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Goiânia - GO, 27 a 30 de julho de 2014 SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural FATORES CONDICIONANTES A PERMANÊNCIA OU SAIDA DOS FILHOS EM PROPRIEDADES DE AGRICULTURA E PECUÁRIA FAMILIAR NO RIO GRANDE DO SUL 1 ALESSANDRA MATTE 1 ; LETICIA CHECHI 2 ; MARIELE BOSCARDIN 3 ; ROSANI MARISA SPANEVELLO 4 ; TANICE ANDREATTA 5 1 Doutoranda em Desenvolvimento Rural, UFRGS, Porto Alegre, e-mail: [email protected] 2 Mestranda em Desenvolvimento Rural- UFRGS, Porto Alegre, RS e-mail: [email protected] 3 Acadêmica de Zootecnia, UFSM- CESNORS, Palmeira das Missões RS. E-mail: [email protected] 4 Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas/ UFSM- CESNORS, Palmeira das Missões RS. E-mail: [email protected] 5 Departamento de Administração e Ciências Econômicas / UFSM- CESNORS, Palmeira das Missões RS. E- mail: [email protected] Grupo de Pesquisa 7: Agricultura familiar e ruralidade Resumo O objetivo deste artigo é analisar os fatores condicionantes ou capazes de motivar a saída ou permanência dos filhos de agricultores e pecuaristas familiares das propriedades paternas. Os dados foram gerados a partir de um recorte analítico de distintos trabalhos de pesquisa desenvolvidos em municípios de predomínio da agricultura familiar (região norte e central) e pecuária familiar (região sul) no Rio Grande do Sul. Os resultados mostram que os filhos de agricultores e pecuaristas familiares apontam fatores semelhantes para permanecer no campo, sendo mais citada a ausência de renda mensal, contato com a cidade, falta de incentivo dos pais ou mesmo despreparo e falta de vontade do jovem em permanecer na propriedade e seguir desenvolvendo as mesmas atividades paternas. Para permanecer, os jovens salientam a importância de ter renda própria, apoio da família, políticas públicas, organizações de produtores e possibilidade de casar-se com jovens pertencentes ao meio rural. O que se pode concluir é que as demandas para permanecer revelam a necessidade de trabalhar a própria organização familiar, bem como a organização externa (como é o caso das políticas públicas). Palavras-chave: Jovens, migração, sucessão; CONDITIONING FACTORS THE PERMANENCE OR DEPARTURE OF YOUNG AT THE PROPERTIES OF FAMILY AGRICULTURE AND LIVESTOCK IN THE RIO GRANDE DO SUL Abstract The objective of this paper is to analyze the conditioning factors that motivate the departure or permanence of the sons from the farmers and ranchers family at the properties paternal. The data were generated from a analytical approach of different papers of research developed in the municipalities of predominance of family farms (northern and southern region) and family livestock (southern region) in Rio Grande do Sul. The results show that sons of 1 Trabalho de pesquisa realizado pelos integrantes no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Agronegócios (NPEAGRO) da Universidade Federal de Santa Maria RS.

FATORES CONDICIONANTES A PERMANÊNCIA OU SAIDA …icongresso.itarget.com.br/tra/arquivos/ser.4/1/3595.pdf · trabalho e a gestão das propriedades da quase totalidade da região centro

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SOBER - Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

FATORES CONDICIONANTES A PERMANÊNCIA OU SAIDA DOS FILHOS EM

PROPRIEDADES DE AGRICULTURA E PECUÁRIA FAMILIAR NO RIO GRANDE

DO SUL1

ALESSANDRA MATTE1; LETICIA CHECHI

2; MARIELE BOSCARDIN

3; ROSANI

MARISA SPANEVELLO4; TANICE ANDREATTA

5

1Doutoranda em Desenvolvimento Rural, UFRGS, Porto Alegre, e-mail: [email protected]

2Mestranda em Desenvolvimento Rural- UFRGS, Porto Alegre, RS e-mail: [email protected]

3Acadêmica de Zootecnia, UFSM- CESNORS, Palmeira das Missões RS. E-mail:

[email protected] 4Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas/ UFSM- CESNORS, Palmeira das Missões RS. E-mail:

[email protected] 5Departamento de Administração e Ciências Econômicas / UFSM- CESNORS, Palmeira das Missões RS. E-

mail: [email protected]

Grupo de Pesquisa 7: Agricultura familiar e ruralidade

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar os fatores condicionantes ou capazes de motivar a saída ou

permanência dos filhos de agricultores e pecuaristas familiares das propriedades paternas. Os

dados foram gerados a partir de um recorte analítico de distintos trabalhos de pesquisa

desenvolvidos em municípios de predomínio da agricultura familiar (região norte e central) e

pecuária familiar (região sul) no Rio Grande do Sul. Os resultados mostram que os filhos de

agricultores e pecuaristas familiares apontam fatores semelhantes para permanecer no campo,

sendo mais citada a ausência de renda mensal, contato com a cidade, falta de incentivo dos

pais ou mesmo despreparo e falta de vontade do jovem em permanecer na propriedade e

seguir desenvolvendo as mesmas atividades paternas. Para permanecer, os jovens salientam a

importância de ter renda própria, apoio da família, políticas públicas, organizações de

produtores e possibilidade de casar-se com jovens pertencentes ao meio rural. O que se pode

concluir é que as demandas para permanecer revelam a necessidade de trabalhar a própria

organização familiar, bem como a organização externa (como é o caso das políticas públicas).

Palavras-chave: Jovens, migração, sucessão;

CONDITIONING FACTORS THE PERMANENCE OR DEPARTURE OF YOUNG

AT THE PROPERTIES OF FAMILY AGRICULTURE AND LIVESTOCK IN THE

RIO GRANDE DO SUL

Abstract

The objective of this paper is to analyze the conditioning factors that motivate the departure

or permanence of the sons from the farmers and ranchers family at the properties paternal.

The data were generated from a analytical approach of different papers of research developed

in the municipalities of predominance of family farms (northern and southern region) and

family livestock (southern region) in Rio Grande do Sul. The results show that sons of

1 Trabalho de pesquisa realizado pelos integrantes no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Agronegócios

(NPEAGRO) da Universidade Federal de Santa Maria – RS.

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farmers and ranchers family present similar factors to remain the field, being the most cited

lack of monthly income , the contact with city , lack of parental encouragement or even

unpreparedness and unwillingness of the young to remain in the property and keep developing

the same the parents activities while that to stay young highlight have their own income ,

family support , public policies , for producer organizations and the possibility of marrying

young people belonging to rural areas . What can be concluded is that the demands to stay

reveals the need to work the family organization as well as organizations external (as is the

case of public policy).

Key words: Young people, migration, succession;

1. Introdução

A demarcação da ocupação territorial do estado do Rio Grande preconiza uma divisão

em termos de características produtivas entre o sul e o centro norte do estado. Na parte sul, de

acordo com os trabalhos realizados por Ribeiro (2001; 2003; 2009) predominam propriedades

compostas por grandes extensões de áreas, estâncias típicas de pecuária extensiva, das

lavouras de arroz e das fazendas de criação de gado intensivas em tecnologias de caráter

empresarial. No entanto, o autor analisando o tamanho das propriedades, identificou a

existência significativa de agricultores que tem a pecuária como principal atividade na

propriedade. Mesmo sendo detentores de pequenas áreas, esses agricultores se dedicam à

bovinocultura de corte em combinação com outras atividades, utilizando a mão de obra

familiar. Quanto a região centro norte, devido ao predomino da colonização europeia,

predominam propriedades como atividades ligadas às lavouras de trigo e soja, cultivos

diversificados, atividade leiteira, avicultura e suinocultura, entre outros (RIBEIRO, 2009).

Considerando as características convergentes entre as regiões pode-se inferir que o

trabalho e a gestão das propriedades da quase totalidade da região centro norte e de parte da

região sul são familiares. Ou seja, encontram-se produtores que vivem da agricultura e da

pecuária sob o regime de economia familiar, podendo ser denominados pecuaristas familiares

e agricultores familiares.

Em termos conceituais a definição da categoria pecuarista familiar é recente e ainda não

muito precisa, sendo a EMATER/RS (2010) a primeira entidade a dar visibilidade a esta

categoria no referente a sua inclusão como público prioritário nos serviços de extensão rural.

Características do pecuarista familiar são apontadas por Ribeiro (2003) como sendo aquele

produtor que tem o gado de corte como poupança, usa mão de obra familiar, produz para a

subsistência da propriedade e da família. Ainda, segundo o mesmo autor, esta categoria tem

dificuldade de se enquadrar nas políticas públicas específicas da agricultura familiar, em

função de dispor de estruturas fundiárias maiores se comparadas aos produtores que vivem da

agricultura. No entanto, como bem ressalta Borba (2006), é preciso ponderar que as áreas de

produção da agricultura e da pecuária gaúchas apresentam características distintas, sendo a

pecuária situada em regiões mais desfavorecidas, geralmente cobertas por afloramentos de

rocha ou de áreas de preservação permanente, limitando assim a área para exploração

agropecuária. Atualmente, os pecuaristas familiares no Rio Grande do Sul, contabilizam

aproximadamente 45.000 famílias (cerca de 10% dos produtores rurais do estado).

Por outro lado, a agricultura familiar é uma categoria que ganhou visibilidade ainda na

década de 1990 com a pressão dos movimentos sociais na busca por crédito aos pequenos

produtores, especialmente através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

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Familiar (PRONAF). Esta iniciativa, pela primeira vez no país, marca a distinção de recursos

econômicos financiados pelo Estado para os agricultores nesse segmento com intuito de

fortalecer a produção agrícola e a viabilidade econômica destes estabelecimentos

(SCHNEIDER et al, 2004). Em 2006, para efeitos de enquadramento dos agricultores

familiares nas linhas de crédito do PRONAF, foi instituída através da Lei 11.326 a definição

de agricultura familiar.

Segundo a referida Lei agricultores familiares são aqueles que praticam atividades no

meio rural de onde predominantemente geram a renda da família; não detêm área superior a

quatro módulos fiscais; utilizam mão-de-obra familiar nas atividades da propriedade, bem

como na gestão da mesma. No Rio Grande do Sul, das 441.467 propriedades existentes, cerca

378.546 (85,7%) são familiares, com renda média de R$ 22.038,00 e contribuindo com quase

a metade (46,6%) da renda agropecuária do estado (IBGE, 2006).

Independentemente da região do estado, tanto os pecuarista como agricultores

familiares vem enfrentando dificuldades quanto a sua reprodução social dada pela

permanência dos filhos nas propriedades no lugar dos pais. Estudos como o de Spanevello

(2008), Weisheimer (2009), Coradini (2011) Brumer e Spanevello (2008) revelam as

incertezas da permanência dos filhos entre os agricultores familiares, principalmente pelo fato

dos filhos almejarem outras perspectivas ocupacionais e não mais a agricultura. Da mesma

forma, estudos entre pecuaristas familiares revelam resultados semelhantes (ANDREATTA e

SPANEVELLO, 2011).

A desmotivação para seguir nas propriedades e na ocupação paterna está diretamente

relacionada às profundas transformações no campo com o impacto da modernização

(SIQUEIRA, 2004). De acordo com Weisheimer (2009), o enfoque geracional aborda

questões importantes para análise do trabalho e processos de reprodução familiar, já que são

muitas as alterações na situação dos padrões históricos e culturais que diferem pais e filhos

neste contexto. Os resultados destas mudanças são novas formas de pensar o modo de vida no

rural, de desenvolver os sistemas produtivos e gerar renda. Quando estas condições não são

consideradas favoráveis, os filhos tendem a deixar as propriedades em busca de novas

atividades ocupacionais.

Com base no contexto descrito acima, o presente trabalho tem o objetivo de analisar os

fatores condicionantes ou capazes de motivar a saída ou permanência dos filhos agricultores e

pecuaristas familiares das propriedades paternas e as implicações sobre a questão sucessória.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Migração juvenil e seus condicionantes

No Brasil, desde a década de 1970 (quando ocorreu o maior índice da população

brasileira vivendo no meio rural) vem ocorrendo um declínio da população rural, chegando a

1996 com 22% da população do país, enquanto em 2010 apenas 15,6% da população

brasileira residia no campo (IBGE, 2014). De modo geral, pode-se dizer que os Censos

Demográficos realizados no Brasil refletem uma diminuição da população do meio rural

brasileiro motivada pelos fluxos migratórios (CAMARANO e ABRAMOVAY, 1999; IBGE,

2014).

Uma das características marcantes referentes à migração é o fato de ser predominante

juvenil. Analisando especificamente o estado do Rio Grande do Sul e suas regiões, a partir

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dos dados dos censos demográficos de 1991, 2000 e 2010, pode-se constatar que a parcela da

população rural gaúcha na faixa etária de 15 a 24 anos, diminuiu consideravelmente com o

passar dos anos, sendo diferenciada por sexo, ou seja, migram mais moças que rapazes.

O trabalho de Froehlich (2002) expõe as dificuldades de inserção de indivíduos do

meio urbano no rural. O autor realizou uma enquete com jovens estudantes do meio urbano,

fazendo o seguinte questionamento: em quais condições aceitariam viver no meio rural? As

respostas, segundo o autor, estão relacionadas a diversos aspectos, entre os quais a não

necessidade de colheita para o sustento; a existência de mercados e farmácias próximos às

propriedades rurais; proximidade à universidade e a locais para sair e olhar vitrines; emprego

perto de casa ou que houvesse ônibus para o deslocamento; proximidade a um centro urbano

para que pudessem aliar lazer e trabalho ou que o campo oferecesse as mesmas condições de

conforto que a cidade (luz, telefone, fácil acesso).

Desta forma, pode-se afirmar que as causas que apontam a crescente saída das novas

gerações do campo podem ser divididas em fatores em internos e externos as propriedades.

De acordo com Brumer (2000), Weisheimer (2009) e Silvestro et al. (2001) a viabilidade

econômica do empreendimento familiar, através da sua capacidade produtiva e geração de

uma renda considerada adequada pelos futuros agricultores, em comparação com as

alternativas que lhes são oferecidas é um fator importante na decisão dos jovens entre

permanecer ou não na propriedade dos pais. Outro fator importante, de acordo com alguns

autores, é a sucessão tardia, onde muitos pais retardam ao máximo a transferência da

propriedade ao filho, pois isso corresponde a uma espécie de abdicação ao poder e à

autoridade. O que leva muitos filhos a assumirem completamente a gestão da atividade

somente quando os pais adoecem ou morrem (WOORTMANN, 1995; SPANEVELLO, 2008;

PAULILO, 2004; SILVESTRO et al., 2001).

No mesmo sentido, surge a questão da autonomia na propriedade familiar. Em grande

parte dos casos os pais oferecem pouca abertura aos sucessores, seja nas tarefas de gestão ou

no comando de determinadas atividades, o que acaba inibindo a capacidade inovadora dos

filhos, levando-os a buscar alternativas de vida diferenciadas (ABRAMOVAY et al., 1998).

De acordo com os estudos de Weisheimer (2004) a família ser proprietária da terra e o

tamanho da mesma também é um fator importante para os filhos, pois os mesmos não

visualizam condições para efetivar sua profissão na agricultura sem a propriedade da terra.

Incluem-se também aos fatores internos a propriedade a pluriatividade e a ocupação. A

pluriatividade amplia as oportunidades e estratégias de obtenção de rendas complementares às

atividades agrícolas, por um ou mais membros da família (RIBEIRO, 2000; BRUMER,

2000). Enquanto que a escolha pela ocupação “agricultor(a)”, a valorização da mesma em

relação a outras profissões e a apreciação pelo campo é um fator levantado pelos novos

agricultores (BRUMER, 2000).

Relacionado aos fatores externos a propriedade, pode-se citar o casamento. As

mulheres têm migrado para as cidades, pois não têm anseio em casar-se com um agricultor

que lhe proporcione uma vida baseada no trabalho rural e doméstico, alicerçado sobre uma

posição subordinada (BORDIEU, 2000). Muitas mulheres, assim como muitos homens,

também estão abandonando o meio rural em busca de estudo, pois na maioria dos casos não

há uma universidade próxima a propriedade paternas para que os jovens possam se

profissionalizar (SPANEVELLO, 2008).

A pesquisa de Brumer e Spanevello (2008), ao levantar a questão, entre os jovens de,

caso tivesse recursos, em que investiria, revela o desejo das moças em investir, em primeiro

lugar, em estudo e trabalho urbano (41% das respostas), enquanto os rapazes investiriam

primeiramente em terras e equipamentos agrícolas (35% das respostas). Além do estudo,

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outro fator apontado por Weisheimer (2009) como limitante a permanência é a dificuldade de

acesso ao lazer que os jovens estão encontrando no meio rural na atualidade ou como ressalta

Spanevello (2008) as comunidades onde residem os jovens geralmente dispõem de pouca

infraestrutura para entender os anseios de lazer buscados pelos jovens e nem de longe

conseguem oferecer atrações semelhantes aos espaços urbanos.

Nos estudos realizados por Spanevello (2008) e Brumer e Spanevello (2008) o

incentivo aos jovens a permanecerem no meio rural através de políticas públicas e o acesso ao

crédito também tem sido assunto de debate. No entanto, embora existam politicas públicas

vigentes para o público jovem, tais como as linhas de crédito do Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), essas são pouco acessadas pelos jovens,

especialmente as mulheres, conforme já mostrado no trabalho de Hernández (2009).

2.2 Sucessão geracional

Na lógica da reprodução social da atividade agropecuária tende a ficar no lugar dos pais

pelos menos um dos filhos, através do processo conhecido como sucessão geracional, definida

como a passagem da gestão dos negócios das propriedades rurais dos pais para os filhos

(GASSON e ERRINGTON, 1993).

No entanto, a saída dos jovens pode provocar mudanças quanto a continuidade das

propriedades. Nas gerações passadas a continuidade das propriedades rurais era atendida

através da colocação profissional de todos os filhos na atividade agropecuária, onde cada um

se instalava em uma nova propriedade. No entanto, de acordo com Wanderley (2001), as

mudanças ao longo do tempo, fizeram com que esta questão tenha outra dimensão: a meta é a

permanência de pelo menos um dos (as) filhos (as) como sucessor (a) para garantir a

continuidade da propriedade e não necessariamente a alocação de todos os filhos na atividade

agrícola ou de pecuária. Outra constatação sobre as especificidades ocupacionais da

agricultura familiar diz respeito ao fato de que o ingresso na profissão agrícola continua sendo

predominantemente o destino de indivíduos oriundos do próprio meio rural, embora a

profissão agrícola seja uma opção aberta para indivíduos de origens sociais diversas (rural ou

urbana) (SILVESTRO et al., 2001).

Diversos estudos sobre a sucessão em propriedades têm mostrado uma crescente

dificuldade dos pais em encontrar um sucessor ou sucessora (SILVA et al., 2006).

Particularmente, o que vem chamando a atenção é a possibilidade de não sucessão entre estas

propriedades. Isto está ocorrendo por que na atualidade os padrões de referência em torno da

sucessão vêm passando por mudanças (BORDIEU, 2001, 2000; CARNEIRO, 1998 e 2001;

SILVESTRO et al., 2001). Segundo estes autores, as mudanças são estruturais, na sociedade

em geral, o que vem afetando o meio rural e o modo de vida das famílias, gerando

implicações na sucessão das propriedades.

As consequências da ausência de sucessores estão centradas na própria manutenção

das propriedades no médio e longo prazo, tendo em vista que a saída dos filhos dificulta a

constituição de novos casamentos e novas famílias para recompor o lugar das gerações

antigas. De acordo com Camarano e Abramovay (1999) esta migração dos jovens, e mais

intensamente das mulheres podem resultar também no processo conhecido com

masculinização do campo. Em razão da saída mais intensa das moças, os rapazes podem

encontrar dificuldades em constituir novos casamentos, até porque como ressalta Silvestro et

al. (2001) e Spanevello (2008) os casamentos de moças de origem urbana com rapazes do

meio rural são pouco expressivos, até porque a rotina do trabalho rural tende a ser pouco

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atrativa para jovens que não estão acostumadas com o dia a dia da atividade. De acordo com a

pesquisa realizada por Brumer e Spanevello (2008) as moças apresentam um maior percentual

de indecisão sobre o casamento do que os rapazes (27,0% contra 12,4%), e os rapazes

reforçam mais do que as moças a possibilidade de casar com uma agricultora pelo fato de ser

uma pessoa que conhece o trabalho agrícola (43,1% e 19,5% respectivamente).

Outro aspecto diz respeito ao envelhecimento dos pais que tendem a encontrar

dificuldades com o avanço da idade, especialmente pela não possibilidade de contar com o

apoio dos filhos no amparo da velhice. Como resultado, segundo trabalhos de Mate e

Spanevello (2010), parte dos pais tende a vender as propriedades para residir na cidade, mais

próximos de recursos de saúde e também dos filhos. Os processos sociais citados acima ainda

podem implicar na dinâmica do desenvolvimento local e regional, especialmente em locais

aonde predominam a agricultura ou pecuária familiar.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para atender o objetivo proposto realizou-se um recorte analítico de distintos trabalhos

de pesquisa desenvolvidos em municípios de predomínio da agricultura familiar e de pecuária

familiar.

A base de dados das pesquisas realizadas analisando a questão da saída e permanência

dos jovens e a questão sucessória da agricultura familiar foi coletada em municípios do norte

do estado, sendo eles Esperança do Sul, Taquaruçu do Sul, Barra Funda e Seberi, e da região

central Dona Francisca e Pinhal Grande. A base de dados relativos à pecuária familiar tem

como referência trabalhos de pesquisa realizados nos municípios de Dom Pedrito e Piratini,

situados no sul do estado. Nestes trabalhos foram entrevistados pais e filhos que ainda

permanecem residindo nas propriedades.

De maneira geral, pode-se afirmar que os municípios caracterizados como de

agricultura familiar, apresentam como principais atividades econômicas soja, milho, trigo,

arroz e leite. A estrutura populacional entre os municípios também é semelhante: a maioria

tem maior percentual de população ainda residindo no meio rural comparativamente ao

urbano. Com relação a população juvenil rural, observa-se um diminuição gradativa a cada

Censo Demográfico realizado pelo IBGE, sendo que ainda permanecem mais os rapazes que

as moças no campo, enquanto o número de idosos2 tem aumentado gradativamente.

Considerando os municípios marcados com a pecuária familiar, os principais sistemas

de produção geradores de renda estão voltados unicamente à produção da pecuária de corte,

ou mesclada com a produção de ovinos, ou ainda com arrendamento para a produção de arroz.

No tangente à condição populacional, registra-se maior população urbana que rural. Da

mesma forma que a agricultura familiar o número de jovens tende a ser cada vez menor,

conforme apontam os Censos Demográficos, especialmente de jovens do sexo feminino. A

maior saída dos jovens acentua o envelhecimento dos pais no meio rural a exemplo do que

acontece nos municípios de agricultura familiar pesquisados.

Os dados foram organizados em três grandes eixos, quais sejam: Aspectos

relacionados á família, aspectos relacionados à propriedade e motivações para saída ou

permanências dos filhos (as). A análise foi realizada a partir de uma perspectiva comparada, e

buscou identificar possíveis semelhanças e diferenças de visão, considerando o tipo de

atividade e de região analisada.

2 Definido pelo IBGE como pessoas acima de 60 anos de idade.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em linhas gerais é possível auferir que o tema da sucessão tem norteado as discussões

em torno do futuro das regiões rurais. Em larga medida, ela está associada às estatísticas dos

últimos anos que apontam para o êxodo rural, ou seja, a perda de população, principalmente

de jovens rurais. Para facilitar a apresentação dos resultados, apresentamos no Quadro 1 a

sistematização dos principais resultados entre agricultores familiares e pecuaristas familiares,

destacando no texto elementos que explicam tais diferenças.

No que concerne ao eixo referente aos aspectos familiares, é possível inferir que a

média de idade dos pais é semelhante entre os agricultores familiares e pecuaristas familiares,

apresentando uma variação em um intervalo entre 50 e 54 anos, respectivamente. Quanto à

escolaridade, ambos representam apenas os primeiros cinco anos de estudo ou o ensino

fundamental incompleto.

A origem da renda na agricultura familiar é diversificada, e de um modo geral, é

composta pela produção leiteira e de grãos, tais como milho, soja e trigo. O leite representa a

principal fonte de renda para estes agricultores, representando para 75% das famílias acima de

50 % do total da renda familiar. Além disso, o leite é uma atividade geradora de renda que

pode ajudar o jovem a permanecer no meio rural, pois proporciona uma renda mensal fixa,

assemelhando-se a renda urbana.

Com relação às fontes de renda da pecuária familiar, estas são provenientes da

bovinocultura de corte (considerada a principal atividade), ovinocultura e produção de arroz.

Do total, 90% das famílias tem basicamente a pecuária de corte (bovinos e ovinos) como

fonte de renda e para 10% das famílias, além da pecuária, apresentam o arroz como principais

fontes de rendas da propriedade. Além da renda, pode-se afirmar que a uma estreita relação

entre as condições de infraestrutura da propriedade e a permanência do jovem, visto que, as

propriedades mais capitalizadas tem maior tendência de manter o jovem, pois o mesmo

consegue tirar o sustento da propriedade, já nas propriedades menos capitalizadas, os jovens

vão em busca de melhores condições de vida no meio urbano, muitas vezes, com o incentivo

dos pais, conforme trabalho de Spanevello (2008).

O tamanho das famílias é bastante reduzido, tanto na agricultura como na pecuária

familiar. Em uma parte significativa das propriedades geralmente residem os pais e um dos

filhos considerado sucessor. O filho que permanece na propriedade é geralmente do sexo

masculino. A preferência pelos filhos homens na sucessão das propriedades já foi registrado

pelos estudos de Carneiro (2001) e Paulilo (2004), como parte da lógica de reprodução entre

os pais que privilegiam os filhos do sexo masculino pelo entendimento que deve permanecer

na terra quem efetivamente trabalha nela. Neste caso, em razão do trabalho feminino agrícola

das mães e das filhas ser considerado como ajuda e não efetivamente como um trabalho que

mereça ser remunerado de forma econômica, reside o entendimento que o trabalho das

mulheres, de forma geral, não é efetivo na geração de renda quando comparado com os dos

homens (CARNEIRO, 2001).

Com relação ao trabalho na agricultura familiar observa- se que este requer mão de obra

diária e necessidade de trabalho nos finais de semana, principalmente com a atividade leiteira,

influenciando mais significativamente na insatisfação dos jovens em relação a vida no meio

rural. A maioria dos jovens gostaria de ter o final de semana sem obrigações, livre para sair,

ir a festas, para a realização de atividades de lazer em geral. Já o trabalho realizado na

pecuária familiar é bastante distinto, pois não exige mão de obra diária e a penosidade do

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trabalho é baixa, possibilitando que poucos membros realizem as tarefas, além disso, é

possível desenvolver a pecuária sem residir na propriedade rural.

Considerando o interesse de realizar investimentos com o objetivo de melhorar a

infraestrutura da propriedade ou até mesmo aumentar a produtividade, observa- se que há

maior interesse por parte dos agricultores familiares (sendo 90 % favoráveis aos

investimentos). No entanto, está claro que se os pais não têm perspectivas de que ao menos

um de seus filhos os suceda, não veem razões para investir na propriedade.

No caso da pecuária familiar, entre os pais que ainda tem filhos residindo na

propriedade e que visualizam a possibilidade de identificar no mínimo um sucessor, em torno

de 50% afirmam estar realizando investimentos. Dada a natureza da pecuária familiar (criação

extensiva, de baixo uso de tecnologias) o principal investimento se constitui na aquisição de

novas áreas de terras. Na visão dos pais, além da possibilidade da expansão da atividade, esta

é uma estratégia de demonstrar os filhos e os incentivar a seguir na atividade futuramente.

Em alguns casos se observa um desinteresse na realização de investimentos, pois com a

possibilidade da não permanência de nenhum dos filhos, não tem mais mão de obra e nem a

perspectiva da continuidade da atividade. Nestas propriedades, entre os casais mais idosos,

sobretudo, o que se observa é a utilização de sistemas de produção tradicionais. Tal estratégia

é possível de ser implementada, uma vez que a pecuária de corte aos moldes tradicionais

dispensa o uso intensivo de mão de obra, e pode ser considerada uma atividade menos penosa,

se comparada a atividade leiteira, ou as atividades de lavoura. Assim, a atividade de pecuária

de corte, diferente da pecuária leiteira desenvolvida na agricultura familiar, não exige mão de

obra diária, apenas esporádica e nos períodos de manejos específicos, como a vacinação,

marcação ou castração dos animais. Em alguns casos, tem ocorrido a prática do arrendamento

de áreas para terceiros, além da presença de renda advinda de transferências sociais, como a

aposentadoria.

Em relação às razões da saída do meio rural, observou-se que são semelhantes tanto

para os agricultores familiares, como para os pecuaristas familiares os seguintes fatores:

ausência de renda mensal, contato com a cidade, falta de incentivo dos pais, despreparo dos

filhos/filhas e falta de vontade por parte dos jovens. A ausência de uma renda mensal

desmotiva os jovens a permanecer no campo, bem como o contato com a cidade, gerando uma

visão que o meio urbano é um local de conforto, comodidades e benefícios. Por isso, a

tendência é que os jovens construam a visão de que a cidade possui facilidades, atrativos e

possibilita crescimento profissional. De acordo com Brumer (2000), Weisheimer (2009) e

Silvestro et al. (2001) a permanência dos jovens no estabelecimento rural no lugar dos pais,

está associada ao êxito da propriedade familiar, especialmente o monetário.

Variáveis Agricultura Familiar Pecuária Familiar

Asp

ecto

s re

lacio

nados

à

fam

ília

Média de idade dos

pais Média de 50 anos Média de 54 anos

Escolaridade Em média os cinco

primeiros anos de estudo. Em média os cinco primeiros anos de

estudo.

Tamanho da família Em média os pais e um filho

sucessor.

Em média pais e um filho; em 40% das

propriedades é só o casal.

Origem da renda Produção leiteira e grãos

(milho, soja e trigo).

Predominantemente bovinocultura de

corte, ovinocultura e arroz.

Número de filhos que permanecem na

Apenas um filho, geralmente do sexo masculino.

Apenas um filho, geralmente do sexo masculino.

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atividade A

specto

s re

lacio

nados

à p

ropri

edade Uso da terra

Produção leiteira e grãos

(milho, soja e trigo). Pecuária extensiva.

Sistema de produção Bovinos de leite e grãos.

Bovinos de corte (comercialização),

ovinos (predominantemente para

consumo,) e equinos (para o trabalho).

Produção para o

autoconsumo

Mandioca, hortaliças, frutas,

aves, suínos

Mandioca, hortaliças, frutas, aves, suínos

(em poucas propriedades)

Características da

atividade agrícola

Requer mão de obra diária,

inclusive finais de semana.

Não exige mão de obra diária; baixa

penosidade do trabalho.

Fonte de renda

agrícola

Para 75% das famílias a

renda do leite representa

acima de 50 % do total da

renda familiar.

90% das famílias a renda é basicamente

advinda da pecuária de corte; 10% a renda

advém da pecuária e a lavoura.

Investimentos na propriedade

90% são favoráveis aos

investimentos, enquanto 10% são indiferentes.

Pouco interesse em investimentos.

Moti

vações

para

a

saíd

a o

u p

erm

an

ên

cia

dos

filh

os

(as)

Razões do êxodo dos

jovens rural

Ausência de renda mensal;

falta de incentivo dos pais,

falta de vontade e falta de

ofertas de lazer.

Falta incentivo dos pais, contato com a

cidade, despreparo e falta de vontade.

Fatores que favorecem

a permanência dos

jovens nas

propriedades

Renda satisfatória;

reconhecimento, incentivo e

apoio da família; vontade e

dedicação pessoal;

autonomia e renda própria e

políticas públicas.

Reconhecimento, incentivo e apoio da

família; encontrar um companheiro para

compartilhar as atividades; renda própria e

autonomia para gastos; participar de

grupos de produtores, sindicatos e

cooperativas; politicas publicas; acesso a

propriedades de terra.

QUADRO 1 – Sistematização dos resultados entre agricultores familiares e pecuaristas

familiares. Fonte: Elaborado pelas autoras.

Outro fator importante destacado pelos jovens é a falta de incentivo dos pais, muitas

vezes pelo fato de não permitirem autonomia aos filhos na participação da gestão da

propriedade, ou até mesmo por não acreditarem que o jovem possa manter-se no meio rural,

acabam incentivando os mesmos a mudarem para o meio urbano e dar continuidade aos

estudos. Essa falta de participação dos jovens faz com que os mesmos sintam-se

despreparados e desmotivados para assumirem a propriedade dos pais. Abramovay et al.

(1998) constatam que os pais conduzem as propriedades sem a participação ativa e efetiva dos

sucessores, apesar do aumento da expectativa de vida dos pais e do maior contato (em número

de anos) entre eles. Os filhos compartilham com os pais o trabalho, esperando o momento da

sucessão.

Na concepção de Abramovay et al. (1998), a participação restrita dos sucessores pode

comprometer o desenvolvimento do estabelecimento familiar porque inibe a capacidade dos

filhos em mostrar sua capacidade inovadora, seja no desenvolvimento da atividade agrícola

ou na gestão, levando-os a buscar outras alternativas de vida. Ademais, segundo Brumer

(2007), caso tenham interesse pela atividade agrícola, os filhos podem ficar trabalhando ao

lado dos pais esperando pela sucessão ou podem buscar outra atividade enquanto esperam,

podendo perder a motivação para exercer a atividade agrícola e para a sucessão.

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Um aspecto que diferencia os motivos de saída dos jovens agricultores e pecuaristas

familiares é a oferta de lazer no meio rural. Entre os jovens agricultores familiares, esse é um

fator que os motiva a sair, pois não encontram mais atividades para diversão nos finais de

semana, apenas na cidade, como apresentado por Weisheimer (2009) em seu trabalho, onde a

sociabilidade juvenil está limitada a encontros em jogos de futebol, bares e lanchonetes, na

igreja, em mediações centrais dos municípios. Diferente dos jovens pecuaristas familiares,

que vem na própria atividade produtiva desenvolvida (a pecuária de corte) uma diversão.

Além disso, no meio rural com predominância da pecuária de corte ainda é possível encontrar

atividades de lazer como as carreiras de cavalo, as festas da semana farroupilha e as

atividades produtivas de marcação, vacinação ou castração dos animais, que torna-se um

evento nessas localidades.

Outro aspecto que diferencia agricultores familiares de pecuaristas familiares é a

realidade geográfica em que estão inseridos. No sul do estado do Rio Grande do Sul, onde há

predomínio de pecuaristas familiares, existe uma distancia geográfica significativa entre os

estabelecimentos, explicado também pelo tamanho das propriedades, que, apesar de serem

familiares, parecem grandes aos olhos de agricultores familiares do norte. Enquanto entre os

pecuaristas familiares a pequena área de terra pode chegar a 300 hectares, no norte do estado,

entre os agricultores familiares, a o tamanho máximo pode chegar a 50 hectares, por exemplo,

dependendo da região.

Essa diferença é explicada por um conjunto de fatores, entre eles as características do

solo de ambas as regiões. Na região de predominância de pecuária familiar, caracterizado pelo

bioma Pampa, com a presença de pastagens naturais o solo é de baixa profundidade, com

afloramento rochoso em determinados locais; solo argiloso, e com baixa propensão ao cultivo

de lavouras, mas favorável a produção pecuária. Enquanto no norte e centro do estado, onde

há predominância da agricultura familiar, se observa solos profundos, vermelhos e propícios

para o cultivo de lavouras. As propriedades são menores devido a forma de ocupação da

região (colonização) e as atividades desenvolvidas nelas.

Muitos são os fatores que motivam os jovens a ficar ou sair do meio rural, sendo mais

discutidos os fatores que levam ao abandono do meio rural por parte dos jovens e pouco se

investiga quais as situações favoráveis a sua permanência. Os motivos que favorecem a

permanência dos filhos nas propriedades, segundo respostas dos pais, são semelhantes para

agricultores e pecuaristas familiares: geração de renda satisfatória, reconhecimento, incentivo

e apoio da família, vontade e dedicação pessoal, autonomia e políticas públicas. Além disso,

outros fatores de relevância foram citados pelos pecuaristas: encontrar um companheiro para

compartilhar as atividades, participar de grupos de produtores, sindicatos e cooperativas e o

acesso a propriedades de terra.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema da sucessão tem norteado as discussões em torno do futuro das regiões rurais e

projetos de desenvolvimento dessas regiões. Em larga medida, ela está associada às

estatísticas dos últimos anos que apontam para o êxodo rural, ou seja, a perda de população,

principalmente de jovens rurais.

Corroborando com as estatísticas oficiais, as pesquisas realizadas em regiões de

agricultura como de pecuária familiar, independente das atividades desenvolvidas, mesmo

com a valorização nos últimos anos dos preços dos produtos agropecuários e melhoria das

condições de vida das famílias, e das políticas públicas, a evasão de jovens do rural em

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direção ao meio urbano se constitui em um dos principais itens de pauta quando se discute os

projetos de desenvolvimento rural.

Ainda considerando os resultados das pesquisas com pais, tanto de agricultura como

os da pecuária familiar, as causas internas e externas são semelhantes, ou seja, figuram em

ambos os casos questões como a ausência de renda mensal, contato com a cidade, falta de

incentivo dos pais, despreparo e falta de vontade. Por outro lado, as diferenciações se dão no

âmbito das condições de trabalho, que na visão dos pecuaristas familiares, considerando a

pecuária tradicional em um sistema extensivo, pode ser considerada menos penosa, se

comparada à atividade leiteira ou a atividades de lavoura. Outra possível diferenciação é a de

que os pecuaristas tem a perspectiva de que os filhos, dada a configuração da pecuária, podem

dar continuidade a atividade a distância, ou combinada com outra atividade urbana. Desse

modo, os resultados nos permitem mostrar que existem diferenças na sucessão entre

agricultores familiares e pecuaristas familiares, advindas da forma de ocupação dessas áreas,

das características de solo, clima, ambiente, das atividades produtivas desenvolvidas entre

outros elementos que merecem ser investigados. Podemos concluir que na pecuária familiar

existem perspectivas do filho administrar a distancia e até mesmo retornar em sua velhice

para a propriedade, diferente do que se observa da agricultura familiar, onde a probabilidade

de um filho retornar ou manter a propriedade é remota. Esses encaminhamentos se distinguem

principalmente pela atividade desenvolvida nos estabelecimentos. Nesse sentido, mais estudos

são necessários para analisar qual a probabilidade do filho retornar e até mesmo manter o

patrimônio (terra) em suas mãos entre agricultores e pecuaristas familiares.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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