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104 Dezembro2015 fazENDO E SE NÃO PAGARMOS MESMO?

Fazendo 104

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104Dezembro2015

fazENDO

E SE NÃO PAGARMOS MESMO?

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fazENDO Num. 104 | Dezembro 2015 o boletim do que por cá se faz

DirectoresAurora Ribeiro

Tomás Melo

ColaboradoresAna Rodrigo | Fernando Nunes

Miguel Machete | Gina Ávila Macedo Sara Soares | Jorge A. Paulus Bruno

Verónica Neves | Pedro Lucas Marina Ladrero | Paulo Novo

No more plastics for the AzoresFernando Resendes |

Carolina Ferraz | Teresa Cerqueira

RevisãoSara Soares

PaginaçãoGóel Domínguez

Projecto GráficoRaquel Vila

PROPRIEDADE Assoc Cultural Fazendo

SEDE Rua Conselheiro Medeiros nº 19

9900 Horta

PERIODICIDADE mensal

TIRAGEM 700 exemplares

IMPRESSÃO GRÁFICA o telégrapho

Aceitamos colaborações sob a forma de DOAÇÕES | ASSINATURAS | CONTEÚDOS eVOLUNTARIADO

DOAÇÕES | O Fazendo quer continuar a ser gratuito e é um projecto com grandes despesas de impressão, distribuição e manutenção. Recebemos doações na nossa conta da CGD: NIB: 0035 0366 000 287 299 3016

ASSINATURAS | Para receber o Fazendo em casabasta depositar 20€ na nossa conta:NIB: 0035 0366 000 287 299 3016

e juntamente com o comprovativo enviar o endereço postal onde se quer receber o jornal para [email protected]

Cresceu em Lisboa onde fez Design Gráfico, Industrial e Cenografia. Esteve no Faial de 1997 a 2009 onde foi Professor de macaquinhos, ligado ao início do Teatro de Giz e ao Cineclube da Horta. Desde então é semi-vagabundo por Inglaterra, Estados Unidos, Austrália e agora Sudoeste Asiático.

Gosta de filmes. Faz Efeitos Digitais em filmes. Separa bem os filmes em que gosta de trabalhar dos filmes de que gosta mesmo.

Anda sempre com o caderno dos desenhos e o livro do momento. Acha que fazer desenhos é uma forma de pensar.Gosta de silêncio e gosta de estar com pessoas. Também gosta de estar com pessoas em silêncio.

Gonçalo Cabaça

www.fazendo.pt

Apoio:

Ilustração Raquel Vila

Se assinares o fazendo

ele chegará sempre a tua casa

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Gonçalo Cabaça

Ilustração Raquel Vila

AURORA RIBEIRO

Pistas para evitar ser vítima de

Recentemente, devido aos tristes acontecimentos em Paris, tornámo-nos (e ainda bem) mais interessados. Utilizámos os nossos meios de comunicação preferidos para aceder e par-tilhar informação e opiniões. Mas o que é que nós sabemos ao certo? Temos acesso a dois tipos de informação: a que nos chega sem que a procuremos e a que conseguimos encon-trar se nos dispusermos a isso. No primeiro caso trata-se de informação que alguém nos quer impingir - e consegue. No segundo caso somos nós a fazer a selecção. E isso marca logo uma grande diferença. É fácil entender porquê.

Vivemos numa altura em que temos a enormíssima van-tagem de ter acesso livre a muitas fontes de informação.De pesquisar em segundos sobre o que quer que seja e de encontrar ligações entre todos os assuntos do conhecimen-to. Dispondo ainda de raciocínio, vamos ao infinito e mais além. Esta possibilidade evita-nos a condição de sermos vítimas da “história única”, em que para um conceito (digamos “Islão” ou “Terrorismo”) temos apenas uma explicação, uma imagem redutora e simplista. A realidade dos outros é tão complexa, variada e rica quanto a nossa. Só nos falta familiaridade. O ser humano sente e age se-gundo fundamentos comuns, esteja onde estiver.

É-nos difícil entender o que vai na cabeça de alguém que mata dezenas de pessoas e a seguir se mata a si próprio. Mas é menos difícil entender um chefe de estado que bombardeia território (e pessoas civis) no médio oriente, como retaliação. Se achamos que um bombista suicida foi vítima de uma lavagem cerebral que dizer de nós se enten-demos (e permitimos) melhor certas coisas que outras?

Nenhum de nós quer ser manipulado na nossa forma de pensar e ainda menos que os nossos cérebros sejam lavados de ponta a ponta. Mas tal como os mais loucos são os que não admitem ser loucos, os dos cérebros mais lavadinhos são os que estão convencidos de os não ter. Então tenhamos dúvidas, que é muito mais salutar.

O excesso de informação conduz frequente-mente à desinformação. Confusão entre teorias e explicações, factos contraditórios, deturpados e até mesmo falsificados também nos caem no colo todos os dias. Procurarmos conhecer mais e melhor a extraordinária complexidade do mundo que nos rodeia é um poderoso meio de pro-tecção dos nossos direitos.

Mas como e aonde? Os media estabelecidos e “tradicionais” são úteis. Trazem con-tinuamente muita informação com doses aceitáveis de “autenticidade”. Mas são um “meio”, ou seja, uma ferramenta óbvia quando se pretende manipular. Assim, naquilo que nos preocupa e importa, con-vém irmos também beber à fonte original, a mesma onde bebem os jornalistas. E sempre que sentirmos que estamos a ficar muito convencidos de uma certa visão, procure-mos também conhecer as teorias contra-ditórias. Visitemos lugares e/ou falemos com pessoas de todos os lugares. Partilhe-mos as nossas opiniões e ouçamos as dos outros, criticando-nos mutuamente.

O diálogo e a troca de saberes são EDUCAÇÃO, as manifestações artísticas e culturais são meios de COMUNICAR experiências e todo este CONHECIMENTO, partilhado em LIBERDADE é a base mais sólida para a construção da PAZ e do AMOR, que são os valores mais altos que a humanidade alguma vez concebeu.

lavagens cerebrais

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Entre Porto Pim e

o melhor de dois mundos

afinal é possível?

o Nordeste BrasileiroVERÓNICA NEVES

Vi os últimos quatro no dia 8 de Novembro. Eram seis e meia da tarde, conduzia na estrada da Lajinha, e eles passaram-me à frente numa diagonal até ao mar. A grande maioria já há largas semanas inverna no litoral brasileiro. Fazem-se ao mar e em pouco mais de uma semana avis-tam novos horizontes, chegando a voar mais de 1000 km num só dia. Ao que parece as fêmeas partem mais cedo, entre um a dois meses antes dos machos que ficam até mais tarde nas nossas ilhas, provavelmente em cuidados parentais, alimentando os juvenis e ensinando-os a pescar.

Os garajaus-comuns (Sterna hirundo) pesam entre 120 e 160 g, têm uma envergadura de asa de cerca de 80 cm e são primos dos maratonistas da migração animal, os garajaus-árcticos (Sterna paradisaea) que voam anualmente 90 mil km em busca do eterno Verão.As populações de garajau-comum da América do Norte migram para a costa do Brasil, Uruguai e Argentina. As do Norte da Europa migram para a Costa Ocidental Africana. A meio caminho entre os dois continentes, as aves dos Açores não se deixam seduzir pela cor-rente de Benguela. Recapturas de aves anilhadas e da-dos de geolocalização indicam que as aves dos Açores partilham os locais de invernada com as aves norte-americanas, não havendo até agora qualquer indicação de que possam também partilhar os locais de inver-nada com as aves europeias. Para além do comporta-mento migratório, geneticamente falando, as aves dos Açores são também mais próximas das populações norte-americanas do que das da Europa continental.Se os aparelhos de geolocalização fornecem dados im-portantes sobre a cronologia, duração e rota das mi-grações, a velhinha tecnologia da anilha de metal e ligas leves continua a ser fonte de conhecimento. Até ao mo-mento há registo de movimentos de mais de 50 aves en-tre os Açores e a América do Sul; 39 aves anilhadas nos Açores foram recapturadas no Brasil, seis aves anilha-das nos Açores foram recuperadas na Argentina e nove aves anilhadas no Brasil foram recapturadas nos Açores. Veja-se ainda o exemplo da ave G3913; foi anilhada a 18/7/1992 nos Capelinhos quando era uma pequena cria, três anos e meio mais tarde foi recapturada numa rede na praia de Mangue Seco (Baía, Brasil) e recentemente, a 22/4/2015, foi encontrada no Pico, muito debilitada, tendo acabado por morrer à beira de completar 23 anos. O recorde actual de longevidade da espécie é de 33 anos e foi registado numa colónia no mar da Irlanda. Não tenho dúvidas... Tão bom como asas? Só mesmo barbatanas!

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Não Se Paga! Não Se Paga!

à conversa com o encenador Luciano Amarelo

Não Se Paga! Não Se Paga! é a nova produção do Teatro de Giz, com es-treia marcada para dia 4 de Dezembro no Teatro Faialense.Uma peça que foi escrita em 1974 pelo dramaturgo italiano Dário Fo (Nobel da Literatura em 1997), um texto que continua actual, talvez até mais actual do que nunca.Para o colocar em cena o Teatro de Giz convidou o encenador Luciano Amarelo e da conversa com ele nas-ceu este texto.

É uma peça para todo o tipo de público, uma comédia, ideal para quem nunca viu teatro e também, claro, para quem adora teatro. É isto o teatro para todos: um texto fresco, divertido, popular mas com muito sumo. Divertes-te com a peça ape-sar de haver uma tragédia por trás. Há falta de dinheiro, as personagens não têm o que comer e estão presas a uma escravidão. A lógica do sistema é prender as pessoas a bens materi-ais, a formas de vida, para que nos movimentemos de acordo com as necessidades que "eles" criaram. Mas aqui, Não Se Paga! Não Se Paga!, é gratuito, o título diz tudo, já está em ti, é algo que já temos, e nós somos capazes de fazer a mudança, de vol-tar a ter outra vez. Não devemos ter medo de mudar, e muito menos de dizer "quem me dera que isto fosse diferente", eu posso mudar algo, tu também podes, anda mexe-te!

Personagens "reais" interpretadas por actores amadores, voluntários, 25 pessoas que se juntaram para 4 dias de revolução. Vamos fugir ao

clássico, aqui o espectador é sacu-dido quase até ao ponto de levar uma bofetada, para que não fique passivo, o público fica sentado mas sente que tem de se mexer. Os espectadores vão ver teatro, não ficam em casa a ver tv, são duas coisas muito diferentes, no teatro o público tem poder. Nós nesta peça damos-lhe ainda mais poder para ele sentir que tem de se mexer, é tempo de acordar.

O encenador diz-nos que sente neste trabalho uma lógica de mis-são, uma revolução que vai acon-tecer, que já está a acontecer, é algo novo que aí vem, uma erupção, "a ilha vai crescer" diz ele, "só não sabemos é em que direcção". Isto as-sim não pode continuar, o Mundo, a Europa, Portugal, a Horta, a rotina não é natural e eu (Luciano Amarelo) chego em momentos de mudança, de transição, um curandeiro, um guia que nos torna cada vez mais conscientes de nós próprios que nos obriga a saber respirar, a saber controlar cada parte do nosso corpo, a usar as emoções e a percebermos que as úni-cas barreiras estão em nós próprios.

Nada disto é novo, tudo é inspirado em movimen-tos de outros tempos. Espirituais, políticos e não só, todos aqueles que souberam trazer para a realidade for-ça para a criação de novos dias, mais

nossos. Uma companhia que não tem apresentado peças? Um país que está adormecido? Uma europa cheia de medo? Mas algo vem aí, algo vulcâni-co, algo que mude, a mudança é pos-sível e não tem de ser difícil.

TOMÁS MELO

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Procedeu-se ao reconhecimento de um naufrágio descoberto por Fernando Sil-veira e Francisco Paulo, moradores em S. Caetano, Terra do Pão, no ano de 2013. Trata-se de um local muito batido pela on-dulação, com vestígios claros de casco me-tálico e grossas correntes metálicas ainda visíveis, a 8 metros de profundidade. En-contra-se defronte da Igreja de Santa Mar-garida, a cerca de quinze metros da linha de costa, na Praia do Galeão, freguesia de S. Caetano, concelho da Madalena, ilha do Pico. Apesar dos vestígios encontrados, muito do ferro, pertencente ao navio, foi sendo resgatado pelos habitantes locais, ao longo dos tempos, conforme soubemos de alguns moradores, pelo que um navio de consideráveis dimensões, presentemente é pouco visível, a olhos menos atentos. Apesar da exiguidade dos vestígios e dos poucos elementos de datação existentes, foi fácil identificar o naufrágio em causa.A 30 de dezembro de 1920, o jornal “A De-mocracia” informava que: “Na manhã de 27 do corrente encalhou na costa da Terra do Pão, Pico, o vapor americano Lakeside Bridge, de 3200 toneladas e 39 tripulan-tes. Este vapor perdeu a hélice na noite de 25, debaixo de grande temporal. Toda a tripulação se salvou, tendo apenas ficado a bordo o respetivo comandante, o qual ainda ontem lá permanecia. O vapor vinha em lastro.” Dias depois, a 8 de janeiro de 1921, o mesmo periódico continuava: “Na noite 2 do corrente o mar partiu, avante da ponte do comando, o vapor americano Lakeside Bridge, que há dias encalhou na costa da Terra do Pão, Pico. De bordo têm sido retirados muitos objetos, mobília, louças, roupas, medicamentos, conservas, frutas, etc.”.

ou a malograda noite de

PAULO ALEXANDRE MONTEIRO

LAKESIDE BRIDGEA 13 de janeiro, o mesmo título publica um anúncio, que consta do seguinte: “Posto de despacho de 1ª classe das Lages do Pico – Faz-se público que por sete horas do dia vinte sete do mês de dezembro findo, naufragou no sítio denominado Janela, na costa da Terra do Pão, desta ilha do Pico, o vapor americano Lakeside Bridge de 3500 toneladas de arqueação, capitão W. M. Atkinson, em las-tro de areia e 39 tripulantes incluindo o capitão, os quais foram todos salvos pelos habitantes da localidade próxima do local do sinistro. Este navio procedia de Bremen e destinava-se ao Texas, tendo, porém, perdido a hélice na noite de 25 para 26 do referido mês, por efeito de um temporal, veio finalmente encalhar no men-cionado local, sofrendo logo grandes rombos que o inutilizaram por completo de navegar. Convidam-se por esta forma quaisquer interessados a fazer as suas reclamações no prazo legal. Posto de despacho de 1ª classe das Lages do Pico, 4 de janeiro de 1921. O Chefe do posto José António de Oliveira, 2º sargento.”. Ainda a 20 de janeiro de 1921, acrescentava uma pequena nota que diz: “A requisição da Shipping Board, seguiu anteontem para a Terra do Pão, Pico, uma força da Guarda Republicana, para evitar que se-jam roubados os salvados do vapor americano Lakeside Bridge.”

Façamos um retrocesso no tempo e desloquemo-nos até setem-bro de 1917, mês em que o governo americano lança um esforço titânico no sentido de se criar uma linha de montagem de navi-os mercantes, uma linha capaz de contribuir para o esforço da guerra (Primeira Grande Guerra, 1914-1918), que então se vivia e que exigia, cada vez mais, o transporte de pessoas, material e equipamento entre a América do Norte e o continente europeu. Neste programa, foi adjudicada à Submarine Boat Corporation a construção dos estaleiros da United States Shipping Board Emer-gency Fleet Corporation; em poucos meses a companhia iniciou a montagem em série de navios pré-fabricados com o custo unitário de cada embarcação contratualizado em US$960.000.

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ou a malograda noite de

JOSÉ LUÍS NETO

LAKESIDE BRIDGEApós o Armistício, o estaleiro de Newark Bay continuou a produção, lançando à água, no mês de outubro de 1919, o seu 817º casco. De todos os navios construídos pela Subma-rine Boat, este interessa-nos particu-larmente, já que o navio acabou os seus dias na ilha do Pico. Erigido no estaleiro nº 83, a partir de 20 de jun-ho de 1919, a quilha do casco EFC 817 foi colocada no dia 26 do mes-mo mês. Originalmente destinado a chamar-se “Kahnah”, o vapor aca-bou por assumir o nome de “Lake-side Bridge”, sendo lançado à água a 31 de outubro de 1919. Entregue à Shipping Board a 22 de dezembro de 1919, o “Lakeside Bridge” - que arqueava 3.545 toneladas brutas - foi atribuído à rota de comércio Estados Unidos-França, sob pavilhão do ar-mador Alexander Sprunt & Son.A sua viagem inaugural, iniciada em janeiro de 1920, com destino a Liver-pool, foi marcada por alguns dis-sabores - com efeito, após encontrar uma tempestade a meio do Atlânti-co, o “Lakeside Bridge” sofreu uma rutura numa canalização de óleo. O óleo que se derramou inundou algu-mas das anteparas do porão, provo-cando grandes estragos (no valor de US$2.000), na carga embarcada.

Transferido para a firma Robert Hasler & Company, o Lakeside Bridge foi inspecionado, na doca seca de Newport News, a 27 de setembro de 1920, por G. J. Anderson, do American Bureau of Shipping. Na inspeção, não só foram detetados cerca de 50 rebites defeituosos, que deixavam entrar água para o interior do vapor, como também se verificou que o veio do parafuso do hélice estava um pouco frouxo, apresentando-se a rosca desgastada em cerca de 3/32 de polegada. O inspetor Anderson atribuiu, mesmo assim, um certificado de navegabilidade ao vapor, recomendando, no entanto, que os rebites defeituosos fossem substituídos e que o protetor do hélice fosse re-movido, de modo a se poder consolidar a sua fixação.Após a sua partida da doca seca, o va-por foi colocado sob as ordens da fir-ma Lykes Brothers & Company, nave-gando de Norfolk para Bremerhaven, na Alemanha, de onde partiu, a 16 de dezembro de 1920, de regresso aos Estados Unidos, mais precisamente a Galveston, Texas.

Como já vimos, de 25 para 26 de dezembro de 1920, o “Lakeside Bridge”, de 3.200 toneladas e 39 tripulantes, encalhou no sítio denominado Janela, na costa da Terra do Pão, ilha do Pico.

1920

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TochaNome, apelido e projectos musicais do passado e do presente

Gonçalo Tocha, ou só Tocha ou Gonçalo Gonçalves.Bandas punk deprimidas na adolescência, experimentais

urbanas na universidade, tecnopopulares na idade adulta e românticas depois dos 30.

Como foi a primeira vez? (como surgiu e se concretizou o primeiro projecto, como foi o primeiro concerto…)

Algures em Sacavém, numa colectividade, num concurso de Música Moderna. Acústica intratável, performance tími-

da e técnica deplorável. Mas os nossos amigos estavam lá e as miúdas ficaram todas orgulhosas.

A música é colega, amiga, amante, ou assinaste mesmo os papéis?

Amante constante. Nunca demasiado a sério nunca dema-siado a brincar. Tem de ser prazer, renovado.

Depois de anos de vivência conjunta o quotidiano não se torna maçador?

Nunca fazer a mesma coisa. Tentar cada canção e cada disco diferente do anterior. Trabalhar no duro, praticar, ter

hábitos, estudar o espectáculo e depois saber que em músi-ca e em palco tudo é possível.

De que forma convives com as músicas dos outros em Portugal e no Mundo ?

Há que resistir à dominação anglo-saxónica. Procurar o exótico, o distante e depois as suas ligações com a músi-ca que nos está mais próxima. Em Portugal, estamos tão

fechados no eixo anglófono que raramente fomos estimu-lantes. Excepto em alguma música tradicional.

Assim, mais vale ir a um bom bailarico.

As músicas que se vão fazendo por cá, chegam aí?Sim, já não é preciso barco, nem avião, já não são precisas

as rádios e os jornais.

Já deste música aos Açorianos? Foi bom para os dois?Dei, já por duas vezes. Para mim foi das melhores coisas

que me aconteceram.

Entrevista: música

Há que resistir à dominação anglo-saxónica.“ MIGUEL MACHETE

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Pense o leitor sobre a situação que lhe parece mais genuína: o Zé Manel no arraial debitando beats de fábrica no seu orgão Casio (ou Yamaha) sobre as quais vai sobrepondo acordes maiores com sons de sintetizador manhoso e melodias popularuchas roubadas a um Emanuel qualquer; ou umas belas chamarritas tocadas no mesmo arraial pelo grupo etnográfico “lá de cima”, com instrumentos e ves-timentas a preceito? Eu vou pelo Zé Manel.

O conceito de genuinidade é obscuro, cheio de armadilhas e, quando evocado em conversa, não poucas vezes a coisa segue um caminho que acaba num “gostos não se discutem” qualquer. (Ora, gostos não se impõem, mas certamente que se discutem, pelo menos na medida em que os nossos recursos de linguagem o permitirem). Mais academicamente, “genuíno” está ligado a conceitos como “não alterado”, original ou pristino. Mas até que ponto, o que quer que seja neste planeta (ou universo) não foi alterado desde a sua origem? Eventualmente nem o átomo. Aquilo que conhecemos do mundo biológico é por si só um cocktail gigante de elementos que se foram combinando e recombinando ao longo do Tempo (e mais discussões sobre este assunto só ao nível da teologia). O mesmo se passa ao nível cultural. Um “verdadeiro” bacalhau assado à portuguesa não se faz sem colorau, e, para começar, o bacalhau vem do Mar do Norte e depois o colorau vem de uma planta da América do Sul. Desde os primeiros hominídeos até aos dias de hoje, a teia de inter-influências que levaram a aparecimento de um modo de tocar e dançar que conhecemos por Chamarrita é muito dificilmente decifrável, e se o fosse na sua completude só serviria para demonstrar que não há “uma” Chamarrita, genuína e verdadeira, há várias. Aplicar a palavra genuíno, por exemplo, a um género de música ou a um intérprete tem, no mínimo, de implicar a delimitação de uma escala temporal que será sempre e necessariamente arbitrária.

PEDRO LUCAS

Olé, os bitaites do Lucas sobre cultura, tecnologia e afins.

Grupos etnográficos são instituições de carácter museológico, um museu

vivo mas um museu de qualquer maneira. Dizer que a Chamarrita se baila assim, com senhores de

colete negro e camisa branca e umas alparcas é cristalizar uma definição

de Chamarrita num tempo e lugar específico. É tirar-lhe uma fotografia,

registá-la com um determinado número de descritores e adicioná-la

ao registo de um museu, pronta a ser reproduzida (não tecnicamente mas

quase). E é só isso, uma descrição fiel de uma prática localizada

que porventura confere a esssas instituições alguma autoridade em

certificar a fidelidade de reproduções subsequentes, ou medir a sua

proximidade ao original.

Genuíno, genuíno é um Zé Manuel no seu Casio a fazer o

que lhe apetece ou um grupo de pessoas que se junta no Cais

Agosto para dançar Chamarritas que saem de um telemóvel,

vestidas com a sua melhor t-shirt e umas calças de ganga.

#1 Genuíno...yah.

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fazENDO | 10

O Casal Científico

Como é que se conheceram?

Já em criança tinha uma fotografia dela, porque em vez dos cromos de futebol tinha cromos de todos os animais. No entanto, foi só depois de vir para os Açores que houve o primeiro contacto.

O que mais te atrai e menos no teu par?

Por ser o maior animal de sempre, já tinha uma grande admiração. Perceber que, apesar de ser gigante ela é tão vul-nerável (por ser uma espécie em peri-go) é fascinante. O lado menos bom é que nem sempre é muito simpática, não se deixa aproximar muito e há sempre pouco tempo para estarmos juntos.

Como foi a primeira vez?

A primeira vez foi a 18 de Maio de 2015 (nunca mais me esqueço), estávamos com baleias-comuns a sul do Faial e vimos um sopro. Fomos verificar pen-sando que era mais uma comum e ela emergiu a 4 metros do barco; uma gi-gante azul-turquesa. Foi aí que percebi bem a razão do nome que lhe dão.

Onde é que cada um vive e como é que fazem para se encontrar?

Ela vive em todos os oceanos do mundo, é muito cosmopolita. Eu sou de Barcelona, e como tal, preciso de viajar para me encontrar com ela. Com-binamos os nossos encontros na Primavera, aqui nos Açores, e durante o resto do ano nunca nos vemos.

O que fazem quando estão juntos?

Tiro-lhe fotografias e biópsias, observo o seu comportamento e, como sou ciumento, ponho-lhe um dispositivo de localização, para saber onde ela anda e o que faz quando não estou por perto.

Quais os pontos fortes da relação?

Ter a oportunidade de conhecer melhor uma espécie muito difícil de es-tudar. E dá-me grande satisfação pessoal ter a possibilidade de estar em contacto directo e muito próximo dela.

E os pontos fracos?

É o facto de só podermos estar juntos alguns meses por ano e os nossos en-contros dependerem da meteorologia e das condições do mar. Outro ponto fraco poderia ser quando tenho que recolher fezes para estudo da dieta. As fezes flutuam e com um camaroeiro e com uma colher guardamo-las num saco de plástico para serem depois analisadas. É normal eu ficar sujo, mas consigo informações valiosas e faço isso com todo o carinho.

ANA RODRIGO e AURORA RIBEIRO

Cientista + Objecto de Estudo = Amor para toda a vida?

Cientista: Pablo ChevallardObjecto de estudo: Baleia-Azul (Balaenoptera musculus)Data de início da relação: 19-10-2014

Estado civil: Relação à distância

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Que tipo de rebentos podem brotar (ou já brotaram) deste vos-

so envolvimento?

Para já os estudos feitos trouxeram mais indícios sobre aquilo que ela faz na zona dos Açores: aparentemente in-terrompe as migrações para norte na Primavera para se alimentar nas ricas águas deste arquipélago.

Quem são e como são os vossos amigos mais próximos?

Há alturas em que a baleia-comum e a baleia-sardinhei-ra se encontram aqui ao mesmo tempo e como também gosto delas aproveito para as estudar também. Neste mo-mento, estou a trabalhar num artigo em que utilizo a foto--identificação para comparar os comportamentos entre as três (por exemplo a comum tem hábitos parecidos, enquan-to que a sardinheira é bem diferente já que não pára para se alimentar nos Açores). Além disso, como todos sabem, ela tem muitos admiradores que vêm para o whale watching, e claro que há outros cientistas interessados..

Como prevês o futuro desta relação?

É um futuro promissor, mas que implica muitos sacri-fícios, nomeadamente da minha parte. Tenho que andar sempre atrás dela e isso implica deslocações, tempo e muito trabalho. Ela gosta de se fazer difícil.

A Louvre Michalense é já uma das lojas representativas do revitalizado centro de Ponta Delgada, na Ilha de São Mi-guel. Com o seu estilo tido como antigo ou clássico não deixando, por isso, de ser visitada com um misto de novidade e curiosidade, perante um passado que é agora motivo de delicados e saborosos encantamentos. Este renovado espaço centenário, que já foi chapelaria e loja de tecidos, ocupou o lugar da primeira exposição do pintor Domingos Rebelo no século passado. Agora é também lo-cal de encontro para pequenos-almoços, lanches e compra de presentes e igua-rias de natureza insular. Há também algo que chama a atenção em cima das mesas: os cadernos Albo. O nome vem com uma fita escrito como se de um presente se tratasse: Albo Açores. Está associado ao nascimento do dia, ao co-meçar da vida, inspiração, certamente, pois são pequenos cadernos cozidos à mão e com a vantagem de serem to-dos eles reciclados. Apresentam-se aos nossos olhos com desenhos de pássaros (tentilhões, estorninhos, garças, etc.). Homenageiam com o seu traço as aves que frequentam o ar e os céus açorianos bem como os peixes, essencialmente, chicharros, que se avistam nos mares profundo do Atlântico. Há também cra-cas desenhadas para lembrar sabores e mergulhos salinos até ao fundo do mar. Estes cadernos podem ser avistados, tacteados e levados para casa. Um rega-lo para os olhos.

Uma Ida ao Louvre…Michaelense!FERNANDO NUNES

Pablo ChevallardBaleia-Azul O Casal Científico

Cientista + Objecto de Estudo = Amor para toda a vida?

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Rua do Colégio:

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A rua do Colégio é uma pequena rua do centro de Ponta Delgada, ocupa-da com as suas pequenas casas de cada lado, do ponto de vista arqui-tectónico passou já por vários sécu-los ali representados, apresentando ao fundo a sua igreja, motivo pela qual é por diversas vezes conhecida. Há, como já devem ter constatado, um problema de ocupação de carros e excesso de trânsito nas artérias do centro histórico, mas isso são con-tas doutro rosário. Lembro, há dois anos, quando ali vivi, era comum organizar jantares antes de umas sessões de poesia num bar do centro de Ponta Delgada. Em grupo, saía-mos de casa para a “Travessa dos Artistas”, esperavam-nos as favas salpicadas com molho picante e al-guns copos de tinto, como sinal de muitos poemas ditos, reditos, deco-rados, sobretudo com a inteligência daqueles corações sensíveis. Em muitas dessas viagens nocturnas no regresso a casa, dava por mim a olhar para a fachada barroca de tão imponente igreja da ordem fran-ciscana, enquanto subia a rua com uma exclamação profunda, que se tivesse “Gates” com fartura, dor-miria naquele hotel citadino, facto que viria a concretizar-se neste mais recente Estio quando por ali passei em trânsito para o continente. Obra de arquitectura digna de adaptação e recuperação recente, o Hotel do Colégio é um antigo solar urbano, contendo um pátio central, com

Com a sensibilidade e o saber “ver” de Pepe Brix, bem demonstrada através do conjunto de testemunhos por ele registados sob o título “Código postal: A2053N”, somos desafiados para uma longa e épica viagem pelos mares do norte, tão caracteristicamente árdua quanto o nosso passado lusitano o vem demonstrando através dos tempos.

O périplo da embarcação Joana Princesa e dos seus tripulantes maioritaria-mente aveirenses, partilhado durante meses pelo nosso anfitrião mariense, arrastar-nos-á a todos para os mares gelados da Terra Nova, num reedição

coletiva do praticado pelos portugueses há já cinco séculos.As objetivas do artista não só nos revelam imagens de ímpar beleza e realis-mo, como homenageiam um povo que, ignorando a sua dimensão numérica e os ilusórios condicionalismos geográficos, sempre afrontou o desconhe-cido, em luta pela sua sobrevivência e pelo direito de influenciar o futuro.A oportunidade de expor este magnífico “diário de viagem”, registado por um Açoriano que não abdica de se afirmar como cidadão do mundo, dará ao Instituto Açoriano de Cultura a dupla possibilidade de lhe reconhecer o mé-rito e a obra já produzida e, através dele, homenagear todos os que durante séculos vêm contribuindo para o nosso passado glorioso, tão recheado de

riscos e pleno de sacrifícios.Aproximando-se o período natalício, em que tradicionalmente consumimos o bacalhau, não deixa de ser curioso e desafiante, efetuarmos esta viagem marítima através da sensibilidade do artista, participando ficcionadamente

em mais uma faina identitária e tão nossa.Não acreditando em coincidências, suspeito que esta exposição está à sua

espera!Não deixe de a partilhar connosco.

mundo PAULO VILELA

Nota: Esta exposição estará patente na sede social do Instituto Açoriano de Cultura, de 10 dezembro de 2015 a 29 de janeiro de 2016, podendo ser visualizada de segunda

a sexta-feira, das 10H00 às 12h30 e das 13h30 às 18H30.

sempre terá a dimensão que o homem quiserO

Fotografia: Pepe Brix / National Geographic

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uma rua bonita!uma piscina e diversas áreas comuns, tendo este trabalho de reabilitação perten-cido ao arquitecto Soares de Sousa no início da década de 90. A sua fachada é de tal modo imponente que ninguém lhe fica indiferente.O poeta Ruy Belo escreveu, num poema seu dedicado e à volta da nossa relação com as ruas, o seguinte: “sem casas não haveria ruas/ as ruas por onde pas-samos pelos outros/ mas passamos principalmente por nós.” Devido talvez a isso, gosto essencialmente de passar pela rua do Colégio nas tardes de domingo quando não há carros ou muitos dos que lá moram retiram os seus carros para o passeio dominical. Mas, convenhamos, com este ensejo literário não está subentendido um libelo anti-automobilístico, e sim imaginar como seria a rua se estivéssemos apenas atentos às casas, às fachadas, no fundo, à vida que dela retiramos sem máquinas que se movem por ruas e passeios demasiado estrei-tos, minúsculos. Seria possível pelo menos imaginar? Actualmente, a rua chama-se Carvalho Araújo, que terá sido um oficial da marinha portuguesa e que ficou conhecido por ter conseguido, sob o comando do caça-minas NRP Augusto de Castilho, socorrer o vapor São Miguel de ser afundado pelo submarino alemão U-139, comandado à altura pelo Lothar von Arnauld de la Perière, um perito na pilotagem de submarinos, a 14 de Outu-bro de 1918. Mais tarde os açorianos apelidaram um paquete de “Carvalho Araújo”, um dos navios de maior duração, operou entre 1930 e 1970, e que melhores serviços prestou à população açoriana através das inúmeras viagens que fez de Lisboa para as diversas ilhas dos Açores e vice-versa, com paragens pelo arquipélago da Madeira.A meio da rua, há um restaurante denominado de “Colégio 27”. O restaurante contém no seu interior um espaço destinado a concertos que pode ser utilizado por pequenas formações, a sua grande maioria na formação de tercetos ou quartetos, à volta do jazz ou da Bossa Nova. No exterior deste, encontra-se uma escultura do singular artista micaelense, Ricardo Lalanda, denominada de “2 Zero ao Quadrado”. E a observar, aliás como toda a antiga pomposidade da rua, ali está também o Consulado Honorário da Grécia e o Consulado do Canadá, que mantém a bandeira bem visível, para além de um supermercado familiar, situado em plena esquina. Por fim, aproveito para desejar, talvez num estalar de dedos, que um dia no futuro seja possível voltar a viver por ali, à semelhança de tantas ruas atraentes e interessantes de Ponta Delgada, como são os exemplos da rua Pe-dro Homem, rua D´Agoa, rua dos Manaias, ou mesmo a Rua do Passal, etc. E que esta especulação, agora reforçada com o turismo dos aviões low cost, não nos expulse para sempre deste tão delicioso e apetecível centro histórico que nos faz andar tantas vezes de cabeça curiosa e levantada.

Ilustração Hiomar

Rua do Colégio:

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São Miguel de A a ZA. Âmbula – É título de livro de poemas do jovem poeta açoriano, Leonardo, após ter publicado “Há-de Flutuar uma cidade no Crepúsculo da Vida” (Letras Lavadas, 2013) e marca o regresso deste “aos lugares sagra-dos da poesia”. A apresentação deu--se na Livraria Solmar e a primeira edição da Companhia das Ilhas foi de 250 exemplares.

B. Biblioteca Municipal e Arquivo de Ponta Delgada. O edifício fez parte do projecto de recuperação do antigo Colégio Jesuíta, que contou com a assinatura do arquitecto Carlos Duarte. É uma biblioteca actualizada, com diferentes espaços no seu inte-rior, bastante frequentada e com pá-tios muito bonitos (conta com uma escultura do João Cutileiro). Possui ainda um espaço amplo e um serviço de empréstimo vasto e alargado para além de um diversificado e agradá-vel serviço de bar.

C. Cantinho dos Anjos. Funciona como ponto nevrálgico do convívio e ponto de encontro do centro de Ponta Delgada, ali na rua Hintze Ribeiro. O espaço e a decoração interior são bastante acolhedores, caracterizando-se por ter um serviço bastante rápido e refeições ligeiras em conta.

D. 10x15 Azores. Conjunto de postais à volta dos Açores elabo-rados pela croata, Sanda Druzetic, a partir das imagens feitas por esta em papel reciclado e que incluem texturas, linhas, verde, mar e outras derivações da paisagem micaelense.

E. Escultura. Encontra-se no Nú-cleo de Santa Bárbara Museu Carlos Machado as obras de arte do escultor Ernesto Canto da Maia, o mais inter-nacional e cosmopolita dos artistas micaelenses. Este viveu em Lisboa e em Paris, tendo dedicado a sua vida à criação de obras de escultura. Registe-se nesta exposição a beleza idiossincrática das peças escultóricas: “Amor e seus Rebentos” (1912); “Amor que Fica” (1915) e “Amor Violento” (1919), entre tantas outras.

F. Furnas. É um dos poisos mais atractivos e sugestivos para quem vem de fora visitar a ilha e é, sem dúvida, um vale com uma vegetação única e luxuriante, revelando-se conhecida pelas suas termas e banhos quentes. É ali que se encontra o Parque Terra Nostra, contando ainda com um belís-simo parque de campismo nas redon-dezas e uma mercearia gourmet próxi-ma da Poça da Beija, pautando-se esta pela qualidade de produtos açorianos e a simpatia no atendimento.

Um guia de A a Z para conhecer melhor a vida social e cultural de São Miguel. É essencialmente uma breve síntese de quem quer desfrutar de uma ilha no Outono/ Inverno e que já está provado ter ganho novo impulso com novos visitantes e turistas. Daí tentarmos compreender este momento de mudança em forma de roteiro. Aqui ficam as co-ordenadas para mapear a ilha com confiança. Sobretudo para quem aqui vive ou para quem a pretenda visitar.

G. Galeria Arco Oito. Há trinta anos que pauta o seu encontro com o público pela surpresa e pela criativi-dade. Começou por ser um espaço das artes plásticas mas logo se abriu a diferentes artes, sensibilidades e público. É um nome incontornável na oferta cultural e nas noites alter-nativas da ilha.

I. Igreja do Colégio. Possui uma fachada barroca e ninguém fica in-diferente ao seu lado monumental e expressivo. A visita permite o acesso ao Museu de Arte Sacra que é deten-tor de obras de artistas de pintores como Garcia Fernandes, Manuel Vicente ou Giuseppe Alpino, entre outros. Por vezes, é motivo de con-certos ou eventos, como foi o caso do último Tremor em que se viu e ouviu por lá a dupla Medeiros/Lucas.

J. Juvearte. É um festival de teatro e que este ano se realizou no Teatro Micaelense. Começou no ano 2000 e foi uma aposta claramente ganha pela Associação da Juventude de Candelária. O Festival faz uma apos-ta nos “melhores trabalhos dentro da região”, aproveita para estimular a itinerância e divulgação dos grupos da região e ainda dá a conhecer gru-pos do continente.

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São Miguel de A a ZL. Louvre Micaelense. É uma mer-cearia gourmet do centro histórico de Ponta Delgada, sendo um lugar propício para pequenos-almoços, lanches e aquisição de produtos lo-cais. Os Cadernos Albo espalhados pelas mesas são também um encon-tro com a criatividade e novidade que ali se vive. Um lugar fresco, portanto, com a valência do antigo servir a novidade do tempo presente.

M. Mosteiros. É um dos lugares míticos e mágicos da Ilha de São Miguel, não só pela sua paisagem mas também pelo seu sossego e silêncio. A zona balnear de "Ca-neiros" com o seu "mar e algas" é bastante procurada no verão. É con-siderada a “Grande Fajã” e por um espaço recôndito e pouco dado a azáfamas e confusões. Vale pelo seu conjunto natural e pelas lendas à sua volta.

N. Noites de Fado. O recém-criado espaço “Lisboa, Menina e Moça”, ali mesmo no centro histórico de Ponta Delgada, ocupa um lugar de animação e boa disposição fadista, procurando manter um reportório alargado da música património mun-dial. Personalidades conhecidas do fado já passaram pela Tasca do Mário em tão curto espaço de tempo, e só para ouvir a voz do dono, vale bem a pena.

O. Otium. Em grego significa o contrário de negócio e por aqui significa o nome dado por três fotógrafos à exposição que se encontra na Galeria Arco8. Os fotógrafos são: Ana Alvim, Adriano Rangel e Rui Teixeira.

P. Pedro Homem. O nome desta rua do centro histórico é de um antigo es-cribão do reino português e contém dentro de si cinquenta e duas casas à escala humana. É uma principais artérias do centro histórico e que melhor ostenta a beleza do casario no seu conjunto, só é pena a darandina automóvel que por ali passa.

Q. Quental. É nome de inesquecível poeta e personalidade inolvidável para quem queira conhecer alguns recantos simbólicos da ilha. É tam-bém hoje motivo de récita e profun-da admiração, motivo que há quem saiba versos como estes: “Não busco nesta vida glória ou fama:/ Das tur-bas que importa o vão ruído?/ Hoje, Deus…amanhã, já esquecido/ Como esquece o clarão de extinta chama.”

R. Ribeira Grande. É um dos concelhos que pede uma visita pela sua planura e pacatez especial. Caracteriza--se pelo maciço vulcânico da Serra de Água de Pau e é por lá que é possível avistar o ponto mais alto no Pico da Barrosa a 947 metros de altitude.

S. Solmar. É nome de livraria em Ponta Delgada e contém um depósito conside-rável e abrangente de todas as literaturas e jornais, não faltando certamente as novi-dades e uma atenção especial e cuidada à actividade literária e cultural açoriana.

T. TASCÀ. É aqui que se dão as noites de poesia micaelense e local muito dado às conversas e tertúlias. Por aqui é possível ouvir música bem ecléctica, desde as vozes de Nina Simone, Ella Fitzgerald ou o rock electrónico e psicadélico.

U. “Um Horizonte de Proximi-dades”. Exposição de arte contem-porânea patente no ARQUIPÉLA-GO, centro de arte contemporânea da Ribeira Grande. Trata-se de uma colecção de António Cachola e en-globa trinta e oito artistas, muitos deles nascidos após a revolução de 1974.

X. Xícara de Gorreana. Será sempre uma iguaria tipicamente açoriana e deve ser bebida bem quente neste Outono/ Inverno, por sinal bastante frios.

Y. Yuzzin. Dá nome à agenda cul-tural que circula pelas instituições culturais e estabelecimentos comer-ciais da ilha. Tem uma periodicidade mensal e é de distribuição gratuita. No dia 21 de novembro, em colabo-ração com a Galeria Arco 8, organiza uma festa intitulada “Si te Gusta a Mi me Encanta”.

Z. Zeca Medeiros. É um cantor açoriano de excelência e detentor de um percurso ímpar por estas bandas, na televisão e no cinema. É sempre bom recordar os versos da canção “Forte Fraquinho” onde este canta:

“Vou correr o Mundo inteiro Vou seguir o teu luzeironeste meu pobre batelÉ destino de quem amaSer actor num melodrama Num romance de cordel.”

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para ti

Que tipo de pessoas pensas que vivem nos Açores?Gente latina, eu sei que pertence a Portugal, talvez são afrancesados..

Como é que achas que as pessoas vivem nos Açores?Eu penso que devem ser ilhas estéreis, devem viver do turismo ou da pesca.Estas ilhas são vulcânicas e penso que aí não cresce nada.

Que língua falam os Açorianos?Português e devem haver também outros idiomas mas o oficial é o português.

Como será o clima nos Açores?Um clima oceânico, devem ter frio, com temperaturas abaixo de zero, e um pouco cálido na época do verão.

Que animais se podem ver nos Açores?Eu creio que a vida aí é muito escassa, mas devem ha-ver muitos pássaros. Nada de mamíferos mas talvez um pouco de focas.

Que transportes se usam nos Açores?As bicicletas. Também devem haver carros, mas por cau-sa do combustível eu diria que se usam mais bicicletas.

Algures no mundo alguém é convidado a fazer um

retrato das nossas ilhas.SARA SOARES

Assinala no mapa onde são os Açores

por causa do combustível eu diria

que se usam mais bicicletas

?os Açores

O que pensas que poderia ser feito nos Açores?Podia ser usado como ponto estratégico da NATO. Mas eu

dar-lhe-ia mais turismo de aventura, como trekking.

Qual achas que é a comida Açoriana mais estranha?Devem comer algum animal autóctone daí ou alguma ave. Eles devem ter é muita pesca.

Que tipo de produtos pensas que se exportam?Devem ter algum mineral ou algum fruto do mar.

Poderias viver nos Açores?Não, eu não.

CláudioArgentina

Onde são

Foi-lhe indicado o local correcto das ilhas dos Açores

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R RadRegisto Aleatório D’escalas (Algumas) Recentes

AURORA RIBEIRO

Marina da Horta no Outono. Para quem chegou na Época Alta, o am-biente está para o tranquilo. Sobe maré… desce maré… Sempre os mesmos vultos no Bar da Marina. Há pares que vêm namorar no muro das pinturas, uma tradição local românti-ca e de bom gosto. Aquela parede que separa a cidade do resto do mundo é o paraíso deles.

No meio da calmaria, os mais activos são os elementos naturais. Já houve noites daquela cantoria desenfreada dos mastros fustigados e as ondas que semanas atrás foram rebentar na Avenida também andaram a tentar embalar-nos à força. Já disse que o meu paraíso é aqui? Já.

Contei dois veleiros novos nas últi-mas semanas. Um deles foi revisto pelas autoridades. Reconheço na ci-dade algumas caras da marina. Cada uma delas tem já os seus percursos e afinidades alinhavados. E têm pinta de ir ficar todo o inverno.

Há também marinheiros que passam ao largo, sem parar, e que não vemos. Em navios mercantes, por exemplo. Vêem as ilhas de longe sem nunca poderem vir a terra. Um deles sonha-va com elas de cada vez que as via. É que sai daqui, diz ele, um cheiro tão

bom que ele sempre imaginou que os Açores fossem o paraíso. Agora que é reformado veio visitá-las pela primeira vez. Chegou de avião. Só que à saída da cabine, no aeroporto, o cheiro não estava lá à espera dele. Não é a mesma coisa que chegar de barco. Quem diria que temos uma zona cheirosa exclusiva para lá da nossa linha costeira?

Repara-se também numa escuna atra-cada há meses e que frequentemente tem roupinhas em miniatura a secar. Uma família com quem combino con-versar. Esperam-me simpaticamente com bolo e um chá de ervas e laranja. O barco é espaçoso. Duas meninas loiras põem em mim os olhos azuis cabriolan-do pelos bancos.

Ucranianos, de Odessa. Navegam há 5 anos. Quando me dizem de onde são per-gunto se conhecem um cantor dessa cida-de de quem a minha mãe é fã, chamado Vitas. Conheciam mas não me parece que tenham o mesmo gosto musical que a mi-nha mãe. Esqueço-me que é também a ter-ra do Tcheckov. Cometo o erro de localizar Odessa na Crimeia e dizem-me logo que não. “A Crimeia já é russa”, diz Andrey, com um gesto de mão a indicar que podía-mos esquecer esse assunto. Tento aprofun-dar o tema mas a situação é complicada e de qualquer forma eles estão longe dessa realidade e ainda bem. São velejadores.

Encontraram o paraíso e fica na Ja-maica, em Port Antonio, onde as me-ninas aprenderam a nadar e a mergu-lhar de cabeça. A mais pequena tem neste momento os óculos de natação azuis na cara e salta em nosso redor, sempre tentando ir para o colo da mãe, a puxar-lhe pela roupa. A mãe lá concede e dá-lhe de mamar. Pare-cem uma família contente assim, sa-bem que querem continuar a navegar. Olga diz-me: “He likes sailing. And I don’t mind sailing.” É Andrey quem manobra o barco e faz as reparações, enquanto Olga se ocupa do interior do barco e das filhas. O pai de An-drey construía pequenas embarca-ções como passatempo. E Andrey navegou com amigos em barcos de boca aberta a vela e remos (compara--os aos botes baleeiros) no Mar Ne-gro, ao longo da costa da Crimeia. Seis rapagões por barco, a navegar e a viver a bordo, ao relento, durante essas três semanas.

Pergunto se têm planos fixos e se sa-bem para onde querem ir. Sabem que querem explorar os Açores, dos quais estão a gostar muito. Dizem-me que uma das suas frases preferidas é “Se queres fazer com que Deus se ria, conta-lhe os teus planos”. Pelo meu lado, aposto que Deus também sorri quando alguém encontra um paraíso.

Porto da Horta

a

Onde é que fica o teu paraíso?Ilustração Paul Klee

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intelectual renúncia da reproduçãoA

MARCO SILVA

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.V.

Em conversa com uma amiga, recentemente, apercebi-me de uma questão de que já ouvira antes, mas que desta vez me deixou a pensar. Esta minha amiga afirmava perentoriamente que não queria ter filhos. Uma opção válida, pois está claro, mas também uma opção intelectual, que contradiz milhões de anos de ‘programação’ DNA que nos impele para a reprodução e para a continuação da espécie.

Visto que o ser humano é um animal, e tal como todos os outros, está sujeito a um código genético e a uma programação que o compele a reproduzir-se, como se justifica a decisão da minha amiga?

Dum lado temos o elemento mas-culino que deseja espalhar a se-mente. Do outro temos o elemento feminino que todos os meses recebe um lembrete, através da ovulação cíclica, de que está pronta para a re-produção. Como se explica o facto de uma pessoa não querer ter filhos?

Podemos dizer que evoluímos e ultrapassamos os desígnios de uma natureza cega, caótica e sem um plano à vista? Asimov afirmava que o cérebro humano é o pedaço de matéria mais organizado do uni-verso. Esta maravilha da natureza permite-nos questionar a própria natureza e recusar o nosso lado mais animal/emocional em prol do nosso lado mais intelectual/analítico.

Então esta autonomia intelectual permite-nos recusar a nossa pro-gramação! Muito bem. Mas há uma coisa que não me sai da cabeça: animais selvagens em cativeiro têm tendência para não se reproduzirem.

Será que Portugal, inserido numa Europa envelhecida, um país, que apesar da crise e das desigualdades sociais, é considerado Primeiro

Mundo, será que está a impor aos seus habitantes um estilo de vida de clausura e sufoco tal que as gentes reprimidas se sentem numa espécie de cativeiro e perdem a vontade de ter filhos?

Não nos podemos esquecer das razões económicas, mas isso só justifica os casos dos casais que decidem ter menos filhos ou que decidem tê-los mais tarde, reali-dade fundamentada e divulgada nos media.

Será que nos estamos a afastar cada vez mais da natureza e a impor uma espécie de auto-cativeiro a um conjunto de habitantes-autómatos que vivem para ganhar dinheiro e comprarem produtos que não pre-cisam? Será que dentro dos muros altos das nossas ‘prisões’ corremos desalmadamente de um lado para o outro sem tempo para a vida?

Será que devemos sucumbir a eco-nomias e governos que nos vêem como números e partidos políticos estéreis que fingem preocupar-se com o nosso bem estar e que nos vendem a ilusão de termos escolha?

Tal como alguns animais, que em cativeiro não se reproduzem, não estaremos nós a suprimir os nossos instintos através de uma clausura forçada e autoinfligida? Não nos afastamos nós da natureza e dos outros que nos rodeiam escondendo-nos atrás de gadgets e tecnologia de ponta? Será que somos feras enjauladas a quem a reprodução deixou de fazer sentido?

Mais do que as respostas certas de-vemos procurar colocar as pergun-tas certas. Sabendo que por vezes as respostas (certas) levam-nos a verdades absolutas (muitas vezes falsas) e à estaticidade, o mais im-portante é continuar a questionar.

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da reprodução

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A bola saltita e quando bate no chão (“poing”) temos o Tempo. Os impactos são o Tempo da ação, o ritmo do que está a acontecer. No caso é apenas uma bola pulando, mas mais para a frente vamos ver que o Tempo está em todas as ações animadas: num ciclo de caminhada, num personagem gesticulando, etc.

Podemos observar que a bola se sobrepõe a ela mesma quando atinge o seu movimento mais lento no arco que descreve (no topo). Mas no seu movimento descendente, cai mais rápido, criando espaços maiores. A isto chama-mos Espaço. Parece simples, mas é muito importante. Boa animação define-se por estes dois conceitos: Tempo e Espaço. Temos então o seguinte:

Proponho um exercício simples, para quem puder fazer. Basta uma moeda, um telefone com câmara (convém que esteja apoiado num tripé ou algo do género, para não mexer muito) e um editor de video básico (tipo Movie Maker do Windows).Siga mais ou menos o plano abaixo e vá tirando uma foto (vamos chamar de ‘frame’ a partir de agora) de cada vez que movimenta a moeda. Depois exporte todos os frames para o editor de video, componha e dê ‘play’.Para quem quiser algo um pouco mais profissional, recomendo um software gratuito e muito simples de usar: Monkey Jam. Basta perguntar ao Google e ele dará a indicação de onde baixar o software e também de alguns videos que explicam o seu funcionamento.

PAU

LO N

OVO

TEMPORADA 1 EPISÓDIO 2

TEMPO e ESPAÇO

Dúvidas, críticas ou questóes serão bem vindas em: [email protected]

www.animationanimal.com

Grim Natwick foi um dos “Nine Old Men” da Disney. Foi ele que, um belo dia, já nos seus oitenta e tal anos, disse: “animação é Tempo e Espaço. É só isso... Só estranho que tenham sido os americanos a descobrir isso” (Grim era norueguês de nascimento, apesar de ter vivido a maior parte da sua vida nos Estados Unidos).Vamos usar uma bola para explicar este conceito de Tempo (Timing) e Espaço (Spacing).A “bouncing ball” (traduzido livremente para bola saltitante) é um velho exercício de animação que explica muito bem o que pretendo demonstrar.

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Ricardo Lalanda:No início de Novembro passámos pela cidade da Lagoa, em São Miguel, e lá estava uma escultura de Ricardo Lalanda a evocar o escritor micaelense Antero de Quental. Dinâmica e impressiva, como marca do seu trabalho, começou por ali uma conversa à volta do seu trajecto e percurso. Ricardo Lalanda tinha doze anos quando se deu o 25 de abril de 1974 e foi por essa altura que tomou a decisão de querer ser escultor. Diga-se que não foi fácil convencer a famí-lia desse propósito mas desde tenra idade que gostava de moldar objectos, criar estruturas, montar materiais. “Nunca me passou pela cabeça fazer outra coisa senão escultura. Fazer escultura é viver, viver à roda de uma coisa em que se acredita!”, referiu. Ser da terra de nascimento do escul-tor Ernesto Canto da Maia teve a sua influência, já que foi aluno deste entre 1977/ 79. Guarda algumas memórias no contacto que estabeleceu com o mais famoso escultor de origem açoriana. Por alturas deste convívio, terá sido ele que um dia lhe terá dito uma máxima que ainda hoje guar-da: “Mais importante que aprender a fazer, é fazer ver”. Dessa convivência guarda ainda a ideia do rigor - “uma só coisa sempre e a necessidade do autor dominar o espaço”. Ricardo recorda assim a morte do mestre, que se deu quan-do ele se encontrava em Lisboa, tendo a notícia colhido de surpresa, já que tinha naquele instante acabado de receber uma fotografia da cidade das luzes efectuada pelo fotógrafo Paulo Nozolino. Para que se saiba, o escultor Ernesto Canto da Maia viveu em Paris uma boa parte da sua vida adulta. No dealbar dos anos 80, Ricardo Lalanda funda a Aca-demia das Artes de Ponta Delgada, recebendo algum tempo depois o prémio revelação da 1ª Bienal Açores e Atlântico. Logo de seguida, parte para Lisboa “com um pouco mais de uma centena de contos”, onde tenciona estudar escultura. Desta feita, consegue matricular-se na Ar.Co, mantendo-se assim ligado às oficinas e organizando os materiais e sua

FERNANDO NUNES

monitorização. Após concluir o curso na Ar.Co, viaja como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian para Tóquio, Japão, onde se tornou assistente de Minoru Niizuma. Para lá do conhecimento que foi obtendo da escultura e do país, deixou marcas da sua passagem por terras nipónicas ao re-alizar na cidade de Iwate uma escultura em granito: “Arco do Vento”, em 1987, e ainda o conjunto de três painéis de azulejo, Edifício Kuge, em Usuki, em 1999. Repare-se que não é só no Japão onde se podem ver obras de Ricardo La-landa, já que este realizou “Marble Magic”, no Reino Uni-do e “Ludica Bremen”, na Alemanha. Ao longo do seu per-curso travou conhecimento e ensinamentos com William Berkimer, Charters de Almeida e Énzo Toscolleti.Ricardo Lalanda acredita na necessidade de “ser criativo como uma premissa”. Daí ter criado uma associação in-titulada “República das Bananas”, uma marca pessoal dele

a Arte

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de Fazer Vera Arte

Esta é a sinopse de uma peça que estamos a trabalhar por aqui: “Ma-drugada de domingo. Uma sala de embarque num aeroporto comple-tamente vazio. Um homem perdeu um caderno de apontamentos e sen-te que a sua vida pessoal deixou de fazer sentido. Uma mulher perdeu o emprego e começou a andar descalça pois acredita que lhe tiraram o chão. Um jovem modelo pensa abandonar o seu país pois assim acredita não querer mais saber do lugar onde nas-ceu e cresceu. Uma rapariga aluada pensa que perdeu o avião e desata a instigar tudo e todos sobre o desati-no de viver os seus dezassete anos de vida. Entretanto há uma voz que em forma de coro vai dizendo o que lhe apetece.” Este texto foi sendo escri-to ao longo destes últimos tempos, tendo como horizonte o universo de partidas que se foram anuncian-do e acumulando, as razões por que nos movemos de um lugar para o outro, tal e qual como as nuvens. São quatro actores: dois homens e duas mulheres. Somente um acto. Aprendizes de teatro, portanto. Sem companhia, nem data certa de apresentação. À boa maneira dos saltimbancos.

(21 de Novembro, São Miguel)

Sala de EmbarqueFERNANDO NUNES

e de alguns amigos, para agitar as consciências e aba-nar o sistema instituído. Terá sido com esse ensejo que este realizou uma instalação de três dias, por alturas da Páscoa na Igreja do Carmo com o nome “The Golden Shit”- tradução para português de merda dourada. Esta teve lugar cinco anos após a invasão militar do Iraque, evocando a célebre cimeira realizada em território aço-riano, a partir de fotografias feitas pelo próprio às ima-gens da estação de televisão CNN tendo como objecti-vo registar o cenário de guerra e do horror transmitido pelas bombas a cair em território iraquiano, acoplando à instalação os sonetos centenários do seu conterrâneo Antero de Quental, poeta emérito, oferecendo ainda ao público visitante um copo de Coca-Cola sem gás e uma audição de poemas em simultâneo por Luís Miguel Cin-tra. Algum tempo depois levaria esta mesma exposição à Madeira, mas desta vez com a lírica de Shakespeare. Em 2010, apresentou, primeiro, na Igreja do Colégio, e depois no adro da Igreja da nossa Senhora da Guia do Museu de Angra do Heroísmo, sete grandes esculturas em Ferro que apontavam em tom minimal o “David”, de Miguel Ângelo, assinalando os quinhentos anos da obra. Seguiu-se, entretanto, a exposição “Livros” inspirada nos Cadernos de Drouet que se encontram no Museu Carlos Machado. Drouet foi um excelente desenhador, um naturalista, apaixonado pela diversidade da fauna e da flora açoriana existentes na região. A exposição tinha uma faca de luz para recriar o ambiente de biblioteca e à posição do leitor sempre com a cabeça posicionada para baixo em função dos livros que se encontra a ler. A inquietude de Ricardo Lalanda não sossega, pensemos agora na forma como a obra “O Matreco” pode per-turbar, em jeito de crítica e atenção, incomodativa, mas avassaladoramente eficaz.

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NOFui ao mar

“Flores”, o mais recente livro de Afonso Cruz, é uma espécie de tratado sobre a memória, escrito na primeira pessoa. O narrador é um jornalista de profissão, cansado da rotina e com problemas no casamento, que decide ajudar o seu vizinho a resgatar o seu passado - porque às vezes é mais fácil resolver a vida dos outros do que a nossa própria vida.

O senhor Ulme, colecionador de notícias de jornais que sofre com as tragédias humanas, tem uma doença degenerativa que o faz perder a memória. Um dia admite não se lembrar de ter visto ao vivo uma mulher nua, facto que compadece o jorna-lista, que ainda se recorda da excitação do primeiro beijo.

No encalço das memórias perdidas do senhor Ulme, que le-vam o jornalista a uma aldeia no Alentejo, apercebe-se de que também a rotina implica esquecimento: “Viver não tem nada a ver com isso que as pessoas fazem todos os dias, viver é pre-cisamente o oposto, é aquilo que não fazemos todos os dias.”

Este romance, à semelhança de outros de Afonso Cruz, é feito de um lirismo infantil que nos faz sorrir, e está repleto de diálogos com frases curtas, sentenciosas, que parecem querer conter toda a verdade.

“- Sabe porque não somos felizes? – perguntou ele.- Desespero, solidão, medo?- Não. Por causa da realidade.”

Há também vários aforismos. “Entremos mais dentro na espessura” é o verso de um poema de São João da Cruz que o autor coloca na boca do senhor Ulme, que o vai repetindo como se fosse um mantra – um apelo constante para que não nos fiquemos pela superfície das coisas.

Em “Flores” fala-se também de música e de deus – que, segun-do o senhor Ulme, insistimos em procurar nos sítios errados:

“As pessoas entram na igreja à procura de Deus, mas passam por Ele sem o verem. (…) É o mendigo que está à porta, é a mão estendida”.Em “Jesus Cristo Bebia Cerveja” o professor Borja recriou Jerusalém no Alentejo, em “Flores”, os vizinhos do senhor Ulme, numa tentativa de lhe avivarem as memórias mais felizes, recriam também no terraço do prédio onde vivem, em Lisboa, um baile de aldeia dos anos sessenta, altura em que dançou pela primeira vez com Marga-rida, a fadista esquerdista por quem se apaixonou.

Curiosamente, entre as canções que se-riam tocadas estava a Besame mucho, da mexicana de Consuelo Velásquez, com uma pequena adulteração: Besame mucho como se fuera esta noche la primera vez – porque o primeiro é mais importante do que o último. Aqui as memórias mais longínquas são as que parecem valer mais.

No fim percebemos que é muito difícil – e às vezes impossível – reaver o passado, mas que podemos reinventá--lo, tal como o jornalista fez com as histórias que acumulou sobre a vida do senhor Ulme.

E quanto a Afonso Cruz, continua a ser um bom contador de histórias - matéria de que afinal todos nós somos feitos.

Fui ao mar buscar laranjas é um verso de uma cantiga popular que também serviu de título a um livro

do poeta açoriano Pedro da Silveira

buscar laranjas

GINA ÁVILA MACEDO

Ilust

raçã

o Ra

quel

Vila

“Entremos mais dentro na espessura”

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NO Azoresmore for the

NMPA

Ilustração Góel Domínguez

plasticsSe os resíduos são um problema global, de uma dimensão que vai muito para lá da nossa ilha, da nossa Região ou do nosso País, a verdade é que essa é apenas a soma de uma miríade de pro-blemas locais. E o nosso problema local de resíduos, a nossa contribuição para a questão global, somos nós, faialenses, os únicos que o podemos resolver, ou pelo menos minorar. E nem é até assim tão complicado. De acordo com dados deste ano, cada um de nós produz em média 1 quilo de resíduos indiferenciados por dia. São mais de 470 toneladas de lixo por mês, o que parece, e é, uma quantidade assustadora para uma ilha tão pequena como o Faial. O nosso lixo indiferenciado vai para o novo Centro de Triagem da Praia do Norte onde, num trabalho difícil e penoso, se procura escolher o que pode ainda ser reciclado. Ou seja, um conjun-to de funcionários da Câmara da Horta dedica-se em exclusivo a separar o que nós, habitantes desta ilha, devíamos ter separado, mas fomos demasiado descui-dados para o fazer.Talvez porque nos habituamos a pensar que os resíduos não são um problema nosso e sim das autoridades, a quem pagamos impostos para o resolverem; talvez porque o plástico que vai parar ao mar rapidamente se desfaz em fragmen-tos minúsculos, aparentemente ino--fensivos que os banhistas mal notam; talvez porque o aterro fica longe e não o vemos crescer em altura, de dia para dia, e principalmente, talvez por não ter-mos de olhar nos olhos os funcionários encarregues de rasgar os sacos pútridos que chegam das nossas casas, em busca do tal copo de iogurte ou garrafa vazia que não nos pareceram suficientemente importantes para perdermos 5 segundos a lavar e pôr num saco à parte. Como se percebe, dada a enorme quantidade de indiferenciados que geramos, não é possível processar tudo.

Assim 77% desse lixo, 362 toneladas por mês, mais de 12 toneladas por dia,

acabam por ser depositadas no aterro porque não há, neste momento, outra saída. Mas a deposição não é uma so-

lução. É apenas um adiar do problema, empurrando-o para as gerações futuras.

O aterro não é o fim de vida dos resí-duos. O vento levará uma parte deles

para o oceano, outros infiltrar-se-ão no subsolo e nas linhas de água, outros

permanecerão durante séculos, contami-nando uma parcela da nossa ilha.

Se a solução para o problema dos resí-duos tem necessariamente de passar por

uma transformação profunda da nossa sociedade, quer a nível das mentali-

dades individuais e gestão dos nossos lares (reduzindo e reutilizando materiais

que nos habituamos a simplesmente descartar) quer a nível da legislação

em vigor e gestão pública (alterando o tipo de materiais que utilizamos para

produzir objetos de uso único, banindo os materiais mais perniciosos e que não podem ser reaproveitados e solidifican-do uma cadeia de geração de valor em redor dos resíduos), há ainda muito de

imediato que cada um de nós pode, e deve, fazer para reduzir a nossa pegada

ecológica.Não seria preciso nada mais complica-

do do que cada um de nós separar o seu próprio lixo para reduzir drasticamente

a quantidade que vai para o aterro. Dos resíduos indiferenciados que

actualmente se conseguem processar, é possível calcular que quase 28% sejam

plástico, 7% vidro e cartão, 34% resí-duos orgânicos e apenas 31% material

não reciclável. Ou seja, mais de metade das 12 toneladas diárias poderiam não ir parar ao aterro. Bastava fazermos a

nossa parte.Uns poucos gestos simples podem ter

uma enorme importância.

Separe.

Fui ao mar

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Entre Castelos, o mais recente livro de Carlos Bessa, que através dele se estreia na literatura infantil, é uma história que comporta outras histórias dentro de si.Numa edição cuidada ao pormenor, como é regra do que sai das mãos de Carlos Bessa, com excelentes ilus-trações de Diogo Bessa, seu filho, esta obra oferece-nos e transporta-nos de uma viagem real para um mundo fantástico, de terras maravilhosas, lugares mágicos, son-hos, amores e cavaleiros, protagonizada por quatro cri-anças, dois rapazes (Tiago e Rogério) e duas raparigas (Inês e Maria), primos entre si, e seus avós.Primorosamente escrito, este livro não é só, porém, uma narrativa destinada ao público infantil ou infanto-juvenil, pese embora a tenra idade dos seus principais personagens, reais ou imaginários, mas também uma deliciosa história para ser lida com prazer pelos adultos.

Com efeito, Entre Castelos arrasta-nos para um tempo fora do tempo, para um tempo de príncipes e princesas, para um “tempo em que os animais falavam”, para um espaço com limites, mas simultaneamente para um es-paço propiciador de inesgotáveis viagens. Nesta obra, simbolicamente intitulada Entre Castelos, a realidade cruza-se com o fantástico e a auréola mágica edifica a arquitectura do sonho.A viagem real acontece e nela a alegria da família, es-pecialmente notória nas crianças, transborda de forma peculiar. Pressente-se, no entanto, um não se sabe quê de estranho, indiciador de que o mistério desdobrar-se--á e revelar-se-á a qualquer momento, dando lugar ao fantástico.As histórias que se pressentem virem a ser contadas aos netos aguçam a perspicácia e a sagacidade dos ouvintes. Apura-se a compreensão oral das ávidas crianças e des-perta-se o gosto pelo ouvir contar, pois quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto. Gera-se logo na narrativa uma envolvência, uma partilha, e simultaneamente uma

curiosidade que passa para o

leitor. “O importante era poderem ver as terras maravil-

hosas e conhecer lugares mágicos.” Era sentirem que “o norte e o sul do país

parecem unidos por um mesmo fio de flores e de aromas, que nos foram deixados pelos árabes”.

As palavras sábias dos avós, valorizando o sentido de família, serviam de alavanca para a animação de todos. As “histórias com batalhas e pancadaria” satisfariam os rapazes, enquanto elas, as raparigas, deleitar-se-iam com as histórias de encantar.

Interessante notar que a narrativa avança a passo lento. A história de encantar desdobra-se em magia, enquanto a auto-caravana desliza na suavidade da paisagem e dos momentos únicos.A primeira é uma história de amores e proibições, vivida por dois jovens que, vítimas de feitiço, se transformam em chapins.

Este feitiço, que tem poder de transformação, causa júbilo nas crianças e forja a sua fértil imaginação, mas não deixa de significar algo mais – os jovens amantes a quem “não se pode mandar no coração”, ficam aprisionados nestes pás-saros, mas ganham asas de liberdade. Melhor, ficam para sempre aprisionados nas asas da liberdade…Nesta história que Carlos Bessa nos conta, convivem simul-taneamente o real e o imaginário, agarrando sempre o autor um pretexto para pontuar uma janela de realidade entre o cenário irreal, desde a sugestão de um prato de javali para o almoço à frequente referência à toponímia e aos apontamen-tos da história dos lugares por onde passa a autocaravana que transporta as personagens, de terra em terra, para o seu destino de férias.O passado e o presente, o real e o imaginário, configuram-se numa realidade que alimenta a imaginação das crianças – as raparigas, no tempo das damas que usavam vestidos justos de veludo e chapéus bicudos, os rapazes no tempo dos cava-leiros que iam à caça para se treinarem para a guerra.Mas é no tempo dos castelos que a narrativa centra parte substancial da viagem imaginária que o autor nos oferece – é o tempo da caça e dos caçadores. Aqui a caça é-nos descrita de forma sucinta, mas perfeita, do mesmo modo como fica-mos a saber como, nesse tempo recuado, eram tomadas as refeições, como as mulheres se embelezavam e os homens trajavam.

JORGE A. PAULUS BRUNO

Entre

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Castelos

“ “ A realidade cruza-se com o fantástico e

do son

hoa auréola mágica edif ca a arquitectura

T a m -bém é aqui que o autor, através da persona-gem Rogério, nos traça com mestria o perfil real de algumas crianças dos nossos dias, fazendo-nos sentir o amargo de boca de Rogério, o rapaz vítima de bulling, quando os caçadores circulavam nos pátios e corredores da sua escola para lhe apoquentarem, mas também o sentimento de confi-ança interior que ele conquista ao imaginar-se ele próprio um caçador destemido. “A cabeça de Rogério era muito po-derosa, construía mundos dentro de mundos que apenas ele podia percorrer”. Medos que ele sente e procura dominar. Ocasiões em que “o coração começa a bater muito depressa e o sono esconde-se”.Porém, a terceira história é a mais emblemática e marcante. É a verdadeira viagem no tempo vivida pelos dois rapazes que vão parar ao tempo da Idade Média. “Aquilo que na re-alidade eram ruínas mostrava-se agora animado, cheio de gente, de animais, de cheiros.” Tempo de cavalos e cavalei-ros, fortemente armados, com vestes brancas e uma estranha cruz vermelha no peito.Nesta história, usando de uma linguagem carregada de sím-bolos e imagens, o autor leva os nossos heróis a tomarem parte de um conselho de guerra, sem deixar de registar que “a coragem está na inteligência e não na força bruta”. A seguir leva-os a participar nos festejos que antecedem a par-tida dos guerreiros para o campo de batalha – “ouvia-se uma música inebriante, com tambores, pandeiretas, flautas, san-fonas, rebecas, e alaúdes e um grupo de gente pôs-se a dan-çar e a pular como se estivesse possessa. Alguns dedicavam--se a fazer malabarismos e piruetas e outros circulavam em andas, dando uivos e dizendo coisas que soavam a obsceni-dades.” Finalmente, pela madrugada, com o exército de que passaram a fazer parte como escudeiros, partem para guerra, até que, após um ato heróico, Rogério é investido cavaleiro numa cerimónia de cariz iniciático e ritualístico.Não resistimos, pela sua beleza narrativa, a registar a descrição que o autor faz deste momento – “Os sete cavaleiros do seu grupo e outros que entretanto se lhes tinham juntado formaram um círculo e os escudeiros foram investidos pelos seus padrin-hos. Mandaram-nos colocar a mão direita sobre o coração, em-

p u n -har a

espada com a ponta vol-

tada para o solo e ajoelharem-se sobre o

joelho direito. Rogério ou-viu: Ao longo da vida, através

da perseverança, vão diminuindo os obstáculos imperceptíveis que se opõem

às iniciativas do homem firme e corajoso. Forças obscuras e tirânicas tecem uma barreira de chama à volta dos nossos objetivos. Cumpre-nos lutar para as manter longe desse desígnio. Por isso, alegra-te com a justiça e revolta-te contra a iniquidade. Diz a verdade, pensa com retidão, age com os homens do mesmo modo que querias que eles ajam contigo. Não faças o mal, pratica o bem e faz o bem por amor ao próprio bem. Estuda e aproveita, vê e imita, reflete e trabalha, faz tudo para utilidade dos teus irmãos, pois isso é trabalhar para ti”.“Seguiu-se um breve silêncio e os cavaleiros empunharam as suas espadas, formando uma abóbada sobre as ca-beças dos escudeiros. Rausendo continuou:“Que a recordação deste momento não se apague jamais da tua memória. – [Rogério] sentiu a lâmina da espada tocar-lhe nos ombros e na cabeça, enquanto o cavaleiro continuava… – Eu te recebo, consagro e constituo nobre cavaleiro…”Toda esta obra, com uma narrativa aparentemente sim-ples, está repleta de uma outra linguagem, uma lin-guagem rica em imagens e símbolos, que Carlos Bessa nos vai desvendando pouco a pouco, e em que de re-pente nos sentimos mergulhados, assim como os olhos do macaco, vermelhos de fogo, transportaram os rapazes para outra época e quando deram por si estavam com umas roupas estranhas. Assim está o leitor que é trans-portado subtilmente para um outro nível de significado subjacente no texto, pois, como diz o autor, “entre o sonho e a imaginação, já sabemos que está o Era uma vez…”.Mas isso terá de ficar para interpretação de cada um de nós, simples leitores.

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São Miguel

Tilhas

Nesta rúbrica vamos descobrir trilhos das 9 ilhas, percursos pedestres e algumas das suas histórias

Este é o trilho que mais vezes faço em São Miguel. Apesar de atrair bastantes turistas, principalmente no verão, gosto sempre de fazê-lo e voltar a fazer pela di-versidade de paisagens, mas também por ser acessível em termos de dificuldade e, ainda posso levar os meus fiéis companheiros de trilho: a Madalena, o Priolo e a Sardinha (os meus cães).Situa-se no Faial da Terra, uma das freguesias da Povoação, que tem este nome devido à elevada população de faias-da-terra (Morella faya) que existia, na altura da chegada dos primeiros povoadores em 1439.Este percurso é circular, podendo começar-se por subir pela calçada até à aldeia do Sanguinho ou começando pela zona dos antigos pomares. Eu gosto, especialmente, de começar pelos pomares pois tem-se uma perspectiva muito bonita do percurso e, no final, a vista para a vila é lindíssima.Então, começando pela margem da Ribeira do Faial da Terra, passa-se por pomares com espécies de árvores de fruto como os araçaleiros (árvore nativa da América do Sul), pessegueiros, macieiras, laranjeiras e bananei-ras. No sec. XVIII os Açores exportavam laranja para a Europa, especialmente para Inglaterra. Este percurso era utilizado para levar as laranjas até ao porto do Faial da Terra. Na margem do rio pode-se observar algumas espécies de avifauna: a alvéola-cinzenta, o tentilhão, o melro negro, o pisco-de-peito-ruivo e o canário-da-terra.

A vegetação é abundante, mas a maior parte são espécies introduzidas como a conteira, o incenso, que cobre pra-ticamente todas as vertentes desta zona, e a acácia entre outras.Chegando a uma bifurcação pode-se fazer um desvio, obrigatório, até ao Salto do Prego, uma queda de água que no Inverno, na época das chuvas, está com um cau-dal elevado. A água é bastante fresquinha, mas rejuvenes-cedora! Voltando para trás até à bifurcação, segue-se pelo cami--nho da esquerda em direcção ao Sanguinho. O Sangui-nho é uma aldeia com cerca de 20 casas que foi habitada até à década de 70 por cerca de 200 pessoas que, encon-traram neste local, um refúgio para as cheias que ocor-riam no Faial da Terra e também pelos terrenos férteis que apresentava. Pensa-se que foi abandonada pelos seus habitantes devido à emigração para os Estados Unidos e Canadá, pelo difícil acesso e pela falta de água canaliza-da. Hoje em dia, as casas encontram-se em remodelação para um projecto de turismo de aldeia. Quanto ao nome, pensa-se que esta zona albergava muitas árvores de san-guinho (Frangula azorica), uma espécie endémica dos Açores, mas infelizmente, ao longo do percurso é muito raro encontrar-se um exemplar.E para finalizar o trilho, desce-se por um caminho de cal-çada, um pouco íngreme, mas com uma belíssima vista para a Vila do Faial da Terra.

CAROLINA FERRAZTERESA CERQUEIRA as

Sanguinho Saída e chegada ao Faial da Terra passando pelo Sanguinho e Salto do Prego

rilhando

ilha trilho

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| Letras e imagens são usados para formar uma nova palavra ou frase. Deve ser lido da esquerda para a direita. | Os algarismos entre parêntesis indicam quantas palavras compõem o enigma e o número de letras de cada uma. | As letras fornecidas devem ser compostas com o nome das imagens para formar novas palavras.| Quando uma letra surge entre parêntesis deve ser subtraída da palavra da imagem correspondente.| O símbolo de duas setas contrárias significa que a palavra em questão deverá ser utilizada inversamente.

REBUS

Solução no facebook do fazendo e em www.fazendo.pt

( 1+5+1+10+8+2+9)

isto das ilhas estarem todas separadas não dá jeito nenhum

TOMÁS MELO

Quem enviar primeiro a resposta certa para [email protected] receberá uma lembrança natalícia.

AURORA RIBEIRO E EVA GIACOMELLO

ilhasas

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www.fazendo.pt