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POLÍTICA ECONÔMICA E REFORMAS ESTRUTURAIS Brasília, abril de 2003

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Estudo sobre reformas economicas do ministerio da fazenda no primeiro governo Lula.

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  • PPOOLLTTIICCAA EECCOONNMMIICCAA

    EE RREEFFOORRMMAASS EESSTTRRUUTTUURRAAIISS

    Braslia, abril de 2003

  • MINISTRO DA FAZENDAAntonio Palocci Filho

    SECRETARIA EXECUTIVABernard Appy

    SECRETARIA DE POLTICA ECONMICAMarcos de Barros Lisboa

    CHEFE DE GABINETELscio Fbio Brasil Camargo

    SECRETRIOS ADJUNTOSRoberto Pires Messenberg

    Wagner Guerra Junior

  • 3Poltica Econmica e Reformas Estruturais

    Este documento tem como objetivo apresentar as prioridades da agenda econmica do Ministrio

    da Fazenda para este ano e apontar como estas prioridades se inserem no contexto de mudana

    do Pas. O documento apresenta um diagnstico resumido dos principais problemas econmicos

    atuais e analisa os impactos sociais da estrutura tributria, assim como a compatibilizao entre

    a eficcia dos gastos sociais da Unio e as limitaes econmicas ora enfrentadas. As restries

    macroeconmicas herdadas e os princpios da poltica econmica que vem sendo adotada pelo

    governo tambm so discutidos, servindo de cenrio para a apresentao das propostas de

    reformas institucionais para o mercado de crdito que visam o aumento da eficcia da poltica

    econmica e iro contribuir para a retomada do desenvolvimento econmico. O documento

    sistematiza a agenda inicial de reformas. Essa agenda dever ser posteriormente complementada

    por mudanas institucionais em reas igualmente centrais para a melhoria do funcionamento da

    atividade econmica, como o setor de seguros e mercado de capitais, e por reformas e projetos

    especficos a serem encaminhados pelas demais reas de governo, que tm como objetivo

    melhorar as condies de vida da populao atravs da retomada do crescimento econmico e a

    melhoria da distribuio de renda.

    1 Introduo

    Objetivos da Poltica Econmica

    Os objetivos da poltica econmica do governo foram apresentados durante o

    processo eleitoral. Os documentos bsicos que estruturam o projeto de Pas proposto pelo

    presidente Lula antes das eleies, a Carta ao Povo Brasileiro e o Programa de Governo, partiram

    de trs idias essenciais: i) a necessidade de retomada do crescimento sustentvel da economia

    brasileira; ii) a compreenso de que esta retomada passa por um perodo de transio, que inclui

    um processo de ajuste das condies macroeconmicas e a implementao de reformas estruturais;

    e iii) a opo por um projeto de desenvolvimento econmico que tenha a incluso social como seu

    eixo central, alm de, no curto prazo, enfrentar graves problemas, como a subnutrio e a extrema

    pobreza que atingem parcela significativa da nossa populao.

    O programa de governo parte do princpio de que so aspectos inseparveis do

    projeto de desenvolvimento a retomada do crescimento econmico em bases sustentveis, o

    fortalecimento das instituies essenciais participao social e ao adequado funcionamento

  • 4dos mercados e a melhoria da distribuio de renda, que deve ser compatvel com a

    igualdade de acesso dos diversos grupos sociais aos bens e servios bsicos, como sade e

    educao, assim como oportunidades de emprego.

    A poltica econmica est centrada na retomada do desenvolvimento econmico, com

    a criao de empregos, na melhoria da distribuio de renda e nas reformas institucionais

    que se fazem necessrias para garantir a sustentabilidade do crescimento. Essa retomada

    deve ocorrer em bases slidas, de modo a garantir taxas maiores e estveis de crescimento da

    renda nacional, o que requer o enfrentamento de diversos problemas estruturais da economia

    brasileira. Como colocado no programa de governo, esse enfrentamento uma tarefa que vai

    passar, este ano, por diferentes fases de maturao dentro do governo a partir de uma ao

    coordenada na administrao federal entre os ministrios que cuidam da poltica econmica e os

    que se dedicam ao desenvolvimento econmico e incluso social.

    A economia brasileira apresenta problemas de crescimento econmico e distribuio

    de renda cujas causas estruturais transcendem a poltica macroeconmica de curto prazo.

    Os sintomas desses problemas so bem conhecidos. A atual desigualdade de renda no Brasil

    praticamente a mesma de h trinta anos, depois de passarmos pelos mais diversos regimes

    monetrios e cambiais e fases do ciclo econmico. De forma similar, a economia brasileira

    apresenta uma relativa taxa de estagnao da renda per capita desde o comeo da dcada de 80.

    Como conseqncia, hoje o Brasil apresenta a mesma distncia em relao renda per capita

    norte-americana observada em 1960, enquanto muitos pases com renda per capita semelhante

    do Brasil no mesmo ano conseguiram melhorar significativamente o seu nvel de vida, em

    comparao ao das naes mais ricas. Alm disso, h dcadas a economia apresenta uma baixa

    taxa de investimento privado, assim como um reduzido volume de crdito e altos spreads

    bancrios em relao a pases com renda per capita semelhante. Por fim, o volume de comrcio

    com o exterior reduzido h mais de trs dcadas, sendo cerca da metade do esperado, dado o

    tamanho da nossa economia.

    Os graves desequilbrios fiscais nas ltimas dcadas resultaram em inflao elevada

    ou em aumentos na relao dvida/PIB. Essas formas de acomodao so prejudiciais ao

    desenvolvimento. Taxas elevadas de inflao tm conseqncias negativas sobre a atividade

    econmica. A instabilidade inerente aos processos inflacionrios, que em geral causam elevaes

    progressivas da prpria taxa de inflao, resulta na instabilidade das variveis macroeconmicas e

    na reduo das taxas de investimento de longo prazo. Alm disso, processos inflacionrios tm

  • 5impactos regressivos sobre a distribuio de renda, penalizando os grupos sociais de menor renda.

    Dessa forma, a garantia da estabilidade do nvel de preos um aspecto importante de uma

    poltica de crescimento sustentvel de longo prazo, com melhoria da distribuio de renda.

    Uma relao dvida/PIB crescente diminui a taxa de crescimento econmico de longo

    prazo. Por um lado, o financiamento do gasto pblico passa a exigir uma frao crescente dos

    recursos da sociedade, reduzindo o crdito disponvel para o setor privado. Por outro lado, o

    prprio Estado perde a capacidade de investir em reas essenciais. Ademais, a no

    sustentabilidade de uma relao dvida/PIB crescente acarreta um aumento da desconfiana sobre

    a capacidade do governo em honrar seus compromissos futuros, resultando em maiores prmios de

    risco dos ttulos da dvida pblica e em aumentos da taxa de juros, desestimulando o investimento

    privado e reduzindo a taxa de crescimento econmico.

    Enfrentar as restries existentes retomada do crescimento econmico central

    poltica econmica do governo. No que se refere poltica macroeconmica, essencial

    estabelecer o equilbrio de longo prazo das contas pblicas de modo a garantir as condies para a

    retomada do investimento privado e uma maior eficcia no uso dos recursos pblicos. A

    diminuio da necessidade de financiamento do setor pblico implicar a reduo do prmio de

    risco dos ttulos da dvida pblica, permitindo a queda da taxa de juros, assim como o aumento

    dos recursos disponveis para o setor privado. O ajuste das contas pblicas vai aumentar a taxa de

    poupana domstica, hoje muito abaixo da observada em economias que tm obtido maiores taxas

    de crescimento econmico. O governo vai deixar de contribuir para a reduo da poupana

    nacional e vai voltar a investir em reas onde o setor privado est ausente ou em reas essenciais

    retomada do crescimento econmico com maior justia social, como infra-estrutura, fomento

    tecnolgico, educao e sade.

    A retomada do crescimento em bases sustentveis requer ainda que sejam adotadas

    polticas especficas de incentivo ao desenvolvimento tecnolgico e inovao, de reduo

    dos incentivos informalidade, de reduo dos custos de logstica e transporte no Pas, de

    unificao e coordenao das polticas de comrcio exterior, e de retomada do investimento

    em infra-estrutura.

    A essas polticas se somam as reformas estruturais do mercado de crdito. Essas

    reformas tm como objetivo expandir este mercado e reduzir os spreads cobrados do setor

    privado de modo a viabilizar o aumento do investimento privado. As polticas de governo

    tero tambm como objetivo incentivar o aumento da produtividade e a expanso tanto do

  • 6mercado interno quanto do nosso volume de comrcio com o exterior, reduzindo a

    vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos.

    A Poltica Macroeconmica

    A nova poltica econmica parte da idia central, expressa no Programa de Governo e

    nos documentos posteriores vitria do presidente Lula, de que ser necessria uma

    cuidadosa e criteriosa transio entre o que temos hoje e um novo ciclo histrico em que o

    Brasil reencontre e desenvolva todas as suas potencialidades de crescimento econmico. A

    retomada do crescimento requer o enfrentamento dos graves problemas de curto prazo da nossa

    economia.

    A poltica de estabilizao no perodo que se seguiu ao Plano Real, ancorada em polticas

    monetria e cambial, e com pouca ateno a metas fiscais, foi em parte responsvel pela crise de

    1999. Entre 1994 e 1998, a taxa mdia de crescimento dos gastos primrios reais do governo foi

    de aproximadamente 5%, bem superior taxa mdia de crescimento real do PIB observada no

    mesmo perodo, de 3,2%.

    As medidas adotadas a partir de 1999 permitiram ao Pas evitar uma crise mais profunda,

    mas no resolveram o problema gerado entre 1994 e 1998. O ajuste fiscal, o cmbio flutuante e as

    metas de inflao foram insuficientes para reverter a herana deixada pela dvida acumulada

    anteriormente. Ao contrrio, a trajetria da dvida continuou ascendente no perodo 1999-2002.

    Como conseqncia, a relao dvida/PIB superou 60% no perodo mais agudo de 2002.

    Alm disso, o atual governo tambm encontra uma conjuntura da economia mundial

    particularmente difcil, destacando-se uma extraordinria incerteza quanto s perspectivas

    econmicas de curto prazo. , portanto, na combinao de um quadro de crise externa com as

    enormes restries deixadas pelo governo anterior, mas tambm herdadas de quase duas dcadas

    de inflao elevada, mascarando o desequilbrio estrutural crescente das contas pblicas, que a

    nova poltica econmica est sendo implementada.

    O Brasil, para que possa retomar o crescimento econmico em bases sustentveis,

    tem que sair da armadilha constituda pelo alto valor da dvida e outros passivos pblicos

    em relao ao nosso produto. Desde pelo menos o fim da dcada de 70, a economia brasileira

    apresentou, sistematicamente, graves desequilbrios fiscais no governo central e nos governos

    locais. Esses desequilbrios resultaram em elevadas e crescentes taxas de inflao ou em

    renegociaes traumticas da dvida pblica. Elevadas taxas de inflao tm impactos negativos

  • 7sobre a taxa de crescimento de longo prazo e a distribuio de renda, enquanto renegociaes

    traumticas da dvida pblica resultam no aumento do custo do financiamento do setor pblico e

    da taxa de juros.

    Nesse sentido, o novo governo tem como primeiro compromisso da poltica econmica

    a resoluo dos graves problemas fiscais que caracterizam nossa histria econmica, ou seja,

    a promoo de um ajuste definitivo das contas pblicas. A ruptura com o passado de ausncia

    de disciplina fiscal no pode ser baseada em arrecadaes temporrias nem na expanso sem freio

    de contribuies em cascata que distorcem o sistema de preos relativos. Essa mudana exige o

    ajuste sustentvel das contas pblicas, com gesto mais eficiente dos recursos disponveis, assim

    como reformas estruturais que assegurem o equilbrio de longo prazo do oramento pblico e

    permitam a retomada do investimento do governo em infra-estrutura e expanso dos gastos

    sociais.

    A importncia do ajuste fiscal de longo prazo no pode ser subestimada. Caso o

    governo brasileiro tivesse realizado um supervit primrio de 3,5% do PIB ao ano durante

    os ltimos oito anos, a relao dvida/PIB hoje seria a metade da observada, mantidas todas

    as demais condies, inclusive as polticas cambial e monetria adotadas durante o perodo

    1995-1998.

    Para escapar da armadilha resultante da elevada relao dvida/PIB, conjugada com

    uma conjuntura internacional restritiva, uma das tarefas do governo a execuo de uma

    poltica fiscal slida nos prximos anos que traga consistncia de mdio e longo prazo s

    contas pblicas, e uma melhoria da qualidade do ajuste fiscal realizado nos ltimos anos.

    Para isso, so necessrias medidas que produzam supervites primrios, neste e nos prximos

    exerccios, suficientes para reduzir a relao dvida/PIB e, portanto, os gastos futuros com o

    servio da dvida. Uma indicao clara de consistncia das polticas na rea fiscal contribuir para

    a queda no prmio de risco do Brasil e do prprio custo da dvida domstica e externa.

    Uma reforma tributria que diminua as distores impostas pelo atual sistema,

    neutra em termos da arrecadao de recursos, ir permitir o melhor funcionamento da

    economia.

    O equacionamento da questo fiscal tambm permitir ao governo seguir polticas

    fiscais contracclicas, financiando a queda de receitas e os aumentos de despesas que

    naturalmente ocorrem em recesses com supervites acumulados durante perodos de maior

    expanso. Dessa forma, o governo ir deixar de contribuir para o agravamento dos ciclos

  • 8econmicos. Ademais, a poltica contracclica cria condies para o aumento relativo dos gastos

    sociais precisamente nos perodos de retrao econmica, quando estes gastos tm maior impacto

    no bem-estar social.

    Esta a essncia do paciente e cuidadoso trabalho de construo da confiana neste

    perodo de transio, que permitir, mesmo com sacrifcios iniciais, reordenar a economia

    nacional para, juntamente com as reformas estruturais a serem feitas, retomar o crescimento

    econmico. Neste incio do processo, o peso do ajuste fiscal encontra-se mais realado porque os

    desequilbrios das contas pblicas condicionam as principais variveis macroeconmicas, como a

    elevada relao dvida/PIB. O esforo empregado na busca do equilbrio fiscal, com a fixao de

    uma meta de supervit primrio de 4,25% do PIB, sem contar com novos aumentos de impostos,

    representa, porm, uma mudana estrutural em relao ao governo anterior. De fato, nos ltimos

    anos a relao dvida/PIB passou de 33% para 53% do PIB em 2001, apesar da carga tributria ter

    passado de 29% para 34% do PIB, no mesmo perodo.

    O compromisso do governo diminuir o endividamento em proporo ao PIB, nos

    prximos quatro anos. Alm das reformas que j esto sendo encaminhadas, essa diminuio

    ocorrer de forma mais consistente proporo que as demais medidas a serem adotadas

    permitam a retomada do crescimento. Considerado o quadro de restries oramentrias em que

    vive o Estado brasileiro, quanto maior o espao para que avancem aes destinadas a buscar o

    crescimento, tanto maiores sero as condies para que se forme um ciclo virtuoso, com a

    melhoria das contas pblicas, do emprego e da renda.

    Essa poltica j est dando resultados. No obstante a grave crise de credibilidade de que o

    Brasil foi vtima no segundo semestre do ano passado, a situao econmica evoluiu de modo

    surpreendente em relao vulnerabilidade externa. O ajuste da economia domstica frente

    retrao dos crditos externos ocorreu essencialmente via ajuste dos preos relativos, com a forte

    depreciao da taxa de cmbio, sem reduo significativa da atividade econmica, ao contrrio do

    que ocorreu em outros pases emergentes que experimentaram crises externas nos ltimos anos. O

    ajuste pela depreciao da taxa de cmbio, entretanto, resultou em presses sobre a taxa de

    inflao no ltimo trimestre do ano passado. Antecipando a conduo da poltica econmica frente

    a esse problema, o Relatrio da Transio afirmou o compromisso do governo em no provocar

    bolhas de crescimento econmico a partir de uma permissividade perigosa com a inflao, a qual

    reduz a renda real dos grupos mais pobres e compromete o crescimento sustentvel de longo prazo

    da economia.

  • 9A consistncia da poltica econmica adotada pelo governo tem permitido a melhora

    das expectativas de mdio prazo da economia brasileira, mesmo neste perodo de incerteza

    do cenrio internacional e com os graves problemas que herdamos. Como conseqncia da

    melhoria na solidez das contas pblicas, os ttulos da dvida interna e externa brasileira nos

    mercados secundrios apresentaram significativa valorizao nos ltimos meses, refletindo a

    queda dos nossos prmios de risco. Estamos reconstruindo a confiana na solidez da economia

    brasileira, essencial para a retomada do investimento privado e do crescimento econmico

    sustentvel. A melhoria da credibilidade da dvida pblica interna, em particular, representa a

    preservao do patrimnio da grande maioria dos brasileiros que poupam.

    Reformas, Equilbrio Fiscal de Longo Prazo e Reduo das Taxas de Juros do Crdito Privado

    O ajuste saudvel das contas do setor pblico necessrio reduo da relao

    dvida/PIB e conseqente recuperao da capacidade de investimento dos setores pblico e

    privado tornam imprescindveis as reformas estruturais. Algumas delas, como a reforma da

    Previdncia, tendem a produzir impactos diretos sobre as contas do setor pblico. Outras reformas

    e projetos reforma tributria, autonomia operacional do Banco Central e reforma do mercado de

    crdito traro reflexos positivos para o funcionamento da economia, acelerando o ritmo do

    crescimento do produto.

    A reforma da Previdncia fundamental para assegurar o direito aposentadoria,

    inevitavelmente comprometida em um sistema desequilibrado. Essa reforma tambm uma

    questo de justia social. O governo federal gasta R$ 33 bilhes para pagar as aposentadorias e

    penses de um milho de beneficirios, enquanto o sistema previdencirio para o setor privado

    (RGPS) utiliza aproximadamente R$ 88 bilhes no pagamento de algo como 18 milhes de

    beneficirios. O setor pblico consolidado Unio, Estados e Municpios teve despesas com a

    previdncia dos seus servidores de R$ 61,6 bilhes em 2002 contra contribuies dos servidores

    de R$ 7,2 bilhes, resultando em um resultado lquido negativo de R$ 54,4 bilhes. O

    desequilbrio da previdncia do setor pblico pode ser ilustrado pelo fato de que mesmo que os

    governos central e locais contribussem para a previdncia pblica com valor igual ao dobro da

    contribuio dos seus servidores, montante mximo permitido pela lei e equivalente ao pago pelo

    setor privado, ainda assim o dficit seria de R$ 40 bilhes ao ano.

    Dessa forma, a reforma da Previdncia tem como objetivos principais: i) recompor o

    equilbrio da previdncia pblica, garantindo-se sua solvncia no longo prazo, isto , a existncia

  • 10

    dos recursos necessrios ao pagamento dos benefcios pactuados; ii) reduzir as distores nas

    transferncias de renda realizadas pelo Estado que, como ser visto adiante, agravam nossa

    elevada desigualdade de renda; e iii) reduzir a presso sobre os recursos pblicos crescentemente

    alocados Previdncia, permitindo recompor a capacidade de gasto pblico em reas essenciais

    retomada do crescimento econmico e em programas sociais.

    Quanto reforma tributria, o objetivo central aumentar a eficincia e reduzir a

    complexidade do sistema, atacando os tributos cumulativos e reduzindo o nmero de

    alquotas dos impostos indiretos. Alm disso, a reforma tambm tem como meta diminuir os

    incentivos informalidade no mercado de trabalho, ao propor reduzir progressivamente as

    contribuies sobre a folha de pagamento das empresas. Por fim, sero tomadas medidas para

    aumentar a progressividade dos impostos indiretos, reduzindo sua incidncia relativa sobre a

    populao de baixa renda, inclusive pela menor tributao da cesta bsica. Essas medidas visam

    tornar a estrutura tributria socialmente mais justa, desonerar a produo, aumentar a

    produtividade dos produtos nacionais e substituir a guerra fiscal entre os Estados por polticas de

    incentivo s vocaes locais e ao desenvolvimento econmico.

    Paralelamente ao equacionamento da questo fiscal, o governo dever se dedicar a pelo

    menos duas reas essenciais. A primeira o aumento da eficcia e coordenao das polticas

    pblicas de modo a melhorar nossa distribuio de renda. A segunda a implementao de

    reformas que aumentem a eficincia dos setores privado e pblico e a participao do Brasil

    na economia mundial.

    Os instrumentos para estimular a produtividade e a participao do Brasil no comrcio

    exterior compreendem as reformas institucionais principalmente aquelas voltadas para a reduo

    do custo do capital e a eliminao da cumulatividade dos tributos , bem como a racionalizao da

    estrutura de transporte e logstica. Alm disso, polticas de incentivo ao aumento da produtividade

    podem envolver a utilizao de instrumentos pblicos disponveis em setores com potencial

    exportador. O aumento do volume de comrcio ir garantir uma maior solidez das contas externas

    brasileiras, em que a necessidade de financiar o balano de pagamentos no implica restries

    adicionais gesto da poltica monetria, alm das decorrentes da manuteno da estabilidade do

    nvel de preos.

    Um tema unificador das reformas propostas a nfase na importncia do desenho

    institucional e legal para o adequado funcionamento dos mercados e das polticas pblicas.

    Instituies privadas ou pblicas funcionam adequadamente quando os benefcios privados

  • 11

    dos agentes que tomam as decises, e delas se beneficiam, so compatveis com os benefcios

    sociais.

    Em muitos casos, regras simples que garantam o cumprimento de contratos, bem como a

    transparncia e o acesso a informaes para a tomada de deciso, permitem o funcionamento

    adequado das instituies, incluindo os mercados. Em outros casos, entretanto, h a necessidade

    de marcos institucionais e legais sofisticados. Este o caso, por exemplo, das atividades bancrias

    e a conduo da poltica monetria, assim como de setores que apresentam significativas

    economias de escala, como transmisso de energia eltrica ou saneamento.

    O desenho das instituies deve favorecer a transparncia e a eficincia econmica, assim

    como o acesso dos grupos de renda mais baixas aos bens e servios regulados. Na grande maioria

    dos casos, possvel incorporar ambas as dimenses, estabelecendo-se um desenho institucional

    que garanta a alocao eficiente dos recursos e viabilizando o acesso dos grupos de menor renda

    aos servios por meio de subsdios e polticas sociais bem focalizadas.

    No que se refere ao do Estado, necessrio um desenho das diversas instituies

    visando garantir a coordenao das reas da administrao federal com atividades comuns ou

    complementares, de modo a aumentar a eficincia das polticas pblicas, em particular as de

    desenvolvimento econmico e incluso social. Alm disso, necessrio que o desenho dessas

    instituies definam incentivos de modo que sua atuao seja consistente com as polticas de

    governo.

    Ateno tambm dever ser dedicada ao melhor desenho dos setores com caractersticas de

    monoplio natural, elevadas barreiras entrada ou assimetria de informao. propsito do

    governo instituir regras estveis de gesto que evitem a ocorrncia de pontos de

    estrangulamento e alteraes freqentes da conduo da poltica setorial que tm impactos

    negativos sobre a taxa de investimento de longo prazo , bem como permitir que a oferta dos

    bens e servios produzidos por esses setores seja mais eficiente. Em particular, deve-se evitar a

    perpetuao do poder de monoplio hoje verificado em alguns setores e seu impacto negativo

    sobre o bem-estar, sobretudo o de grupos de menor renda.

    Deve-se distinguir o papel do governo de definio das regras de poltica nesses

    setores do papel das agncias de gesto da poltica definida pelo governo. O principal

    objetivo do desenho garantir a definio de objetivos de poltica setorial sem interferncias

    discricionrias de curto prazo e, dessa forma, reduzindo-se a o risco das polticas pblicas serem

    determinadas por interesses setoriais privados contrrios ao bem-estar social.

  • 12

    No caso da poltica monetria, pretende-se uma reforma que assegure uma gesto

    mais eficiente e transparente da poltica monetria por meio da concesso da autonomia

    operacional ao Banco Central. De acordo com essa reforma, o governo define a poltica

    econmica, em particular as diretrizes da poltica monetria a ser implementada pelo Banco

    Central, cuja gesto pode ser publicamente avaliada pela capacidade de cumprir as diretrizes

    estabelecidas. Nesse desenho, garante-se maior transparncia poltica monetria, definida pelo

    governo, e so criados mecanismos de avaliao da execuo desta poltica pelo Banco Central.

    No que se refere ao mercado de crdito privado, parte importante das dificuldades

    existentes no pas decorre precisamente do marco institucional. O Brasil possui um reduzido

    volume de crdito privado como frao da renda nacional, em comparao com os demais pases

    emergentes, situando-se hoje em torno de 23% do PIB. O reduzido volume de crdito, que tem

    como contrapartida uma elevada cunha de intermediao (spreads), causa impactos negativos

    sobre o bem-estar das famlias, seja diretamente, por tornar mais custoso o acesso ao crdito

    pessoal para a compra de bens durveis ou imveis, ou indiretamente, pelo seu impacto sobre o

    custo do investimento privado, o crescimento econmico e a gerao de empregos.

    A expanso do mercado de crdito privado ter como benefcio adicional aumentar a

    eficcia da poltica monetria, com a reduo da variao da taxa de juros necessria

    manuteno da estabilidade de preos.

    O custo das operaes de crdito determinado por trs principais componentes, alm da

    j apontada absoro de poupana privada para o financiamento do setor pblico: i) a cunha fiscal

    existente tanto nas operaes de captao quanto de emprstimos bancrios; ii) a estimativa de

    inadimplncia e o custo de recebimento das eventuais garantias concedidas; e iii) o custo

    administrativo e a margem lquida dos intermedirios financeiros.

    A cunha fiscal deve ser discutida no mbito da reforma tributria, enquanto a margem

    lquida dos bancos deve ser discutida no mbito da defesa da concorrncia. Por outro lado, as

    taxas elevadas de inadimplncia e os custos de recebimento de eventuais garantias devem ser

    tratados no mbito de uma reforma das relaes entre credores, devedores e o restante da

    sociedade. O diferencial de spread observado nas diversas modalidades de crdito reflete, alm

    das eventuais diferenas nos custos de transao e margem lquida dos bancos, a probabilidade de

    no pagamento da dvida, assim como os custos adicionais incorridos no recebimento das

    garantias, incluindo o perodo esperado entre o no pagamento e o recebimento dessas mesmas

    garantias.

  • 13

    O marco institucional atualmente em vigor incentiva o adiamento do cumprimento das

    obrigaes de dvida e pouco estimula a adimplncia. Parte desse marco pode ser reformado com a

    reviso de entraves contidos nas normas processuais. A principal questo reside na dificuldade em

    executar as garantias concedidas em caso de no pagamento dos emprstimos. Isso faz com que os

    juros pagos pelos bons pagadores sejam mais elevados, para compensar as perdas associadas aos

    maus pagadores ou queles que perdem a capacidade de pagar seus dbitos. Esse um ponto

    importante do mercado de crdito: os bons pagadores muitas vezes acabam sendo penalizados

    pelos maus pagadores. Por essa razo, justificam-se medidas que desestimulem a inadimplncia e

    permitam a rpida execuo das garantias, em caso de no pagamento. Como ser visto na ltima

    seo deste documento, as modalidades de crdito em que os riscos de inadimplncia so menores,

    ou em que as garantias so mais facilmente executadas, apresentam menores spreads bancrios, e,

    portanto, taxas de juros finais mais baixas.

    As reformas do mercado de crdito tm como objetivo reduzir os incentivos

    postergao no pagamento de dvidas e procedimentos mais eficientes de execuo das

    garantias concedidas de modo a reduzir as taxas de juros cobradas nos emprstimos

    privados.

    Nessa direo, faz-se necessria uma nova lei de falncias, cujo objetivo seja permitir

    tanto a reduo dos spreads bancrios, quanto evitar a destruio dos empregos e ativos de

    empresas em graves dificuldades financeiras. Alm disso, tambm so propostas diversas

    medidas com o objetivo de fortalecer o sistema de garantias existentes que permitiro a reduo

    dos spreads bancrios. As atuais dificuldades de estabelecer garantias terminam por criar custos

    desnecessrios para os bons pagadores, aumentando o custo do acesso ao crdito. As dificuldades

    de execuo de garantias levam os intermedirios financeiros a exigir garantias adicionais para a

    concesso de crdito. Entretanto, enquanto essas garantias tm para o concedente baixa

    probabilidade de execuo, e por isso terminam por resultar em contratos com garantias superiores

    as que seriam necessrias se esta probabilidade fosse maior, para o tomador de emprstimo que

    deseja honrar suas dvidas essas garantias acabam tendo um custo muitas vezes proibitivo. Dessa

    forma, as medidas discutidas tm como objetivo reduzir esses custos de emprstimos, permitindo

    que os bons pagadores incorram em menores spreads bancrios ou tenham acesso a contratos com

    garantias menos custosas, mas com maior confiabilidade para o concedente de crdito.

    A reforma do sistema de crdito no estar limitada, no entanto, ao acesso mais barato dos

    grupos de renda mdia. Sero tambm includas medidas visando ampliao do mercado de

  • 14

    crdito e ao acesso a servios financeiros pelas populaes de baixa renda, e que passam pelo

    fortalecimento dos mecanismos de microcrdito, das cooperativas de crdito e dos

    correspondentes bancrios.

    Polticas Sociais e Reduo das Desigualdades

    No que se refere s polticas sociais, fundamental que se implementem reformas que

    corrijam graves distores no que tange estrutura tributria do governo e focalizao e

    eficcia dos programas sociais.

    Em primeiro lugar, a estrutura de arrecadao e transferncias federais no tem a

    progressividade desejada no que tange distribuio de renda, o que contrasta com o

    observado em outros pases, onde o desenho fiscal contribui para reduzir a desigualdade de

    renda. No Brasil, ao contrrio, os impostos menos transferncias realizadas pelo Estado tm

    impacto bastante reduzido sobre a distribuio de renda.

    Em segundo lugar, apesar do montante de recursos alocados aos programas sociais

    pelo governo central no Brasil no ser pequeno, sua eficcia em diminuir a pobreza ainda

    bastante reduzida. A efetividade dos programas sociais depende tanto da sua focalizao nos

    grupos de menor renda quanto do seu impacto sobre os beneficirios. Este impacto pode ocorrer

    de trs formas principais: i) expandindo a capacidade produtiva e de gerao de renda dos

    beneficirios; ii) garantindo oportunidades para que esta capacidade possa ser utilizada; e iii)

    oferecendo acesso a bens e servios bsicos.

    A pouca capacidade dos gastos sociais da Unio em reduzir a desigualdade de renda

    decorre do fato de que boa parte dos recursos destinada aos no-pobres, assim como da

    gesto ineficiente dos recursos destinados aos programas sociais. A falta de avaliao

    especfica dos impactos destes recursos sobre a populao beneficiada contribui de forma decisiva

    para esse problema. Caso a eficcia relativa dos diversos programas fosse identificada, seria

    possvel concentrar os recursos disponveis naqueles comprovadamente com maior impacto e,

    com isso, aumentar a efetividade da poltica social. Alm disso, necessrio reformular o desenho

    das polticas de arrecadao e transferncia do Estado de modo a reduzir a desigualdade de renda.

    Como ser visto adiante, o desenho dessas polticas pode ser bastante efetivo em redistribuir

    renda, conforme verificado em outros pases.

  • 15

    Poltica Econmica, Reformas Institucionais, Reduo da Desigualdade e a Retomada do

    Desenvolvimento Econmico

    A compatibilizao da poltica macroeconmica com reformas institucionais que

    estimulem a retomada do investimento pblico e privado e a gerao de empregos com

    polticas sociais eficazes no combate desigualdade o eixo central da poltica econmica do

    governo: estabilidade econmica com retomada do crescimento em bases sustentveis e

    maior justia social.

    As medidas econmicas do governo tero conseqncias positivas sobre as trs fontes de

    crescimento sustentvel: o aumento do capital fsico instalado, o aumento da qualidade da fora de

    trabalho e o aumento da produtividade.

    O ajuste permanente das contas pblicas ter impactos positivos sobre a taxa de

    investimento da economia. Por um lado, a reduo da necessidade de financiamento do setor

    pblico viabilizar a reduo do prmio de risco dos ttulos da dvida pblica, permitindo a queda

    da taxa real de juros de longo prazo, a expanso do mercado de crdito privado e o aumento da

    taxa de investimentos do setor privado na economia. Por outro lado, a recuperao da poupana do

    governo, implcita na nova composio do gasto pblico, permitir tanto a recomposio da

    capacidade de investimento do setor pblico, com repercusses positivas sobre a infra-estrutura

    econmica, quanto maiores gastos na rea social. A retomada do investimento pblico, alm dos

    seus impactos diretos sobre a taxa de crescimento econmico, tambm produz efeitos positivos

    sobre o investimento privado, aumentando sua rentabilidade, e, portanto, a renda de longo prazo

    da economia brasileira.

    As polticas de estmulo ao aumento da corrente de comrcio exterior tero como

    conseqncia gerar novas oportunidades de investimentos para o setor privado e reduzir a

    vulnerabilidade da economia brasileira a choques externos. Pases com maior volume de

    comrcio absorvem choques externos com menor volatilidade da taxa de cmbio e menor impacto

    de longo prazo sobre a atividade econmica domstica. Polticas de estmulo ao desenvolvimento

    tecnolgico tero impactos positivos tanto sobre a taxa de investimento quanto sobre a

    produtividade, alm de uma melhor insero da economia brasileira no comrcio exterior. Esta

    uma base importante da nova poltica de desenvolvimento: identificao de reas estratgicas e

    dinmicas em que ganhos de vantagens comparativas podem ser obtidos com aumentos de

    produtividade e desenvolvimentos tecnolgicos combinados com a diversificao da pauta

  • 16

    exportadora. Isso contribuir para o aumento do volume de comrcio do Pas, reduzindo a

    vulnerabilidade externa e implicando um maior crescimento econmico.

    As reformas tributria e previdenciria, em conjunto com investimentos em

    treinamento e qualificao profissional, estaro voltadas a estimular uma migrao

    progressiva de grande nmero de trabalhadores para o setor formal da economia,

    justamente onde sua produtividade maior, e melhorar as condies de vida das populaes

    mais carentes. O aumento da eficcia das polticas sociais do governo ter impacto sobre as

    condies de vida dessa populao, em particular quanto aos indicadores de sade e de educao.

    A melhoria das condies de vida e dos indicadores de sade e educao tem impactos

    positivos sobre a produtividade e salrio do trabalhador e a renda de longo prazo da

    economia. A melhoria da focalizao e da eficincia dos programas sociais do governo, ao

    permitir reduzir a frao dos grupos mais pobres, atende a critrios de justia social e tem

    impactos significativos no comportamento da economia brasileira. A reduo da desigualdade

    diminui a possibilidade de conflitos sociais e os ndices de violncia, cuja relao com a

    desigualdade vem sendo gradualmente corroborada por estudos empricos no caso brasileiro.

    Dessa forma, redues na desigualdade resultam em melhorias do bem-estar social e do ambiente

    econmico, estimulando o investimento no longo prazo.

    Alm disso, a melhoria das condies de gerao de renda dos grupos mais pobres

    ter impacto positivo sobre o mercado interno e sobre a demanda por setores intensivos em

    mo-de-obra. Essa alterao da composio da demanda setorial ter impactos sobre a estrutura

    produtiva, em particular incentivando o aumento da oferta relativa dos setores produtores de bens

    e servios bsicos, em geral intensivos em mo-de-obra menos qualificada. Dessa forma, o ajuste

    da estrutura de oferta alterao na composio da demanda desses setores ter implicaes

    benficas sobre a remunerao dos trabalhadores de menor renda.

    Estudos recentes apontam a existncia de impactos negativos da desigualdade e de baixos

    indicadores de escolaridade e acesso a bens e servios bsicos, como sade, sobre o investimento e

    o crescimento econmico. De modo geral, pases com melhor acesso educao e sade tendem a

    apresentar maior renda per capita no longo prazo. Existe tambm evidncia emprica de que

    economias mais desiguais apresentam maior sensibilidade a choques externos de oferta, positivos

    ou negativos. Em ambos os casos, aps o choque, a taxa mdia de crescimento da economia tende

    a apresentar pior comportamento quanto maiores forem os indicadores de desigualdade do pas.

    Dessa forma, o enfrentamento dos problemas sociais deve ser visto como parte central do

  • 17

    programa econmico do governo e no como componente adicional, constituindo-se em fator

    fundamental para a retomada do crescimento em bases sustentveis e socialmente mais justas.

  • 18

    2 Diagnstico

    2.1 Comportamento Macroeconmico da Economia Brasileira nas ltimas Dcadas

    Problemas Estruturais da Economia Brasileira

    Desde pelo menos o comeo da dcada de 80, diversos indicadores da economia brasileira

    apontavam para a existncia de graves problemas estruturais. Aps um perodo de acelerado

    crescimento econmico entre meados dos anos 60 e a dcada de 70, assistiu-se a uma acelerao

    inflacionria simultaneamente a uma reduo das taxas de crescimento que, com exceo de

    curtos perodos, caracterizaram a economia brasileira at o comeo da dcada de 90 no que se

    refere inflao, e perdura ainda hoje, no que se refere ao crescimento econmico.

    As dificuldades macroeconmicas tm como contrapartida a piora das contas pblicas

    desde meados dos anos 70. A poupana pblica, positiva at ento, apresentou uma queda

    significativa durante toda a dcada de 80 e boa parte da dcada de 90. Essa piora das contas

    pblicas decorre de diversos fatores, destacando-se: alterao da composio demogrfica,

    aumento da taxa de informalidade da economia, e aumento das despesas previdencirias.

    Como conseqncia da piora das contas pblicas, a capacidade de investimento do governo

    foi severamente reduzida nas ltimas duas dcadas, com impactos negativos, sobretudo no setor de

    infra-estrutura. O investimento privado no Brasil, por outro lado, corresponde tradicionalmente a

    uma frao da renda nacional menor do que a verificada em outros pases em desenvolvimento e

    desenvolvidos. No Brasil, essa taxa tem oscilado em torno de 20%, enquanto em pases como

    Coria e Chile ultrapassa 25%. A baixa taxa de investimento no Brasil simultnea a um baixo

    volume de crdito privado, em torno de 23% da renda racional, e elevados spreads bancrios.

    Alm disso, a economia brasileira apresenta baixo volume de comrcio com exterior em

    comparao com as demais economias, o que contribui para uma maior vulnerabilidade da nossa

    economia a choques externos.

    Ciclos da Economia Brasileira na Segunda Metade do Sculo XX

    A economia brasileira apresentou pelo menos trs fases bem distintas durante a segunda

    metade do sculo XX. A primeira, entre 1950 e 1980, foi caracterizada por elevadas taxas de

    crescimento econmico, um rpido processo de industrializao e urbanizao e ciclos de

    desequilbrios fiscais e externos. A segunda, entre 1980 e 1990, se caracterizou pelas baixas taxas

    de crescimento econmico da renda, acelerao das taxas de inflao e agravamento dos

    desequilbrios fiscal e externo. Por fim, a terceira fase, que se inicia no comeo da dcada de 90,

  • 19

    foi marcada pela retirada de diversas restries ao comrcio exterior assim como pela acentuada

    reduo das taxas de inflao a partir de 1994. A taxa de crescimento econmico nesse perodo

    permanece nos mesmos baixos nveis observados desde o comeo da dcada de 80.

    Desde meados do sculo XX, a renda por habitante no Brasil oscila entre 15 e 30% da

    renda por habitante nos Estados Unidos em paridade de poder de compra. O melhor desempenho

    da economia brasileira ocorreu entre 1960 e 1980, quando a renda por habitante passou de 20%

    para 30% da renda por habitante nos Estados Unidos (Grficos 1 e 2). Nas dcadas de 80 e 90, a

    economia brasileira apresentou um comportamento bem inferior ao observado nas dcadas

    anteriores, com a renda por habitante do Brasil caindo de 30% a 20% em relao dos Estados

    Unidos, enquanto outros pases emergentes continuaram sua trajetria de crescimento.1

    GRFICO 1

    Evoluo da Renda Per Capita Relativamente Renda Norte-Americana

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    50

    1953

    1955

    1957

    1959

    1961

    1963

    1965

    1967

    1969

    1971

    1973

    1975

    1977

    1979

    1981

    1983

    1985

    1987

    1989

    1991

    1993

    1995

    1997

    1999

    MXICO

    BRASIL

    CORIA

    Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir da base de dados de Summers & Heston (1991).

    1 A anlise detalhada da evoluo da renda na economia brasileira na segunda metade do sculo XX deve incorporaras significativas alteraes na taxa de crescimento populacional no perodo, que, como ser visto adiante, tevetambm impactos sobre o oramento pblico. Alm disso, a comparao internacional deve ajustar os dados nacionaiss diferenas de preos relativos nas diversas economias e ao longo do tempo. A transio demogrfica ocorrida noBrasil nas ltimas dcadas teve impactos sobre a taxa de crescimento, sendo por essa razo mais adequada arealizao de anlises e projees com base no produto por trabalhador. Na descrio dos dados, entretanto, parasimplificar a exposio, sero apresentados os resultados em termos de renda por habitante, ou renda per capita.

  • 20

    GRFICO 2

    Evoluo do PIB por Trabalhador(em dlares, Paridade de Poder de Compra - PPC)

    0,00

    10000

    20000

    30000

    40000

    50000

    60000

    70000

    1950

    1952

    1954

    1956

    1958

    1960

    1962

    1964

    1966

    1968

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    1900

    EUA

    MXICO

    BRASIL

    CORIA

    Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir da base de dados de Summers & Heston (1991).

    Decomposio dos Fatores de Crescimento Econmico2

    A taxa de crescimento econmico pode ser decomposta em trs fatores: a contribuio da

    variao do estoque de capital; a contribuio da qualidade e da quantidade de trabalho; e, por fim,

    a evoluo da produo que no est relacionada com aumentos da quantidade desses fatores,

    denominada na literatura de Produtividade Total dos Fatores ou resduo de Solow.

    O crescimento da produtividade total dos fatores indica a capacidade de crescimento da

    produo com a mesma quantidade de capital e trabalho.

    Entre 1950 e 1964 a produtividade total dos fatores no Brasil cresce pouco acima da taxa

    de crescimento observada na fronteira mundial, com pouca contribuio do trabalho, sobretudo no

    que se refere qualidade da fora de trabalho, e crescimento da acumulao de capital semelhante

    ao crescimento da produo.

    Entre 1965 e 1976, a produtividade total dos fatores cresce a taxas significativamente

    acima das observadas na economia norte-americana, o mesmo ocorrendo com a acumulao de

    capital. Esse aumento da produtividade comea j em 1965/67, antecipando a retomada do

    crescimento econmico. A evidncia disponvel indica que esse aumento possivelmente est

    2A decomposio dos fatores de crescimento econmico foi realizada por Gomes, Lisboa & Pessoa (2003).

  • 21

    relacionado s reformas institucionais realizadas no perodo (Plano de Ao Econmica do

    Governo PAEG). A contribuio do fator trabalho, no mesmo perodo, bastante reduzida, em

    boa parte em decorrncia da quase nula evoluo do nvel mdio de escolaridade da fora de

    trabalho em face entrada do mercado de trabalho da populao jovem com baixa educao.

    A partir de 1976 observa-se uma tendncia de queda da produtividade total dos fatores em

    relao observada na fronteira mundial, que dura at 1992. Uma vez mais, o comportamento da

    produtividade total dos fatores antecipa a taxa de crescimento econmico. A contribuio do

    capital ao crescimento ainda positiva nos primeiros quatro anos daquele perodo, mas torna-se

    declinante posteriormente. Entre 1976 e 1983 o estoque de capital cresce significativamente acima

    da produo, resultando em um aumento significativo da relao capital/produto (Grfico 3).

    GRFICO 3

    Relao Capital/Produto

    1,50

    1,75

    2,00

    2,25

    2,50

    2,75

    3,00

    3,25

    3,50

    3,75

    4,00

    1953

    1955

    1957

    1959

    1961

    1963

    1965

    1967

    1969

    1971

    1973

    1975

    1977

    1979

    1981

    1983

    1985

    1987

    1989

    1991

    1993

    1995

    1997

    1999

    MXICO

    BRASIL

    EUA

    CORIA

    Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir de Gomes, Lisboa & Pessoa (2003).

    O perodo final, 1992-2000, caracteriza-se por uma retomada da taxa de crescimento da

    produtividade total dos fatores. Mesmo com problemas, papel importante desempenhado pela

    abertura comercial que permitiu o acesso a bens de capital e insumos produtivos mais baratos e/ou

    eficientes, aumentando a produtividade das firmas brasileiras. H uma melhoria na contribuio da

  • 22

    qualidade da fora de trabalho, mas permanece a baixa contribuio do estoque de capital

    observada desde os anos 80.

    Educao

    A fora de trabalho tem contribudo pouco para o crescimento econmico brasileiro per

    capita ao longo dos ltimos 50 anos, inclusive em perodos de crescimento elevado, como o

    perodo 1965/76. Isso se deve ao reduzido nvel de escolaridade da populao brasileira, o que

    pode ser constatado pela comparao do Brasil com outras naes desenvolvidas e em

    desenvolvimento. Os grficos a seguir, construdos a partir da base de dados de Barro & Lee

    (2000), comparam a escolaridade mdia da populao brasileira, entre 1960 e 2000, com a

    escolaridade mdia de alguns pases desenvolvidos (Grfico 4) e de alguns pases em

    desenvolvimento (Grfico 5):

  • 23

    GRFICO 4

    Escolaridade Mdia da Populao (1960-2000)

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    14

    1960 1970 1980 1990 2000Estados Unidos Japo Alemanha Ocidental

    Brasil Austrlia

    Fonte: Elaborao da SPE/MF a partir da base de dados de Barro & Lee (2000).

    GRFICO 5

    Escolaridade Mdia da Populao (1960-2000)

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    1960 1970 1980 1990 2000

    Mxico Brasil Chile Coria Portugal

    Fonte: idem.

  • 24

    A evoluo do nvel de escolaridade da populao brasileira por gerao, identificada pelo

    ano de nascimento, tambm aponta o atraso crescente dos indicadores do Brasil em relao a

    economias da Amrica Latina at meados dos anos oitenta (Grfico 6):

    GRFICO 6

    Evoluo dos Anos Mdios de Escolaridade

    para Alguns Pases da Amrica Latina (por gerao)

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1973

    Coortes

    Hond Bras Ven Chil Mex Arg

    Fonte: Menezes-Filho (2003).

    No grfico, percebe-se que Mxico e Venezuela partem de uma mdia de anos de estudo

    para os indivduos nascidos em 1930 mdia de 2,9 anos de estudo para o primeiro e 3,48 para o

    segundo - prxima da mdia do Brasil (2,98 anos de estudo). Porm, os nascidos em 1973 no

    Mxico e na Venezuela possuem mdia de anos de estudo de 8,85 e 9,06 respectivamente, contra

    7,2 no Brasil. A evoluo educacional no Brasil foi mais lenta tambm que no Chile e em

    Honduras. Quando se compara o Brasil com a Argentina, constata-se que os nascidos em 1973 no

    Brasil possuem uma mdia de anos de estudo inferior mdia de anos de estudo dos nascidos em

    1930 na Argentina (7,2 anos de estudo para os nascidos em 1973 no Brasil contra 7,66 anos de

    estudo para os nascidos em 1930 na Argentina). Dentre os 17 pases analisados no estudo, apenas

    Guatemala e Nicargua possuem uma evoluo mais lenta do que o Brasil em termos dos anos

    mdios de estudo por gerao.

  • 25

    A literatura aponta como principal razo para o fraco desempenho educacional do Brasil a

    dificuldade de manter as crianas na escola, sobretudo aquelas provenientes de famlias de menor

    renda. O Grfico 7, retirado de Menezes-Filho (2001), compara, para alguns pases

    subdesenvolvidos, a taxa de concluso da primeira srie do ensino bsico para os jovens pobres

    (entre 15 e 19 anos) e a taxa de concluso da quinta srie dentre aqueles que terminaram a

    primeira srie em meados dos anos noventa. A taxa de concluso da primeira srie no Brasil de

    92%, sendo relativamente elevada em relao aos demais pases selecionados. Porm, dentre os

    jovens que concluem a primeira srie no Brasil, apenas 50% terminam a quinta srie, sendo essa

    taxa inferior verificada nos demais pases, com exceo de Uganda.

    GRFICO 7

    Muito embora os indicadores educacionais venham melhorando desde fins dos anos 80

    (Grfico 8), o fato do Brasil ainda permanecer atrs de muitos pases emergentes em termos do

    grau de escolaridade de populao aponta para a necessidade de polticas educacionais agressivas.

    Escolaridade dos Jovens Pobres

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    120

    Cam

    are

    s

    Rw

    anda

    Indi

    a

    Rep

    .D

    omin

    ican

    a

    Col

    mbi

    a

    Bra

    sil

    Uga

    nda

    Tanz

    nia

    Zim

    babw

    e

    Turq

    uia

    %

    1o. Ano 5o. Ano

    Fonte: Menezes-Filho (2001).

  • 26

    GRFICO 8

    Evoluo da Escolaridade Mdia dos Jovens de 16 anos

    4

    4,5

    5

    5,5

    6

    6,5

    7

    1981 1982 1983 19841985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 19951996 1997 1998 1999 2001

    Fonte: Elaborao da SPE a partir de dados da PNAD.

    Essa percepo reforada quando se constata que o retorno privado e social da educao

    no Brasil so altos. Estudos demonstram que cada ano adicional de estudo no Brasil aumenta o

    salrio do trabalhador em torno de 12% (Menezes-Filho, 2001). Adicionalmente, considerando

    que haja equivalncia entre o benefcio privado e o benefcio social da educao, como apontado

    por Krueger & Lindahl (2000), pode-se estimar que um ano a mais de escolaridade da populao

    signifique um incremento, no longo prazo, de 6 a 8% na renda nacional.

    Produtividade e Abertura

    O aumento da produtividade das firmas brasileiras na dcada de 90 decorre em parte do

    acesso a bens de capital e insumos mais eficientes ou de menor custo. Ademais, verifica-se no

    perodo uma reorganizao do processo produtivo em diversos setores com impactos positivos

    sobre a produtividade. Ambos os fatores concorreram para explicar o aumento da produtividade

    das firmas que sobreviveram ao processo de abertura a partir do fim da dcada de 80 (Lisboa,

    Menezes-Filho & Schoor, 2002).

    Entretanto, os efeitos benficos da abertura da economia no se confundem com as

    conseqncias negativas de uma excessiva valorizao cambial sobre a produtividade dos fatores e

  • 27

    a taxa agregada de investimentos. Em geral, a reduo das barreiras tarifrias e no tarifrias

    importao significam um aumento do volume de comrcio. A partir de 1994, contudo, a queda da

    poupana pblica, que se torna negativa na segunda metade da dcada de 90, acarretou uma

    excessiva valorizao do cmbio com efeitos negativos sobre parte da estrutura produtiva,

    reduzindo a capacidade competitiva de diversas firmas, alm de no permitir uma transio mais

    suave para um novo regime de comrcio exterior. Como o grau de abertura econmica depende

    positivamente da taxa de investimentos em funo da maior intensidade do capital no setor

    produtor de bens comercializveis , a distoro de preos relativos causada pela sobrevalorizao

    cambial mostrou-se contraditria com o andamento do processo de abertura, provocando o

    fechamento de diversas firmas.

    O volume de comrcio da economia brasileira ainda relativamente reduzido em

    comparao com os demais pases, mesmo se corrigido pelas caractersticas das diversas

    economias. Ne segunda metade da dcada de 90, o grau de abertura da economia brasileira esteve,

    em mdia, em torno de 14% do PIB, com elevao no final da dcada, enquanto os maiores pases

    latino-americanos, exceo da Argentina, apresentam volume acima de 25%, e pases do mundo

    com renda intermediria e intermediria/alta apresentam em mdia 45%.3 A Tabela 1, a seguir,

    apresenta o volume de comrcio de bens com exterior para diversos pases para um conjunto

    selecionado de pases. De forma similar ao grau de abertura, a economia brasileira apresenta um

    grau de comercializao de bens com o exterior inferior ao da maioria dos demais pases.

    3 O grau de abertura definido como o total das exportaes mais importaes de bens e servios no fatores sobre oPIB.

  • 28

    TABELA 1

    Corrente de Comrcio (bens)/PIB Ajustado pela PPC

    Grau de Abertura (em %) 1981 1986 1991 1996 1999BRASIL 9,5 5,4 6,4 9,4 8,4Argentina 9,4 4,8 7,1 11,7 10,9Austrlia 29,9 22,3 27,9 30,8 26,9Canad 44,9 40,8 45,0 53,2 57,3Chile 32,4 16,8 23,7 27,9 23,7China 8,7 7,2 7,7 8,1 8,0Colmbia 9,5 7,4 7,0 10,0 9,3Coria do Sul 36,9 28,4 36,0 41,8 35,9Espanha 19,1 17,4 29,3 35,6 35,8Estados Unidos 16,1 13,6 15,6 18,5 19,8Frana 38,9 33,1 42,5 46,0 44,0Holanda 89,1 78,5 95,3 112,0 101,4ndia 4,6 3,1 3,1 3,8 3,6Itlia 29,8 25,9 34,2 37,7 35,0Japo 23,4 19,4 21,2 24,1 23,2Mxico 14,7 9,4 16,9 27,2 35,6Sucia 62,9 57,4 66,9 82,0 76,5Sua 59,2 63,1 77,7 86,5 82,7Venezuela 53,7 22,1 24,0 24,8 26,6Nota: o comrcio de bens como participao no PIB valorado pelaParidade de Poder de Compra (PPC) consiste na soma de exportaese importaes de mercadoriasmedidas em dlares americanos correntes, dividida pelo PIB convertidoem dlares internacionais por meio das taxas de paridade depoder de compra.

    Fonte: World Development Indicators 2001, Banco Mundial.

    O reduzido grau de abertura da economia brasileira implica uma baixa elasticidade dos

    saldos comerciais em relao taxa real de cmbio e, dessa forma, acaba contribuindo tambm

    para a elevao da nossa vulnerabilidade externa.

    A economia brasileira tem uma alta dvida externa, acompanhada de alto servio da dvida

    a ser pago. As divisas para o pagamento do servio da dvida so obtidas por de supervites

    comerciais e de influxo de capital externo. Quando a economia sofre um choque externo, como,

    por exemplo, um aumento da taxa de juros internacional, que diminui o influxo de capitais, um

    maior supervit comercial deve ser gerado para que o Pas possa continuar cumprindo as suas

    obrigaes financeiras internacionais. Uma desvalorizao da taxa de cmbio real deve ocorrer

  • 29

    para gerar o supervit comercial necessrio. Quanto menor o volume de comrcio da economia,

    maiores devero ser as variaes proporcionais das exportaes e importaes para se alcanar o

    nvel de supervit comercial desejado. Dadas as elasticidades-preo das exportaes e

    importaes, maior dever ser, portanto, a desvalorizao cambial.

    Um exemplo deste tipo de interdependncia dado pela reao de diversos pases ao

    choque de petrleo da dcada de 70. Essa reao pode ser mensurada pela comparao das taxas

    de crescimento nos 15 anos anteriores ao choque do petrleo com a taxa observada nos 15 anos

    seguintes. Em princpio, dever-se-ia esperar que pases com maior grau de abertura seriam mais

    afetados por esse choque de oferta, sendo que pases em que esse choque foi positivo

    exportadores de petrleo deveriam ser beneficiados, o inverso ocorrendo com os importadores

    de petrleo ou bens que tiveram seu preo internacional aumentado nesse perodo.

    Entretanto, observa-se que pases com baixo grau de abertura como Brasil foram mais

    afetados do que pases com maior grau de abertura como Coria. Alm disso, pases com choque

    positivo como Venezuela foram afetados negativamente em magnitude maior do que alguns

    pases para os quais o choque foi negativo. Duas razes se somam na explicao desse fenmeno.

    Em primeiro lugar, pases com taxas de investimento e grau de abertura mais elevados

    parecem se ajustar com maior facilidade aos choques externos, em particular apresentando

    menores taxas de variaes do cmbio real (Calvo et alli, 2002). Em segundo, as estimativas

    estatsticas indicam que parte significativa desse resultado deve ser ponderado pelo grau de

    desigualdade das economias economias mais desiguais teriam mais dificuldade em negociar

    internamente os prejuzos de um choque negativo ou os ganhos obtidos com um choque positivo, e

    essa dificuldade se materializaria em menores taxas de investimento e de crescimento econmico

    (Rodrik, 1998). Dessa forma, pases menos desiguais, ainda que com volume de comrcio

    relativamente menor, reagiriam melhor a choques externos.

    Investimento, Poupana e Desequilbrios Fiscais

    Em que pesem as significativas oscilaes observadas na taxa de crescimento da economia

    brasileira nos ltimos 40 anos, a taxa de investimento a preos correntes no Brasil relativamente

    constante durante todo o perodo, em cerca de 20% da renda nacional. A taxa de investimento

    brasileira relativamente baixa quando comparada s taxas entre 25 e 30% observada em outros

    pases em desenvolvimento. O reduzido ritmo de investimentos no Brasil ocorre de forma

    simultnea aos registros de baixos volumes de crdito privado (cerca de 25% do PIB em

  • 30

    comparao com taxas acima de 50% em diversos pases emergentes) e de elevados spreads

    bancrios.

    As dificuldades macroeconmicas tm como componente importante a piora das contas

    pblicas desde meados dos anos 80. A poupana pblica, at ento positiva, apresenta uma queda

    significativa ao longo da segunda metade da dcada de 80 e, especialmente, no perodo entre 1995

    e 1998. A partir de 1995, em meio estabilizao monetria e apesar do aumento da carga

    tributria que passa a ser observado, a poupana pblica se torna negativa (Tabela 2).

    TABELA 2

    Investimento e Poupana no Brasil (% do PIB)

    PoupanaTaxa de Investimento

    Preos Correntes Nacional Perodo

    Pblico Privado Total

    Externa

    Pblica Privada Total

    1947-60 n.d n.d 15,4 0,8 n.d n.d 14,6

    1961-69 n.d n.d 18,0 0,5 n.d n.d 17,5

    1970-85 3,2 18,9 22,1 3,4 4,3 14,4 18,7

    1986-90 3,3 19,9 23,2 0,4 0,6 22,2 22,8

    1991-94 3,0 16,1 19,1 -0,2 2,8 16,5 19,3

    1995-98 2,4 19,1 21,5 3,6 -2,2 20,1 17,8

    1999-2001 1,9 19,0 20,9 4,6 -0,6 16,9 16,3 Fonte: Tabela elaborada pela SPE/MF a partir de dados primrios fornecidos pelo IBGE, BCB e IPEA.

    Finalmente, deve-se destacar que a tendncia de piora das contas pblicas ao longo dos

    anos decorrncia tambm de diversos fatores estruturais: alterao da composio demogrfica,

    aumento da taxa de informalidade da economia e o aumento do dficit previdencirio.

    A mudana da estrutura demogrfica, que no Brasil foi particularmente acelerada entre as

    dcadas de 70 e 90, alm do aumento da expectativa de vida, foi responsvel, em parte, pela

    reduo da capacidade de investimento pblico. Essa mudana alterou tanto o volume de receitas

    do Estado quanto a composio e volume das despesas (Grfico 9).

  • 31

    GRFICO 9

    Evoluo da Taxa de Natalidade

    4,7% 4,6% 4,6% 4,5% 4,5% 4,5%4,4% 4,3%

    1,8%1,6% 1,5%

    1,4% 1,4%

    3,9%

    3,2%

    2,4%

    2,0%

    0%

    1%

    2%

    3%

    4%

    5%

    1890 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050

    Tax

    a B

    ruta

    de

    Nat

    alid

    ade

    Fonte: Elaborao do MPS a partir de dados fornecidos pelo IBGE.

    Como ser visto em seguida, o aumento da informalidade tambm contribuiu para a

    reduo da capacidade de investimento pblico, pois afetou a arrecadao tributria e contribuiu

    para aumentar o desequilbrio do atual sistema previdencirio. Como conseqncia tanto do

    aumento da informalidade quanto da mudana no perfil demogrfico, em 1950 existiam 9

    trabalhadores contribuindo para a Previdncia para cada aposentado, enquanto em 2000 existia

    apenas 1,4.

    Informalizao da Economia.

    A deteriorao das contas pblicas deveu-se tambm ao aumento da informalizao do

    mercado de trabalho a partir do fim da dcada de 80.4 Utilizando-se a relao empregado sem

    4 A medida mais utilizada para se medir o grau de informalidade da mo-de-obra brasileira a razo entre a populaoempregada sem carteira assinada e a populao total. Utiliza-se a Pesquisa Mensal do Emprego (PME/IBGE) ou aPesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD/IBGE) como fontes de dados para mensurao da informalidade.Os dados da PME, embora sejam restritos a seis regies metropolitanas (So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,Porto Alegre, Salvador e Recife), tm a vantagem sobre a PNAD por serem uma srie contnua de periodicidademensal. Essa medida proposta para informalidade exclui alguns grupos relevantes de trabalhadores, como os quetrabalham em ajuda a membro familiar sem a contrapartida de remunerao ou a parcela dos que trabalham por contaprpria e que no tem nenhum registro formal. A PME (na antiga metodologia) no permite mensurar, com acuidade,

  • 32

    carteira e populao ocupada, observa-se que a participao desse segmento cresceu

    continuamente ao longo dos ltimos doze anos, elevando-se em cerca de 7 pontos percentuais

    (Grfico 10). Em 1991, aproximadamente 21% dos trabalhadores ocupados eram empregados sem

    carteira assinada e 54% eram empregados formais. Os restantes 25% dividiam-se entre

    trabalhadores por conta prpria (maior parte), empregadores e empregados sem remunerao

    (quase desprezvel). Em 2002, a parcela dos trabalhadores sem carteira ampliou-se para quase

    28%. Em contrapartida, os empregados formais reduziram-se a 45% do total da ocupao.

    Observou-se, claramente, que a parcela do emprego formal vem cedendo espao informalidade,

    tornando-se um desafio ao novo governo buscar meios de reverter essa situao.

    GRFICO 10

    Participao (%) dos Empregados com e sem Carteira noTotal da Populao Ocupada

    10%

    15%

    20%

    25%

    30%

    35%

    40%

    45%

    50%

    55%

    60%

    1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

    com carteira sem carteira

    Fonte: Grfico elaborado pela SPE/MF a partir de dados da PME.

    Entre 1991 e 1999 observou-se uma tendncia de queda da populao empregada com

    carteira. No mesmo perodo, a populao sem carteira cresceu em todos os anos a uma taxa mdia

    anual superior a 4% a.a.. Somente em 2001 observou-se queda da populao sem carteira (-0,4%)

    e tambm forte aumento do emprego formal (4,7%). Todavia, no se configurou uma reverso da

    tendncia anterior, uma vez que em 2002 a populao ocupada sem carteira voltou a crescer em

    o nmero de trabalhadores que se encontram nessas situaes. Por outro lado, o novo questionrio da PME avana nosentido de extrair informaes mais detalhadas sobre o tipo de trabalho exercido, mas a base de dados muito recente

  • 33

    ritmo superior populao com carteira assinada. Em suma, caracterizou-se em toda dcada de 90

    e nos primeiros anos da dcada atual o crescimento da participao do emprego informal em

    detrimento da formalizao da mo-de-obra.

    O desenho tributrio brasileiro incentiva a informalizao do mercado de trabalho. Os

    impostos e contribuies sobre folha de pagamento aumentam o custo relativo de contratao de

    trabalhadores formalmente, acarretando a informalizao ou a utilizao de tcnicas de produo

    que poupem mo-de-obra. A cunha fiscal atual entre o que gasta a empresa formal e o que recebe

    o trabalhador de baixa renda est em cerca de 27% sobre os gastos da empresa e 37% sobre a

    remunerao recebida pelo trabalhador.5

    A informalidade gera diversas conseqncias no mercado de trabalho. Em particular, gera

    maior rotatividade da fora de trabalho e reduz o processo de aprendizado do trabalhador no

    processo de trabalho, com impactos negativos sobre a produtividade e o salrio real. Em paralelo,

    a visibilidade para o fisco das firmas informais aumenta com a escala de produo, reduzindo os

    incentivos a explorar eventuais retornos crescentes de escala. Por fim, a informalidade afeta a

    arrecadao pblica e contribui para aumentar o desequilbrio no atual sistema previdencirio.

    Desequilbrios Fiscais e a Relao Dvida/PIB

    Dessa forma, os elevados desequilbrios fiscais nos anos 90 foram a continuao de uma

    trajetria iniciada no final dos anos 70. Durante os anos 80 e o comeo dos anos 90, esses

    desequilbrios foram financiados via imposto inflacionrio ou via renegociaes traumticas de

    contratos. O imposto inflacionrio tem implicaes redistributivas regressivas, em decorrncia do

    menor acesso dos grupos de baixa renda a ativos financeiros indexados. Alm disso, o aumento

    continuado da inflao acarreta uma desorganizao crescente da atividade econmica, com

    impactos negativos sobre o investimento e o crescimento econmico no longo prazo.

    Entre 1996 e 2001, a relao dvida/PIB no Brasil passou de 33% para 53%. Esse rpido

    crescimento da relao nesses anos decorreu de pelo menos quatro fatores principais. Em primeiro

    lugar, devido aos desequilbrios fiscais observados na dcada de 90, sobretudo entre 1994 e 1998.

    Em segundo, os desequilbrios fiscais resultaram na absoro dos choques externos

    (a partir de maro de 2002) o que dificulta a anlise sobre a tendncia da informalidade da mo-de-obra.5 Uma caracterstica dos trabalhadores de baixa renda a elevada rotatividade da mo-de-obra que faz com que estestrabalhadores, em sua grande maioria, se aposentem por idade independente da sua contribuio para o INSS. A cunha parte dos gastos das empresas que no revertem em remunerao dos trabalhadores inclui as contribuies sobre

  • 34

    essencialmente atravs da poltica monetria, acelerando o crescimento da dvida. Em terceiro, o

    reconhecimento de diversos passivos pblicos no formalmente contabilizados, bem como a

    renegociao com os Estados, significou um aumento da dvida de 10% do PIB. E, por ltimo, a

    desvalorizao real da moeda nos ltimos anos, que aumentou o peso da dvida domstica ajustada

    ao dlar.

    Os elevados prmios de risco observados nos ltimos anos podem ser explicados pelo fato

    do governo ter procurado solucionar a questo fiscal a partir de rompimento de contratos em

    momentos especficos da dcada de 80 e incio da dcada de 90. A trajetria ascendente da relao

    dvida/PIB, as dvidas sobre a solvncia das contas pblicas brasileiras e as especulaes sobre a

    conduo da poltica econmica reforaram o comportamento observado para os prmios.

    Parte importante do desequilbrio fiscal das contas pblicas na dcada de 90 tambm deve

    ser creditada necessidade de financiamento dos regimes de previdncia dos trabalhadores da

    iniciativa privada e dos servidores do setor pblico federal, estadual e municipal, que passaram de

    3,0% do PIB em 1995 para 5,5% em 2002. A maior parcela do desequilbrio financeiro do regime

    da Previdncia hoje est associada previdncia do setor pblico, cuja necessidade de

    financiamento em 2002 foi de 4,2% do PIB. Este passivo indica a existncia de graves problemas

    intertemporais das contas pblicas, gerando incerteza sobre a capacidade de pagamento da dvida

    do governo, assim como o prprio questionamento da sustentabilidade do direito aposentadoria.

    Deve-se ressaltar que caso o governo anterior tivesse realizado um supervit primrio de

    3,5% desde 1994, a relao dvida/PIB em 2002 teria sido inferior observada em 1994, sendo

    cerca da metade efetivamente realizada em dezembro de 2002 (Goldfajn, 2002). Esse resultado

    ilustrado no Grfico 11, onde a linha vermelha apresenta a trajetria ocorrida com a relao

    dvida/PIB, e a linha tracejada apresenta a trajetria que teria ocorrido caso tivesse sido realizado

    um supervit de 3,5% ao ano no perodo. A menor relao dvida/PIB e, portanto, os menores

    servios devidos teriam ainda o provvel impacto adicional de reduzir o risco Brasil, permitindo

    a reduo da taxa de juros. A linha roxa ilustra o comportamento da relao dvida/PIB sob a

    hiptese de uma reduo de 5% na taxa de juros praticadas no perodo.

    folha salarial que no viram benefcios para o trabalhador contingentes formalizao (encargos sociais). No fazemparte da cunha, portanto, dcimo-terceiro salrio e FGTS.

  • 35

    GRFICO 11

    Evoluo da Dvida Lquida do Setor Pblico e Simulaes comSupervit Primrio e Taxa de Juros (%PIB)

    55.9

    30.3

    30.028.2

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

    Ocorrido Supervit Primrio 3,5% Supervit Primrio 3,5% e reduo de 5% na taxa Selic

    Fonte: Goldfajn (2002).

  • 36

    2.2. Distribuio de renda, gastos sociais e poltica econmica

    Desigualdade, Pobreza e Crescimento Econmico na Economia Brasileira

    A sociedade brasileira atual tem como trao marcante uma excessiva proporo da

    populao vivendo em situao de pobreza e extrema pobreza, em contraste com a relativa riqueza

    do Pas. Dois teros de todos os pases apresentam renda per capita inferior brasileira (Barros,

    2001). Com o objetivo de ilustrar a ampla disponibilidade relativa de recursos para a rea social no

    Brasil, deve-se ressaltar que a insuficincia de renda agregada dos extremamente pobres6

    representa menos de 1% da renda nacional, 5% dos gastos sociais, ou ainda 34% dos gastos

    federais com programas de transferncia como a Previdncia Rural e o Bolsa Escola, entre outros.

    A despeito dessa disponibilidade relativamente ampla de recursos, 33% da populao vive em

    situao de pobreza e cerca de 15% em situao de extrema pobreza.

    A razo para esta aparente contradio entre a riqueza da sociedade e a pobreza que aflige

    uma parcela substancial da populao reside, evidentemente, no elevado grau de desigualdade do

    pas (Grfico 12). Enquanto no Brasil a renda mdia dos 20% mais ricos 25 vezes maior do que

    a dos 20% mais pobres, tanto na Holanda como na ndia esta razo no ultrapassa 5. De fato, o

    Brasil um dos pases que pertence ao grupo dos 10% mais desiguais no mundo (Barros, 2001).

    6 Entende-se por insuficincia de renda agregada dos extremamente pobres o volume mnimo de renda quenecessitaria ser transferido a este grupo para que passasse a contar com recursos suficientes para asatisfao de suas necessidades nutricionais.

  • 37

    GRFICO 12

    Evoluo da Porcentagem da Renda Apropriada pelos Diversos Segmentos Sociais

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    90%

    100%

    1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999

    50 % mais pobres

    40 % seguintes

    9% seguintes

    1% mais rico

    Fonte: Grfico elaborado pela Diretoria de Estudos Sociais do IPEA, a partir de dados primrios da PNAD.

    O excesso de desigualdade de renda brasileiro tem conseqncias muito graves sobre o

    nosso grau de pobreza. Por exemplo, se o Brasil distribusse sua renda de forma similar ao

    Uruguai, mesmo sem alterar o volume total de recursos disponveis no Pas, teramos apenas 12%

    das pessoas vivendo em famlias pobres, e no os 35% atuais. Em outras palavras, a pobreza no

    Brasil seria apenas um tero da que hoje, caso os recursos de que j dispomos passassem a ser

    distribudos nos mesmos termos que os verificados no Uruguai (Barros, 2001).

    Ao longo dos ltimos dez anos, o Brasil reduziu significativamente o grau de extrema

    pobreza em cerca de 4,5 pontos percentuais, apresentando um dos melhores desempenhos entre os

    pases latino-americanos. Apesar disso, surpreende que o grau de desigualdade tenha permanecido

    inalterado. Redues no grau de desigualdade no se constituram em instrumento de combate

    pobreza no Brasil. De fato, uma decomposio dos fatores responsveis pela queda da extrema

    pobreza ao longo da dcada de 90 indica que redues no grau de desigualdade foram

  • 38

    responsveis por pouco mais de 10% dessa queda (Barros, 2001). Caso se dispensasse maior

    ateno a redues no grau de desigualdade, a queda da extrema pobreza teria sido muito maior.

    Para se alcanar uma reduo na extrema pobreza em 10 pontos percentuais (isto , para

    reduzi-la de 15% para 5%), bastaria diminuir o grau de desigualdade em 10%. Caso a mesma

    reduo na extrema pobreza tivesse de ser alcanada apenas com crescimento econmico, sem

    nenhuma alterao no grau de desigualdade, a renda per capita precisaria dobrar, o que, mesmo

    com um crescimento contnuo na renda per capita de 3% ao ano, levaria quase 25 anos.

    A reduo da desigualdade no apenas beneficia os pobres imediatamente, mas tambm

    tem um impacto positivo sobre o processo de crescimento econmico. H evidncias de que o

    crescimento em pases com alta desigualdade, tais como os pases latino-americanos, tem sido

    mais lento e menos eficaz na reduo da pobreza em comparao com os pases com menor

    desigualdade, como em muitos casos na sia Ocidental (Bruno, Ravallion & Squire, 1996). Entre

    os mecanismos que tm sido destacados na literatura recente para explicar essa relao entre

    desigualdade e crescimento destaca-se a existncia de restries no mercado de capitais que

    impedem a populao pobre de investir em ativos produtivos e educao (Bnabou, 1996).

    A desigualdade no Brasil constitui fenmeno antigo e caracterstico da nossa economia.

    Nosso grau de desigualdade hoje essencialmente o mesmo que o observado em 1970, tendo

    permanecido relativamente estvel nas ltimas trs dcadas, com pequena piora no perodo de alta

    inflao e pequena melhora no perodo aps o Plano Real, quando retornamos ao nvel de

    desigualdade observado durante o milagre econmico. A percepo social de piora na distribuio

    de renda nas ltimas dcadas decorre da mudana da distribuio geogrfica da pobreza, com

    melhora das condies de vida nas reas rurais e pequenas cidades do interior, e piora da

    desigualdade nos grandes centros urbanos.

    A anlise controlada dos fatores que influenciam a renda do trabalho indica que cerca de

    40% da desigualdade dessa renda observada no Brasil est correlacionada com a desigualdade do

    grau de escolaridade (Menezes-Filho, 2001). O Grfico 13 fornece um exemplo nesse sentido,

    explicitando a parcela da desigualdade da renda do trabalho explicada por diferenas no nvel de

    escolaridade. Em 1977, uma pessoa cuja renda do trabalho fosse superior renda de 90% dos

    brasileiros, recebia um salrio 14 vezes maior em mdia do que uma pessoa cujo salrio fosse

    inferior ao salrio de 90% dos brasileiros. Quando se desconta deste diferencial de renda a parte

    explicada pelo diferencial de educao, a distncia cai pela metade, passando de 14 para 7 vezes o

    salrio mdio daqueles situados na base da distribuio. Em 1997, a distncia tinha sido reduzida

  • 39

    para 12 vezes, mas a desigualdade lquida dos efeitos da educao manteve-se constante,

    indicando uma pequena reduo da desigualdade associada educao no perodo 1977-97.

    GRFICO 13

    0

    2.5

    5

    7.5

    10

    12.5

    15

    %

    1977 1997

    Educao e Desigualdade

    Desigualdade Desigualdade Lquida de Educao

    Fonte: Menezes-Filho (2001).

    Dado que os fatores que contribuem para o crescimento econmico so acumulao de

    capital fsico, educao e aumento de produtividade, e considerando a relao entre desigualdade e

    acumulao de capital e educao, pode-se inferir que no h um conflito intrnseco entre polticas

    de reduo de desigualdade e polticas de estmulo ao crescimento. Pelo contrrio, polticas que

    busquem facilitar o acesso dos mais pobres educao e sade e que reduzam os custos sociais

    de acesso ao crdito e aquisio de ativos so tambm instrumentos importantes para acelerar o

    crescimento.

    A decomposio dos fatores de crescimento da economia brasileira nas ltimas dcadas

    evidencia a reduzida contribuio da qualidade da fora de trabalho para o crescimento da

    economia brasileira. Em grande medida isso reflete uma negligncia histrica do investimento em

    educao e os conseqentes baixos ndices de escolaridade da nossa fora de trabalho. At a dcada

    passada, o desempenho educacional do Brasil foi bem inferior ao de outros pases em

    desenvolvimento. Nos pases do Leste Asitico, onde a contribuio da educao para o aumento

    da produtividade da economia foi mais significativa, a renda por habitante cresceu de forma bem

    mais rpida e sustentvel.

  • 40

    A desigualdade na distribuio de ativos e de renda tende a gerar externalidades negativas

    para o crescimento tambm por meio da piora na qualidade do investimento e na capacidade de

    gerao de renda dos mais pobres. Estima-se ainda que um aumento do investimento pblico e

    privado em nutrio e assistncia mdica, com um impacto significativo sobre a sade da

    populao, poderia provocar um aumento de at 10% nos salrios (Schultz, 2002).

    A incapacidade da sociedade brasileira em reduzir o seu alto grau de desigualdade e,

    portanto, em utilizar importante instrumento para o combate pobreza e extrema pobreza pode

    resultar de dois fatores: i) ausncia de uma poltica social ou ii) baixa efetividade da poltica

    existente. Como ser visto adiante, o Brasil no pode ser qualificado como um pas sem uma

    poltica social ativa. Assim sendo, a questo central de nossa poltica social no apenas de

    natureza oramentria, mas, sobretudo, est relacionada sua pouca efetividade. A despeito do

    expressivo volume de gastos, ela no capaz de reduzir a desigualdade presente.

    Nos demais pases com renda per capita semelhante ou maior que a brasileira, a poltica

    social reduz a desigualdade de renda por duas razes principais: i) melhor eqidade no acesso a

    ativos, sobretudo educao, assim como aos bens e servios identificados como parte dos direitos

    de cidadania (bens meritrios), aumentando a capacidade dos diversos indivduos de obter renda;

    e ii) polticas compensatrias redistributivas a grupos sociais especficos que apresentam restries

    sua capacidade de gerao de renda, que pode ser temporria choques negativos no mercado de

    trabalho, por exemplo ou permanente idosos.

    Pelo outro lado do oramento, o sistema fiscal tambm tem sido incapaz de reduzir a

    desigualdade de renda de forma significativa. Os Grficos 14 e 15 a seguir apresentam a

    distribuio dos principais tributos pagos pelas famlias no Brasil: tributos indiretos sobre bens e

    servios, contribuio previdenciria e imposto de renda. Foram simuladas duas hipteses

    alternativas e extremas sobre o impacto das contribuies previdencirias dos empregadores. Na

    primeira hiptese (Grfico 14), supe-se que todo o custo das contribuies seja transferido aos

    preos finais. Na segunda hiptese (Grfico 15), supe-se que a incidncia se d sobre os salrios

    reais. Destaque-se que em ambos os cenrios verifica-se a no progressividade desses impostos e

    contribuies no Brasil, com todos os decis de renda pagando uma parcela relativamente constante

    da renda em tributos. Alm disso, deve-se ressaltar a contribuio relativamente pequena do

    imposto de renda, quase na ntegra cobrado dos 10% mais ricos da populao.

  • 41

    GRFICO 14

    Tributos como Proporo da Renda por Grupo de Renda (Hiptese 1)

    0

    5

    1 0

    1 5

    2 0

    2 5

    3 0

    3 5

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0

    G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )

    %

    T r i b u t o s I n d i r e t o s C o n t r i b u i o P r e v i d e n c i r i a I R P F

    Fonte: Siqueira, Nogueira & Levy (2002).

  • 42

    GRFICO 15

    Tributos como Proporo da Renda por Grupo de Renda (Hiptese 2)

    0 , 0

    5 , 0

    1 0 , 0

    1 5 , 0

    2 0 , 0

    2 5 , 0

    3 0 , 0

    3 5 , 0

    4 0 , 0

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0

    G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )

    %

    T r i b u t o s I n d i r e t o s C o n t r i b u i o P r e v i d e n c i r i a I R P F

    Fonte: idem.

    O Grfico 16 ilustra a distribuio das transferncias de recursos realizadas pelo Estado.

    Esto includas as despesas com previdncia do setor pblico e INSS, os programas do Ministrio

    do Trabalho, como Seguro-Desemprego e Abono Salarial, assim como os programas sociais como

    Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentao. Deve-se observar que o montante de transferncias aumenta

    com o decil de renda de forma similar aos impostos e contribuies pagos pelas famlias.

  • 43

    GRFICO 16

    Distribuio das Transferncias e dos Tributos por Grupo de Renda no Brasil

    ( 1 6 . 0 0 0 )

    ( 1 4 . 0 0 0 )

    ( 1 2 . 0 0 0 )

    ( 1 0 . 0 0 0 )

    ( 8 . 0 0 0 )

    ( 6 . 0 0 0 )

    ( 4 . 0 0 0 )

    ( 2 . 0 0 0 )

    -

    2 . 0 0 0

    4 . 0 0 0

    6 . 0 0 0

    8 . 0 0 0

    1 0 . 0 0 0

    G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )

    R$

    por

    Ano

    T r a n s f e r n c i a s T r i b u t o s

    Fonte: idem.

    Dessa forma, o desenho fiscal brasileiro arrecadao e transferncias se caracteriza pela

    incapacidade em transferir renda aos grupos mais pobres, em contraste, por exemplo, com o

    observado nos pases europeus, como o Reino Unido (Grfico 17).

  • 44

    GRFICO 17

    Distribuio das Transferncias e dos Tributos

    por Grupo de Renda no Reino Unido

    - 2 6 0 0 0- 2 4 0 0 0- 2 2 0 0 0- 2 0 0 0 0- 1 8 0 0 0- 1 6 0 0 0- 1 4 0 0 0- 1 2 0 0 0- 1 0 0 0 0

    - 8 0 0 0- 6 0 0 0- 4 0 0 0- 2 0 0 0

    02 0 0 04 0 0 06 0 0 08 0 0 0

    G r u p o s d e R e n d a ( D e c i s )

    Lib

    ras

    po

    r A

    no

    T r a n s f e r n c i a s T r i b u t o s

    Fonte: idem.

    Apenas a ttulo de exemplo, nesse ltimo caso, enquanto o coeficiente de Gini da renda

    original de 0,53, o coeficiente aps as transferncias do Estado se reduz para 0,38. No Brasil, o

    coeficiente associado renda original de 0,65, passando para 0,596 aps as transferncias do

    Estado. Caso o Brasil tivesse uma distribuio das penses e aposentadorias entre as diversas

    faixas de renda como a observada no Reino Unido, o ndice de Gini cairia de 0,65 para 0,545.

    A baixa efetividade do gasto social no Brasil se deve tambm s distores presentes no

    sistema previdencirio. Uma decomposio do rendimento das famlias em seus vrios

    componentes mostra que o rendimento de aposentadorias e penses est mais concentrado nos

    relativamente ricos do que o rendimento total. De fato, enquanto o ndice de Gini da distribuio

    do rendimento total de 0,592, o ndice de concentrao de aposentadorias e penses de 0,603

    (Hoffman, 2002). Isso significa que o sistema previdencirio vigente no contribui para melhorar a

    distribuio de renda, ao contrrio do observado em diversos pases.

    Para que se tenha uma idia das razes que fazem o sistema previdencirio brasileiro

    produzir a distoro distributiva mencionada, os grficos a seguir comparam a distribuio dos

  • 45

    gastos com aposentadorias e penses no Brasil e na Espanha. Ressalte-se que a Espanha concentra

    sua proteo social nas aposentadorias e penses, as quais respondem por mais de 80% das

    transferncias diretas realizadas pelo governo. O Brasil, apesar de ter uma populao muito mais

    jovem, concentra mais ainda, devotando quase 90% do gasto com transferncias diretas para o

    pagamento de aposentadorias (Grficos 18 e 19). Tambm chama a ateno que, no Brasil, o

    grupo etrio de 45 a 60 anos o que recebe a maior parte das aposentadorias (40% do gasto).

    Finalmente, o Grfico 20 mostra que o padro de distribuio das aposentadorias no Brasil muito

    mais regressivo do que na Espanha.

    GRFICO 18

    Distribuio da Populao por Idade

    0,0%

    0,5%

    1,0%

    1,5%

    2,0%

    2,5%

    0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85

    Brasil Espanha

    Fonte: Siqueira, Nogueira & Levy (2003).

  • 46

    GRFICO 19

    Distribuio do Gasto com Aposentadorias e Penses por Faixa Etria

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    0-30 30-45 45-60 60-65 65-70 70

    Brasil Espanha

    Fonte: idem.

    GRFICO 20

    Distribuio do Gasto com Aposentadorias por Classe de Renda (Decil)

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    60%

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

    Brasil Espanha

    Fonte: idem.

  • 47

    Gastos sociais do Governo Central (GC)

    A Tabela 3 apresenta os gastos realizados pelo Governo Central nas diversas reas sociais,

    incluindo as transfernci