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“FAZER A PONTE”

Fazer a Ponte

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  • FAZER A PONTE

  • FAZER A PONTE(Projecto da Escola n 1 da Ponte, Vila das Aves)

    Em 1976, era preciso repensar a escola toda, p-la emcausa. A que existia no funcionava. Os professoresprecisavam mais de interrogaes do que de certezas. Nummodo de agir no-acomodado, na modificao doentendimento do que uma escola e na sua reinveno seinvestiriam os ltimos vinte anos.

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  • NDICENDICE................................................................................................................................................3SITUAO QUE DEU ORIGEM AO PROJECTO..........................................................................4

    Na organizao da escola......................................................................................................4Os professores.........................................................................................................4As crianas..............................................................................................................4

    Na relao com os encarregados de educao......................................................................5Na relao com a autarquia e instituies locais .................................................................6

    OBJECTIVOS Iniciais, ou definidos nos momentos de reformulao do projecto........................ 7Na organizao da escola......................................................................................................7Na relao com os encarregados de educao, autarquia e instituies locais.................... 7

    ESTRATGIAS, ACTIVIDADES E METODOLOGIAS UTILIZADAS........................................8Na organizao da escola......................................................................................................8

    O edifcio.................................................................................................................8As pessoas...............................................................................................................8Como se aprende e se ajuda a aprender na Escola da Ponte..................................9A avaliao sempre uma oportunidade de aprender..........................................11O primeiro dos valores a solidariedade..............................................................14Uma Assembleia de toda a escola.........................................................................15

    Na relao com os encarregados de educao....................................................................16Na relao com a autarquia e instituies locais ...............................................................17

    PROCESSO DE AVALIAO RESULTADOS OBTIDOS E PRODUTOS..............................18NOTA FINAL...................................................................................................................................21

    Limites.................................................................................................................................21ANEXOS...........................................................................................................................................24

    Caracterizao da escola.....................................................................................................24A Associao de pais como recurso indispensvel ao projecto..........................................25Perfil geogrfico, histrico e poltico do meio....................................................................26A populao.........................................................................................................................28Natalidade e mortalidade....................................................................................................29Quadro de Instruo Bsica".............................................................................................31Ocupao dos tempos livres................................................................................................32Condies scio-econmicas familiares.............................................................................33O trabalho em escolas de rea-aberta" tipo P3................................................................37Sobre formao contnua.....................................................................................................43Sobre mudana....................................................................................................................45Sobre a coordenao do projecto.........................................................................................48Sobre autonomia..................................................................................................................49Sobre projecto......................................................................................................................50Sobre monodocncia e a descoberta de dificuldades de ensino...................................... 52Sobre a permanncia e da sua impossibilidade por via do sistema de colocaes..........55Sobre a necessidade de uma investigao na aco............................................................56

    BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................................58

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  • SITUAO QUE DEU ORIGEM AO PROJECTO

    No poderemos falar de uma situao, mas de um conjunto de situaesinterligadas que, em 1976 e nos anos subsequentes provocaram interrogaes emudana na organizao da escola, na relao entre a escola e os encarregadosde educao dos alunos e nas relaes estabelecidas com diferentes instituieslocais.

    Na organizao da escola

    Os professoresUm dos maiores bices ao desenvolvimento de projectos educativos consistiana prtica de uma monodocncia redutora que remetia os professores para oisolamento de espaos e tempos justapostos, entregues a si prprios e crenanuma especializao generalista.O isolamento fsico e psicolgico do professor do ensino primrio foi semprefactor de insegurana e individualismo. O exerccio da monodocncia remeteuo professor primrio para o refgio da sua sala com os seus alunos, o seumtodo, os seus manuais, a sua falsa competncia multidisciplinar. Entregue asi prprio e a uma especializao generalista, o professor primrio pouco ounada aprofunda. Encerrado numa sala, por vezes em horrios diferentes dos deoutros professores, como poder partilhar, comunicar, desenvolver um projectocomum?O ncleo escolar primitivo era constitudo por trs edifcios. O horrio era decurso duplo. Os professores saudavam-se na mudana de turno. Professores dediferentes edifcios no se comunicavam.

    As crianasO trabalho escolar era totalmente centrado no professor, enformado pormanuais iguais para todos, repetio de lies, passividades.Obrigar cada um a ser um outro-igual-a-todos negar a possibilidade de existircomo pessoa livre e consciente. No raras vezes, sob o rtulo e o estigma dadiferena, se priva a criana diferente de experincias que lhe permitiriamganhar conscincia de si como ser social-com-os-outros.

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  • As crianas que chegavam escola com uma cultura diferente da que aprevalecia eram desfavorecidas pelo no reconhecimento da sua experinciascio-cultural. O primeiro momento da inverso do conceito de handicapcultural seria, portanto, a considerao da sua experincia anterior comosignificativa e vlida. No esquecamos tambm as culturas marginais quesubsistiam no seio da cultura local. Algumas das crianas que acolhamostransferiam para a vida escolar os problemas sociais dos bairros pobres ondeviviam. Exigiam de ns uma atitude de grande ateno e investimento nodomnio afectivo e emocional.A educao das crianas ditas com necessidades educativas especiaisconstitua mais um problema dentro do problema. A colocao de crianas comnecessidades especficas junto dos ditos normais no era medida suficientepara se fazer o que recentemente se designa por incluso. A incluso no seprocessaria em abstracto, mas passaria por uma gesto diferente de um mesmocurrculo, para que os alunos no interiorizassem incapacidades, para que nose vissem cada vez mais negativamente como alunos e depois como pessoas. H vinte anos, tommos tambm conscincia de novas e maiores dificuldades.Considermos que no passaria de um grave equvoco a ideia de que se poderconstruir uma sociedade de indivduos personalizados, participantes edemocrticos enquanto a escolaridade fosse concebida como um meroadestramento cognitivo. Dez anos antes da publicao da L.B.S.E. assumimosem projecto que incumbe educao o desenvolvimento de valores como o dademocraticidade.

    Na relao com os encarregados de educaoO que existia em 1976 era uma relao individual, que raramente assumiaformas institucionalmente mais organizadas visando uma colaboraopermanente.Aos pais, se eram chamados escola, se pedia castigo para o filho oucontributos para reparaes urgentes. A escola funcionava num velho edifciocontguo a uma lixeira. Nas paredes, cresciam ervas. Os alunos traziam bancosde casa para se sentarem e improvisavam mesas. As poucas carteiras comburaco para o tinteiro ameaavam desfazer-se. O quarto-de-banho, no exterior,estava em runas e no tinha porta. Satisfazer as necessidades biolgicas maiselementares constitua um teste de entre-ajuda: as alunas iam l fora em grupos

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  • de cinco, ou seis, fazia-se a parede e a porta num crculo humano em torno danecessitada e voltava-se para dentro...As crianas passavam as frias no abandono da rua a sonhar com uma praiainacessvel. Para lhes mitigar a fome, os professores serviam-lhes uma canecade leite fervido no fogo que trouxeram de casa. Na primeira vez que se convidou os pais para uma reunio (Outubro de 1976),entre duzentos alunos responderam trs pais ao convite.

    Na relao com a autarquia e instituies locais A corresponsabilizao comunitria seria fundamental para que a escola no sefechasse sobre si-mesma. A escola poderia constituir-se numa primeiraplataforma de igualdade de oportunidades estimulando a participao dediferentes agentes educativos. Mas reinava uma indiferena absoluta.A experincia levou-nos a concluir que apenas seria vivel uma interacovalorizadora do processo educativo, se a escola se apresentasse sem mistriosinstitucionais, ou prerrogativas de domnio. A prtica diz-nos, ainda hoje, queos pais tm dificuldade em conceber uma escola diferente daquela quefrequentaram quando alunos mas que, quando esclarecidos e conscientes,aderem e colaboram.

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  • OBJECTIVOS Iniciais, ou definidos nos momentos dereformulao do projecto

    Na organizao da escola

    Concretizar uma efectiva diversificao das aprendizagens tendo por refernciauma poltica de direitos humanos que garanta as mesmas oportunidadeseducacionais e de realizao pessoal a todos os cidados, diferentes ou no,para que o bem estar de uns no se realize em detrimento do de outros. Promover nos diversos contextos em que decorrem os processos formativosuma solidariedade activa e uma participao responsvel.

    Na relao com os encarregados de educao, autarquia einstituies locais

    Operar transformaes nas estruturas de comunicao, pela intensificao dasinteraces entre agentes educativos.A essncia do nosso projecto a ideia de que o sucesso dos nossos alunosdepende da solidariedade exercida no seio de equipas educativas locais, quefacilita a compreenso e a resoluo de problemas comuns.

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  • ESTRATGIAS, ACTIVIDADES E METODOLOGIASUTILIZADAS

    Na organizao da escola

    O edifcio

    So decisivos os modos como se aprende, os contextos onde se aprende. Adiversificao de espaos propiciada pelas escolas "P3" privilegia acomunicao, liberta a criana da rigidez de espaos e mobilirio tradicionais,encoraja a comunicao entre alunos e professores E a resultante do trabalhoem equipa estimula nas crianas a multiplicao dos contactos pessoais. Porisso, fizemos construir, em 1984, uma escola de rea-aberta, que substituiu ovelho edifcio inaugurado no consulado de Sidnio Pais.A rede de interaces que agora, quotidianamente, se estabelece favoreceprocessos de socializao ausentes de outros contextos onde a comunicao mais condicionada. Assenta na comunicao a transformao do aluno num sersocial que confronta experincias de vida e as re-elabora.

    As pessoas

    Ainda que ao primeiro ciclo o decreto da autonomia (43/89) no se aplique,nele se explicita que a autonomia da escola se concretiza atravs da elaboraoe desenvolvimento de "um projecto educativo prprio". Apesar dos limites autonomia que esta situao nos coloca, reconhecemos na criana em situaode aluno o direito a oportunidades educativas que promovam o seu plenodesenvolvimento. Na perspectiva de uma escola no-uniformizadora,institumos dispositivos promotores de uma autonomia responsvel e solidria.Nesta perspectiva, a criana age como participante de um projecto em queaprende a ser autnoma-com-os-outros. No educamos apenas para aautonomia, mas atravs da autonomia, nas margens de uma liberdade possvelmatizada pela exigncia da responsabilidade.Sem prejuzo de uma relao privilegiada de cada professor com determinadogrupo de alunos, mas para obstar aos limites de uma monodocnciaredutoramente assumida, o ensino baseado no professor isolado na sua sala,

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  • com os seus alunos, o seu projecto e as suas certezas e rotinas dever serquestionado. Questionmos a monodocncia quando esta se ops a que todosos professores e alunos em qualquer momento se encontrassem, seconhecessem e mutuamente se ajudassem. Desde h muitos anos, todos osprofessores so professores de todos os alunos e todos os alunos so alunos detodos os professores.Na Ponte, todos os professores podem interagir, comunicar, conhecer todos osalunos, em qualquer momento. Aceitam o questionamento das suas prticasporque se apoiam mutuamente. E no se trata apenas da considerao de umaintensa relao inter-individual, trata-se da recriao de uma memria colectivaque se estrutura, reformula e afirma. A descoberta de valores comuns permitepercorrer um itinerrio comum, que refora vnculos afectivos e gerador deum intenso sentimento de pertena.

    Como se aprende e se ajuda a aprender na Escola da Ponte

    Ser professor na escola da Ponte significa proporcionar s crianas acompreenso do "porqu" e "para qu" do seu esforo, implic-las numprocesso de auto-formao. Significa sobrevalorizar a reflexo e a capacidadede anlise crtica, reforar a componente de investigao, de modo a incentivarnas crianas hbitos de permanente procura.

    um erro pautar o ritmo dos alunos pelo do professor ou pelo ritmo de ummanual. Cada aluno nico, irrepetvel. Por isso, no h um professor paracada turma, no h manuais iguais para todos, no h classes, nem umadistribuio de alunos por anos de escolaridade. Os grupos refazem-se sempreque novos projectos surgem.

    A artificialidade da sub-diviso do primeiro ciclo em quatro anos deescolaridade substituda pelo trabalho em grupos heterogneos, flexveis,dotados de permanente mobilidade. So grupos abertos, constitudos por umnmero varivel de alunos e apoiados por mais que um professor. A suacomposio mantm-se apenas no tempo necessrio para a concretizao deobjectivos pontuais.

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  • Os critrios de reorganizao dos grupos no so referenciveis apenas aorendimento, ao domnio de competncias, a expectativas, ou a objectivosinstrumentais. Decorrem das avaliaes que precedem os momentos dereorganizao. O tempo e o esforo j dispendidos aconselham que, paraconcretizar a diversidade, se interpele as ortodoxias metodolgicas. Por vezes,a evoluo dos grupos produz objectivos imprevistos...

    Dentro de cada grupo, a gesto dos tempos e espaos permite: momentos detrabalho em pequeno grupo, momentos de participao no colectivo, momentosde "ensino mtuo", momentos de trabalho individual.Os alunos gerem, quase em total autonomia, os tempos e os espaoseducativos. Escolhem o que querem estudar e com quem querem estudar. Nummesmo instante, um aluno pode dirigir-se biblioteca para recolher informao,outro poder encontrar com um grupo na oficina de expresso plstica,enquanto outro poder estar no cantinho da informtica a fazer um texto ou arever textos de outros colegas para fazer o jornal.

    A trabalhar individualmente, ou em grupo, as crianas funcionam como umtodo com um propsito de projecto. Quando pretendem estudar com umprofessor, pedem-lhe ajuda. Formalmente, pela inscrio num cartaz encimadopela frase "Preciso de ajuda em..." Informalmente, pelo erguer do brao, oupor sinais cmplices. E acontece ensino, quase sempre em pequeno grupo. Nosem que, antes, diga o que quer saber, o que j sabe e o que j fez paraaprender.

    As dvidas a que os momentos de pesquisa no logram dar resposta cabal soresolvidas no recurso ao encontro com o professor, em pequeno grupo. O alunoformula, por escrito, um pedido de colaborao, no qual explicita as razes,podendo indicar quais as tentativas de resposta j realizadas. Trata-se de ummomento (mais um) de consciencializao das dificuldades e da complexidadedos temas em estudo. Obsta a dissertaes extemporneas perante o colectivo-turma, em que coexistem diferentes nveis de receptividade informao, ou deapreenso do discurso. S participa do encontro que o deseja e o explicita. Noparticipa aquele que no precisa, julga no precisar, ou no dispe de requisitosde acompanhamento do debate. Sem rigidez, o professor dirige-se a um grupo

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  • restrito de alunos, cuja especificidade da procura justifica o encontro. E spergunta quem sabe o que quer saber.

    Para que sejam desenvolvidas atitudes de autonomia, cooperao,solidariedade, responsabilidade, participao (...), a organizao do trabalhoescolar no pode manter-se subordinada lgica de um ensino baseado noprofessor isolado numa classe tradicional. A organizao centra-se naaprendizagem, utiliza meios que facilitam a apropriao dos conhecimentos aomesmo tempo que fomenta a criao colectiva em pequenos grupos.

    O centro do espao comum da escola de "rea aberta" foi ocupado pelabiblioteca, local de encontro e de procura de informao. Esta biblioteca foiconstituda com coleces temticas, manuais oferecidos pelas editoras,gramticas, pronturios, dicionrios, jornais, revistas, roteiros, lbuns, etc.Recorre-se, por vezes, s bibliotecas da autarquia, de familiares, de vizinhos,ou de associaes locais. E, como evidente, os professores so tambm umafonte permanente de informao, segurana, interrogaes, afectos...

    Educar mais do que preparar alunos para fazer exames, mais do que fazerdecorar a tabuada, mais do que saber papaguear ou aplicar frmulasmatemticas. ajudar as crianas a entenderem o mundo e a realizarem-secomo pessoas, muito para alm do tempo de escolarizao. Mesmo em auladirecta (como os alunos a designam), o professor dever implicar as crianasno esforo da compreenso dos "porqus" e "para qu", num processo de auto-formao que valorize a reflexo crtica e capacidade de anlise, deve provocarsituaes de pesquisa que incentivem atitudes de procura permanente.

    A avaliao sempre uma oportunidade de aprender

    Tendo a avaliao um carcter contnuo e sistemtico e por ser indispensvelcontemplar o ritmo de cada aluno, a nossa avaliao tem por marco dereferncia o ciclo e nunca o ano de escolaridade. Cada criana um ser nicoe irrepetvel, no h dois alunos com idntico itinerrio de aprendizagem, improvvel a coincidncia de nveis de desenvolvimento nas diversas reas do

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  • domnio cognitivo, do atitudinal, no desenvolvimento de destrezas como no dascompetncias.

    Ser mais til prevenir, que consumar retenes. Por isso, nesta escola, todosos momentos de avaliao so entendidos como oportunidades deaprendizagem. dada ao aluno a possibilidade de decidir se j capaz, se jsabe. A avaliao tambm acontece quando ele quer.

    Os instrumentos so diversos: O plano, em que cada aluno regista o que pretende saber, de que

    recursos ir servir-se, o que ir fazer, com quem e quando. Diariamente,estabelece comparaes, verifica a concretizao de objectivos, revestratgias, estabelece novas actividades;

    O Relatrio, descrio breve de processos de descoberta;O lbum, recolha crtica de material para arquivo e consulta pela turma;A Colectnea de textos e o Jornal da escola, instrumento de

    divulgao de descobertas;As Bibliografias, instrumentos de apoio a consultas elaborado no incio

    de cada plano quinzenal;A Ficha de auto-avaliao feita com ou sem a presena do professor

    auto-correctiva;O Teste de tems seleccionados pelos alunos elaborado ao longo de um

    qualquer projecto e negociado com os professores, que serve de referncia parao que os alunos chamam de jogo das perguntas;

    O Teste sociomtrico e o Inventrio de atitudes;A Acta redigida pelos alunos aps um debate na assembleia, ou um

    trabalho de grupo, permite comparar opinies e nveis de desenvolvimento e ,simultaneamente, memria e fonte de informao;

    A Comunicao tem a finalidade, como o prprio nome indica, decomunicar descobertas. A comunicao poder ser acompanhada por umsuporte de gravuras, exposies abertas ao meio, ou a colegas, roteiros devisitas, cartazes de registo de observaes, "textos de que gostmos";

    O Quadro de solicitaes, cujos registos incluem dificuldadesencontradas, a definio e a razo de pedidos, a identificao do aluno.Exemplo: "Eu quero falar com o professor, porque fiquei com dvidas quando

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  • estudei os primeiros povos da pennsula. J consultei a biblioteca. Sou oPedro";

    O Registo de disponibilidade, no qual o aluno regista a suadisponibilidade para ajuda de colegas. Por vezes, o aluno que se disponibilizaprepara, por iniciativa prpria, trabalho ajustado ao colega que quer ajudar.

    E tantos outros modos de obter informao (avaliar) sem a maada de s fazere corrigir testes... No final de cada dia, em cinco minutos de silncio possvelcada um dos alunos e dos professores regista as suas impresses sobre otrabalho realizado: compara-se as actividades do plano do dia com asactividades realizadas; diz-se o que se aprendeu e o que ficou por aprender;explica-se por que se fez e no se fez; comenta-se o trabalho feitoindividualmente, em grupo, com os professores, ou no colectivo; critica-se,prope-se, prepara-se tarefas a realizar em casa, entendida a "casa" como todoo espao-tempo da criana fora do tempo lectivo.

    Os alunos podem mesmo emitir juzos sobre a prpria avaliao e esse actopoder ser tambm mais uma oportunidade de avaliao de atitudes:

    "Do que eu no gosto que, s vezes, eu no fao tudo e porto-me male dizer isso na avaliao um bocado chato" (Miguel).

    "Na avaliao contamos o que fazemos e a avaliao faz-nos pensar"(Z)

    "A avaliao que eu fiz neste ano foi melhor porque foi para aprender epara sabermos quem nos ajudou" (Liliana).

    "Se eu no escrevesse a verdade, estava a ser injusta para os meuscolegas" (Ctia).

    " importante porque ns vemos o que fizemos do plano do dia e umaboa ideia para ver do que somos capazes" (Anasa).

    "Faz-nos ter pensamento e sermos pessoas" (Almira)."Acho bem que se tenha feito a assembleia para se resolver os

    problemas que se passam todos os dias na escola, para no serem s osprofessores a resolver. Foi importante ser boa aluna muito tempo, aprenderos grficos e descobrir como sou. Aprendi coisas da vida, que eu no sabiaque existiam. Aprendi a corrigir os meus erros e a minha memria. Relembreicomo se trabalha em liberdade e como se faz a avaliao do trabalho, comose tira as coisas da cabea e se aprende a no copiar. Aprendi a fazer as

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  • coisas com imaginao e a encher uma folha com coisasimportantes."(ngela)

    "Fizemos regras para cumprir. Eu tenho tentado cumprir, mas, svezes, esqueo-me. Aprender uma coisa boa. Eu tive dificuldade emalgumas palavras complicadas que eu no percebia. E no cumpri uma regraque foi de falar baixo. Eu acho que estou a melhorar um pouco em tudo, masso os professores que sabem." (Armindo)

    "Do que eu gostei menos foi de ver as meninas a falar e os meninos apadecer. Acho que h alunos que pem coisas no Tribunal s por vingana.Gostei de trabalhar porque fiz mais amigos. Gostei de termos assembleiapara toda a escola, embora o nmero de perguntas sem pensar aumentassemuito." (Miguel)

    "Acho mal que o Pedro e o Armando no me deixem jogar futebol;deitar po ao lixo, estragar o nosso jardim, roubar ou riscar as coisas dosoutros, no deixarem os pequeninos andarem de baloio e no ter amigos,porque eu no tinha amigos. Acho mal que a Fatinha limpe, ns tornemos aentrar e sujemos tudo outra vez, que haja meninos que no param de falar eque falem sem levantar o dedo. Eu no gostei da ideia de este ano no termosjornal de parede." (Pedro)

    "Proponho que a Assembleia no recuse propostas s por preguia,que se compre duas bolas e se ponha rede nas balizas, que os professoresmudem sempre de uns meninos para os outros, que os aniversrios sejammais bem arranjados, porque seno no sei porque h uma responsvel. preciso que seja mais atenta e no ande sempre area, que os trabalhossejam mais devagar e que no houvesse mais zangas com os colegas, quetambm se ponha crticas no "acho bem", que os professores no tenhamtantas reunies." (Nelson)

    A autoavaliao informal permite uma maior flexibilidade de papis e podecumprir objectivos de desenvolvimento. O exerccio da participao emsituaes de avaliao formativa contribui para transformar os sistemas derelaes.

    O primeiro dos valores a solidariedadePara exercer a solidariedade necessrio compreend-la, viv-la em todo equalquer momento. Em cada grupo h sempre uma criana daquelas que alguns

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  • rotulam de especiais. Se os professores, por qualquer motivo e em determinadomomento, no podem acompanhar directamente o trabalho de uma dessascrianas, logo um colega atento se disponibiliza para a ajudar. A integrao justifica-se pelo conceito que a criana faz de si prpria: alunonormal que precisa de alguma ajuda. Como todos os alunos so tratados comoalunos especiais, as discriminaes (mesmo as mais subtis) cedem lugar entreajuda. H, inclusivamente, entre os alunos ditos normais quemconfeccione material pedaggico por sua livre iniciativa para o exercciodirecto de um pedagogia da solidariedade com os colegas que mais precisam.

    Na organizao do trabalho dos professores:fica esbatida a habitual dicotomia professor do ensino especial-professor

    do ensino regular, pela prtica efectiva de um trabalho em equipa, onde todosos professores so (tal como todos os alunos) especiais;

    acrescentado s tradicionais dificuldades de aprendizagem oreconhecimento das dificuldades de ensino;

    concretiza-se um ensino diferenciado, um mesmo currculo para todos osalunos desenvolvido de modo diferente por cada um, pois todos os alunos soalunos diferentes.

    Tudo se reaprende diariamente s porque se est com crianas. E o objectivodos objectivos ser fazer crianas mais felizes. Portanto, foi instituda aCAIXINHA DOS SEGREDOS.

    Numa caixa de papelo, os alunos deixam recados annimos ouassinados, cartas aos professores, pedidos de ajuda. Esta caixinha dossegredos "tem ensinado os professores a reaprender". Os recados maisfrequentes so assinados e dizem "professor, quero falar consigo". Asconversas decorrentes destes apelos tm ajudado deteco de gravesdesequilbrios afectivos e emocionais, tm permitido agir a tempo, emcolaborao com os pais.

    Uma Assembleia de toda a escolaSemanalmente, todos nos encontramos na Assembleia da Escola.A assembleia eleita anualmente, logo no incio do ano escolar, depois daapresentao de listas e o debate de ideias e propostas. No dia do acto eleitoral,

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  • uma cerimnia solene a que, frequentemente, assistem alguns pais, os alunosapresentam um carto de eleitor e escolhem atravs do voto uma lista.A reunio em assembleia um momento de trabalho colectivo por excelnciaonde cabe, por exemplo, a introduo de temas de estudo, a apresentao decomunicaes, anlise de inquritos, de dificuldades, ou a discusso dealteraes s regras institudas. Realiza-se quando decidida pelos alunos, ouconvocada pelos professores. Debate projectos, resolve conflitos. Os casos"mais graves" so entregues ao tribunal.Quando o tribunal rene sobem tribuna quatro crianas (duas escolhidas pelosprofessores e outra duas pelos alunos) reconhecidas como sendo as que tmmaior sentido de justia e de perdo. H ainda um advogado de defesa(escolhido pelo arguido) e outro de acusao, que as crianas denominam de"advogado de ataque" (eleito pela assembleia). E, como em todos os tribunais,o veredicto dos juzes soberano. Raramente os conflitos chegam ajulgamento. Raramente tambm se procede por "castigo".

    Na relao com os encarregados de educao

    Aprende-se a participar participando. E s poderemos falar de projecto quandotodos os envolvidos forem efectivamente participantes, quando todos(professores, alunos, auxiliares, pais...) se conhecerem entre si e sereconhecerem em objectivos comuns. Por isso, fomentmos uma prxiseducativa enformada por um novo tipo de racionalidade epistemolgica, pornovos pressupostos conceptuais da relao de cada ser humano com o mundoenvolvente e com os outros Porque entendemos a solidariedade como princpiotico indissocivel do desenvolvimento da dignidade humana, a escola da Pontetransformou-se numa comunidade de aprendizagem colaborativa.Em 1976, os pais organizaram-se em associao, numa altura em que ainda nohavia leis para as regular. Comearam por reivindicar a construo de um novoedifcio escolar, pois, h vinte anos, a escola situava-se na contiguidade de umalixeira, no dispunha de instalaes sanitrias e as crianas sentavam-se embancos que traziam de casa.A associao de pais hoje um parceiro indispensvel. Garante ofuncionamento da cantina, a realizao de actividades de frias para as

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  • crianas, a aquisio de equipamentos essenciais ao desenvolvimento doprojecto. Mas , sobretudo, um interlocutor sempre disponvel. A colaborao dos pais no se restringe s actividades promovidas pela suaassociao. No incio de cada ano lectivo, todos os encarregados de educaoparticipam num encontro de apresentao dos projectos includos no PlanoAnual. E, mensalmente, ao sbado de tarde, o projecto avaliado com osencarregados de educao.No fim de cada dia, os alunos levam para casa um caderno que os acompanhaao longo de todo o ano e que inclui um espao de troca de mensagens. Estecaderno constitui-se em pretexto para que os pais dos alunos tenham mais umaoportunidade de dilogo com os seus filhos e que, sempre que o desejem,dialoguem com os professores.E h sempre um professor disponvel para o atendimento dirio, sempre quealgum pai o solicita.

    Na relao com a autarquia e instituies locais

    A fronteira da organizao escolar, que no apenas fsica mas social, diluir--se- na interaco com outros sistemas sociais. A relao professor-aluno foicontextualizada no complexo relacional mais amplo da "comunidadeeducativa", porque compreendemos que a educao uma pea de um projectomais vasto de desenvolvimento em que convergem com estratgias diferentesas famlias, a comunidade e os poderes locais.Muitos dos projectos desenvolvidos nesta escola ao longo dos ltimos vinteanos so prova de uma intensa e profcua relao.

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  • PROCESSO DE AVALIAO RESULTADOS OBTIDOS EPRODUTOS

    A nossa investigao tem incidido: no desenvolvimento de uma nova organizao de escola;no sistema de relaes estabelecido entre a escola e a comunidade de

    contexto;nos efeitos provocados ao nvel da formao de professores.

    Instrumentos utilizados:Actas, relatrios, registos de comunicao, questionrios.

    A avaliao do Projecto (e dos projectos) processa-se:Diariamente, nas reunies da equipa de professores;Mensalmente, nos encontros com os encarregados de educao;Anualmente, na anlise dos projectos desenvolvidos no mbito do PlanoAnual de Actividades da escola;Pontualmente, em contactos de colaborao com outras instituies.

    Projectos desenvolvidos aps um perodo de reorganizao interna daescola, que decorreu de Outubro de 1976 a Julho de 1978, e resultados: 1978/79 - Formao de professoresResultado: instalao de um centro de documentao pedaggica em SantoTirso; constituio de equipas de professores em formao contnua; realizaode dois filmes (utilizados pelo Ministrio da Educao na formao deprofessores para os Novos Programas/1980).

    1979/96 - Introduo de actividades de tempos livres Resultado: Entre muitas iniciativas com continuidade, poderemos referir aColnia de Frias das crianas, que vai na sua 18 edio, o funcionamento deoficinas de cermica, ou a participao na edio do jornal da vila.

    1979/83 - Participao educativa

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  • Resultado: A descrio deste projecto, que teve a participao do G.E.P./M.E.na sua fase final, consta de publicao ("Da diversidade de contextos diversidade de iniciativas")

    1984/88 - Participao e democraticidade Resultados: o projecto foi seleccionado no 1 Concurso Nacional de Projectospromovido pelo Instituto de Inovao Educacional e introduziu a prtica daassembleia, o que gerou profundas alteraes na escola e deu origem a novosprojectos.

    1990/92 - Formao de professores Resultado: este segundo projecto de formao envolveu cerca de uma centenade professores e educadores de infncia e deu origem a uma associao deprofessores de mbito concelhio que tem desenvolvido intensa actividade nosltimos anos.

    1992/94 - Avaliao pedaggicaResultados: foram introduzidas modificaes ao nvel da avaliao e foireformulado o Projecto Educativo da escola; os efeitos desta investigaotiveram repercusso em muitas escolas do concelho de Santo Tirso.

    1994/96 - Organizao para a diversidade Resultados: as prticas de trabalho de equipa introduzidas servem de refernciaa um projecto em curso (UNESCO/IIE-escolas inclusivas)

    1978/96 - Educao ambiental (IPAMB)A Educao Ambiental a tnica de muitos dos projectos de rea-Escola (que todo o tempo de escola). Viabiliza a integrao dos saberes, ao relacionar oproblema da limpeza das ruas com o da definio de um itinerrio para ocortejo de S. Joo nessas ruas, ou com a tradio da limpeza das ruas pelaPscoa"; ao celebrar o "Dia da gua" do rio que atravessa a vila indo deviagem a Vila de Conde para o observar na foz, para, de seguida, verificar seh poluio na nascente; ao cruzar resultados de inquritos que esclaream asrazes por que os vizinhos continuam a sujar o rio e as ruas, para percebercomo que os exemplos dos adultos levaram a que um colega atirasse o papeldo rebuado para o cho do ptio da escola...

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  • A mudana de atitudes dificilmente resulta de aces isoladas e, como dizia opoeta, tudo est ligado. Na biblioteca da escola e na da freguesia, os alunosfizeram pesquisa bibliogrfica e recolha de informao a partir de obrasinventariadas, de monografias sobre a regio e em prospectos editados pordiversas organizaes. Todos os pretextos serviram para ir para a rua divulgarinformao e promover sensibilizao. Sob a forma de cartazes e contactospessoais, a colaborao com a autarquia resultou na instalao de pilhmetros ereceptculos para o lixo dentro do recinto da escola e nas imediaes.O Jornal da escola, o "Dia-a-Dia" uma tribuna de apelos, descobertas,crticas, recomendaes... Mas sobretudo, um reflexo de amor por tudo o queexiste. Chega a cerca de mil leitores. E muitos mais lem o jornal da vila, noqual tambm as crianas da Escola da Ponte publicam alguns trabalhos. Oterrrio e o viveiro fazem milagres durante a Primavera. Os pardais no seadaptam em cativeiro, mas, recolhidos do cho porque cados do ninho, so tobem tratados que resistem. Em Junho, so (solenemente e com saudade)libertados.Este projecto, que se mantm no presente ano lectivo, envolveu ainda cerca de300 alunos de escolas amigas que desenvolvem projectos do mesmo tipo, 12professores de outras escolas, a Associao de Pais do Ncleo da Ponte, aAssociao Avense, a Junta de Freguesia, a Comisso de Festas do S. Joo dasFontainhas, a Cmara Municipal, a Cooperativa Cultural de Entre-os-Aves,animadores culturais e muitos moradores.As trocas de correspondncia entre a escola e as autarquias locais permitiramtambm promover colaborao, nomeadamente no decurso de uma campanhade esclarecimento sobre a utilizao de gua de fontanrios levada a cabo pelaCmara Municipal de Santo Tirso. O presidente e o vice-presidente daAssembleia de alunos participaram em reunies realizadas em outras escolas(duas das quais em Frana), em que foram divulgados os aspectos maissignificativos deste projecto.

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  • NOTA FINAL

    O projecto da escola da Ponte pressupe uma outra organizao da escola,uma outra cultura, uma outra relao entre os vrios grupos que constituem aequipa educativa (pais, professores, alunos, pessoal auxiliar), um outro modode reflectir as prticas.Passou-se dos objectivos de instruo a objectivos amplos de educao. Aparticipao em diferentes contextos scio-educativos e a complementaridadeentre situaes formais e informais favoreceram a identificao de realidadesque escapam a leituras restritas s situaes clssicas de ensino.No ser por acaso que h acasos. A palavra ponte age simultaneamente comodesignao da escola e como metfora. Evoca mudana. Ser lugar por onde,entre, ou atravs do qual se poder passar do possvel ao necessrio. Esteprojecto sugere um modelo de escola que j no a mera soma de actividades,de tempos lectivos, de professores e alunos justapostos. uma formao socialem que convergem processos de mudana desejada e reflectida.Na escola da Ponte nada foi inventado. Mas talvez os seus professores tenhamconseguido dar novos significados a coisas sem importncia, que permitemcompreender processos de aprender e de aprender a ser.

    LimitesApesar de, em sucessivos planos anuais, termos cumprido alguns objectivos, onosso projecto confronta novos obstculos que confirmam, por um lado, apertinncia dos objectivos formulados desde h duas dcadas e, por outro, umatributo inerente a qualquer projecto: o ser incompleto, inacabado.

    Uma produo normativa que, pela sua natureza, continua a no contemplarexcepes age como obstculo ao desenvolvimento deste projecto. O modelode gesto ainda em vigor determina que muitas decises de naturezapedaggica devam ser caucionadas por estruturas em tudo alheias a razes ecritrios de projecto. Tem sido to grande quanto intil o esforo por nsdispendido em cada ano lectivo para obstar a esta situao. Apesar dasintenes anunciadas por diferentes entidades e personalidades, este projecto

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  • no foi, ao longo destes vinte anos, positivamente discriminado neste como emoutros domnios.Citamos declaraes recentes, que nos fazem crer na possibilidade de umamaior abertura a estas questes:

    "Reforo da autonomia das escolas valorizando a sua identidade e osseus projectos educativos (...) criando as condies materiais, profissionais eadministrativas necessrias a uma verdadeira autonomia".

    (in Programa do Governo)

    "Sabemos que, no essencial, se tem tratado todas as escolas damesma maneira (mas) o processo de construo de autonomia umprocesso gradual que no vai tocar todas as escolas no mesmo momento".

    (Ana Benavente)

    "Defendo que um nmero significativo de professores possa serseleccionado pelas prprias escolas".1

    (Maral Grilo)

    Persistem no sistema situaes anacrnicas que impedem, por exemplo, que ospais possam escolher a escola com o projecto que mais convenha formaodos seus filhos, ou que os professores desta escola possam intervir no processode colocaes, para escolher as parcerias de projecto.

    Estamos muito prximos da aposentao. Temos, neste momento, umapreocupao maior: garantir continuidade ao projecto, para que este no cessee se torne (sem pretensiosismo...) numa referncia til para outros professores.O binmio prtica pedaggica-investigao est dependente das decises depoltica educativa. H limites ao projecto que o bom-senso e a boa-vontade dequem tem competncia para decidir h muito poderiam ter resolvido.

    O quadro agrava-se pela manuteno da artificial sub-diviso do primeiro cicloem anos de escolaridade, o que nos obriga, nomeadamente, ao preenchimento

    1J em 1915, Adolfo Lima preconizava que "o recrutamento dos professores deveria ser da inteira

    responsabilidade dos corpos docentes das diferentes escolas"

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  • de mapas estatsticos totalmente desajustados nossa realidade, a autorizaesa "ttulo excepcional", a constantes pedidos de autorizao, ou a explicaesde procedimentos, nem sempre bem recebidos e entendidos por outrasinstituies, estruturas e superiores hierrquicos.

    Um caso evidente de discriminao: o subsdio de alimentao que os S.A.S.E.atribuem aos alunos dos outros ciclo do bsico e aos do secundrio, ou asverbas que o M.E. disponibiliza para remunerao de pessoal de cozinha sobenefcios marginais ao primrio (o ciclo em que as situaes de pobreza efome so mais frequentes). Quanto tempo mais continuar o funcionamento dacantina a depender da dupla tributao dos pais, de esmolas e de ddivas deamigos?

    A tenso entre o exerccio da monodocncia e a especializao disciplinar, oescasso dilogo entre ciclos, as prticas pedaggicas herdeiras de umaracionalidade tcnica e instrumental e a mudana de ritmo lento que se operanas escolas para onde transitam os nossos alunos comprometem a perenidadedas aprendizagens, no apenas no domnio cognitivo, mas, sobretudo, nodomnio atitudinal.

    Apesar de tudo, "Pelo sonho que vamos".

    Vila das Aves, Setembro de 1996,

    Os professores:

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  • ANEXOS

    Caracterizao da escola

    A Escola n 1 da Ponte funciona num edifcio de rea-Aberta Tipo P3 , emVila das Aves, concelho de Santo Tirso.

    O edifcio constitudo por dois pisos e dispe de um salo polivalente, quatrosalas de aula distribudas por dois ncleos de salas correspondentes a cadapiso. Dispe ainda de um gabinete de reunies, cozinha e pequenos espaos dearrecadao.

    Est situado em pleno centro da vila, junto do local de construo do centrocvico e cultural, iniciativa participada por associaes que com a escolamantm uma colaborao permanente.

    Nela trabalham cinco professores do quadro geral, duas auxiliares de acoeducativa e uma cozinheira contratada e remunerada pela Associao de Paisda escola. Dada a variao do nmero de alunos matriculados e o tipo deprojecto, a escola acolhe, em alguns anos lectivos, outros docentes (Q.D.V. eE.E.E.)

    O horrio de funcionamento o de regime normal.

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  • A Associao de pais como recurso indispensvel ao projecto

    Na Escola da Ponte existe, desde h vinte anos, uma associao de pais queparticipa activamente no desenvolvimento do projecto educativo e se constituinum recurso indispensvel para a prossecuo dos objectivos de integraocultural.

    Nestes dezoito anos foi possvel ultrapassar e resolver limites de interacoreconhecidos em 1976:"As relaes entre a escola e as organizaes comunitrias tm sidoinexistentes ou de pouqussimo significado. H divrcio entre os componentesdo processo educativo. As poucas relaes existentes prendem-se comcomemoraes de pocas ou dias festivos, ou o passeio escolar (...) a colniade frias. H burocracia cordial (nas relaes) entre a escola e a associao,para resolver problemas sobre o bom funcionamento da escola."

    A associao tem feito um grande esforo de renovao de equipamento, quedenota o empenhamento crescente dos pais na criao de condies quecorrespondam a novas exigncias educativas. A escassez de recursos,tradicional nas escolas do primeiro ciclo, colmatada por pais que tomaramconscincia desta realidade. Mas, neste como em outros domnios, este ciclo deensino bsico no dever continuar a ser discriminado relativamente aosrestantes, no dever continuar a improvisar recursos de que os restantes ciclosdesde h muito dispem (falamos de autonomia, da que o 43/89 nos recusa e o172/91 tarda em concretizar).

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  • Perfil geogrfico, histrico e poltico do meio

    Vila das Aves, freguesia pertencente ao concelho de Santo Tirso, situa-se naregio de ENTRE-DOURO-e-MINHO, fazendo parte da bacia hidrogrfica doAve.Merc da sua localizao, servida por um conjunto de estradas nacionais quea ligam zona litoral e a centros urbanos de atraco que lhe so prximos nocampo histrico, turstico e mesmo comercial: Guimares, Braga, Barcelos ePorto.A sul de Vila das Aves, corre o rio Vizela, afluente do Ave, ao qual se junta emCanios (Vila Nova de Famalico). Em virtude da sucessiva formao deunidades industriais junto das margens, estes rios tm-se tornado, cada vezmais, rios industriais. Todos os estabelecimentos fabris situados a montante davila, ou nela prpria, lanam para os rios os seus esgotos, contando-se algunsaltamente txicos, que eliminaram, por completo a fauna pisccola e ameaamseriamente a sade pblica.A freguesia uma "mesopotmia" situada a nor-nordeste do concelho tendosido a ltima anexada a este, no ano de 1879. o nico espao que conserva otimo original de ecmena que, na Idade Mdia, era conhecida por "TERRAS-DE-ENTRE-AMBAS-AS-AVES".H cerca de 160 anos, as trs antigas freguesias que compunham o espao entreos dois rios (S.Loureno de Romo, Santo Andr de Sobrado e S. Miguel deEntre-Ambas-as-Aves) uniram-se numa s freguesia. A dificuldade dapassagem dos rios determinou o seu isolamento quase total, sendo, at aoadvento da industrializao, uma "quase-ilha". Aqui, reside, certamente, toda abase do fenmeno da sobrevivncia da ecmena das Aves, pois o aspectogeogrfico do terreno condicionou os contactos com os centros politico-administrativos, dos quais o primeiro foi Guimares.E se, antigamente, os seus habitantes estiveram separados de outros ncleoshabitacionais desta regio, hoje, "sentem-se" separados e quase sem"emparelhamento" histrico. Vila das Aves uma unidade etnolgica que, sebem que pouco personalizada, se manteve ao longo dos anos, permitindo umaconscincia de comunidade "sui generis" que foi determinante na estruturaode um aglomerado urbano sem as caractersticas de outros advindos da

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  • revoluo industrial, mantendo caractersticas agrrias bem visveis e adisperso habitacional. Enquanto as vilas sua volta so aglomerados"compactos" (no pior sentido), como Santo Tirso, Riba D'Ave, Famalico,Guimares e Trofa, em Vila das Aves (local onde foi construda na dcada de40 a maior fbrica de fiao e tecidos da pennsula), o aglomerado urbanocresceu disperso por todo o territrio entre-os-rios. Por no haver uma vilahistrica (esta s acabaria por ser reconhecida como tal em 1955), os chamados"bairros operrios" adquiriram caractersticas ainda hoje visveis, coexistindo olabor fabril com tradies agrcolas.

    Na encosta da Ponte foram construdas as primeiras casas para alojamentodaqueles que, desde os finais do sculo XIX, aqui procuraram trabalho nafbrica que, nessa poca, havia dado nome terra e feito nela passar ocaminho-de-ferro, cuja linha foi inaugurada em 1883. A Escola da Ponte ficasituada, como o topnimo o indica junto a uma das pontes que, desde temposimemoriais (e das alpondras...) serviu para transpor o rio Vizela. A aldeia daPonte uma das parcelas distintas e com personalidade prpria em que a vilase encontra retalhada.O primeiro quartel do sculo XX teve nesta Vila um dos cenrios mais visveisdas lutas libertrias e socialistas e das convulses sociais vividas pela segundagerao dos imigrados, gerao que esteve na base de movimentos anarco-sindicalistas e de apoio "Nova Repblica". Contudo, esta terra foi (e continuaa ser) marcada por contradies scio-polticas. A par dos movimentosoperrios, aqui se estabeleceram fortes redutos monrquicos, tendo oclericalismo tradicional feito sentir o seu peso de milnios de domnio. Foi aqui,por exemplo que "a monarquia do norte" encontrou forte apoio. Foi tambmnuma quinta desta freguesia que, anos mais tarde, Salazar encontrou o lugar dedescanso, em estadias discretas, mas repetidas.Resta acrescentar neste breve esboo histrico que:a) as primeiras citaes a respeito das parquias deste tringulo mesopotmicodatam do ano 1220;b) Vila das Aves dependeu (a nvel eclesistico, administrativo e judicial) devrias outras localidades, ao longo dos anos e conforme as vicissitudeshistricas: de Barcelos, Famalico, Landim e Santo Tirso.

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  • A populao

    Alguns indicadores demogrficos:

    POPULAO DAFREGUESIA

    ANOS Masc. Fem. Total1920 1079 1182 22611930 1128 1725 28531940 2214 2083 42971950 2661 2719 53801970 2965 3454 64191981 3322 3745 7067

    Da composio do nmero de famlias e do nmero de fogos conclui-se apredominncia das casas unifamiliares.O nmero previsto de pessoas por famlia (4,6) foi obtido pela diviso donmero de habitantes pelo nmero de famlias, ao longo dos vrios censos.A taxa de crescimento populacional relativamente de Portugal Continentalbaixou consideravelmente entre 1950 e 1970, em virtude de uma situaoeconmico-financeira difcil nesse perodo, que conduziu ao encerramento demuitas unidades fabris, ao desemprego em massa e emigrao para Frana eAlemanha de muitas centenas de operrios da indstria txtil.Os concelhos de maior intensidade de emigrao entre 1964 e 1974 foram osde Lisboa, com 12121 sadas e o de Santo Tirso com 6021 sadas.O regresso da segunda gerao de emigrantes constitui-se num factor deconflitualidade merc do desenraizamento produzido por muitos anos desocializao noutras culturas (Austrlia, Alemanha, Frana, frica do Sul,Suia, etc.). A nvel escolar, no sero sequer os problemas da lngua os maisgraves...

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  • Natalidade e mortalidade

    O saldo fisiolgico actual superior ao apresentado pelo concelho de SantoTirso. Em Vila das Aves o nmero de nados-mortos tem tendncia ntida para adiminuio, assim como a taxa de mortalidade na primeira infncia.Nos adultos, as doenas industriais e os acidentes de trabalho so as causasmais frequentes de bitos.As dcadas de 30 e 40 foram o perodo de maior crescimento populacional,devido fixao de muitas famlias vindas de freguesias vizinhas e de ncleosurbanos mais distantes. Apesar das repercusses econmicas da SegundaGuerra Mundial, as caractersticas rurais da freguesia serviram de atenuante dacrise e o auge do desenvolvimento foi atingido com a elevao da freguesia categoria administrativa de vila, em 4 de Abril de 1955. A partir dessa data, odeclneo demogrfico acompanhou o declneo mais generalizados da nova vila.

    Principais movimentos migratriosa) emigrao contnua para a Austrlia, Frana e Alemanha, por ordemdecrescente do seu peso; este fenmeno envolve principalmente, mo-de-obraespecializada da indstria txtil e da construo civil;b) desvio da populao mais jovem para os grandes centros urbanos maisprximos da freguesia;c)anualmente, regresso de vrias dezenas de famlias, radicadas desde halguns anos em diversos pases;

    A famlia-tipo a residente na vila h menos de dez anos, ou h mais de vinteanos. Este hiato de fixao ficou a dever-se crise na indstria txtil, no incioda dcada de setenta, que originou o encerramento de muitas unidades fabris.No decurso da dcada de noventa, verificou-se a fixao de residncia dequadros mdios e superiores num loteamento limtrofe escola, o que provocougrande heterogeneidade na origem scio-econmica dos alunos. A profisso predominante a de operrio txtil. As fases de produo (dafiao aos acabamentos) do origem a segmentos profissionais diferenciados.

    Habilitaes literrias: a taxa de analfabetismo elevada (31%), e se lheacrescentarmos a percentagem de analfabetos com diploma de ensino primrio,

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  • esta cifra rondar os 50%. Para ser operrio txtil "no era preciso saber ler".Hoje, "pede-se apenas o diploma da 4 classe".

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  • Quadro de Instruo Bsica"

    Sexo masc Sexo Fem Popula- Total %Ano Sabem

    ler

    Analfa-

    betos

    Sabem

    ler

    Analfa-

    betos

    o

    resident

    e

    Analfa-

    betos

    Analfa-

    betismo

    1920 391 688 219 963 2261 1651 731930 434 794 391 1334 2853 2128 741940 999 1215 823 1260 4297 2475 571950 1617 1044 1299 1420 5380 2464 451981 2550 807 2137 1408 7067 2215 31

    Um dado a reter o decrscimo acentuado da taxa de analfabetismo a partirdos anos cinquenta. Para esta regresso contribuiu a construo das primeirasescolas pblicas e a correspondente escolarizao da maioria das crianas davila.

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  • Ocupao dos tempos livres

    Curiosamente, Vila das Aves a freguesia do concelho de Santo Tirso quemais associaes mantm em actividade. So 23 no total e de tal mododispersas nas actividades que a sua visibilidade social mnima. Da dispersohabitacional aliada fragmentao em aldeias e multiplicidade das origensdos seus habitantes resultou uma comunidade sem unidade e a prov-lo, sagora um centro cvico comea a esboar-se.A comunidade eclesial a excepo regra. O templo o local privilegiado deencontro... e de comunicao social. O padre o meio de comunicao porexcelncia, embora exista um jornal local:"Quando precisamos de dizer aos pais a data das matrculas ou das festasescolares, mandamos recado ao senhor padre e ele fala na missa".

    Quando o modelo cultural mais abstracto que concreto, o modelo dedesenvolvimento "tradicional" (A.Touraine). Da que s alteraes sociaisintroduzidas pelo processo da industrializao correspondessem as alteraesnos valores e representaes tradicionais. Actualmente a descaracterizaocultural to profunda que difcil afirmar a predominncia da componenterural, ou da urbana. tambm necessrio reflectir at que ponto o desgaste dossmbolos tradicionais ter sido mais aparente que real.Vila das Aves um paradigma do fenmeno de transformao social em que,coexistindo com uma cultura semi-urbana, subsistem hbitos culturaistipicamente rurais, e a par do trabalho fabril, uma ocupao parcial no trabalhoagrcola de dimenso familiar. , alis, esta a condio de sobrevivnciaeconmica de muitos agregados familiares cujo nvel de rendimentos dotrabalho insuficiente. A reforma antecipada e o subsdio de desemprego so arealidade quotidiana para cerca de 35% dos encarregados de educao dosalunos desta escola.

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  • Condies scio-econmicas familiares

    Nos ltimos anos, a generalizao da prtica do "trabalho infantil" contribuiupara a elevao do rendimento do agregado familiar. Contudo, esta melhoria ilusria e originar, a curto prazo, a agudizao dos conflitos e adesestabilizao do tecido social.Porque se constituiu como um dos temas de reflexo e interveno nestaescola, acrescentaremos mais alguns pontos de anlise.Quando se refere a "trabalho infantil" no se perspectiva o rol de tarefasdomsticas que as crianas filhas de operrios conheceram desde sempre:- a ocupao fabril ou artesanal, em tempo de frias escolares;- a semi-ocupao, quase ldica, coincidente com o calendrio escolar;- o desempenho de tarefas domsticas, ou de pequenos servios agrcolas dedimenso familiar.Embora estas formas de trabalho tambm possam (e devam) ser questionadas,aquelas que conduzem ao abandono da escola e ocupao contnua dascrianas em unidade de produo a que, ao momento, nos preocupa.A Escola da Ponte tem tentado obstar extenso do fenmeno, mediante aintroduo de novas concepes e prticas de participao. Mas recente oacordo efectuado com a escola preparatria e a equipa de "ensino especialintegrado" com vista ao apoio-acompanhamento das crianas com maioresdificuldades de aprendizagem e que, merc do insucesso escolar, se vmcondenadas entrada precoce no mercado de trabalho. J frequentaram aescola do segundo ciclo algumas crianas que, beneficiando de uma adaptaodo currculo do 2 ciclo, mantm algumas expectativas perante a instituioescolar e nela colhem a solidariedade e ensinamento que, de outro modo, lhesseriam negados."O senhor professor que me diz? Eu acho que J... j tem idade para ir com atia para as feiras. Se o meto no ciclo, s me apanha vcios nas mscompanhias...""Ela aqui j no anda a fazer nada. E ela gosta de costura. O senhor fecha osolhos... Eu no me importo que me cortem no abono. Sei que ela est vigiadae vai ganhando algum para casa."Os pais temem as "ms influncias e os drogados", desdenham da escola (e oque lhe oferece a escola dos diplomas?) A criana interioriza a noo de peso

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  • econmico da famlia e confunde-se com a necessidade de afirmao da suapersonalidade e de autonomia. Da ao sub-emprego um passo:"Ando h oito meses na confeco do C...: ele ainda no me pagou, mas dizque se eu continuar assim, me d dez contos por ms daqui a pouco.""Fao Sbados e, s vezes, at Domingos, quando h uma encomendaurgente. No, no me pagam mais nada. Se eu disser alguma coisa venhoparar rua. noite, trabalho quando me pedem."As causas desta situao podem ser referenciadas, em suma, como sendo:- a taxa de desemprego (adultos)- a mono-indstria (txtil)- salrios em atraso (em pequenas industrias)- quebra de poder de compra do agregado familiar- a instabilidade econmica e afectiva das famliasO peso do trabalho praticado no ambiente familiar tambm intervmnegativamente no rendimento escolar dos alunos. H uma relao directa entreo trabalho infantil e o insucesso escolar. A criana sujeita a trabalho demasiadopesado para a sua pouca idade no pode ser bem sucedida na escola. Nesteponto, os pais encontraram uma nova justificao: perante o insucesso do filho,a nica sada tir-lo da escola e p-lo a trabalhar na fbrica. o "ciclovicioso" da fuga escolarizao obrigatria:"A... todas as manhs chega escola cansado de duas horas de trabalhorduo, e cheira a aguardente"."Antes de vir para a escola, R... j havia ido ao lavrador buscar o leite, levaros irmos mais pequenos ao infantrio, fizera recados para a "D.Alice",arrumara a casa toda"."O C... falta quase todas as tardes escola. O pai quer que ele v distribuirpor toda a vila as folhas de notcia de falecimentos. Deve tambm carregar osmateriais para o funeral de algum que tenha falecido na vspera".Se a escola comunica as faltas de um aluno, a resposta lacnica e ningumintervm. Contudo muitos jovens se tm dirigido escola, perguntando o quefazer para retomar os estudos interrompidos. Tm agora entre os 16 e 18 anos ecompreendem o engano. significativo tambm o facto de muitos delesmanifestarem esperana de, num futuro prximo, "mudarem de vida".Vila das Aves situa-se na confluncia de dois dos distritos com mais elevadosndices de trabalho infantil: Braga (28,8%) e Porto (24,9%). Se uma zonaurbana como esta est mais facilitado o acesso escola, a sua frequncia fica

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  • comprometida mediante a existncia de oferta de trabalho para o grupo etrioem causa.Entre os jovens com idades compreendidas entre os dezoito e os vinte e poucosanos verifica-se o aumento da delinquncia. O desemprego, aliado ausnciade perspectivas de realizao pessoal, arrasta o meio juvenil para o consumo dedrogas e para comportamentos socialmente classificados de marginais.Outro dado, que no novo, o da degradao do esprito de famlia"tradicional". A escola, que j se defrontava com os problemas de sub-cultura,como o trabalho infantil, agora posta perante as sequelas de separaes decasais, ausncia dos pais por via da emigrao, brigas familiares frequentes. Naorigem de muitos destes casos est o desemprego. A escola da Ponte recebemuitas crianas que manifestam carncias alimentares acompanhadas deprofunda carncia afectiva.A maior parte das escolas no possui espaos de acolhimento, nem desenvolveactividades de complemento curricular. Tambm no possuem, por si, recursosde compensao alimentar dos seus alunos.O analfabetismo regressivo e o analfabetismo literal condicionam o dilogoescola-famlia-meio social, dado que os adultos (os pais em particular),dificilmente descodificam o discurso escolar e chegam mesmo a questionaratitudes de mudana e inovao. Por esta razo, vimos intensificando oscontactos com os pais e encarregados de educao e clarificando algunsaspectos do nosso projecto.As caractersticas do sistema, bem como a cultura do primrio conduzem a queos problemas de gesto dos estabelecimentos de ensino sejam vividos comoquestes de ordem domstica:" uma relao do tipo familiar, conheo os pais todos. O contacto feitodirectamente, quando os pais vm ter comigo, ou quando acho necessrio, ameu pedido, atravs do aluno" (uma professora de uma outra escola doconcelho, em Abril de 1988)Se as escolas do ensino primrio funcionam com base em rotinas adquiridas aolongo dos anos, que, muitas vezes, impedem o questionamento dessas mesmasrotinas, e fecham a escola sobre si mesma, o Projecto poder, eventualmente,provar que a educao uma "pea" de um projecto mais vasto dedesenvolvimento em que convergem, com estratgias diferentes, as famlias, acomunidade e os poderes locais, incluindo outros nveis de ensino para alm do1 ciclo.

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  • exigncia de renovao pedaggica dever acrescentar-se a exigncia darenovao material, obstando austeridade que marca o quotidiano dasescolas. O 1 ciclo do Ensino Bsico o nico em que no h um oramentoque assegure a viabilizao material dos projectos, ou o apoio aofuncionamento de uma cantina.

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  • O trabalho em escolas de rea-aberta" tipo P3

    Em 1963, no mbito da OCDE, foi iniciado um "projecto de ajuda" aos PasesMediterrnicos. Com o objectivo de desenvolver a escolaridade obrigatria, umgrupo de trabalho constitudo, em grande parte, por tcnicos em Educao,propunha-se apoiar pases como a Grcia, a Jugoslvia, a Espanha e Portugal.Neste mbito, um dos problemas foi o de harmonizar a concepo dasconstrues escolares com as concepes de Escola e as orientaes no campoda pedagogia. No nosso pas, o grupo de trabalho foi constitudo por tcnicosdo Ministrio da Habitao e das Obras Pblicas (M.H.O.P.) e do Ministrioda Educao. Aps trs anos de trabalho (em 1966, portanto) este grupoprops-se elaborar vrios estudos, entre os quais um projecto para a construode uma escola primria piloto "que viria, efectivamente, a ser erigida em MemMartins".Neste projecto, alguns princpios gerais so estabelecidos:1 o edifcio da escola primria representa a transio da habitao para avida pblica;1 o edifcio deve ter em considerao o tamanho da criana;1 a escola no se restringe sala de aula e deve, por isso, estar aberta aoexterior;1 o ensino no consta s de memorizao, mas tambm actividade que osespaos (diversificados) devem permitir;1 deve ser fomentada a manipulao e criao de objectos (pelo que seintroduziu uma zona de trabalho, dita "suja", com pontos de gua, ligada ssalas de aula, propriamente ditas);1 a organizao de situaes como a de trabalho em grupo, prevendo-se amobilidade do equipamento;1 nem todas as actividades podem ser realizadas no mesmo espao (e da ainstalao dos chamados "polivalentes");1 as refeies so actividades educativas (e, por isso, foi suprimida aseparao entre edifcio-cantina e edifcio-escola);1 as instalaes sanitrias seguem a mesma lgica, como apoio e momentode Educao;1 a escola um edifcio aberto, um equipamento social de e para toda acomunidade.

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  • Estvamos em plena dcada de 60. Em Portugal, vigorava ainda a separao desexos no ensino primrio. Na construo de Mem Martins, foi necessrioconstruir quatro salas (duas de cada sexo) com recreios cobertos tambmseparados. O ptio e a sala polivalente eram comuns. Esta escola esteve umano a funcionar, dados alguns sectores do M.E. pretenderem realizar a umaexperincia pedaggica, cujo teor se desconhece. Algumas autarquias, a quem a lei permitia a construo de escolas para oensino primrio, foram sensveis mudana2.Em 1971, grupos de professores influenciados por correntes cooperativistasintroduziram duas inovaes no projecto: 1 o trabalho em equipa de 2, 3 ou 4 professores;1 a considerao de ncleos de espaos para grupos de alunos, fugindo aotradicional sistema de turmas-classes.Ainda antes, em 1969, as estruturas do M.H.O.P. encarregadas da construode edifcios escolares foram integradas na Direco-Geral das ConstruesEscolares. Esta medida permitiu o estudo de novos planos de construo quefossem alternativa ao projecto do "Plano Centenrio". No Gabinete de Estudosda D.G.C.E. foram vrios os programas elaborados, cabendo a cada programa(P) um ndice (1, 2, 3, 4, e 5). Ao programa (P) das novas escolas primrias foiatribudo o ndice 3 (P3).

    O projecto P3, concludo entre 1970 e 1972, apesar de ter sido enviado aoM.E., nas suas diferentes fases, nunca obteve do ministrio qualquer resposta,favorvel ou desfavorvel. Idntica atitude de total mutismo se viria a verificarna fase de generalizao de construo de edifcios P3. primeira, naQuarteira3, seguiu-se concurso para outras vinte. A construo, atravs dasiniciativas das autarquias locais, generalizava-se. O ministrio no seapercebera ainda que tais escolas mereceriam uma ateno diferente, os seusprofessores uma formao especfica, as comunidades alguns esclarecimentos.Quando arquitectos e tcnicos de educao conceberam as nossas Escolas derea Aberta - a que chamaram Projecto Normalizado P3 - sabiam que a EscolaPrimria o lugar onde a criana passa grande parte do seu tempo e que estesprimeiros anos de aprendizagem so fundamentais para a sua vida futura. O quese aprende, e principalmente a forma como se aprende, pode despertar ou2Nomeadamente, na Moita, nos Olivais e na Baixa da Banheira.3Entrou em funcionamento no ano lectivo de 1973/1974.

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  • bloquear toda a evoluo da personalidade. Libertar a criana da rigidez dosespaos e do mobilirio tradicionais pareceu a esses pedagogos e arquitectosum passo importante para a livre expresso e desenvolvimento daespontaneidade e criatividade naturais da criana, e, tambm, um passodecisivo para a sua socializao. Mas esta Escola, pelas suas caractersticasprprias - existncia do grande espao polivalente - facilita ainda a suaintegrao no meio social, tornando possvel a sua utilizao pela comunidade. rea aberta de comunicao e colaborao dentro da Escola, rea abertapara o meio e integrao na comunidade.Para melhor explicar a finalidade destas Escolas de rea-Aberta transcrevo osobjectivos enunciados pelo Secretrio da Organizao do Ensino Elementar deMontreal (CANAD), um dos centros promotores deste tipo de escolas:1. Procurar o ambiente que encoraje uma melhor comunicao entre alunos eprofessores;2. Mobilizar os professores para o trabalho em equipa;3. Facilitar a adaptao da organizao escolar s diferenas individuais e contnua aquisio de conhecimentos, afim de permitir os reagrupamentosfuncionais de alunos;4. Estimular nas crianas a multiplicao dos contactos pessoais e, porconseguinte, uma melhor sociabilizao;5. Facilitar mltiplas e diversas organizaes, transformaes temporrias e,por vezes permanente, permitir as mais variadas modificaes, dando assimflexibilidade no s aos diferentes modos de organizao escolar, comotambm aos diferentes tipos de didctica e pedagogia;6. Favorecer todas as formas de trabalho dos alunos (individual, em grupo,actividades livres, etc.) de acordo com o esprito da Escola Activa4.O ensino baseado no professor da classe tradicional assim substitudo por:- uma aprendizagem que utiliza meios que facilitam a apropriao dosconhecimentos;- uma aprendizagem em pequenos grupos que se desenvolve, no s aexpresso, como o trabalho em comum;- uma criao colectiva, que no s desenvolve a cultura, como tambm a vidaem comum.

    4DGEB/DSPRI-ME (1981) Textos de Apoio aos Professores em Escola de rea-Aberta, documento n 2

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  • Trata-se de um projecto educativo que prope um outro modelo de vida na salade aula, uma outra relao entre os vrios grupos que constituem a equipaeducativa (pais, professores, alunos, pessoal auxiliar), um outro modo dereflexo e de prtica. O trabalho e vida em grupo, a exigncia de escutar ooutro, torna-se to importante como a mudana de relaes entre os professorese alunos, e como as aprendizagens a assegurar. Pode, em suma, dizer-se que dainstruo se passa abertamente para objectivos amplos de educao.Os primeiros anos da dcada de oitenta testemunharam alguns investimentos,quer na regulamentao do funcionamento destas escolas, quer na formao deprofessores. Em Setembro de 19805, eram definidas regras de funcionamento.No ano lectivo de 1980/1981, realizavam-se alguns encontros de formao deprofessores. Em 1981/19826, regulamentava-se a relao professor-aluno.Sublinhava-se no ponto seis desse normativo que cada ncleo de sala de auladeve corresponder a um espao nico de ensino, com um corpo de professoresa trabalhar em equipa, de acordo com o programa elaborado em conjunto. Nonmero oito do mesmo despacho, o M.E.U. assumia claramente que paraefeitos de concurso de docentes, as escolas P3 devem ser inequivocamenteassinaladas com a indicao de escola de rea-aberta, projecto P3, significandoa opo por essas escolas que os professores aceitam as condies de trabalhoque as mesmas exigem.Quase no final do ano lectivo de 1982/1983, publicado um diploma7 quepretende obviar as dificuldades sentidas na aplicao do Despacho n 274/81que dificultaram, ou impediram a colaborao entre docentes, que uma escolade rea-aberta necessariamente pressupe. No mesmo diploma legal, oM.E.U. admite que se criaram situaes compulsivas de ensino em equipa ede cooperao entre docentes. Conclua o despacho que o actual processo decolocao de professores (...) bem como os problemas decorrentes da suaformao, pouco orientada para uma pedagogia activa (...) agravam ainda maisa situao. Finalizada a argumentao, remetia-se para a Inspeco aaprovao de projectos de equipas de professores e legitimava-se a introduode regime de curso duplo nestas escolas. Estas medidas coincidiam no tempocom a suspenso de um primeiro esboo de formao em rea-aberta e com o

    5Despacho n 84/80, do Secretrio de Estado da Educao, D.Rep. de 13.Setembro6Despacho do M.E.U. n 274/81, de 2 de Outubro7Despacho n 41/EAE/83, de 13 de Maio

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  • levantamento das primeiras paredes a isolar as salas que haviam sidoconcebidas para comunicarem entre si8. Os espaos "abertos" desapareceramgradualmente. Os professores no haviam sido preparados para um trabalhocom as caractersticas que as P3 apontavam. Umas vezes por falta deinformao, em outras por falta de formao e sempre na falta de ambas, osprofessores refugiaram-se, ao menor pretexto, no seu espao ntimo, numcontexto de trabalho que correspondia sua concepo de "aula". A liquidaodo projecto era um facto quando, j em Outubro de 1986 a DGEB insistia pelaltima vez em aces de sensibilizao.Este curto historial desemboca numa contestao generalizada que, em 1987teve o seu apogeu. Na imprensa so comuns notcias como esta: "A avaliaoda experincia pedaggica que de aulas de ensino primriosimultaneamente para trs turmas foi solicitada SEEBS pelo SINDEP. Umrepresentante do SINDEP comentou que essa avaliao permitir saber se aexperincia dever continuar, ou no. Segundo explicou, essa ideia resultounos Pases Nrdicos, mas, por exemplo, em Frana chegou-se concluso deque seria melhor voltar ao ensino tradicional. O ensino das designadas"Escolas P3" consiste em dar aulas a trs turmas de 90 alunos, com matriasdiferenciadas e em simultneo por trs professores. Pretendemos que essetipo de escolas pare de proliferar em Portugal at que seja avaliada aexperincia, afirmou o sindicalista. Segundo o mesmo informador, a SEEBS,Marlia Raimundo, disse que "essa avaliao ir decorrer em 1987."Realadas as incoerncias e a ignorncia que a notcia veicula acrescentariaque a avaliao no chegou em 1987, nem consta que entretanto tivesse sidorealizada. Mas declaraes como a transcrita sucederam-se no mesmo ritmocom que se erguiam paredes entre os espaos de "rea-aberta", ou sedispunham armrios (como muralhas) em improvisos arquitectnicos em quecada professor na sua sala, com os seus alunos, o seu mtodo e os seusmanuais, apenas toleravam (como mal menor) o incmodo de ouvir as "lies"do colega do lado... As imprecises so tantas, neste como em outros textosjornalsticos, que no merecem qualquer comentrio crtico; falam por simesmos. O que importa destacar como original o facto de a construo deedifcios P3 no concelho de Santo Tirso ter sido contemporneo deste discurso.

    8Hoje prtica corrente o fechar das salas. Alis, os gabinetes tcnicos das Cmaras Municipais

    introduziram esta alterao nos seus projectos.

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  • Mais ainda: a sua construo foi resultante de um esforo nesse sentido feitopor professores, a partir de um projecto de formao em 1979 apresentado D.G.E.B. e que nunca obteve resposta. Concluindo:

    Em meados de 1979, no concelho de Santo Tirso, um grupo deprofessores exigiu a construo de edifcios P3 e nestes imprimiram os traosde um trabalho participativo e democrtico em "rea-aberta". Citavamvantagens: "amizade entre professores; colaborao; bom relacionamento;interajuda; conhecimento mais profundo dos colegas de trabalho e dos alunos;maior disponibilidade; interajuda entre os alunos, que aprendem uns com osoutros".

    Na escola da Ponte, no fechmos as salas. No edifcio P3, construdo hdoze anos, pudemos concretizar um projecto de difcil concretizao numedifcio-escola com outras caractersticas. A organizao do trabalho que oviabiliza no se compadece com algumas inrcias normativas. As excepes regra, embora legitimadas por "imperativos de natureza pedaggica", (n51 doDesp. Conjunto 112/SERE/SEEBS/93) dificilmente se enquadram nasdisposies normativas e os mapas estatsticos seguem uma lgicaadministrativa, cuja ultrapassagem carece de fundamentao (n 57 do referidoDespacho).

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  • Sobre formao contnua

    O objectivo de toda a formao no adquirir conhecimentos, mas sim adquirir acapacidade de adquirir conhecimentos9

    Em formao, uma das finalidades visadas o desenvolvimento da capacidade de intervir emsituaes complexas. Podemos operacionaliz-la em seis dimenses:

    1 conscientizao da profunda relao de dependncia entre os problemas especficos doacto formador e os problemas sociais que o contextualizam e o condicionam;

    1 actuao dentro das margens possveis de autonomia face massificao cultural;1 desenvolvimento de formas de cooperao e solidariedade, de modo a contribuir para

    espaos de desenvolvimento pessoal e colectivo; 1 teorizao das prticas, no sentido de consciencializar o poder individual e de grupo e

    no sentido da anlise crtica e transformadora das relaes de poder;1 resistncia prevalncia de micro-racionalidades acrticas, pois quanto mais global fr

    o problema, mais locais e crticas devem ser as solues;1 considerao do trajecto de formao como processo de conquista de significados

    pessoais e sociais.A formao que vimos desenvolvendo aproxima-se de um modelo de prticas espontneassob a forma de rede10 ou da aprendizagem cooperativa11. Recupera duas realidades quasesempre ausentes da formao contnua de professores no nosso pas: a pessoa do professor ea equipa de professores/escola.Dos diversos modelos de prtica de formao (centrado no formador, no formando, no grupo,ou misto), promove-se a complementaridade. Tanto se poder aproveitar iniciativas prprias,como as do ministrio, das escolas, de formandos e at de um formador, se coerentes com osobjectivos imediatos. Porm, sempre no respeito pela iniciativa pessoal do professorharmonizada com a equipa pedaggica em que voluntariamente se integra.A considerao da pessoa na considerao da equipa sugere um conceito de desenvolvimentoprofissional que implica uma dimenso contextual e organizativa, na qual no apenas

    9Resweber, Jean-Paul, Pedagogias Novas, Teorema, Lisboa, p.8510Huberman, M.(1986) Um nouveau modle pour le developpment profissionel des enseignants, in

    Revue Franaise de Pdagogie, n 75, pp. 5-1511Johnson, D. & Johnson, R.(1991) Cooperative learning and school Development, Mineapolis,

    U.M., pp. 2-5

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  • afectado o professor isolado. Os professores praticam uma pedagogia hermenuticaconcomitante com a conflitualidade da mltipla interpretao, uma prtica de reflexo ticaessencial. As opes que da decorrem traduzem uma relao complexa e intrnseca entre odomnio do saber cientfico e a validade do uso social dos seus produtos.

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  • Sobre mudana

    A teoria sociolgica de mudana apenas se pode apresentar como um esforo paraidentificar tipos fundamentais de mudana a partir da anlise dos processos singulares12. Aprocura da compreenso que substitua a redutividade das abordagens de cariz positivistadepara com a complexidade dos processos e a diversidade dos nveis de anlise. Mais do quea identificao da mudana, prevalece a inteno de compreender o processo de mudana,pois h que compreender a natureza das mudanas (...) e construir vias que facilitem essasmudanas, afastando outras que, sob aparncia de novo, guardam as velhas formas e asvelhas concepes13. Cada professor estabelece as suas relaes com o saber e com os agentes educativos (alunos,pais, outros...), em funo de pressupostos e prticas, que constituem um determinado tipo deracionalidade. Os programas de formao que sobrevalorizam a racionalidade tcnico-instrumental determinam condies e momentos de assuno pelos professores de recursostcnicos pretensamente isentos de ideologia. Esta racionalidade assenta sobre princpios decontrolo, certeza e eficcia. Fundamenta-se, epistemologicamente, na crena de que oconhecimento parte do concreto e chega ao geral atravs de abstraces e generalizaes. Oconhecimento, considerado como objectivo colide com o discurso que faz insistente apelo avalores no-operacionalizveis pelas abordagens positivistas: autonomia, senso crtico,criatividade, participao, democraticidade.A procura da objectividade engendra um quadro preocupante em que a formao contnua deprofessores se assume como um processo marcado pela linearidade, previsibilidade e profundaestruturao, controlo e determinao. No h lugar para pensar sobre o prprio processode pensamento14. Esta equipa de projecto poder, porventura, proporcionar espaos alternativos, onde seconfrontam diferentes racionalidades e onde, em ltima anlise, a racionalidade emancipatriaproduza juzos e interrogaes sobre quem e como formado, pois ensinar no stransmitir, mas tambm promover o desenvolvimento de aptides e mtodos de pensar e deagir15. A formao contnua tanto poder contribuir para novas modalidades de reproduo

    12Boudon, R.(1979) La logique du social, Paris, Hachette, pp.172-17313Benavente, A.(1990), op. cit., p.7714Giroux, H.(1983), op. cit., p.24915Comisso de Reforma do Sistema Educativo (1987) Lisboa, M.E., p.209

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  • social e cultural como para um processo de desenvolvimento de aptides e mtodos de pensare de agir crticos.Da que se considere como actores, no apenas os professores em formao, mas tambmoutros agentes, entendido o terreno de formao num sentido mais lato. A violncia simblicadas propostas educativas, os constrangimentos culturais, a reproduo da estratificaosocial, somente podero ser problematizadas no confronto com interlocutorestradicionalmente marginais ao processo de formao de professores: os alunos, a famlia,outros agentes educativos. So as escolas com projectos participados pela comunidade, oslugares privilegiados de formao de uma conscincia radical e de aco crticacolectiva16. Nenhuma mudana pode fazer a economia dos actos individuais implicados numprocesso de transformao colectivo.A inovao no apenas produto. E, como tal, o domnio do processo no pode ser institudocentralmente. Sobrevm um processo social atravs do qual os grupos humanostransformam o conhecimento que tm da realidade17. A mudana pressentida comotransformao do conhecimento da realidade ultrapassa o domnio da mudana imposta, que mudana conjuntural ou estrutural, mas dos outros: uma mudana que no afecta, nem peem causa o professor, nem o colectivo de formao.Acontece a mudana sempre que um professor se decifra atravs de um dilogo entre o euque age e o eu que se interroga, reduz o desfazamento entre a imagem que faz de si prprioe a que os outros tm dele18. Processam-se mudanas de cultura organizacional sempre queeste dilogo ltimo se expressa na alterao das atitudes grupais. A preocupao maiorparece, pois, ater-se na fuso de mudanas pessoais, numa resposta adequada do grupo aproblemas, numa inteno de coerncia individual e colectiva. Verifica-se corresponsabilidadena mudana.Os grupos humanos transformam-se em inter-relao19 com os contextos fsicos e culturais,nos quais e com os quais se relacionam. Passar da formao individual formao em equipa um processo cultural de difcil concretizao, que fomenta dilemas perante os quais osprofessores acabam, inexoravelmente, por tomar posio. A modernidade confirmou o triunfoda razo sobre a tradio e do universal sobre o particular mas, no auge do conflito de valores

    16Giroux, H. (1986), op. cit., p.14917Vielle, P. (1981) L'impact de la recherche sur le changement en ducation, Perspectives, vol. XI,

    n 3, p. 33918Postic, M.(1977) Observation et formation des enseignants, Paris, PUF, p.31819Bronfenbrenner, V. (1987) La ecologia del desarollo humano, Buenos Aires, Pards

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  • que ns herdmos, sobrevivem culturas intersticiais de curto prazo, movimentos precrios,mas vitais para que a cincia compendiada ceda algum lugar a uma criatividade prospectiva. Paulo Freire convida-nos a assumir o projecto do nosso sonho para obstar aos efeitos de umamodernidade que nos projectou para uma tica individualista, uma macro-tica que nosimpede de pedir, ou sequer pensar, responsabilidades por acontecimentos globais20. A reflexividade concretiza-se em ciclos recursivos, que se desdobram em dois momentos: omomento do fazer, onde o saber se investe nas actividades e o momento do saber, onde este,que j conhecido na prtica, se reelabora a um nvel superior de formalizao. Areflexividade no pode, porm, ser reduzida a esta alternncia. No existe um conhecimentoprofissional para cada caso-problema, que teria uma nica soluo correcta. O profissionalcompetente actua reflectindo na aco, criando uma nova realidade, experimentando,corrigindo e inventando atravs do dilogo que estabelece com essa mesma realidade. Porisso, o conhecimento que o professor deve adquirir vai mais longe do que as regras, factos,procedimentos e teorias estabelecidas pela investigao cientfica21. A formao, como processo complexo de apropriao crtica e criativa de elementoscientficos, culturais e tcnicos implica a descentrao do sujeito-agente de formao e acompreenso das inter-subjectividades, solidariedades e autonomias vividas na resoluo deproblemas comuns. No alfobre desta alquimia colectiva se engendram, estudam e solucionamproblemas sociais e comunitrios.

    20Santos, B. (1988) O Social e o poltico na transio ps-moderna, Comunicao e Linguagem,

    6/7, p.3521Gomez, A. (1992) O pensamento prtico do professor in Nvoa, A.(coord.) Os professores e a

    sua formao, Lisboa, D. Quixote/IIE, p.110

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  • Sobre a coordenao do projecto

    A conduo do projecto sempre colegial, mas existe uma coordenao, quer no planoorganizacional, quer no pedaggico. O coordenador escolhido pela equipa de projecto uminterlocutor que funciona como um atenuador de interferncias. Beneficia da aceitaogeneralizada dos restantes professores, emerge ao fim de algum tempo de maturao doprojecto e num momento em que ao grupo responsvel pelo projecto requeridarepresentatividade perante outras instituies. Porm, dever-se- sublinhar o carcter precriodesta representatividade. O coordenador age como agregador de vontades e no comodirigente. As suas funes so de coordenao e ligao com o exterior. Uma coordenaopermanente e provisoriamente outorgada. Ocorre pontualmente e decorre decircunstancialismos a que um grupo social no social no se pode eximir. preservada umaidentidade colectiva que se projecta na identidade pessoal do coordenador.Assiste-se mutao da identidade social em identidade pessoal enquanto esta se socializa. Ogrupo um lugar de confrontos, mas estes subtraem-se observao de estranhos pelaprojeco de si na imagem de um representante isolado. o grupo que age como regulador efacilitador do choque das subjectividades no seu interior. o animador que age comotraduo para o exterior das vontades conflituadas como objectivos imediatos do grupoperante terceiros.

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  • Sobre autonomia

    Ao longo dos anos 90, a formao contnua dos professores no poder deixar deconceber a mxima ateno s dinmicas de auto-formao participada dosprofessores, em inter-relao com o desenvolvimento dos projectos educativos deescola.22

    O que distingue esta formao de outros intentos de mudana? Fundamentalmente, duascomponentes: a adeso e a conscincia da disponibilidade em tempo e inteno. Estaconscincia dos objectivos pretendidos, porque definidos pelo prprio grupo a que se adere,confere-lhe caractersticas de um projecto de aco, dado que os objectivos no so deconhecimento, mas de conhecimento pela aco, para a aco.O projecto implica autoria do grupo, que, desde o primeiro momento detm a pilotagem dasinformaes, das regras de funcionamento, do domnio de situaes particulares com que sepossa deparar. A especificidade deste projecto ainda maior, se considerarmos que, aoatribuir sentido a uma aco de que se reclama autor, ele habita num tempo entre o adquiridoque o determinou e finalidades que o ancoram situao particular que se projecta medidaque se cumpre no tempo. A procura de sentido pela aco torna pertinente o esforodesenvolvido em comum. A procura de sentido para a aco outorga ao projecto umaautonomia de novo tipo, que se desenvolve num dispositivo harmoniosamente conflitual,susceptvel de auto-regulao e de evoluo.

    22Nvoa, A.(1991), op.cit., p.68

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  • Sobre projecto

    Se existe nas escolas um projecto de mudana contextualizado, existe o pretexto e anecessidade do encontro. Se no h um projecto, para que se renem os professores? Dito deoutro modo: para que h conselhos escolares?Onde h encontro h formao (...) construo pessoal e colectiva (...) simultaneamenteauto-conhecimento e conhecimento do mundo, construo activa do sujeito23. A anlise dosproblemas levantados no se limita produo de uma mudana nos comportamentos nosactores-autores envolvidos no projecto. Consiste numa conquista progressiva de autonomiae de conscincia da totalidade e complexidade das experincias partilhadas com os outros.No contexto de um projecto de formao, o sujeito que se constri na atribuio designificado ao conhecimento colectivamente produzido. Num grupo de projecto h sempreproduo de mudana e formao, ainda que no-intencional.24

    Dito de outro modo, um projecto tambm o ponto de referncia em torno do qual sepodem regular os conflitos resultantes da existncia de lgicas diferentes25. O grupo deprojecto favorece a transformao crtica de opinies e de conceitos. Os participantesconfrontam-se permanentemente com referncias diferentes das que orientaram a construodos seus universos representacionais e das prticas. A troca de experincias e a partilha desaberes consolidam espaos de formao mtua, nos quais cada professor chamado adesempenhar, simultaneamente, o papel de formador e formando.26

    O projecto da Ponte denota abertura pluralidade, indicia o privilegiar da incerteza e umaformao para a complexidade. O futuro existe como uma ideia difusa que necessrio nosimplificar; no h preocupao apenas com o encontrar de solues imediatas e eficientes;prevalece uma causa final, um projecto, uma ideia (a