FATORAÇÃO ÚNICA EM CORPOS , CICLOTÔMICOS E O …sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00001a/00001ad8.pdf · trabalho de graduaÇÃo fatoraÇÃo Única em corpos ciclotÔmicos

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  • TRABALHO DE GRADUAO

    FATORAO NICA EM CORPOSCICLOTMICOS E O LTIMOTEOREMA DE FERMAT

    FRANCIELLE KUERTEN BOEING

    JOINVILLE, 2013

  • FRANCIELLE KUERTEN BOEING

    FATORAO NICA EM CORPOSCICLOTMICOS E O LTIMO

    TEOREMA DE FERMAT

    Trabalho de Graduao apresentado aoCurso de Licenciatura em Matemticado Centro de Cincias Tecnolgicas,da Universidade do Estado de SantaCatarina, como requisito parcial paraa obteno do grau de Licenciatura emMatemtica.

    Orientadora: Prof.a Me. VivianeMaria BeuterCoorientadora: Prof.a Dra. IvaneteZuchi Siple

    JOINVILLE, SC2013

  • B669fBoeing, Francielle Kuerten

    Fatorao nica em Corpos Ciclotmicos e o ltimoTeorema de Fermat/ Francielle Kuerten Boeing. 2013.

    153 p.: il.

    Bibliografia:Trabalho de Graduao - Universidade do Estado de

    Santa Catarina, Centro de Cincias Tecnolgicas, Curso deLicenciatura em Matemtica, Joinville, 2013.

    Orientadora: Viviane Maria BeuterCoorientadora: Ivanete Zuchi Siple

    1. ltimo Teorema de Fermat. 2. Corpos Ciclotmicos.3. Fatorao nica. 4. Primos Regulares. 5. Teoremade Kummer.

    I. Beuter, V. M. II. Siple, I. Z. III. Fatorao nicaem Corpos Ciclotmicos e o ltimo Teorema de Fermat.

    CDD: 512.2

  • Aos meus pais.

  • Agradecimentos

    Agradeo, primeiramente, aos meus pais, Edio e Raquel, quetornaram tudo isso possvel e, juntamente com minha irm, Michelle,sempre confiaram em mim e me apoiaram em tudo. Agradeo, tambm,s minhas tias, Maria e Neide, e aos meus sogros, Rita e Vanderlei, queme deram casa, comida e carinho durante o perodo de graduao.

    Ao meu namorado, Luis Gustavo, que me deu a ideia inicialpara o tema deste trabalho e, tambm, por me ajudar e apoiar nosmomentos mais difceis, alm de sempre acreditar em mim.

    Agradeo queles que tornaram essa caminhada muito maisdivertida, principalmente minha prima Amanda e aos meus amigosBruno, Tamara, Alexandre, Srgio, Alessandra, Sabrina e professoraTatiana.

    Ao professor Marnei, que me ensinou a importncia da res-ponsabilidade, dedicao e comprometimento nestes cinco semestres deorientao de monitoria.

    Agradeo, tambm, professora Viviane, que aceitou me ori-entar neste trabalho, mesmo j contribuindo em dois trabalhos de gra-duao e outras atividades. Por toda a ajuda e por ser mais que umaorientadora, por ser uma amiga. Do mesmo modo, agradeo profes-sora Ivanete, por suas ideias geniais e por aceitar me coorientar mesmoem licena maternidade e professora Elisandra, que aceitou participarda banca mesmo estando, tambm, em licena maternidade.

    Por fim, agradeo aos demais membros da banca, professor JosRafael e professor Oscar, que aceitaram avaliar este trabalho, especial-mente ao professor Oscar, que se deslocou de Florianpolis para Join-ville e contribuiu de maneira grandiosa para a melhoria deste trabalho.

  • O cientista no estuda a naturezapor sua utilidade; ele o faz porque sedeleita com ela, e esse deleite vemde sua beleza.

    Henri Poincar

  • Resumo

    BOEING, Francielle Kuerten. Fatorao nica em CorposCiclotmicos e o ltimo Teorema de Fermat. 2013. 77folhas. Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em Licen-ciatura em Matemtica) - Universidade do Estado de Santa Ca-tarina, Joinville, 2013.

    Neste trabalho explora-se algumas das dificuldades existentespara a realizao da demonstrao do ltimo Teorema de Fer-mat (UTF), bem como as contribuies matemticas de diversosatores envolvidos nessa trama. De Fermat a Wiles muitas con-tribuies e estudos foram realizados para a demonstrao doUTF. Para revelar a beleza dessa histria, que intrigou muitaspessoas por diversas dcadas, apresentam-se alguns episdios en-volvendo os trabalhos realizados por Ernst Kummer, que criounovos conceitos e se utilizou desses temas para demonstrar o teo-rema para um caso especial, apesar de que, aqui, utilizamos umalinguagem mais atual para estud-lo, a generalizao realizadapor Richard Dedekind. Apresentam-se, tambm, o conceito defatorao nica, noes de extenses algbricas, mdulos e al-guns fundamentos elementares da Teoria dos Nmeros Algbri-cos, com enfoque principal no corpo dos nmeros ciclotmicos.

    Palavras-chave: ltimo Teorema de Fermat. Corpos Ciclot-micos. Fatorao nica. Primos Regulares. Teorema de Kum-mer.

  • Abstract

    BOEING, Francielle Kuerten. Unique Factorization on Cyclo-tomic Fields and Fermats Last Theorem. 2013. 77 folhas. Tra-balho de Concluso de Curso (Graduao em Licenciatura emMatemtica) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Join-ville, 2013.

    This work explores some of the difficulties that exist on thedemonstration of the Fermats Last Theorem, as well as themathematical contributions of various actors involved in thisplot. From Fermat to Wiles, lots of contributions and studieswere made to the Fermats Last Theorems demonstration. Toreveal the beauty of this plot, that intrigued many people formany decades, here are shown some episodes involving the workdone by Ernst Kummer, who created new concepts and usedthese new topics to demonstrate the Theorem for a special case,though here we use a language that is more actual to study it,the generalization made by Richard Dedekind. Also, here areshown the concept of unique factorization, notions of algebricextensions, modules and some elementary fundamentals of theAlgebric Number Theory with focus on the Field of CyclotomicNumbers.

    Key-words: Fermats Last Theorem. Cyclotomic Fields. UniqueFactorization. Regular Primes. Kummers Theorem.

  • Lista de tabelas

    Tabela 1 Fonte: Stewart, 2002 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

  • Lista de abreviaturas e siglas

    UTF ltimo Teorema de Fermat

    Mximo Divisor Comum

  • Lista de smbolos

    N Conjunto dos nmeros naturais

    Z Conjunto dos nmeros inteiros

    Q Conjunto dos nmeros racionais

    R Conjunto dos nmeros reais

    C Conjunto dos nmeros complexos

    Z[] Anel dos inteiros ciclotmicos

    Q() Corpo Ciclotmico

    () Anel de inteiros de sobre

    L Anel de inteiros algbricos do corpo de nmeros L

    () Conjunto dos inversveis do anel

    () Ncleo do homomorfismo/transformao

    () Imagem do homomorfismo/transformao

    Ideal gerado pelo elemento

    () Norma de em relao a Q()

    () Trao de em relao a Q()

    () Norma do ideal

    || Cardinalidade de

  • Sumrio

    INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    1 O LTIMO TEOREMA DE FERMAT . . . . . . . . . . . . 271.1 PIERRE DE FERMAT . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271.2 TEOREMAS E DEFINIES PRELIMINARES . . . . 291.3 O PROBLEMA DE DIOFANTE . . . . . . . . . . . . . 321.4 O MTODO DA DESCIDA INFINITA . . . . . . . . . 35

    1.4.1 Caso = 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371.4.2 A Reduo do Problema . . . . . . . . . . . . . . 40

    1.5 LEONHARD EULER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

    2 DOMNIOS EUCLIDIANOS, FATORIAISE NOETHERIANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 512.1 DOMNIOS EUCLIDIANOS . . . . . . . . . . . . . . . 52

    2.1.1 Elementos Associados e MDC . . . . . . . . . . . 532.2 DOMNIOS FATORIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . 552.3 DOMNIOS NOETHERIANOS . . . . . . . . . . . . . . 59

    3 TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS . . . . . . . . . . 653.1 EXTENSES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

    3.1.1 Extenses Algbricas . . . . . . . . . . . . . . . . 733.1.2 Anel dos Inteiros Algbricos . . . . . . . . . . . . 79

    3.2 CORPOS CICLOTMICOS . . . . . . . . . . . . . . . 823.2.1 Norma e trao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

    4 DOMNIOS DE DEDEKIND . . . . . . . . . . . . . . . . . 954.1 DOMNIOS DE DEDEKIND . . . . . . . . . . . . . . . 964.2 IDEAIS FRACIONRIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . 1004.3 NORMA DE UM IDEAL . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

  • 5 TEOREMA DE KUMMER . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1175.1 GRUPO DE CLASSES . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1185.2 TEOREMA DE KUMMER . . . . . . . . . . . . . . . . 121

    CONCLUSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

    REFERNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

    Apndices 141

    APNDICE A Anis de Polinmios . . . . . . . . . . . . . . . 143

    APNDICE B Polinmios Simtricos . . . . . . . . . . . . . . 147

    APNDICE C Mdulos e Espaos Vetoriais . . . . . . . . . . 149

  • 23

    INTRODUO

    O ltimo Teorema de Fermat foi um dos maiores problemasda histria da Matemtica, descoberto em 1670, que intrigou os gran-des matemticos por mais de trezentos anos, at ser provado pelo inglsAndrew Wiles, em 1995. O modo como o problema foi proposto por Fer-mat, de forma desafiadora, mas to simples de se entender, fez com quequalquer pessoa sentisse vontade de fazer uma tentativa de solucion-lo.

    Fermat trocava correspondncias com outros matemticos, egostava de lanar-lhes desafios. Quando escreveu em uma das margensde seu livro Aritmetica de Diofante, que a equao

    + = (1)

    no apresentava solues inteiras no triviais quando era um inteiromaior que 2, provavelmente no imaginava a dimenso que o problemaalcanaria.

    O problema parecia simples e Fermat dizia j possuir uma de-monstrao para o mesmo, que ele dizia ser maravilhosa. Mas com opassar dos anos, as pessoas foram percebendo que ao mesmo tempo emque o problema parecia simples, a soluo parecia muito distante desua poca.

    Muitos grandes matemticos fizeram tentativas de solucionar oproblema ao longo da histria. O prprio Fermat deu a primeira contri-buio para a soluo de seu problema em outra margem de um de seuslivros, onde ele ensinava o mtodo conhecido como a descida infinita,que consiste em mostrar que a partir de uma primeira soluo para asoluo natural no trivial da Equao (1), sempre pode-se encontraroutra com nmeros menores que os da soluo anterior, o que impos-svel nos nmeros naturais. Com esse mtodo, foi possvel demonstraro UTF para os casos particulares, = 4 e = 5.

  • 24 Introduo

    Com o passar dos anos, alguns matemticos contriburam deforma significativa para a busca de soluo do problema, elaborandoestratgias de resoluo que acreditavam serem vlidas. Tais estrat-gias consistiam em supor que existia uma soluo inteira no trivialda Equao (1), trabalhar com as possibilidades, fatorar o seu lado es-querdo em um produto de elementos primos entre si, concluindo quecada um dos elementos deve ser uma sima potncia de algum outronmero e gerando alguma contradio a partir disso.

    Se estivermos trabalhando apenas com nmeros inteiros na fa-torao, ento a estratgia apresentada vlida. Mas j no caso = 3,Leonhard Euler precisou usar nmeros complexos da forma +

    3,

    onde e so inteiros. Entretanto, esses nmeros no apresentam asmesmas timas propriedades que os nmeros inteiros possuem. PeloTeorema Fundamental da Aritmtica, cada inteiro possui uma nicafatorao em nmeros primos, a menos de elementos inversveis. Dom-nios com essa caracterstica so chamados de domnios fatoriais. Masao realizar a fatorao da Equao (1) utilizando nmeros complexos,como Euler, preciso garantir sua unicidade, pois sem isso, no pode-segarantir que os elementos da fatorao sejam uma sima potnciade algum outro.

    Apesar dessa dificuldade ter-se apresentado muito cedo, emmeados do sculo XVIII, ainda em 1847 o matemtico francs GabrielLam apresentou o que ele dizia ser a prova do ltimo Teorema deFermat, utilizando uma fatorao no espao dos nmeros complexossem provar que a fatorao em irredutveis nesse espao nica. Ape-sar disso, a ideia de fatorao feita por Lam a mesma utilizada nademonstrao de Ernst Kummer para os chamados primos regulares, aqual o objetivo deste trabalho. Lam introduziu, em sua fatorao,razes complexas da unidade, iniciando a anlise do corpo Q(), queapresenta, de certa forma, a incorporao ao corpo dos racionais doelemento , que uma raiz da unidade dependendo de , sem perderas propriedades de corpo de Q.

  • 25

    Buscava-se, ento, a unicidade de fatorao nesse tipo de corpo.Entretanto, Kummer provou que a ideia de Lam no era vlida paratodos os valores de , pois a unicidade da fatorao no ocorre sem-pre nesses corpos. Mas quando parecia no haver como ultrapassar essabarreira, Kummer criou o conceito de nmeros ideais. Assim, se o dom-nio a ser trabalhado no apresentasse a unicidade da fatorao de seuselementos, ento existiriam nmeros, os nmeros ideais, que quandoadicionados ao conjunto, o tornariam um domnio fatorial.

    Foi com essa teoria de nmeros ideais que Kummer, cerca detrs anos aps o anncio da prova de Lam, provou o ltimo Teoremade Fermat para expoentes que atendessem a uma condio especial,aqui exposta no Captulo 5, que so os chamados primos regulares. Aprova de Kummer era o maior avano realizado na busca pela soluodo ltimo Teorema de Fermat at a demonstrao completa, finalizadapor Wiles em 1995.

    Uma soluo para o problema da fatorao nica, talvez melhorque a de Kummer, foi apresentada por Richard Dedekind. Ele generali-zou o conceito de nmero ideal para o que hoje conhecemos como idealde um anel e juntamente com isso, iniciou os estudos sobre a fatora-o de ideais em ideais primos. Realmente, o conceito de fatorao deideais bem mais simples do que o de fatorao de elementos e encon-trado mais facilmente. Por isso, neste trabalho, estudamos o Teoremade Kummer usando a generalizao realizada por Dedekind.

    O objetivo fundamental deste trabalho explorar as dificulda-des e as necessidades de teorias matemticas para a demonstrao doUTF para os casos em que um primo regular. Para esse fim, so ne-cessrios introduzir, sempre focando o anel dos nmeros ciclotmicos,alguns conceitos de extenses de corpos, estudar o conceito de fatoraonica relacionando-o com a prova equivocada de Lam, conceituar al-guns elementos da Teoria dos Nmeros Algbricos, apresentar a teoriadesenvolvida por Dedekind, com os conceitos de norma de um ideal, fa-torao de ideais, ideais fracionrios, sendo esse ltimo necessrio para

  • 26 Introduo

    a definio de primo regular.

    Na abordagem da fundamentao terica dos tpicos descritosanteriormente, tomam-se como verdade os conhecimentos bsicos delgebra, tais como a Teoria de Anis, Grupos, inclusive a teoria inicialde ideais e anis e grupos quociente, homomorfismos de anis e grupos,corpos de fraes e alguns conceitos elementares de lgebra Linear.

    Este trabalho est dividido da seguinte forma: no Capitulo 1 apresentada um pouco da histria de Pierre de Fermat, juntamentecom a reduo do ltimo Teorema de Fermat para os casos em que primo e as demonstraes dos casos = 3 e = 4. J o Captulo 2apresenta os domnios fatoriais, nos quais garantida a unicidade dafatorao em elementos irredutveis, alm de maneiras de se determinarquando um domnio fatorial, conhecendo, para esse fim, os domnioseuclidianos e os domnios noetherianos. O Captulo 3 introduz, pormeio da teoria de extenses algbricas e anis de inteiros algbricos,o simo anel ciclotmico, onde um primo mpar. No Captulo4, nos aprofundamos nas propriedades do simo anel ciclotmico ena teoria de ideais de Dedekind. Por fim, o Captulo 5 define o grupode classes dos anis ciclotmicos, criado por Kummer para definir osprimos regulares, e traz a demonstrao do Teorema de Kummer, quenada mais do que o ltimo Teorema de Fermat para os casos em que um primo regular.

  • 27

    1 O LTIMO TEOREMA DEFERMAT

    1.1 PIERRE DE FERMAT

    Pierre de Fermat (1601-1665) nasceu na Frana e passou grandeparte de sua vida trabalhando no servio pblico. Segundo Singh (2008),Fermat tambm foi juiz e as horas vagas ele dedicava Matemtica, issoporque os juzes da Frana eram desencorajados quanto a se relacionar,pois isso poderia prejudicar sua imparcialidade. Fermat foi responsvelpor grandes contribuies ao Clculo e Probabilidade, mas sua grandepaixo sempre fora a Teoria dos Nmeros.

    Um dos livros que introduziu Fermat na teoria dos nmerosfoi o livro Aritmtica de Diofante, que viveu provavelmente na pocade 250 da nossa era. A obra original era composta de treze volumes,mas somente seis resistiram Idade das Trevas e foram traduzidos porClaude Gaspar Bachet e publicados em 1621.

    Diofante descrevia a teoria dos nmeros atravs de vrios pro-blemas, as chamadas equaes diofantinas, onde Diofante buscava solu-es inteiras para equaes polinomiais. Entre esses problemas, estavao que inspirou Fermat a formular a afirmao que intrigou as mentesdos matemticos por mais de 350 anos, o ltimo Teorema de Fermat,que aqui chamaremos de UTF.

    De acordo com Edwards (1977), o UTF foi inspirado por umaproposio no livro Aritmtica de Diofante que dizia como escrever umquadrado como a soma de dois quadrados, ou seja, como encontrarsolues inteiras para a equao pitagrica 2 + 2 = 2. Depois de lero problema, Fermat escreveu um comentrio na margem de seu livro,que dizia: Cubem autem in duos cubos, aut quadratoquadratum in duos

  • 28 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    quadratoquadratos, et generaliter nullam in infinitum ultra quadratumpotestatem in duos eiusdem nominis fas est dividere.

    Traduzindo, Fermat diz que, em geral, impossvel um nmeroelevado a uma potncia maior do que dois ser escrito como uma soma deduas potncias semelhantes. Uma formulao moderna desse problemaseria que a equao + = no tem soluo no trivial em Z para maior que 2, sendo um nmero natural, ou seja, as nicas soluess acontecem quando = 0, = 0 ou = 0.

    Segundo Singh (2008), Fermat escreveu, na mesma margem,que possua uma demonstrao maravilhosa para o problema, mas amargem era muito pequena para cont-la. Essa atitude era muito tpicadele. Fermat no costumava publicar suas descobertas e era conhecidopor trocar correspondncias com outros matemticos, nas quais lanavaenigmas que dizia j ter demonstrado.

    Nos anos que seguiram morte de Fermat, a maior parte desuas afirmaes foi verificada, mas algumas foram provadas falsas, comoa afirmao em que Fermat dizia que os nmeros da forma = 22

    +1,com natural eram primos, o que no verdade para = 5, fatoesse que foi mostrado por Euler. J na metade do sculo XIX, a ltimaafirmao de Fermat que continuava em aberto, sem prova ou refutao,era o UTF, de acordo com Edwards (1977). O fato de a afirmao serchamada de ltimo Teorema de Fermat era discutvel, j que no eraum teorema, pois ainda no havia sido provado e tambm no foi oltimo resultado a que Fermat chegou. Mas foi o ltimo que restou.

    Esse teorema capturou a imaginao de muitas geraes dematemticos e as tentativas de prov-lo, sem o sucesso almejado, im-plicaram em grandes avanos no conhecimento de matemtica. umproblema muito instigante e que continua despertando o interesse deestudo, inclusive o nosso. Por isso, neste primeiro captulo, vamos mos-trar algumas definies e proposies necessrias para iniciar o estudodo UTF, alm das primeiras contribuies realizadas para sua prova:os casos = 3 e = 4.

  • 1.2. TEOREMAS E DEFINIES PRELIMINARES 29

    1.2 TEOREMAS E DEFINIES PRELIMINARES

    Alguns resultados so necessrios para comear a estudar osprimeiros casos do UTF, por isso apresentaremos algumas definies eteoremas que nos auxiliaro no entendimento desse problema, fazendouso de resultados conhecidos, como o Teorema Fundamental da Arit-mtica e a Identidade de Bezout para nmeros inteiros.

    Definio 1.1. Um elemento pertencente a um anel se diz primoquando:

    (i) = 0;

    (ii) no inversvel;

    (iii) Quaisquer que sejam , , se | , ento | ou | .

    Observao 1.1. Um nmero primo em Z um elemento primo deZ. Alm disso, pode-se provar por induo que se | 1 , com1, , , ento | 1 ou | 2 ou . . . ou | .

    Teorema 1.1. Se | , com Z*, Z e Z*+, ento | .

    Demonstrao: Suponhamos que | . Obviamente, se = 0ento | 0. Consideremos, ento, trs casos:

    1) = 1: Esse caso imediato, j que todos os nmeros inteirosso divisveis por 1.

    2) = 1: Como | , deve existir Z tal que = .Assim,

    = 1 = = (1) = 1 (1) = 1

    Como estamos lidando com elementos inteiros, podemos concluirque = 1 e, consequentemente, | .

  • 30 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    3) = 0, = 1 e = 1: Sabemos pelo Teorema Fundamental daAritmtica que e possuem suas decomposies em elementosprimos. Assim,

    = (1)11 22

    = (1)11 22 ,

    (1.1)

    onde , , , Z*+ e , so primos positivos.

    Tomemos, ento, {1, 2, , }. Com isso,

    | |

    | Z : =

    .

    Por outro lado, = (1)11 22 . Ento,

    = (1)11

    22 . (1.2)

    Pela unicidade da decomposio em fatores primos, deve existir {1, 2, , } tal que = com , ou , pois Z*+. Reorganizando os elementos , temos que

    =

    ,

    com 0 para todo {1, 2, , }, o que prova que | onde o quociente dado por

    = (1)111 222 .

    Teorema 1.2. Sejam , , Z* tais que + = , com natural.So equivalentes as seguintes afirmaes:

    (i) (, ) = 1;

    (ii) (, ) = 1;

    (iii) (, ) = 1.

  • 1.2. TEOREMAS E DEFINIES PRELIMINARES 31

    Demonstrao: (i)(ii) Suponha que (, ) = > 1. Ento,existem , Z tais que = e = . Assim,

    + = () + = ()

    =

    = ( ) | .

    E do Teorema 1.1 temos que | . Assim, como | e | , obtemos(, ) > 1, contradizendo a hiptese. Portanto, (, ) = 1.Analogamente, (ii)(iii) e (iii)(i).

    Teorema 1.3. Se existe (0, 0, 0) uma soluo inteira no trivial daequao + = , ento existe uma soluo inteira no trivial(1, 1, 1), com mdc(1, 1) = 1.

    Demonstrao: Seja = (0, 0). Se = 1, basta tomar 1 = 0e 1 = 0 e a demonstrao acaba aqui. Ainda, temos que = 0, peladefinio de mximo divisor comum.

    Sabemos que | 0 e | 0. Ento, existem 1, 1 Z tais que0 = 1 e 0 = 1. Pela Identidade de Bezout, existem , Z taisque 0 + 0 = . Assim,

    0 + 0 = 0 + 0 = 1

    (

    0 ,

    0

    )= 1

    (1, 1) = 1.

    Ainda, como (0, 0, 0) soluo da equao + = , temos que

    0 + 0 = 0 (1) + (1) = 0 (1 + 1 ) = 0 | 0 .

    Pelo Teorema 1.1, temos que | 0. Ento, existe 1 Z talque 0 = 1. Logo,

    0 + 0 = 0 (1) + (1) = (1)

    (1 + 1 ) = 1 1 + 1 = 1 .

  • 32 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    Portanto, o trio (1, 1, 1) soluo da equao + = com(1, 1) = 1.

    Observao 1.2. A soluo encontrada com (1, 1) = 1 cha-mada soluo primitiva do problema de Fermat. Usando a contraposi-tiva do teorema anterior, pode-se concluir que se no existem soluesprimitivas para o problema de Fermat, ento no existe nenhuma ou-tra soluo. Portanto, para provar o UTF basta provar que no existemsolues primitivas.

    Vejamos, ento, o problema de Diofante, que inspirou Fermate tambm pode ser usado na prova do teorema para o caso = 4.

    1.3 O PROBLEMA DE DIOFANTE

    O problema de Diofante consiste em encontrar solues inteirasno triviais para a equao

    2 + 2 = 2, (1.3)

    tambm conhecida como equao pitagrica por causa do Teorema dePitgoras. Aplicando o Teorema 1.3 neste caso, obtemos que toda so-luo da Equao (1.3) possui uma soluo primitiva (1, 1, 1) com(1, 1) = 1.

    Consideremos, ento, uma soluo (0, 0, 0) no primitiva, ouseja, |(0, 0)| = || > 1. A soluo primitiva encontrada a partirdessa a soluo

    (0 ,

    0 ,

    0

    ). Com isso, conclui-se que todas as solues

    do problema de Diofante podem ser encontradas a partir das soluesprimitivas, multiplicando 0, 0 e 0 por qualquer outro nmero inteiro.

    De fato, se (0, 0, 0) soluo de 2 + 2 = 2 e Z, ento

    20 + 20 = 20 (0)2 + (0)2 = 2(20 + 20) = 220 = (0)2,

    o que mostra que (0, 0, 0) tambm soluo da equao pitagrica.

  • 1.3. O PROBLEMA DE DIOFANTE 33

    Em seu livro, Diofante encontrou todas as solues da equaopitagrica. Utilizemos ento seu mtodo.

    Seja (, , ) uma soluo primitiva de 2 + 2 = 2. Faamos,ento, uma anlise das paridades de , e .

    Os trs nmeros no podem ser simultaneamente pares, pois issoimplicaria em (, ) 2 e consequentemente essa no seriauma soluo primitiva.

    Consideremos par. Como os trs no podem ser pares simultane-amente, a nica possibilidade restante que e sejam mpares.Se isso acontece, existem , Z tais que = 2+1 e = 2+1.Assim,

    2 = 2 + 2 = (2 + 1)2 + (2 + 1)2 = 4(2 + + 2 + ) + 2.

    Logo, 2 2 (mod 4). Mas isso impossvel, pois como par,2 deve ser congruente a zero no mdulo 4. Portanto, no podeser par.

    Como mpar, ento e devem ter paridades distintas, ouseja, um e somente um dos trs nmeros deve ser par, sendo este ou . Os outros dois so mpares.

    Consideremos par e e mpares. Toda soluo primitivapode ser encaixada nessas condies. Alm disso, podemos considerarapenas as solues positivas, pois se N compe alguma soluo daequao pitagrica, ento tambm o faz, pois 2 = ()2.

    Da equao 2 + 2 = 2, obtemos

    2 = 2 2 = ( + )( ). (1.4)

    Como e so mpares, obtemos que + e so pares,pois tanto a soma quanto a diferena de dois nmeros mpares resultam

  • 34 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    em nmeros pares. Assim, existem , , N tais que

    = 2 + = 2 = 2.

    (1.5)

    Substituindo as informaes das Equaes (1.5) na Equao (1.4), ob-temos

    (2)2 = (2)(2) 2 = . (1.6)

    Ainda, temos que (, ) = 1. De fato, se (, ) = > 1, ento | ( + ) e | ( ). Mas,

    + = + + 2 = e = + +

    2 = .

    Consequentemente, | e | , o que impossvel, pois (, ) = 1,pelo Teorema 1.2. Portanto, e so relativamente primos.

    Assim, as decomposies em fatores primos de e no tmfatores em comum. Logo, pelo Teorema 1.4 a ser provado, devem existir, N tais que = 2 e = 2 e (, ) = 1. Com isso,

    = + = 2 + 2

    = = 2 2

    = 2 = 2

    = 2

    22 = 2.

    Portanto, todas as solues do problema de Diofante podem ser encon-tradas usando as frmulas

    = 2 = 2 2

    = 2 + 2,(1.7)

    onde (, ) = 1, > > 0 e e tm paridades distintas, para que e sejam mpares.

    Com esse resultado podemos analisar o caso = 4, usandotambm um mtodo criado por Fermat, o mtodo da descida infinita,que utilizado tambm na anlise do caso = 3.

  • 1.4. O MTODO DA DESCIDA INFINITA 35

    1.4 O MTODO DA DESCIDA INFINITA

    O mtodo da descida infinita foi inventado por Fermat e uti-lizado pelo mesmo na demonstrao de inmeros teoremas na rea dateoria dos nmeros. Segundo Edwards (1997), o mtodo apresenta oseguinte princpio: suponhamos que uma afirmao de que um inteiropositivo possui um dado conjunto de propriedades, implica na existn-cia de um inteiro positivo menor com o mesmo conjunto de proprieda-des. Ento, nenhum inteiro positivo pode apresentar esse conjunto depropriedades.

    Assim, para provar que certas propriedades ou relaes soimpossveis para nmeros inteiros positivos, basta mostrar que se essasrelaes valem para algum conjunto de nmeros, ento devem valerpara um conjunto de nmeros menores. E assim ad infinitum, o queno pode acontecer pois a sequncia de nmeros inteiros positivos nopode decrescer indefinidamente.

    Com esse mtodo, pode-se provar um importante teorema ne-cessrio para a demonstrao do UTF para os casos = 4 e = 3.

    Teorema 1.4. Sejam , , e inteiros e (, ) = 1. Se =

    para 2, ento existem inteiros e tais que = , = ,(, ) = 1.

    Demonstrao: Usando o mtodo da descida infinita, suponhamosque , , e formem o conjunto inicial de nmeros inteiros positivose apresentam as seguintes propriedades:

    (1) Esto relacionados pela equao = ;

    (2) (, ) = 1;

    (3) = , N.

    A propriedade (3) proposta por contradio. Para = , ademonstrao anloga. Note que provar o teorema para os nmerosnaturais suficiente para provar tambm para os nmeros inteiros,

  • 36 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    pois se existissem , , e inteiros que satisfizessem o teorema entotambm existiriam inteiros positivos com o mesmo comportamento.

    Suponhamos que no existe N tal que = . Particular-mente, = 1. Logo, existe um nmero primo que divide . Assim, = 1, para algum 1 N. Ento,

    = 1 (1) = (1) = | | ,

    pois primo. Da, = , para algum N. De (1) = obtemos

    = (1) = () (1) = 1 = 1.

    Como 2, ento | 1, o que implica que | 1, poisdeve dividir os dois lados da equao. Da, | 1 ou | , pois primo, mas - , j que | e e so relativamente primos. Logo, | 1. Assim, 1 = 2, para algum 2 N e ainda, de = 1 temosque = (2) = 22. E de 1 = 1, obtemos

    1 = 2 (2) = 1 (2) = 1 2 = 2.

    Repetindo o processo, chega-se sempre equao = .O processo pode ser repetido enquanto | , ou seja, enquanto < . Quando = , temos que = . Assim, os nmeros , , e satisfazem a propriedade (1). A propriedade (2) tambm satisfeitapelo fato de que e so relativamente primos. De fato, como | ,se existir um primo que divide e , ento tambm deve dividir, o que no pode acontecer, pois e so relativamente primos.

    Ainda, quando = , temos = . Logo, se = paraalgum N, ento = = (), o que contraria a suposioinicial. Assim, = para todo N, satisfazendo a propriedade (3).

    Pode-se observar tambm que menor do que , pois di-vide o mesmo. Os nmeros , , e ento formam um conjunto quesatisfaz as mesmas propriedades que o conjunto inicial.

  • 1.4. O MTODO DA DESCIDA INFINITA 37

    Assim, se considerarmos a equao = e repetirmos oprocedimento todo, encontraremos um novo conjunto de nmeros in-teiros positivos que satisfazem tambm as propriedades (1), (2) e (3),onde o elemento correspondente ao sempre menor que o anterior.Isso gera a descida infinita, que impossvel j que a demonstraotrata de nmeros naturais. Portanto, com certeza existem inteiros po-sitivos e tais que = , = .

    Falta provar ainda que (, ) = 1. Suponha por absurdo queexiste um nmero primo que divide e . Assim, existem 1, 2 Ntais que = 1 e = 2. Assim,

    = e = = 1 e = 2 | e | ,

    o que absurdo, pois (, ) = 1. Portanto, (, ) = 1.

    1.4.1 Caso = 4

    Segundo Singh (2008), o filho mais velho de Pierre de Fermat,Clemnt-Samuel Fermat, publicou, em 1670, uma nova edio da obraAritmtica de Diofante, com todas as anotaes feitas por Fermat. Umadessas anotaes continha o mtodo da descida infinita. Fermat fez umavaga demonstrao para o caso = 4 do UTF usando o seu mtodo dadescida infinita. Segue a demonstrao baseada na ideia de Fermat.

    Teorema 1.5. A equao 4 + 4 = 4 no admite soluo inteira notrivial.

    Demonstrao: Seja (, , ) uma soluo primitiva para o problemaem Z*+, ou seja, (, ) = 1 e

    4 + 4 = 4. (1.8)

    O mtodo a ser usado nessa demonstrao o mtodo da descida in-finita. Considere ento o conjunto inicial de nmeros inteiros positivos

  • 38 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    formado por , e 2, onde (, ) = 1 e os trs esto relacionadospela equao 4 + 4 = (2)2, equivalente Equao (1.8).

    Da, temos que (2)2+(2)2 = (2)2. Logo, (2, 2, 2) soluoda equao pitagrica, com solues dadas pelas Equaes (1.7).

    Tomemos ento, sem perda de generalidade, 2 par e 2 e 2

    mpares. Ainda, (2, 2, 2) soluo primitiva da equao pitagrica,pois (2, 2) = 1. Ento,

    2 = 22 = 2 2

    2 = 2 + 2,(1.9)

    onde (, ) = 1, > > 0 e e tm paridades distintas. Manipu-lando a segunda Equao de (1.9) temos que

    2 + 2 = 2. (1.10)

    Como (, ) = 1, obtemos do Teorema 1.2 que (, ) =1. Da, conclumos que (, , ) soluo primitiva da equao pitag-rica. Ainda, deve ser mpar, pelos motivos expostos na resoluo doproblema de Diofante e como mpar, deve ser par.

    Assim, existem , N tais que

    = 2 = 2 2

    = 2 + 2,(1.11)

    onde (, ) = 1, > > 0 e e possuem paridades diferentes.

    Usando ento as Equaes (1.11) e substituindo na primeiraEquao de (1.9), obtemos

    2 = 2 = 2(2 + 2)(2) = 4(2 + 2) = (2)2 (1.12)

    para algum N, pois como 2 um quadrado, ento 4(2 + 2)tambm deve ser.

  • 1.4. O MTODO DA DESCIDA INFINITA 39

    Ainda, podemos concluir que (, 2 + 2) = 1. De fato,suponhamos que existe algum primo que divida e 2 + 2. Ento, | ou | , mas no divide ambos, pois (, ) = 1. Suponhamos,sem perda de generalidade que | , mas no divide . Isso significaque est na decomposio em fatores primos de , mas no est nade e consequentemente, no est na de 2. Ento, | 2 mas - 2.Assim, existem , , N tais que

    2 = 2 = + ,

    (1.13)

    com 0 < < . Ento,

    2 + 2 = + ( + ) = ( + ) + .

    Portanto, - 2 + 2, o que uma contradio.

    Assim, no existe um nmero primo que divida e 2 + 2

    simultaneamente. Portanto, (, 2 + 2) = 1. Pelo Teorema 1.4 esabendo que (2 + 2) deve ser um quadrado, conclumos que e2 + 2 devem ser quadrados. Ento, existem , N tais que = 2

    e 2 + 2 = 2.

    Do mesmo modo, e devem ser tambm quadrados, ou seja,devem existir , N tais que = 2 e = 2. Assim,

    4 + 4 = (2)2 + (2)2 = 2 + 2 = 2

    4 + 4 = 2.

    Ainda, (, ) = 1 vem do fato de (, ) = 1. Logo,(2, 2, ) soluo primitiva da equao pitagrica e , e estorelacionados da mesma maneira que , e 2, onde 2 < 2 < < 2.Ento, a partir dos trs nmeros inteiros positivos iniciais encontramosum novo conjunto de nmeros relacionados da mesma maneira que osiniciais e ainda o nmero correspondente ao 2 menor que o anterior.Essa soluo gera a descida infinita, provando que (, , ) no soluodo UTF para = 4, ou seja, no existem solues inteiras no triviaispara o caso = 4.

  • 40 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    1.4.2 A Reduo do Problema

    Com a prova de que no existem solues para o caso = 4do UTF, pode-se mostrar que para provar o UTF basta provar os casosem que primo.

    Seja > 2. Se = 2, com 2, ento mltiplo de 4e consequentemente, a equao + = equivalente a equao()4 + ()4 = ()4, que no tem soluo inteira no trivial. Se no quadrado, ento divisvel por algum nmero primo = 2 e existe Z tal que = . Assim,

    + = + = () + () = ().

    Dessa forma, se a equao no tem soluo para o expoente primo, ento tambm no tem soluo para o expoente . Portanto,para provar que o UTF verdadeiro, basta provar que + =

    no tem soluo para primo diferente de dois.

    1.5 LEONHARD EULER

    De acordo com Singh (2011), Leonhard Euler (1707-1783) nas-ceu em Basileia, filho de um pastor calvinista. Embora o jovem Eulerdemonstrasse um talento prodigioso para a matemtica, seu pai estavadeterminado que o filho estudasse teologia, seguindo carreira na Igreja.Leonhard obedeceu e foi estudar teologia e hebraico na Universidade daBasileia, seguindo carreira na Igreja. Felizmente para Euler, a cidadede Basileia tambm era o lar do eminente cl dos Bernoulli. Daniel eNikolaus Bernoulli eram muito amigos de Leonhard Euler e percebiamque o mais brilhante dos matemticos estava sendo transformado nomais medocre dos telogos. Eles fizeram um apelo a Paul Euler, pe-dindo que Leonhard tivesse a permisso de abandonar o clero em favordos nmeros. Relutantemente ele aceitou que seu filho tinha nascidopara calcular em vez de pregar.

  • 1.5. LEONHARD EULER 41

    Euler adquiriu a reputao de ser capaz de resolver qualquerproblema que lhe fosse apresentado. Aps descobrir o mtodo da des-cida infinita no livro publicado pelo filho de Fermat, Euler tentou usar omtodo para extrapolar o resultado do caso = 4 para todos os outroscasos. Ento, ele adaptou o mtodo da descida infinita para demonstraro caso = 3, divulgando essa demonstrao em 1753.

    Segundo Singh (2011), antes de Euler, vrios matemticos jhaviam tentado adaptar o mtodo da descida infinita para outros ca-sos, porm sem sucesso. De acordo com Edwards (1977), Euler fez issoincorporando o conceito de nmeros imaginrios demonstrao parao caso = 3, admitindo que esses nmeros possussem as mesmaspropriedades que os nmeros inteiros. Por causa disso, num primeiromomento, a prova apresentada por Euler estava incompleta, problemaque, mais tarde, ele mesmo consertou.

    Ainda de acordo com Singh (2008), Euler continuou criandouma matemtica brilhante at o dia de sua morte em 1783, uma reali-zao ainda mais extraordinria pelo fato de que ele estava totalmentecego nos ltimos anos de sua carreira. As pssimas condies de traba-lho combinadas com a tenso intensa custaram a Euler, ento com vintee poucos anos, a viso de um dos olhos. Mas quarenta anos depois, suasituao piorou consideravelmente, quando uma catarata no olho, atento perfeito, sentenciou que ele se tornaria completamente cego. Eu-ler estava determinado a no se entregar e comeou a praticar a escritacom o olho afetado fechado, de modo a aperfeioar sua tcnica antes deser envolvido pela escurido. Em questo de semanas ele estava cego.Euler continuou com sua produo matemtica pelos dezessete anosseguintes e conseguiu ser mais produtivo do que nunca. Seu imenso in-telecto lhe permitia analisar conceitos sem precisar coloc-los no papele sua memria fenomenal fazia de seu crebro um biblioteca mental.

    Uma das contribuies deixadas por Euler foi a demonstraodo UTF para o caso n=3, cujas ideias apresentamos na sequncia.

    Segundo Edwards (1977), em meio sua demonstrao para

  • 42 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    o caso = 3, Euler concluiu, como ser mostrado a seguir, que aexpresso 2 +32 um nmero cbico, para e inteiros convenientes.Ento, ele fatorou a expresso na forma

    2 + 32 = ( +

    3)(

    3) (1.14)

    e considerou o conjunto Z[

    3] = {+

    3 : , Z}, que um anelcomutativo com unidade e contm os fatores acima descritos. Assim, seum dos fatores for um nmero cbico deveriam existir , Z tais que

    +

    3 = ( +

    3)3

    e, consequentemente,

    3 = (

    3)3.

    Dessa forma,

    +

    3 = 3 + 3

    32 92 3

    33

    = (3 92) + (32 33)

    3.

    Portanto, se = 3 92 e = 32 33 para , Z, 2 + 32 deveser um nmero cbico da forma (2 + 32)3.

    Essa , claramente, uma condio suficiente para que a expres-so 2 + 32 seja um nmero cbico. Entretanto, Edwards (1977, p.43) diz que Euler muito gravemente confundiu condies necessriase suficientes nessa parte. Euler apresentou esse argumento em um deseus livros, com exemplos confusos, concluindo que se uma expresso2 + 2, com , , Z, for um nmero cbico, sendo +

    e

    relativamente primos, ento com certeza, esses fatores devemser, tambm, cbicos.

    Foi com esse argumento que Euler demonstrou o UTF para ocaso = 3. A prova correta para esta parte, tambm feita por Euler,quando dava sequncia a outros estudos, apresentada no prximoLema.

  • 1.5. LEONHARD EULER 43

    Lema 1.1. Sejam e nmeros inteiros relativamente primos tal que2 + 32 um nmero cbico. Ento, existem inteiros e tais que2 + 32 = (2 + 32)3, onde = 3 92 e = 32 33.

    Observao 1.3. A demonstrao do Lema 1.1 encontrada em Edwards(1977, p. 54), mas muito extensa, alm de usar apenas conceitos b-sicos da teoria de nmeros e, por isso, no se faz necessria aqui. Trazuma sequncia de cinco passos para realiz-la. Os primeiros quatro pas-sos mostram que se e so relativamente primos ento 2 + 32 podeser fatorado em elementos 2 + 32 , que so iguais a 4 ou so primosmpares e , so inteiros positivos para todo {1, , }. A partirdisso, Edwards mostra que existem, necessariamente, e inteiros taisque +

    3 = (+

    3)3, o que prova o Lema. Esse lema a infor-

    mao que completa a prova de Euler para o caso = 3, apresentadaa seguir.

    Teorema 1.6. A equao 3 + 3 = 3 no possui solues inteirasno triviais.

    Demonstrao: Para usar o mtodo da descida infinita neste caso,precisamos comear com um conjunto de nmeros inteiros positivos quepossuem uma certa relao. Sejam , e os nmeros que formam esseconjunto tal que (, , ) soluo primitiva da equao 3 + 3 = 3.

    Note que para provar que no existem solues inteiras, bastaprovar que no existem solues positivas, pois se existir uma soluocom inteiros negativos, essa pode ser rearranjada de modo que tenha-mos tambm uma soluo positiva. Por exemplo, se (, , ) soluoda equao 3 + 3 = 3, onde < 0, ento (, , ) tambm solu-o pois 3 + ()3 = 3. Assim, a no existncia de solues positivasimplica na no existncia de solues inteiras.

    Como procuramos solues inteiras primitivas, devemos ter = , = e = , pois = implica em = 0 e = im-plica em = 0. Ainda, = implica em = = 1, pois (, ) = 1

  • 44 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    e consequentemente, temos que 3 = 2, que no uma soluo inteira.

    A demonstrao ser dividida em quatro partes:

    (1) A concluso de que ou 3 = 2(2 + 32) ou 3 = 2(2 + 32);

    (2) A reduo do problema em dois casos: quando 3 - e quando3 | ;

    (3) Desenvolvimento do caso em que 3 - ;

    (4) Desenvolvimento do caso em que 3 | .

    (1) Como (, , ) soluo primitiva do problema, segue do Teorema1.2 que apenas um dos nmeros pode ser par. Ao mesmo tempo, umdeles precisa ser par, pois a adio e a subtrao de nmeros mparesresultam em nmeros pares. Logo, exatamente um dos nmeros da so-luo par. Pode-se considerar ento, sem perda de generalidade, duaspossibilidades: na primeira par e na segunda par.

    Se par, ento e so mpares. Logo, + e so pares.Assim, existem , Z*+ tais que + = 2 e = 2. Ento,

    = 2 = 2 ( 2) = 2 + 2 = + = 2 = 2 (2 + ) = 2 2 = ,

    (1.15)

    onde e tm paridades distintas para que e sejam mpares.Alm disso, (, ) = 1, pois se existisse um inteiro positivomaior que um que dividisse e , ento ele tambm dividiria + = e = , o que impossvel, j que (, ) = 1.

    Assim,

    3 = 3 + 3

    = ( + )(2 + 2)= ( + + )[( + )2 (2 2) + ( )2]= 2[2 + 2 + 2 2 + 2 + 2 2 + 2]= 2[2 + 32].

    (1.16)

  • 1.5. LEONHARD EULER 45

    Portanto, 2(2 + 32) um nmero cbico.

    Se par, ento e so mpares. Logo, + e so pares.Assim existem , Z*+ tais que = 2 e + = 2. Usandoo mesmo procedimento feito anteriormente, obtemos

    = 2 + = 2 + (2 ) = 2 + 2 = + = 2 = (2 ) 2 = 2 2 = ,

    (1.17)

    onde e possuem as mesmas propriedades de e . Assim,

    3 = 3 3

    = ( )(2 + + 2)= ( + + )[( + )2 + ( + )( ) + ( )2]= 2[2 + 2 + 2 + 2 2 + 2 2 + 2]= 2[2 + 32].

    (1.18)

    Portanto, 2(2 + 32) um nmero cbico. Note que as duas possibili-dades levaram a resultados similares. Por esse motivo, trabalhemos coma primeira possibilidade e o desenvolvimento dessa pode ser estendidopara a segunda.

    (2) Suponha que existe um nmero primo tal que | 2 e | (2+32).Como e tm paridades distintas, 2 + 32 deve ser mpar. Assim, = 2. Logo,

    | 2 e | (2 + 32) | e | (2 + 32) | e | 32,

    pois primo e | 2. Logo, para dividir a soma 2 +32 deve dividiros dois termos. Ainda, como (, ) = 1 ento - , o que implicaque - 2 e portanto, a nica possibilidade para que seja igual a 3.

    Obviamente, 3 | 32. Assim, a demonstrao se resume ao de-senvolvimento de dois casos: o caso em que 3 | e o caso em que 3 - ,resultando no segundo caso que (2, 2 + 32) = 1.

    (3) Primeiro caso: 3 - .

  • 46 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    Conclumos da Equao (1.16) que 2(2 + 32) deve ser umnmero cbico. Como 2 e 2 + 32 so relativamente primos, temospelo Teorema 1.4 que ambos devem ser nmeros cbicos. O Lema 1.1garante que existem , Z* tais que (2 + 32) = (2 + 32)3, onde = 3 92 e = 32 33. Com isso garantido,

    = (2 92) = ( 3)( + 3) = 3(2 2) = 3( )( + ).

    (1.19)

    Analisando as Equaes (1.19), conclumos que e so relati-vamente primos, pois se existisse um inteiro maior que 1 que dividisse e , ento esse inteiro tambm dividiria e , o que impossvel. Almdisso, as paridades de e devem ser diferentes, pois se fossem iguais e seriam pares simultaneamente, o que no acontece.

    Ainda, 2 um nmero cbico. Usando as Equaes (1.19),temos

    2 = 2( 3)( + 3) = 3,

    para algum Z*.

    O prximo passo mostrar que 2, 3 e + 3 no possuemdois a dois nenhum fator em comum, garantindo que os trs devem sernmeros cbicos. De fato, se 1 um nmero primo tal que 1 | 2 e1 | 3 ento 1 = 2, pois 3 mpar. Ento,

    1 | 2 e 1 | (3) 1 | e 1 | (3) 1 | e 1 | 3 1 = 3,

    pois se 1 | , ento 1 - . Mas, isso implicaria que 3 | , que por sua vezimplicaria, pela Equao (1.19), que 3 | , o que contraria a afirmaoinicial deste caso. Portanto, (2, 3) = 1.

    Ainda, suponha que existe um 2 primo tal que 2 | + 3e | 3, o que implica que 2 = 2, pois 3 mpar. Assim,existem , Z tais que + 3 = 2 e 3 = 2. Somando asduas equaes, temos que 2 | 2 e ento 2 | . Subtraindo as equaestemos que 2 | 6 = 2 3, o que implica que 2 | . De fato, se 2 fosse

  • 1.5. LEONHARD EULER 47

    igual a 3 teramos = 3 3 = 3( ) e assim seria mltiplo de3 e consequentemente de , pelas Equaes (1.19), o que impossvel.Logo, 2 | , o que contradiz o fato de que (, ) = 1. Portanto,( + 3, 3) = 1.

    Assim, fica garantido pelo Teorema 1.4 que 2 e 3 sonmeros cbicos. Ento, existem , , Z* tais que

    2 = 3

    + 3 = 3

    3 = 3.(1.20)

    E assim,

    3 + 3 = ( + 3) + ( 3) = 2 = 3,

    que finalmente uma nova soluo para a equao 3 + 3 = 3. Paraque essa soluo gere a descida infinita do mesmo caso, devemos garan-tir que (, ) = 1, alm de , e serem inteiros positivos e queessa uma soluo menor que a inicial.

    Primeiramente, (, ) = 1, pois

    (3, 3) = ( + 3, 3) = 1.

    Logo, (, , ) soluo primitiva da equao 3 + 3 = 3. E mesmoque (, , ) seja uma soluo em que algum dos trs nmeros noseja positivo, ela gera uma outra soluo que seja totalmente positiva,pela mesma justificativa dada no incio de que basta demonstrar o caso = 3 para nmeros naturais.

    Das Equaes (1.19), (1.20), (1.15) e (1.17), obtemos

    333 = 2( + 3)( 3) = 2 = + 333 | 3,

    quando par ou

    333 = 2 = 333 | 3,

  • 48 Captulo 1. O LTIMO TEOREMA DE FERMAT

    quando par, o que indica que , e so menores do que o oudo que o da soluo inicial (, , ). Portanto, (, , ) gera a descidainfinita e encerra esse caso.

    (4) Segundo caso: 3 | .

    Como 3 | , deve existir Z*+ tal que = 3. Sabe-se tam-bm que 3 - , pois (, ) = 1. Assim, usando (1.16) e substituindo por 3, obtemos

    3 = 2(2 + 32) = 2 3(92 + 32) = 32 2(32 + 2).

    Agora, como e tm paridades distintas, temos que acompanhaa paridade de e assim 2 + 32 deve ser mpar. Ento, se existe umnmero primo tal que | 32 2 e | 2 + 32, ento = 2. Ainda,

    | 32 2 | 3 2 | 3 = - - 2 - 2 + 32,

    que contradio.

    Logo, (32 2, 2 + 32) = 1 e pelo Teorema 1.4 os doisdevem ser nmeros cbicos. Pelo Lema 1.1 e pelo desenvolvimento re-alizado no caso anterior, existem , Z* tais que

    = ( 3)( + 3) = 3( )( + ),

    (1.21)

    e assim 2 + 32 = (2 + 32)3. Ainda,

    32 2 = 33 2( )( + )

    deve ser um nmero cbico. Do mesmo modo que foi mostrado nocaso em que 3 - , pode-se concluir que 2, e + so dois adois relativamente primos, pois se existisse um inteiro maior que 1 quedividisse e , ento ele tambm dividiria e e, consequentemente,dividiria e , contradizendo o fato de que e so relativamenteprimos. Portanto, os trs tambm devem ser nmeros cbicos, ou seja,

  • 1.5. LEONHARD EULER 49

    existem , , Z* tais que

    2 = 3

    = 3

    + = 3.(1.22)

    e assim,

    3 3 = ( + ) ( ) = 2 = 3 3 + 3 = 3.

    Dessa forma, , e formam uma nova soluo para a equao3 + 3 = 3 e geram a descida infinita para este caso.

    Portanto, est provado que a equao 3 + 3 = 3 no pos-sui solues positivas primitivas. Logo, tambm no existem soluesinteiras.

    Neste momento da histria, com o caso = 4 provado, a provado UTF se resumia prova dos casos em que um primo mpar. Paraprovar esses infinitos casos, no bastava apenas provar casos isolados.Os matemticos dessa poca comearam a tentar provar o UTF parainfinitos casos de uma s vez. O estudo de alguns conjuntos de nmerosteve grande papel nessa busca. O prximo captulo tem o objetivo deintroduzir alguns deles.

  • 51

    2 DOMNIOS EUCLIDIANOS,FATORIAIS E NOETHERIANOS

    Segundo Edwards (1977), em 1753 Euler considerou que suaprova para o caso = 3 parecia muito diferente da prova para o caso = 4 e que a prova do caso geral parecia estar muito distante. Nosnoventa anos seguintes muitas contribuies resoluo do UTF foramrealizadas por grandes matemticos da poca, como Sophie Germain,Dirichlet, Lam, Legendre e Kummer.

    Sophie Germain (1776-1831) foi uma das primeiras a fazer umaboa tentativa de provar o UTF para um caso mais geral. SegundoStewart (2002), Germain foi uma das poucas mulheres matemticasde sua poca. Ela precisou se passar por homem para poder estudarMatemtica na cole Polytechnique em Paris. Em sua tentativa deprovar o UTF, Germain considerou os casos em que e 2 + 1 soambos primos. Com isso em mente, dividiu o problema em dois casos.No primeiro deveria mostrar que a equao + = no possuisoluo inteira no trivial quando , e no so divisveis por . Eno segundo caso mostraria que no h soluo quando apenas um entre, e divisvel . Ela provou o primeiro caso e com isso as aten-es voltaram-se ao segundo. Entretanto, o segundo caso mostrou-semuito difcil de se provar, e concluiu-se que era necessrio criar outraestratgia de ataque ao problema.

    Em 1847, Gabriel Lam (1795-1870) anunciou que havia solu-cionado o UTF, usando conjuntos do tipo Z[], admitindo que essespossussem a propriedade chamada aqui de fatorao nica de elemen-tos, a qual encontrada no conjunto dos nmeros inteiros, mas no em todos os conjuntos da forma Z[]. Esse foi um dos grandes proble-mas encontrados pelos matemticos ao passar dos anos que buscavam a

  • 52Captulo 2. DOMNIOS EUCLIDIANOS, FATORIAIS

    E NOETHERIANOS

    prova do UTF, pois nem sempre fcil provar se um conjunto apresentaa unicidade da fatorao de seus elementos.

    Mais tarde, Ernst Kummer provou o UTF para mltiplos casos,casos que envolvem o conceito de primo regular, criado por ele, e aanlise de conjuntos denotados por Z[], onde uma raiz complexada unidade. Nos prximos captulos, vamos passar por vrios conceitosque so necessrios para a compreenso do Teorema de Kummer.

    J neste captulo, vamos comear a buscar a unicidade da fato-rao de elementos em um domnio. Introduziremos meios de encontraresses domnios e apresentaremos outras caractersticas importantes queesses conjuntos possuem.

    2.1 DOMNIOS EUCLIDIANOS

    Definio 2.1. Seja um domnio. Dizemos que um domnioeuclidiano se existir uma aplicao : {0} N {0} que satisfaz:

    (i) Se , {0} ento () ();

    (ii) Se , e = 0, ento existem , tais que = +, com = 0 ou () < (), ou seja, vlido o algoritmo de Euclides.

    Observao 2.1. Dizemos que um domnio euclidiano quando euclidiano com a aplicao .

    Exemplo 2.1. Z um domnio euclidiano com a funo () = ||.

    Exemplo 2.2. Se K um corpo, o anel de polinmios K[] umdomnio euclidiano com a aplicao grau (()) = (Ver ApndiceA).

    Exemplo 2.3. O anel Z[] = { + : , Z} conhecido como oanel dos inteiros de Gauss e um domnio euclidiano com a aplicao( + ) = ( + ) = 2 + 2.

  • 2.1. DOMNIOS EUCLIDIANOS 53

    2.1.1 Elementos Associados e MDC

    Definio 2.2. Seja um anel e , , com e no nulos.Dizemos que e so associados em se | e | e denotamos por .

    Observao 2.2. Se um domnio de integridade e e so asso-ciados em , ento existem , tais que = e = . Assim,

    = () 1 = ,

    pois domnio e vale a lei do cancelamento. Portanto, temos que , so inversveis.

    Definio 2.3 (Mximo Divisor Comum). Seja um anel. Dados, , dizemos que um mximo divisor comum (MDC)entre e se satisfaz:

    (i) | e | .

    (ii) Se existir tal que | e | , ento | .

    Observao 2.3. A definio acima uma definio geral para anisdo mximo divisor comum, que sempre conhecemos e usamos para n-meros naturais e que tambm foi usado no Captulo 1.

    Observao 2.4. O MDC entre dois elementos nem sempre nico.Se () e um MDC entre e em , ento existem 1, 2 tais que = 1 e = 2. Assim,

    = 11() e = 21() | e | .

    Ainda, se existir tal que | e | , como um MDC entre e , temos que | e consequentemente | . Portanto, tambm um MDC entre e em .

    Definio 2.4. Sejam , , sendo um anel comutativo comunidade. Dizemos que e so relativamente primos em se existeum MDC entre e em que inversvel.

  • 54Captulo 2. DOMNIOS EUCLIDIANOS, FATORIAIS

    E NOETHERIANOS

    Observao 2.5. Note que se () um MDC entre e comona definio acima, temos que a unidade de tambm um MDCentre e , pois 1 | , 1 | e se existir tal que | e | , ento | , ou seja, existe tal que

    = 1 = 1 = 1 | 1.

    Proposio 2.1. Seja um MDC entre e em , onde umanel. Considere . Ento, um MDC entre e em se, esomente se, e so associados em .

    Demonstrao: () Temos que se um MDC entre e em, ento | e | . Como MDC entre e em , obtemosque | . Analogamente, conclumos que | . Portanto, e soassociados em .

    () Temos por hiptese que | e | e | . Logo, | e | .Se existir algum tal que | e | , ento | , pois MDC entre e em . Por fim, como | , conclumos que | econsequentemente, que um MDC entre e em .

    Teorema 2.1 (Identidade de Bezout). Seja um domnio euclidianoe , no nulos. Ento, existe que um MDC entre e em e existem , tais que

    = + .

    Demonstrao: Considere os conjuntos = { + = 0 : , e + = 0} e = {() : } N {0}. Temos que

    , 2 + 2 = = .

    Assim, pelo Princpio da Boa Ordenao, possui um menor elemento.Seja tal que () o menor elemento de . Vamos provar que um MDC entre e . Temos que

    , : = + .

  • 2.2. DOMNIOS FATORIAIS 55

    Como -euclidiano, devem existir , tais que = + , com = 0 ou () < (). Assim,

    = = ( + ) = (1 ) + ().

    Logo, se = 0, ento e como () o menor elemento de temos que () (), o que contradio. Consequentemente, = 0.Portanto, | . Analogamente, podemos mostrar que | .

    Ainda, se existir tal que | e | , ento existem1, 2 tais que = 1 e = 2. Com isso,

    = (1) + (2) = (1 + 2) | .

    Portanto, um MDC entre e em e pode ser escrito como +,com , .

    Observao 2.6. Note que se existem , tais que + = 1,ento a unidade de um MDC entre e . De fato, temos que 1 | ,1 | e se existe tal que | e | , ento devem existir tambm, tais que = e = . Logo,

    + = 1 + = 1 ( + ) = 1 | 1.

    2.2 DOMNIOS FATORIAIS

    Definio 2.5. Seja um anel. Dizemos que irredutvel se

    (i) = 0;

    (ii) no inversvel;

    (iii) Quaisquer que sejam , , se = implica que inversvelou inversvel.

    Definio 2.6 (Domnio Fatorial). Seja um domnio. Dizemos que fatorial ou um domnio de fatorao nica se cumpre as seguintescondies:

  • 56Captulo 2. DOMNIOS EUCLIDIANOS, FATORIAIS

    E NOETHERIANOS

    (i) Para todo no nulo e no inversvel em existem irredu-tveis de , 1, 2, , tais que = 12 ;

    (ii) Se 1, 2, , e 1, 2, , so irredutveis em tais que

    = 12 = 12

    ento = e existe uma permutao dos ndices tal que (), com = 1, , .

    O item (i) da Definio 2.6 garante a existncia da fatorao,ou seja, que todo elemento no nulo e no inversvel de pode serdecomposto como produto de elementos irredutveis. J o item (ii), falasobre a unicidade dessa fatorao em elementos irredutveis, e claroque a fatorao nica a menos da ordem dos fatores irredutveis. Valeressaltar que a fatorao em irredutveis acontece em muitos anis, masse a unicidade no for garantida isso tem pouca valia na resoluo deproblemas.

    Lema 2.1. Seja um domnio no qual a fatorao em irredutveis possvel. Se todo elemento irredutvel primo em , ento fatorial.

    Demonstrao: Precisamos mostrar a unicidade da fatorao emirredutveis. Por hiptese, todo irredutvel primo em . Seja no nulo e no inversvel e suponha que

    = 12 = 12 , (2.1)

    onde , so irredutveis em com = 1, , e = 1, , e . Segue da hiptese que 1 primo. Alm disso, temos que 1divide , o que implica que 1 divide , para algum {1, , }.Dessa forma, deve existir tal que = 1, mas como irredutvel, temos que inversvel. Logo, 1 e so associados em. Substituindo esse resultado na Equao (2.1), obtemos

    1 1+1 = 2 .

  • 2.2. DOMNIOS FATORIAIS 57

    Repetindo esse processo e permutando os elementos das fatoraes de se necessrio, temos que existe () tal que

    1 = 1 .

    Mas isso implica que () com = 1, , , o que nopode acontecer, pois esses so elementos irredutveis. Logo, devemoster = 0 e consequentemente = . Portanto, fatorial.

    Observamos que o Lema 2.1 substitui a item (ii) da Definio2.6.

    Lema 2.2. Seja um anel euclidiano com unidade e . Se irredutvel em , ento primo em .

    Demonstrao: Sejam , tais que | . Assim, deve existir tal que = . Suponhamos que no divide em . Vamosmostrar que a unidade de um MDC entre e . Temos claramenteque 1 | e 1 | . Se existir tal que | e | , ento existem1, 2 tais que = 1 e = 2. Como irredutvel, temos que2 () ou (). Assim,

    2 () = (2)1 |

    e consequentemente | , contradizendo a nossa suposio. Logo, temosque (), o que implica que | 1. Portanto, a unidade de umMDC entre e . Podemos usar a Identidade de Bezout para escrever1 = + , para algum e . Multiplicando ambos os ladosda igualdade por obtemos,

    = + = + = ( + ) | .

    Analogamente, podemos mostrar que se no divide , ento divide. Portanto, primo em .

    Proposio 2.2. Todo domnio euclidiano fatorial.

  • 58Captulo 2. DOMNIOS EUCLIDIANOS, FATORIAIS

    E NOETHERIANOS

    Demonstrao: Seja um domnio euclidiano e considere o con-junto = { | = 0, / () e no tem fatorao emirredutveis em }.

    Suponhamos que = e tomemos = {() : }. Como no-vazio temos que no-vazio alm de estar contidoem N. Assim, pelo Princpio da Boa Ordenao, possui um menorelemento.

    Seja 0 tal que (0) o menor elemento de . Com isso, 0no pode ser irredutvel em , pois caso contrrio ele mesmo seria suafatorao em irredutveis em . Logo, devem existir , tais que0 = , com , / (). Assim,

    () () = (0) (0) ()() () = (0) (0) ().

    (2.2)

    Ainda, 0 e , 0 e no so associados em , como consequnciada Observao 2.2. Com isso, podemos mostrar que (0) no pode serigual a () e nem a (). De fato, como -euclidiano, devem existir, tais que = 0 + com = 0 ou () < (0). Mas nopode ser zero, pois 0 e no so associados. Ento, se (0) = ()temos

    = () + com () < (0) = ().

    Mas, manipulando a equao acima

    = (1 ) () = ((1 )) (),

    chegamos a uma contradio. Analogamente, obtemos que (0) nopode ser igual a (). Logo, das Equaes (2.2), (0) > () e (0) >(). Com isso, conclumos que e no pertencem ao conjunto eportanto possuem fatorao em irredutveis em . Mas 0 = , donde0 tambm deve possuir fatorao em irredutveis, ou seja, = .

    Assim, a fatorao em irredutveis em sempre possvel.Ainda, temos pelo Lema 2.2 que todo irredutvel primo em . Por-tanto, pelo Lema 2.1 conclumos que um domnio fatorial.

  • 2.3. DOMNIOS NOETHERIANOS 59

    Exemplo 2.4. Os domnios Z, K[] e Z[] so fatoriais, pois so eucli-dianos, como visto nos exemplos 2.1, 2.2 e 2.3.

    2.3 DOMNIOS NOETHERIANOS

    Definio 2.7 (Domnio Noetheriano). Dizemos que um domnio noetheriano se todos os seus ideais forem finitamente gerados.

    Lembramos que um ideal fiinitamente gerado se o conjuntode geradores finito, ou seja, se podemos escrever todo elemento de como = 11 + 22 + + , onde cada um elemento de e = { : = 1, , } um conjunto finito fixo de .

    A definio de domnio noetheriano importante porque a fa-torao em irredutveis est presente nesses domnios, apesar dessa fa-torao nem sempre ser nica. Um domnio noetheriano apresentaduas condies que acabam sendo equivalentes definio de domnionoetheriano. So elas:

    1. Condio da Cadeia Ascendente: Dada uma cadeia ascendente deideais de

    0 1 ,

    ento existe algum N tal que = , para qualquer maiorou igual a , ou seja, a cadeia estacionria.

    2. Condio Maximal: Todo conjunto no vazio de ideais de pos-sui um elemento maximal, ou seja, possui um ideal que no estcontido propriamente em nenhum outro ideal do conjunto.

    Proposio 2.3. Seja um domnio. As seguintes condies so equi-valentes:

    (i) um domnio noetheriano;

    (ii) satisfaz a condio da cadeia ascendente;

  • 60Captulo 2. DOMNIOS EUCLIDIANOS, FATORIAIS

    E NOETHERIANOS

    (iii) satisfaz a condio maximal.

    Demonstrao: (i)(ii) Suponha que seja um domnio noetherianoe considere a cadeia ascendente de ideais de

    0 1 .

    Seja = =1. , claramente, um ideal de , por causa da re-lao de continncia. Assim, finitamente gerado, ou seja, existem1, , tais que = 1, . . . , . Logo, para cada , geradorde deve existir N tal que , onde 1 . Tomemos = max

    1. Assim, contm os geradores de e . Obvi-

    amente, , portanto, = . Com isso = , para todo maior ou igual a , pois .

    (ii)(iii) Seja um conjunto no vazio de ideais de . Suponhamospor contradio que no possua um elemento maximal, ou seja, se0 , ento existe 1 tal que 0 ( 1. Como 1 , ento existe2 tal que 1 ( 2. Dessa maneira, podemos gerar uma cadeiaascendente

    0 ( 1 ( 2 ( ( (

    que no estacionria, contradizendo a hiptese.

    (iii)(i) Seja um ideal qualquer de e o conjunto de todos osideais finitamente gerados de contidos em . Temos que novazio, pois 0 . Logo, como satisfaz a condio maximal, devepossuir um elemento maximal . Se = , deve existir um elemento que est em , mas no em . Ainda, como finitamente gerado,existem 1, , tais que = 1, , .

    Consideremos, ento, o ideal = , 1, , . Temos que , pois finitamente gerado, e ( , contradizendo o fato deque um elemento maximal de . Logo, = e consequentemente, finitamente gerado. Portanto, noetheriano.

    Teorema 2.2. Seja um domnio noetheriano e no nulo eno inversvel. Ento, possui fatorao finita em irredutveis de .

  • 2.3. DOMNIOS NOETHERIANOS 61

    Demonstrao: Considere o conjunto = { : nonulo, no inversvel e no possui fatorao finita em irredutveis de }.Suponhamos que = . Assim, seja o elemento maximal de .Temos que no irredutvel, pois caso contrrio ele seria sua prpriafatorao em irredutveis de . Assim, devem existir , no nulose no inversveis tais que = .

    Da, temos que e . Ainda, no pode serigual . De fato, se = , temos que e , o queimplica que | e | , ou seja, e so associados. Mas como = ,temos que inversvel, o que uma contradio. Do mesmo modo,obtemos = .

    Logo, conclumos que ( e ( , o que implica que, no esto em , pois o elemento maximal de . Portanto, e possuem fatorao finita em irredutveis de e consequentemente tambm possui, pois = . Assim, / , o que uma contradio.Logo, = .

    Observao 2.7. Um caso especial de domnio noetheriano o casoem que cada ideal do domnio seja gerado por apenas um elemento.Um domnio com essa caracterstica chamado de domnio principal.Vimos que todo domnio noetheriano apresenta fatorao em irredut-veis. Veremos que em domnios principais a fatorao nica.

    Exemplo 2.5. Z um domnio principal, ou seja, todo ideal de Z da forma Z, com Z. Com efeito, seja um ideal de Z. Se = {0},ento = 0Z. Tomemos, ento, = {0}. Ento, existe talque = 0. Ainda, 0 = , o que implica que existem nmerosnaturais em . Pelo Princpio da Boa Ordenao, podemos tomar Ztal que seja o menor inteiro positivo de .

    Assim, vamos mostrar que Z = . Seja . Como Z umdomnio euclidiano, devem existir , Z tais que = + , com0 < . Entretanto, = , pois . Ento, pelaminimalidade de segue que = 0 e, consequentemente, Z.

  • 62Captulo 2. DOMNIOS EUCLIDIANOS, FATORIAIS

    E NOETHERIANOS

    Ainda, se Z, ento existe Z tal que = , pois Z. Logo, Z , o que implica que Z = .

    Proposio 2.4. Todo domnio principal fatorial.

    Demonstrao: Seja um domnio principal. Logo, um domnionoetheriano e o Teorema 2.2 nos diz que a fatorao em irredutveis sempre possvel em elementos no nulos e no inversveis de . Assim,falta apenas mostrar a unicidade dessa fatorao.

    Tomemos irredutvel em . Assim, o ideal de geradopor maximal. De fato, suponhamos que exista um ideal de tal que . Como principal, deve existir tal que = . Assim,

    : = .

    Logo, () ou (), pois irredutvel. Se (), entopara todo , temos que = (1) . Consequentemente, = . Se (), ento = 1, o que implica que = .Portanto, um ideal maximal de .

    Agora, suponhamos que | , com , . Assim, existe tal que = . Se - , ento o ideal , de gerado por e contm propriamente o ideal gerado por , pois est em , ,mas no em . Como ideal maximal de , temos que , = .Consequentemente, 1 , . Com isso, devem existir , tais que1 = + . Ento,

    1 = + = + = + = ( + ) | .

    Logo, obtemos que todo irredutvel primo em . Portanto, do Lema2.1 obtemos que fatorial.

    Com esse captulo encontramos vrias maneiras de determinarse um domnio ou no fatorial. Assim, para mostrar que um domnio fatorial, podemos usar a definio de domnio fatorial, mostrar que

  • 2.3. DOMNIOS NOETHERIANOS 63

    euclidiano ou mostrar que a fatorao em irredutveis existe e quecada elemento irredutvel primo em .

    Todo esse estudo necessrio para determinar quando o con-junto Z[], utilizado na teoria de Kummer e que ser definido posterior-mente, um domnio fatorial. Ainda neste trabalho, concluiremos quepara Z[] ser fatorial, necessrio e suficiente que Z[] seja um domnioprincipal.

    Ao fim do prximo captulo seremos capazes de entender asprimeiras caractersticas desse conjunto.

  • 65

    3 TEORIA DOS NMEROSALGBRICOS

    O UTF comeou como um problema de Teoria de NmerosNaturais. Entretanto, eram tantos os matemticos tentando prov-loque novos estudos foram sendo impulsionados e o UTF passou da reada Teoria de Nmeros Naturais para a rea da Teoria de NmerosAlgbricos.

    A Teoria dos Nmeros Algbricos surgiu como estratgia deataque para solucionar equaes diofantinas, em especial, o UTF. Po-demos dizer, ento, que o surgimento dessa teoria e o UTF esto inti-mamente ligados e, por isso, precisamos estud-la. Alm disso, a Teoriade Nmeros Algbricos foca seus estudos nos chamados anis de inteirosalgbricos, nos quais todos os seus elementos so razes de polinmioscom coeficientes inteiros. Provaremos que o nosso anel de interesse,Z[], um desses anis e, com esse propsito, so apresentados, nestecaptulo, conceitos essenciais da Teoria dos Nmeros Algbricos, intro-duzindo extenses e o processo de adjuno de razes a um corpo, quenos levaro aos conjuntos Z[].

    3.1 EXTENSES

    Definio 3.1. Sejam e dois anis comutativos com unidade taisque um subanel de .

    (i) Dizemos que uma extenso de ;

    (ii) Dizemos que inteiro sobre se existir um polinmiomnico no nulo () []1 tal que () = 0;

    1 Ver Apndice A

  • 66 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    (iii) chamado de extenso inteira de ou dizemos que inteirosobre se todo elemento de inteiro sobre ;

    (iv) Quando e so corpos, costumamos trocar a palavra inteiro(a)por algbrico(a) nas definies (ii) e (iii).

    Definio 3.2. Sejam e domnios e , com extenso de. Definimos o conjunto

    [] = {() : () []},

    que denominado a adjuno do elemento ao anel .

    Observao 3.1. Note que os elementos desse conjunto so combi-naes de somas e produtos de elementos de e assim [] .Tambm temos que as operaes soma e produto so fechadas em []e consequentemente, [] um subanel de . Mais do que isso, aspropriedades de domnio de tambm valem em e portanto, se domnio, ento [] um subdomnio de . Alm disso, [],pois se podemos tomar () = [] e ento = () [].

    Mas, se considerarmos L e K dois corpos tais que L extensode K, no podemos afirmar que K[] seja um subcorpo de L, poisapesar de seus elementos serem todos inversveis em L no podemosgarantir que seus inversos multiplicativos estejam em K[]. Por isso,vamos construir uma condio suficiente para que K[] seja subcorpode L.

    Observao 3.2. Podemos realizar mltiplas adjunes de elementosa um anel. Sendo [] a adjuno do elemento a , entopodemos tomar outro elemento e fazer sua adjuno a [], que definida e denotada por

    [, ] = {() : () [][]}.

    Teorema 3.1. Sejam e anis comutativos com unidade, onde subanel de e . So equivalentes:

  • 3.1. EXTENSES 67

    (i) inteiro sobre ;

    (ii) [] um mdulo finitamente gerado (Ver Apndice C);

    (iii) Existe um subanel de tal que um mdulo finitamentegerado que contm e .

    Demonstrao: (i)(ii) Temos que

    [] = {() : () []} ={

    : e N

    }.

    Por hiptese, inteiro sobre . Assim, existem 0, 1, , 1 no todos nulos tais que

    0 + 1 + + 11 + = 0. (3.1)

    Seja um mdulo finitamente gerado pela base {1, , , 1}.Vamos mostrar que = []. Primeiramente, temos pela Equao(3.1) que

    = (0 + 1 + + 11).

    Logo, . Se mostrarmos que para todo natural, obtere-mos que [] , pois um -mdulo. J sabemos que ,para todo 1 . Usando o Princpio da Induo, suponhamos que , para algum natural. Assim, existem 0, , 1 taisque

    = 0 + 1 + + 11. (3.2)

    Da,

    +1 = = (0 + 1 + + 11)= 0 + 12 + + 1.

    (3.3)

    Logo, +1 , pois j mostramos que . Portanto, [] .Como a continncia contrria bvia, obtemos que = [] e conse-quentemente [] um mdulo finitamente gerado por 1, , , 1.

  • 68 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    (ii)(iii) Basta tomar = [].

    (iii)(i) Seja um mdulo finitamente gerado pela base {1, , }tal que e . Consequentemente, para todo1 . Logo, existem com 1 , tais que

    1 = 111 + + 12 = 211 + + 2

    ... = 11 + + .

    (3.4)

    Assim,

    ( 11)1 122 + 1 = 0211 + ( 22)2 + 2 = 0

    ...11 22 + + ( ) = 0.

    (3.5)

    Matricialmente, temos

    ( 11) 12 1

    21 ( 22) 2...

    .... . .

    ...1 2 ( )

    1

    2...

    =

    00...0

    (3.6)Pela Regra de Cramer, temos que = 0, para todo 1 , sendo o determinante da matriz dos coeficientes. Ainda, temos que 1 ,pois . Logo, existem 1, , tais que 1 =

    =1 . Assim,

    = 1 =

    =1 =

    =1

    = 0. (3.7)

    Analisando a matriz dos coeficientes e usando a Equao (3.7) e adefinio de determinante de uma matriz, vemos que pode ser escritocomo

    = + 11 + + 1 + 0 = 0,

    com , para cada 1 . Portanto, inteiro sobre .

  • 3.1. EXTENSES 69

    Observao 3.3. Olhando estritamente para corpos K e L tais que L uma extenso de K, temos que se L algbrico sobre K, entoK[] um Kespao vetorial de dimenso finita (ver Apndice C). Eda implicao (ii)(i) obtemos que se K[] um Kespao vetorial dedimenso finita, ento deve ser algbrico sobre K. Alm disso, aindaprovaremos que a representao de elementos em K[] como combina-o da base de K[] nica. Mas antes temos algumas consequnciasimportantes oriundas do Teorema 3.1.

    Corolrio 3.1. Sejam anis e 1, , . Se 1 inteiro sobre , 2 inteiro sobre [1], . . . e inteiro sobre[1, , 1], ento [1, , ] um -mdulo finitamente ge-rado.

    Demonstrao: Como 1 inteiro sobre , obtemos do Teorema3.1 que [1] um mdulo finitamente gerado. Usando o SegundoPrincpio de Induo sobre , suponhamos que = [1, , 1] um mdulo finitamente gerado por {1, , }. Novamente, peloTeorema 3.1, temos que [] = [1, , ] um mdulo fini-tamente gerado pela base {1, , } . Assim, se ento

    =

    =1 =

    =1

    =1

    = ,

    (),

    onde cada , cada , e com isso, []. Logo, todoelemento [] gerado pelo conjunto { : 1 e 1 }. Portanto, [] = [1, , ] um mdulo finitamentegerado.

    Corolrio 3.2. Sejam uma extenso do anel comutativo com uni-dade e , . Se e so inteiros sobre , ento + , e so inteiros sobre .

    Demonstrao: Sejam , inteiros sobre . Pelo Corolrio 3.1,obtemos que [, ] um mdulo finitamente gerado, que um

  • 70 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    subanel de . Logo, [, ] contm , , + e . Portanto,pelo Teorema 3.1 obtemos que , + e so inteiros sobre .

    Definio 3.3. Considere e dois anis comutativos com unidadetais que um subanel de . Seja () = { | inteiro sobre}. Dizemos que () o anel dos inteiros de sobre . Se o corpo de fraes de e () = , dizemos que integralmentefechado.

    Observao 3.4. Por consequncia direta do Corolrio 3.2 temos que() subanel de . E portanto, () de fato um anel.

    Exemplo 3.1. O anel Z integralmente fechado.

    Sabemos que o corpo de fraes de Z Q. Logo, mostrar queZ integralmente fechado o mesmo que mostrar que Q(Z) = Z.

    Seja Q(Z) Q. Como Z fatorial e Q seu corpo defraes, podemos tomar , Z relativamente primos e = 0 tais que =

    . Ainda, considere

    () = 0 + 1 + + 11 + , 1

    o polinmio mnico no nulo e de coeficientes inteiros tal que () = 0.Precisamos mostrar que Z, ou seja, que (Z). Assim,

    0 = () = (

    )= 0 + 1

    + + 1

    (

    )1+(

    ).

    Multiplicando ambos os lados da igualdade por obtemos

    0 + 11 + + 11 + = 0

    (01 + 12 + + 11) = |

    Suponhamos que / (Z). Assim, deve existir um primo emsua decomposio em fatores primos. Com isso, temos que | , o que

  • 3.1. EXTENSES 71

    implica que | , que uma contradio, pois e so relativamenteprimos. Logo, inversvel em Z e portanto, = 1 Z, ou seja

    Q(Z) = Z.

    Exemplo 3.2. Se um domnio fatorial, ento integralmentefechado. A demonstrao desse fato similar demonstrao realizadaacima. Com isso, consideremos o domnio Z[

    3] e seu corpo de fraes

    Q(

    3). O polinmio () = 2 + + 1 um polinmio mnico deZ[] e consequentemente de Z[

    3][]. Temos que

    (12 +

    32

    )=

    (12 +

    32

    )2 12 +

    32 + 1

    = 14

    32

    34

    12 +

    32 + 1

    = 0.

    Assim, 12 +

    32 Q(

    3) inteiro sobre Z[

    3], mas no est em

    Z[

    3]. Portanto, Z[

    3] no integralmente fechado e consequente-mente no um domnio fatorial.

    Proposio 3.1. Sejam anis. Ento, inteiro sobre se, e somente se, inteiro sobre e inteiro sobre .

    Demonstrao: () Suponhamos que seja inteiro sobre . Assim,se ento existem 0, , 1 no todos nulos tais que

    0 + 1 + + 11 + = 0. (3.8)

    Como , temos que 0, , 1 . Logo, inteiro sobre .Alm disso, como temos que todo elemento de est em e,consequentemente, inteiro sobre . Portanto, inteiro sobre e inteiro sobre .

    () Suponhamos que seja inteiro sobre , que por sua vez, inteirosobre . Assim, se ento existem 0, , 1 , no todos

  • 72 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    nulos, tais que

    0 + 1 + + 11 + = 0. (3.9)

    Consideremos, ento, o anel = [0, , 1]. Assim, inteirosobre . Como inteiro sobre , temos que inteiro sobre ,com 0 1. Logo, 0 inteiro sobre , 1 inteiro sobre [0]e assim sucessivamente at 1, que inteiro sobre [0, , 2].Portanto, pelo Corolrio 3.1, temos que [] = [0, , 1, ] um-mdulo finitamente gerado que contm e e , claramente, umsubanel de . Portanto, pelo Teorema 3.1, temos que inteiro sobre e consequentemente, inteiro sobre .

    Proposio 3.2. Sejam domnios, onde inteiro sobre .Ento, corpo se, e somente se, corpo.

    Demonstrao: () Suponhamos que corpo. Tomemos com = 0. Logo, inteiro sobre e segue do Teorema 3.1 que[] um mdulo finitamente gerado. Como corpo, [] umespao vetorial finitamente gerado.

    Agora, considere a aplicao : [] [], definida por () = . Observemos que uma transformao linear. De fato,para todo , [] e , temos que

    ( + ) = ( + ) = + = () + () e

    () = () = () = ().

    O prximo passo provar que sobrejetora. Para isso, vamosprimeiro determinar a dimenso do ncleo ( ) da transformaolinear . Assim, se (, ) ento () = 0, o implica que = 0.Como supomos = 0 e da hiptese temos que um domnio, segueque = 0. Portanto, ( ) = {0} e dim(( )) = 0.

    Sendo uma transformao linear sobre espaos vetoriaisde dimenses finitas, vem que,

    dim([]) = dim(( )) + dim(( )) = dim(( )).

  • 3.1. EXTENSES 73

    A ( ) um subespao vetorial de [], mas como a dimensoda ( ) igual a dimenso de [], segue que ( ) = [] e logo sobrejetora.

    Assim, como 1 [] (contradomnio), segue que exite [] (domnio) tal que () = 1, ou seja, = 1. Logo, inversvelem []. Portanto, um corpo.

    () Seja com = 0. Como e um corpo, segue que e existe 1 . Precisamos provar que 1 . Como inteiro sobre e 1 , segue que 1 inteiro sobre e existem0, 1, , 1 , no todos nulos, tais que

    (1) + 1(1)1 + + 11 + 0 = 0.

    Multiplicando por 1, obtemos

    1 + 1 + 2 + + 12 + 01 = 0,

    e ento1 = (1 + + 12 + 01) .

    Portanto, um corpo.

    3.1.1 Extenses Algbricas

    Definio 3.4. Sejam L e K corpos tais que L uma extenso de K.Se L algbrico sobre K, chamamos de polinmio mnimo de emK ao polinmio () K[] mnico e de menor grau tal que () = 0.E denotamos, neste caso, () por /K().

    Observao 3.5. Podemos garantir a existncia do polinmio mnimode em K[], definindo o conjunto = { | () K[] nonulo e () = 0}, que um subconjunto no vazio de N, pois algbrico sobre K. Assim, pelo Princpio da Boa Ordenao, possuium elemento mnimo, que o grau do polinmio mnimo. Alm disso,note que, para que L seja algbrico sobre K basta que exista um

  • 74 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    polinmio () em K[], no necessariamente mnico, tal que () = 0.Isso porque essa informao implica na existncia do polinmio mnicode mesmo grau com a mesma propriedade, j que K corpo.

    A partir da Definio 3.4, podemos mostrar as seguintes pro-priedades do polinmio mnimo () de L sobre K.

    (1) O polinmio mnimo () de sobre K nico.

    Demonstrao: O polinmio () K[] pode ser escrito da forma

    () = + 11 + + 1 + 0,

    com K, para todo 0 1. Tomemos um polinmio () emK[] de grau e mnico, ou seja,

    () = + 11 + 1 + 0,

    com K para todo 0 1. Suponhamos que () = 0. ComoK[] um anel, temos que o polinmio () = () () pertencetambm a K[] e da forma

    () = () ()= (1 1)1 + + (1 1) + (0 0).

    Ainda, temos que () = () () = 0. Logo, () um polin-mio em K[] de grau menor que tal que () = 0, contradizendo aminimalidade do . Portanto, o polinmio mnimo nico.

    (2) () irredutvel em K[].

    Demonstrao: Suponhamos que () = ()(), com (), () K[] no nulos. Assim, temos que e . Logo,

    0 = () = ()() () = 0 ou () = 0,

  • 3.1. EXTENSES 75

    pois K no possui divisores de zero. Se () = 0, temos pela mini-malidade do grau de () que o grau de igual ao grau de , o queimplica que o grau de nulo, ou seja, () inversvel em K[]. Domesmo modo, obtemos que se () = 0, ento () inversvel emK[]. Portanto, () irredutvel em K[].

    (3) Seja () K[] tal que () = 0. Ento, () divide ().

    Demonstrao: Da hiptese, temos que . Alm disso, vimosno Exemplo 2.2 que K[] euclidiano. Assim, existem (), () K[]tais que

    () = ()() + (),

    com < ou () = 0. Ao mesmo tempo, temos que

    0 = () = ()() + () = ().

    Logo, < impossvel, pela minimalidade do grau de (). Por-tanto, () identicamente nulo e, consequentemente, () divide ().

    Observao 3.6. Com esses resultados conclumos que se () K[],com K corpo, mnico e irredutvel em K[], ento () o polinmiomnimo de todas as suas razes.

    Lema 3.1. Se K um corpo, ento K[] um domnio principal.

    Demonstrao: Consideremos um ideal de K. Se = {0}, ento = 0 um ideal principal. Agora, suponhamos que diferente de{0}, ou seja, existe um polinmio no nulo em . Definimos o conjunto = { | () e () no nulo}. Como diferente de vazio,obtemos pelo Princpio da Boa Ordenao que existe = , que seumenor elemento. Se () = K*, ou seja, se = 0, ento 1 = 1 e assim =< 1 > K[] um ideal principal.

    Agora, suponhamos que = seja maior que zero. Como() , ento () . Vamos provar a incluso contrria. Sabemos

  • 76 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    que K[] um domnio euclidiano. Assim, se () , ento existem(), () K[] tais que

    () = ()() + (),

    com 0 < ou () = 0. Da, temos que

    () = () ()()

    e como () e ()() , conclumos que () . Mas < = contradiz a minimalidade de . Logo, () = 0 e con-sequentemente, todo elemento de gerado por (). Portanto, K[] um domnio principal.

    Lema 3.2. Sejam K um corpo e () irredutvel em K[]. Ento, oideal de K[] gerado por () um ideal maximal de K[].

    Demonstrao: Seja um ideal de K[] tal que () K[].Pelo Lema 3.1, temos que existe () K[] tal que = (). Temosque () (). Logo, existe () K[] tal que () = ()(),o que implica que () inversvel ou () inversvel, pois () irredutvel.

    Assim, se () inversvel, temos 1 () e, consequente-mente, para qualquer () K[], () = ()()1() () e() = K[]. Por outro lado, se () inversvel, () = ()()1 (), o que implica em () = (). Portanto, () um idealmaximal de K[].

    Teorema 3.2. Sejam L uma extenso de K e L. Consideremosa funo : K[] L definida por (()) = (), ento umhomomorfismo de anis tal que

    (i) Im () = K[];

    (ii) Se algbrico sobre K e () = /K(), ento

    () = ()

    um ideal maximal de K[];

  • 3.1. EXTENSES 77

    (iii) K[]() K[].

    Demonstrao:

    (i) Como (()) = () segue que

    () = {() : () K[]} = K[];

    (ii) Segue diretamente da Propriedade (3) de polinmios mnimos quese () (), ento () = ()() e, assim, () =(). Ainda, a Propriedade (2) nos diz que () irredutvel emK[]. Portanto, segue do Lema 3.2 que () um ideal maximalde K[];

    (iii) Pelo Teorema dos Isomorfismos de anis, temos que

    K[]() ().

    Portanto, K[]() K[].

    Corolrio 3.3. Se L K algbrico sobre K, ento K[] umsubcorpo de L.

    Demonstrao: Seja () = /K(). Pelo Teorema 3.2, temos que

    K[]() K[],

    onde () um ideal maximal de K[]. Com isso, temos que K[]()

    corpo, o que implica que K[] um corpo, obviamente contido em L.

    Com isso, convencional denotar a adjuno de a K porK(), indicando que esse um corpo.

  • 78 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    Proposio 3.3. Sejam K um corpo e algbrico sobre K. Ento, arepresentao de elementos de K() como combinao de elementos dabase {1, , , 1} nica, onde o grau do polinmio mnimode em K[].

    Demonstrao: Suponhamos que existam 0, , 1, 0, , 1 K tais que

    () = 0 + 1 + + 11 = 0 + 1 + + 11.

    Considere, ento, o polinmio

    () = (0 0) + (1 1) + + (1 1)1.

    Como K para todo {0, , 1}, temos que () K[].Ainda,

    () = (0 0) + (1 1) + + (1 1)1

    = 0 + 1 + + 11 (0 + 1 + + 11)= 0.

    Da, conclumos que () = 0, pois < . Assim, por igualdade depolinmios, = para todo {0, , 1}. Portanto, temos quese K(), ento existe um nico () K[] tal que = ().

    Exemplo 3.3. Consideremos K = Q. Temos que o nmero complexo algbrico sobre Q, pois /Q() = 2 + 1, que irredutvel em Q.Com efeito, se existem (), () Q[] tais que 2 + 1 = ()(),esses devem ser de grau 0, 1 ou 2. Mas sabemos que + = 2. Logo,se um deles tem grau 2, o outro inversvel, pois ser de grau 0. Seambos fossem de grau 1, ento existiriam , , , Q com e nonulos tais que

    () = + e () = + ,

    donde

    2 + 1 = ( + )( + ) = 2 + ( + ) + .

  • 3.1. EXTENSES 79

    Pela igualdade de polinmios, obtemos que = 1, + = 0e = 1. Assim,

    0 = + = 1 + 1. (3.10)

    Multiplicando ambos os lados da Equao (3.10) por , obte-mos 2 + 2 = 0 e, consequentemente, que = = 0, contradizendo ano nulidade de . Portanto, a nica possibilidade para 2 + 1 ser es-crito como o produto de dois outros polinmios com um deles sendoinversvel, o que implica que 2 + 1 irredutvel em Q[].

    Agora, seja () Q[]. Como Q[] um domnio euclidiano,devem existir (), () Q[] tais que

    () = (2 + 1)() + (),

    com < 2 ou () = 0, ou seja, existem , Q tais que () = +.Assim,

    () = () = + .Portanto,

    Q() = {() : () Q[]} = { + : , Q}.

    Observao 3.7. Note que poderamos ter nos poupado de parte dotrabalho realizado acima usando o Teorema 3.1. Quando encontramoso grau do polinmio mnimo de , que 2, j poderamos concluir quecada elemento de Q() combinao das potncias de de zero at um,ou seja, 1 e .

    3.1.2 Anel dos Inteiros Algbricos

    Nesta seo finalmente definimos o anel de inteiros algbricose alguns outros conceitos e proposies necessrios para definirmos oscorpos ciclotmicos, que nos levam a Z[].

    Definio 3.5. Seja L uma extenso algbrica de K, com Q K L C.

  • 80 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    (i) Dizemos que um nmero complexo um inteiro algbrico seexiste um polinmio mnico no nulo () com coeficientes in-teiros tal que () = 0;

    (ii) Dizemos que L um corpo de nmeros se uma extenso finitade Q. Quando a base L sobre Q possui elementos, dizemos queL um corpo de nmeros de grau ;

    (iii) Definimos o anel dos inteiros algbricos do corpo de nmeros Lcomo

    L = { L | inteiro sobre Z};

    (iv) Um polinmio () em qualquer anel de polinmios dito sepa-rvel se todas as suas razes so distintas.

    Exemplo 3.4. O anel de inteiros algbricos de Q igual a Z, ou seja,Q = Z, j que no Exemplo 3.1, calculamos o anel de inteiros de Qsobre Z, que exatamente o anel de inteiros algbricos de Q.

    Definio 3.6. Seja () = + 11 + + 1 + 0 K[],onde K um corpo. A derivada de () denotada por e dada por

    () = 1 + 1( 1)1 + 1.

    Ainda, se () = ()(), ento () = ()() + ()().

    Lema 3.3. Seja K um corpo de nmeros. Um polinmio no nulo() K divisvel pelo quadrado de um polinmio de grau maior quezero se, e somente se, e tm um fator comum de grau maior quezero.

    Demonstrao: () Suponhamos que () = ()2(), com 1e (), () K[]. Assim,

    = 2 + 2 = (2 + ).

    Logo, e tem como fator comum.

  • 3.1. EXTENSES 81

    () Suponhamos que e tenham um fator comum de grau maiorque zero e que no seja divisvel pelo quadrado de um polinmioirredutvel de grau maior que zero.

    Seja () K[] o fator comum irredutvel de grau maior quezero de e . Assim, para qualquer () K[] tal que () =()(), temos que () e () no possuem fator comum com graumaior que zero. Ento,

    = + | | .

    Mas < , o que implica que = 0. Da, temos que () K,ou seja, = 0 ou () 0, o que uma contradio.

    Teorema 3.3. Seja K um corpo de nmeros. Todo polinmio irredu-tvel em K[] separvel sobre C.

    Demonstrao: Seja () K[] um polinmio irredutvel em K[].Assim, () no divisvel por um polinmio de grau maior que 1.Logo, e no possuem um fator comum de grau maior que zero,ou seja, se () | () e () | () em K[], ento = 0, o queimplica que inversvel em K[], pois K corpo.

    Com isso, temos pela Observao 2.4 que a unidade um MDCentre e . Pela Identidade de Bezout, devem existir (), () K[]tais que

    + = 1.

    Como (), () C[], temos pela Observao 2.6 que a unidade umMDC entre e tambm em C[]. Portanto, e no possuemum fator comum de grau maior que zero em C[]. Finalmente, peloLema 3.3 temos que () no divisvel por um polinmio de graumaior que 1 em C[].

    Portanto, () no possui razes mltiplas em C, pois se Cfosse uma raiz de multiplicidade 2, ento obteramos ( )2 | (),pela Proposio A.2, o que uma contradio. Logo, () separvelsobre C.

  • 82 Captulo 3. TEORIA DOS NMEROS ALGBRICOS

    A partir de agora, focaremos nossos estudos nos corpos ciclot-micos e, por isso, esses merecem uma seo separada, apesar de tambmserem extenses algbricas. Nesse contexto, o Teorema 3.3 importantepara a melhor compreenso da definio de norma e trao de elementosem corpos ciclotmicos.

    3.2 CORPOS CICLOTMICOS

    No dia 1o de maro de 1847, Gabriel Lam (1796-1870) anun-ciou ter provado o UTF totalmente. De acordo com Stewart (2002),Lam esboou uma prova em que introduziu as razes n-simas da uni-dade e a fatorao da equao + = em termos lineares

    + = ( + )( + ) ( + 1 ) (3.11)

    onde = e2

    e um primo mpar. Para provar isso ele considerou como um polinmio em com coeficientes em C[], ou seja,em C[][]. Essa expresso se anula quando = , em que = para 0 1. Portanto, divisvel por para0 1. Por isso divisvel pelo produto

    ( )( ) ( 1 ),

    que tem grau n e coeficiente dominante 1, assim como , logo osdois so iguais. Agora substituindo por e lembrando que umprimo mpar temos a fatorao dad