para repor os escravos que morriam. Para tentar controlar esta situação, foi criado o cargo de Mamposteiro, designado para vigiar a escravi-dão ilegal dos índios, sendo esta uma das primeiras tentativas de colocar o problema indígena sob controle secular, sem, no en-

tanto, conseguir muito sucesso.2 Por outro lado, fazia parte do Regimento do Governador,

na instituição do Governo-Geral no Brasil, que para maior con-trole das tentativas de apresamento, os índios deveriam ser atra-ídos para as proximidades dos núcleos de povoamento coloniais, nas chamadas “Aldeias de El-Rei”. Porém, esse tipo de aldea-mento permitia um contato muito grande com o colono, que ao final interessava-se pelo índio apenas enquanto mão-de-obra , além de ter uma moral e respeito cristãos que não serviam de

exemplo aos indígenas.3 Essa situação levou os jesuítas a pleite-arem de Mem de Sá, então Governador-Geral, que se fizessem novos aldeamentos, mais afastados dos centros de povoamento

colonial, sob administração dos próprios jesuítas.4

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Tal solução estava de acordo com a Bula de 1537, que de-terminava serem os índios homens, portanto, livres e capazes de aprender. No entanto, a sua própria cultura era vista pelos religi-osos como empecilho à aceitação da religião cristã e civilidade. Para o Padre Nóbrega, seria necessário fornecer condições para que estes homens se convertessem, e, no entendimento dele, estas condições não se dariam apenas pelas pregações, mas atra-vés do exemplo de bons cristãos e do controle (“sujeição mode-rada”), e ambos só se conseguiria plenamente, longe dos matos, através de vida sedentária em aldeias sob a orientação dos mis-sionários, onde se facilitaria a educação cristã dos adultos e dos

filhos “sob um regime de autoridade paterna”.5 Com o aceite de Mem de Sá, inicia-se então uma nova fase

da ação catequética no Brasil, a das Missões de Aldeamento, que organizadas com base na ordem de 30 de março de 1560, deram início à prática da política dual em relação aos índios: os “mansos” deveriam ser estabelecidos em aldeamentos, sob o governo dos principais e autoridade espiritual e temporal dos missionários, com a garantia de liberdade; para os índios “hos-tis”, que atacavam as povoações e colonos, manteve-se um con-

comitante “sistema de terror” e apresamento.6

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As Missões, como seriam chamados, a partir daí, todos os aldeamentos que fossem criados e organizados sob as vistas de missionários, geralmente localizavam-se afastadas das povoa-ções e mais próximas do habitat natural do indígena, passando a serem o centro da ação catequética, inicialmente dos jesuítas e

depois das outras ordens também.7 Assim, ainda no século XVI, iniciou-se o processo de formação de aldeamentos dos jesuítas, para onde eram levados os índios “mansos”: São Paulo de Pira-

tininga (SP,1553) e São Paulo (BA, 1558).8 Para Beatriz Dantas , estes aldeamentos eram verdadeiros “...redutos dos aborígenes sobreviventes à conquista”, o que não deixa de ser verdade, já que recebiam os índios que haviam sobrevivido às guerras ou às

epidemias.9 Sobre os primeiros aldeamentos da Bahia, o Padre Anchie-

ta relatou:

“Tem nelas suas casinhas bem acomodadas, cobertas de palmas, e igrejas capazes onde ensinam aos Índios as cousas necessárias à salvação, lhes di-zem a missa e ensinam a doutrina cristã duas vezes cada dia, e também em cada uma ensinam aos filhos dos Índios a ler, escrever, contar e falar português,

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que aprendem bem e falam com graça, ajudar na missa, e desta maneira o fazem polidos e homens. Em uma delas lhes ensinam a cantar e tem côro de canto e flautas para suas festas, ... que dão contento e causam devoção, por serem feitas por gente tão indomita e barbara, mas, pela bondade divina e di-

ligência dos nossos, feitos já homens e cristãos.”10 Vê-se que, como afirmara Nóbrega anteriormente, o en-

tendimento jesuítico de catequese era a transformação de “feras” em “homens”, o que conseguiam fazer ao formalizar a incorpo-ração territorial e espiritual das terras e índios do Brasil ao cris-tianismo, através da vivência “civilizada” dentro da área delimi-tada do aldeamento.

Mas, para garantir a fixação dos novos espaços cristãos, era necessário o apoio das autoridades coloniais e metropolita-nas. Assim, em 1565, por decisão da Mesa da Consciência e Ordem, impôs-se a restrição do direito de cativar o gentio, o que só seria lícito quando em guerra justa, ou quando entregues pe-los pais para serem educados, ou por si mesmo quando maiores de 20 anos; os demais deveriam ser considerados livres, e con-vencidos a se reunirem nas Missões. No Brasil, fez-se um Conse-

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lho com o Bispo, o Ouvidor Geral e os Padres da Companhia, que resolveram como esta decisão seria aplicada, ajuntando-se a ela:

“1º, que se algum índio se recolhesse às Missões, só pode-ria ser entregue por ordem do Governador ou do Ouvidor, provada a legitimidade do cativeiro; 2º, que perderia o colono todo o direito aos índios se daí os tirasse à força; 3º, que os jesuítas entregariam dos das suas aldeias os que se confessassem escravos, ou preferissem livres servir fora; 4º, que os resgates não seriam válidos sem o consentimen-to das autoridades; 5º, que fossem castigados os que casassem as índias com escravos; 6º, que se nomeasse um curador aos Índios; 7º, que o Ouvidor fizesse correição pelas Missões e aldei-

as, ouvindo as partes e administrando justiça.”11 Segundo orientação do próprio Mem de Sá, as Missões deve-

riam ter uma organização administrativa como as outras vilas de habitação colonial, com um Meirinho, espécie de autoridade civil

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escolhida entre os indígenas, que se encarregava da vida administra-tiva, isto é, de fazer os outros indígenas cumprirem as novas funções que deles eram esperadas: trabalho na roça, idas à igreja, compare-cimento à pregação da doutrina. Eram eles também os encarregados

das punições, caso houvessem infrações.12 Tais decisões foram transformadas em lei, em 1570, quan-

do D. Sebastião proibiu a captura e escravização de índios atra-vés de “assaltos” às aldeias pacíficas. Admitia-se, assim, que eram homens livres e que possuiam uma alma para ser catequi-zada, contanto que admitissem a aproximação com a religião “verdadeira” e a colonização. Por outro lado, manteve-se o cati-veiro legal dos índios tomados em “guerra justa”, feita com li-cença oficial, ou dos libertados das mãos de outros índios que,

supostamente, os devorariam.13 Esta prática continuou a ali-mentar um constante mercado de índios, para servirem aos colo-nos como escravos, e à colonização nas guerras contra outros índios. Desta forma, durante anos, a utilização do trabalho indí-gena, obtido através dos prisioneiros de guerras ou resgates, foi sendo incorporada à vida colonial e continuamente reafirmada por diversas leis posteriores, como a de 1587, que preservou a liberdade dos índios nas Missões ao manter o poder dos missio-nários, mas possibilitou o recrutamento da mão-de-obra indíge-

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na, garantindo aos colonos o serviço de índios mediante o pa-

gamento de “aluguel” aos índios das Missões.14 O crescimento da importância econômica e estratégica do

Brasil, com o desenvolvimento açucareiro, exigiu a criação do Tribunal da Relação do Brasil, em março de 1609, como órgão controlador das relações sociais, jurídicas e políticas na própria colônia. Criado em meio a grande discussão sobre a liberdade e administração dos índios, seria ele o responsável por fazer cum-prir a primeira lei que garantia a plena liberdade aos índios, pro-ibindo todo e qualquer tipo de escravidão indígena, obrigando ao pagamento pelo trabalho índio prestado aos colonos. De cará-ter retrospectivo, libertava inclusive os índios escravos que ti-vessem sido capturados ou comprados. Os jesuítas ficaram res-ponsáveis pela catequese e direção temporal dos aldeamentos e

administração das terras e do serviço dos índios aos colonos.15

A lei de 1609 era, evidentemente, fruto de constantes conflitos entre colonos, necessitados de mão-de-obra, e missionários, pre-ocupados com a conversão dos pagãos.

No contexto do crescimento colonial, a proibição total da escravidão indígena estava fora de cogitação entre os colonos, que também alegavam contribuir para a civilização dos índios através do “ensinamento” do trabalho sedentário e convívio com

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cristãos, gerando uma reação violenta, principalmente nas capi-tanias da Bahia, Maranhão e São Vicente, contra a lei e também contra os missionários que missionavam nas aldeias dos índios. Tal situação levou a que, em 1611, a Coroa voltasse atrás na sua decisão, ordenando nova lei, retornando às disposições da lei de 1570, que permitia a escravidão dos índios quando cativos em guerra justa ou resgatados de outras tribos, limitando, porém o cativeiro pelo prazo de até dez anos quando o resgate fosse feito por até 4$000 réis e perpétuo se mais caro. Permitia ainda que a guerra defensiva se fizesse sem necessidade de permissão supe-rior; mas, para uma guerra ofensiva, exigia a decisão subordina-da a uma Junta, composta pelo Governador, Bispo, Prelados das

Ordens e Magistrados da Relação.16 Contudo, a lei reafirmava a existência dos aldeamentos,

determinando-se que deveriam ser organizados em povoações de até 300 casais, longe do “pau-brasil e dos engenhos”, de forma a não poderem lhes fazer danos, e que se deveria dar-lhes terras, para o seu sustento. Para a administração espiritual poderiam ter um padre secular e, na sua falta, um jesuíta ou outro missioná-rio. Determinava-se, ainda, que os aldeamentos deveriam ter um capitão, nomeado pelo Governador por 3 anos. Esta lei signifi-cou uma vitória para os colonos, que tinham garantido o acesso

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aos cativos de guerra e ao trabalho dos índios aldeados, mesmo que pago. Ao mesmo tempo, significou a perda de poder dos jesuítas, pois, apesar de manter os aldeamentos e a liberdade dos índios aldeados, a nova lei dividiu a administração deles, fican-do os missionários responsáveis apenas pelos aspectos espiritu-ais, cabendo os temporais aos administradores seculares.

Na primeira metade do século XVII, acompanhando a in-teriorização colonial, os aldeamentos começaram a ser fundados nos sertões, para assistir e cristianizar os índios das novas áreas ocupadas. Partindo do Colégio da Bahia, através do Rio Real e São Francisco, alcançaram o Piaui, Maranhão, Ceará e Goiás, e do Colégio de Pernambuco chegaram à Paraiba, Rio Grande e

Ceará.17 Neste meio tempo, os jesuítas também voltaram a atuar nos locais de onde haviam sido expulsos: no Maranhão em 1622, no Rio de Janeiro em 1640, e em São Paulo em 1643, com a obrigação de não se intrometerem na proteção dos índios e administrarem os aldeamentos, concomitantemente, com admi-

nistradores particulares.18 É neste período também, que vários ataques aos índios aldeados da Província do Paraguai suscitaram a Bula do Papa Urbano VIII,reafirmando a de Paulo III, de 1537, sobre a liberdade dos índios e ameaçando os cristãos com

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a excomunhão, se continuassem a aprisionar e escravizar os ín-

dios, porém sem muita repercussão.19 No restabelecimento do Tribunal da Relação, em 1652,

após a extinção da União Ibérica, o seu novo regulamento reco-mendava a proteção dos índios, reafirmando a Lei de 1570. Contu-do, uma série de conflitos no Maranhão, envolvendo colonos e jesuí-tas por causa dos apresamentos ilegais de índios, levou à decisão real

de criar uma Junta das Missões20 para o Maranhão e Pará em 1654, conseguindo-se, através dela, uma nova Lei que regulamentou o cativeiro dos índios, tornando claras as condições “justas e lícitas” que possibilitavam a escravidão de índios em apenas quatro casos: quando fossem tomados em “guerra justa” declarada pelas autorida-des coloniais; quando condenados à morte por outros índios e liber-tados pelos portugueses, ou resgatados; quando prisioneiros em guerras intertribais e vendidos por outros índios; e quando impedis-sem a pregação evangélica. Era garantido aos jesuítas a administra-ção temporal e espiritual dos aldeamentos com exclusividade, de-vendo, também, os missionários participar das entradas contra os

índios para garantir que fossem legais.21 Os anos que se seguiram foram repletos de conflitos entre

colonos e missionários, por causa de vários aprisionamentos de índios, aldeados ou não, em função da interiorização da coloni-

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zação com a pecuária e da conseqüente disputa pelas terras. A-conteceram também várias insurreições indígenas em resposta ao avanço colonial: em todo o vale do rio São Francisco, como reação à violência praticada pela família Garcia d´Ávila, contra-posta pelos jesuítas e capuchinhos, devido à maneira pela qual os seus fazendeiros reprimiam estas insurreições; e nos sertões da Paraíba e Rio Grande, pela interiorização dos currais de gado nas terras dos tapuias Tarairiú. (Visto no Capítulo 4).

Na tentativa de solucionar estes problemas que envolviam índios, religiosos e os grandes sesmeiros, várias atitudes admi-nistrativas e jurídicas foram tomadas, dentre elas a criação do Bispado de Pernambuco por Bula do Papa Inocêncio XI, em dezesseis de novembro de 1676, para orientar os religiosos, con-trolar a vida espiritual dos colonos e intermediar nas situações

conflituosas que se desenrolavam.22 O Governador de Pernambuco, Antônio de Almeida, tam-

bém resolveu pedir ao Rei permissão para que religiosos regula-res assistissem nas aldeias dos índios de Pernambuco, a fim de governá-los e doutriná-los, como o faziam antes da invasão ho-landesa, a fim de controlá-los melhor. Mediante este pedido, foi ordenado que se fizesse uma Junta composta pelo Bispo das Capitanias ligadas a Pernambuco, os Prelados das Religiões e o

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Procurador dos Índios, para decidirem a viabilização desta dis-

tribuição.23 Como resposta ao pronunciamento favorável desta Junta, o rei decidiu dar aos Padres da Companhia de Jesus a ad-ministração espiritual e temporal dos índios dos aldeamentos de Pernambuco e suas capitanias anexas, determinando, ainda, que os padres formassem novos aldeamentos para administrarem a doutrina aos índios que fossem contactados nos sertões, sem impedirem, no entanto, a ida dos índios aos serviços do rei, dos

colonos, e da guerra.24 Logo a seguir, a Carta Régia de sete de março de 1681,

mandou criar, agora em caráter definitivo, a Junta das Missões de Pernambuco, subordinada à que existia em Lisboa, com o objetivo de “... promover e cuidar de todos os negócios referen-tes às Missões e catequese dos índios; para que fossem elas em aumento, com grande fruto da civilização dos nossos índios e

propagação da fé católica.”25 A Junta assumiria a jurisdição civil, eclesiástica e criminal sobre as questões das Missões dos índios da Capitania de Pernambuco e suas Anexas (Alagoas, Itamaracá, Paraíba, Rio Grande e Ceará).

Neste ínterim, frente a tantos conflitos que envolviam o apresamento ilegal dos índios, foi lançada, em primeiro de abril de 1680, uma nova lei de libertação de todos os índios do Estado

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do Brasil, punindo com prisão os infratores, pois, todos os ín-dios, inclusive os prisioneiros de guerra, deveriam ser encami-nhados às Missões, garantindo-se a sua liberdade. Novamente, as reações coloniais foram fortíssimas, resultando inclusive na

expulsão dos jesuítas do Maranhão.26 Resultou também na criação do “Regimento das Missões”,

que deu aos Padres da Companhia de Jesus o controle espiritual, político e temporal dos aldeamentos, porém garantindo o acesso dos colonos ao trabalho indígena, que deveria ser contratado em troca de pagamento, como antes. A segurança da colônia tam-bém ficava assegurada, pois os índios aldeados deveriam estar sempre “...promptos para acodirem à deffensa do Estado, e jus-ta guerra dos certoens, quando para ella sejão necessarios.” Determinava-se, também, que nos aldeamentos só deveriam morar os índios, a quem se garantia total liberdade, inclusive quando fossem casados com escravos negros. Os missionários deveriam ser encarregados de manter pelo menos “150 vizinhos” nos aldeamentos, buscando sempre atrair novos gentios dos ser-tões. Deveriam também cuidar para que os índios aldeados tives-sem “vida honesta” e, para isto, eles deveriam trabalhar para garan-tir o seu sustento e para estabelecer o comércio com os colonos, tanto de produtos como de trabalho, com justo salário que deveria

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ser pago em duas etapas, uma adiantada e outra ao fim do serviço. Determinava, no entanto, que somente a metade dos homens váli-dos para o trabalho deveria permanecer fora das aldeias por cada temporada, e que não entraria nesta repartição os índios menores de treze anos, nem as índias, com exceção de algumas “farinheiras” (que trabalhavam na colheita da mandioca) e das amas de leite, para servirem por tempo determinado a pessoas a quem os missio-

nários achassem que as tratariam bem.27 Porém, a pressão colonial novamente causaria a modifica-

ção na legislação, com a criação da lei de 1688, que permitia, outra vez,o aprisionamento de índios por resgates e por “guerra justa” permitida pelos governadores gerais e locais, voltando ao estabelecido pela lei de 1655, que possibilitava o cativeiro nos quatro casos apontados. Contudo, ela manteve a existência das Missões, garantidas com a administração temporal e espiritual exercida exclusivamente pelos missionários, criando-se de fato condições de proteção, pelo menos, para os índios aldeados, respeitando-se o “Regimento das Missões”. É esta lei que per-maneceu em vigor, daí até 1755, e sob a qual se desenvolveriam as Missões na Capitania do Rio Grande.

Ao lado, destas idas e vindas da legislação geral a favor ou contra a liberdade dos índios, aconteciam também as decisões

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quanto a situações localizadas, como a permissão em São Paulo para o estabelecimento da Administração dos Índios por tempo limitado, àquelas pessoas que os atraíssem voluntariamente do mato. Proibida para outras regiões, foi aceita em 1696 e reafir-mada pela Carta Régia de 1702, indo contra os dispositivos ante-riores que garantiam a liberdade dos índios. Contudo, como este era o “uso e costume” da região, a lei foi mantida, ganhando, posteriormente, um reforço com a Provisão de 1726, que permi-tia que os índios administrados passassem aos herdeiros ou fos-sem vendidos, configurando o que alguns chamam de “cativei-

ros simulados”.28 Frente a estas constatações, Stuart Schwartz lembra que a

variação da legislação, quanto à liberdade e escravidão dos ín-dios no Brasil, foi devido às reclamações e pressões locais dos senhores de engenho, que forçavam a Coroa a modificar sua política, em função da “natureza da colônia brasileira”. Isto é, como colônia mono-produtora de açúcar, sem uma população indígena produtora de impostos, eram os senhores de engenho a população minoritária que garantia a economia colonial. Desta forma, os interesses senhoriais deveriam ser respeitados, sem que prejudicassem os próprios interesses da Coroa.

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Por outro lado, os interesses da Coroa também estavam a-trelados aos da expansão da religião católica, e a liberdade dos índios era um dos argumentos dos religiosos para garantir o seu trabalho de conversão e catequese. Desta forma, a distinção de tratamento entre índios “mansos” e “hostis”, que pode ser vista desde as primeiras leis da legislação indigenista do Brasil colo-nial, está em coerência com o projeto da Coroa portuguesa de conciliação entre os diversos interesses coloniais, a fim de con-

solidar os seus próprios.29 Na Capitania do Rio Grande, a implantação de Missões, só

aconteceu no último quartel do século XVII, quase 25 anos de-pois da expulsão dos holandeses. Durante esse período de vácuo missionário, a assistência religiosa junto aos indígenas remanes-centes dos Potiguara que não haviam fugido para a Ibiapaba

com Antônio Paraupaba, e os que de lá já haviam voltado30 foi, muito provavelmente, assumida pelos padres seculares. Em 1664, os populares de Natal pediam a permanência do Pároco Leonardo Tavares de Mello, que “...exercia sua função com muito amor ... doutrinando os índios nas quatro aldeias existen-

tes, reduzindo à fé cathólica outros muitos ...”31 . Estas aldeias remanescentes dos índios Potiguara, por já

estarem contactadas desde o tempo dos jesuítas, também recebi-

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am a assistência das autoridades governamentais da Capitania, com a existência de um administrador próprio, Francisco de Almeida Vena que foi provido no cargo de Administrador dos Índios do Rio Grande pelo Governador Geral e confirmado pelo rei em três de

maio de 1672.32 Ele foi o encarregado de reunir os “melhores ho-mens das aldeias”, acompanhados de suas mulheres para plantarem as roças para o sustento, que sob o seu comando deveriam ir aos

Palmares lutar contra os quilombolas.33 Francisco de Almeida Vena era ainda o Administrador dos

Índios do Rio Grande quando, em 1679, os primeiros missioná-rios jesuítas, que já haviam percorrido as aldeias dos indígenas Potiguara durante seu período de Missões Volantes no início do

século, chegaram à Capitania novamente.34 Desta vez, eles fixa-ram-se, instalando suas Missões em duas aldeias de remanescen-tes Potiguara: Guajirú e Guaraíras. Mais tarde, em consequência da Guerra dos Bárbaros, implantariam nova Missão, resultante do aldeamento de tapuias Paiacu, na Ribeira do Apodi, que seria transferida em parte para o lugar da antiga aldeia de Igramació. (Ver Mapa 4).

Nova leva de missionários surgiria já em pleno século XVIII. Chegariam ao Rio Grande, os Frades Capuchinhos que fundariam Missões na Aldeia de Mipibú e na de Apodi, já então

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abondonada pelos jesuítas. E os Frades Carmelitas Reformados, que se instalaram na Aldeia de Igramació.

5.2 - Missões: redutos dos sobreviventes Por causa das determinações régias para formação das

Missões, e da intenção dos jesuítas de retomarem para o cristia-nismo as aldeias em que haviam missionado antes da invasão holandesa, já se encontravam formados vinte aldeamentos sob a responsabilidade de missionários na Capitania de Pernambuco e

suas anexas, quando a década de 1690 se iniciou.35 Logo a se-guir, surgiram outros aldeamentos, por força de Ordem Régia determinando que, à proporção em que se fossem reduzindo os índios do sertão ao “grêmio da Igreja”, ocorresse o estabeleci-mento novos aldeamentos, para neles se conservarem em liber-dade e receberem a doutrina cristã e ensinamentos da vivência

colonial.36 (Ver Documento 4). Tais ordens fazem parte de uma política de aldeamento da

Coroa portuguesa que assegurava a concretização dos diversos interesses da colonização. Economicamente, a concentração dos índios Tupi ou tapuias nas Missões facilitaria o acesso dos colo-

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nos ao contingente de mão-de-obra indígena, a elas reduzido, racionalizaria os recursos de administração da população indí-gena e liberaria as terras anteriormente ocupadas pelos índios, para uma efetiva ocupação colonial; estrategicamente, a locali-zação das Missões em determinadas áreas formaria uma “bar-reira do sertão” contra índios “hostis” e facilitaria a repressão às revoltas dos índios aldeados; politica e culturalmente, a “... con-centração dos índios numa área restrita facilitaria a atuação dos agentes na promoção da conversão/ aculturação/incorporação

dos indígenas ao modelo previsto pela administração européia.”37 Por outro lado, os aldeamentos não deixaram de responder

aos objetivos religiosos dos missionários e da Igreja, pois eram o espaço ideal para a “... transmissão dos dogmas e princípios da doutrina cristã e indução à prática do cerimonial e ritual cor-respondente. ” Eram neles que as mudanças culturais esperadas poderiam ocorrer mais facilmente, pela quebra das relações do índios com o seu próprio meio, pelas alterações do seu sistema econômico e dos padrões de relações intertribais e interpessoais e, principalmente, pelo estabelecimento de uma residência fixa

regida por um sistema de poder diferente do tradicional.38 Pode-se alegar que todas estas situações e mudanças acon-

teceriam mesmo independentemente das Missões, por fazerem

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parte das alterações causadas pelo contato inter-étnico e pelos interesses coloniais. No entanto, com a concentração dos índios nos aldeamentos, estas mudanças poderiam ser mais controla-das, acelerando e facilitando o trabalho dos envolvidos nesta atividade e, por conseguinte, cumprindo os anseios dos colonos e da Coroa, concomitantemente. É o que se pode verificar nos termos da capitulação dos Canindé, que, ao mesmo tempo em que delimitava a área de vivência dos índios em “dez leguas de terra de cada banda”, para cada aldeia, assegurava o serviço dos mesmos como guerreiros do rei, contra outros índios e os euro-peus, assim como no trabalho para os colonos, nos serviços di-

versos da colonização e nas obras públicas.39 Eram argumentações como estas que os jesuítas utiliza-

vam para pleitear o estabelecimento das Missões e a garantia da liberdade dos aldeados, baseando-se na legislação eclesiástica e na própria legislação portuguesa. Por um lado, defendendo o status de homem e o direito à liberdade advinda dele, sacramen-tado pelas Bulas papais, pregavam a necessidade da aprendiza-gem regular e estável da doutrina cristã e do trabalho, assim como a sua prática efetiva, o que garantiria aos índios a oportu-nidade de se tornarem “homens” de verdade. Por outro, defendi-am e agiam pautados no que diziam as ordenações régias portu-

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guesas, que procuravam estabelecer condições para a criação de um novo contingente de “súditos”; além disso, o estabelecimen-to das Missões formaria, efetivamente, um corpo de guerreiros prontos para defenderem a colônia contra invasores, índios “hos-

tis” e escravos rebelados.40 (Ver Documentos 5, 6 e 7) Os jesuítas alegavam também que fomentavam a colonização,

visto que preparavam os índios para o trabalho segundo as necessi-dades econômicas das lavouras ligadas ao sistema de abastecimento colonial. Além disso, a concentração dos índios nos aldeamentos garantia a liberação das terras, para serem ocupadas pelos colonos, configurando verdadeiros “redutos de trabalhadores assalaria-

dos”41 que poderiam ser utilizados pelos colonos em suas terras, e isto não ia contra os interesses reais, nem coloniais.

No entanto, os conflitos entre missionários e colonos sur-giam porque estes temiam perder o acesso à mão-de-obra indí-gena, como aconteceu quando os jesuítas voltaram ao Rio Gran-de e formaram uma Missão na aldeia de Guajiru. Os oficiais da Câmara de Natal queixaram-se ao Bispo e ao Governador de Per-nambuco, de que os missionários queriam mudar os índios para outro aldeamento e pediram que se intercedesse junto a eles para se evitar isto, pois os moradores da capitania “dependiam dos índios”

como mão-de-obra na lavoura, na pesca e na pecuária.42

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Contudo, para alcançar os objetivos pretendidos, as Mis-sões deveriam ser localizadas em áreas que fossem realmente interessantes à colonização. Sabe-se que o contingente de mão-de-obra necessário ao trabalho na pecuária é muito reduzido em comparação ao do trabalho nas lavouras e, provavelmente, por este motivo não havia grande preocupação em estabelecer alde-amentos nas áreas da pecuária, mas sim nas de atividade agrária. Além disso, no sertão era necessário que se fizesse um “despo-voamento” de índios para que se pudesse efetivar um “povoa-mento” colonial. Não é à-toa que na Capitania do Rio Grande, das cinco Missões estabelecidas por longo prazo, apenas a de Apodi fosse localizada no sertão, e mesmo assim por curtas temporadas, sofrendo com transferências e com grandes lapsos de presença de missionários. As outras quatro - Guajiru, Guaraí-ras, Igramació e Mipibu, localizavam-se em área litorânea, ca-racterizada pela ocupação agrária. Mesmo os aldeamentos de pouca duração, também privilegiaram esta região. (Ver Mapa 4)

Em função desta situação, foi observado que, enquanto os índios Potiguara remanescentes, que já habitavam o litoral, fo-ram aldeados em suas próprias aldeias, Guajiru, Guaraíras, Mi-pibu e Igramació, com os tapuias do sertão foi posto em prática o padrão de redução jesuítico, transferindo-se os índios do ser-

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tão/habitat tradicional para os aldeamentos do litoral agrário, onde seriam muito mais cobiçados e aproveitados.

Missões originadas de aldeias indígenas Os índios Potiguara remanescentes, que já habitavam o li-

toral, foram aldeados em suas próprias aldeias, de Guajiru e Guaraíras, pelos padres jesuítas vindos do Colégio de Olinda, num movimento iniciado em 1678 com a finalidade de retoma-

rem as antigas aldeias por eles freqüentadas anteriormente.43 . Estes aldeamentos foram os que se apresentaram mais estáveis na Capitania do Rio Grande, imaginando-se que em função da própria cultura Potiguara, que já admitia um sistema sedentário e agrícola anteriormente à colonização, e de não haver necessi-dade de adaptação ao ambiente, já que era ali o seu tradicional lugar. Das aldeias de Mipibu e Igramació também surgiriam, no século XVIII, aldeamentos onde a presença missionária era fixa.

Missão de Guajiru A existência da aldeia de Guajiru de indígenas Potiguara

às margens da Lagoa de Guajiru foi notificada desde 1641, por

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um emissário holandês que viajava pelo Rio Grande. Através dele, os índios dessa aldeia pediram autorização ao Conde Mau-rício de Nassau, para que a Igreja que estavam construindo rece-

besse o nome que já haviam escolhido: São Miguel.44 É este o orago que perdurou até o Aldeamento de Guajiru. (Ver Mapa 4)

A presença dos jesuítas no aldeamento de Guajiru é certa desde 1679, quando desavenças entre os administradores coloni-ais e os missionários da Companhia de Jesus aí estabelecidos aconteceram, pois segundo a queixa dos Oficiais da Câmara ao Bispo de Pernambuco: “... se levantaram os índios da Aldeia de Goageru, e não falta quem diga que mandados pelo Padre João de Gouveia; e se amotinaram e levantaram contra o adminis-

trador.”45 Esta situação levou a que o Governador Geral e o Bispo de Pernambuco reafirmassem aos Oficiais da Câmara a decisão régia de que “... nas aldeias os missionários tinham todo

o comando”.46 A Missão foi registrada no catálogo da Companhia de Je-

sus em 1683, sendo seu Superior o Padre Antônio Cardoso, a-companhado do Padre Francisco de Albuquerque, sendo esta a primeira informação oficial da Missão de São Miguel de Guaji-

ru, que aldeava apenas remanescentes Potiguara.47

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Em 1689, a Missão de São Miguel de Guajiru viu-se en-volvida na “Guerra dos Bárbaros”. Segundo a carta do Padre Pero Dias, os jesuítas trabalharam muito na “... defesa pela jus-tiça dos índios, assim dos moradores como dos tapuias alevan-tados, que foi necessário aos padres usarem de instrumentos belicosos de estacadas e trincheiras para resistir às invasões

dos Bárbaros, inimigos capitais dos índios católicos. “48 Temi-am pela proximidade de um grupo de tapuias Panati que estava acampado no Rio Água Azul, na ribeira do Ceará-mirim, no “lugar do Silva”, fazendo “insultos” nas vizinhanças, matando

gado e atacando as roças e casas.49 (Ver Mapa 5).

Esses Panati50 “pediram” paz e aldeamento ao Capitão-mor Agostinho César de Andrade e, em troca, trinta guerreiros acompanhariam o Mestre-de-Campo Domingos Jorge Velho ao sertão, enquanto mulheres e filhos ficariam no aldeamento de Guajiru, como reféns, para segurança do acordo. Eram duzentas pessoas que juntaram-se aos índios “domésticos” (remanescen-tes Potiguara) da Missão, e acabaram perambulando nas proxi-midades do aldeamento, padecendo “fome e miséria, percorren-do até 10 ou 12 léguas em busca de alimentos”, visto que a Mis-

são não tinha como suportar tanta gente.51

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Aos Panati se agregaram mais “17 casais” Janduí que ha-viam sido situados num lugar próximo a Guajiru chamado Cara-tan, com a promessa de perdão, sendo recolhidos também ao aldeamento, enquanto os homens “30 dos machos do Silva e dos Janduí” seguiram com o Mestre-de-Campo para o Seridó, para

servirem de “língua no sertão”.52 Além dos índios legalmente requisitados para o seu Terço,

o Mestre-de-Campo Domingos Jorge Velho acabou arrebanhando guerreiros e cativos tapuias à força, da Missão de Guajiru, chegan-do a levá-los para serem vendidos em Pernambuco, quando foi enviado para os Palmares. Foram cativados mais de cem tapuias, cerca de cinqüenta batizados, o que fez com que recebesse uma ordem régia para devolvê-los todos aos missionários. Segundo o Sargento-mor Christóvão de Mendonça, do Terço dos Paulistas, os

índios foram devolvidos em finais de 1691.53 Mesmo depois da partida de Domingos Jorge Velho, os

índios aldeados de Guajiru continuaram a servir aos interesses da colonização através da participação dos seus guerreiros na “Guerra dos Bárbaros”. No “Alvará de Reformação dos Postos

da Guerra do Rio Grande”54, que determinou a ida do Mestre-de-Campo para Palmares e a vinda de outro paulista, Mathias Cardoso da Silva, ficou estipulado que os índios dos aldeamen-

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tos, inclusive os trinta tapuias de Guajiru, deveriam permanecer a serviço do rei. Para este fim, o índio Simão Nunes foi indicado pelo Pe. Gaspar da Silva para o posto de Capitão-mor dos Índios da Silva, da Aldeia de Guajiru. Sob o seu comando, foram man-dados dez guerreiros para compor uma “fronteira” contra os

tapuias inimigos no lugar da Capela, no Ceará-mirim.55 Quando o Mestre-de-Campo Manuel Álvares de Moraes Navarro chegou ao Rio Grande para continuar a guerra, também recebeu índios do aldeamento de Guajiru, para compor o seu Terço, que lutou

contra os grupos tapuias do Açu e do Apodi.56 O aldeamento também continuou a receber novos tapuias

vencidos na guerra e signatários dos “acordos de paz”, mas já em pequenos grupos. Em 1713, recebeu um grupo de Janduí e uns dez Caboré, “escuteiros sem família”, que vagavam nas proximidades do aldeamento, com o compromisso de não aceitar os “tapuias cativos fugidos de seus senhores” que estavam agre-

gados a eles.57 Missão de Guaraíras Sobre a primitiva aldeia de Guaraíras, Nestor Lima infor-

mou que teria sido formada por casais que se desligaram das

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aldeias Potiguara da região do rio Jacú, como a aldeia de Jacu-

maúma.58 Sabe-se também, que durante o período holandês havia grande número de índios Tupi e uma aldeia denominada “Aranum”, localizada nas proximidades da Lagoa de Guaraí-

ras.59 São, provavelmente, os remanescentes destes grupos Po-tiguara que foram aldeados pelos jesuítas, no mesmo processo de retomada das antigas aldeias visitadas pelas missões volantes. (Ver Mapas 2, 3 e 4).

Sabe-se que os jesuítas já estavam em Guaraíras desde an-tes de 1681 porque, neste ano, a Junta das Missões de Pernam-buco, que concedeu a administração dos aldeamentos de Per-nambuco aos jesuítas, ordenou que a Aldeia de Mipibu fosse reunida à Missão das Guaraíras “... por serem ambas pequenas e assitirem nesta dois religiosos que melhormente poderiam cui-

dar dos índios...”60 Logo a seguir, em 1683, no catálogo da Companhia de Jesus a Missão foi registrada com a presença dos Padres Luiz Pinto, superior, e José dos Reis.

A vida dos Potiguara aldeados em Guaraíras também teve atribulações devido à “Guerra dos Bárbaros”, sendo eles algu-mas vezes obrigados a participar dos Terços que guerreavam os tapuias, já que era uma prerrogativa do governo requisitar os

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índios aldeados para a defesa do Estado.61 Também teve seus guerreiros organizados em uma tropa de índios “capazes para a guerra”, comandada pelo tapuia João Vaz dos Santos, nomeado Capitão-mor dos Índios da Aldeia de Guaraíras “porque os de-

mais índios o respeitam e obedecem.”62 O aldeamento também recebeu os indígenas tapuias que

iam sendo vencidos pelos Terços e que deveriam ser aldeados; foi assim com os Canindé, que, no entanto, não ficaram ali por muito tempo, pois “... fugiram ... por ter grande aversão aos

caboclos, os índios mansos dos Padres.”63 Nesse período exer-ciam a catequese na Missão de Guaraíras, os Padres Jerônimo de Albuquerque e Sebastião de Figueiredo, que faleceu aí em 21/11/1698.

Missão de Mipibu Da primeira aldeia da ribeira do Mipibu, localizada na área

de Nísia Floresta atual, tem-se notícia desde a época dos holan-deses, quando o espião Verdonck, em sua visita ao Rio Grande, relatou a Aldeia de “Moppobu” que era a maior dentre as ali existentes. Em 1646, na Relação do Padre Manoel de Morais,

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aparece a Aldeia da “Mopebi”.64 No período das missões volan-tes jesuítas, certamente a Aldeia de Mipibu, formada por índios Potiguara, fazia parte de seu itinerário de visitas, tendo portanto seus indígenas já sido apresentados à doutrina cristã. (Ver Ma-pas 2, 3 e 4)

Em 1681, a Junta das Missões reunida em Pernambuco, resolveu que as aldeias deveriam voltar à administração dos je-suítas e que a aldeia de Mipibú fosse incorporada à Missão de

Guaraíras,65 que, além de ter já missionários jesuítas, necessita-va de povoadores, pois era norma desde o Regimento dos Go-vernadores de D. João III, que se aldeassem com “150 vizinhos”. Apesar disso, parece que a transferência não foi cumprida, como se infere pelas contínuas reafirmações da ordem e também con-

tínuas recusas.66 Mesmo que a ordem tenha sido efetivada em algum mo-

mento posterior, a aldeia de Mipibu não desapareceu, pois, em 1688 alguns índios de Mipibu, Cunhaú e Guaraíras estavam sendo reconduzidos a elas porque tinham fugido para a aldeia da Preguiça, na Paraíba, com medo da guerra que se iniciava no

Rio Grande.67 Além disso, em 1689, uma Carta do Senado da Câmara de Natal ao Bispo de Pernambuco informava: “ Nesta

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capitania há uma paragem em o meo dela a que chamarão Me-pebu donde há uma Capela em que se administram os Sacra-

mentos aos moradores desta Ribeira.”68 Com efeito, em 1703,

foi feita uma demarcação de terras da aldeia de Na Sra do Ó do Mipibu, pelo Juiz Christóvão Soares Reymão, confirmada pela

Rainha em 1704.69 (Ver Documento 12) Mas, é somente em 1736 que a aldeia de Mipibu torna-se

Missão com a presença fixa de missionários capuchinhos e uma nova demarcação de terras, instalando a Missão no local de São

José de Mipibu atual.70 Frei Primério de Milão e Frei Mauro de Lessano foram os primeiros a nela missionarem, iniciando a construção de uma Igreja maior, a de Nossa Senhora de Sant’Ana dos Caboclos, continuada por Frei Crisóstomo de Ge-

nova, e terminada por Frei Juvenal de Albano.71 Os índios de Mipibu também participaram da “Guerra dos

Bárbaros”, enviando guerreiros, sob o comando de um “Fulano” Delgado, para compor as tropas da “fronteira” que seria feita na Capela, na ribeira do Ceará-mirim; foram também participantes

do terço do Mestre-de-Campo Mathias Cardoso da Silva.72

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Missão de Igramació Segundo Olavo de Medeiros Filho, as informações mais

antigas sobre a aldeia de Igramació estão no Mapa de Jacques de Vaulx de Claye, de 1579, onde, no mesmo local vê-se uma aldeia nomeada de “Ramaciot”, e no Mapa da Capitania do Rio Grande, feito em 1643, por George Marcgrave, onde se vê a indicação de uma aldeia de índios, “despovoada”, no local que

mais tarde se chamaria Igramació.73 (Ver Mapas 3 e 4). Cascudo informou que “... a região sempre fora habitada

pelos índios tupis, plantando, caçando, pescando...”74, o que foi confirmado pelo resultado de escavações arqueológicas feitas na cidade de Vila Flor, onde se encontraram artefatos da tradi-ção Tupi-guarani nos estratos inferiores, demonstrando a utiliza-ção da área como aldeia indígena anteriormente ao estabeleci-mento do aldeamento. As escavações também encontraram es-truturas de um alicerce, abaixo da base do atual cruzeiro de fron-te à igreja, que podem ser os alicerces de uma pequena e primitiva

capela, demonstrando uma presença missionária bem antiga.75

Além disso, foi constatado também que deve ter havido a doação da légua de terras em quadra para o aldeamento, porque “... a de-

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marcação da praça, com a distribuição das casas, igreja, cruzeiro

e cemitério coincidem com a disposição do Alvará real.”76 Esses achados colaboram com algumas poucas informa-

ções que se tem sobre estes momentos iniciais da presença colo-nial em Igramació. Sabe-se que, antes da invasão holandesa, os Carmelitas haviam recebido umas terras na “ribeira de Goiani-nha”, através do testamento de Gregório Pinheiro, que no início da colonização do Rio Grande, entre 1600 e 1613, havia recebi-do doações de sesmarias nas ribeiras do Sibaúma e Curimataú.

Estas terras não foram demarcadas na época do recebimento.77

Sabe-se também, que em 1676, os Carmelitas estavam em litígio com Mathias de Albuquerque Maranhão, dono do Engenho Cu-nhaú, na ribeira do Curimataú/Cunhaú, que acabou cedendo uma porção de terras nas salinas do Cunhaú, onde se formou um Cur-

ral.78 É possível, portanto, que os Carmelitas deste curral assis-tissem aos Potiguara da aldeia de Igramació, construindo inclu-sive uma capela.

Apesar do seu início Potiguara, a aldeia de Igramació tam-bém acabou recebendo o seu quinhão de tapuias sobreviventes da “Guerra dos Bárbaros”, pois, devido aos constantes conflitos entre estes e os curraleiros na ribeira do Apodi, parte dos Paiacu que estavam aldeados na Missão de Apodi foi transferida pelos

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jesuítas, em 1704, para a nova “Missão de Na Sra da Incarna-ção de Igramació”, na ribeira de Goianinha, somando-se aos Potiguara que aí viviam. (Ver Documentos 13, 14 e 15)

Não se sabe, com certeza, por quanto tempo os tapuias e jesuítas aí permaneceram, mas o aldeamento de Igramació aca-bou sendo fixado de forma mais contínua na década de 1730, pelo Carmelita Frei Caetano do Rosário que se estabeleceu co-mo assistente na “Missão dos Índios da Freguesia de Goiani-

nha”.79 Na década seguinte, foi feita a demarcação das terras carmelitas, ordenada pelo rei, possibilitando o estabelecimento

definitivo da Missão80 e a construção da Igreja de Na Sra do Desterro, sendo registrada no Livro de Tombo do Convento do

Carmo do Recife.81 (Ver Documentos 24, 25 e 26). Missões formadas por redução de tapuias A redução dos tapuias nos aldeamentos do litoral na Capi-

tania do Rio Grande, foi uma solução posta em prática após o primeiro período de lutas que começaram a ser vencidas pelos

soldados coloniais em 168982, seguido pelo arrefecimento dos conflitos e pelos diversos acordos de paz que tentavam pôr os

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índios sob o controle administrativo e religioso dos missionários e seculares. Tais aldeamentos serviriam, principalmente, como lugares de concentração de guerreiros destinados à luta contra outros tapuias, localizados onde seria mais fácil fazer as entra-das e, ao mesmo tempo, proteger as áreas de colonização. O estabelecimento dos tratados de paz foi feito com cada grupo tapuia em separado, como só poderia ser, por tratar-se de grupos que agiam sob as determinações de seus próprios principais e não de uma “confederação”. Portanto, o seu aldeamento também foi por grupos.

Aldeamento dos Canindés Após a vitória obtida pelo Sargento-mor do Terço dos

Paulistas, Christóvão de Mendonça, sobre os Canindé, parabeniza-da pelo Governador Geral Câmara Coutinho, por ter conseguido o “rendimento dos seus soldados, e familias às Armas de Sua Majes-

tade”83 , na capitulação assinada pelos Canindé, em 1692, ficou estabelecido que eles receberiam terras no sertão onde viviam e que atuariam como guerreiros a favor dos interesses coloniais no sertão (como estipulado no acordo), porém, não houve a demarcação de

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tais terras, por terem já sido distribuídas a sesmeiros e pelo fato de os conflitos continuarem naquela área, o Seridó.

Ao comunicar ao Capitão-mor do Rio Grande o estabele-cimento do Tratado de Paz, o Governador Geral Câmara Couti-nho advertiu-o para ter “cuidado e atenção” com estes índios, pois eles eram “naturalmente inconstantes e têm ódio aos Bran-cos”, mesmo tendo recebido “bastantes resgates, de que vão

contentes”84 Esta advertência deve estar ligada ao fato de que, junto com os resgates comuns, os Canindé também tinham rece-bido “pólvora e chumbo”, com o que deveriam ajudar aos portu-gueses na defesa contra os outros tapuias, mas nada os impediria

de se rebelarem novamente.85 Tal desconfiança parece ter se concretizado, pois, o Capitão-

mor Agostinho Cesar de Andrade foi reconduzido ao cargo, em 1694, para acalmar os índios que estavam levantados novamente, tendo em vista que foi durante o seu primeiro mandato que os ta-puias haviam feito as pazes. Para isso, recebeu a incumbência de:

“... com poucas diligências, que Vossa Mercê

faça para os atrahir, poderia reintegrar amizade an-tiga, que com elles teve; e nesse caso V. M. lhe dará as terras que lhe parecer mais convenientes para o

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sustento de suas familias, como a Sua Magestade me manda dê a todos os índios, que admittirem a paz, e

o reconhecimento de sua vassallagem.” 86 Um pequeno grupo de Canindé, duzentos e cinqüenta ín-

dios, efetivamente pediu pazes ao Capitão-mor Agostinho Cesar de Andrade, que, reafirmando o acordo anterior e considerando que os tapuias deveriam ser aldeados “... em distancia propor-cionada por que sendo muito distante fica menos sujeito a obe-diencia que prometem...”, resolveu aldeá-los na ribeira do Jun-diá-Perereba (litoral sul do Rio Grande do Norte), num lugar das terras de Lucas Gonçalves que estava devoluto, para construírem

suas casas e plantarem suas roças.87 Os Canindé permaneceram nesta área até 1699, apesar da ordem régia de transferi-los para a

Missão de Guaraíras88 , o que não foi cumprido por “... causa da repugnância que têm a se sujeitar aos religiosos da Compa-

nhia...”89 Por este motivo receberam como cura o Padre secular Manuel Serrão de Oliveira.

Este lugar, no entanto, não foi muito adequado, como dis-se o Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo “... ou pello sitio ser menos conveniente ou pella sua natureza se não acomodar a

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viver fora do clima do sertão que he adeverço deste, lhe deu achaques de maleitas, do qual morrerão sete ou oito crianças e juntamente o seu Principal chamado Canindé...”. Tal situação levou a que os Canindé tentassem voltar para o sertão, o que foram impedidos pela rápida ação do Capitão-mor, que os dete-ve no meio do caminho, onde permaneceram até a chegada dos Paulistas de Manuel Alvares de Moraes Navarro, que os fez pe-direm novamente ao Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo que

os aldeasse.90 (Ver Documento 8). Para solucionar esta situação, em 1701, o rei ordenou que

os Canindé fossem “aldeados no lugar que eles escolhessem”91, e cumprindo esta ordem, estabeleceram um aldeamento nas margens da Lagoa de São João (nas cercanias da atual cidade de Canguaretama), na ribeira do rio Cunhaú, o que foi confirmado por ocasião do “Protesto de Fidelidade”, de 1702, quando o principal dos Canindé reconheceu a obediência que devia ao rei de Portugal e prometia empregar os seus guerreiros contra os

outros “bárbaros”.92 A légua de terra que se deu aos índios foi medida e demar-

cada pelo Desembargador Christóvão Soares Reymão, em 1704,

formando o aldeamento de “Na Sra do Amparo de Cunhaú”,

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sob a assistência do jesuíta Pe. Miguel da Encarnação. Lá os tapuias tentaram sobreviver apesar das dificuldades causadas pelo vizinho das suas terras, Afonso de Albuquerque Maranhão, dono do Engenho Cunhaú, distante apenas meia légua, que tei-

mava em impedi-los de pescar na lagoa vizinha.93 (Ver Docu-mento 16 e 17) Contudo, já em 1706, há diversas queixas dos moradores das vizinhanças do novo aldeamento, sobre os índios Canindé aldeados que estavam, “... em companhia de outros gentios de corso, destruindo as lavouras, tanto as comestíveis como as que ainda não têm frutos, as criações de gado, de mi-

unças, matando as bestas...”94 Se, por um lado, estas reduções causavam dificuldades de

adaptação e sobrevivência para os tapuias, por outro, ocasiona-vam também intensos problemas para os colonos. Pela legisla-ção vigente, estes tapuias só poderiam ser distribuídos entre os colonos para o serviço depois de dois anos de doutrinação, mas, durante este período, os índios tinham que se sustentar, o que nem sempre lhes era possível pelos meios próprios, ocasionando uma série de queixas dos colonos sobre roubos de gado e de roças, como os registrados novamente entre 1706 e 1716, envol-vendo os Canindé aldeados em Cunhaú.

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Aldeamento dos Janduí, Panacu-açu, Corema e Caboré Os Janduí, por sua vez, fizeram um acordo de paz com

Bernardo Vieira de Melo, e assinaram uma “Ratificação da

Paz”, em vinte de setembro de 1695.95 Depois destas pazes, foram situados nas proximidades do Presídio do Açu que foi instalado por Bernardo Vieira de Melo em 1696, de forma a serem uma espécie de “barreira” contra os outros índios e prote-gerem os moradores daquela ribeira, tal qual ocorrera com os

Canindé.96 Porém, logo a seguir, com a ida do Mestre-de-Campo Manoel de Morais Navarro para o Açu e suas diversas manobras para colocar grupos tapuias opostos em guerra a fim de obter motivos para cativarem a todos por sublevação, os Jan-duí foram armados com pólvora e bala pelo Mestre-de-Campo e atacaram os Paiacu que estavam recém-aldeados na nova Missão de Apodi, em março de 1700. Como resultado deste ataque, os Janduí seriam considerados culpados por uma ação de guerra contra índios aldeados e, portanto, passíveis de serem punidos,

isto é, cativados.97 Fugindo das mãos do Mestre-de-Campo e atraídos para as proximidades de Natal pela promessa de perdão que o Capitão-mor lhes fez, os Janduí, em novembro de 1700, se alojaram na ribeira do Ceará-mirim, perseguidos pelos soldados

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do paulista, concentrando um total de quinhentas pessoas, entre

índios e soldados.98 A situação era difícil para os moradores das redondezas de

Natal, pois na impossibilidade de obterem comida, estes índios Janduí, e muitos Panacu-açu que haviam se agregado a eles, acabavam por atacar o gado e as roças coloniais, causando mui-tas queixas e o pedido para o seu aldeamento, a fim de que, sob

o comando dos padres, pudessem estar mais controlados.99

Como resultado disto, os Janduí assinaram em 1702, através do tabelião da Câmara, o mesmo “Protesto de Fidelidade” que os Canindé, comprometendo-se também a servir à Coroa contra outros índios insubordinados, a se batizarem, com suas mulheres e filhos, e aprenderem a doutrina cristã, indo a todos os serviços do rei, pois era esta a finalidade do rei ao lhes dar terras: para se aldearem, construírem uma igreja, fazerem suas casas, terem suas roças para o sustento dos seus e servirem ao rei. Os Janduí, junto com um grupo dos Corema, receberam a légua de terra prometida pelo rei, formando o aldeamento de “São Paulo da Ribeira do Potengi”, na atual localidade de Pirituba, no atual município de São Gonçalo do Amarante. Este mesmo “Protesto de Fidelidade” foi assinado pelos Panacu-açu, que receberam

uma légua de terra para o aldeamento de “Na Sra da Piedade da

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Ribeira do Ceará-mirim”, cujo lugar ficou conhecido por Cape-la, às margens do rio Água Azul, no atual município de Ceará-

mirim.100 (Ver Mapa 5). Estes aldeamentos ficaram subordinados aos cuidados do

jesuíta Pe. Miguel da Incarnação, que deveria ser o responsável pela administração espiritual dos índios, e também pela tempo-ral. Era ele quem lhes daria autorização por escrito para saírem do aldeamento em busca de seus alimentos, contanto que não “furtassem, nem matassem o gado dos moradores”, caso contrá-rio, seriam expulsos dos aldeamentos para viverem no mato “ como bruto comendo porco e veado”. Percebe-se claramente neste documento, os objetivos coloniais e da coroa sendo postos em prática: ao mesmo tempo que liberavam a terra da presença dos tapuias, conseguiam o controle sobre as suas pessoas, garan-tindo que não causassem mais prejuízos aos moradores e assegu-rando um corpo de guerreiros, contra outros índios insubmissos.

No entanto, os resultados não foram os esperados. Os con-flitos com os índios tapuias aldeados cresceram nos anos seguin-tes, com os colonos queixando-se dos “insultos que os índios Aldeados nas Missões das ribeiras do Potengi, Ceará-mirim e Cunhaú” estavam fazendo, pois eram índios “incontroláveis”

que continuavam a atacar os moradores.101

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As queixas foram encaminhadas ao Conselho Ultramarino, que recomendou ao rei fosse determinado fazer-se uma nova “guerra justa” contra os índios, e agora com mais motivos pois tinham quebrado as pazes estabelecidas, além de estarem mais

atrevidos, portando armas e munições,102 chegando inclusive a

cobrar “contribuições” aos colonos.103 Pela gravidade da situa-ção, isto é, por serem “súditos” rebelados, o rei ordenou, em 1708, que se fizesse a guerra por todos os meios possíveis e que não só haveriam de ser cativos os que fossem capturados mas também os que se rendessem, vendendo-os em praça pública para pagar os gastos da guerra, dando-se o quinto ao rei e o resto aos soldados e oficiais.Também deveriam matar os que resistis-sem! Para efetuar esta guerra foi nomeado o Coronel Antônio da Rocha Bezerra, que deveria receber munições dos quintos do rei, preencher os Terços com os índios das Missões e convocar os

moradores para o auxiliarem.104 No entanto, as “causas” dos diversos levantes dos índios

aldeados começaram a aparecer aos poucos, sendo relatados aos capitães, governadores e rei, levando a que esta ordem não fosse cumprida à risca. E os motivos advinham da própria localização dos aldeamentos nas proximidades das áreas coloniais ou dos Presídios, como no Açu, o que colocava os tapuias em contato

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direto com a cultura européia, quando ainda não “aculturados”, sem lhes darem condições de sobreviver com os elementos da sua própria tradição.

As transferências, assim como a inadaptação ao ambiente, e os problemas com os colonos vizinhos, expõem às dificulda-des destes tapuias recém-aldeados em obterem o sustento neces-sário às pessoas do grupo. A desestruturação econômica e social, principalmente por terem tradicionalmente um modo de vida semi-nômade, baseado na coleta, caça e uma agricultura rudi-mentar, dificultava a estabilidade do aldeamento. Assim, vê-se o Desembargador Christóvão Soares Reymão queixar-se sobre as dificuldades de se aldear os índios, por eles “ não se contenta-rem com a légoa de terra que se resolveu se dê para o seu sus-tento de cada aldeia, querendo ser senhores de todo o sertão

...”105 Ora, a cultura tapuia exigia espaço para a caça e coleta, o que não era suprido pela légua quadrada doada.

Fica evidente que um dos grandes problemas que os índios ta-puias recém-aldeados tinham era o de se sustentarem nos primeiros tempos, principalmente porque, para conseguirem alimentos pelo sistema da cultura européia (que era o esperado deles dentro dos aldeamentos, visto receberem ferramentas agrícolas ao se aldearem), a terra precisava ser tratada e a sua produção não era imediata. Por-

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tanto os contínuos roubos do gado e das roças, sempre relatados pelos colonos mesmo quando em paz, devem ser entendidos neste prisma e não como uma afronta às autoridades que lhes haviam con-cedido as pazes, nem como um crime grave. Este era também o en-tendimento do Conselho Ultramarino e do rei, ao lembrar aos Ofici-ais da Câmara de Natal que a guerra só poderia ser feita contra as aldeias que se rebelassem por inteiro, caso contrário, deveria se pedir aos Principais para entregarem os responsáveis pelos “crimes atro-zes” para os castigarem, mas que:

“sendo frutos de pouca entidade, como o de

algumas vacas para o seu sustento em que se pre-zume que a fome os obriga a estes latrocínios lhe deveis dissimular esta culpa respeitando a que a ne-cessidade pode também obrigar aos brancos a co-meterem este excesso sendo desculpável pela neces-

sidade comum a estes delitos.”106 Além disso, muitos índios aldeados eram obrigados a pres-

tar serviço aos Capitães-mores, que os “ocupava com as suas conveniências”, tais como buscar âmbar e tartarugas na praia sem pagar mais que dois anzóis para pescarem, além de permitir

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que os índios fossem servir a alguns moradores na “plantação de farinha” e nas redes de pescarias, sem que eles pudessem

cuidar das suas próprias lavouras.107 Por outro lado, os levantes também ocorriam quando os índios

aldeados eram atacados por soldados ou moradores para obterem cativos, como aconteceu com um grupo de Caboré que estava aldea-do no Açu, em paz, atacados por “três moços” moradores, na ausên-cia da maioria dos homens, matando os poucos homens que encon-traram e cativando mulheres e filhos, levando a que os Caboré se

vingassem, matando cinqüenta e duas pessoas, gado e cavalos.108 Além destes ataques que cativavam a todos, havia também

aqueles cujo fim específico era o apresamento e rapto de mulhe-res índias dos aldeamentos, como o que faziam os oficiais das minas de salitre de Pernambuco que mandavam buscar as “cu-nhatãs”, com o pretexto de serem para o serviço do salitre, o que

não era permitido109 , ou os vários moradores que estavam com índias furtadas de seus maridos ou pais “para fazerem mal uso

delas”.110 (Ver Documento 6) Entende-se então, o porquê dos diversos levantes seguidos de diversos “acordos” de paz e novos aldeamentos, apesar da ordem régia de se cativarem todos os prisioneiros das guerras que se fizessem.

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Por outro lado, estes novos acordos também estavam asso-ciados a uma nova situação que estava posta: o Terço dos Pau-listas encontrava-se alojado nas proximidades de Natal, no Ar-raial do Ferreiro Torto, porque a redução dos tapuias nos aldea-mentos antigos e novos havia trazido os problemas com os ín-dios para Natal e seus arredores. Além disso, com o arrefeci-mento das lutas, o interesse das altas autoridades coloniais e metropolitanas também esfriara, fazendo com que diminuíssem as contribuições para o sustento dos soldados, exigindo que, para completá-las, os comandantes optassem por assentar os antigos inimigos, os tapuias.

Desta forma, em 1709, os Panacu-açu estabeleceram as pazes com o Sargento-mor do Terço dos Paulistas, José de Mo-raes Navarro, tendo sido conduzidos para se aldearem perto do Arraial do Açu. Neste caminho, foram atacados pelas tropas do Coronel Antônio da Rocha, que “não sabia” da paz estabelecida, matando mais de oitenta índios e cativando mais de duzentos, em sua maior parte mulheres, velhos e rapazes, que ficariam no Arraial como reféns para manter o controle sobre os guerreiros

que tinham seguido com o Sargento-mor.111 Com a ordem de libertá-los, por ter sido um ataque ilegal,

os Panacu-açu sobreviventes juntamente com os guerreiros, ago-

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ra ligados ao Terço do Sargento-mor José de Moraes Navarro e agregados de alguns Caboré, foram situados no Arraial do Fer-reiro Torto, local onde o Sargento-mor habitava, a poucas léguas

de Natal.112 No entanto, só em 1717 “assinaram” (através do tabelião da Câmara) um novo “Termo de Obrigação”, aceitando serem aldeados numa nova Missão que se formou a duas léguas acima do mesmo Arraial, assumindo o compromisso de viverem sossegados com as suas famílias, fazerem suas plantações, para seu sustento, e estarem prontos para o serviço de Sua Majestade e dos moradores, com a obrigação de não levarem mais consigo arma alguma e de não acolherem “escravos tapuias cativos”

fugitivos de seus donos.113 Da mesma forma ocorreu com os Caboré, Corema e Jan-

duí, que, depois de aldeados, rebelaram-se novamente em 1708,

causando grandes prejuízos aos colonos,114 porém foram “per-doados” e estabeleceram novo acordo de paz com o Sargento-mor do Terço dos Paulista, José de Moraes Navarro, em 1711, sendo incorporados ao seu próprio Terço e ao do Coronel Antônio da Rocha Bezerra, e alojados na ribeira do Ceará-mirim. Contudo, os índios continuaram a causando transtornos, pois, segundo os Oficiais da Câmara: “ ... como súditos viviam entre os moradores roubando-lhes os produtos das lavouras e matando as reses sem

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castigo pois diziam-se soldados...”115, e admitiam entre eles os

“tapuias cativos fugidos dos seus senhores”.116 Frente aos “insultos” dos tapuias aldeados e às queixas dos

moradores, o Capitão-mor Salvador Alvares da Silva, com a ajuda de uma Companhia vinda do Ceará, atacou estes índios na ribeira do Ceará-mirim, conseguindo vitória, com a prisão de doze tapuias que foram mandados cativos para serem vendidos

em Pernambuco.117 Os sobreviventes foram se refugiar na Mis-são de Guajiru, conseguindo que se fizesse as pazes novamente, assinando-se, posteriormente, um “Papel de Pazes”, permane-

cendo em Guajiru.118 Os Caboré, depois de muitos conflitos, em 1716, pela oi-

tava vez pediram pazes, sendo estabelecido um “Termo de Ajun-tamento e Concordata” entre os Capitão-mor Domingos Amado, os Oficiais da Câmara de Natal, o Provedor da Fazenda Real e o Sargento-mor José de Moraes Navarro para os alojar no Ferreiro

Torto, também.119 Vê-se que, tanto na instalação, quanto na permanência es-

tável dos aldeamentos, o que importava eram os interesses colo-niais. Isto também era verdade, mesmo no caso dos aldeamentos terem sido feitos em áreas onde a presença colonial era sentida

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mais pelo seu gado do que pela população humana, como o o-correu com os Paiacu.

Aldeamento dos Paiacu Com a guerra se estendendo em direção às ribeiras do Ce-

ará, atingindo as áreas tradicionais dos Paiacu, eles acabaram sendo pressionados e concentrados nas margens da Lagoa de

Apodi, causando sobressaltos aos curraleiros daquela região.120

Contudo, por ser uma área essencial à “condução de gados do Seará”, o Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo estabeleceu um acordo de paz em 1695, permanecendo os índios em seu ambi-

ente natural, a ribeira do Apodi.121 Este acordo pode ser enten-dido como parte de uma estratégia colonial de domínio do sertão rebelado, através do estabelecimento da presença colonial, com a formação de duas aldeias em cada uma das ribeiras, do Jagua-ribe, Açu e Piranhas, compostas por cem casais de índios “do-mésticos” e vinte e cinco soldados pagos, e com a distribuição de sesmarias para que novos moradores as habitassem. Além disso, deveria se facilitar “... as pazes que se podem fazer com os barbaros oferecendo-lhes terras...”, com a finalidade de ga-rantir uma linha de avanço da colonização em território indíge-

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na, contando com a presença permanente de soldados e dos no-vos guerreiros tapuias aliados, que deveriam impedir a continui-

dade das hostilidades de guerra.122 Por causa das diversas advertências quanto às dificuldades

de se formar as seis aldeias (grande distância dos núcleos colo-niais, dificuldade de se obter sustento para os primeiros tempos, inexperiência dos soldados e dos moradores no trato com os tapui-as, dificuldade de se obter os trezentos indios domésticos), foram fixados permanentemente em apenas três postos avançados: os

Presídios das ribeiras do Açu, Jaguaribe e Piranhas.123 Contudo, manteve-se o intento de se situarem os tapuias nas proximidades destes Presídios, como foi feito com os Janduí no Açu, em 1696, e os Paiacu no Jaguaribe e na Lagoa de Apodi, em 1699.

Na mesma ocasião, aproximadamente 1698, o Mestre de Campo Moraes Navarro chegando na região do conflito para reduzir os tapuias, pediu o acompanhamento de padres da Com-panhia de Jesus ao Governador-Geral, que intermediou o pedido junto aos Superiores Jesuítas. Assim, em 29 de outubro de 1699, os Padres João Guincel (também conhecido como João Guedes) e Philippe Bourel já se encontravam na Ribeira do Açu, para acompanharem as reduções. Para efetivarem a fixação dos Paia-cu, se deslocaram do Açu para fundarem, respectivamente, os

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aldeamentos de Na Sra da Anunciação, no Jaguaribe, e de São João Batista, no Apodi. O próprio Philippe Bourel fez um sucin-to relato sobre a sua penosa ida do Açu para a Lagoa de Apodi, a fim de fundar a Missão de São João Batista em 10 de janeiro de

1700. (Ver Documento 9)124 Porém, logo após a fundação, em 16 de março, o aldea-

mento foi atacado pelos Janduí, que haviam sido municiados pelo Mestre-de-Campo Manuel Álvares de Moraes Navarro a fim de obter cativos e uma justificativa para a sua permanência

no Açu.125 De um total de mais de seiscentos Paiacu aldeados, neste ataque morreram setenta e três, e oitenta ficaram cativos,

como sempre, “na maior parte crianças”.126 É lógico que as lutas entre os dois grupos de tapuias cau-

saram grandes confusões na região, mas ficando provada a ino-cência dos Paiacu e sendo interessante às autoridades coloniais terem um grupo tapuia aliado no sertão, em maio de 1701, o Governador de Pernambuco lançou um Bando concedendo per-dão aos Paiacu e Icó de todos os crimes praticados até aquela data, estabelecendo que os índios não deveriam portar armas de fogo, nem sairem das Missões para pescar e caçar sem portarem a autorização dos missionários, podendo ser punidos com “três

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tratos de polé a braço”. Os missionários deveriam cuidar para que os índios não fizessem “coisas que parecessem hostilida-des”, como por exemplo, roubar o gado dos moradores. Por ou-tro lado, mandava avisar aos soldados e moradores que ninguém poderia “assistir” nas Missões a não ser os missionários e que ninguém “desse ocasião a que os tapuias aldeados formulassem

queixas deles”.127 No entanto, viver nesta Missão era “trabalho e perigos”,

segundo o jesuíta, pois além da constante ameaça de novos ata-ques de outros índios, os Paiacu padeciam dificuldades na instala-ção dos novos aldeamentos, a falta de sustento: “Com a tal guerra tornava-se estéril o território, fugiam as abelhas do mel, despoja-vam-se os lagos menores do peixe, e as matas da caça.” Para re-solver esta situação, “os Paiacus matam com freqüência o gado dos Portugueses”, causando novos conflitos, a ponto dos padres

procurarem novos locais para aldearem os seus aldeados. 128 Assim, durante o ano de 1704 os Paiacu das Missões do

Apodi e do Jaguaribe foram, em parte, transferidos para o litoral. Os de Jaguaribe foram levados pelos jesuítas João Guincel e

Vicente Vieira para a Missão de Urutagui, na Paraíba,129 e os de Apodi, foram transferidos pelos jesuítas Philippe Bourel e

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Manuel Diniz para uma nova “Missão de Na Sra da Incarna-ção”, no local da antiga aldeia de Igramació (hoje cidade de Vila Flor), na ribeira do Cunhaú. (Ver Documentos 13, 14 e 15)

A motivação para esta transferência é clara nos documen-tos: a fome, pois, os índios atacavam o gado dos curraleiros para comer, o que causava grandes conflitos, ameaças e apresamen-tos, levando a que os jesuítas decidissem transferi-los. Vale lembrar ainda que o isolamento e a distância dos centros coloniais, o co-nhecimento indígena do ambiente e a sua proximidade dos outros grupos tapuias ainda não aldeados, faziam com que o controle dos jesuítas sobre os índios fosse frágil, não possibilitando as mudanças culturais que eram esperadas, e isso acabava também por incentivá-

los na decisão de levarem os índios para o litoral.130 No entanto, apesar de não haver um relato sobre quando o

fato se deu, sabe-se que os jesuítas acabaram retornando à Mis-são de Apodi, pois em 1706, o Padre Visitador João Pereira rela-tou que os índios do Apodi continuavam com alguns de seus costumes, andavam nus e pintados, com as bochechas, lábios e orelhas furados, porém já haviam adquirido alguns novos: “Os casados já dormem em suas barracas, os mais no chão [...] vêm a Igreja, de mãos postas e erguidas, adoram a Deus [...] confes-sam ao Senhor de tudo; assistem em silêncio ao Santo Sacrifí-

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cio, batem no peito; ouvem avisos; e obedecem armados de arco

e flechas, mas com o arco em repouso.”131 O Padre Philippe Bourel também voltou a missionar em Apodi, tendo morrido lá em 1709, permanecendo apenas o recém ordenado Padre Boni-fácio Teixeira. Porém, os índios “... recuavam para as antigos superstições [...]. mostrando-se versáteis e inconstantes”, le-vando ao Padre Bourel a se queixar, antes de morrer, que os que permaneciam no aldeamento era por medo dos Paulistas e dos

curraleiros que os queriam escravizar.132 (Ver Gravura 4) Por causa dos contínuos conflitos, o inexperiente Padre

Teixeira acabou abandonando a Missão e seguindo com uma tropa de soldados, a qual foi dizimada pelos índios em março de

1712, marcando o término da ação jesuítica no Apodi.133 As-sim, a Missão ficou abandonada, porém permaneceu protegida pelo Alvará que lhe havia concedido a légua quadrada de terras, sendo reocupada, agora pelos Frades Capuchinhos italianos, que, em 1725, haviam dividido a sua Prefeitura da Bahia, trans-formando Recife em sede de uma nova Prefeitura que ficou a-brangendo os territórios dos atuais estados de Pernambuco, Ser-

gipe, Rio Grande do Norte e Paraíba.134 Desta forma, em 1734, Frei Próspero de Milão chegou ao Apodi, para missionar entre

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os Paiacu e reconstruir a igreja de São João Batista, fez ainda o cemitério e outras obras necessárias na igreja e na aldeia. Em 1752, diz Frei Fidélis de Primério, “...o Frei Fidélis de Partama no Apody fez uma Igreja nova de abóbada, que armou com três

imagens grandes.”135

Aldeamento dos Pega

Somente a doação de terras não garantia a estabilidade e

fixação desta população, pois, as dificuldades de convivência entre os tapuias e os curraleiros, como as ocorridas com os Paia-cu em 1704, continuaram a acontecer por muito tempo, afetando vários grupos de tapuias, como foi o caso dos Pega. Aldeados na aldeia do padre secular José Saraiva, na Serra Cepilhada (hoje, João do Vale, na Paraíba), foram transferidos para a Missão de Mipibu, em fins de 1761, pouco antes dela ser transformada em Vila de São José do Rio Grande (hoje, cidade de São José de Mipibu - RN). (Ver Mapa 4) Os interesses dos colonos em ex-pulsar os índios da proximidade de suas fazendas, e de se apode-rarem das terras dos indígenas, ficam claros nos documentos que informam as “razões” da tranferência. Diziam: a civilização com eles era impraticável para o trabalho de agricultura que os colo-

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nos querem promover; as terras das suas aldeias tinham pouca utilidade para os índios e muito para a pecuária dos colonos; a povoação não passava de 12 casas de palha, sem igreja ou água; o rei não pretende fazer dos índios vaqueiros e sim bons agricul-tores; os missionários não conseguiam controlar os índios que

vaquejavam o gado de terceiros, e andavam nus.136 A transferência, inicialmente, deveria ser feita para a regi-

ão do Apodi, mas como lá habitavam índios Paiacu, inimigos dos Pega, preferiu-se levá-los para Mipibu, contando com a “a-juda” dos colonos vizinhos que deram algumas cabeças de gado, pois, tendo a aldeia cento e quinze casais e trinta rapazes o seu sustento durante a viagem deveria ser preocupante. Como a transferência ocorreu de forma compulsória, por medo de levan-tes, os índios tiveram que ser controlados durante todo o percur-so, por um cordão de cavaleiros em volta deles, mantendo-se rigorosa atenção nas paradas feitas nas diversas fazendas, onde

poderiam contar com o apoio do pessoal local.137 Como a transferência foi feita de forma definitiva, e os

Pega tinham direito às terras e outros bens onde estavam aldea-dos, no dia 19 de novembro de 1761, foi feito um leilão do pa-trimônio constante no seu inventário: a serra onde eles plantavam foi arrematada por 420$000 por João do Vale Bezerra (de quem a

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serra herdou o nome posteriormente), o livro de criar gado por 1:201$000, (incluindo-se o sítio de criar por 40$000 e as roças, cabras e casa de farinha por 31$000). O dinheiro apurado deveria ser utilizado na construção de novas casas, compra de sementes e cereais (arroz, milho e feijão) para as plantações e roupas para os índios. Além disso, também foi usado na construção da Casa da Câmara e Pelourinho da nova Vila de São José, e no pagamento dos serviços do Desembargador e seus auxiliares e num “emprés-timo” ao Capitão-mor e ao Sargento-mor da Vila, servindo portanto

muito mais às autoridades do que aos índios.138 Em todos os casos de transferências vistos, há um fator em

comum: as dificuldades de se manterem nas novas ou mesmo antigas áreas de aldeamento. Tais situações eram também claras para as autoridades, que davam ferramentas e outros objetos necessários à sobrevivência nos aldeamentos como forma de atrair os índios para eles, mas também de os aprontar para esta-belecer uma agricultura sedentária, porém, como se viu, não

eram suficientes.139 (Ver Documentos 10 e 11).

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5.3 - Vida missioneira na colonização do Rio Grande Frente a todas as dificuldades de se manterem nos aldea-

mentos e a todas as mudanças impostas neles, Maria do Céu Medeiros, tentando explicar o porquê da aceitação dos índios em irem viver nas Missões, opina:

“Não parece ser apenas a bondade do religio-

so, o motivo mais forte dessa revoada de índios para as Missões. A violência dos enforcamentos, a falta de espaços para levarem a sua vida nômade, à me-dida que as terras iam sendo repartidas pelos colo-nizador, a garantia da liberdade que o batismo lhes assegurava, o perigo a que se expunham ao serem encontrados nos matos, o que os tornava passíveis de apresamento legal pelos preadores de índios - es-ses sim, parecem ter sido os motivos mais prementes para os índios desejarem o aldeamento, se quisesse,

sobreviver. Não havia outra opção.”140 Concorda-se que a motivação da ida para os aldeamentos

estava longe das razões religiosas pregadas pelos missionários,

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até porque, deve-se lembrar, essas reduções nem sempre eram “voluntárias”, pois, como foi visto, era constante o uso do expe-diente de se manter mulheres e filhos como “reféns” nas Mis-sões, enquanto os guerreiros combatiam contra outros índios. Tal situação era tão conveniente e fácil que o rei lamentou que com a continuidade da guerra este estratagema fosse dificultado pela diminuição do contingente de índios: “Bem creio quão dif-ficil é confirmar-se paz com os Barbaros, sem reféns, e que os mais seguros são os resgates de que Vossa Mercê necessita pa-

ra os mover.”141 Mas, se por um lado o aldeamento não era “voluntário” de

todo, por outro, também não se pode dizer que fosse uma ação obrigatória. Foi, na realidade, uma opção fazer parte dos Terços coloniais e das tropas reais, principalmente quando o avanço colonial era claro, quando o decréscimo populacional dos grupos era evidente pelas doenças, mortes e degredos, e quando o modo de vida semi-nômade tradicional já era impossível. O aldeamen-to associado à continuação da prática guerreira foi uma opção também para o tapuia, como tinha sido para os Tupi, e o que aumentou a força de atração desta opção foi o o oferecimento de patentes, de Capitão, de Alferes e outros Oficiais, também para os tapuias que se aldeavam, pois, segundo o jesuíta Pe. Miguel

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de Carvalho, era única forma de os manter “contentes e unidos”

para se poder utilizá-los na guerra contra os outros tapuias.142 No entanto, a continuidade da vida colonial tornaria também

este guerreiro desnecessário; apenas o aldeado agricultor seria inte-ressante num mundo colonial em relativa paz. E as Missões de alde-amento cumpririam o seu papel também neste momento, dissolven-do a “gentilidade” nas regras coloniais, transformando o “guerreiro” em agricultor, em pescador, em construtor.

Conseqüentemente, a garantia de ter terras para sua mora-da e a liberdade garantida dentro dos limites dos aldeamentos também devem ter atraído os índios. Desde Mem de Sá houve doações de terras às aldeias e, em 1609, na primeira lei de Li-berdade dos índios, foi estipulado que se deveria garantir a posse de qualquer terra cultivada pelos índios, seja em missões ou em suas aldeias, para que pudessem se sustentar dela. Contudo, não havia uma regulamentação quanto ao seu tamanho, nem locali-zação. Desde os últimos anos do século XVII, no entanto, em função dos muitos problemas entre os índios que estavam aldea-dos e os curraleiros vivendo a sua volta, havia sido encontrada uma “solução” pela Coroa: em virtude das “contínuas vexações” que os índios aldeados pelos Capuchinhos sofriam na ribeira do São Francisco, na Bahia, o rei “... consigna a todo gentio aldea-

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do uma légua de terra em quadra para cultivarem os seus víve-

res...”143 Este seria o padrão utilizado daí para frente, confir-mado pelo Alvará de 23 de novembro de 1700 que garantia uma légua de terra quadrada para cada Missão, destinada ao sustento

de índios e missionários.144 Além da construção das moradas dos índios, dentro desta área também deveria ser garantido o local para a construção da igreja, do adro e da casa do vigário,

com os anexos necessários para as suas criações domésticas.145

(Ver Documento 11, e Gravura 3) Com efeito, na Capitania do Rio Grande a légua quadrada

dos índios foi demarcada nas Missões de Mipibu, Guaraíras, Apodi, Guajiru e Igramació, com indicações de que também teriam sido demarcadas as terras dos três aldeamentos que se fizeram para a redução dos tapuias que aceitaram a vassalagem ao rei, porém sem a presença contínua de missionários regula-

res.146 (Ver Documentos 10, 11, 12 e 16) Além destas terras recebidas inicialmente, os índios da

Missão de Guajiru, por estarem “... ordinariamente muito faltos de mantimentos, por não terem terras em que plantar, porque as poucas que tinham estão cobertas de matos que há nos tabolei-ros ... [e] estão já tão cansadas e tão cheias de formigueiros que

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perdem todo o trabalho que tomam em plantar nelas...” pediram ao rei, em 1726, que lhes concedesse novas terras num lugar a duas léguas do seu aldeamentos, a “Cidade dos Veados”, argumen-tando que “... a elles se deve estar hoje a Capitania do Rio Grande

desinfestada do gentio barbaro...”147 Com efeito, as terras foram doadas e demarcadas, tendo sido incuídas na demarcação outra légua de terra em quadra, já que o aldeamento se compunha de 192 casais, isto é, 92 além dos cem casais exigidos para cada aldeamen-to. É interessante notar o motivo alegado pelo rei para a aceitação do pedido: “... na consideração de se reconhecer que foram eles os

primeiros senhores destas terras.”148 Vê-se que, apesar do reco-nhecimento dos índios terem o direito sobre a terra, só lhes caberia mesmo aquilo que lhes era concedido: uma légua em quadra. (Ver Documentos 22 e 23; e Mapa 5)

É também baseado na “concessão” que a vida vai trans-correr dentro das Missões, afim de se cumprir os objetivos prin-cipais apontados pelos colonizadores para a sua formação: a conversão do pagão em cristão e a transformação do selvagem em súdito. E para que isto acontecesse era necessário que os dois mundos, europeu e indígena, vivessem num mesmo ambi-ente, para que o primeiro pudesse transformar o outro, como era esperado. Neste sentido, os aldeamentos deveriam ter uma estru-

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tura espacial onde o elemento mais significativo do mundo eu-ropeu fosse predominante, e é isto o que ocorre quando se veri-fica a presença da igreja dominando todos eles:

“Nesse modelo ideal de projeto arquitetônico, a

supremacia religiosa do catolicismo confiada aos mis-sionários contribuía para a operação da cobertura ide-ológica da colonização. As casas simetricamente cons-truídas em alas que se defrontavam, permitiam um rá-pido acesso à igreja, a qual exercia vigilância, num

verdadeiro controle de caminhos.”149 Não tinha muita importância a forma como as igrejas se

iniciavam, mesmo “... que comessem em pobres cabanas como

comessão muitas que hoje estão templos suficientes...”150 , co-mo afirmava o rei. Seja uma pequena cabana, como deveriam ser muitas das igrejas no início da formação dos aldeamentos, seja uma igreja abobadada e com torres, como muitas ficaram após anos de trabalho, o que interessava era o seu papel a cum-prir. A sua forma e estrutura deveria estar relacionada com as conveniências e recursos naturais locais, assim como os recursos financeiros obtidos entre a comunidade envolvente, que era

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quem se beneficiaria diretamente com os novos aldeamen-

tos.151 No Rio Grande, que assistiu a formação das suas mis-sões em plena “Guerra dos Bárbaros”, a contribuição dos colo-nos para os aldeamentos deveria ser muito pouca, recaindo os encargos sobre a Fazenda Real, que também não deveria dispor de muitos recursos neste momento.

Assim, imagina-se que o retrato mais fiel do início dos al-deamentos do Rio Grande, ainda seja o de Zacharias Wagner, du-rante o domínio holandês: um terreiro retangular cercado por habi-tações indígenas rudimentares, tendo em um dos lados menores a pequena capela de madeira com sua sineira.(Ver Gravura 3) Deve-se lembrar que os momentos iniciais que exigiam um esforço maior para a organização da vida, e eram também mais vulneráveis a mudanças repentinas; portanto, as estruturas eram de pouca durabi-

lidade, de madeira ou barro, cobertas com folhagens.152 Posteriormente, as Missões que já tinham certa estabilida-

de, puderam ter estruturas de caráter mais definitivo, que inclui-

am tijolos, pedras e telhas, como o caso da igrejinha de Na Sra

do Desterro da Missão de Igramació, construída entre 1743 e 1745, que ainda hoje guarda as suas linhas originais com pouquís-simas mudanças.(Ver Gravura 9) Por outro lado, a permanência mais duradoura dos aldeamentos, assim como, a continuidade da

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sua habitabilidade mesmo depois da extinção das Missões como reduto indígena, pôde gerar igrejas de grande porte como as de Guajiru, Guaraíras, Mipibu e Apodi que, entre 1679 e 1755, inicia-ram-se invariavelmente como capelas de madeira e barro, passando a pequenas igrejas de tijolo e pedra, chegando à feição atual, com algumas modificações na aparência, feitas, principalmente, no fim

do século passado e neste.153 (Ver Gravuras 5, 6, 7 e 8) Infeliz-mente, não se tem informações sobre a estrutura dos aldeamentos que foram formados pela redução temporária dos tapuias, como os

aldeamentos de São Paulo do Potengi, Na Sra da Piedade do Ceará-

mirim e Na Sra do Amparo de Cunhaú. As capelas iniciais deveriam seguir o padrão estrutural das

capelas coloniais, em que a capela-mor e a nave constituiam o mesmo corpo da construção, dividido por um arco-cruzeiro,

como acontece na igreja de Na Sra do Desterro, em Vila Flor. Com a ampliação do tamanho do corpo das igrejas, elas devem ter incorporado outras capelas internas laterais, como pode ser inserido pelo conjunto de imaginária deixado pelas igrejas de São Miguel de Guajiru e de São João Batista de Guaraíras, rela-cionadas por ocasião da extinção das Missões e expulsão dos jesuítas em 1759. Em Guajiru havia as imagens de São Miguel

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(orago), Na Sra dos Prazeres, Na Sra do Rosário, Na Sra Santa-na, São Joaquim, São Pedro, Santo André, São Felipe, São Se-bastião, Menino Jesus e Jesus Cristo Crucificado; na de Guaraí-

ras havia um São João Batista (orago), Santo Cristo e Na Sra da

Conceição, todos com ornamentos em ouro e prata.154 Também, quanto ao estilo arquitetônico e fachadas, as ca-

pelas dos aldeamentos do Rio Grande deveriam seguir o padrão verificado nos outros aldeamentos do Brasil colonial: estilo só-brio e de formas geométricas, com fachada simples, com janeli-nhas de coro e frontão triangular, podendo receber algumas vo-lutas, e, geralmente, sem torres.

O terreiro central, cercado pelas casas e pela igreja, era a área de convivência comunal, freqüentemente encontrado nas aldeias indígenas tradicionais, e que nos aldeamentos faria uma ponte entre o mundo nativo e colonial. Ali existia o cruzeiro, ocorriam as pregações religiosas e as chamadas para o trabalho, mas também eram palco para as festas e danças indígenas.

Era dentro deste espaço delimitado que a aprendizagem do novo modo de vida deveria ocorrer, seguindo regras e horários estabelecidos a fim de proporcionar a sedimentação de uma forma de agir “civilizada”.

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Segundo o Padre Anchieta, a vida numa Missão Jesuíta deveria ser rotineira: todos os dias pela madrugada, reunidos os indígenas ao toque de sinos, os padres pregavam a doutrina cris-tã a todos da aldeia e celebravam uma missa; ao final, todos se dispersavam: os homens seguiam para a rotina de trabalho nas roças, nas proximidades das Missões; as índias solteiras e casa-das iam fiar e tecer roupas; os meninos ficavam na escola, por duas ou mais horas, aprendendo a ler e escrever, contar e “ou-tros bons costumes”. Além da doutrina religiosa, ao final, tam-bém eles iam caçar, pescar e ajudar na manutenção da missão, e à tarde, retornavam para mais duas horas de ensino. Eram tam-bém os indígenas que faziam os outros serviços, durante o dia: cuidados com o gado e trabalhos variados. Os padres iam todo dia visitar os enfermos ou quem deles necessitasse, prestando-lhes serviços religiosos. Ao anoitecer, outra vez reunidos pelo sino, os indígenas batizados ouviam uma “...outra doutrina par-

ticular a gente que toma o Santíssimo Sacramento.”155 Já à época da transformação das Missões em Vilas, chegou

à Missão de Mipibu, em 14 de abril de 1761, um novo missioná-rio, Frei Frei Aníbal de Genova, que deixou um relato onde regis-trou os costumes dos índios e a vida cotidiana da Missão. O relato total de Frei Anibal de Genova,” Viagem na África e na América

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Portuguesa”, foi perdido no labirinto do arquivo dos Capuchinhos em Roma. No entanto, como durante a década de 40, Frei Fidélis de Primério havia feito uma transcrição datilografada (60 páginas) da parte tocante à sua estada no Brasil, conseguiu-se que esta fosse salva. Tal transcrição está atualmente no Arquivo do Seminário

Capuchinho de Piracicaba, São Paulo.156 E foi a ela que se teve acesso, através da gentileza de Frei José do Egito, Secretario Pro-

vincial, responsável pela Biblioteca do Convento.157 A estrutura física da Missão de Mipibu e da sua igreja seguia o

mesmo padrão dos outros aldeamentos do nordeste colonial, como pode ser observado em gravuras representativas de aldeamentos:

“Esta aldeia foi construída sob a direção dos

nossos missionários com a forma de uma praça de armas, com as casas todas unidas à maneira de um quartel de soldados. A aldeia está situada numa planície muito grande, sendo as casas dos oficiais situadas nos cantos e bastante mais altas que as ou-tras, com duas portas uma ao lado da outra pelas quais se entra e sai. Há uma igreja de uma só nave bastante grande e bem fornecida de todos os orna-mentos necessários muito decentes.”

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Na Missão moravam 250 famílias de índios, dos quais os “... Cabocolos são menos selvagens, mais domesticáveis e civili-zados e falam um idioma totalmente diferente daqueles chama-dos Tapuyos, embora quer um quer o outro saiba falar o idioma português”. É evidente que os “Cabocolos” eram os remanes-centes Potiguara e os “Tapuyos”, os Pega que foram transferidos para Mipibu no mesmo ano de 1761. Todos deviam obediência ao missionário e ao Capitão-Mor da Aldeia, índio eleito pelos demais e confirmado pelo Capitão-Mor de Natal e que poderia ser destituído do seu posto “... quando não cumprem sua obri-gação ou não se portam como devem.” Sob o comando deste Capitão e seus oficiais havia duas companhias de homens em armas, com 140 homens cada, “... os quais faziam muito bem os exercícios militares.”

A vida cotidiana na Missão cumpria um programa muito semelhante ao exposto por Anchieta sobre as missões jesuíticas. Note-se, porém, que este relato foi feito já às vésperas da trans-formação da Missão em Vila. Diz o frade:

“A forma que eu tomei para governar a minha

aldeia foi a mesma que os meus antecessores tinham observado, exceto alguma coisas que mandei fazer

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para maior decência deles, e minha também, e que foi a seguinte: todas as manhãs, ao amanhecer do dia, iam dois tambores tocando ao redor da aldeia para todo mundo se levantar da cama (isto durante meia hora). Depois, o índio que servia de sacristão tocava três Ave-Marias e dava o sinal para todos aqueles que não eram casados (adultos, crianças, homens e mulheres) irem à igreja; dado o sinal, que durava 15 minutos, eu ia à igreja e começando com o sinal da Santa Cruz, os machos de um lado e as fêmeas do outro continuavam, alternadamente, a re-citar, em voz alta, toda a doutrina cristã. Andando no meio, para cima e para baixo, eu escutava se re-zavam. Terminada a doutrina, tocava o sinal da Missa e eu ia ao altar, conquanto ao altar da Hóstia cantavam as Cugnans (assim chamadas as filhas a-inda moças e não casadas) o Tantun Ergo e outras bonitas canções espirituais até a comunhão.

Terminada a Missa, e depois de eu ter conce-dido as graças, vinha na minha casa o Capitão mai-or para comunicar-me o que poderia ter acontecido na noite anterior e para receber as ordens do que

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era preciso fazer no dia. Meia hora depois da Missa vinham as Cugnans para regar o quintal que eu ti-nha atrás da casa, enquanto os Curumins iam catar lenha e cortar capim para o meu cavalo. Depois dis-so, se eu não precisasse deles, iam cuidar da vida deles até meia hora antes da Ave Maria quando, ao toque do sino, juntavam-se novamente na igreja pa-ra recitar o rosário de Nossa Senhora.

Às oito horas da tarde tocava-se a retirada com dois tambores ao redor de toda a aldeia e du-rante meia hora. Depois fechavam-se as portas, que não se abriam até o amanhecer, e o oficial de plan-tão trazia-me as chaves em casa. Feito isso, um alfe-res ia com 4 soldados rondar todas as casa para ver ser faltava alguém e se todo mundo estava em casa; se acaso alguém estivesse ficado fora avisava-me para eu depois saber a razão no dia seguinte.”

Vê-se que a preocupação do missionário era o controle rí-

gido daquela população, tanto na utlização do tempo, quanto na sua ação. A contagem noturna dos aldeados deve estar relacio-nada com a fuga que houvera de mais ou menos quarenta índios,

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que foram buscados de volta por um alferes índio com dois sol-dados. Da mesma forma, o frade controlava o trabalho nas roças dos índios do aldeamento porque, dizia ele:

“ Esses índios são de condição tal que é ne-

cessário obrigá-los a trabalhar a terra através de ameaças para terem com que viver. [...] É tão escas-so o trabalho deles que é necessário que os missio-nários vão de vez em quando ver suas roças para certificar-se se trabalham um pouco e obrigá-los depois a semeá-las.”

Essa “dificuldade” de trabalharem para si, no entanto, parece

não ter impedido que os índios trabalhassem para os colonos:

“Devo dizer que os índios não podem se afas-tar de suas aldeias, nem ir trabalhar nas roças e ca-sa dos brancos que moram naqueles arredores, sem autorização de missionários, especificando o tempo, mas com a condição que o pagamento seja feito aos missionário. Isto é para que os índios não o gastem com aguardente ou em outras coisas não necessá-

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rias. Pois sabe-se por experiência que o que ganham em um mês consomem e bebem em um só dia. Por isso, depois de ter terminado o trabalho, os brancos vão na casa do missionário com aqueles índios que tinham pedido e em sua presença pagam em dinheiro as diá-rias dos índios. Com esse dinheiro o missionário man-da o prefeito comprar para os índios panos de linho ou de algodão para vesti-los, como também suas mu-lheres e seus filhos e, se não precisarem porque já os têm, manda comprar para eles os instrumentos neces-sários para trabalhar a terra e o que sobra dá para e-les. Todas essas providências devem ser tomadas pelos missionários porque de outra forma andariam todos nus e morreriam de fome.”

Vê-se que, conforme estipulado pela legislação em vigor,

desde o Regimento das Missões, as regras de distribuição dos índios para o serviço dos colonos e a forma de pagamento por ele eram cumpridas normalmente no Rio Grande.

Uma coisa que muito exasperava o frade, eram os constan-tes roubos que os índios praticavam, tanto contra a população dos arredores, de quem “a cada instante, chegam protestos”,

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quanto contra os bens particulares do próprio frade, que via as suas galinhas, patos, galos da índia e cabras serem roubados durante a noite, sem que se descobrisse o “delinqüente”. Da mesma forma, viu a plantação de abóboras, mandioca para fari-nha e milho, da horta do seu quintal, desaparecerem assim que cresciam e amadureciam. Contra os roubos da sua propriedade, o frade foi enérgico, como relatou:

“Razão esta que me levou a obrigá-los ir tra-

balhar nas roças dos brancos e entregar-me todos os sábados uma saca de farinha para manter-me com os dois escravos que eu trouxe comigo do rei-nado de Benin, presenteados daquele rei...”

A resistência aos preceitos religiosos cristãos era o que

mais impressionava ao missionário, que se queixou que os indí-genas só iam à missa por que eram forçados pelos ajudantes do frade; nunca portavam o terço; só se confessavam ao final do prazo sob ameaças e normalmente omitindo ou negando os pe-cados que eram flagrantes ao frade, como a cunhã que negava ter pecado contra a castidade apesar de estar “... com a barriga tão crescida que não demorou 10 dias para parir; nunca man-

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davam rezar missas pelos seus mortos; e continuavam com seus “costumes bárbaros inexprimíveis” como o de, logo após saírem da pia batismal com os seus filhos, darem um outro nome às crianças, geralmente inspirados nos nomes de animais.

Frei Anibal conseguiu em uma frase exprimir claramente a idéia formada que tinha sobre os índios de sua Missão:

“Esses índios são tão preguiçosos que prefe-

rem roubar em lugar de trabalhar para viver, e em-bora sejam educados pelos missionários, não dei-xam de ser supersticiosos, ladrões, mentirosos, trai-dores, luxuriosos e sem fé.”

Nas outras Missões do Rio Grande, desde as suas instala-

ções, também houve muita queixa dos colonos contra os missio-nários por não se terem eles conseguido obter uma real modifi-

cação no modo de vida e nos costumes dos índios aldeados.158

Queixavam-se, principalmente, dos tapuias aldeados que conti-nuavam a roubar o gado e as roças dos moradores, e que usavam armas de fogo para enfrentá-los, não respeitando as leis e vivendo segundo a sua vontade, sem castigo, doutrina ou repreensão, rou-bando “sem doer lhes a consciência”, porque não havia Missão que

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os domasse, nem clamores que os subjugassem, pois ao mesmo tempo em que iam às Missas, continuavam idolatrando e usando seus “gentílicos ritos” e, por isso, os oficiais temiam a sua “fereza

como inimigos da fé e animais silvestres que são.”159 Não só os moradores, mas também os próprios missionários

os temiam, como acontecia na Missão de Guaraíras, levando a que o Padre Superior José da Silveira pedisse ao Juiz de Pernambuco que conseguisse um meio de retirar as armas dos índios que esta-vam “tão soberbos” e “indolentes” que os padres não podiam “do-mesticá-los”, pois corriam o risco de serem atacados, como já ha-via acontecido ao Pe. Jerônimo de Albuquerque e a um morador da região de Cunhaú. Para sensibilizar o Juiz, o Padre lembrou-lhe que, desta forma, os moradores não podiam “se servir deles como

gostariam.”160 (Ver Documentos 19 e 20). Tais situações podem ter levado à decisão de se permitir

que fossem levantadas polés nos aldeamentos para “intimidar” os tapuias e castigá-los no caso de fazerem algum agravo aos

moradores.161 Além disso, posteriormente, o rei ordenou que todos os “índios, bastardos, carijós, mulatos e negros” acusados de crimes atrozes fossem remetidos para Pernambuco a fim de serem sentenciados e punidos com a pena de morte, servindo de

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exemplo para não cometerem mais crimes.162 Foi revalidada também a importância do “Juiz Privativo de todas as causas dos índios e tapuias”, cargo criado em 05 de novembro de 1700 para solucionar os problemas da liberdade indígena, que agora seriam da responsabilidade do Ouvidor de Pernambuco, para resolver

os problemas sociais e criminais.163 Contudo, muitos destes problemas podem estar ligados a

alguns conflitos que envolviam os índios e colonos, como os que chegaram ao rei e cujas providências foram ordenadas no mes-mo dia da decisão de instalação da polé:

“... portugueses e ainda mestiços e mamelucos

matam os tapuias e índios impunemente e muitas ve-zes por causas levíssimas e ainda sem ellas, e lhes forção suas mulheres e filhas cujas atrocidades são contínuas principalmente no Rio Grande e Sea-

rá.”164 Situação semelhante também pode ser vista na queixa que

o jesuíta Pe. João Guedes fez ao rei, dizendo que a atitude dos moradores seria a causa das dificuldades da catequização dos índios aldeados:

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“ ... que obrigados do mau trato q. lhes davão os moradores desertavão as aldeias; e por conse-

quencia se baldava o zello com q. os ditos Pes os

conservão, cathequizando os pa o bem espiritual e

administrando lhes as temporalidades pa que lhes

não faltem o sustento e mais cousas precisas pa o seu uzo, e modo de viver em quietação sem esperi-mentarem o rigor q. os sicullares com elles uzão no trabalho q. lhes dão, e mau pago com q. delles os

servem;”165

Da mesma forma, a dificuldade em conseguir sobreviver,

apenas através da exploração da légua de terras doada aos alde-amentos, também poderia levar a uma situação difícil para os índios, obrigando-os aos roubos de produtos das roças e de gado dos moradores vizinhos, como demonstra o pedido de novas terras para a Missão de Guajiru, por estarem as iniciais fracas e sem condições de sustentar toda a população.(Ver Documento 22 e 23). Além disso, também havia os conflitos com os colonos que impediam o acesso dos aldeados aos bens naturais, como o

peixe das lagoas próximas aos aldeamentos166 e a constante

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obrigação de servir aos moradores e oficiais coloniais, o que mantinha dois terços da população masculina hábil fora da Mis-

são, causando dificuldades na obtenção do sustento.167 Percebe-se que as décadas de 1720, 30 e 40 foram marca-

das pela revolta e resistência dos índios em se submeterem às determinações da nova situação de aldeados. Tanto “espiritual-mente” quanto “temporalmente”, os índios aldeados do Rio Grande estavam inquietos e difíceis de dominar, como no res-

tante do Nordeste.168 Os problemas causados por estes conflitos eram preocupantes, no entanto, as autoridades coloniais sabiam que a possibilidade de haver um grande levante como dantes estava definitivamente afastada, como disse o Capitão-mor do Rio Grande em 1724: “os tapuias não teem poder nem nos ser-tões, onde poucos vivem ainda, fracos de fome, sem se preocu-parem com violência.” Advertia, porém, que seria melhor que não se permitisse que fossem colocadas tantas redes de pescarias dos moradores nas salinas para que, desta forma, os índios tives-

sem, pelo menos, algum peixe com que viver.169 Da mesma forma, em 1734, respondendo às queixas dos

Oficiais da Câmara de Natal, sobre os “roubos e mais insultos” que os índios continuavam a fazer, ameaçando os missionários e colonos com armas de fogo, o rei resolveu que não seria neces-

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sário tirar-lhes as armas, como fora pedido, “... por não serem capazes de levantes, salvo envolvidos por brancos e que quando muito se deviam coartar para que nas aldeias que houvesse 50 casais tenha só 10 armas de fogo, e de 75, 15 armas e daí para

cima até 20.”170 Neste mesmo entendimento, o Terço dos Paulistas, levado

para o Rio Grande a fim de combater os tapuias levantados, des-de 1716 vinha sofrendo diminuição do seu contingente por não ter mais uma função definida, já que “os índios tinham sido des-truídos”. No entanto, os constantes conflitos com os índios alde-ados fez garantir a existência do Terço por mais de dez anos, aquartelado nas proximidades de Natal, no Arraial do Ferreiro Torto, e na Fortaleza dos Reis Magos, para defender os morado-

res e suas propriedades de “possíveis” levantes.171 Vê-se que o intento inicial de “civilizar” os índios não ha-

via sido atingido. Os índios continuavam a manter seus costu-mes assim que saíam da igreja. Da mesma forma que continua-vam a resistir ao trabalho regrado da agricultura que se queria implantar. Ao final do período da existência das Missões, o que se tinha conseguido foi resguardar uns poucos sobreviventes da sanha devastadora da conquista. É verdade que não muitos, mas eram os sobreviventes.

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No entanto, mesmo sendo poucos e conflituosos, os índios aldeados não deixaram de “contribuir” com a colonização. Ape-sar das Missões não terem conseguido “civilizar” os índios, co-mo era o esperado pelos missionários, isto é, torná-los verdadei-ramente cristãos, os outros objetivos foram conseguidos: a libe-ração das terras do litoral e sertões era evidente, e também a disponibilidade de mão-de-obra servil.

José de Anchieta, ainda no início das Missões de aldea-mento, havia demonstrado a sua preocupação em deixar aberto um vínculo com o mundo colonial circundante, o que era a fina-lidade última dos aldeamentos:

“... Os padres incitam sempre aos índios que

façam sempre as suas roças e mais mantimentos, pe-ra que se fôr necessário, ajudem com êles aos por-tugueses por seu resgate, como é verdade, que mui-tos portugueses comem das aldeias, por onde se po-de dizer, que os Padres da Companhia são pais dos

índios assim das almas como dos corpos. “172 No período de formação e estabilização das Missões no

Rio Grande, a forma de relacionamento entre os aldeamentos e o

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mundo colonial circundante não era mais como no tempo de Anchieta, mediante “resgate” de produtos, mas através da pres-tação de serviços. Como se viu, um importante serviço era o militar, que utilizava os guerreiros Tupi e tapuias contra os ou-tros índios, para garantir o avanço das frentes de colonização e a tranqüilidade das áreas já ocupadas. No entanto, em regiões pobres, com uma economia vinculada ao mercado intra-colonial, onde as possibilidades de se comprar um escravo negro eram limitadas a um pequeno número de colonos, em função do seu preço elevado, a mão-de-obra indígena “domesticada” era disputada e efetivamen-

te contribuiu para a sobrevivência da colônia.173 No Rio Grande, desde o reinício da colonização portugue-

sa e da formação dos aldeamentos, foram relatados vários con-flitos entre os missionários jesuítas, principalmente, e os colo-nos, em função da mão-de-obra indígena. Enquanto o colono reclamava “ser pobre” e não poder contar com outra “ajuda”

senão a dos índios,174 os missionários se queixavam de que os colonos “abusavam” dos índios, não pagando o adiantamento pelos serviços ou impedindo o seu retorno às Missões, cativan-

do-os indevidamente.175 Esses conflitos chegavam à Metrópole através de requerimentos de ambos os lados. Em 1704, os Ofici-ais da Câmara pediram ao rei que ordenasse aos jesuítas Superi-

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ores das Missões de Guajiru e Guaraíras que repartissem os ín-dios aldeados entre os moradores para pescarem e conduzirem o gado para Pernambuco, pois não possuiam “escravos para os serviços”. Além disso, também pediram que os índios “domésti-cos” não fossem obrigados a servir nos Terços, pois eles fica-

vam “faltos” de gente de serviço.176 No entanto, apesar dos conflitos, foi a mão-de-obra indí-

gena que fez os mais diversos trabalhos para os colonos e para o “bem comum”, isto é, os serviços públicos pedidos pelas autori-dades coloniais em nome do rei. Tais serviços foram garantidos pelo rei, desde 1683, quando se permitiu que se distribuissem os índios aldeados de Pernambuco pelos moradores, com licença dos missionários, contanto que eles fossem devolvidos aos alde-amentos dentro do tempo determinado de 15 dias, que lhes fos-sem ensinadas as orações e que se lhes pagassem pelos seus ser-viços; proibia, ao mesmo tempo, que se pagasse o serviço dire-tamente aos índios e mais ainda com aguardente, e que se “... levassem as índias por forssa pera os seus quartéis pera fiarem

algodão para as suas redes”.177 As mulheres estavam excluídas da divisão para o trabalho

ligado diretamente à economia, mas lhes poderia ser permitido que saíssem dos aldeamentos para ser “fiadeiras”, para “pessoas

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de que se não possa temer que usem mal delas, sendo obrigados a restitui-las às aldeias com os salários que tiverem vencido e

acabado o tempo que se destinou para o seu serviço.”178 Para o “bem comum”, os indígenas aldeados no Rio Gran-

de limparam os caminhos, abriram o canal da Lagoa de Guaraí-

ras,179 carregaram a sumaca real de pau-brasil,180 serviram de

correio para as mensagens oficiais,181 reformaram o forte dos

Reis Magos e construíram uma nova Cadeia Pública,182 enfren-

taram os negros do mocambo do rio Trairi,183 e trabalharam nas

minas de salitre de Pernambuco.84 Serviços que eram conside-rados mais importantes do que aqueles feitos aos moradores, “... pois o serviço de Sua Magestade está em primeiro em tudo, e

mais sendo este, tanto em utilidade de seus vassalos...”185 Da mesma forma que era prioritário, o serviço ao rei era especial e, por isso, regido por leis próprias, não sendo submetido ao “Re-gimento das Missões”; assim, por exemplo, não era obrigado que as autoridades coloniais pagassem a metade dos salários dos

índios antes da saída deles do aldeamento.186 Os Capitães-mores poderiam retirar os índios das aldeias

para as obras ou serviços gerais para o “bem comum”, pelo

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mesmo tempo de serviço determinado para os moradores, quinze dias, podendo substitui-los por outros quando o serviço não esti-vesse terminado. Porém, a lei deixava claro que o serviço era para o rei e não para o Capitão-mor ou para os Oficiais da Câ-mara, como muitas vezes ocorria. Caso fosse comprovado a ir-regularidade, os capitães-mores deveriam pagar dobrado o esti-pulado aos índios, e se os tivessem detido por mais de quinze

dias deveriam pagar o quádruplo.187 No entanto, a distância e dificuldade de fiscalizar estas or-

dens devem ter dado muitas chances aos abusos, como o verifi-cado nas queixas dos Oficiais da Câmara de Natal ao Ouvidor Geral da Paraíba, em 1721, contra o Capitão-mor Luís Fernan-des Freire se servir dos índios aldeados sem nada lhes pagar, causando a fuga dos índios dos aldeamentos e a constante fome que passavam por não terem como cuidar das lavouras das Mis-sões. Exemplificaram com um fato ocorrido com o Capitão-mor dos índios Janduí da Missão de Guajiru, Diogo Acauã, a quem o Capitão-mor mandara aplicar seis “tratos de polé” porque ele não havia aprontado os seus índios para um serviço fora do al-deamento. É lógico que os Oficiais também se queixavam de que o Capitão-mor não permitia que os índios fossem trabalhar

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para os moradores, demonstrando portanto, que a disputa pelos

serviços dos aldeados era bastante acirrada.188 Se, no trabalho como “soldados” coloniais, desde o início

dos aldeamentos e nos anos subseqüentes, o pagamento fora feito sob a forma de armas e munições, ferramentas para agricultu-ra (machados, foices, facas, ferros de cavar) e tecido para roupas

(estopa ou “de Amburgo”),189 depois, quando passaram a partici-

par dos Terços, começou a ser feito com “meio soldo”.190 Já, pelo trabalho para o “bem comum”, o pagamento seria de “meio tostão”

por dia, além da alimentação,191 e se o serviço fosse o de correio,

seria de um vintém por légua percorrida.192 Com o continuar da colonização, e a paz se instalando aos

poucos de maneira mais efetiva, o serviço para a colônia, nas lavouras, pescarias, salinas e na pecuária, passou a ser mais im-portante que o serviço guerreiro dos índios aldeados. Inicialmen-te, distingüiu-se os índios já “domesticados” dos tapuias ainda muito arredios, determinando-se que os primeiros deveriam ser deixados nos aldeamentos, preferindo-se os outros para os servi-

ços de guerra.193 (Ver Documento 18). Depois, determinou-se que os guerreiros deveriam também prestar serviço aos colonos, nos períodos em que não eram requisitados para a guerra, tanto

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os remanescentes Tupi, já mais habituados aos trabalhos agríco-

las, quanto os tapuias.194 O serviço dos índios aldeados, para os moradores do Rio

Grande, estava regulado pelo “Regimento das Missões”, de 1686, e suas disposições foram sempre confirmadas pelo rei quando havia problemas com relação à ida dos índios para os serviços. Geralmente, em resposta às queixas contra os missionários que não os cediam aos moradores, o rei confirmava que era obriga-ção dos missionários permitirem a saída dos índios, porém ressalta-va: “... ficando sempre nas aldeias a terça parte dos índios com que se não comprehenderão os menores de doze anos e os mais velhos de mais de sessenta, os doentes e impedidos ...”, além de não ficarem ausentes por mais de quinze dias. Caso não fosse cumprido o estabe-lecido, os moradores deveriam pagar dobrado pelos serviços feitos e

se isso se repetisse deveriam pagar o triplo.195 Em princípio, todos os índios homens aldeados poderiam

servir aos moradores, excetuando-se aquelas limitações de idade acima e também quando ainda estivessem com menos de dois anos de aldeamento, a não ser para irem à guerra e aos serviços

do rei.196 No entanto, quando, em 1689,os tapuias Panati foram aldeados como reféns no aldeamento de Guajiru (na maioria mulheres, crianças e velhos), os Oficiais da Câmara consegui-

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ram convencer ao Capitão-mor que os dividisse entre os mora-dores, alegando que só assim poderiam ser controlados, visto que eram mais de cento e cinqüenta pessoas que estavam com fome e na miséria. Em troca do seu serviço na criação de gado, os colonos garantiriam o seu sustento, roupas e doutrina católica

para poderem se batizar.197 Esta foi uma tentativa dos morado-res para obterem um ressarcimento pelas perdas ocasionadas pela guerra, através de um estratagema que transformaria estes índios livres e pacificados em “cativos”. Contudo, o esforço foi em vão, pois os índios tiveram de ser retornados à Missão por ordem régia, porque esta não era uma prática permitida pela legislação. O corre-to seria pedi-los para o serviço, quando já fossem aldeados há al-gum tempo e acostumados ao trabalho para os moradores. De qualquer forma, este fato demonstra a importância que o trabalho indígena deveria significar para os moradores sem grandes recur-sos, como os da Capitania do Rio Grande.

Os serviços que os índios aldeados prestavam aos morado-res do Rio Grande eram bastante variados, como se vê na res-posta do Pe. Sebastião de Figueiredo, Superior da Missão de Guaraíras, aos pedidos dos Oficiais da Câmara de Natal para lhes conceder quinze índios, a fim de trabalharem na abertura da passagem do canal da Lagoa de Guaraíras, em 1706. O padre

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disse ser impossível cedê-los, esclarecendo que, do contingente total de oitenta e oito homens da Missão, já tinha cedido aos serviços régios e aos moradores mais do que o número que de-veria sair do aldeamento, assim distribuídos: 21 estavam em dois barcos de moradores em pescarias; 12 estavam em outra embarcação que foi para as salinas; 1 estava na “rede” (pescaria na costa) de um morador; 13 estavam na Guerra no Açu; 8 esta-vam servindo na segurança da Fortaleza dos Reis Magos e 8 estavam aos serviços do Almoxarife. Como o serviço do rei era essencial, o padre garantiu que, quando alguns voltassem, ele

enviaria os que fossem possível.198 Por outra ocasião, em 1712, os índios aldeados também não

puderam fazer parte de uma bandeira contra os índios tapuias aldea-dos nas ribeiras do Ceará-mirim e do Potengi, porque já estavam em outras bandeiras no sertão e na região de Goianinha, além de outros

estarem pelas “redes de pescaria” dos moradores pela costa.199 Como se vê, nem sempre os pedidos dos moradores e dos

Capitães-mores podiam ser atendidos, pois, além de excederem ao número de índios permitido para saírem, às vezes, havia grande quantidade de índios doentes, como em 1720, quando foram pedidos índios para trabalharem nas obras da cadeia pú-blica e os índios de Guaraíras não puderam ir por estarem “éti-

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cos” e incapazes de trabalhar.200 Para o mesmo pedido, os ín-dios do aldeamento de Guajiru também não puderam ser envia-dos pois já estavam “... trabalhando no carregamento de pau-

brasil na sumaca do rei que estava no porto de Natal.”201 Vê-se que a variedade de serviços prestados fazia do tra-

balho indígena uma solução tanto para as necessidades da pro-dução econômica destinada ao comércio intra-colonial, quanto para a segurança e organização da vida na colônia.

Estes serviços, como já se disse, deveriam ser pagos, con-forme a legislação em vigor e, normalmente, o pagamento era dividido em duas partes, uma antecipadamente e outra ao térmi-no do serviço. Ambas deveriam ser pagas ao missionário, con-forme se observou no relato de Frei Anibal de Gênova, tanto para a segurança do colono, que garantia ter o trabalho termina-do, quanto para o índio que, pelo menos, receberia uma parte. É lógico que este acerto não evitava os problemas, como se vê nas queixas de ambos os lados por causa do descumprimento dos acordos. Os índios, por exemplo, iam para as pescarias tendo já recebido a metade do pagamento e nem sempre cumpriam todo o prazo estipulado e, às vezes, ainda levavam a família consigo a qual, durante a pescaria, consumia muito do pescado obtido, aumentando mais ainda os prejuízos do dono da rede. Da mesma

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forma agiam os “comboieiros de gado”, que também abandona-

vam o gado no meio do caminho por “motivos fúteis”.202 Por outro lado, os missionários se queixavam de que os colonos não queriam pagar a metade adiantado e, por isso, não permitiam

que os índios fossem aos serviços.203 Da mesma forma, parece que os valores a serem pagos,

também eram motivo de conflitos. Os colonos diziam que quan-do os missionários permitiam a saída dos índios cobravam pre-

ços “extraordinários”, além do que era costumeiro.204 Talvez em função de conflitos como estes, os valores a serem pagos aos índios foram estipulados pela Junta das Missões: para os índios “comboieiros de gado” deveriam ser pagos 4 vinténs por dia gasto nos percursos de ida e volta, além da alimentação. Para os outros serviços, como nas salinas e pescarias, por exemplo, o

valor era de 3 vinténs por dia, mais a alimentação.205 Além do trabalho dos índios aldeados que serviam aos co-

lonos, também havia aquele dos indígenas cativados na “Guerra dos Bárbaros”. É lógico que com o passar do tempo, e a diminu-ição dos conflitos guerreiros, ficou mais difícil obter novos es-cravos e as questões jurídicas pela posse dos escravos, novos ou antigos, continuaram aparecendo na documentação até a década

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de 1750, quando, juntamente com a extinção das Missões, foi de-clarada a nova liberdade dos índios, com a Lei de 1755. Mas, du-rante toda a primeira metade do século, o trabalho escravo dos ín-dios foi básico para a economia do Rio Grande, que aproveitava a sua mão-de-obra na pecuária, na pesca e na agricultura de alimen-tos, como mandioca para farinha, e frutos. A sua importância pode ser percebida por uma disputa entre as autoridades colonais que levaram a um episódio interessante entre 1713 e 1715.

Em 1711, em função dos vários problemas com os tapuias aldeados e com os que continuavam livres e ameaçando a capi-tania, os Oficiais da Câmara de Natal pediram ao Governador de Pernambuco que “sujeitasse a todos os tapuias à condição de cativos” e que os “... machos maiores de doze annos sejam mandados fora da Capitania, proibindo que os Terços tenham

mais de 6 tapuias a seu serviço.”206 Com a continuidade dos problemas com os índios participantes do Terço do Sargento-mor José de Moraes Navarro, que andavam “insolentes” e “des-leais”, em 1713, os Oficiais pediram ao Ouvidor Geral de Per-

nambuco que mandasse retirar esses homens da Capitania207 e pediram ainda que também fossem mandados embora os tapuias

que tinham sido aldeados na Missão de Guajiru.208

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Em resposta a estes pedidos, segundo decisão da Junta das Missões, foi lançado um Bando do Governador de Pernambuco mandando que todas as pessoas, de qualquer qualidade, que ti-vessem em seu poder tapuias Janduí, Caboré e Capella, de sete anos para cima, os remetessem ou levassem para Pernambuco, a fim de serem enviados ao Rio de Janeiro, livrando a capitania dos

seus problemas.209 Imediatamente os Oficiais da Câmara pediram para cancelar o Bando, pois muito prejuízo traria aos moradores e à Capitania, porque só o aviso bastou para que a a maioria dos tapui-as fugissem para o sertão, e porque os moradores:

“... não consentem na ida e venda de seus es-

cravos, porque os tinham conforme ordem de Sua Majestade, além do que, quase todos são fêmeas, e, mesmo que fujam, não farão guerra alguma, ao con-trário, servem nas residências como chamariz aos tapuias que ainda estão no mato e porque algumas

delas estão casadas com negros da Guiné.”210 Os Oficiais advertiam ainda que eram os tapuias livres e

aldeados que causavam os problemas, e não os cativos, e pediam que mandassem embora apenas os tapuias guerreiros dos Terços.

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(Ver Documento 21). De fato, os moradores da capitania não enviaram os seus escravos para Pernambuco e, em junho de 1715, o rei ordenou que se cancelasse definitivamente o Ban-

do.211 Através deste episódio, nota-se a dependência dos mora-dores do Rio Grande do trabalho escravo indígena, que era com-plementado pelo trabalho prestado pelos índios aldeados.

Desta forma, percebe-se que, enquanto no momento for-mativo das Missões na capitania, quando os conflitos com os tapuias no sertão eram a grande preocupação, temendo-se inclu-sive que a capitania fosse perdida aos índios, a sua função/razão de ser era a de concentrar guerreiros à disposição dos coman-dantes das tropas coloniais, sendo, ao mesmo tempo, “redutos” onde os sobreviventes da guerra fossem incorporados para livrar o sertão do perigo tapuia e liberar as terras para a colonização. Aos poucos, as Missões passaram de “redutos de sobreviventes” a “redutos de trabalhadores” que, somados aos escravos índios que moravam com os colonos, formavam a mão-de-obra que sustentou a capitania.

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NOTAS 1. SCHWARTZ, Stuart, Burocracia e sociedade no Brasil colonial, p. 10-25. 2. Varnhagen, História geral do Brasil, v. 1, p. 207-208. 3. Sobre as Aldeias de El-Rei ver em RIBEIRO, Berta, O índio na História

do Brasil, p. 41-42; Não se deve confundir aldeia e aldeamento. Aldeia é o lugar de habitação coletiva dos índios que o escolhia através das deter-minações da sua própria cultura, antes e depois do “descobrimento”; Al-deamento é o lugar onde os índios eram “ arbitrariamente fixados pelas autoridades portugueses e luso-brasileiras ...”, de acordo com as deter-minações das necessidades coloniais. Ver em ALENCASTRO, Luís F. A interacção ... In: O BRASIL nas vésperas do mundo moderno, p. 103.

4. PERNETTA, Júlio. Missão Jesuítas no Brasil, p. 13 5. NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil, p. 229-245: “Diálogo sobre a conversão do gentio”, 1577.

6. MALHEIROS, A. Perdigão. A escravidão no Brasil, p. 169-172. 7. AZEVEDO, Aroldo de.Aldeias e Aldeamentos, Boletim Paulista de Geo-

grafia, n. 33, p. 27, 1959. 8. LEITE, Serafim. Suma Histórica da Companhia de Jesus no Brasil, p. 7.

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9. DANTAS, Beatriz. Missão indígena no Geru, p. 1. 10. ANCHIETA, José de. Cartas, p. 424. “Informação da Província do Brasil para o nosso Padre”, de 1585.

11. Apud. MALHEIROS, A. Perdigão, op. cit., p. 172. 12. José de Anchieta apud. ABREU, J. Capistrano de.Capítulos de História

Colonial, p. 88: “O castigo que os índios têm, é dado por seus meirinhos feitos pelos governadores e não há mais que quando fazem alguns delitos, o meirinho os manda meter em um tronco um dia ou dois, como ele quer; não tem correntes nem outros ferros de justiça ...”

13. MALHEIROS, A. Perdigão, op. cit., p. 173-175; ALENCASTRO, Luís F., op. cit., p.102: o “resgate” se caracteriza como uma “ operação de tro-ca de mercadorias por índios prisioneiros de outros índios”.

14. THOMAS , Georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil, p. 222-224. Documento 3: “Lei que S. M. passou sobre os Indios que não podem ser captivos e declara o que o podem ser”, de 24/02/1587.

15. MALHEIROS, A. Pergigão., op. cit., p. 177-178; SHWARTZ, Stuart, op.

cit., p. 108. THOMAS, Georg, op. cit., p. 226-229. Documento n. 6: “Al-vará, gentios da terra são livres”, de 30/07/1609.

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16. MALHEIROS, Perdigão, op. cit., p. 179; THOMAS, Georg, op. cit., p. 229-233. Documento n. 7: “Carta de lei, declara a liberdade dos gentios do Brazil, exceptuando os tomados em guerra justa etc.”, de 10/09/1611.

17. LEITE, Serafim. Suma Histórica da História da Companhia de Jesus no

Brasil, p. 97-99 18. MALHEIROS, A. Perdigão, op. cit., p.181-183. 19. Ibid., p. 183. Bula de 22 de abril de 1639. 20. “As juntas eram espécie de órgãos consultores locais convocados para o

estudo de determinados assuntos, e quais as medidas a serem tomadas. A Metrópole deixava a critérios destas, optar ou não para a guerra ofensiva aos índios hostis, obedecendo porém à legislação vigente. Se esta Junta deliberasse guerra ofensiva, deveria ser executada por ajuste com algum sertanista que se dispusesse a tal na região, devido à impossibilidade de praticá-la pela Fazenda Real, pela falta de meios para tal, quais sejam: pólvora, bala, dinheiro.” CHAIM, Marivone. Os aldeamentos indígenas na capitania de Goiás, p.77

21. MALHEIROS, A. Perdigão, op. cit., p. 185-188: Lei de 14 de maio de 1655. Ver também VIEIRA, Antônio. Escritos instrumentais sobre os ín-dios, p. 3-46.

22. Ibid., p. 191.

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23. AHU, Códice 256, fl.25/25v., 06/05/1678. Carta régia ao Governador de Pernambuco Ayres de Souza de Castro - Cópia de ms. da DPH/UFPE.

24. Carta régia ao Governador Geral Roque da Costa Barreto, 26/08/1680. DHBN, v. 32, p. 362/363, 1936.

25. PEREIRA DA COSTA. Anais Pernambucanos, v. 4, p.198. A Junta das Missões de Pernambuco foi composta inicialmente pelo Governador da Capitania, Bispo Diocesano (em sua falta o Vigário Geral do Bispado), Ouvidor-Geral da Comarca e o Provedor da Fazenda Real. Em carta Ré-gia de 31/01/1698, foi aumentada com os Prelados das religões que tives-sem aldeias de índios, um Secretário (o mesmo do Governador da Capita-nia). Em Carta Régia de 28/01/1701, recebeu novos participantes, além dos anteriores: Reitor do Colégio de Olinda, o Guardião de S Francisco, o Prior dos Carmelitas Descalços, o Prior do Carmo e o Abade de S. Bento (todos de Olinda); e o Prior dos Padres Reformados do Carmo e o Prepó-sito da Congregação de S. Felipe Neri (do Recife). O presidente era o Bispo, com duas sessões por semana.

26. MALHEIROS, A. Perdigão, op. cit., p. 192. Esta lei não foi bem recebida na colônia, como já havia acontecido em 1609, ampliando-se as queixas quando foi criada a Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, que permitia que contratadores e assentistas fizessem entradas no sertão para ter até 100 casais para seu serviço, contanto que o fossem às suas custas e lhes dessem sacerdotes para os catequizar. Tal situação levou à Revolta de Beckman, em 1684, ocasionando a deposição do Governador, expulsão dos jesuítas e extinção da Companhia; BEOZZO, José Oscar.

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Leis e regimentos da Missões, p. 106-111: “Regimento de 1º de Abril de 1680 e leis anexas”.

27. BEOZZO, José Oscar, op. cit., p. 112-120: “Regimentos das Missões do estado do Maranhão e do Pará, de 1º de dezembro de 1686.

28. CHAIM, Marivone, op. cit., p. 72/73. 29. SCHWARTZ, Stuart, op. cit., p. 104-111; Ver também PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obter mão-de-obra indígena na Bahia entre os séculos XVI e XVII. Revista de História, n. 119-121, p. 205, 1993-1994.

30. STUDART FILHO, Carlos. A Missão jesuítica de Ibiapaba, Rev. do IC., t. 59, p. 53, 1945: “A Serra enfrentava o êxodo de numerosos índios man-sos que deixavam a serra para ir combater ao lado dos brancos contra os infiéis, ou que partiram para repovoar o Rio Grande do Norte, assolado por incessantes lutas...” Conclusão apoiada pela ordem de se remeter cem casais de índios “domésticos” das Aldeias do Ceará para o novo Presídio do Açu: AHU, códice 256, fl 263, 15/01/1698. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE; : AHU, códice 256, fl 278, 16/12/1698. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - D-PH/UFPE; e : AHU, códice 257, fl 16v., 07/09/1699. Carta régia ao Go-vernador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

31. LEMOS, Vicente. Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do

Norte, p. 25.

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32. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 21/21v., 03/05/1672. Provisão de S. Maj. ao Governador Geral; IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 22/22v., 03/05/1672. Carta régia aos Oficiais da Câmara. A sua nomeação ao car-go foi contestada pelos Oficiais da Câmara e pelos capitães das aldeias dos índios, mas acabou sendo aceita aceita, tendo recebido a posse apenas em 1676: AHU, códice 256, fl. 7, 27/04/1674. Provisão do Governador Geral Afonso Furtado de Mendonça - Cópia de ms. da DPH/UFPE; AHU, códice 256, fl. 21v., 02/09/1677. Carta régia ao Capitão-mor Antônio Vaz Gondim. Cópia ms. da DPH/UFPE.

33. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor do Rio Grande, Antônio Vaz Gondim, 18/09/1674. DHBN, v. 19, p. 116, 1929.

34. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 49, 22/08/1679. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador Geral, Roque da Costa Barreto.

35. PEREIRA DA COSTA, Anais Pernambucanos, v. 1, p. 79. Carta do Go-vernador de Pernambuco Antônio Félix Machado e Silva, 20/07/1690; AHU, códice 265, fl.64v./65, 08/01/1691. Consulta do Conselho Ultrama-rino. Cópia Ms. - DPH/UFPE

36. AHU, códice 256, fl.138, 28/03/1692. Carta régia ao Governador de Per-nambuco Antônio Félix Machado e Silva. Cópia Ms.- DPH/UFPE.

37. Quanto aos objetivos da instalação das Missões, ver PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. De como se obter mão-de- obra indígena na Bahia entre os séculos XVI e XVII. Revista de História, n. 119-121, p. 206, 1993-1994; ALENCASTRO, Luís F. A interação européia ... In: O BRASIL nas

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vésperas do mundo moderno. p. 103; SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial, p. 105; MEDEIROS, Maria do Céu. Igreja e dominação no Brasil escravista, p. 59.

38. DANTAS, Beatriz. Missão indígena no Geru, p.6.

39. “Cópias das capitulações realizadas entre o Governador Geral do Brasil Antônio Luís Gonçalves da Câmara e Canindé Rei dos Junduins”, em 10 de abril de 1692. apud., MEDEIROS FILHO, Olavo. Índios do Açu e Se-ridó, p. 132-135.

40. Sobre a argumentação jesuítica para as Missões ver em LEITE, Serafim. Suma Histórica da Companhia de Jesus, p.71.

41. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial, p. 105. 42. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 41/41v., 12/04/1679. Carta dos Ofici-ais da Câmara ao Bispo de Pernambuco.

43. LEITE, Serafim., História da Companhia de Jesus no Brasil, t. 5, p. 525. 44. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os aldeamentos de Guaraíras e Guajirú,

O Poti, Natal: 01/07/1990, c. 2., p. 1. 45. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 41/41v., 12/04/1679. 46. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 48, 06/05/1679. Carta do Bispo de Pernambuco aos Oficiais da Câmara de Natal; e IHGRN, caixa 65,

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LCPSC n. 2, fl. 48v., 06/08/1679. Carta do Governador Geral do Brasil aos Oficiais da Câmara de Natal. Essa decisão seria reforçada pela Carta régia ao Governador Geral que concedera aos Padres da Companhia de Jesus a administração temporal e espiritual sobre os índios das capitanias do norte: DHBN, v. 32, p. 362-362, 26/08/1680.

47. MEDEIROS FILHO, Olavo de.Os aldeamentos de Guaraíras e Guajirú O Poti, Natal: 01/09/1990, c. 2, p. 1.

48. Pero Dias, apud LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo V, p. 529

49. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 117v.-118v., 22/01/1689. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador de Pernambuco.

50. Também chamados por Manuel Álvares de Moraes Navarro de “Xiqueri, que em português é Silva”. ANNAES, do Archivo Público do Estado da Bahia, v. 29, p.61-66, 1943.

51. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 125/125v., 26/03/1689. Carta do Capi-tão-mor Agostinho Cesar de Andrade aos Oficiais da Câmara.

52. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 137v.-138v., 20/11/1689. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador Geral.; Ver também em LEITE, Sera-fim. HCJB, t. 5, p. 530-533.

53. AHU, códice 256, fl. 116v./117, 31/01/1691. Carta régia ao Governador Geral. Microfilme - DPH/UFPE; AHU, códice 256, fl. 118v./119,

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13/03/1691. Carta régia ao Bispo de Pernambuco. Cópia Ms - D-PH/UFPE; AHU, códice 256, fl. 128v., 23/12/1691. Carta régia ao Go-vernador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE; e DHBN, v. 19, p. 406. 1929. Carta do Governador Geral ao Sargento-mor Christóvão de Mendonça, 29/01/1691.

54. DHBN, v. 10, p. 384-388, 1929, 04/03/1690. 55. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 27-28, 26/01/1691. Provisão do Go-vernador Geral; IHGRN, caixa 117, LTV n. 1, fl. 118/119, 02/03/1694.

56. DHBN, v. 39, p. 19-21, 21/01/1699. Carta do Governador Geral a Manuel Álvares de Moraes Navarro.

57. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 133/133v., 04/04/1713. Portaria do Governador de Pernambuco; IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 8v, 28/07/1713.

58. LIMA, Nestor. Municípios do Rio Grande do Norte: Areia Branca, Arez, Assu e Augusto Severo. Rev. do IHGRN, v. 25/26, p. 123, 1929.

59. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Outros acampamentos indígenas. O Poti, Natal, 24 jun. 1990. cad. 2, p. 2.

60. LEMOS, Vicente. Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte. p. 35.

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61. DHBN, v. 39, p. 19-21, 1938. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo, 21/10/1699.

62. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 11/11v., 06/05/1691. Carta Patente ao Tapuia da Silva, João Vaz dos Santos, para o posto de Capitão dos Índios da Aldeia de Guaraíras.

63. LEITE, Serafim. Op. cit. p. 527. 64. CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da Terra, p. 249. 65. LEMOS, Vicente. Op. cit. p. 35. 66. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 70/70v., 01/08/1682. Carta do Gover-nador Geral ao Capitão-mor do Rio Grande; DHBN, v. 10,p. 205-206, 1929. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor do Rio Grande, 03/11/1684.

67. DHBN, v. 10, p. 263-267, 1929. Carta do Governador Geral ao Governa-dor de Pernambuco, 14/03/1689.

68. CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da Terra, p. 249. Até 1740, a do-

cumentação eclesiástica cita somente a Capela de Na Sra do Ó de Mipibu, da ribeira do Mipibu, na atual cidade de Nísia Floresta, RN.

69. Auto de Medição e Demarcação da Légua de Terra da Aldeia de Mipibu,

apud. BARBALHO, Gilberto G. História do Município de São José de

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Mipibu, p.39-43; AUH, códice 257, fl. 167, 18/11/1704. Carta da Rainha ao Ouvidor Geral da Paraíba Christóvão Soares Reymão.

70. Somente após 1740 é que na documentação eclesiástica surge a nova Capela de Na Sra Santana da Missão de Mipibu. MEDEIROS FILHO, Olavo. Aconteceu na Capitania do Rio Grande, p. 84.

71. PRIMÉRIO, Fidélis. Capuchinhos em Terras de Santa Cruz, p. 172. 72. IHGRN, caixa 117, LTV n. 1, fl. 118-119, 02/03/1694. 73. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Os aldeamentos do Apodi, Serra de San-tana e Gramació, O Poti, Natal, 12 ago. 1990, cad. 2, p. 2.

74. CASCUDO, Luís da Câmara. Nomes da Terra, p. 267. 75. ALBUQUERQUE, Paulo Tadeu de Souza. Escavações arqueológicas da Missão de Na Sra do Desterro de Gramació-Vila Flor, RN. Revista do CEPA, v. 17, n. 20, 1990, p. 305. Ver também: MARTIN, Gabriela. A Missão carmelita de Vila Flor: primeiros resultados do projeto arqueoló-gico-histórico. Clio, Recife, n. 10, 1988, p.146-151.

76. MARTIN, Gabriela. p. 289. Arqueologia das Missões religiosas do Vale do São Francisco. Revista do CEPA, v. 17, n. 20, 1990, p. 289.

77. AHU, códice 259, fl, 302/302v., 12/05/1730. Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba Hierônimo Correia do Amaral. Cópia Ms - DPH/UFPE; IHGRN, TART, datas de número: 18, 59, 60, 112 178.

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78. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 64. 79. MEDEIROS, Ivoncísio. Documentos do Rio Grande do Norte, p. 52.

80. AHU, códice 259, fl. 163v., 22, 06/1728. Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba João Nunes Souto.; AHU, códice 259, fl, 302/302v., 12/05/1730. Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba Hierônimo Correia do Amaral; AHU, códice 259, fl.310v., 01/07/1730. Carta régia ao Ouvidor geral da Paraíba. Cópias Ms - DPH/UFPE.

81. MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na Capitania do Rio Grande, p. 57. 82. Ver Capítulo 4. 83. DHBN v. 10, p. 108-410, 1929. Carta do Governador geral Câmara Cou-tinho ao Capitão-mor do Rio Grande Agostinho Cesar de Andrade, 02/04/2691. Tendo o Sargento-mor vencido os Canindé, como noticiou em 30/12/1690, concedeu “...os rendidos do Rei dos Janduins João Fer-nandes Vieira, para irem lutar nos Palmares.” com o Mestre-de-Campo Domingos Jorge Velho; DHBN, v. 10, p. 412, 1929. Carta do Governador Geral Câmara Coutinho a Christóvão de Mendonça, 03/04/1691: parabe-niza-o pela “... vitória que agora alcançou ao Rei dos Janduins...”

84. DHBN, v. 10, p. 424-425, 1929. Carta do Governador Geral Câmara Coutinho ao Capitão-mor Agostinho Cesar de Andrade, 17/04/1692.

85. DHBN, v. 10, p. 426, 1929. Carta do Governador Geral Câmara Couti-nho, 17/04/1692; DHBN, v. 34, p. 42-43, 1936. Carta do Governador Ge-

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ral Câmara Coutinho ao Rei, 18/07/1692: Comunica que esta paz não é segura pois os índios são “inconstantes e de pouca palavra, que poderam quebrar cada vez que quiserem; porque como não tem que perder não há donde se poder castigar”.

86. DHBN, v. 38, p. 305-310, 1937. Carta do Governador Geral João de Lencastro a Agostinho Cesar de Andrade renomeando-o Capitão-mor do Rio Grande, 05/06/1694.

87. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 54v./55, 12/02/1695. Carta do Capi-tão-mor Agostinho Cesar de Andrade aos Oficiais da Câmara.

88. DHBN, v. 38, p. 346-347, 1937. Carta do Governador Geral João de Lencastro ao Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo, 08/08/1695: como era ordem régia que os índios de paz deveriam ser entregues ao jesuítas, ordena que “faça logo mudar com effeito do dito lugar do Jundiá para a aldeia de Guaraíras, entregando-os aos Padres.”

89. DHBN, v. 38, p. 415-417, 1937. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo, 17/11/1696.

90. AHU, Caixa RN-1, 20/05/1699. Consulta ao Conselho Ultramarino de Bernardo Vieira de Melo. Microfilme da DPH/UFPE.

91. Revista do Instituto do Ceará, v. 27, p.164-165, 1913. Carta 09/05/1703, relata a ordem régia em 14/12/1701.

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92. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 127/127v., 1702. Protesto de Fideli-dade ao Rei D. Pedro de Portugal de todos os Governadores e Grandes da nação Janduí.

93. AHU, códice 256, fl. 151v., 09/08/1704. Carta da Rainha ao Desembar-gador Cristóvão Soares Reymão. Cópia Ms - DPH/UFPE. No Protesto de Fidelidade, referido na nota 18, consta que os Canindé foram aldeados na Aldeia de São João Batista, provavelmente em função da lagoa de São Jo-ão onde foram estabelecidos.

94. IHGRN, Caixa 65, LCPSCn. 4, fl. 109/110, 28/11/1706. Termos dos moradores do Rio Grande ao Governador de Pernambuco.

95. AHU, Caixa RN-1, Capilha 36, 23/12/1687. Documentos do processo de recondução de Bernardo Vieira de Melo ao cargo de Capitão-mor do Rio Grande. MEDEIROS, Ivoncísio Meira de. Documentos do Rio Grande do Norte, p. 32.

96. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 67/67v., 06/01/1696. Bando do Capi-tão-mor Bernardo Vieira de Melo e do Ouvidor Geral da Paraíba Christó-vão Soares Reymão; IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 3, fl.74/74v., 24/04/1696. Cartas dos Oficiais da Câmara de Natal ao rei.

97. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 94/94v., 05/05/1700. Requerimento do Procurador da Câmara, em nome do povo, contra o Mestre-de-Campo Manuel Álvares de Moraes Navarro.

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98. AHU, Caixa RN-1, 20/02/1702. Carta de Manuel Álvares de Moraes Navarro ao rei - Microfilme da DPH/UFPE; IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 97, 22/11/1700. Carta dos Oficiais da Câmara ao Mestre-de-Campo Manuel A. M. Navarro; IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 97v./98, 29/11/1700. Carta dos Oficiais da Câmara ao Mestre-de-Campo Manuel A. M. Navarro.

99. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 123/123v., (sem mês e ano) 1702. Carta dos Oficiais da Câmara ao Rei.

100. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 127/127v., 1792. Protesto de Fideli-dade à Sua Majestade; MEDEIROS FILHO, Olavo de. Aconteceu na Ca-pitania do Rio Grande, p. 155-156.

101.IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 4, fl. 109/110, 28/11/1706. Termos dos moradores do Rio Grande ao Governador de Pernambuco

102. AHU, códice 257, fl.189v., 09/09/1706. Carta régia ao Capitão-mor do Rio Grande: “os índios dos sertões, tanto os aldeados como os que não o são, se acham com muitas armas, com o que andam muito soltos e repug-nantes a se aldearem...” - Cópia Ms - DPH/UFPE.

103. AHU, códice 265, fl. 203/203v., 14/12/1707. Consulta do Conselho Ultramarino.

104. DHBN, v. 34, p. 296-299, 1936. Carta régia ao Capitão-mor do Rio Grande, 20/04/1708; IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 72/72v.,

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12/03/1709. Ordem do Governador Geral ao Coronel Antônio da Rocha Bezerra.

105. AHU, códice 257, fl. 189v., 09/09/1706. Carta régia ao Desembargador Christóvão Soares Reymão. Cópa Ms - DPH/UFPE.

106. AHU, códice 257, fl. 250v./251, 15/07/1709. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms.- DPH/UFPE

107. AHU, códice 257, fl.246v./247, 21/06/1709. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

108 AHU, códice 257, fl.341/341v., 03/04/1712. Carta régia ao Capitão-mor do Rio Grande. Cópia Ms - DPH/UFPE

109. DHBN, v. 40, p. 162, 1938. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor do Rio Grande, 09/08/1704.

110. AHU, códice 257, fl. 260, 13/09/1709. Carta régia ao Desembargador Christóvão Soares Reymão. Cópia Ms - DPH/UFPE; AHU, códice 265, fl. 124/124v., 12/12/1697. Consulta do Conselho Ultramarino. Cópia Ms - DPH/UFPE

111. AHU, códice 257, fl.273v./274, 13/12/1709. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms. - DPH/UFPE.

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112. IHGRN, Caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 78/78v., 28/03/1711. Requerimento do povo do Rio Grande ao Governador de Pernambuco.

113. IHGRN, Caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 58v./59v., 18/01/1717. “Termo de Obrigação” que os tapuias Panacu-açu fizeram, e as condições que lhes foram propostas para irem para uma Missão; IHGRN, Caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 137-138, 16/02/1720. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governa-dor de Pernambuco.

114. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 11v-13., 12/12/1708. Proposta de paz feita pelo Capitão André Nogueira da Costa.

115. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 79-80, 08/04/1711. Carta dos Oficiais da Câmara ao Bispo de Pernambuco.

116. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 120v./121, 20/09/1712. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Capitão-mor.

117. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 118v./119, 12/04/1712. Carta dos Oficiais da Câmara ao Capitão-mor; IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 119, 12/09/1712. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador de Per-nambuco.

118. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 8v., 01/09/1713. Papel de Pazes feita entre os índios tapuias e o Capitão Teodósio da Rocha.

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119. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 55v., 11/11/1716. Termo de Ajunta-mento e Concordata.

120. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 56v.-57v., 12/03/1695. Carta do Capitão-mor aos Oficiais da Câmara. Ver também MOTA, Nonato. Notas sobre a Ribeira do Apody. Rev. do IHGRN, v. 28-29, p. 45-54, 1920-21.

121. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo, 26/11/1695. DHBN, v. 38, p. 378-380, 1837.

122. Carta em que se dispõem, entre outras providências, a de se coíbirem os desmandos dos índios, 06/03/1694. Annaes do Archivo Público do Estado da Bahia, v. 29, p. 55-57, 1943; Carta do Governador Geral para o Capi-tão-mor Agostinho Cesar de Andrade, 04/06/1694. DHBN; v. 38, p. 302-305, 1937.

123. Discurso sobre as inconveniências que tem a informação que se deu a S. Majestade para mandar pôr nas Piranhas, Assú, Jaguaribe, seis aldeias... 26/07/1694. Annaes do Archivo Público do Estado da Bahia, v. 29, p. 55-57, 1943; IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 67/67v., 06/01/1696. Bando do Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo e do Ouvidor Christóvão Soares Reymão por ordem de Sua Majestade para se fazer um Presídio no Açu.

124. A fundação desta Missão, em 10 de janeiro de 1700, deve-se também a uma carta do Padre Philippe Bourel. LEITE, Serafim. História da Com-panhia de Jesus no Brasil, v. 5, p.539.

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125. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 94/94v., 05/05/1700. Requerimento do Procurador da Câmara de Natal.

126. LEITE, Serafim, op. cit., p. 539. 127. IHGRN, Caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 115-116v, 30/05/1701. Bando do Governador de Pernambuco e capitanias anexas sobre o perdão aos tapui-as Paiacu e Icó.

128. Carta Ânua, de 25/11/1704, apud. ibid., p. 543. 129. LEITE, Serafim, op. cit., p. 343-347. 130. Carta do Governador Geral para o Capitão-mor do Ceará, sobre a queixa que fez o Padre João Guincel, 17/09/1703. DHBN, v. 38, p. 197-199, 1939; Philippe Bourel apud. LEITE, Serafim, op. cit, p. 539: “... era um verdadeiro exílio, à proporção que se afastava das vilas e colónias habi-tadas por brancos.”

131. João Pereira apud. LEITE, Serafim. Op. cit. p. 542. 132. Ibid., p. 541. 133. Ibid., p. 549. 134. RESENDE, Modesto. Os missionários Capuchinhos no Brasil, p. 96.

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135. PRIMÉRIO, Fidélis. Capuchinhos em Terras de Santa Cruz, p. 171/172. 136. Apud. FERRAZ, Maria do Socorro. Missões religiosas no Médio São Francisco, uma abordagem histórica. Revista de Arqueologia, v. 8, p. 335-340, 1994-95.

137. Documentos do IHGPB, consultados com a gentil permissão do Prof. José Elias Barbosa Borges - UFPB.

138. BARBALHO, Gilberto G. História do Município de São José de Mipi-

bu, p. 59, 66-69; e FERNANDES SOBRINHO, Luís. Notícia histórica da Cidade de São José de Mipibu. In: ALMANAK do Rio Grande do Norte, P. 484- 491.

139. PEREIRA DA COSTA, Anais Pernambucanos, v. 2, p. 80: Na carta régia de 11/01/1701, foi mandado dar auxílio de 300$000 anuais para a compra de ferramentas e outros objetos para as aldeias.

140. MEDEIROS, Maria do Céu, Igreja e dominação no Brasil escravista, p. 71.

141. DHBN, v. 38, p. 325-328, 1937. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor do Rio Grande, 02/09/1694.

142. AHU, códice 257, fl. 64/64v., 11/01/1701. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

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143. AHU, Caixa 8(154-313), fl. 280, 20/?/1699. Correspondência ao Rei 144. ALVARÁ sobre a medição da légoa de terra para as aldeas, de 23/11/1700. Annaes do Archivo Publico do Estado da Bahia, v. 29, p. 73-75, 1943. Sobre os direitos dos índios do Brasil à terra, ver: CUNHA, Manuela C. da. Os direitos do índio, p. 53-63.

145.AHU, códice 257, fl. 129v., 04/06/1703. Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba. Cópia Ms - DPH/UFPE.

146. Doação de terras de Guaraíras: AHU, códice 257, fl. 167, 18/11/1704. Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba. Cópia Ms -DPH/UFPE; De Mi-pibu: Auto de medição e demarcação da légua de terras de Mipibu, 12/07/1703. Acervo documental da Prefeitura de São José de Mipibu e transcrita em BARBALHO, Gilberto. História do Município de São José de Mipibu, p. 42-44. Confirmado pelo aceite real, na Carta régia ao Ouvi-dor Geral da Paraíba, 18/11/1704. AHU, códice 257, fl. 167. Cópia Ms -DPH/UFPE; De Apodi: Sentença sobre o requerimento de Antônio da Rocha Pita, 03/03/1706. Rev. do IHGRN, v. 28-29, n. 1-2, p. 49-53, 1920-21; De Guajiru: Confirmação da doação feita anteriormente: AHU, códice 259, fl. 152/152v., 03/06/1728. Carta régia ao Governador de Per-nambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE; De Igramació: segundo confirmação arqueológica estabelecida nos trabalhos do Projeto de Revitalização do Conjunto Urbano de Vila Flor: “... na antiga Missão de Gramació a de-marcação da praça, com a distribuição das casas, igreja, cruzeiro e ce-mitério, coincide com as disposições do Alvará real”. MARTIN, Gabrie-la. Arqueologia nas Missões Religiosas do Vale do São Francisco. Revista

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do CEPA, v. 17, n. 20, p. 287-298, 1990; Dos aldeamentos estabelecidos pelo “Protesto de Fidelidade”, de 1702: AHU, códice 256, fl. 151v., 09/08/1704. Carta da Rainha ao Desembargador Christóvão Soares Rey-mão. Cópia Ms - DPH/UFPE.

147. AHU, códice 259, fl. 44v., 10/01/1726. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

148. AHU, códice,259, fl.152/152v., 03/06/1728. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

149. BARROS, Clara Emília Monteiro de. Aldeamento de São Fidélis, p.46. 150. AHU, códice 257, fl. 129v., 04/06/1703. Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba. Cópia Ms - DPH/UFPE.

151. AHU, códice 257, fl. 66v., 13/01/1701. Carta régia ao Capitão-mor da Paraíba: “... para edificação dessas igrejas ordena que se obrigue aos moradores que se achão vizinhos e junto aos sítios destas aldeias, con-corram para a despesa que se entende não pode ser de grande importân-cia, porque além de não ser de grande custo, de serem de junto de si, po-derão os mesmos índios ajudar no trabalho destas obras, e o que faltar suprirá a Fazenda Real ... e sobretudo, porque poderão ter com estas al-deias umas muy importantes conveniências como costumam ter onde há índios ou mestiços que vivem com lei e conhecimento da verdade e religi-ão católica.”

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152. Sobre as estruturas arquitetônicas das Missões religiosas no Brasil ver em COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, v. 5, p. 9-110, 1941; TO-LEDO, Benedito Lima de. Do século VXI ao início do século XIX: ma-neirismo, barroco e rococó. In: ZANINI, Walter. (Org.). História geral da arte no Brasil, p. 114-127; e BARROS, Clara Emília Monteiro de, op.cit.

153. NESI, Jeanne F. Leite. As ruínas de igreja e hospício dos jesuítas, em Estremoz.. O Poti, Natal. 21 jul. 1991. Revista, p. 4; ______. A igreja de

Na Sra do Desterro de Vila Flor. O Poti, Natal, 03 nov. 1991. Revista, p.

3; ______. A igreja de Na Sra do Ó, em Nísia Floresta - RN. O Poti, Na-tal, 22 dez. 1991. Revista, p. 3; ______. A igreja-matriz de São José do Mipibu. O Poti, Natal, 29 dez.. 1991. Revista, p. 3; _______. A igreja-matriz e o hospício jesuíta de Arês. O Poti, Natal, 04 jan. 1992. Revista, p. 4.

154. FERNANDES, Antônio Paulo Cyriaco. Missionários jesuítas no Brasil

no tempo de Pombal, p. 170. 155. ANCHIETA, José de . Escritos instrumentais sobre os índios, p. 389-90. 156. REGNI, Pietro Vittorino. Os capuchinhos na Bahia, p.178-79. 157. A tradução de texto escrito originariamente em italiano foi feita pelo Professor Michele Maisto. Graduado em Língua Italiana e Portuguesa, pe-

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la University of Wales, College of Cardiff, Grã-Bretanha. Coordenador do “Madre Língua”, Espaço da Cultura Italiana em Natal.

158. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 127v./128, 02/06/1689. Carta dos Oficiais da Câmara ao Capitão-mor: os Panati aldeados,diziam, continua-vam praticando os seus “antigos ritos”, falando a mesma língua e com o mesmo “ódio natural” aos brancos; LEITE, Serafim. HCJB, p. 547-49: os Paiacu aldeados em Apodi continuavam a praticar seus “gentílicos ritos” e a se pintarem em 1706.

159. IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 143-144, 23/07/1725. Carta dos Ofi-ciais da Câmara ao Rei.

160. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 51v./52, 17/08/1716. Carta do Padre José da Silveira ao Juiz Manuel Gonçalves Branco.

161. AHU, códice 258, fl. 227-228, 31/10/1721. Carta régia ao Governador de Pernambuco - Cópia Ms - DPH/UFPE. Polé é um instrumento de tortu-ra, usado desde a Inquisição, que consta de um pau a prumo com um bra-ço, do qual pende uma roldana por onde passa uma corda em cuja extre-midade ata-se o condenado, geralmente com os braços presos às costas, para suspendê-lo e depois soltá-lo; “dar tantos tratos de polé” era o casti-go. Cf. em: CONSTÂNCIO, Francisco Solano. Novo dicionário crítico e etimológico da língua portuguesa. Paris: Francisco Carneiros, 1836.

162. IHGRN, caixa 71, LCPSC n. 8, fl. 15v.-16v, 20/10/1735. Provisão Real.

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163. AHU, códice 260, fl. 17v., 03/08/1731. Ordem Régia. Cópia Ms - D-PH/UFPE.

164. AHU, códice 258, fl. 228, 31/10/1721. Carta régia ao Ouvidor de Per-nambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

165. AHU, códice 96, fl. 370v.-371, 15/03/1721. Ordem Régia. Cópia Ms - DPH/UFPE.

166. IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 137v./138, 06/12/1723. Carta dos Oficiais da Câmara ao Rei.

167. IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 8-10, 12/02/1721. Carta dos Oficiais da Câmara ao Ouvidor de Pernambcuco.

168. AHU, códice 259, fl. 360v., 06/06/1731. Carta régia ao Governador de Pernambuco - Cópia Ms - DPH/UFPE: o Capitão-mor do sertão do Piancó havia se queixado da “grande diminuição e mortandade dos gados” das fazendas, devido à “vizinhança que há das quatro Aldeias do gentio que se acham situadas sem o cômodo conveniente para o seu viver”.

169. IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 99v./100, 16/07/1724. Carta do Capi-tão-mor José Pereira da Fonseca aos Oficiais da Câmara.

170. AHU, códice 260, fl. 139v., 02/06/1734. Carta régia ao Governador de Pernambuco - Cópia Ms - DPH/UFPE

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171. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl.137-138, 16/02/1720. Carta dos Ofici-ais da Câmara de Natal ao Governador de Pernambuco; IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 17/17v. 07/06/1721. Portaria do Governador de Pernam-buco; IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 129/129v., 22/11/1723. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Rei; AHU, códice 258, fl. 330/330v., 09/08/1724. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - D-PH/UFPE; ; AHU, códice 259, fl. 76., 01/06/1726. Carta régia ao Gover-nador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE;

172. ANCHIETA, José de. Cartas, p.389-390. Informação dos primeiros aldeamentos da Bahia, 1587.

173. AHU, códice 256, fl. 14 v., 15/11/1675. Carta régia ao Capitão-mor da Paraíba. Cópia Ms - DPH/UFPE: os oficiais da Câmara da Paraíba pedi-ram que não se retirasse seus índios aldeados da Paraíba “por não terem outros serventes que assitão as suas lavouras, e fábricas dos engenhos pela falta com que se achavam de cabedais para comprarem escravos de Angola”; AHU, códice 256, fl. 54 v., 15/11/1675. Carta régia ao Gover-nador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE: os moradores do Ceará se queixavam da guerra e pediam “índios e índias para os servirem por não terem escravos da Guiné”.

174. IHGRN, caixa 117, LTV n. 1, fl. 30v./31, 11/04/1679; e IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 41/41v., 12/04/1679. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Bispo de Pernambuco: os Oficiais se queixavam que os morado-res dependiam dos índios para os serviços na lavoura, na pesca e na pecu-

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ária; AHU, códice 257, fl. 83/83v., 14/12/1701. Carta régia aos Oficiais da Câmara de Natal.

175. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 4, fl. 12 v., 10/02/1703. Carta dos Oficiais da Câmara ao Padre Superior de Guajiru.

176. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 4, fl. 19/19v., 04/02/1704. Requerimento dos Oficiais da Câmara ao rei.

177. AHU, códice 256, fl. 47v., 24/04/1683. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE. Em 1741, o rei novamente reafirma as mesmas disposições: IHGRN, caixa 71, LCPSC n. 8, fl. 144v.-145v., 04/04/1741. Carta régia aos Oficiais da Câmara de Natal.

178. AHU, códice 257, fl. 107/107v., 27/03/1702. Ordem régia ao Capitão-mor da Paraíba. Cópia Ms - DPH/UFPE.

179. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 76, 03/11/1696. Carta dos Oficiais da Câmara ao Padre Superior de Guaraíras.

180. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 149v., 03/08/1720. Carta do Capitão-mor aos Oficiais da Câmara.

181. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 53v./54, 22/12/1715. Carta régia ao Capitão-mor do Rio Grande.

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182. IHGRN, caixa 116, LTV n. 3, fl. 160v./161, 01/06/1719; IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 147, 03/08/1720. Carta dos Oficiais da Câmara ao rei.

183. IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 76/76v., 14/07/1722 Portaria do Capi-tão-mor do Rio Grande .

184. AHU, códice 257, fl. 119 v., 08/05/1703. Carta régia ao Capitão-mor dos ìndios, Sebastião Pinheiro Camarão.

185. DHBN, v. 39, p. 28, 1938. Carta do Governador Geral ao Capitão-mor da Paraíba,

186. DHBN, v. 38, p. 328-29, 1937. Carta do Governador geral ao Padre Superior da Missão de Guajiru, Manuel de Bulhões, 15/11/1694: “... disse a Vossa reverendíssima que o serviço de Sua Magestade não estava sujei-to às Leis do que os índios fazem aos moradores e que todas as vezes que fossem necessários ao Capitão-mor para me fazer avizos tocante a essa capitania lhes desse Vossa reverendíssima sem contradição alguma.”

187. AHU, códice 257, fl. 64v., 11/01/1700. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

188. IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 8-10, 12/02/1721; AHU, códice 257, fl. 86v., 12/12/1701. Carta régia ao Bispo de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE: os oficiais se queixavam que os Capitães-mores e moradores pagavam, ao final de um mês de trabalho, apenas uma vara de pano.

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189. AHU, códice 257, fl. 266v., 28/01/1678. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE: “cinco varas de estopa para se co-brirem por ano e , por hua vez a ferramenta que lhe for necessária para tratarem da sua vida e a cultura das terras.”; AHU, códice 258, fl. 106v./107, 16/09/1718. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE; AHU, códice 258, fl.120v., 05/03/1719. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE: “... 50 pás de ferro, 48 foices roçadoras, 24 machados, 30 enchadas para se repartirem pelos índios que assistiram na guerra que teve no Ceará contra os inimigos.”; AHU, códice 258, fl. 227/228, 31/10/1721. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

190. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 37/37v., 14/12/1715. Cartas dos Ofi-ciais da Câmara ao Governador de Pernambuco.

191. AHU, códice 258, fl. 79, 25/06/1715. Carta régia ao Ouvidor Geral da Paraíba. Cópia Ms - DPH/UFPE: deveriam continuar pagando meio tos-tão por dia aos índios que serviam nas obras públicas; IHGRN, caixa 71, LCPSC n. 8, fl. 145v./146v., 24/04/1742. Auto da Junta das Missões.

192. AHU, códice 257, fl. 195, 07/10/1706. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE: Do Ceará a Pernambuco se pagaria uma pataca e cinquenta réis para comerem cada dia; IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 53v./54, 22/12/1715. Carta régia ao Capitão-mor do Rio Grande.

193. AHU, códice 257, fl. 186, 04/09/1706. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE.

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194. AHU, códice 259, fl. 330v., 09/08/1724. Carta régia ao Governador dos ìndios Antônio Domingos Camarão. Cópia Ms - DPH/UFPE.

195. AHU, códice 257, fl. 107/107v., 27/03/1702. Carta régia ao Capitão-mor da Paraíba. Cópia Ms - DPH/UFPE

196. AHU, códice 257, fl. 66, 11/01/1701. Carta régia ao Governador de Pernambuco. Cópia Ms - DPH/UFPE

197. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 127v./128, 02/06/1689. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Capitão-mor; IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 2, fl. 128/128v., 25/06/1689. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Capitão-mor.

198. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 3, fl. 76v., 01/12/1696. Carta do Pe. Sebas-tião de Figueiredo aos Oficiais da Câmara.

199. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 120v./121,20/09/1712. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Capitão-mor.

200. No vocabulário colonial, estar “ético” seria o mesmo que tuberculoso, ou pelo menos com forte gripe catarral ou mesmo uma pneumonia.

201. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 149, 03/08/1720. Carta dos Oficiais da Câmara ao Capitão-mor do Rio Grande; IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 149v., 03/08/1720. Carta do Capitão-mor aos Oficias da Câmara de Natal.

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202. IHGRN, cixa 99, LCPSC n. 6, fl. 53/53v., 01/12/1716. Carta dos Ofici-ais da Câmara ao rei; IHGRN, caixa 83, LCPSC n. 7, fl. 143-144., 23/07/1725. Carta dos Oficiais da Câmara ao Rei.

203. IHGRN, caixa 65, LCPSC n. 4, fl. 12 v., 10/02/1703. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador de Pernambuco.

204. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 130/130v., 14/03/1713. Carta dos Oficiais da Câmara ao Rei.

205. IHGRN, caixa 71, LCPSC n. 8, fl. 145 v./146, 24/04/1742. Auto da Junta das Missões.

206. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 79-80, 08/04/1711. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador de Perbambuco.

207. IHGRN, caixa 75, LCPSC n. 5, fl. 128v./129, 13/03/1713. Carta dos Oficiais da Câmara ao Ouvidor Geral de Pernambuco.

208. IHGRN, ciaxa 75, LCPSC n. 5, fl. 130/130v., 14/93/1713. Carta dos Oficiais da Câmara ao Governador de Pernambuco.

209. IHGRN, ciaxa 75, LCPSC n. 5, fl. 135/135v., 24/05/1713. Bando do Governador de Pernambuco, José Felix Machado de Mendonça.

210. IHGRN, ciaxa 75, LCPSC n. 5, fl. 136-137, 20/06/1713. Carta dos Ofi-ciais da Câmara ao Governador de Pernambuco; AHU, caixa RN 1,

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29/07/1713. Carta dos Oficiais da Câmara de Natal ao Rei. Microfilme - DPH/UFPE.

211. IHGRN, caixa 99, LCPSC n. 6, fl. 33, junho/1715. Ordem régia aos Oficiais da Câmara de Natal.

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CONCLUSÕES

A partir do verso do poeta, o historiador Ruggiero Roma-no fez uma análise sobre a conquista européia da América Lati-na. Para ele a espada, a cruz e a fome foram os “mecanismos” que interagindo entre si, possibilitaram a conquista colonial. A espada incumbia-se de conquistar, matando, afugentando e sub-metendo pelo medo; a cruz tratou de manter a conquista, domi-nando o espírito do nativo, cerceando seus costumes e modifi-cando sua concepção de mundo; a fome, representando a deses-truturação social, econômica e cultural, termina a conquista,

perpetuando a posse e o poder do conquistador.1 Na conquista e colonização portuguesa no Brasil, observamos também esse três elementos, agindo interrelacionadamente, desde a chegada de Cabral. A cruz aposta em Baia Cabrália era um símbolo de pos-se e também um marco de início da dominação.

Na Capitania do Rio Grande, a sua reconquista aos franceses foi também acompanhada e até possibilitada pela presença religio-sa, que era a “ língua “ dos colonizadores. Após aquele primeiro momento em que a espada abriu o caminho, os religiosos passaram ao primeiro plano agindo em busca de um apaziguamento, ofere-

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cendo para isso a sua proteção aos indígenas: sob o seu teto os por-tugueses não poderiam guerreá-los ou escravizá-los.

Foi essa proteção oferecida que garantiu a aproximação e a paz. Depois, foi também ela que desestruturou a sociedade nativa possibilitando a formação da sociedade multiétnica brasi-leira. As aldeias indígenas, passando ao domínio religioso, as-sumiam formas, horários, processos de trabalho, costumes de vida diferentes dos anteriores, que, mesmo não sendo totalmente assimilados e praticados no início, foram se impondo e determi-nando uma nova sociedade, não mais portuguesa e também não nativa: uma sociedade “brasileira”.

Os missionários tinham então o papel de comunicar-lhes, não só a doutrina cristã mas também a forma “civilizada” de viver, cerceando sua liberdade primitiva e impondo-lhes uma religião, modo de vida, conceitos de moral e civilidade que eles não esta-vam aptos a receber. Resultou daí, não um índio convertido e civi-lizado mas um índio domesticado e subjugado que aceitava aquele tipo de vida por ver nele a única proteção à morte ou à escravidão.

Nos relatos dos missionários demonstrados, pôde-se per-ceber as semelhanças nas observações quanto a resistência à assimilação dos preceitos pregados. Em todos os momentos, seja no início da conquista na Bahia ou no processo de laicização da

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adminstração das antigas Missões, nota-se a grande preocupação dos missionários quanto a implantação de um sistema econômico, político e social segundo as formas européias, que iam totalmente contra ao sistema de vida que os indígenas seguiam. Essa diferença é perfeitamente visível, fazendo-se algumas comparações entre a vida do nativos relatadas, contra a qual os missionários lutavam, e a que eles implantavam em suas Missões.

Para iniciar aponta-se a restrição espacial, aquele que tinha toda a terra a sua disposiçao, com um sistema de semi-nomadismo, viu-se restrito, a “uma légua quadrada e demarca-da” Seus trabalhos pela obtenção de alimentos: caça, pesca, agricul-tura itinerante, que eram baseados nessa amplidão de terras foram então impossibilitados, obrigando-os a seguir uma nova atividade na agricultura fixa, que determinou novas horários diários regidos pelo missionário e não mais pelas estações da natureza.

Seus costumes culturais, tidos como “bárbaros”, tiveram obrigatóriamente de ser abandonados, embora com grande resis-tência. Os seus rituais com fumo e bebidas, a antropofagia, a nudez, seus enfeites e pinturas corporais, a poligamia e liberdade sexual foram os aspectos mais combatidos, como pode-se perceber pelos relatos dos missionários. Atitudes tão pouco civilizadas e atentatórias a moral e religião cristã eram inadmissíveis. A própria

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vida comunitária, baseada na repartição da grande casa, que criava vínculos de respeito e liberdade entre os da tribo, foi duramente perseguida, em favor dessa mesma moral: cada casal deveria ter sua própria casa. O padre Manuel da Nóbrega deu a receita: “A lei que lhes hão de dar é defender-lhes de comer carne humana e guerrear, sem licença do Governador, fazer-lhes ter uma só mu-lher, vestirem-se, pois têm muito algodão, ao menos depois de cris-tãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos; fazê-los viver quietos sem se mudar para outra parte, se não for para entre cristãos; tendo terras que lhes bastem

e com estes padres da Companhia para os doutrinar.”2 Como se nota, a função dos missionários era o de “ salvar

almas “ mas também o de formar uma massa domesticada que servisse à colonização da terra. Dessa maneira o índio era utili-zado na agricultura, tanto na dos padres quanto na dos colonos em troca de “salários” pagos aos missionários; na guerra aos outros indígenas barbarizados, aos negros e na defesa do Estado; e também para o povoamento das novas terras do Reino, que necessitava sem-pre de mais dízimos. Essas determinações são objetivamente encon-tradas tanto no Regimento das Missões de 1686, que as legalizava, quanto no Diretório dos Índios, de 1758, que termina definitiva-mente com a atividade missionária entre os índios. Portanto, pode-se

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dizer, que sob o pretexto da propagação da fé cristã, da proteção ao indígena e da implantação da civilidade sobre o caos que gerou o etnocídio indígena, encontra-se o substrato da ideologia mercantilista européia. (Ver Documento 27).

Segundo a definição de aculturação, ela seria um processo de fusão de duas culturas, onde surgem mudanças nos modelos culturais de um ou ambos os grupos, podendo ter como resulta-do uma cultura mestiça. Esse processo possui dois aspectos: a enculturação, que seria a assimilação de elementos culturais, e a deculturação, a perda de elementos culturais, que são recíprocos. Essas perdas e ganhos podem incidir em elementos impressio-nistas (roupas, técnicas) ou um elementos estruturais a nível da mentalidade, da organização social e dos valores. Dependendo do tipo de relacionamento entre as culturas diferentes os resulta-dos são diversos. Na relação entre conquistados e conquistado-res, os primeiros tendem, no início, a se opor à cultura conquis-tadora, mas com o contato prolongado, a cultura dominada passa a integrar a si os elementos estrangeiros, em muito maior grau do que o que acontece com os conquistadores.

Pode-se verificar então, que foi aculturação o processo o-corrido no Brasil colonial, porém, tendo-se em mente que foi a cultura nativa que mais perdeu suas características originais e

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estruturais, oferecendo aos conquistadores apenas elementos impressionistas. Conclui-se, portanto, que a cultura mestiça sur-gida herdou os elementos estruturais da cultura européia, e ape-nas alguns elementos impressionistas da cultura nativa, como por exemplo, o uso da rede. NOTAS 1. ROMANO, Ruggiero. Os mecanismo da conquista colonial: os conquis-

tadores. 2. Padre Manuel da Nóbrega apud. RIBEIRO, Berta. Os índios na História

do Brasil, p. 45.

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MAPAS

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GRAVURAS

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DOCUMENTOS

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DOCUMENTO 1

Arquivo da Biblioteca da Ajuda, Lisboa - Portugal Códice 51-VII-48, fl. 139/139v, 10/04/1607. Carta ao Conselho Ultramarino Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Vi duas consultas do Consº das Índias, hua sobre os danos

e furtos que os escravos dos engenhos do Brasil fazem nos ga-dos e frutos da terra por lhe faltarem seus donos com a sustenta-ção e posto que sou informado q. a mayor parte disto proçede da inclinação natural dos ditos escravos e que o remedio q. pode aver contra isto hera se proceder em dalhes por via da justiça castigandoos com as penas das leis, e que ally sedeva escrever

da munha parte ao Govor e Ouvor Geral daq.lle estado q. o fa-ção: Contudo conformado me com a dita consulta hey por bem

que se passem provisões pª os ditos Govor e Ouvor Geral, e para

as Camras daquellas partes encarregamselhes q. tenhão particu-lar cuidado de fazerem plantar muitos mantimentos, e que vizi-tem e saibão se os senhores de engenhos o cumprem assy em

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suas terras e os obriguem a que o fação sob as penas q. parecer;

ou q. compré todo o mentimento necessrio para seus escravos de

manra q. lhe não possa nunqua faltar: E que não consintão car-

regar farinhas pª Angola sem ficar na terra provimto muito bas-

tante pª todo ano, E nesta conformidde vos encomendo q. orde-

neis se fação pelo Consº da India os despos necessarios e que

venhão para os assinar e se enviarem na primra embarcação. Outra sobre a licença q. o Conde de Linhares pede para poder vir da Parahiba ou de Pernambuco quinhentos ou seiscentos in-

dios petigares com suas familias para estarem nas fazdas q. tem na Bahia e nos Ilheos e se efforeçe trazelos há sua custa e sus-tentalos e darlhes terras pª seus mantimentos e os ensinar na doutrina christãa e porq. esta matª he de muita consideração e

q.lquer ocasião que ouver de se dar molestia a se fazer e se fazer violencia a este gentio o seria de grandes inconvenientes para a quietação e paz daquellas partes; não hey por bem de differir diseila não a licença q. o dito Conde pede nem q. se lhe de sobre

isso despº algum, soomte que se escreva de minha parte ao Go-

vor daquelle Estado, q. se por o dto Conde se pocurar q. os ditos Indios Petiguares venham por sua livre vontade pouvar as ditas

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sua fazendas sem se lhes fazer sobre isso violencia ou mao tratos Elle lho não impida e de todo o favor aos ditos Indios e pª q. as condições assy de sua sustentação como de lhes dar terra para

seus mantimtos. E os ensinar na doutrina Xptãa q. o Conde offe-

resece. Se lhe cumprão e guardem intªmente e nesta conformide

ordenaseis q. se faça carta minha pª o dito Govor e q. venha para eu assinar. Rey.

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DOCUMENTO 2

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 275, fl.315v, 09/01/1662 - Carta ao Governador de Per-nambuco. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Sobre a guerra q. Mathias de Albuquerque Maranhão avisa

convem fazer aos Indios Barbaros Janduins. Expdo. (à margem)

Pa. o Govor. de Pco.

Franco Barreto. O Capitão-Mor da Parahiba Mathias de Albuquerque Maranhão entre outras couzas me deu conta de como os Indios Barbaros Janduis rezidentes no districto e certão

da dita Capnia. em vingança de João Fez. Vieyra (quando go-vernou aquella praça) haver mandado prender em ferros a dous filhos do seu Prinçipal, e se haverem remetido a este reino qua-tro Indios da mesma nação q. eu mandei vir a esta Corte e reçe-ando que se uze o mesmo com alguns de seus Prinçipaes estão

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rebelados, e declarados inimigos, em tanto q. já matarão algua gente dos moradores do Rio grande, e nos mais que tem cauzado tanto reçeio, q. trataram de fazer duas cazas fortes, em q. se pos-são defender dos repentinos assaltos, q. aqueles Barbaros cos-tumão dar e q. convinha fazer lhes guerra, com q. se extingão de hua vez por se não criar nelles e em seu valor pelo incançavel exerçíçio q. têm na guerra outros povos Araucanos, como em

Indias de Castella, por terem já mta quantia de cavallos em q. se exercitão com a doctrina q. lhes deixarão os olandezes e q. sen-do eu servido de q. este Mathias de Albuquerque lhes fizesse a guerra, se ofereçia a fazêlla, e conseguila, com pouco dispêndio

de minha Fazda ; por razão de seu sobrinho Diogo Coelho de

Albuquerque na Capia do Ceará, aonde me estava servindo, ter a

sua obediência outras nações de Barbaros contros aos Juanduis q. dando lhes pelas espaldas não poderão escapar, nem ter reti-

rada; e porque esta mata he de suma importânçia a quietação de todo este estado, vos encomendo muito q. considerando tudo o q. Mathias de Albuquerque reprezenta e ofereçe em razão da guerra q. diz que convem fazer se a estes Indios e o modo dela comunicando vos com ele de q. o mando avizar e tomando pare-çer das pessoas q. entenderdes q. nolo podem dar bom, resolvei-

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es e façais executar o que julgardes por mais conveniente a meu serviço e segurança destes vassallos. Escrita em Lisboa a 9 de janeiro de 1662. Raynha.

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DOCUMENTO 3

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Caixa RN-1, sem data - Carta de Joseph Lopes Ulhoa ao Rei de Portugal. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Vejase no Conso Ulto e se me consulte (...) com o seu pa-recer. Lisboa 22 de março de 1688.

Sr. Este papel offeresso segunda vez nas Reais mãos de

VMagde foy servido mandar remeter ao Concelho Ultramarino não ha noticias delle, e procurando a cauza do secretario do

mesmo Concelho, diz o remetera ao Procurador da Faza Sebas-

tião Cardoso Sampayo, em cujo poder se não acha entre os mtos papeis q em minha prezença buscou, remetidos do Concelho e

porque poderá convir ao serviço de VMagde o q nelle represen-

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tava ma resolvi a fazer esta copia q poderá ter melhor sucesso

com o amparo de VMaggde

A materia della he o levantamto q ouve na Capitania do Rio Grande como sou filho do Brazil e com bastantes noticias

das inclinações desta nação poderey sem mta sensura falar neste particular. E assy conforme o meu entender proporey com o

devido respeito, a VMagde o caminho mais suave pa o melho-

ramto desta alteração.

Nas rebeliões ou se uza dos meyos da industria pa aquieta-

ção, ou do das armas pa o castigo. Neste se pode uzar de ambos, trabalhando porem mais no da industria pela natureza de vida e trato desta nação e porq também pello outro será mais dificulto-

so o castigo. Estes Tapuyos a q chamam Jandoins são mto dife-rentes dos outros porq não tem aldeas nem parte serta em q vi-vão e sempre andão volantes sustentandosse alguas vezes dos frutos da terra e cassa que matão e outras de algum gado que lhes dão os vaqueiros o eles lhe roubão.

Querer castigar estes homens por força das Armas me pa-

resse quasi impossivel e mto inconveniente; quasi impossivel

porq logo q tiverem noticia q os vão buscar pa castigar se hão de

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por em fugida, e por mtos cuidadozos e dilligentes q sejão os

que forem em seu seguimto os não poderão alcansar pela ligei-reza com q este gentio marcha e pouco pezo das armas q levão

sem lhes ser neeo carregar os mantimtos com q se hão de susten-tar, esta he a razão por q me paresse quasi impossivel. A porq me paresse inconveniente he supondosse alcansão algua ves por descuido ou entre preza o mayor despojo desta victoria serão entre vinte e trinta Tapuyos mortos e outros tantos feridos. E

deste grande bem sem duvida o q se nos há de seguir he ser neeo andar sempre tras delles por evitar as extroções e danos que hão de fazer os que ficarem em sentindo que nos retiramos em todos aquelles moradores q puderem colher; e o peor será comaes ser-

to, q não só esta nação, senão mtas q hoje estão quietas se hão

de levantar, induzidas facilmte dos outros, e teremos novas rebe-liões q castigar; e eterna aquella guerra e impossivel a quietação dos moradores daquella Capitania.

Outra razão há de inconveniencia, e he a da despeza da

Fazda de VMagde que ha de ser grande, pellas experiencias q

tenho como tesa de vista. Nas entradas que Affonço Furtado mandou fazer no sertão da Bahia sendo diferentes as nações

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porque tinhão aldeas sertas, dentro das quaes forão prezos, pas-sou a despeza de trinta mil cruzados o que sey porq servia na-

quelle tempo meu pay Annio Lopes Ulhoa de Provedor mor da

Bahia; na Capitania do Rio Grande não tem a Fazda de VMagde

rendimto pa mto menor despeza, e ainda q a ouvera não paresse

justo que se despenda podendo haver caminho maes suave pa a quietação.

Este será; q o Capam mor q VMagde for servido mandar entre publicando hua sanguinolenta guerra contra esses Tapu-

yos, fazendo alguas perparações pa ella, convocando ainda q

supostamte o Terço do Camarão a q todos esses Tapuyos tiverão

sempre gde temor; e enqto fizer estas diligeas,de sorte q os mesmos moradores entendendo q são verdadeiras, buscará com todo o segredo algúns vaqueiros moradores naquelle sertão com os quaes estes tapuyos comem e bebem e a quem chamão com-padres; e aos q entender são mayor confiança e fidelidade os

obrigará com dadivas q hão de custar mto pouco e com prome-

sas q he melhor boril pa semelhantes corações, e os mandará a q vão buscar estes Tapuyos e lhes digão, vendendo lhe por fineza

o avizo tudo o q o Capam mor intenta contra elles e q sem duvi-

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da ficarão destruidos e q só terão por remédio de vir pedir lhe pas e dar toda a segurança a ella.

Tenho por sem duvida que este gentio intimidado nesta forma, e por aquelles q elles prezumem são seos amigos e confi-

dentes hão de vir pedir pas, a qual o Capam mor concederá re-

prehendendoos e ameasandoos mto asperamte pellos seos lingo-

as;e pa segurança della lhe tomará cinco ou seis filhos dos ma-

yoraes em reféns os quaes terá em sua compa na fortaleza, segu-

randolhes todo o bom tratamto e concedendolhe premição pa os

poderem ver e falar, e se neeo for pa que de tempos em tepos os possão mudar por outros; porq desta sorte lhe não será a elles

tão agro o largarem os filhos pello mto q esta casta de gente os ama;

Esta industria vi obrar a hum parente meu em semelhante alteração na Bahia, e com outros refés q teve por alguns tempo

em sua compa os sossegou de todo, q com estas noticias, e ou-tras semelhantes he q falo neste particular.

Também me paresse será conveniente a VMagde mande

recomendar aos Pes da Compa este negeo e q com avizo do Ca-

pam mor lhe remetão dous rellegiozos, q saibão a lingoa pa as-

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sistirem com estes Tapuyos,pa o q lhe mandarão fazer aldeas e dará algua pouca de terra capaz de poderem plantar suas lavoiras

de q se hão de sustentar, e com o trabalho dellas, o q os Pes os obrigarão, e com a sua doutrina ficarão de todo domesticos e se

hirão reduzindo a nossa Santa fé e bautizando, q pa estas con-verções paresse q deu D’s particular zello a estes rellegiozos e

qdo não fora por outra razão maes q donde por esta do bem des-

tas almas se devião buscar pa os caminhos maes suaves pa se

poder chegar a estes fins; qdo elles não impedem os das Armas no cazo que seja presiso uzar dellas, o q entendo será escusado.

Faloser das telhas abaixo, como se costuma dizer, donde tudo he inserteza; porém como a bondade divina não costuma

faltar aos q obrão bem de sua pte, devo eu esperar della q sayão estes meyos tão bem sucedidos como he o dezejo que tenho de

servir a VMagde e se na minha pessoa VMagde achar suficien-

cia pa ir executar com a obra o q digo neste papel de palavra

poderey segurar a VMagde q no zello cuidado e fidelidade me não levará outro ventagéns. O suposto q sou opozitor a este lu-

gar, pesso a VMagde não queira prezumir de mim q me obrigou

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a esta obra o querer melhorar a minha pertenção maes q do zello

do serviço de VMagde que sempre preferi às minhas convenien-

cias. VMagde mandará o que for servido. Joseph Lopes Ulhoa.

Haja vista o Provor da Fazda. Lxa, 23 de marso de 1688.

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DOCUMENTO 4

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 256, fl.138, 28/03/1692 - Carta ao Governador de Per-nambuco Antônio Felix Machado. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Sobre se mandar Rellação das despezas que se fazem

com os índios das Aldeaz pera nella se conservarem e dou-trinarem.

Por ser conveniente ao Servº de Dz. Nosso S., e meu, que

dos indios do certão dessa cappitania, que forem reduzidos ao grêmio da Igreja se formem Aldeas pera nellas se concervarem e doutrinarem pellos Missionarios e me constar que pera este ef-feito não há ahi aplicação, ou consignação algúa nem a pode haver nas rendas da minha Fazenda q. estão a cargo do Provedor della. Houve por bem q. das sobras dos sobcidios dos vinhos e outros contratos aplicados ao socorro da Imfantrª q. administrão os officiais da Camara se fação estas despezas a nossa ordem, asentando primeiro com o Bispo por tremos que com elle asig-

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nareis, q. as dittas despezas são convenientes e necessarias, e a quantia dellas, o qual termo fareis certo nas ordens q. passardes aos dittos officiais da Camara, e huma copia authentica do q. asim ordenardes dareis conta pello meu Concelho Ultramº todos os annos pª me ser prezente quais são as dittas despezas, e o em q. se empregão. De que vos avizo pera o serdes a sim entendido e dardes a execução o que por esta vos ordeno, aqual mandareis registrar nos Lºs da Secretaria e nos da Camara dessa Capitania para todo o tempo constar della. Escritta em Lbxª a 28 de Março de 1692. Rey.

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DOCUMENTO 5

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 256, fl. 234/234v., 08/01/1697 - Carta ao Governador de Pernambuco Caetano de Mello de Castro. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Sobre S. Magde ordenar se de da Fazª Real seis mil cruza-dos, pª a edificação do hospicio que se manda obrar no Seará e

q. lhes se entreguem aos Pes. da Compª.

Mandando ver a relação que o Pe. Affonço Gago fez do q.

tem obrado com os Pes seus companheiros na missão do Seará, e o incanssavel espiritu com que os religiozos da Compª de Je-

sus trabalhão nas das missões e o q. tem obrado na converção dos Indios despresando discomodos, e não temendo os evidentes perigos da vida, guiados do zello de q. se logre pª o servº de De-os, e bem espiritual da sua redução e pª o meu serviço e de se acreçentarem em meus dominios mayor numero de vassalos em

grde utilidade, e defença da mesma conquista. Fuy servido re-

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solver q. no Ceará se faça hum hospiçio ou casa de residencia pª assitirem os Padres da companhia q. tiverem a sua conta esta missão, pª q. desta tal casa ou hospicio possão entrar nas Terras e assisir nas Aldeas, servindo como cabeça principal da dª mis-são em q. se criem os sogeitos e poddão sahir os operarios pª a cultura e Seara das almas dos Indios continentes naquellas terras e devidirçe pª as partes onde forem necessarias e pª q. tenhão os mesmos missionarios lugar onde se recolhão pª se refazer do trabalho padeçido na sua missão, ou pª se curarem os q. adoece-rem nella. e pª este effeito Me pareçeo ordenavos lhes assineis terra bastante para nella se plantarem dous curraes de gado q. tenha cada hum athe quatroçentas cabeças de gado com cujo

rendimto se possão sustentar os Padres q. assitirem no tal hospi-cio e q. estiverem nas missões, com declaração q. não terão ou-tros alguns bens de raiz; e para esta despeza assim da edificação do dº hospicio, como da compra do gado, vos ordeno tambem

lhe façais dar do rendimto da minha Fazª dessa Capnia seis mil cruzados por húa so vez e que se lhe continue có a congrua ne-cessaria pª os mesmos religiosos por tempo de 6 annos q. são os

q. se entende não poderão ainda os curraes ter rendimto pª acu-

dir ao seu alimto; advertindovos q. ainda q. falte o Bispo com o

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qual hajais de conferir e arbitrar o q. for necessio pª o gasto da mesma missão, como vos tenho ordenado, não deixeis de man-

dar dar tudo o q. lhe necessitar e porq. o dº Pe Açenço Gago aviza convem situarençe estes Indios junto a costa q. dista do Ceará ao Maranhão duzentas légoas e q. se lhe dem de sesmarias as terras que ficão desde a Barra do Rio Aracatymirim até a Bar-

ra do Rio Themona, cortando desde as barras dos dos rios arumo direito pº a Serra de Ybiapaba entrando na sesmaria tudo o q. os rumos apanharem da Serra athe entestar com os campos geraes, q. lhe ficão da outra parte.

Hey por bem se continue nesta mesma diligª e vos ordeno concorraes com todo o favor e ajuda pª que senão inquiete esse gentio, numa parte daquelles sitios de q. se fizer escolha pª a sua habitação e lhe mandeis dar sesmaria todas as terras que lhe fo-rem necessarias no districto q. tocar a vossa jurisdição a datta dellas, na parte q. o dto Religioso representa fazendo q. de ne-nhua maneira se altere a sua posse, nem lhas tirem os brancos de q. elles se reçeão, mandando proceder com aquellas pennas comdignas ao delicto dos q. obrarem o contrario, para q. expe-rimente este gentio a fé q. se lhes guarda; e como a minha gran-deza, e piedade os ampara pª lograrem o q. he seu, e seja este exemplo q. mova aos mais a abraçarem a nossa amizade, e o

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mesmo se ordena nesta parte ao Gov. do Maranhão pella q. lhe pode tocar da datta de sesmarias das terras de jurisdição daquel-

le governo. escrita em Lxª a 8 de Janro de 1697. Rey.

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DOCUMENTO 6

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 256, fl.261/261v., 10/01/1698 - Carta Régia ao Gover-nador de Pernambuco Caetano Mello de Castro. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

S. vários pontos que o Bo apontou acerca dos soldados do Prezidio da capitania do Ceará se querem servir dos Indios e

Indias. Expdo. (à margem) Mandando ver o que escreveu o Bispo dessa Capitania

Dom Frey Francisco de Lima pella Junta das Missões sobre va-rios pontos pertencentes ao seu Bispado, sendo hum delles do que terem os soldados do Prezídio da Capitania do Ceará e seus moradores, servirem se dos Indios e Indias cituadas tirando as das Aldeas, sem amis ordens, nem authoridade que a de seu ar-bitrio. Me pareçeo ordenar que enm Indios nem Indias possão tirar de quaiquer Aldeas sem ordem do Capitão-mor, e consen-

timto expreço dos missionários q. assitem nellas, e q. os Indios se dêm para o serviço ficando sempre húa parte delles na Aldea

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não contando nella os doentes velhos menores de quatorze a menos, e mulheres de qualquer idade, e que thais Indios que podem servir seia por estidendio comum que se opor e por tem-po cert, para que acabado elle possão tornar para as aldeas de-

treminando se a forma de pagamto pello Capitão-mor, e missio-narios de maneira q. nunca os Indios possão deixar de ser satis-feitos do seu trabalho, que das Indias não possão servir mais que de mulheres de leite pello estipendio tambem comum, e tempo

certo, e com a mesma segurança do pagamto, salvo no caso que as pessão para servir alguns moradores q. sejão casados, e de

bom procedimto parecendo ao missionario que seia conveniente para as mesmas Indias pello q. ouverem de adquirir do seu tra-balho e pella doutrina que ouverem de receber dos dittos mora-dores; E porque algumas Indias como são as fiadeiras costumão

servir por estipendio, e são necessarias para este uso do serçp. Acy por bem fique semilhantemente no arbitrio doi missionario com parecer do Capitão mor o tempo e modo de sallario com q. se devem occupar neste Seara; e que havendo alguma duvida

entre o ditto Capan mor e os missionarios dêm conta na Junta das Missões do Governo para se detreminar o que devem seguir e na mesma Junta se detreminem as penas em que devem incor-

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rer os que faltarem, e contravierem a esta disposição, a qual hey outrosy, por bem se obcerve não só nas Aldeas do Ceará, mas em todas as mais da jurisdição dessa governo, por maneira em que cada hua dellas possa ter melhor lugar; De que vos avizo, para que tenhais entendido a rezolução que sobre este particular tomei; e a façais executar com pontualidade e zello que de vos

se espera. Escrita em Lixa a 10 de janeyro de 1698. Rey.

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DOCUMENTO 7

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 256, fl.263v., 17/01/1698 - Carta ao Governador de Per-nambuco Caetano Mello de Castro. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Havendo visto o que escrevestes pella Junta das Missões,

sobre a rezolução que se tomou na dessa Capitania para se pro-curar que os Indios recebão a Doutrina em Lingoa Portuguesa. Me pareceo dizervos que a doutrina dos Indios na Lingoa Portu-guesa se entende para que doutrinados pella sua hajão de apren-der a Portuguesa, e continuar nella, fazendose por este modo mais certos na mesma doutrina, mais esquecidos da natural, e

mais uteis para o meu Servço; ficando no arbitrio dos missiona-rios o tempo e o modo de os doutrinarem em hua e outra lingoa, e o cuidado de q. a doutrina que lhes derem se estabeleça, e se lhes confirme na Lingoa Portuguesa. escrito em Lixª a 17 de

Janro de 1698. Rey.

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DOCUMENTO 8

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Caixa RN-1, 20/05/1699 - Consulta do Conselho Ultramarino. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Consulta de Bernardo Vieira de Melo, da Capitania do Rio

Grande. 20 de maio de 1699, em que dá conta de se haver ausen-tado o gentio Cainindé do citio em que estava, e de lhe haver morrido o seu principal, e sette creançaz sem as baptizar o cléri-go q. lhes assitia.

Senhor. Depois que dei conta o ano paçado de estar asitu-

ado o gentio Canindé suçedeu que ou pello sitio ser menos con-veniente ou pella sua natureza se não acomodar a viver fora do clima do sertão que he adeverço deste, lhe deu achaques de ma-leitas, do qual morrerão sete ou oito crianças e juntamente o seu principal chamado Canindé, e o que mais ma deu que sentir foi

que húm clerigo Manoel Serrão de Olivra que o Bispo de Per-

nambuco remeteu pa assistir com elles o fez tão mal que ne-

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nhum baptizou podendo irem todas estas almas para o ceo, de que dei parte ao mesmo Bispo, que o reprehendeu, sendo que pello seu descuido e ignorancia merecia ser castigado; o mais gentio disgostozo tanto do achaque que exprimentarão como da morte do seu principal, vendo a pouca assistencia que o Padre lhes fazia, se foi buscando o seo sentro, que he o certão, do que

sendo eu avisado montei pessoalmte air ter com elles, e os achei já distanciados perto de tres legoas, e extranhando lhe com a moderação necessaria a mudança que fazião me derão a enten-der ser a sua mayor pena o morrer o seu principal, e o mais sem o Padre os baptizar pedindo elles varias vezes, e o tornando a capacitar para que se aldeassem em hum lugar que ficava mais ao certão, tanto por ser o clima semelhante ao em que elles vivi-ão, como por ficar perto das suas comedias, e com effeito fize-rão e estiverão até o presente e depois do primeiro alvoroço que tiverão com a chegada dos Paulistas, socegados que forão se offerecerão a hirem alguns com elles aos quaez mandou assentar praça, e o aompanharão na marcha que fez para o Assu; e que

agora proximamte, me aviza o dito Padre, se forão todos embo-ra; Com esta ultima resolução do gentio, como em outra dei con-

ta a V. Magde e fico por mando de novo a fazer lhe as dilligen-cias necessarias a ver se os possa capacitar do receyo em que

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estavão dos Paulistas; a catholica, e Rl pessoa de VMagde Gde

Deos como este humilde e leal vaçallo diz. Rio Grde 20 de mayo de 699.

Bernardo Vieyra de Mello

Ao Concelho paresse fazer presente a V. Magde o que es-creveu o Capitão-mor do Rio Grande e que se lhe deve escrever faça toda a dilligencia por conservar estes indios pois são as defensas que pode ter aquella Capitania; seguindosse tão bem da sua assitencia aquellas conveniencias que ordinariamente se experimenta de seu serviço, e que o seu cuidado ha de ser em os unir com os mesmos Paulistas para que se ajudem huns aos ou-tros na guerra que se houver de fazer aos inimigos, pois he certo que estes mesmos Paulistas forão pedidos por aquelles morado-res para cuidar co, a sua disposição e valor aquellas tão sensiveis hostilidades que haviam sentido nos repetidos assaltos dos indi-os que se rebelarão; e no que respeita ao que obrou o Padre Ma-noel Serrão de Oliveira que se deve mandar ver esta materia na Junta das Missões, avisandosse ao Bispo lhe estranhe a desaten-ção com que se houve neste particular, sendo em materia tão grave como era perderem por seu descuido estas almas a sua

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salvação, ação a mais lastimoza que se podia dar entre as criatu-

ras, e que o devião obrigar a ter mayor vigilancia. Lxa 29 de agosto de 1699.

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DOCUMENTO 9

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Caixa RN-1, 07/04/1700 - Certidão do Padre Jesuíta Philippe Bourel. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Certifico eu o Pe Philippe Bourel , da Compa de Jesus q vindo eu no mes de dezembro dos annos de 1699 do Assu para esta Missão do Podi da nação Payaku pello grandissimo risco que avia, por ser necessario passar pella terra dos Maroduzes,

por outro nome Jandoims nação fera e barbara que não somte se tinhão gabado de me aver de matar a mim, mas em effeito de-pois me acometerão na minha Missão atirando me com muitas

espingardas, matando e cativando mta gte desta ma Missão. Fuy acompanhado pello Capitão Joseph de Moraes, o qual vindo por

cabo da mais tropa não faltou ca algua de sua obrigação provin-

do os postos, e ordenando sentinellas com mto cuidado: além de que por espaço de mes e meio não avendo nestes desertos nem

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moradores nem sustento me acodio com todo o necessario bus-

cando o com gde enfado e trabalho pellos matos: não menos acodindo assim por suas proprias mãos, como por hum escravo

que vinha a sua conta a levantar logo casa de sobrado pa ma morada. e por ser isto assim lhe passei esta por mim assinada neste Podi nos anos de 1700 aos 7 do mes do abril.

Philippe Bourel da Compa

de Jesus missionario da

Igreja de Sa João Bauta na Aldea do Podi.

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DOCUMENTO 10

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl. 127v./128 - 22/05/1703 - Carta ao Ouvidor Geral da Paraíba Desembargador Christóvão Soares Reymão. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Sre a inteligencia da ley pª a forma q. deve uzar na reparti-ção da legoa de terra q. se ha de dar a cada aldeia dos indios.[à margem]

Para o Desor Christóvão Soares Reymão Desembargador Christóvão Soares Reymão. V.Sa. viosse

a vossa carta de 21 de setembro do anno passado e duvidas que nella referes sobre a inteligencia da ley que se vos mandou pª a forma que deveis uzar na repartição da lágoa de terra que se ha de dar a cada aldeia dos indios da vossa jurisdição e principalm-te os que se achão aldeados no districto do Rio Grande que todas se encaminhão ao melhor aserto desta diligencia e como reparais se deve entender que as Aldeas declaradas na ordem hão de ser assim as dos índios Tapuyas como os que se chamão cabouclos,

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se nas tais diligencias haveis de uzar vara e que officiais haveis de ter pª ellas e de que effeitos hão de ser pagos, como também as ferramentas que sevos mandou repartir pellos mesmos Indios pª suas lavouras, e se aquelles que por bem senão quizerem al-dear se se han de aldear com o poder das armas e sendo nellas rendidos quando resistão se se han de captivar e ultimamente de quem vos haveis de valler pª os avisos que vos for necessario fazer a Pernambuco. Me pareceo mandarvos declarar por esta que a ley de 23 de novembro de 1700 se deve dar execução dan-dose aos indios a terra que nella ordena pª sua vivenda com de-

claração que a dita ley comprehende somte aos Tapuyas que vivem no certão e não aos cabouclos que vivem na Marinha, que haveis de uzar da vara alçada nesta diligencia e levar pª ella hum

escrivão Meirinho e medidor que juntamte seja piloto que asente a agulha e que com o Meirinho messa por honde ella demora. E dandose aos Indios terras em q. vivão como homen sociaveis e meos vassalos se fugirem a minha obediencoa e se forem para o matto paresse se fazem transfugos, pois em lhes faltando comer no sertão vem roubar os portugueses no povoado em assaltos e passão a traidores e ladroes ficão dignos de morte e de se lhes fazer guerra e assim os que resistirem morrão e os que se rende-rem a força das armas fiquem captivos, e que as ferramentas se

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dem de minha Real fazenda de Pernambuco e o soldado para hir

buscar o pedireis ao Capitão mor do Rio Grde ou a qm governar o 3º do Assú ou a qualquer outro Cabo e se lhe pagará da Fazen-da Real em Pernambuco. E da mesma maneira avisarei ao Go-

vernador de Pernco que vos mande pagar os vossos officiais que acima se declara pela mesma consignação de que vos mandão dar as ferramentas e em falta da mais prompta de que vos aviso pª q. nesta forma e com estas declarações executeis o q. pella dita Ley e ordem que se tem passado se ordena sobre este mes-

moo par. escrita em Lxª a 22 de Mayo de 1703. Rey.

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DOCUMENTO 11

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl. 129v., 04/06/1703 - Carta ao Ouvidor Geral da Paraíba Desembargador Christóvão Soares Reymão Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Sobre as medições que se mandão requerer aos Indios que

se aldeiam se lhe de uma legoa de terra em quadra para sua habi-

tação e sustento. Expte. Para Christóvão Soares Reymão.

C.S. Rey V. Sª. Viosse a sua carta de 19 de 7bro do anno passado e duvidas que se vosoferecem a execução da ordem que vos passou sobre as diligencias que se vos havião encarregado no Assu e Jaguaribe por avizar hua ley que não tinheis noticia nem se lho havia entregue. E pareceme mandarvos remeter com esta a copia da dª Ley e dizervos que a fim de dar medições que se vos encomendão de querer que os aos indios que se aldeão se lhes dê hua legoa de terra em quadra pª sua Habitação e sustento

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e de seus missionarios e não sejão todas ocupadas pellos Portu-gueses sem lhes deixaram parte em q. os indios vivião e por esta falta necessitem se recolherem aos mattos ao que os inclina sua

fereza natural e q. as Igras e Parrochiaes que se hão de criar de novo se lhes de area pª o edificio, adro, casa do vigario e pos-sões que possa ter a criação domestica que na Ley se declara com que a sua duvida 3ª q. lestes mal ou se vos escreveo com menor clareza, e quaes sejão estas Igrejas deve ir saber do reve-

rendo Bispo de Pernco antes que partais e as congruas lhes hão de ser pagas pella Fazenda Real e ordinarias e ao mais ajudarão os freguezes como fazem em todas e não he muito que comes-

sem em pobres cabanas como comessão mtas q. hoje estão tem-plos suficientes e esta diligencia fareis com os mesmos homens que se vos detriminaram já pª outras e seram pagos pella Fazen-

da Real por ser serviço meu e ao Governador de Pernco se orde-na vos faça dar toda a sjuda e favor e os soldados que lhes pedi-res para esta e mais diligencias de que vos tenho encarregado e ao Cappitam mor do Rio Grande os soldados e Indios que lhe pedires e se lhes declara q. da Fazenda Real se ha de pagar toda esta despesa. Escrita em Lxª a 4 de junho de 1703. Rey

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DOCUMENTO 12

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl. 167, 18/11/1704 - Carta ao Desembargador C-hristóvão Soares Reymão Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Se a conta que deu das demarcações que havia feito nas

duas Aldeas de Mopebu, e Gorahiras. [à margem] Pª o Desembargador Christóvão Soares Reymão.

Desor Christóvão Soares Reymão. V. Sª. Viosse a vossa carta de 8 de Abril deste anno em q. representaes haverdes me-dido e damarcado as terras das duas Aldeas de Mopebu, e Gora-

hiras a requerimto dos cabouclos dellas antes de vos chegar a ordem porque sevos declarou que não se entendia com os ca-bouclos mas so com os Tapuyas a que se vos havia passado pª lhes repartirtes a legoa de terra a cada Aldea pª o seu sustento, porém que quando se entendesse ser conveniente o demarcasse as ditas datas lhes mandareis logo tirar os marcos. E pareceome

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dizervos suspendais, por hora o mandar tirar os marcos destas terras dos cabouclos que se medirão e demarcarão e havendo

algú requerimto de partes soe este par minformeis com vosso pareçer. escrita em Lxª a 18 de Novembro de 1704. Rainha.

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DOCUMENTO 13

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Caixa RN-1, 26/05/1704 - Certidão do Padre Jesuíta Vicente Vieira. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Certifico eu o Pe Vicente Vieyra da Compa de Jesus mis-

sionário na aldea de Na Sra da Incarnação do Rio Subaûma que

Joseph de Moraes Navarro Sargto Mayor do Terço dos Paulistas logo que soube d´última resolução dos missionários do gentio Payacú das Aldeas do Jaguaribe e Podi foi logo do Arraial do Assu com a Infantaria ao dito Podi distante do Assu 40 legoas pouco mais ou menos. e dahi acompanhou assim aos missioná-

rios como ao gentio, sendo esta ida muito necessária, assim pa

obrigar a mudar o gentio, como pa o defender o caminho de ou-

tra nação contraria e atualte inimiga por cujas terras passarão; e

assim do Podi athe perto daqla Aldea nova q. fazem 80 legoas

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pouco mais ou menos, veyo o dito Sargto Mayor acompanhando sempre com grande cuidado tendo acrescentado a infantaria no Assu por ser dali o maior perigo, pois se temia com mais fun-

damto que a nação contraria os esperace (aos missioários e gen-

tio; E porq. daqla Aldea à segunda não havia q. temer inimigo

pedi hum Alferes e hum soldado pa me acompanhar, o que con-

cedeu logo o dito Sargto Mayor, o qual athe aqui aonde della me apartei se ouve com grande cuidado, assim de dia como de noite, não só nas obrigações de seu cargo, mas buscando quando per-mittia o tempo e lugar o comodo dos missionários, e gentio, não consentindo q. soldado algum aggravasse ao gentio, antes casti-gando, e reprehendendo aos q. nisto delinquião, e padeceu o dito

Sargto Mayor o rigor das lidas q. em distancia tam grande, e longo

tempo não faltarão, sendo mtas vezes de noite em partes aonde não

havia abrigo necesio. Outras muitas cousas poderia referir do que eu mesmo vi, e experimentei neste caminho, q. não serião de me-

nor abono pa seus merecimtos e também de sua christandade po-

rém satifaço a petição do dito Sargto mayor q. não quis mais q. a substancia desta jornada pedindome q. não fosse extenso. Porque

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tudo o q. tenho referido he verdade, o juro in verbo sacerdotis. Aldea assima do Rio Subaûma 26 de mayo de 1704.

Vicente Vieira

Concedo ao Pe Vicente Vieira

licença pa esta certidão. Collo de

Olda 2 de Junho de 1704. Luis de Souza

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DOCUMENTO 14

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Caixa RN-1, 26/04/1704 - Certidão do Padre Jesuíta Joan Guin-cel. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Certifico eu o Pe Joan Guincel da Compa de Jesus, Supe-

rior da Aldea de Na Sra da Incarnaçãm, dos Payacús, que assis-

tindo no Arrayal do Assú o Sargto Mór Joseph de Moraes Na-varro, fazendo as vezes do seu Mestre de Campo, por justas cau-zas auzentes, conheci nelle hum grande zelo, e singular cuidado, com que procurava a conservação das Aldeas, que o seu mestre de Campo no principio da sua conquista, com igual zelo, tinha principiado: não querendo so fazer gastos consideraveis tanto com o gentio, como com os missionários, que lhe assistião: e fazendo entradas perigosas e trabalhosas contra o gentio barbaro que com grande empenho intentava a total ruina das ditas Alde-as: nas taes entradas sempre obrou com grande acerto muy vigi-lante e advertido para evitar coalquer perigo, não tendo por alvo

outra cousa que o serviço de Deos, e o de S. Magde, q. Ds gde. E assim mais certifico que sendome preciso o mudar a minha

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aldea para partes mais remotas; e havendo da parte do gentio

notável repugnância para a mudança, me vali do mesmo Sargto

Mór Joseph de Moraes Navarro, o coal pessoalmte foy fallar com o gentio, e com as boas traças de que uzou ajudou muito a que se conseguisse a mudança, que summamente importava ao sossego e bem commum daquelles curraleiros, que oje em gran-de numero povoão as terras do dito gentio: e como era forçoso, que o gentio passasse pellas terras de seus inimigos; o mesmo

Sargto Mór com huma grande frota o acompanhou athe o por em parte segura: e só nesta diligencia andou mais de duzentas lego-as sem outro interesse do que do serviço de Deos, padecendo e sofrendo no caminho muitas molestias e enfados, que lhe dava o gentio; e outras que lhe causava o rigor do tempo, e a agressão dos caminhos. Por essas e outras muitas razões que pudera alle-

gar, o julgo merecedor de toda a mercê, e honra que S. Magde,

que Ds gde, lhe quizer fazer. e por me ser pedida esta, lha passei

por mim assinada e jurada in verbo sacerdotis. Aldea de N. Sa da Incarnação dos Payacús. 26 de Mayo de 1704.

Joan Guincel

Concedo ao Pe João Guincel Supor

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da Aldea de Subauma licença pa

esta certidão. Collo de Olda 2 de Junho de 1704. Luis de Souza.

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DOCUMENTO 15

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Caixa RN-1, 11/07/1704 - Certidão do Padre Jesuíta Manoel Diniz. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Certifico eu o Pe Mel Diniz da Compa de Jesus missioná-

rio de hum rancho da nação Payacú do mayoral chamado Mel de Abreu da Lagoa do Podi, que determinandosse ser necessario e

conveniente ao serviço de Ds e de Sua Magde, que Ds gde, mu-daremsse os ditos Tapuyas do sertão em que estavão aldeados pa hum sitio de Gramacio da Freguesia de Goyaninha, Capitania do

Rio Gde pa que entre os moradores della podessem viver com abundancia de plantas modo christão e humano, e assentandose

com effeito a dita mudança sendo em 10 de Fevro desse prezte anno 1704, chegou ao dito sertão do Podi em que eu estava assi-

tuado com os ditos Tapuyas o Sargto Mayor José de Moraes

Navarro com cincoenta soldados do seu terço assistente na Ribra

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do Assu conduzidos por elle ao dito lugar pa segurança assi dos Tapuyas e suas familias como dos missionarios que lhe assisti-amos por ser forçozo marcharmos pelos sertões desertos em q. habitão os Tapuyas da nação Janduim nossos capitaes inimigos e barbaros tão esforçados que sem a dita escolta nos ficava totalm-te impossivel a retirada de hum pa outro sitio, a qual sendo com

effeito disposta pelo dito Sargto Mayor com toda disposição e ordem necessaria nos pusemos em marcha a vinte e três de Fe-

vro com setecentos e mais Tapuyas entre grandes e pequenos: e

tendo caminhado pelo deserto treze dias chegando junto a Ribra do Assu a hum sitio chamado Piató tivemos hum encontro com

os ditos barbaros Janduims, em o qual se matarão de pte a pte

alguns Tapuyas e se não fora o gde valor e prudente disposição

do Sargto Mayor sem duvida matarião os ditos Janduims a todos os Payakuses pelo embaraço em que se achavão com molheres e

fos e cas do seu uso que todos carregavão, e igualmte corriamos

risco os missionários pelo gde odio que nos tem essa nação de

Janduims, o que tudo evitou o Sargto Mayor pela gde ligereza e boa ordem com q. acodio com os seus soldados a cobrir toda a

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bagagem e gte e continuada a marcha por sertões intrataveis,

caminhos asperos e desabridos com mtos rios caudalosos passa-

dos a nado com gde risco e outros ennumerados trabalhos pade-cidos no discurso de mais de sessenta dias chegamos com effeito

a esse sitio do Gramació ao 1 de abril, em o qual temos de prezte

aldeado os ditos Tapuyas e principiada a Aldea do glorioso So

João Bauta ate o qual sitio nos acompanhou o dito Sargto Mayor

com a tropa referida gastando o referido tempo em nossa compa

fora o necessario pa se recolher outra vez pa o seu Arrayal de que se acha distante mais de oitenta legoas, e o que gastou em chegar delle a dita lagoa do Podi gastando em todas essas via-

gens mto de sua Fazda com combois os necesios de cavallos e

escravos pa sua pessoa e sustentos pa nós os missionários e pa alguns Tapuyas doentes e cançados de tão larga viagem que a todos nos assistia com igual grandeza. devendose por todas as

rezões a seu unico singular zelo as gdes utilidades que se espe-

rão da mudança desses Tapuyas assim pa o serviço de Ds como

de Sua Magde, q. Ds gde. Pelo que o julgo por digno e merece-

dor de toda a honra e favor q. S. Magde for servido fazerlhe.

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Fasso o referido na real verdade e assim o juro in verbo sacerdo-

tis: e por me ser pedida a preste a passei por mim assinada neste Gramació no anno de 1704, aos 11 de Julho.

Mel Diniz

Concedo ao Pe Mel

Diniz licença pa a certidão presente. Luis de Souza

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DOCUMENTO 16

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl.151v., 09/08/1704 - Carta Régia ao Ouvidor Ge-ral da Paraíba Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

S. lhe empedir q. os Indios não pescarem na alagoa. Exp-

do. (à margem)

Pa o Ouvor gl da Parahiba.

Ouvor Geral da Capitaniada Parahiba. S. M. Raynha da

GrãBretanha e Infanta de Portugal. SV. o Dezor Christóvão Soa-res Reymão me deu conta em carta de 8 de Abril deste anno, em que entrando na medição da legoa de terra que deu aos Indios da Aldea de Nossa Senhora do Amparo de Cunhahú do tapuyo Ca-nindé húa lagoa, impedia aos taes Indios Afonço de Albuquer-que o pescarem nella, não obstante o mandallo noticiar o ditto

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Desembargador exihibisse a ordem que tinha pa o fazer e que indo o missionario com os Indios pescar com hua rede que pedi-

ra emprestada, mandara o do Afonço Albuquerque seu filho com huns negros a descompollo e lhe levarão a rede. Ordenovos vos informeis deste cazo e achando ser verdade façaes pagar a A-fonço de Albuqueruqe esta rede mandando o notificar que deixe

pescar a estes indios livrete na dta alagoa, e que tendo que re-querer o faça pellos meyos ordinarios, sem uzar dos violentos.

Escrita em Lixa a 9 de Agosto de 1704. Raynha.

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DOCUMENTO 17

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl.151v., 09/08/1704 - Carta Régia ao Desembarga-dor Christóvão Soares Reymão Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

S. uniremsse os caboucolos com os Indios de Canindé.

Expdo. [à margem]

Pa o Dez. Christóvão Soares Reymão. Dez. Christóvão Soares Reymão. S. M. Raynha da Grã

Bretanha e Infanta de Portugal Viusse a vossa carta de 09 de abril deste anno em que daes conta de achardes junto a Aldea do Canindé dezasseis casaes de caboucollos que vos parecia conve-niente unillos a dita Aldea, assim pera assistirem nellas poucos indios, e com elles estarem já unidos na aldea dos Gauraíras, como o por terem na de Canindé missionario que lhes adminis-

tre os sacramentos, e ultimamte ser impossivel o dar lhe a legoa de terra no citio em que os taes caboucollos se achão a respeito

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do Engenho Cunhahú que se acha mui perto da da aldea e do citio em que estão os caboucollos e estes vos pedirem terra dali

a quatro legoas pa o mar onde já houve aldea e pareceu me or-

denar vos ouçais sobre este par ao senhor do Engenho Afonço de Albuquerque e a estes caboucollos, e vejaes se voluntaria-

mente se querem mudar pa a aldea de Canindé e acomodando se

a isso façais a dta mudança e quando se não queirão reduzir a

viver na ditta aldea os deixeis ir pa a parte do mar no citio que elegerão não prejudicando a treceiro e lhe medireis e demarca-

reis a legoa de terra na forma de minhas ordens. Escrita em Lixa a 9 de Agosto de 1704. Raynha.

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DOCUMENTO 18

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl. 186, 04/09/1706 - Carta ao Governador de Per-nambuco Francisco de Castro Moraes. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

S. fazer com que o Me de Campo Mel Alvares de Moraes Navarro preencha o seu Terço dos índios q. puder conquistar.

Expde. [à margem].

Govor da Capitania de Pernco. V. Sª. Por ser informado q. dos Indios do Terço que assiste no

Assú se isentão do serviço dos moradores da capitania com a capa de soldados sendoo só pª a cobrança dos soldos e não pª

assistirem no 3º em que hoie se achão mto poucos, podendo re-mediarse este dano com estarem nas suas aldeas sem vencerem soldo e se puxar por elles nas ocaziõens q. forem nesessarios

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sem mais interesse que o sustento preciso pª o tempo em que andarem ocupados em o meu serviço que hé o que sempre se uzara com esta casta de gente naquella Capitania. Me pareçeo ordenarvos por esta façais com q. o Mestre de Campo Manuel Alvares de Moraes Navarro reencha ao seu Terço dos Indios que puder conquistar e grangiar pella sua industria dos q. estiverem embrenhados nos certoens mas não dos que estão aldeados pello grande prejuizo que disto se segue ao meu serviço, e aos mais vassallos. Escrita em Lxª a 4 de Settrº de 1706. Rey.

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DOCUMENTO 19

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl. 199, 15/09/1706 - Carta ao Desembargador Ma-noel Velho de Miranda. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Manuel Velho de Miranda. V. S. O Govor da Capnia de

Pernco me deu conta em carta de 20 de Fevrº deste anno, de que

fazendo-lhe queixa o Pe. Phillipe Bourel da Companhia de Jesus

de q. os mores de Cunhaú e Goyaninha q. são do Rio Grande e Correição da Parahiba, compravão Tapuyas (a troco de espin-gardas) a outros q. os havião captivado na guerra, vos escrevera tirasseis devassa deste cazo pª se castigarem os culpados, e não sabia se a tirastes por lhe não haveres dado conta disso. E pare-çeume dizervos me informeis se tirastes devassa deste cazo de

que dá conta Franco de Castro Moraes e quando a não tenhaes tirado vos ordeno a tireis com effeito, procedendo contra os cul-pados como for justiça. Escrita em Lxª a 15 de outtubro de 1706. Rey.

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DOCUMENTO 20

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 257, fl. 198v./199, 15/10/1706 - Carta ao Governador de Pernambuco Francisco de Castro Moraes. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Sobre se castigarem as pessoas que vendem armas, polvo-

ra e bala aos Tapuyas nossos inimigos.

Pª o Govor da Capnia de Pernco.

Franco de Castro Moraes. V. Sª. Havendo mandado ver o que me escrevestes em carta de 20 de Fevrº deste anno, aserca

do Requerimeto q. vos fez Antonio da Rocha pª mandares de-vassar de alguas pessoas q. morão no certão, q. vendem armas, polvoras e balla aos Tapuyas nossos inimigos e que encarregan-

do desta delligencia o Dezor Christóvão Soares Reymão não sabieis se tinha tirado esta devassa; Como também fazendovos

queixa o Pe Phellipe Bourel da Companhia de Jesus, de que os

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moradores de Cunhaú e Goyaninha compravão Tapuyas ½a tro-co de espingardas½ a outros que os havião captivado na guerra;

avizastes ao Dezor Mel Velho de Miranda, para devassar deste cazo e se castigarem os culpados e vos não tinha dado conta de

haver feito. E pareceume dizervos q. ao Dezor Christóvão Soa-

res Reymão e ao Dezor Manoel Velho de Miranda mando avizar me informem se tirarão devassas nestes cazos e quando as não tenhão tirado, lhes ordeno a tirem com effeito procedendo contra os culpados como for justiça, e aos Ouvidores Gerais dessa Ca-pitania e da Parahiba encarrego q. nas devassas da Correição

perguntem por este crime especialmte, e aos que se acharem culpados se sentençiem com as penas assim postas na ordenação do L: 5º # 109. De q. vos avizo para que saibais a resolução que fui servido tomar nesta matéria. Escrita em Lxª. a 15 de outrº de 1706. Rey.

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DOCUMENTO 21 Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Caixa RN 1, 29/07/1713 - Carta dos Oficiais da Câmara de

Natal ao Rei. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE Pareçe que esta Capitania do Rio Grande por mais remota

se opoem a ella todas as presegções e a em que os Governadores de Pernambuco poem mais depreça os olhos pera dagno dos moradores, que com tãto trabalho e inquietaçõis a estão povoan-do e o perecedor a tantas desgraças quantas tem explementado

cauzadas do gentio Barbaro, que atendendo VMage aos latrossi-nios deste, foi servido mandar hua ordem que todos foçem cati-vos. atinava que lhes apanhassem em guerra viva como os que se sugeitavão com o temor das armas, e nesta conssideração foram avendo assy os pobres moradores algúns cativos pera mais comodamente puderem passar com o seu trabalho, hús

adquiridos por venda que em nome de VMage se lhe fes remata-dos em praça pello Provedor da Fazenda real outros apanhados por elles mesmo nas Bandeiras , e guerras que se lhe fes, e pare-

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cendo lhe que daqui em diante viverião com mais suçego, man-

dou o Gor Fellix Joseph Machado lançar hum Bando pera que todos os cativos de sete anos pera sima se lhe remetesse pera se hirem vender ao Rio de Janeiro querendo por alguas comvinien-cias deichar esta Capitania de toda acabada, pois estão rezulutos os moradores aos não entregarem dizendo que hús comprarão a

VMage dos quintos e outros que lhe tentarão apanhar em guerra padessendo emssuportaves nesseçidades, e por remediarem al-gua alteração no povo excrevemos ao dito Governador a carta

cuja copia remetemos a VMage rexistindo na execução do dito Bando não servindo estes cativos do menimo prejuizo pera esta capitania pois estão já com a doutrina de seus senhores, e os mais deles se apanharão pequenos e coazi todos sam femias, e se

VMage não poem os olhos nesta pobre Capnia livrando a de algúns flagellos semelhantes, sem duvida exasperados os mora-

dores, a despirão: e assim prostados aos pes de VMage pedimos

provea VMage de remedio pera que logrem estes moradores

algú sucego, a pessoa de VMage gde Deos mtos annos. Escripta em Camara pelo escrivão della Domingos Dias de Barros aos 29 de julho de 1713.

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Alberto Pimentel Manuel Mello D’Albuquerque

Joseph Cordeiro Lxa João Carvalho Lima Cosme da Silveira

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DOCUMENTO 22

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 259, fl. 44v., 10/01/1726 - Carta Régia ao Governador de Pernambuco Manoel Rollim de Moura.. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

S. informa no Requerimento do Pe Jeronimo de Souza da

Coma de Jesus.

Exp.a. [à margem]

Pa o mesmo

Dom João SM. Faço saber a vos D. Mel Rollim de Moura

Govor e Cappam Gral da Cappnia de Pernco q. o Pe Jeronimo

de Souza da Compa de Jesus, Superior da Aldeya de Guajurû no

Rio Grde me reprezentou que os seus Indios estão ordinaria muy faltos de mantimentos, por não terem terras em q. plantar, porq.

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as poucas he tomadas de matos q. ha nos tabolleyros, a terra da área em que está situado a sua Aldea estão já cansadas e tão

cheias de formigueiros que perdem todo o trabo que tomam em plantar nellas, e porq. em distansia de duas legoas de sua Aldea ha terras despovoadas que se chamão cidade dos veados e os Indios são merecedores de que eu use com elles da minha Real

Grandeza e piede porq. a elles se deve estar hoje a Cappnia do

Rio Grde desinfestada do gentio Barbaro q. tantos annos a pre-

segio, me pedia q. compadecido da necesside do dos pobres In-dios lhes mande demarcar uma legoa de terra no lugar chamado Cidade dos Veados visto ser terra despovoada. Me pareçeo or-denar vos informeis com vosso parcer e em cujo districto se a-cha esta Aldea. El Rey Nosso Senhor a manda por Antônio Roiz

da Costa e o Dr, Joseph Gomes de Amado Conselhos do seu

Conso Ult. Sepassou por dua vias. Lixa , 10 de Jano de 1726.

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DOCUMENTO 23

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 259, fl. 152/152v., 03/06/1728 - Carta ao Governador de Pernambuco Caetano Mello de Castro. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

S. se mandar pagar pella Fazenda real a despeza da de-

marcação da legoa de terras dos Indios do Guajarû no districto

do Rio Grde. Expe.. [à margem]

Pa o mesmo

Dom João SM. Faço saber a vos Duarte Sodré Pra Govor

Gal da Cappnia de Pernco , que se viu a conta q. me destes na carta de 24 de março deste prezente anno em como por ordem

minha fizera demarcar hua legoa de terra pa se mudarem pa elle os Indios do Guajiru no districto do Rio Grande aonde chamão a

paragem dos Veados por me haver representado o Pe Jeronimo de Souza seu missionário que a Aldea em que assistião era infru-

tifera, cheia de frumigueiros e incapaz de plantas pa os Indios se

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sustentarem e passando a ordem para se fazer a da demarcação

vos escrevera o missionario da mesma Aldea, q. he Pe da Com-

pia , q. os Indios pella sua pobreza não podiam pagar as despe-

zas da da demarcação e que só ficaria bem feita pello Ouvor do mesmo districto quando fosse em correição levando Piloto como

se praticava, e procurando saber a importancia das das despezas acharies que importavão sincoenta ou sessenta mil réis pellos preços que ali pagão os particulares e q. assim atendendo eu a

pobreza dos dos Indios e querendo lhes fazer me da importancia

da da despeza lhe devia mandar passar ordem pa que se pagasse pelo acréscimo dos dizimos e em falta pela dizima da Alfande-

ga, e q. também pertendia o do Pe lhe acrescente a data da terra

dos dos Indios com a outra legoa porq. he costume dar se a cem cazaes huma a q. aquella se compunha de cento e noventa e dois cazaes. S.M. pareçeo dizer vos q. suposta a pobreza destes Indi-

os como reprezentou o Pe missionario desta Aldea q. fui servido ordenar q. ou pellos acréscimos dos dizimos, como apontais, e em falta pellos rendimentos da dizima da Alfandega se lhe man-de pagar a esta despeza de se demarcar esta legoa de terra visto ser esta de tão pouca importancia como me informais. Reco-

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mendando esta delligencia ao Ouvor Gral daquelle districto e também dandose a outra légoa da terra aos mesmos Indios como

requer o Pe missionario, pa sua melhor comodidade na conside-ração de se reconhecer q. forão elles os primeiros senhores des-

tas terras. El Rey, Nosso Sr o mandou por Antõnio Roiz da Cos-

ta do seu Conso e o Dr. João de Carvalho e Abreu Conselheiro

do Conso Ult. de S.M.. E se passou em duas vias. Escrita em

Lixa , 3 de junho de 1728.

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DOCUMENTO 24

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 259, fl. 163v., 22/06/1728 - Carta Régia ao Ouvidor Ge-ral da Capitania da Paraíba. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

S. a demarcação da terra dos relligiosos da Reforma do

Carmo daquella cidade. Expo . [à margem]

Pa o Ouvor Gral da Cappnia da Para . Dom João.SM. Faço saber a vos João Nunes Souto Ouvi-

dor Gl da Cappitania da Parahiba, q. se viu o q. respondestes em

carta de 25 de Fevro deste prezte anno a ordem q. vos foi pa q.

indo em correyção a cappitania do Rio Grde fizesse concluir por vos ou pello Juiz ordinario daquella Cappitania a demarcação da terra q, pertence aos Relligiosos da reforma de Nossa Senhora do Carmo dessa cidade. Reprezentando me o estado em q. este negocio se achava em cuja consideração me pareçeo ordenar vos

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detremineis este litigio com vosso parecer e justiça dando appe-

lação e aggarvo as Ptes. Lxa a 22 de junho de 1728. Rey..

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DOCUMENTO 25

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 259, fl. 302/302V., 12/05/1730 - Carta Régia ao Ouvidor Geral da Paraíba. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Do Prior e mais Relligiosos do Convto de N. Sra do Car-

mo da reforma daquella Cappnia . Expa [à margem]

Pa o Ouvor Geal da Parahiba Dom João. SM. Faço saber a vos Heronimo Correa do a-

maral Ouvor Geal q. foi da Capitania da Parahiba q. por pe dp

Prior, e mais Relligiosos do Convto de Nossa Sra do carmo da

Reforma da mesma Cappnia Se me reprezentou q. entre os bens

pertencentes ao do Convto são huas sortes de terras, citas na

Cappnia do Rio Grde q. lhas deixou Gregório Pinh. no testamen-to com q. faleceo com a obrigação de duas missas cantadas cada

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uma semana , as quais terras estão em pte na Ribeira de Goyani-nha, e que sucedendo entrar naquelle districto os holandezes no

tempo da guerra a mayor pte dos moradores desampararão as

suas propriedades, e retirado o dto inimigo o tronarão os poucos a rempovarem as terras, fazendo cituação nas q. melhor lhes parecião com uma notável confusão e desordem do que resulta-vão entre eles dicençoens e discordias o que fora cauza de eu

ordenar ao Desor Christóvão Soares Reymão fosse repartir com

o Juiz sesmeiro as terras da dtaCapitania dando a cada hum dos moradores o que lhes pertencesse conforme a demarcação que

lhe fizesse; e com efeito entrando o dto Christóvão Soares rey-mão no conhecimento e averiguação desta materia determinara

por sua sentença definitiva o que pertencia a cada hum dos dos

moradores e ereos chegando a demarcar pte das propriedades e só a respeito das que ficaram por medir e demarcar se ficou con-servando entre alguns a desunião querendo huns q. se observe o

determinado na da sentença e outros impugnando a execução e

cumprimento della, sucedendo ficarem mtos em lugares inferio-res e outros sem nada e q. os q. experimentão mayor prejuizo

são os suppes porq. competindo lhes pella da sentença várias

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terras na da Ribeira de Goianinha nenhumas possuem ao presen-

te por causa das discórdias e repugnancia dos ereos e mes pe-

dindo me nomeasse Ministro que dê a execução da da sentença na parte que falta por cumprir demarcando as terras q. pertence-

rem ao do Convento. Me pareceo ordenarvos deis a execução a referida sentença continueis no mais que os ditos Padres reque-rem medindo, e demarcando as terras que ficarão por medir per-tencentes a dita Capella. El Rey Nosso Sr. o mandou pello Dr.

Mel Frias Varges. Conseleheiro do seu Conso Ult. Lixa a 12 de Mayo de 1730.

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DOCUMENTO 26 Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 259, fl. 310v., 01/07/1730 - Carta Régia ao Ouvidor Ge-ral da Capitania da Paraíba. Cópia de manuscrito da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Do Prior e Relligiosos do Convto de N.

Sra do Carmo da Reforma. Expa [à mar-gem]

Pa o Ouvor da Cappnia da Parahiba

Dom João. SM. Faço saber a vos Ouvor Gal da Cappnia

da Parahiba q. por pte do Prior e mais Relligiosos do Convto de

N. Sra do Carmo da reforma dessa cidade se me fez a petição

cuja copia com esta se vos envia asignada pellos Consos do meu

Conso Ult. em que me pedem lhe faça me da Alagoa chamada Parim com as suas pescarias e todos os mais rios e pescarias que

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houver nas terras dos supptes em compensação do grande danno que receberão nellas no tempo da invazão do inimigo olandes. Me pareceo ordenar vos informeis com vosso parecer ouvindo

os officiais da Camara. Lixa a primeiro de Julho de 1730.

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DOCUMENTO 27

Arquivo Histórico Ultramarino - Lisboa/Portugal Códice 583, fl. 87/87v./88/88v./89/89v., 05/08/1764 - Ofício do Ministro Francisco Xavier de Mendonça ao Bispo de Pernambu-co. Microfilme da Divisão de Pesquisa Histórica/UFPE

Para o Bispo de Pernambuco. Exmo e Rmo Sor. Fiz pre-

sente a S. Mage a carta de V. Exa de 15 de março do presente anno, respectiva aos estabelecimentos das novas Vigararias das Povoaçõens dos Indios, que s: mage mandou erigir em Villas e Lugares nesse Bispado, e foy o mesmo Senhor servido resolver o que vou participar a V. Exª.

Para o estabelecimento destas Povoaçõens rusticas dos In-dios, q. com escândalo de toda a Christandade se conservaram tantos annos da adeministração dos abominaveis chamados Je-suitas em hua ignorancia total do que era Christianismo, e socie-dade humana; passarem a povoaçõens Christaans Civîs e deco-rozas, foy geral em todos os dominios do mesmo Senhor, ha-vendo o dito estabelecimento principiado no grande estado do

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Grão-Pará e Maranhão no qual na ocasião, em que se publicou, e pôz em praxe a Ley da Abolição do Governo Temporal, que os referidos chamados Jesuitas e outras Religiõens se tinhão arro-gado, se erigiram logo incontinente em toda a extensão do dito Estado mais de cem Paroquias, que hoje vão florecendo com grande adiantamento e aproveitamento daquelles até agora infe-lices homens.

Que logo naquelle principio conferindo Eu, que então era Governador daquelle Estado com o meu exemplaríssimo e vigi-lantíssimo Prelado, que hoje se acha Bispo em Leiria, muy seri-amente nesta matéria,. viemos depois de algumas conferencias a convir, os Parrochos das Povoaçõens, que se erigiram em Villas por serem as mais abundantes de gente vencerem outenta mil réis de côngrua e aos que fossem Parrochos das Povoaçõens menos populozas, que por isso forão erectas em Lugares, ven-cessem a côngua de sessenta mil réis.

Que porquanto era necessário que tivessem quem lhe ma-tasse algúa cassa, e pescassa algum peixe para se sustentarem lhe repartissem os Directores hum cassador e dous pescadores, aos quais o mesmo Parrocho devia pagar pelo preço commum da terra, que lhe não sahem muito caros, não sendo permittido porem aos mesmos Parrochos empregarem estes Indios em ne-

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gocio algum, nem ainda em cultura das terras, de que possam

tirar frutos para commerciarem; porque S. Mage tem determina-do, que todas as especies de commercio indistinctamente perten-ção (por ora) aos Indios, como me parece que V. Exª terá visto no Directorio que se fez para os Indios do Pará e Maranhão, qua

hoje se acha elevado a Ley por hum Alvará de S. Mage. Sendo pois o estabelecimento daquella parte o que acima

digo a V. Exª, isto he, que os Parrochos das Villas venção outen-

ta mil réis e os dos Lugares sessenta. Ordena S. Mage. que nesse Bispado se observe inalteradamente o mesmo; e que quando algúas cirnstancias para se acrescentar a congrua a algum Parro-cho conferindo V. Exª a materia com o Governador e Capitão

General, o faça prezente a S. Mage. para o mesmo Senhor rezol-ver o que entender que he o mais conveniente.

Desta generalidade porém foy S. Mage servido exceptuar os dous Vigarios do Rio de São Francisco Alto, e os dous do mesmo Rio abaixo, aos quais V. Exª arbitrou aos primeiros cen-to e vinte mil réis e aos segundos cem mil réis, na certeza de que aquelle clima não he tão sadio, como todo o outro sertão, por

cujo motivo S. Mage se conformou com o arbítrio de V. Exª, e

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assim manda avizar ao Governador e Capitão General dessa Capitania para passar a esse respeito as ordens necessarias.

Estes Parrochos não devem contemplar só a côngura que

se lhe dá, mas a preferencia que S. Mage fou servido dar a esse respeito, a qual he que vindo elles a este Reyno e concorrendo nelles circunstancias iguais para as Igrejas do Padroado e Bene-fícios das Ordens tenhão preferencia, fazendo certo assim que foram Parrochos dos Indios, como naquelle Santo Ministerio encheram inteiramente a sua obrigação e já aqui tem sido despa-chados algum em attenção a estes serviços.

Não militando isto só nos provimentos da Igrejas do Rei-no, mas ainda nas destas Conquistas em observancia das Reais

Ordens que S. Mage tem mandado expedir a favor destes Parro-chos de Indios; Vindo assim a habilitar-se nessas piquenas Igre-jas para as outras mayores, a que estão a caber a preferencia a todos os outros, que não tiverê esta qualidade.

E se ha, como V. Exª diz na referida carta, algúns clérigos, que esquecidos da caridade e do zello da salvação das almas, e que só as queirão curar carregados de ouro, vendendo lhes assim a educação, que deverão darlhes não só como Ecleziasticos, maz

como proximos, V. Exª dará conta a S. Mage destes eclesiásticos ambiciozos para o mesmo Senhor dar a seu respeito as provi-

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dências que julgar mais convenientes ao serviço de Deos e Se-nhor Nosso, ao seu e ao do bem commum de todo esse largo paiz.

Igualmente informa V. Exª a S. Mage daquelles Parrochos que com a sua vida e costumes derão exemplo e tiverem feito conhecer aos mizeráveis e rústicos Indios o verdadeiro caminho da sua salvação para o mesmo Senhor ter com elles a attenção de que se fizerem dignos pelo seu merecimento.

Os nossos clementíssimos Monarchas e mais Família Real passam com aquella saude que nós todos havemos míster.

Deos gde a V. Exª. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda a 5 de Agosto de 1764.

Francisco Xer de Mça Furtado

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FONTES 1- Fontes Manuscritas: a) Acervo do IHGRN: Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 2, Cai-xa 65. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 3, Cai-xa 65. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 4, Cai-xa 65. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 5, Cai-xa 75. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 6, Cai-xa 99. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 7, Cai-xa 83. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 8, Cai-xa 71. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 9, Cai-xa 67.

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Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 10, Caixa 67. Livro da Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal, n. 13, Caixa 66. Livro de Termos de Vereação, n. 1, Caixa 117. Livro de Termos de Vereação, n. 2, Caixa 117. Livro de Termos de Vereação, n. 3, Caixa 116. Livro de Termos de Vereação, n. 4, Caixa 116. Livro de Termos de Vereação, n. 8, Caixa 118. Livro de Termos de Vereação, n. 10, Caixa 118. Livro de Termos de Vereação, n. 11, Caixa 117. Livro de Termos de Vereação, n. 13, Caixa 117. b) Acervo do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) - Microfilmes e Cópias fotográficas da Divisão de Pesquisa Histórica da Universidade Federal de Pernambuco (DPH/UFPE): CAIXA RN-1 - Rio Grande do Norte - Papéis Avulsos. Códice 128 Códice 259 Códice 907 Códice 256 Códice 260 Códice 911 Códice 257 Códice 265 Códice 914 Códice 258 Códice 275 Códice 8(154-313)

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c) Acervo do Arquivo da Biblioteca da Ajuda (ABA)- Microfilmes e Cópias fotografadas da Divisão de Pesquisa Histórica da Universidade Federal de Pernambuco (DPH/UFPE) 2 - Fontes impressas. TRASLADO do Auto de Repartição das Terras do Rio Grande. Revis-ta do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, v. 7, n. 1-2, p. 5-131, 1909. ALVARÁ sobre a medição da légoa de terra para as aldeias. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 28, 1906. INFORMAÇÃO geral da Capitania de Pernambuco (1749). Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, v. 28, 1906. INFORMAÇÃO sobre os índios bárbaros dos sertões de Pernambuco. Ofício do Bispo de Olinda acompanhado de várias cartas. Revista do Instituto do Ceará, v.1, 1883. ORDEM para criação das Villas e Vigararias dos índios. Revista do Instituto do Ceará, n. 43-44, 1929/30. REGIMENTO das Missões. Boletim de Pesquisa do CEDEAM, n. 3, 1983.

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RELATO do Frei Aníbal de Genova - “Viaggio in Africa e America portoguesa fatto dal p. Annibale da Genova missionario apostolico cappucino opera che l`istesso dedica agli eminentissimi signore car-dinale di Propaganda. Assai utile per quei che vorrano impegnarsi in si santo apostolado missionario.” - Manuscrito do qual Frei Fidélis de Primério copiou a parte referente ao Brasil, cuja cópia datilografada faz parte do acervo da Biblioteca do Convento Capuchinho da Imacu-lada Conceição, São Paulo. RELATÓRIO do Frei Luís de Santa Teresa à Santa Fé. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, v. 25-26, 1928/1929. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 4, 1926. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v.9, 1929. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 10, 1929. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 11, 1929. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 32, 1936. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 33, 1936. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 34, 1936. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 38, 1937. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 39, 1938. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 40, 1838.

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Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 44, 1939. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, v. 45, 1939. Documentos para História do Brasil, Revista do Instituto do Ceará, v. 10, 1896. Documentos para História do Brasil, Revista do Instituto do Ceará, v. 34, 1920. Documentos para História do Brasil, Revista do Instituto do Ceará, v. 27, 1913. Documentos para História da catequese dos índios e das missões reli-giosas no Brasil. Annaes do Archivo Público da Bahia, v. 4-5, 1919.. Documentos para História da catequese dos índios e das missões reli-giosas no Brasil. Annaes do Archivo Público da Bahia, v. 29, 1943.

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