FAZENDO VÍDEO

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  • UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM TECNOLOGIA

    JLIO CSAR DOS SANTOS

    FAZENDO VDEOS NO COLGIO OTTLIA: TECNOLOGIA E ARTE COMO AO COLETIVA

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Tecnologia. Programa de Ps-Graduao em Tecnologia (PPGTE), da Universidade Tecnolgica Federal do Paran (UTFPR).

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernesto Merkle Co-orientadora: Prof. Dra. Luciana Martha Silveira

    CURITIBA 2008

  • JLIO CSAR DOS SANTOS

    FAZENDO VDEOS NO COLGIO OTTLIA: TECNOLOGIA E ARTE COMO AO COLETIVA

    Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Tecnologia. Programa de Ps-Graduao em Tecnologia (PPGTE), da Universidade Tecnolgica Federal do Paran (UTFPR).

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernesto Merkle Co-orientadora: Prof. Dra. Luciana Martha Silveira

    CURITIBA 2008

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    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca da UTFPR Campus Curitiba

    S237f Santos, Jlio Csar dos Fazendo vdeos no Colgio Ottlia : tecnologia e arte como ao coletiva / Jlio Csar dos Santos. Curitiba. UTFPR, 2008 XIV, 184 f. : il. ; 30 cm

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Ernesto Merkle Co-orientadora: Prof. Dr. Luciana Martha Silveira Dissertao (Mestrado) Universidade Tecnolgica Federal do Paran . Pro- grama de Ps-Graduao em Tecnologia. Curitiba, 2008 Bibliografia: f. 171 175

    1. Pesquisa social. 2. Cinema na educao. 3. Cinema Estudo e ensino. 4. Artes Estudo e ensino. 5. Vdeo Arte I. Merkle, Luiz Ernesto, orient. II. Silveira. Luciana Martha, co-orient. III. Universidade Tecnolgica Federal do Paran. Programa de Ps-Graduao em Tecnologia. IV. Ttulo.

    300.72

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    DEDICATRIA

    A Francisca Abadia dos Santos (minha me), Joaquim dos Santos (meu pai), Ana Porfrio Machado (segunda me), Brbara Sofia Cardoso dos Santos (minha filha), Eliane Terezinha Cardoso Bispo (minha parceira), Sueli dos Santos Rocha (minha irm), e a todos aqueles que estiveram presentes quando busquei realizar meus sonhos, seja por fazerem parte deles, ou me incentivarem sempre a no desistir. Especialmente Professora Ottlia Homero da Silva, que me inspirou como pesquisador, professor e pessoa.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos amigos: Prof. Paulo Renato Dias, Prof. Joo Batista Ramos Crtes, Prof. Maria de Jesus da Silva; aos colegas do CEFET-GO: Prof. Roberto Wagner Milet, Prof. Paulo Francinete Silva Jr.; aos professores do PPGTE: Prof. Hilton Jos de Azevedo, Prof. Maristela Mitsuko Ono, Prof. Laize Mrcia Porto Alegre, Prof. Gilson Leandro Queluz, Prof. Marlia Gomes de Carvalho, Prof. Eduardo Leite Kruger, Prof. Herivelto Moreira , Prof. Sonia Ana Charchut Leszczynski, Prof. Maclvia Corra da Silva, Prof. Nilson Marcos Dias Garcia, Prof. Mrio Lopes Amorim; aos colegas de mestrado: Paulo Henrique Asconavieta, Jovana Cestille, Janana Buiart, Aladir Ferreira da Silva Jr., Danillo Vaz Borges de Assis, Joo Clmaco Soll, Fernando Michelotti, Patrcia Fisch, Regiane Moreira, Boanerges Candido da Silva, Eugnio Carlos Radaelli F., Adriano Lopes, Frederik MC van Amstel, Fabiana Machado, Maria Gorete Oliveira de Sousa, Ricardo A. Ferreira de Vasconcelos, Maria Helena Saburido Villar, Tatiana de Souza ; aos professores do Colgio Ottlia: Prof. Joo Batista Siviero, Prof. Alcina Maria Taborda Ribas, Prof. Anderson Luiz Zeni, Prof. Anette S. L. Kess, Prof. Carlos Eduardo M. dos Santos, Prof. Cludio Siqueira de Oliveira, Prof. Doniasol Vanessa Sloboda, Prof. rica Cristina dos Santos, Prof. Maria de Ftima V. L. Gusso, Prof. Mrcia Rosane Voigt, Prof. Marise Regina Voigt, Prof. Miria Freitas de Assis, Prof. Mnica Sirino Cordeiro, Prof. Sirlene M. de O. Pinheiro, Prof. Telma Soares, pedagogos: Julita W. Bach, Joo Antonio Herculi Neto, Jos Luiz Freire de Arajo, funcionrios: Aparecida Benedita Mota, Clia Maria Padilha Beck, Clia da Silva, Daniele Corra Pereira, Elmo Martins de Souza, Gislaine Ftima Ferreira, Luciana Soares de Andrade, Mrcia Ribeiro Baptista, Maria Cristina Desidrio da Jesus, Maria de Lourdes Ferreira Costa, Maria Ins Dias, Maria Selma Santos Lima, Queli Leites SantAna, Rita Alves de Souza e Rosmeri Beck; aos alunos: Adriano da Silva, Ana Caroline Ornelas, Andressa Paola dos Santos, Andr Luiz da Silva, Daniele Kadamus; Fbio Andr do Bonfim, Fabrcio Abucarub, Isabelle Alves da Maia de Arajo, Jeferson Benedito DOliveira, Jssica Aparecida Ciopek, Juliano Csar Giusti, Leila A. Moreira da Silva, Ly Sandro de Campos Salles, Miri Emanuelle da Silva, Murilo Csar Soares Souza; ao Sr. Manoel Custdio dos Santos (APMF) e Lysandro de Campos Salles F. (Escola Aberta); aos pais de alunos e membros da comunidade Jardim Amlia; minha famlia curitibana: Enedina Mondini, Moiss Alves Vieira F. e Karoline Mondini Vieira; e, em especial a rica Juclia da Silva e Lindamir Salete Casagrande.

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    Quando no se pode acreditar nos homens nem nos seus esforos comuns, tambm no se poder acreditar em si mesmo.

    Raymond Williams

    A lucidez a ferida mais prxima do sol. Ren Char

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    SUMRIO

    LISTA DE FIGURAS ................................................................................................... x LISTA DE GRFICOS E TABELAS.......................................................................... xii RESUMO.................................................................................................................. xiii ABSTRACT .............................................................................................................. xiv 1 INTRODUO ....................................................................................................... 15 1.1 APRESENTAO DO PROJETO ....................................................................... 16 1.2 UM ESTADO DA ARTE ....................................................................................... 30 2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .............................................................. 36 2.1 UM ESTUDO DE CASO ...................................................................................... 36 2.2 IDENTIFICANDO OS SUJEITOS DA PESQUISA .............................................. 43 3 PRESSUPOSTOS TERICOS .............................................................................. 47 3.1 FAZER ARTE COMO UMA AO COLETIVA .................................................... 48 3.2 A PRODUO DE VDEOS E OS ESTUDOS DA CULTURA ............................. 57 3.3 O VDEO COMO TECNOLOGIA ......................................................................... 63 3.4 A LINGUAGEM DO VDEO ................................................................................. 65 3.5 O VDEO E OS GNEROS DISCURSIVOS ....................................................... 69 3.6 O VDEO E A EDUCAO .................................................................................. 75 3.7 O VDEO E AS ESFERAS DO EXPERIMENTAL E DO INSTITUCIONAL .......... 77 4 CASO NICO: MLTIPLAS EVIDNCIAS ........................................................... 82 4.1 O BAIRRO JARDIM AMLIA CIDADE DE PINHAIS ........................................ 83 4.2 O COLGIO ESTADUAL PROFESSORA OTTLIA HOMERO DA SILVA ........... 85 4.2.1 O DIRETOR EM 2007/2008: PROFESSOR JOO BATISTA SIVIERO ........... 91 4.3 O GRUPO CAMLIA ........................................................................................... 93 4.3.1 O COORDENADOR: PROF. PAULO RENATO ARAJO DIAS ....................... 97 4.3.2 O PRESIDENTE: MURILO CSAR SOARES SOUZA ................................... 98 4.4 O GRUPO GORDO & LAPI PRODUES ...................................................... 99 4.5 O PESQUISADOR: JLIO CSAR DOS SANTOS........................................... 100 4.6 OS COC-RANGERS, EPISDIO 1 ................................................................ 101 4.7 ERROS DE GRAVAO ................................................................................... 105 4.8 O TRAILER DO VDEO ..................................................................................... 106

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    4.9 O DOCUMENTRIO OTTLIA: MLTIPLOS OLHARES ................................ 107 5 A ANLISE DAS EVIDNCIAS ........................................................................... 113 5.1 O DIRIO DE CAMPO ...................................................................................... 113 5.2 A OFICINA DE TEATRO E VDEO .................................................................... 118 5.3 AS GRAVAES DO DOCUMENTRIO .......................................................... 125 5.4 A MONTAGEM E EDIO ................................................................................ 128 5.5 A II SEMANA CULTURAL .................................................................................. 134 5.6 AS ENTREVISTAS ............................................................................................ 136 5.6.1 PROF. JOO BATISTA SIVIERO (Entrevistado em 14/12/2007) ................... 137 5.6.2 PROF. PAULO RENATO ARAJO DIAS (Entrevistado em 11/12/2007) ........ 137 5.6.3 MURILO CESAR SOARES SOUZA (Entrevistado em 25/10/2007) ............... 138 5.6.4 GRUPO CAMLIA E GORDO & LAPI ............................................................ 141 5.7 OS QUESTIONRIOS ...................................................................................... 147 5.8 ALGUNS DESDOBRAMENTOS ....................................................................... 151 6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................. 153 6.1 UMA EXPERINCIA PESSOAL ........................................................................ 167 REFERNCIAS ....................................................................................................... 171 ANEXOS ................................................................................................................. 176

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    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1: RUAS DO BAIRRO VILA AMLIA, NAS PROXIMIDADES DO COLGIO OTTLIA........................................ 84 FIGURA 2: A FONTE ............................................................................................................................................... 85 FIGURA 3: O "MORRO" ........................................................................................................................................ 85 FIGURA 4: O TRANSPORTE COLETIVO ................................................................................................................... 85 FIGURA 5: FOTOS DA CONSTRUO DO COLGIO ................................................................................................ 86 FIGURA 6: MUROS ALTOS CERCAM O COLGIO .................................................................................................... 87 FIGURA 7: FACHADA (LETREIRO) ........................................................................................................................... 88 FIGURA 8: O LETREIRO OCULTO ......................................................................................................................... 88 FIGURA 9: ENTRADA DO COLGIO ........................................................................................................................ 88 FIGURA 10: INSTALAES IILUSTRAO 1NTERNAS DO COLGIO ................................................................ 88 FIGURA 11: JARDIM INTERNO ................................................................................................................................ 89 FIGURA 12: REA-CONVIVNCIA ........................................................................................................................... 89 FIGURA 13: MESA DE JOGOS ................................................................................................................................ 89 FIGURA 14: O DIRETOR EM EXERCCIO JUNTO COMUNIDADE ............................................................................ 92 FIGURA 15: FOTOS DO DIA DE FUNDAO DO GRUPO CAMLIA .......................................................................... 95 FIGURA 16: NO FORUM SOCIAL ............................................................................................................................ 96 FIGURA 17: FORA BUSH! ....................................................................................................................................... 96 FIGURA 18: PASSEATA ........................................................................................................................................... 96 FIGURA 19: VISITA AO PPGTE ............................................................................................................................. 96 FIGURA 20: PALESTRA .......................................................................................................................................... 96 FIGURA 21: JARDIM BOTNICO ............................................................................................................................. 96 FIGURA 22: PROFESSOR PAULO RENATO EM ATIVIDADE...................................................................................... 97 FIGURA 23: MURILO CSAR EM CONSTANTE MOVIMENTO ................................................................................... 98 FIGURA 24: OS COC-RANGERS........................................................................................................................... 99 FIGURA 25: PERSONAGENS CARACTERIZADOS PARA A GRAVAO .................................................................... 100 FIGURA 26: NA OFICINA DE TEATRO E VDEO ...................................................................................................... 101 FIGURA 27: DURANTE GRAVAO DO DOCUMENTRIO ...................................................................................... 101 FIGURA 28: COM OS "COC-RANGERS" NO MATSURI ........................................................................................ 101 FIGURA 29: UMA CENA DO VDEO ........................................................................................................................ 103 FIGURA 30: PERSONAGEM "YUUKO" .................................................................................................................. 103 FIGURA 31: ARTE DO CARTAZ ............................................................................................................................. 103 FIGURA 32: THE POWER-RANGERS ................................................................................................................... 105 FIGURA 33: THE CHANGEMEN ............................................................................................................................ 105 FIGURA 34: THE DARK JIRAYA ............................................................................................................................ 105 FIGURA 35: IMAGENS DOS ALUNOS PRODUZINDO O DOCUMENTRIO ................................................................ 109 FIGURA 36: FUNDAO DO CAMLIA JR. ............................................................................................................ 116

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    FIGURA 37: MENINAS DO CAMLIA JR. ............................................................................................................... 116 FIGURA 38: MANIFESTAO NO COLGIO .......................................................................................................... 116 FIGURA 39: EXERCCIOS CORPORAIS ................................................................................................................. 121 FIGURA 40: EXERCITANDO A CONFIANA ............................................................................................................ 121 FIGURA 41: JOGOS DRAMTICOS ........................................................................................................................ 121 FIGURA 42: ATENO, GRAVANDO! ..................................................................................................................... 121 FIGURA 43: REGISTRANDO UM FATO ................................................................................................................... 121 FIGURA 44: GRAVANDO UMA ENTREVISTA........................................................................................................... 121 FIGURA 45: ZUMBI, OS CAMINHOS DA LIBERDADE .............................................................................................. 122 FIGURA 46: AULAS DE TEATRO ........................................................................................................................... 123 FIGURA 47: AULAS DE VDEO .............................................................................................................................. 123 FIGURA 48: ENCONTRO COM A PEDAGOGA JULITA W. BACH, E GRUPO CAMLIA ............................................. 124 FIGURA 49: REUNIO PEDAGGICA ................................................................................................................... 124 FIGURA 50: CONVERSA COM ALUNOS SOBRE QUESTES DE IDENTIDADE ......................................................... 124 FIGURA 51: ESCREVENDO O ROTEIRO ................................................................................................................ 127 FIGURA 52: ATENO, CLAQUETE! ...................................................................................................................... 127 FIGURA 53: GRAVANDO! ...................................................................................................................................... 127 FIGURA 54: PROF. GILSON L. QUELUZ ............................................................................................................... 135 FIGURA 55: PROF. LUCIANA MARTHA SILVEIRA ................................................................................................. 135 FIGURA 56: RICA JUCLIA DA SILVA .................................................................................................................. 135 FIGURA 57: PROF. FABIANA MACHADO E ALUNA GABRIELA .............................................................................. 135 FIGURA 58: PROF. PAULO, PROF. LUCIANA E PABLO S. M. DIAZ ...................................................................... 135 FIGURA 59: PABLO S. M. DIAZ E PROF. LUCIANA M. SILVEIRA ......................................................................... 135 FIGURA 60: ZUMBI, CAMINHOS DA LIBERDADE ................................................................................................... 135 FIGURA 61: EXPOSIO DE FOTOGRAFIAS ......................................................................................................... 135 FIGURA 62: APRESENTAO DE CAPOEIRA ........................................................................................................ 135 FIGURA 63: COMIDAS E BEBIDAS TPICAS ........................................................................................................... 136 FIGURA 64: DANAS POPULARES ....................................................................................................................... 136 FIGURA 65: ASSISTINDO O DOCUMENTRIO ....................................................................................................... 136 FIGURA 66: ALUNOS NO MATSURI 2008 ............................................................................................................. 143 FIGURA 67: MURILO VENDENDO PIADAS ............................................................................................................. 143 FIGURA 68: DANIELE "OTAKU" ............................................................................................................................. 143 FIGURA 69: ANDR "OTAKU" ............................................................................................................................... 144 FIGURA 70: ADRIANO, FBIO E ANDR ............................................................................................................... 144 FIGURA 71: PERSONAGENS "COSPLAY" .............................................................................................................. 144 FIGURA 72: ALUNOS PARTICIPANTES DA OFICINA DE TEATRO E VDEO ............................................................. 147

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    LISTA DE GRFICOS E TABELAS

    GRFICO 1: GNEROS DE FILMES PREFERIDOS PELOS ENTREVISTADOS.....................................................148 GRFICO 2: O DOCUMENTRIO REPRESENTA A REALIDADE DO COLGIO? ................................................. 150 GRFICO 3: VOC CONCORDA COM AS IDIAS EXPRESSAS NO DOCUMENTRIO? ....................................... 150

    TABELA 1: QUADRO SOCIOMTRICO DE PROFESSORES E FUNCIONRIOS ..................................................... 90 TABELA 2: QUADRO SOCIOMTRICO DE ALUNOS EF E EM .......................................................................... 91 TABELA 3: DIVISO DOS GRUPOS DE RESPONDENTES ............................................................................... 148 TABELA 4: CORRESPONDNCIA ENTRE O DOCUMENTRIO E A REALIDADE DO COLGIO............................... 149

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    RESUMO

    Esta pesquisa trata da prtica de fazer vdeos no Colgio Estadual Professora Ottlia Homero da Silva, cidade de Pinhais, regio metropolitana de Curitiba; diferenciando o que se pode perceber a partir da comparao entre dois gneros distinguidos como: um vdeo-fico experimental e outro, um vdeo-documentrio institucional. Aborda a produo de vdeos no mbito de uma escola pblica, partindo da concepo da pesquisa como prtica social tendo como aporte terico os estudos da cultura, da arte e da tecnologia como ao coletiva, com nfase nos processos de ensino-aprendizagem. Nesta pesquisa o estudo se concentra na prtica de fazer vdeos por um grupo de alunos de uma escola publica, com o objetivo de encontrar algumas evidncias das implicaes geradas por tal prtica como construo simblica e ruptura de determinadas situaes impostos pelo cotidiano, compreendendo-a como um ato cultural complexo e transformador. Por que essas pessoas fazem vdeos? Como se d esta prtica nestas circunstncias? Como se d este processo de construo cultural simblica? Entre as evidncias encontradas figuram a busca pela insero social, e a ampliao da reflexo crtica, quando as pessoas envolvidas na prtica passaram a questionar suas posies na construo de suas identidades, reflexo e refrao do contexto em que esto imersas.

    Palavras chave: tecnologia, arte, educao, vdeo, prtica, ao coletiva.

    reas de conhecimento: Cinema, Artes do Vdeo, Educao.

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    ABSTRACT

    This research deals with the practice of making videos at the Colgio Estadual Professora Ottlia Homero da Silva, in Pinhais city, in the metropolitan region of Curitiba, differentiating what you can see from the comparison between two different genres: one, a experimental video-fiction, another, a institutional video-documentary. It addresses the production of videos at a public school, based on studies of culture and art and technology as a collective action, with emphasis on the teaching-learning processes. This research study focuses on the practice of making videos by a group of students at a public school, with the goal of finding some evidence of the implications generated by such practice as a symbolic construction and disruption of daily life imposed by certain situations, as a complex act cultural and process. Why do these people make videos over there? How this practice occurs in these circumstances? How we give this process of building cultural symbolic? The evidence founded included the search for social integration, and extension of critical reflection, when people involved in the practice began to question their positions in the construction of their identities.

    Key words: technology, art, education, video, practice, collective action.

    Knowledge areas: Cinema, Arts of Video, Education.

    Making videos at the Colgio Ottlia: Technology and Art as collective action.

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    1 INTRODUO

    O Cinema tem sido abordado em estudos e pesquisas nas mais diversas reas do conhecimento, visto quase sempre como Arte e Cultura, ou seja, como uma manifestao ou expresso humana, sob os mais diversos pontos de vista, como por exemplo, de indstrias ou de escolas. Compreendido como uma linguagem ou arte audiovisual, o cinema se faz presente nos contedos curriculares propostos dentro do processo de ensino-aprendizagem das escolas, sob trs aspectos fundamentais: produzir (fazer), apreciar e interpretar (PCNs, 2002, p.180); definidos como experincias prtica, esttica e terica passveis de levar o aluno-aprendiz a uma compreenso mais profunda do mundo em que vive, bem como de si mesmo e de suas relaes sociais. Entretanto, dentre os estudos que relacionam Cinema e Educao, encontra-se uma nfase significativa nos dois ltimos aspectos do processo de ensino-aprendizagem o apreciar e o interpretar, deixando o fazer num plano secundrio, em funo (possivelmente) das aparentes demandas tecnolgicas e financeiras que o cinema exige para ser produzido e veiculado. O panorama contemporneo alterou de maneira radical esta situao, ao facilitar o acesso tecnologia pelo barateamento dos custos envolvidos, bem como pelas polticas pblicas que tm viabilizado s escolas pblicas o acesso a alguns equipamentos necessrios para se fazer cinema, como computadores. Este estudo, sustentando-se por esta premissa e buscando preencher a lacuna percebida em relao ao fazer cinema na escola, prope-se a estudar esta prtica na situao de uma escola pblica, visando contribuir com estudos na convergncia cinema-educao. Esta dissertao se compe de: 1) uma introduo composta pela apresentao do projeto, na qual se traa a trajetria que levou proposta deste estudo partindo das primeiras incurses na utilizao do vdeo na pesquisa at chegar proposio de perceber suas implicaes como mediador de processos de ensino-aprendizagem enfatizando o fazer, a prtica, mais que o apreciar e a

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    interpretao; e, um breve estado da arte no que se refere bibliografia utilizada como aporte para tratar o tema especfico do cinema na escola e da possvel contribuio deste estudo para sua ampliao; 2) a configurao de uma abordagem em que se optou por um estudo de caso, bem como pela identificao nominal dos sujeitos da pesquisa em funo das orientaes encontradas nos estudos da cultura; 3) a definio de um aporte terico fundamentado pelos conceitos de arte, linguagem, tecnologia e cultura, correlacionando-os ao tratar da produo de vdeos no contexto de uma escola pblica, no caso o Colgio Ottlia; 4) a caracterizao descritiva dos sujeitos-atores envolvidos na situao da pesquisa, representados pelo diretor do Colgio, o professor Joo Batista Siviero; o coordenador e o presidente do Grupo Camlia, respectivamente, o professor Paulo Renato Arajo Dias e o aluno Murilo Csar Soares Souza, bem como os demais integrantes do referido grupo e do grupo Gordo & Lapi Produes, responsveis pela produo do vdeo-experimental Os coc-rangers, episdio 1, de modo a destacar suas particularidades; 5) a documentao e anlise dos dados e evidncias levantadas a partir das prticas, objetos e sujeitos da pesquisa; e, por fim; 6) as consideraes finais em que se buscou interpretar as evidncias percebidas no estudo a partir do aporte terico definido, bem como evidenciar a contribuio que se julgou poder fazer com o mesmo, no propriamente como um objetivo, mas como uma conseqncia da prtica da pesquisa no contexto escolar, donde parte e ao qual se destina.

    1.1 APRESENTAO DO PROJETO

    O uso, e presena, do cinema na pesquisa social no sendo um fato novo e nem isolado, tem sido bastante difundido tanto em incurses etnogrficas, nas quais utilizado como suporte tecnolgico para observao in loco, quanto como objeto de estudo nos mais diversos campos analticos e crticos, quer pela obra de um artista especfico ou ainda como representao simblica de um determinado grupo, sociedade ou cultura. Em tempos de globalizao fala-se, por exemplo, da

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    transnacionalizao da produo cinematogrfica1, o que aponta para novas abordagens no estudo e pesquisa do audiovisual, destacando-se os estudos de recepo. A princpio, este trabalho se orientou para o estudo do vdeo na pesquisa social, e s posteriormente, voltou-se para a produo de vdeos no mbito da Educao. Optou-se por considerar inicialmente o vdeo como um similar do cinema concebido como uma tecnologia, da qual se utiliza, quase sempre, para o registro etnogrfico na pesquisa social, reconhecendo-se que esta utilizao do cinema provoco, e tem ainda provocado inmeras discusses na comunidade acadmica, tanto no que concerne a questes de ordem tcnica quanto terica, e, principalmente ticas. Nestes debates so consideradas suas implicaes tcnicas e aspectos tecnolgicos no restritos aos artefatos, e, mais contemporaneamente, seu papel na mediao de processos sociais complexos, e, entre estes, o processo da prpria pesquisa, concebida, neste caso, como uma prtica social2. Em hiptese, o uso do cinema na pesquisa implica alteraes significativas nesta prtica, seja na tomada de deciso metodolgica por parte do pesquisador, seja pelo questionamento da validade cientfica dos dados obtidos por tal meio, e, ainda, dos resultados atingidos com sua anlise. Mesmo que se reconhea no tratar-se de um estudo etnogrfico, torna-se fundamental a apresentao de um breve histrico do cinema no universo da pesquisa de modo a configur-lo como um suporte lingstico do qual se utiliza na Educao com fins mais especficos, sem que com isso se perca de vista sua categorizao como arte, linguagem, tecnologia e cultura. E ainda, infere-se que o audiovisual, notadamente o cinema, que neste trabalho ser visto na forma de vdeos, com suas linguagens, cdigos e tecnologias pertinentes, uma manifestao cultural que demanda uma ateno mais profunda da parte dos educadores; e, que deveria estar includo, cada vez mais, nos estudos das mediaes scio-culturais. Questionar as motivaes que levam prtica de fazer vdeos numa escola pblica certamente contribuir para que se aprofunde a

    1 Uma produo conjunta de vrios pases, com artistas de nacionalidades mltiplas, realizada com vista a

    garantir a distribuio (lucrativa) do filme nos pases que participaram da produo. 2 Em conformidade com a definio de tecnologia delineada nos pressupostos do PPGTE.

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    compreenso de realidade (subjetiva e objetiva) do mundo, isto dito no campo da filosofia, antropologia, sociologia, histria, psicologia, arte, da cultura, da tecnologia e, neste caso, da prpria educao. Desde o seu surgimento, em fins do sculo XIX, o cinema, principal antecessor do que se convencionou chamar audiovisual (Machado, A. 1997), culturalmente falando, tem sido considerado como um veculo de expresso, mas, tambm, como um registro da realidade factvel. Os primeiros filmes poderiam, grosso modo, ser chamados de documentrios (no Brasil, foram chamados vistas), uma vez que se limitavam ao registro de um determinado evento ou paisagem. J nos primeiros anos tiveram incio as produes ficcionais3 e, o cinema se tornou um contador de histrias, papel desempenhado antes pela literatura (principalmente), teatro, a pera, a msica popular etc. Alguns autores citam o antroplogo francs Flix Regnault4 (?) como autor do primeiro filme etnogrfico (1895); outros, o socilogo escocs John Grierson (1898-1972), que empregou o termo cinema etnogrfico j em 1926. Em 1933 tem-se notcias do que foi considerado o primeiro filme intencionalmente etnogrfico, realizado pelo antroplogo francs Marcel Griaule (1898-1956), documentando os modos de vida do povo Dogon, na regio central de Mali, no oeste africano. A ele, seguiram outros pesquisadores, como: Margaret Mead (1901-1978); Gregory Bateson (1904-1980); Jean Rouch (1917-2004), apenas para citar alguns dos pioneiros da Etnografia5 que utilizaram o cinema como suporte tcnico para suas observaes em campo (PEREIRA, 1995; AUMONT, 2003; NICHOLS, apud BAGGIO, 2005). Entre os primeiros cineastas, que realizaram filmes documentais, figuram o norte-americano Robert Flaherty (1884-1951), o russo Dziga Vertov (1896-1954) e o francs Jean Vigo (1905-1934); mas, estes no eram pesquisadores, ou antroplogos; seus trabalhos tinham como objetivo principal o registro tal qual a realidade se apresentava (PEREIRA, 1995). Entretanto, cada um deles acabou por conferir a seus filmes uma marca muito pessoal, o que ser abordado

    3 Georges Mlis, um mgico ilusionista, realiza um filme de fico: Le voyages dans la Lune, j em 1902.

    4 Citado por Jean Rouch em O homem e a cmera, sem precisar datas.

    5 No Paran, Vladimir Kozak produz registros etnogrficos sobre os ndios Xets (1957-1960) que podem ser

    vistos no Museu Paraense. Para ver mais: http://www.geocities.com/a_fonte_2000/Sol2.htm.

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    posteriormente na busca de uma definio mais aprofundada do gnero documentrio. Com o surgimento da televiso e, posteriormente, do vdeo, as ferramentas audiovisuais tornaram-se mais acessveis, e outros pesquisadores, alm de etngrafos da Antropologia e Sociologia, fizeram uso delas em seus trabalhos em outros campos: Comunicao, Arte, Psicologia, Medicina, Engenharias, e ainda, Administrao. Cada qual dando a elas um uso diferenciado pela intencionalidade, como por exemplo: a reproduo de tcnicas, o registro de aes difceis de serem repetidas, em estudos de casos clnicos, em observaes de experincias em salas de aula ou o registro do comportamento de consumidores num supermercado. Historicamente, a tecnologia do vdeo representa uma revoluo para o audiovisual. O vdeo-tape, por exemplo, permitiu que a televiso pudesse romper com a produo exclusivamente em tempo real; o vdeo-cassete levou o cinema para dentro das casas; e, podemos, atualmente, ter acesso a sem nmero de objetos audiovisuais, em que se destacam a produo ficcional, voltada principalmente para o entretenimento; e, a publicitria, como meio de divulgao e propaganda poltico-ideolgica; arte; e, de mercadorias, sendo esta ltima responsvel pela viabilidade econmica do que se convencionou denominar como televiso comercial aberta6. Pode-se dizer que o vdeo, de incio, se apresentou como uma espcie de intermedirio entre o cinema e a televiso. Contemporaneamente, com o desenvolvimento de outras mdias, acabou por se constituir num hbrido, uma espcie de cinema eletrnico (MACHADO, A. 1997b) ou, mais comumente denominado, cinema digital, que se traduz pelo hibridismo, tanto tecnolgico quanto lingstico. Ou, em outras palavras:

    A situao atual da indstria do audiovisual est marcada pelo hibridismo das alternativas. O cinema lentamente se torna eletrnico, mas, ao mesmo tempo, o vdeo e a televiso tambm se deixam contaminar pela tradio de qualidade que o cinema traz consigo ao ser absorvido. [...] Muitos filmes produzidos nos ltimos anos chegam a dar evidncia estrutural a esse hibridismo fundamental do audiovisual contemporneo, na medida em que mesclam formatos e suportes, tirando partido da diferena de texturas entre

    6 Constituda pelos canais de televiso a que tem acesso a maioria da populao.

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    imagens de natureza fotoqumica e imagens eletrnicas. (Arlindo, A., 1997, p.215)

    Como instrumento cientfico, o cinema suscita discusses quanto a seu uso na produo de dados e evidncias, passveis de serem academicamente legitimadas, e isto no apenas no mbito da pesquisa social. Mas, alm das indagaes suscitadas por suas propriedades tcnicas, vem tona um questionamento ainda mais profundo quando se refere ao papel que pode desempenhar nas interaes sociais, como um artefato cultural produtor de linguagem; ou seja, como um instrumento mediador de relaes intersubjetivas. Distinguir o cinema como um artefato cultural e uma linguagem, faz necessrio que se revejam algumas de suas trajetrias, iniciadas pela fotografia e continuadas pela televiso e vdeo, at que se chegue sua hibridizao pelas mdias digitais. Neste trajeto, se pensarmos, por exemplo, apenas nos artefatos tecnolgicos, nos deparamos com: filmadoras, cmeras, web cams, projetores, vdeo-cassetes, monitores, computadores, e por fim, aparelhos celulares, e, certamente, muitas variaes que ainda sero produzidas, consideradas no mbito das tecnologias da comunicao e da informao. Alm dos artefatos, encontramos, tambm, artistas, tcnicos e criadores de toda sorte, e, ainda, todos os objetos e obras produzidas por eles utilizando tais tecnologias e linguagens. Tudo isso: artefatos, pessoas e produtos audiovisuais, se tornaram presena cotidiana nos mais diversos mbitos de nossas vidas, sendo a televiso o exemplo contumaz.

    Destaca-se, em funo dos objetivos e objetos deste trabalho, o mbito educacional,no qual o cinema, a televiso e o vdeo, fundidos no termo audiovisual, tm, atualmente, sido considerado como um recurso didtico eficiente e fundamental, apontado como um dos modernos mtodos contemporneos para transmitir contedos programticos de forma criativa e tambm suscitar processos crticos. Um exemplo desta proposio pode ser evidenciado pela ltima grande reforma do ensino brasileiro (vide LDB 9.394, de 20/11/1996), na qual foi configurada uma nova diviso do conhecimento, a ser ensinado nas escolas de ensino

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    fundamental e mdio, por reas, em nmero de trs7; e na rea de Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, o audiovisual aparece posto, no apenas como um recurso didtico, mas, como todo um complexo sistema simblico a ser apreendido pelos estudantes. Como recurso didtico, tornou-se corriqueira a exibio de audiovisuais, e entre eles o filme, nas salas de aula ou em outras atividades curriculares extraclasses. Projetos como a TV Escola 8 tm sido utilizados h bastante tempo, sendo que as escolas pblicas de ensino fundamental, mdio e tcnico contam com diversos equipamentos tecnolgicos aparelhos de televiso, vdeo-cassete e dvd, bem como, fitas e mdias digitais com contedos didticos pertinentes s mais diversas disciplinas, que podem ser utilizados como um recurso didtico extra, alm de livros, cadernos e lousa9. Tem sido recomendado aos docentes que tais recursos no sejam utilizados simplesmente como mdias substitutivas ou forma de passatempo, mas que sejam exploradas suas potencialidades criativas que vo muito alm da apreciao (PCNs, 1999). Apesar das orientaes curriculares do Ministrio da Educao para o Ensino Fundamental, Mdio e Tcnico; o audiovisual se encontra diludo entre as muitas possibilidades de linguagens, em que se privilegia a fala (oralidade), a leitura e a escrita da lngua, nacional e estrangeira. No ensino da Arte aparece associado s artes visuais, identificando-se a pouca nfase dada formao profissional do professor de artes no que se refere linguagem audiovisual propriamente dita; o que tem levado, algumas vezes, a que o cinema, a televiso ou o vdeo sejam utilizados como um recurso didtico apenas complementar ou substitutivo. No audiovisual, via de regra, encontram-se presentes todas as formas de manifestao artstica, em suas mltiplas linguagens. Podendo ser definido tanto como hbrido quanto como interdisciplinar, sua produo compreende a interao e interpenetrao de materiais, suportes, sujeitos e meios, construindo o que se poderia chamar de um objeto transdisciplinar, seja ele um filme, vdeo ou animao.

    7 Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias; Cincias da Natureza, Matemtica e suas Tecnologias; e, Cincias

    Humanas e suas Tecnologias. 8 Canal de televiso do Ministrio da Educao, criado em 1996, com o objetivo de veicular material de apoio

    didtico sob a forma de audiovisuais: filmes, desenhos animados, vdeo-aulas etc. 9 No estado do Paran, vendo sendo desenvolvido os programas: Paran Digital, Portal Educacional e TV

    Paulo Freire. Para ver mais: http://www.parana.pr.gov.br.

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    Foi justamente a partir desta percepo que se chegou proposio deste projeto de pesquisa com foco na aprendizagem de contedos e conceitos, na educao formal, no-formal e informal; tendo na experimentao a sua base construtiva, e como suporte a arte, neste caso especfico, representada pelo vdeo. Discusses sobre a implementao das proposies expressas nas diretrizes curriculares oficiais nas escolas, considerada a realidade das condies e aplicaes prticas encontradas; a conjuno (ou no) entre os contedos e as prticas culturais locais; e ainda, a falta de uma devida formao acadmica necessria efetivao destas orientaes nas escolas podem ser encontradas nos trabalhos de tericos como Henri Giroux, Antnio Flvio Moreira, Tomaz Tadeu da Silva, Marisa Vorraber Costa, Jean Claude Forkin10 e outros, em que se consideram as diferenas entre os currculos projetados, os reais e os ocultos. O que significa dizer que quando falamos de currculos h uma lacuna considervel entre o que se prope nos documentos oficiais e o que se realiza, de fato, nas escolas; sendo esta falha resultante de uma ocultao intencional de determinados contedos e objetivos, o que possibilita manter e reproduzir determinadas formas de dominao11. Pode-se dizer que uma grande parte da populao possui um aparelho de televiso em sua residncia. Muitas famlias contam com mais de um, e, por meio deles, tem-se acesso a produtos audiovisuais sob a forma de telejornais, novelas, sries, videoclipes, filmes, shows de auditrio, e, muita publicidade. Nesta poca em que a TV interativa e de alta definio j se tornou uma realidade comercial, mas que os currculos escolares encontram-se, ainda, defasados quanto a essa linguagem (ou linguagens), questes como alfabetizao audiovisual, leitura crtica das mdias, o cinema, a televiso e o vdeo na sala de aula, esto na ordem do dia. Mas, alm do fato de telespectadores serem submetidos a uma avalanche interminvel de informaes, objetos e produtos audiovisuais, tem-se ainda que atentar para o fato de que o fcil acesso (cada dia mais) tecnologia de produo de tais objetos culturais torna possvel a um nmero cada vez maior de pessoas de

    10 Os estudos destes e de outros autores integram as teorias crticas e culturais dos currculos escolares.

    11 Silva, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos culturais. Petrpolis, RJ: Vozes,

    2000, p. 73-131.

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    se tornar produtor de seus prprios filmes. Cinqenta anos atrs, possuir uma cmera filmadora era algo raro, restrito a pessoas com alto poder aquisitivo, ou devidamente financiadas. Pode-se perceber que, hoje, ocorreu uma considervel ampliao do nmero de pessoas que podem possuir sua cmera de vdeo, mquina fotogrfica digital ou, ainda, um aparelho celular com cmera. Pode-se, desta forma, produzir filmes, sejam eles com o intuito de registrar um evento festivo familiar, como um recurso didtico, filmes experimentais, performances artsticas, ou como simples diverso. Isto valendo para adultos, jovens, crianas, leigos, profissionais de diversos setores, ou artistas; e, a presena massiva da linguagem audiovisual no cotidiano tem levado os responsveis pela construo dos currculos escolares a inclu-la nas atividades educacionais como um dado a mais, uma modalidade a ser apreciada e comentada em suas implicaes sociais, culturais e, subjetivas; mas, ainda, com pouca nfase na produo de objetos. O objetivo deste estudo documentar e interpretar algumas das motivaes e implicaes produzidas pelo processo de construo cultural simblica envolvido na prtica de fazer vdeos no contexto de uma escola pblica. Ao contrrio de outros trabalhos orientados pelo uso didtico do cinema como um objeto para apreciao e leitura, a inteno mergulhar no mundo da prtica, do fazer; com seus elementos, particularidades, objetos e sujeitos envolvidos. Tambm se almeja contribuir para uma maior compreenso da dimenso simblica da cultura nos processos de ensino-aprendizagem dentro e fora da sala de aula, assim como, da construo da identidade subjetiva e social dos envolvidos. Muitas das pesquisas desenvolvidas, at agora, se ativeram preponderantemente ao fato de que o audiovisual se configura num recurso privilegiado pela etnografia, e que encontrou certa resistncia acadmica quanto sua validade documental. Assim como nos meios jurdicos, a academia tem tido dificuldades em normatizar a sua utilizao de modo a legitim-lo como meio cientfico. Ao mesmo tempo em que o audiovisual torna possvel registrar fatos, atos e acontecimentos sob os mais diversos ngulos, ele tambm carrega a possibilidade inerente de mascarar e camuflar estes mesmos registros, atravs de montagens e edies passveis de privilegiar determinados pontos de vista.

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    Alm disso, a presena do artefato tecnolgico audiovisual, como um olho observador, interfere de forma evidente naquilo que observa, provoca uma perda significativa de naturalidade nas aes de quem est sendo conscientemente registrado por uma cmera de cinema ou vdeo. Quando, ao contrrio, este registro realizado de modo oculto, sem o conhecimento do observado, levanta-se uma questo tica delicada, caracterizada pela invaso de privacidade. Outras pesquisas se detiveram na anlise do audiovisual em suas variveis relacionadas linguagem produzida pela tecnologia do cinema, televiso ou vdeo. Desde seus primrdios encontram-se autores que se propuseram a construir um aporte terico que explique, e ao mesmo tempo configure uma teoria da linguagem cinematogrfica, e mais recentemente, da videogrfica e televisiva12. Tambm, buscaram compreender os possveis efeitos que tal linguagem provoca nos seus receptores; de incio - as imagens mudas e, posteriormente - as imagens sonorizadas (da, os audiovisuais). Podem ser encontrados tratados e teorizaes sobre enquadramentos, montagens, relaes entre figuras e fundos, cores e propores, diegese e enunciao; isto sem contar os estudos sobre recepo relacionados semiologia, semitica, psicanlise, polticas, estudos da cultura, entre outros (maiores detalhes na apresentao do estado da arte quanto bibliografia, na seo 1.2). Uma das possibilidades exploradas nestes trabalhos se orienta no sentido de fornecer a educadores e professores algum conhecimento terico, e prtico, sobre o audiovisual, como um recurso de que podem se utilizar em sala de aula. So incentivados a exibir filmes de fico, documentrios, animaes e palestras gravadas, da mesma forma como se utilizam de livros ou do quadro verde. Geralmente procedem como se os filmes fossem meios de transmitir conhecimentos com um pouco mais de sofisticao. Como na produo de outras mdias, poucos so os que se arriscam a acompanhar seus alunos na produo de algum tipo de objeto audiovisual que venha a lhes servir de pretexto provocativo a uma discusso aprofundada sobre suas condies e experincia de vida, sonhos, fantasias,

    12 Entre eles encontramos: Eisenstein, S.; Vertov, D.; Bazin, A ; D.W. Griffith; Metz, C.; Stan, R. e muitos

    outros. No Brasil: Bernadet, J.C.; Sales Gomes, P.E.; Ramos, F.; Xavier, I.; Machado, A; e outros.

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    concepes ou, idias sobre si mesmo, seus cotidianos ou suas culturas. O projeto educacional do Governo aponta para uma perspectiva de criar uma escola com identidade, que atenda s expectativas de formao dos alunos para o mundo contemporneo, de forma que possam participar do mundo social, incluindo-se a a cidadania, o trabalho e a continuidade dos estudos, concedendo linguagem um papel fundamental em todo esse processo, por ser considerada como a capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrrios de representao, que so compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experincias da vida em sociedade. (PCNEM, 1999, p. 125) Parece evidente que, teoricamente, as orientaes oficiais consideram que as linguagens, os cdigos e suas tecnologias so instrumentos e meios de situar-se criticamente no espao e no tempo, construindo identidades, levando-se em conta o carter histrico, sociolgico e antropolgico que isso representa. Isto no , entretanto, o que se percebe em algumas prticas no cotidiano de escolas ainda estruturadas como lugares nos quais se transmite o conhecimento, o que se evidencia quando algumas disciplinas deixam de explorar suas articulaes e interfaces interagentes para se limitarem a suas especificidades de contedo. Mas, o projeto oficial para a educao indica que possvel estruturar um currculo escolar que ultrapasse a simples listagem de competncias e habilidades, e que se pode ir alm da perspectiva dos contedos ao explorar, positivamente, a bagagem cultural trazida pelos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Conhecer a complexidade das linguagens, por exemplo, essencial para que os alunos participem do mundo no qual esto inseridos, uma vez que, assim, podem compreender, e at mesmo transformar, a si e realidade em que vivem e constroem.

    Em alguns momentos, a dimenso crtica deste aprendizado pode ser comprometida por dificuldades encontradas no prprio ambiente escolar, tais como: instalaes inadequadas; formao profissional insuficiente; alunos em situao de risco social; sobrecarregando e exigindo da escola e dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem um papel que, muitas vezes, deveria ser assumido por outras instncias e organismos. Ou seja, fica evidente que sempre se faz necessrio aprimorar as polticas pblicas com vistas a ampliar o incentivo docncia.

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    So circunstncias que indicam a oportunidade em se pesquisar, entre outras, as implicaes que as linguagens audiovisuais podem trazer para a compreenso crtica da realidade por sujeitos envolvidos com a prtica cotidiana da educao. Ensinar (e aprender) linguagem audiovisual numa escola pblica pode apontar para uma ao crtica relevante em relao ao prprio contexto e momento no qual ela se d. , portanto, um ato poltico em seu carter primordial, pois potencializa os mecanismos de fala dos envolvidos ao conceder-lhes voz, e, tambm, ouvidos. Este trabalho se coloca na perspectiva de fazer parte deste ato, neste ponto percebido como uma lacuna. Alm das orientaes curriculares propostas pelo Governo, so possveis de se encontrar obras (livros, manuais e artigos) que orientam o uso do audiovisual por professores em suas prticas em sala de aula. Algumas de suas disposies e propostas sero discutidas na seo 1.2, de modo a evidenciar a pertinncia deste estudo queles trabalhos em que se pretende explorar as potencialidades da prtica de fazer vdeos como elemento do processo de ensino-aprendizagem. Entre as iniciativas pblicas e particulares atualmente em desenvolvimento, no sentido de se utilizar o cinema como canal de manifestao cultural de comunidades marginalizadas (ou perifricas), algumas destas com o apoio financeiro do Ministrio da Educao ou da Cultura, encontram-se: Minha vila filmo eu, do Projeto Olho Vivo (Curitiba, PR)13; Luz, Cmera... Paz! na Escola, do projeto Central de Notcias dos Direitos da Infncia e Adolescncia (Curitiba, PR)14; Ncleo de Audiovisual do projeto Central nica da Favelas (Rio de Janeiro e outras localidades)15; Instituto Casa Brasil de Cultura (ICBC)16 e muitos outros espalhados por todo Brasil; em que a relao cinema-comunidade fomenta projetos de cineclubismo, comunidades virtuais, produes artesanais e pesquisas dos usos paradidticos de vdeos e afins. Apesar do nmero expressivo de iniciativas nas quais o audiovisual apresentado como um elemento fundamental na aprendizagem, em reforo aos projetos didtico-pedaggicos das escolas em geral, na prtica muitas vezes

    13 http://www.projetoolhovivo.com.br

    14 http://www.ciranda.org.br

    15 http://www.cufa.com.br

    16 http://www.casabrasil.org.br

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    tratado como um acessrio da lngua-linguagem classificada em verbal e no-verbal, ou, na perspectiva de que se trata de uma manifestao variante das artes visuais. O deslocamento entre diretivas e situaes se evidencia ainda mais quando se considera a importncia dada ao cinema como uma mercadoria da indstria cultural contempornea, ou ainda, quando se nos atem ao fato de que grande parte da populao tem na televiso seu principal entretenimento. Fazer cinema, numa compreenso superficial, pode parecer um ato que traduz pouca complexidade. Pode-se supor, a partir do que asseverou Glauber Rocha17 que basta ter uma cmara na mo e uma idia na cabea (BERNARDET, 2007, p. 38), para se fazer um filme. O que, de certo modo, verdadeiro, pois, realmente necessrio que se tenha uma cmara (filmadora) mo, e uma idia (no sentido de tema, assunto ou contedo), mesmo que vaga, para que a partir dela se possa fazer um filme. Mas, Glauber prope bem mais do que pode ser superficialmente detectado em suas palavras como fcil ou simples. A radicalidade da proposta de Glauber Rocha se sustentava por uma complexa gama de aes, e atitudes estticas e polticas, insuspeitadas pela aparncia de facilidade. O que ele propunha era o rompimento com os padres do cinema industrial realizado pelos estdios hollywoodianos com a utilizao de equipamento pesado e caro, e tambm com o star system18, padres esses que ele considerava irreais e inibidores para um verdadeiro cinema brasileiro. Fazer cinema, seja sob a forma de filmes ou vdeos, , de fato, uma prtica que algum minimamente aparelhado (tcnica e tecnologicamente), pode realizar. preciso considerar, entretanto, o sem nmero de implicaes geradas em funo de seus realizadores e sujeitos envolvidos, da tecnologia e tcnica, da situao e momento no qual se processa. Fazer um vdeo domstico de uma festa de aniversrio, ou de um passeio praia com amigos pode parecer bastante distinto de se realizar um filme de fico, um documentrio etnogrfico, ou um vdeo publicitrio, mas, em princpio, trata-se de cinema, de estar produzindo cinema, ou

    17 Cineasta pertencente ao movimento Cinema Novo, que apesar de propor uma viso alternativa hegemonia

    do star system norte-americano, sempre defendeu o cinema de autor, que discutisse, preferencialmente, a prpria especificidade da linguagem cinematogrfica, preservando seu carter artstico. Para ver mais: http://paulo-v.sites.uol.com.br/cinema/cinemanovo.htm.

    18 Produo encabeadas por atores de renome (astros ou estrelas) com fins a atrair o maior pblico possvel.

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    seja, de aes que na prtica produzem filmes, vdeos ou audiovisuais, mesmo que aparentemente se diferenciem por determinadas intenes objetivas ou subjetivas. Filmes domsticos, profissionais, didticos, ficcionais, etnogrficos, ou publicitrios, no constituem, necessariamente, oposies; so antes refraes e reflexos (BAKHTIN, 1992) em um tema, pontos situados num determinado contexto. De sada, possvel perceber que as idias so muitas, tantas quantas forem as cabeas, e que, se a cmara muda facilmente de mo, tambm muito facilmente produz resultados distintos, uma vez que, a inteno , de fato, diferenciada e diferenciadora. Cada prtica traz consigo motivaes dependentes dos sujeitos e do contexto da ao, em resposta s quais se produzem objetos culturais, no caso, audiovisuais. Cada sujeito envolvido desempenha um papel, e se prepara diferentemente para atuar em conformidade com suas demandas. So, portanto, prticas diferenciadas, cujas intenes so necessariamente ponderadas quando tratadas terica e academicamente no mbito da cincia, da arte, ou da cultura. Assim, encontra-se um nmero bastante expressivo de pessoas fazendo filmes e vdeos, nos mais diferentes lugares, com intenes e resultados inimaginveis. Fazer cinema deixou de ser uma prtica elitizada e passou a ser praticada em locais antes impensveis. Se fazer filmes pode parecer simples, o mesmo no se d com relao sua exibio pblica. As salas de cinema esto a, e ainda se fala em filmes de sucesso comercial, vistos por milhes de espectadores, chamados pblico pagante, mas, a distribuio de um filme continua sendo extremamente dispendiosa, sendo, quase sempre, monopolizada por grandes empresas do setor, restringindo este tipo de exibio ao cinema produzido industrialmente. As produes alternativas encontram espao para exibio e veiculao de seus filmes e vdeos em cineclubes e sites da Internet, o que minimiza enormemente os investimentos em distribuio. Sites como o YOUTUBE19 so cada vez mais numerosos, e, podem-se encontrar cineclubes em organismos pblicos e privados de diversas naturezas.

    19 O youtube um site na internet que permite que seus usurios carreguem, assistam e compartilhem vdeos

    em formato digital.

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    Por estes e por outros motivos possvel encontrar a prtica de fazer cinema em lugares como favelas, associaes culturais, organizaes no governamentais, movimentos polticos, salas de aula, ou em pequenos grupos de cinfilos; seja como uma forma de manifestar opinies, guardar memrias, ou por simples diverso. Constatado este fato, pode-se questionar se todos esses objetos produzidos podem ser chamados filmes, na acepo proposta pelas teorias cinematogrficas, mas, no se pode negar que fazem cinema. Neste panorama, inclui-se a especificidade do estudo proposto por esta pesquisa: a prtica de fazer cinema por um grupo de pessoas que, a partir do contexto de uma escola pblica de Pinhais, decidiu fazer, e tornar pblico, um vdeo-fico (Os coc-rangers, episdio 1) e um vdeo-documentrio (Ottlia: mltiplos olhares), a que se pode chamar genericamente de vdeos ou filmes; configurando duas situaes distintas que se passam num mesmo contexto, cada uma delas possibilitando uma vivncia diferenciada, mediada pela tecnologia. Questiona-se: quem, onde, como e por qu? O que pode significar, social e culturalmente, a prtica de fazer vdeos por, e para, essas pessoas, nessa comunidade em que vivem, e, por extenso, para o todo da sociedade? Esta prtica que, a princpio, no pareceu distinguir-se o suficiente para que se pudesse consider-la um objeto para uma pesquisa acadmica em tecnologia e sociedade, no entanto, a partir de uma anlise mais profunda, deu-se a perceber como uma ao social e cultural bastante complexa; e, indo alm, que somente poderia ser descrita e interpretada se fosse percebida justamente como uma ao simblica, situada, em que se abandonasse a expectativa da generalizao e se mergulhasse em sua densidade particular, principalmente naquilo que se refere multiplicidade de elementos e sujeitos envolvidos na interao interdisciplinar que se produz nesta prtica. O que aqui se prope como estudo identificar algumas evidncias das implicaes produzidas pela prtica de produzir vdeos no Colgio Ottlia, que possibilitem compreender mais profundamente esta situao circunstanciada como um ato cultural complexo e transformador, que, para estas pessoas se constitui numa forma de viver e encontrar significado na vida e no mundo que constroem, incluindo as aes, atitudes, comportamentos, objetos e a linguagem compreendida

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    como todas as formas de sistema de signos. (EDGAR e SEDGWICK, 2003, p. 75). O que ser aprofundado no captulo 3, quando se tratar do vdeo como linguagem. Antes, porm, torna-se necessrio a contextualizao, ainda que incompleta, desta proposio de estudo no escopo bibliogrfico existente com relao ao tema e seus objetivos. Como dito, anteriormente, muitos autores se dedicaram ao estudo do audiovisual, mas apenas um nmero restrito deles tomou como temtica a sua utilizao no mbito educacional, e menos ainda ao fazer como elemento relevante nos processos de ensino-aprendizagem da linguagem.

    1.2 UM ESTADO DA ARTE

    A relao Cinema-Educao tem sido explorada por diversos estudiosos e, mas ainda se encontra certa dificuldade quando se trata de uma bibliografia voltada especificamente para a produo de filmes, ou vdeos. Com a finalidade de estruturar este texto subdividiu-se as obras acessadas at o momento, por este pesquisador, em trs grupos: a) teorias da linguagem do cinema, vdeo e televiso; b) implicaes das tecnologias audiovisuais (em todas as suas dimenses) em diversas esferas (social, cultural, poltica, educacional etc); c) manuais de uso orientado das tecnologias audiovisuais para reas diversas (comunicao, educao, entretenimento etc.). No primeiro grupo encontram-se: A linguagem secreta do cinema (CARRIRE, 1995); Pr-cinemas & ps-cinemas (MACHADO, A., 1997); Fazendo filmes (LUMET, 1998)A forma do filme (EISENSTEIN, 2002a); O sentido do filme (EISENSTEIN, 2002b); As principais teorias do cinema: uma introduo (ANDREW, 2002); Dicionrio terico e crtico de cinema (AUMONT & MARIE, 2003); O discurso cinematogrfico: opacidade e transparncia (XAVIER, 2005); Introduo teoria do cinema (STAM, 2003); O que cinema (BERNARDET, 2006); Prxis do cinema (BURCH, 2006); Brasil em tempo de cinema (BERNARDET, 2007); Pensar la imagen (ZUNZUNEGUI, 2007); referentes teorias da linguagem e histria do audiovisual, notadamente do cinema. Estas obras foram acessadas com fins a construir um aporte terico quanto linguagem cinematogrfica que se adaptasse

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    especificidade educacional, o que demandou adequaes nem sempre satisfatrias em funo das diferenas entre o cinema que se produz profissionalmente e aquele que se pretendia incluir nos processos de ensino-aprendizagem da educao bsica. No segundo, situam-se: Televiso: instrumento de domnio sobre os pensamentos, os sentimentos e a vontade (ROSACRUZ UREA, 1983); Mdia: o segundo deus (SCHWARTZ, 1985); Televiso subliminar: socializando atravs de comunicaes despercebidas (FERRS, 1998); Os exerccios do ver (MARTN-BARBERO, 2004); Cinema, vdeo, Godard (DUBOIS, 2004); A televiso levada srio (MACHADO, A., 2005); Simulacro e poder: uma anlise da mdia (CHAUI, 2006); Crtica da imagem eurocntrica (STAM, 2006); O sujeito na tela: modos de enunciao e no ciberespao (MACHADO, A., 2007), nos quais se buscam elucidar os efeitos que a linguagem audiovisual pode provocar na vida das pessoas, independentemente mesmo de sua conscincia. E, no terceiro grupo, figuram: Cinema e Educao (DE S, 1967); O ensino atravs dos audiovisuais (GIACOMANTONIO, 1981); Grande manual do vdeo (HEDGECOE, 1992); Lectura de imgenes (APARICI & GRACA-MATILLA, 1998); On vdeo (ARMES, 1999); Como usar a televiso na sala de aula (NAPOLITANO, 1999); Novas tecnologias e mediao pedaggica (MORAN, MASETTO & BEHRENS, 2000); A televiso na escola: afinal que pedagogia esta? (ESPERON PORTO, 2000); O cinema e a produo: para quem gosta, faz ou quer fazer cinema (RODRIGUES, 2002); Como usar o cinema na sala de aula (NAPOLITANO, 2003); nos quais se apresentam algumas diretrizes para o uso do audiovisual como um recurso didtico-pedaggico diferenciado, em que se correlacionam Cinema e Educao. Na configurao deste estado da arte, a pesquisa concentra-se na literatura orientada para o mbito educacional, voltada para o trabalho do professor em sala de aula, na qual se encontram as obras referidas, principalmente do terceiro grupo. Nesta bibliografia ficou evidenciado que, com exceo dos manuais de operao, quase todos os autores, exceto Moran, Masetto & Behrens (2000), se orientaram acentuadamente para dois aspectos: a apreciao esttica e a interpretao crtica de obras audiovisuais (cinema, vdeo e televiso), considerando-se suas

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    caractersticas como arte e/ou recurso didtico, donde se podem apreender contedos de diversas disciplinas como uma espcie de experincia no vivida, como o caso da utilizao de filmes em aulas de histria, geografia, ou lngua estrangeira. Dito assim, o filme serve como um exemplo do que tenha sido, ou seja, o fato ou lugar real, no qual no se pode estar por determinadas condies. O que pode ser exemplificado nas colocaes de Napolitano, que aponta para o uso do cinema na sala de aula abordado pelo contedo, pela linguagem ou pela tcnica, trs elementos que esto presentes nos filmes (2008, p. 28); numa articulao como o currculo/contedo, habilidades e conceitos. Ele assim os dispe:

    a) Contedo curricular: os filmes podem ser abordados conforme os temas e contedos curriculares das diversas disciplinas que formam as grades do ensino fundamental e mdio, tanto pblico como particular.

    b) Habilidades e competncias: o trabalho sistemtico e articulado com filmes em salas de aula (e projetos escolares relacionados) ajuda a desenvolver competncias e habilidades diversas, tais como leitura e elaborao de textos; aprimoram a capacidade narrativa e descritiva; decodificam signos e cdigos no-verbais; aperfeioam a criatividade artstica e intelectual; desenvolvem a capacidade de crtica sociocultural e poltico-ideolgica, sobretudo em torno dos tpicos mdia e indstria cultural. Mais especificamente, o aluno pode exercitar a habilidade de aprimorar seu olhar sobre uma das atividades culturais mais importantes do mundo contemporneo, o cinema, e conseqentemente, tornar-se um consumidor de cultura mais crtico e exigente.

    c) Conceitos: os conceitos presentes nos argumentos, nos roteiros e nas situaes direta ou indiretamente relacionadas com os filmes selecionados pelo professor so inumerveis, podendo ser retirados ou inferidos diretamente do contedo flmico em questo ou sugeridos pelos problemas e debates suscitados pelas atividades com cinema em sala de aula e projetos escolares. (2008, p. 18-19).

    Ao reconhecer a importncia do cinema, Napolitano, assim como a maioria dos autores citados, enfatiza sua apreciao e leitura crtica; sublinhando seu potencial como mdia suporte para que as disciplinas possam transmitir seus contedos de forma menos tradicional. Ou seja, o aluno, assim como o prprio professor so vistos como pblico-alvo, negligenciando, em parte, suas posies de sujeitos produtores e criadores.

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    Escapam regra, Moran20, Masetto & Behrens, quando defendem, alm da apreciao e reflexo crtica, a prtica do fazer como elemento fundamental do ensino-aprendizagem da linguagem. Segundo eles: Adquirir habilidade na linguagem significa ter, ao mesmo tempo, adquirido a lgica e a sintaxe que esto inseridas nessa linguagem (2000, p. 19), e que para tanto necessrio tanto a reflexo quanto a ao, a experincia e a conceituao, a teoria e a prtica, quando ambas alimentam-se mutuamente. (2000, p.23). Eles chamam ateno para o poder da linguagem audiovisual, dizendo:

    A fora da linguagem audiovisual est no fato de ela conseguir dizer muito mais do que captamos, de ela chegar simultaneamente por muitos mais caminhos do que conscientemente percebemos e de encontrar dentro de ns uma repercusso em imagens bsicas, centrais, simblicas, arquetpicas, com as quais nos identificamos ou que se relacionam conosco de alguma forma. uma comunicao poderosa, como nunca tivemos na histria da humanidade, e as novas tecnologias de multimdia e realidade virtual s esto tornando esse processo de simulao muito mais exacerbado, explorando-o at limites inimaginveis. (MORAN, MASETTO & BEHRENS, 2000, p. 34-35).

    Ao elencar propostas de utilizao da televiso e do vdeo na educao escolar, descrevem mltiplas atividades possveis de serem realizadas e afirmam seu papel de mediao primordial do mundo. Consideram inadequados os usos do vdeo em aula como uma forma de tapar buracos ou da exibio pura e simples, sem que se faa a partir disso uma reflexo crtica, mas, o que se destaca sua proposio do vdeo como produo. (MORAN, MASETTO & BEHRENS, 2000). Em seu artigo O vdeo na sala de aula, Moran enumera algumas de suas possibilidades de utilizao, pensadas em trs momentos:

    a) Como documentao, registro de eventos, aulas, estudos do meio, experincias, entrevistas, depoimentos. Isto facilita o trabalho do professor, dos alunos e dos futuros alunos. O professor deve poder documentar o que mais importante para o seu trabalho, ter o seu prprio material de vdeo, assim como tem os seus livros e apostilas para preparar as suas aulas. O professor estar atento para gravar o material audiovisual mais utilizado, para no depender sempre do emprstimo ou aluguel dos mesmos programas.

    b) Como interveno: interferir, modificar um determinado programa, um material audiovisual, acrescentando uma nova trilha sonora ou editando o material de forma compacta ou introduzindo novas cenas com novos

    20 Para ver mais: http://www.eca.usp.br/prof/moran.

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    significados. O professor precisa perder o medo, o respeito ao vdeo, assim como ele interfere num texto escrito, modificando-o, acrescentando novos dados, novas interpretaes, contextos mais prximos do aluno.

    c) Como expresso, como nova forma de comunicao, adaptada sensibilidade principalmente das crianas e dos jovens. As crianas adoram fazer vdeo e a escola precisa incentivar ao mximo a produo de pesquisas em vdeo pelos alunos. A produo em vdeo tem uma dimenso moderna, ldica. Moderna, como um meio contemporneo, novo e que integra linguagens. Ldica, pela miniaturizao da cmera, que permite brincar com a realidade, lev-la junto para qualquer lugar. Filmar uma das experincias mais envolventes tanto para as crianas como para os adultos. Os alunos podem ser incentivados a produzir dentro de uma determinada matria, ou dentro de um trabalho interdisciplinar. E tambm produzir programas informativos, feitos por eles mesmos e coloc-los em lugares visveis dentro da escola e em horrios em que muitas crianas possam assistir a eles. (MORAN, 1995, p. 27-35).

    Ele aborda ainda a utilizao do vdeo como forma de realizar avaliaes diferenciadas do processo de ensino-aprendizagem, da atuao de alunos e professores, na possibilidade do ver-a-si-mesmo, e partir deste ato descobrir o prprio corpo, gestos e comportamentos, e assim proceder auto-anlise de seus processos comunicativos com vistas a, se julgado necessrio, modific-los. Enfim, mesmo nas proposies de Moran (1995) no se encontra muito incentivo a que se utilize o fazer vdeos (cinema) como forma de mergulhar na construo simblica, na ao prtica como manifestao cultural. justamente nesta lacuna que esta pesquisa pretende se inserir, como forma de contribuir na ampliao desta reflexo, acreditando-se que o aprendizado de uma linguagem se d com mais propriedade quando se aprende a produzi-la utilizando-se de seus cdigos e tecnologias. Em resumo, o que se prope evidenciar atravs desta pesquisa : por que essas pessoas fazem filmes a partir do contexto de uma instituio educacional pblica; e, como se d esta prtica nestas circunstncias, como resolvem os impasses e administram as implicaes conseqentes desta prtica? E, alm disso, de que modo est prtica contribui para a construo simblica de suas identidades e da cultura na qual esto imersos e da qual emergem? A partir destas indagaes, pretende-se constatar que a prtica de fazer vdeos no contexto escolar pode contribuir para a aprendizagem orgnica de conceitos que alteram o estado de conscincia dos sujeitos envolvidos, no sentido

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    de se perceberem como atores e autores histricos e culturais da sociedade em que vivem. Estas questes apontam para um estudo de caso (YIN, 2005) e, ao mesmo tempo, apresentam caractersticas de um contnuo biogrfico etnogrfico (JOHNSON, CHAMBERS, RAGHURAM & TINCKNELL, 2006, p. 201-224), ou ainda, de uma etnologia (GEERTZ, 1989); particularidades que demandam posturas diferenciadas, na busca de inserir-se nos estudos da cultura.

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    2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    2.1 UM ESTUDO DE CASO

    A princpio, concebe-se este estudo como sendo uma pesquisa qualitativa emprica, por tratar-se de uma interveno prtica, mesmo que em pequena escala, no mundo real e um exame focado nas implicaes desta interveno. Porm, j de pronto define-se tratar de um estudo de caso, por perceb-lo, seguindo o proposto por Yin, como sendo uma investigao emprica que investiga um fenmeno contemporneo dentro de seu contexto da vida real (2005, p.32). , ao mesmo tempo, uma pesquisa colaborativa, por tratar-se de uma ao prtica coletiva em que os envolvidos, incluindo-se o pesquisador como partcipe, realizam diversas atividades muitas vezes indiferenciadas, ou no-hierarquizadas, comportando-se como parceiros de um mesmo projeto; uma pesquisa participativa, pois todos que dela fizeram parte atuaram de modo a que fosse realizada segundo seus objetivos propostos. Ocorreu, sob uma determinao de tempo e local, sendo, portanto, uma ao situada, uma prtica real e histrica, visando, posteriormente, se transformar em literatura. Esta transposio alterou-lhe as configuraes no seu desenrolar por ser auto-avaliativa, uma vez que um de seus objetivos fundamentais foi o de se auto-analisar criticamente, durante o transcorrer, e, a partir das observaes e crticas construdas a propsito e concomitantemente, transformar a prtica em si mesma. Nesta pesquisa partiu-se do princpio que a prtica de fazer vdeos pode funcionar como um instrumento de avaliao contnuo e permanente, construtor de diagnsticos e proposies, nem sempre novas, mas visando de algum modo, aprimorar a prpria prtica. Sendo um estudo de caso, no se pretendeu realizar uma pesquisa aplicada, o que deve ser ressaltado, para que no se confunda o estudo em questo com uma pesquisa destinada implantao de uma nova tecnologia no campo educacional, por exemplo, ou ainda, de uma anlise do comportamento de determinados estudantes quanto utilizao de uma nova tcnica, que possa, ou no, alterar o

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    seu desempenho e rendimento. Nesta contraposio, sustenta-se a tendncia em ser considerada como um hbrido de etnografia e autobiografia, por focar uma prtica especfica, numa situao especfica e contar com a participao ativa do pesquisador, como membro, parceiro e integrante, ou seja, bem mais que um simples observador, com relatos da prpria experincia, o que de certa forma constri um contnuo autobiogrfico-etnogrfico(JOHNSON et AL., 2006), numa perspectiva mais aberta e prxima dos argumentos que colocam esta pesquisa no mbito dos estudos da cultura; aproximando-se, em certo sentido, dos Estudos Culturais, atravs de alguns de seus pensadores, principalmente, Raymond Williams, Stuart Hall, Richard Johnson e Howard S. Becker. Reconhece-se e nega-se tratar-se do estudo de caso de uma disciplina em particular, ou de um mtodo de ensino-aprendizagem formal, em que se investigue como as coisas devem ou podem ser feitas, como num teste de operacionalidade de tcnicas ou recursos didticos, mais ou menos eficazes para uma determinada atividade educacional. Pressupe-se que a experincia particularizada deste caso em estudo poder servir como base para se pensar outras possibilidades e situaes, e perceber diferenas e similitudes; mas que, no entanto, se considere sempre o fato de que sero situaes distintas, nas quais os indivduos envolvidos, por algum motivo, se associaram e decidiram desenvolver uma ao prtica (fazer vdeos), em funo de objetivos particularizados num contexto cultural abrangente, do que ningum est imune, ou isolado. Extrapolando um pouco mais o sentido etnogrfico, pode-se inferir a tendncia, deste caso, etnologia proposta por Geertz (1989), uma vez que o objetivo interpretar o conhecimento que foi produzido atravs da prtica em estudo, o que demanda uma descrio densa, em que se procure entender a complexidade dos dados em sua significao. Pode-se concluir, assim, que h, de fato, um caso a ser estudado. E que seu estudo relevante. E que, atravs deste estudo, ser possvel interpretar as implicaes que a prtica de fazer vdeos por um coletivo de pessoas, no mbito de uma escola pblica, pode gerar na prpria concepo de existncia destas pessoas.

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    Afinal, qual o sentido desta prtica, neste contexto peculiar? Que significaes so produzidas a partir da intersubjetividade que emerge nas relaes, afetivas e culturais, entre estas pessoas e organismos que se constituem por afinidade ou a propsito de; e de que modo elas atuam sobre o cotidiano dos envolvidos? Que modos de agir so reproduzidos, ou rompidos, ou ainda, transformados, a partir da prtica de fazer vdeos nesta localidade? A busca por respostas para questes como estas exige uma densidade que por si mesma implica numa interpretao. Assim como o define Yin:

    [...] um estudo de caso uma investigao emprica que: investiga um fenmeno contemporneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenmeno e o contexto no esto claramente definidos. (2005, p.32).

    E ainda:

    A investigao de estudo de caso: enfrenta uma situao tecnicamente nica em que haver muito mais variveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado, baseia-se em vrias fontes de evidncias, com os dados precisando convergir em um formato de tringulo, e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prvio de proposies tericas para conduzir a coleta e a anlise de dados. (ibidem, p. 33).

    Yin enumera cinco aplicaes, no mnimo, como ele diz, para um estudo de caso:

    [...] explicar os supostos vnculos causais em intervenes da vida real que so complexos demais para as estratgias experimentais ou aquelas utilizadas em levantamentos. Na linguagem da avaliao, as explanaes uniriam a implementao do programa com os efeitos do programa (...). Uma segunda aplicao descrever uma interveno e o contexto na vida real em que ela ocorre. Em terceiro lugar, os estudos de caso podem ilustrar certos tpicos dentro de uma avaliao, outra vez de um modo descritivo. A quarta aplicao que a estratgia de estudo de caso pode ser utilizada para explorar aquelas situaes nas quais a interveno que est sendo avaliada no apresenta um conjunto simples e claro de resultados. Em quinto lugar, o estudo de caso pode ser uma meta-avaliao - o estudo de um estudo de avaliao (Smith, 1990; Stake, 1986). (ibidem, p. 34-35).

    A partir dessas proposies, conclui-se que este um estudo de caso nico incorporado, por se constituir de um s contexto no qual se podem delimitar

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    mltiplas unidades de anlise. No se trata de um estudo piloto ou de um ps-teste, mas, de uma experincia vivida, em processo, que j vinha, e continua, ocorrendo. No , portanto, um experimento laboratorial confinado. Assim sendo, pode ser definido por seu carter exploratrio, por investigar as condies preliminares que analisadas indicaro a pertinncia de seu estudo; como um estudo descritivo, por se constituir num relato de aes situadas em funo de uma determinada cotidianidade, na qual se inscreve a prpria prtica descrita; e, tambm, como um estudo analtico, ao propor a problematizao de um objeto a prtica fazer vdeos numa escola pblica de bairro, em que se confrontam a experincia vivida na prtica e algumas teorias, buscando conferir-lhe suporte e abordagem cientfica. Enfatiza a interpretao de contextos interpolados, considerando-se inter-relaes - os comportamentos e interaes dos envolvidos na prtica em questo, orientadas no sentido de desenvolver a atividade de fazer cinema, como objeto, em funo do qual se desenvolveram mltiplas aes. Yin considera, em suas proposies, cinco componentes de um estudo de caso: as questes do estudo; suas proposies; sua(s) unidade(s) de anlise; a lgica que une os dados s proposies; e, os critrios para interpretar as constataes (2005, p. 42); o que deve atender a todo e qualquer projeto de pesquisa. Em hiptese, infere-se que tal prtica ocorreu em funo de que estas pessoas foram motivadas pelo desejo de reconhecimento; pelo interesse provocado pela propaganda veiculada por determinadas organizaes scio-culturais; e, pela tomada de posio crtica em relao a determinadas estruturas de poder representadas por aquilo que tomam como temtica para a pardia e a caricatura, a forma do discurso que estas pessoas tomaram como opo para representar seus pensamentos e intenes neste contexto. As unidades de anlise, neste caso, so compostas tanto por indivduos isolados quanto por organismos sociais, grupos de pessoas constitudos com o propsito de produzir objetos culturais atravs de determinadas prticas. Ressalve-se, entretanto, que alguns dos integrantes (participantes), ao desempenharem papis especficos, tanto na constituio do grupo quanto na ao realizada, se destacam em funo de sua tomada de posio na diviso do trabalho, traduzida

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    pela competncia e afinidades pessoais, e constituem uma unidade de anlise especfica. Deste modo, as unidades de anlise so plurais e variadas: indivduos, representativos, entre os quais se inclui o pesquisador como participante ativo na prtica pesquisada, a organizaes sociais com estruturaes distintas grupos formados por afinidade e uma instituio educacional pblica. Assim, definidas as unidades de anlise, deve-se ainda elencar as evidncias que podero ser coletadas a partir delas e de que modo se ligam s proposies iniciais. No h inteno de comparar as motivaes e modos de realizar tal prtica com o que, por ventura, possa ter sido realizado por outros grupos, ou mesmo com determinados padres de comportamento j antes considerados em outras pesquisas. A inteno, deste trabalho, explanar, descrever e elucidar algumas condies em que se d tal prtica, no intuito de compreender as implicaes que a interao entre humanos e tecnologias pode vir a acarretar para estes seres humanos; inteno concebida de modo a poder se beneficiar desta compreenso nos processos educativos de construo performativa de sujeitos subjetivos, sociais, histricos e culturais (VYGOTSKY, 1984). Os critrios para a interpretao das constataes esto fundados na atribuio de sujeitos e nas condies de realizao da referida prtica, como um caso nico, evitando as comparaes com outras propostas, uma vez que cada uma delas se d em circunstncias bastante especficas. Trata-se, portanto, de uma interpretao fundada na especificidade da situao e circunstncias em que a prtica se desenvolveu. As evidncias so descritas por Yin, como as mais comumente utilizadas na realizao de estudos de caso: documentao, registros em arquivos, entrevistas, observao direta, observao participante e artefatos fsicos. (...) - incluindo filmes, fotografias, vdeotapes; tcnicas projetivas e testes psicolgicos; proxmica21; cinsica22; etnografia de rua, e histrias de vida (MARSHALL & ROSSMAN, apud YIN, 2005, p. 111-112). Com o que se pode concordar, sem que, contudo, se utilize de todas as seis categorias de evidncias. Para o caso especfico em questo,

    21 N. de T. Estudo dos aspectos culturais, comportamentais e sociolgicos do espao fsico entre os indivduos.

    22 N. de T. Estudo do movimento corporal no verbal na comunicao.

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    alguns fatores foram considerados, entre eles a disponibilidade de documentos capazes de delimitar um campo de estudos pertinente e legtimo. As evidncias foram assim agrupadas, quanto a cada uma das unidades de anlise configuradas pela situao da pesquisa: a) O contexto: Colgio Estadual Professora Ottlia Homero da Silva, uma escola pblica de ensino fundamental e mdio; b) Os grupos Gordo & Lapi Produes e Camlia, participantes realizadores da prtica; c) Os sujeitos em seus papis destacados; d) A prtica: fazer vdeos. A partir dessa classificao, foram coletados dados utilizando-se as seguintes fontes de evidncias, considerando-se como unidade primordial, a prtica de fazer filmes, e ainda, seguindo as indicaes de Yin (2005): a) Documentos: Os documentos, principalmente, associados ao carter institucional escolar pblico, tm como funo delimitar um campo territorial, digamos, geopoltico e social, de modo a construir um contexto cultural situado. Considerou-se neste parmetro os documentos oficiais, orientados e geridos pelas polticas pblicas de governo; b) Registros em arquivo: Assim como os documentos escritos, funcionam de forma a situar a prtica geogrfica e historicamente, se compondo de outros meios: fotografias e vdeos. Neste caso, se dividindo em duas categorias: as fotos e vdeos realizados antes e durante a realizao desta pesquisa; c) Entrevistas espontneas: Compostas por relatos de membros da comunidade envolvida no projeto de forma a produzir uma reconstituio mais profunda, e subjetiva, dos fatos e eventos, em complementao aos documentos e registros em arquivo, com o objetivo de conferir-lhe unicidade e, ao mesmo tempo, multiplicidade de vises, e perspectivas de anlise; d) Entrevistas focais: A viso particularizada de determinados sujeitos da prtica, seus papis

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    dentro da situao em que a atividade se desenvolve. O foco, aqui compreendido, trata-se de indivduos que ocupam determinadas posies de sujeito, e por isso, orientam suas falas a partir de uma representao que exercem, e ao mesmo tempo, fazem de si; e) Entrevistas e levantamentos estruturados: Questionrios de recepo com o objetivo de avaliar possveis causas e efeitos de uma determinada ao, no caso, a produo de um documentrio experimental/institucional (melhor detalhado frente), e: Quadros sociomtricos evidncias que indiquem um determinado estado social, o suficiente para permitir que se percebam algumas relaes entre os indivduos e os recursos que lhes possibilitam ter acesso linguagem, tecnologia e a cincia do audiovisual, objeto desta pesquisa; f) Observaes (direta e participante): Notas tomadas pelo pesquisador, ou auxiliares, que permitam reconstruir o encadeamento das evidncias coletadas segundo as suas fontes, no sentido de vincul-las prtica de fazer filmes; compondo-se de um dirio de bordo23, e do registro fotogrfico das atividades desenvolvidas, algo como um making off24 da prpria pesquisa; e, g) Desdobramentos: Atividades e projetos desenvolvidos aps a realizao da pesquisa que evidenciem quaisquer implicaes geradas (ou motivadas) pela prpria prtica da pesquisa; bem como possveis efeitos de receptividade por parte da prpria escola (contexto da pesquisa) e outros organismos a ela relacionados. De acordo com Yin (2005), a coleta de evidncias deve se orientar por trs princpios: utilizar vrias fontes de evidncia (p. 125); criar um banco de dados para o estudo de caso (p. 129); e, manter o encadeamento de evidncias (p. 133), o que foi contemplado, de certa forma, pelos mecanismos dispostos para este trabalho.

    23 Conjunto de relatrios e anotaes realizadas pelo pesquisador, durante a pesquisa em processo.

    24 Nome que se d ao registro das aes de bastidores do ato de se fazer um filme ou realizar um evento, por

    exemplo.

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    Indo alm, torna-se relevante elucidar determinados aspectos sobre a deciso de utilizar a nomeao dos sujeitos da pesquisa no discurso acadmico adotado para esta dissertao, fato que se deu, fundamentalmente, em funo da abordagem tomada a partir dos Estudos Culturais.

    2.2 IDENTIFICANDO OS SUJEITOS DA PESQUISA

    A identificao dos sujeitos na pesquisa cientfica tem sido tratada com relativo cuidado, sugerindo-se, quase sempre, a sua no-nomeao explcita, o que, algumas vezes, torna o texto acadmico quase que um sujeito de si mesmo, isto , um sujeito que existe em funo do objeto de estudo que relata, mesmo que com isso se pretenda respeitar e garantir o sigilo tico das fontes A busca da objetividade associada a questes de ordem tica orientam uma retrica institucional em que as vozes acabam por perder seus sujeitos em funo de uma voz nica, e autorizada, cujo efeito principal faz parecer que o discurso acadmico monofnico. Esta pretensa monofonia seria a voz da prpria cincia, ou da academia, que instituindo normas de nomeao a priori interditam a subjetividade e se justificam pelo conceito tico que garante a privacidade da fonte. Mesmo as teorias lingsticas de Bakhtin (1997) contestam a unicidade do sujeito do discurso, apontando para um sujeito mltiplo, cuja fala e voz so tambm a fala e voz de sujeitos outros. Assim, no h um discurso acadmico fechado, uma vez que todo discurso se constri dialogicamente. Neste trabalho, optou-se por identificar os sujeitos (sejam eles indivduos ou organismos sociais), isto em funo de alguns pontos considerados fundamentais:

    a) Um dos principais objetos considerados como evidncia para o estudo constitudo por um documentrio, no qual j se encontram identificados todos os elementos da pesquisa: a localizao geogrfica, a instituio escolar, os organismos sociais representados pelos grupos e os indivduos membros e partcipes de todo o processo, donde se depreende que identific-los no corpo da dissertao um ato de simples coerncia;

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    b) Indo um pouco alm, infere-se que se trata de um reconhecimento ao engajamento pessoal de todos os participantes para a realizao da pesquisa, que por tratar-se de uma prtica determinada envolveu sujeitos distintos e no personagens genricos; e,

    c) Por esta pesquisa pretender localizar-se no escopo dos estudos da cultura, orientada fundamentalmente por autores ligados aos Estudos Culturais, defende-se a idia de que a nominao faz parte de um conjunto de elementos que reivindicam uma clara tomada de posio dos sujeitos engajados n