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1 Fazer Antropológico e Prática Docente: relatos de experiências no PARFOR/CAMEAM/UERN 1 Prof.ª Dr.ª Eliane Anselmo da Silva (DCSP/UERN/RN) Prof. Me. Elcimar Dantas Pereira (DCSP/UERN/RN) Palavras-Chave: Ensino, Antropologia, PARFOR. Introdução O PARFOR - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, está articulado com a Política Nacional de Formação de Professores do MEC e se desenvolve em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e Instituições Públicas de Ensino Superior. Ofertando cursos de licenciatura para professores em exercício da Rede Pública estadual e municipal de ensino, visa possibilitar uma segunda licenciatura aos professores que não possuem formação adequada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB, nº 9.394/1996. Ou seja, que estão em exercício na educação básica pública, mas que embora já licenciados, atuam em área ou disciplina distinta daquela de sua formação inicial. Assim, a LDB (Lei nº 9.394/1996) determina no seu artigo 61: Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando”. O curso de Ciências Sociais em sua modalidade PARFOR, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN, teve início no ano de 2012, no Campus Avançado Prof.ª Maria Elisa de Albuquerque Maia CAMEAM, na cidade de Pau dos Ferros-RN. Conta hoje com 18 alunos, que estão no 8º período, concluindo o curso. O objetivo do curso é formar profissionais na área das Ciências Sociais com uma sólida formação teórico-metodológica, em torno dos eixos que compõem a identidade do curso (Antropologia, Ciência Política e Sociologia), fornecendo instrumentos para estabelecer relações com a pesquisa, a prática social e também o ensino. Assim, o licenciado em 1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizado entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB.

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Fazer Antropológico e Prática Docente: relatos de experiências no

PARFOR/CAMEAM/UERN1

Prof.ª Dr.ª Eliane Anselmo da Silva (DCSP/UERN/RN)

Prof. Me. Elcimar Dantas Pereira (DCSP/UERN/RN)

Palavras-Chave: Ensino, Antropologia, PARFOR.

Introdução

O PARFOR - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação

Básica, está articulado com a Política Nacional de Formação de Professores do MEC e se

desenvolve em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e

Instituições Públicas de Ensino Superior. Ofertando cursos de licenciatura para

professores em exercício da Rede Pública estadual e municipal de ensino, visa possibilitar

uma segunda licenciatura aos professores que não possuem formação adequada à Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, nº 9.394/1996. Ou seja, que estão em

exercício na educação básica pública, mas que embora já licenciados, atuam em área ou

disciplina distinta daquela de sua formação inicial. Assim, a LDB (Lei nº 9.394/1996)

determina no seu artigo 61: “Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo

a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características

de cada fase do desenvolvimento do educando”.

O curso de Ciências Sociais em sua modalidade PARFOR, na Universidade do

Estado do Rio Grande do Norte - UERN, teve início no ano de 2012, no Campus

Avançado Prof.ª Maria Elisa de Albuquerque Maia – CAMEAM, na cidade de Pau dos

Ferros-RN. Conta hoje com 18 alunos, que estão no 8º período, concluindo o curso. O

objetivo do curso é formar profissionais na área das Ciências Sociais com uma sólida

formação teórico-metodológica, em torno dos eixos que compõem a identidade do curso

(Antropologia, Ciência Política e Sociologia), fornecendo instrumentos para estabelecer

relações com a pesquisa, a prática social e também o ensino. Assim, o licenciado em

1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizado entre os dias 03 e 06 de agosto

de 2016, João Pessoa/PB.

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Ciências Sociais, deve ser um profissional apto não apenas ao ensino, mas também à

inserção crítica, criativa e competente no sistema escolar público e privado, prestando

assessoria na formatação de cursos e elaboração de projetos pedagógicos, no

gerenciamento de recursos humanos e didáticos e na avaliação de técnicas educacionais.

A partir de nossas experiências com o PARFOR, no curso de Ciências Sociais,

nas disciplinas de Antropologia, pudemos perceber que este programa representa uma

oportunidade na vida dos alunos/professores, que adquirem formação de qualidade e de

forma gratuita, contribuindo para a educação no Brasil que cresce assim a partir de seu

interior. As contribuições da ciência antropológica na formação e na própria vida desses

alunos/professores, é o que pretendemos esboçar aqui neste estudo, no sentido de atentar

para os desafios do processo de ensinar e aprender Antropologia como parte também da

construção desse saber.

A História da Antropologia evidencia que importantes antropólogos se tornaram

referências para as questões educacionais (GUSMÃO, 1997). Porém, a discussão que

coloca em pauta a relação entre Antropologia e Educação ainda é pouco explorada. A

preocupação aqui está além do fato de tomar a educação como objeto de estudo da

antropologia, mas com uma reflexão sobre o ensino de Antropologia e suas metodologias

na formação de futuros professores, sobretudo no tocante as estratégias de aproximação

com o saber antropológico em sala de aula. Assim, um debate mais estreito com a

Educação, exige da Antropologia que ela repense novas formas de operacionalização de

seu saber que não aquelas voltadas unicamente à pesquisa acadêmica.

Dentro desta perspectiva, é fundamental considerar que a disciplina

antropológica fornece elementos teórico-metodológicos para se pensar as sociedades

atuais. Noções como experiências culturais, papéis sociais e o processo de constituição

da identidade, por exemplo, proporciona a compreensão dos contextos sociais, culturais,

políticos e econômicos, através de ideias como hibridismo, multiculturalismo, pensando

as novas identidades e sociabilidades contemporâneas, marcados muitas vezes por

atitudes etnocêntricas e de diferença entre “nós” e os “outros”.

O professor licenciado em Ciências Sociais, tem como espaço de atuação no

ensino médio a disciplina de Sociologia, cuja obrigatoriedade nesse nível escolar é recente

(cf. Lei Nº 11.684, de 2 de junho de 2008). Sua formação exige uma compreensão das

práticas sociais, além da preparação básica para o trabalho e para o exercício da cidadania,

incluindo a constituição da pessoa. E isso representa uma tomada de consciência de

aspectos relevantes da ação dos sujeitos e da realidade em que estão inseridos.

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Cabe a Antropologia refletir sobre suas relações com a educação, visto que seus

conceitos e objetos de estudo serão inseridos na educação básica, numa nova forma de

divulgação da disciplina e seus conhecimentos além dos muros da academia. Assim, é

importante pensarmos na operacionalização, ou melhor, na forma como podemos ajudar

o professor da educação básica a refletir sobre o homem em sociedade, em seu viés

problematizador, bem como as funções de "estranhamento" e "desnaturalização",

conforme previstas nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio. É preciso prepara-

los para trabalhar esses conteúdos em sua sala de aula.

A Antropologia pode ajudar os futuros professores a conhecer, relativizar e

pensar criticamente a diversidade e a desigualdade que conforma a realidade brasileira,

desmistificando noções naturalizadas acerca do que se entende por raça, cor, etnia,

identidade, entre outros. Cabe à ela o estudo da especificidade do comportamento, da

organização, dos valores, sentimentos e crenças das sociedades humanas, enfim, seu

estilo de vida e cosmovisão.

A partir de uma metodologia própria, a Antropologia está habilitada a oferecer

interpretações de práticas culturais e de representações simbólicas específicas dos

diferentes grupos sociais, proporcionando um olhar peculiar sobre a vida em sociedade.

A coleta de dados empíricos, etnográficos, por meio do trabalho de campo, dos

levantamentos de histórias de vida, depoimentos e entrevistas, pesquisa documental de

fontes primárias, secundárias e teóricas, permite interpretações que podem nortear

antropologicamente as possibilidades de compreensão da realidade social.

Atentando para todas essas preocupações propomos atividades de observações

diretas relacionadas a realidade cotidiana dos professores/alunos, a fim de provocar neles

a necessidade de pensar-se enquanto sujeitos inseridos em universos culturais, que por

falta de algumas ferramentas, ainda não tinham acessado.

Descobrindo a Antropologia

Adentrar em uma discussão antropológica junto a um conjunto de sujeitos que

ainda não tivera acesso a essas discussões, provoca no professor que irá construir essa

inserção uma série de questionamentos, e o primeiro deles é: O que esses indivíduos

entendem por Antropologia? A pergunta se justifica porque das três áreas que constituem

as Ciências Sociais essa é a que menos a sociedade abrangente possui contato, não apenas

pelo fato de ser uma ciência nova, mas por também não fazer parte de um currículo da

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educação básica de ensino, fazendo com que essa inserção só aconteça nos cursos

superiores.

Isso se confirma na medida em que no primeiro dia de aula apresentamos o

questionamento supracitado e as reações são “Professor, de Sociologia eu já ouvi falar,

mais de Antropologia não” (Valéria, coordenadora pedagógica em Rodolfo

Fernandes/RN e aluna do PARFOR) ou “Já ouvi na televisão antropólogos falando mais

não sei o que é Antropologia” (Antonio, professor polivalente em Rodolfo Fernandes/RN

e aluno do PARFOR). Por mais que entendamos a Antropologia como uma área de um

conhecimento pertinente para compreender o homem “desde a formação das Escolas

Normais a antropologia ocupa um lugar de destaque no processo de formação de

professores, ainda que no âmbito das ciências sociais a sociologia tenha alcançado

maior evidência nesta seara” (OLIVEIRA, 2012, p. 126).

Essa evidência que a sociologia alcançou quando entramos no campo da

comparação entre sociologia e antropologia, faz com que possamos compreender, no

contexto da sala de aula, o desconhecimento da ciência Antropológica. Todavia, essas

reações provocam no docente duas expectativas, uma negativa pelo fato de ter que

começar do zero e a segunda positiva, por acreditar que esse será um campo fértil liberado

de pré-noções acerca da disciplina.

A segunda expectativa, para nossa satisfação, é a que se concretiza nessa

experiência com os estudantes do PARFOR. As categorias analíticas introdutórias da

ciência antropológica tais como: Alteridade, etnocentrismo ou mesmo cultura,

provocavam reflexões de si mesmos dentro dos seus contextos culturais, revelando agora

uma realidade ainda não pensada, e com isso, trazendo novas tensões emocionais e até

certo ponto psíquicas, quando falam: “Nunca pensei que fosse tão preconceituosa”

(Abigahul, secretária escolar em Itaú/RN e aluna do PARFOR).

A diferença substancial nestas falas é que elas partem de mulheres e homens

maduros(as), de meia idade, alguns com filhos e que por serem professores em cidades

pequenas do interior do Rio Grande do Norte se tornam lideranças. Então, as reflexões,

reações e tensões internas se reverberam e atingem um número significativo de pessoas

auxiliando-as a pensar-se enquanto protagonistas do exercício da cidadania vividos em

suas respectivas cidades. Um bom exemplo deste protagonismo está em Damiana,

moradora da zona rural do município de João Dias (RN), que para assistir aula no

PARFOR/CAMEAM, tinha que andar em uma estrada carroçável até chegar ao centro da

cidade e assim pegar o ônibus que a levaria a Pau dos Ferros (RN). No entanto, o

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transporte não era regular. Em uma das sextas-feiras á noite, na volta ao município, ao

avistar o prefeito em uma churrascaria se dirige até ele e de imediato reivindica a

regularidade do transporte, nos conta ela.

O conhecimento antropológico que começa a ser vivido por esses sujeitos por

meio de discussões que a principio não pareciam se conectar com suas práticas cotidianas,

passam por meio de exercícios etnográficos a serem apropriados e resignificados. A

melhor evidencia para essa afirmação é o que vem a ocorrer com a categoria cultura,

pensada inicialmente por esses indivíduos, enquanto um elemento acessado apenas por

quem é culto, e se restringindo inclusive a espaços sociais e territoriais de elite.

Sentindo essa tendência a inferiorizar as práticas culturais de suas localidades

solicitamos enquanto trabalho final da disciplina Introdução à Antropologia, um exercício

etnográfico que orientava a realização de uma observação direta sobre os aspectos

culturais das localidades onde viviam os alunos do curso de Ciências Sociais –

PARFOR/CAMEAM. A ideia é que descrevessem de maneira pormenorizada os aspectos

culturais de suas localidades, pintando uma espécie de retrato cultural destas. Perguntado,

como fariam isso? Respondemos-lhes: elencando um a um os aspectos culturais;

descrevendo esses aspectos de maneira minuciosa; unindo de maneira textual todos os

elementos de forma que possam ser a representação mais próxima possível dessa

localidade; fazendo uma relação entre a realidade observada e os textos discutidos em

sala de aula. Enfim, desenvolvendo um texto etnográfico. Olhando além do visto todos

os dias. “Para compreender as modificações de muitos ambientes pessoais, temos a

necessidade de olharmos além deles (MILLS, 1975, p.17).

Figura 1: Alunas Izabel e Fátima apresentando relatórios de campo – Acervo PARFOR

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Figura 2: Aluna Izabel e o professor Elcimar Dantas discutindo os relatórios de campo – Acervo

PARFOR.

A experiência do exercício etnográfico leva estes sujeitos a não só estudarem o

conceito de cultura, como também a reconhecê-lo em sua realidade cotidiana, provocando

neles, um reconhecimento de si nessa cultura local e uma visão não mais depreciativa de

sua localidade, expressa em especial na fala de Maria do Carmo, professora de

matemática no município de Ererê/CE e nossa aluna: “Professor pensei que em minha

cidade não tivesse cultura, mas agora percebo que tem sim e tenho orgulho dela”.

Quando a conversa dá certo: Antropologia e educação

Um outro momento nessa experiência com os alunos do PARFOR, se deu na

disciplina de Antropologia da educação, quando construímos um espaço de reflexão

acerca da importância da observação das diferenças culturais na prática pedagógica.

Quando, no contexto de uma sala de aula com licenciandos em Ciências Sociais, nos

permitimos observar e compreender as diferenças culturais na prática pedagógica,

estamos construindo um espaço para não apenas repensarmos as diferenças culturais, mas

um espaço nascedouro de novas possibilidades de fazer pedagógico de acordo com a

escola e a comunidade em que vivemos e/ou iremos lecionar, Como fala Libâneo (1998,

p.19): “que o professor seja capaz de ajustar a sua didática às novas realidades da

sociedade, do conhecimento, do aluno, dos diversos universos culturais, dos meios de

comunicação”.

Atentando para o fato de que as escolas não podem ser construídas enquanto

ilhas de saber desvinculadas das realidades vivenciais de alunos, professores e

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funcionários, não podemos interpretar a escola de forma fragmentada e excludente,

“Trata- se de perceber a escola de hoje como espaço de integração” (LIBÂNEO, 1998,

p. 3). Nesse sentido, Antropologia e Educação estão inevitavelmente interconectadas.

Como nos enfatiza Maurício Rodrigues de Souza, ao procurar uma aproximação

entre Pedagogia e Antropologia:

(...) uma possível relação entre pedagogia e antropologia revela-

se através da recomendação de que o olhar do educador se estenda

para além dos muros da escola, contemplando as construções

sociais que, diretamente associadas a relações de poder e

exclusão, orientam tanto os diferentes modos de pensar e agir do

alunado quanto a própria prática docente (SOUZA, 2006, 494).

Pensar uma escola deslocada de uma experiência não conteudista tornou-se um

desafio para nossos alunos, uma vez que a ideia de pensar a diversidade cultural no

ambiente escolar, nas escolas onde trabalhavam, significava realizar uma discussão

voltada para as questões referenciadas nos temas transversais. Com essa preocupação

inicial, solicitamos que um exercício etnográfico fosse realizado a fim de se fazer uma

descrição densa dos elementos que evidenciassem a diversidade cultural nos ambientes

escolares nos quais trabalhavam.

É relevante se observar que os trabalhos etnográficos decorrentes desse exercício,

apontam para uma leitura crítica da própria atuação desses sujeitos enquanto

profissionais, bem como de todo o conjunto de indivíduos que compõem as escolas.

Percebe-se isso expresso nos seguintes depoimentos de Amanda, professora de História

na cidade de São Miguel: “A construção desta etnografia foi importante para mim, pois

através de reflexões e observações pude perceber questões que em cinco anos de

profissão nesta escola eu ainda não havia atentado”. E “Educar respeitando as

diferenças requer muito mais do que apenas inserir a diversidade no currículo, pois este

debate deve ser efetivamente desenvolvido por todos que fazem a comunidade escolar”.

Nesta perspectiva podemos enxergar a necessidade apontada por esses sujeitos

não da inserção e de uma discussão puramente curricular sobre esse tema

especificamente, mas como atitude que permeará toda a prática docente, na medida em

que conhecer o outro se transforma em ferramenta para um diálogo constante entre os

sujeitos que dão vida ao universo escolar. Podemos reconhecer que “O avanço do debate

na teoria antropológica nos leva a compreendê-la não apenas enquanto uma ciência a

compor o quadro epistemológico da formação de educadores, mas sim, como uma ciência

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que se propõe a realizar uma mudança de perspectiva na forma de encarar o outro, o

humano” (OLIVEIRA: 2012, p.126). Portanto, uma educação que, à luz da Antropologia,

pode pensar o humano e as práticas pedagógicas de uma forma diferenciada, subjetiva,

compreensiva e interpretativa.

A mudança de perspectiva observada nos alunos do PARFOR é notória. A

interface entre Antropologia e educação, traz ganhos pedagógicos substanciais como nos

apontou Amanda, na medida em que a realidade cultural passa a ser questionada e esses

questionamentos passam a compor o próprio planejamento das atividades pedagógicas a

serem realizadas, como a discussão já realizada por Oliveira (2012, p.128) nos aponta:

Compreendemos aqui que no processo formativo docente, a

problematização em torno da realidade cultural é condição sine

qua non para a realização plena do trabalho educativo, em

especial se considerarmos a dinâmica das sociedades modernas,

essencialmente multiculturais (HALL, 2009), em que sujeitos

com as mais diversas trajetórias sociais e culturais se cruzam, em

especial no espaço escolar.

Antropologia e Educação possibilita ao aluno de licenciatura – futuros

professores - um novo fazer pedagógico, que, inclusive, vá além de uma “Educação

bancária” como atesta Freire (1975), mas uma disciplina que rompa com o “paradigma

dominante” (SANTOS, 2010) e compreenda a educação como uma atitude que, por

natureza, leva em consideração diversos fatores para sua realização e, nesse caso

especificamente, os fatores culturais.

Experiências de alteridade: um terreiro de candomblé e uma comunidade indígena

Uma importante normatização, que abre espaço para a contribuição da

Antropologia na educação básica, tanto na formação de professores quanto na aplicação

de conteúdos em sala de aula, são as Leis nº 10.639, de 9/01/2003, e a Lei 11.645/08, que

asseguram uma educação étnico-racial e o ensino da história e cultura africana e indígena

nas escolas. Ambas representam parte de um conjunto de políticas afirmativas do governo

brasileiro, fruto das reivindicações do Movimento Negro e de outros setores da sociedade.

Visam assim, no âmbito não apenas escolar, mas da sociedade em geral, repensar as

relações étnico-raciais, as relações sociais e pedagógicas, procedimentos e as próprias

condições de ensino no Brasil.

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Mas infelizmente, os novos artigos incorporados à LDB ainda não foram

integralmente assimilados no nosso sistema educacional. Entre as principais dificuldades

estão: a falta de conhecimento da nova legislação, pois muitos estabelecimentos de ensino

alegam que desconhecem a existência da Lei, muito embora ela faça parte do texto da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação desde o ano de 2003; a desvalorização de sua

importância; e principalmente, a falta de qualificação profissional por parte dos

professores e profissionais da educação básica.

Para que esta proposta educacional seja real é preciso rever o saber escolar e

também investir na formação do educador, possibilitando-lhe uma formação teórica

diferenciada da eurocêntrica. A importância da efetivação dessas leis implica no desafio

de criarmos uma consciência cidadã, onde o racismo, o preconceito e a discriminação não

tenham espaço. E isso só será possível com o reconhecimento da escola e demais espaços

de construção de conhecimento como reprodutores das diferenças étnicas e culturais.

Entre as muitas áreas da Antropologia, a religião e a etnologia, voltada

predominantemente para o estudo de populações indígenas e afrodescendentes, deram

suporte a duas das experiências empíricas dos professores/alunos do curso de ciências

sociais do PARFOR, sujeitos que protagonizam este estudo.

Os alunos participaram de um ritual religioso de candomblé ketu no terreiro Ìlé

Asé Dajó Íyá Omí Sabà, na cidade de Areia Branca/RN. Os mesmos puderam tirar

dúvidas com o responsável pelo ritual, o babalorixá Noamã Pinheiro, conhecer o terreiro,

suas práticas e degustar sua culinária.

Figura 3: Alunos conversando com o Babalorixá Noamã Pinheiro – Acervo PARFOR

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Figura 4: Alunos conversando com o Babalorixá Noamã Pinheiro – Acervo PARFOR

O estudo das religiões afro-brasileiras está presente na ciência social brasileira

desde seus primeiros passos, marcando inclusive a gênese dos estudos da antropologia no

Brasil. Objetivando suscitar um pensamento voltado para a compreensão dos problemas

nacionais e a construção da nação, à temática do negro, na qual sua religiosidade é parte

preponderante, sempre esteve entre as preocupações dos intelectuais do país. Os debates

contemporâneos sobre religiosidade inserem cada vez mais às religiões afro-brasileiras

enquanto religiões que se adéquam a sociedade moderna, na qual predomina o

individualismo e a busca por soluções de problemas.

Nesse contexto as estruturas religiosas se deslocam, frente a uma possível crise

nas memórias religiosas através da afirmação de sujeitos autônomos e racionais, levando

a se questionar o próprio conceito de religião. Nesse sentido, foi de suma importância

para o aluno de ciências sociais familiarizar-se com o objeto desta aula de campo, ou seja,

um ritual religioso afro-brasileiro.

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Figura 5 Alunos conversando com o Ialorixá Maria Pinheiro – Acervo PARFOR

Figura 6: Alunos conversando com o Ialorixá Maria Pinheiro – Acervo PARFOR

O objetivo dessa experiência de campo foi sobretudo, familiarizar o aluno com

o tema da religiosidade afro-brasileira, rompendo com preconceitos e pré-noções,

promovendo a compreensão da cultura e da religião enquanto objetos essenciais da

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antropologia, proporcionando reflexões acerca do papel da religião na sociedade

contemporânea.

Figura 7: Alunos participando após participar do ritual de candomblé – Acervo PARFOR

Os alunos também visitaram a comunidade indígena Sagi-Trabanda, situada em

Baía Formosa-RN, que constitui-se de índios e caboclos da etnia Potiguara, em sua

maioria pescadores e agricultores.

Figura 8: Comunidade Sagi-Trabanda – acervo do PARFOR

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Figura 9: Comunidade Sagi-Trabanda – acervo do PARFOR

Figura 10: Alunas do PARFOR em passeio de canoa na comunidade Sagi-Trabanda. Acervo PARFOR

Os mesmos puderam conhecer o modo de vida do grupo que habita a região a

centenas de anos, conhecendo inclusive, o seu cemitério, onde repousam os restos mortais

de seus ancestrais.

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Figura 11: Cemitério centenário da comunidade Sagi-Trabanda – Acervo PARFOR

Os alunos ainda puderam conhecer o processo de demarcação de terra dos

referidos indígenas, ficando a par da situação que enfrentam desde o ano de 2005, de um

processo de reintegração de posse movido por um grupo imobiliário que tem interesse em

construir um resort nas terras da comunidade.

Figura 12: Alunos conhecendo a processo de demarcação de terras na comunidade – Acervo PARFOR

Ressaltamos a importância do referido campo para as discussões sobre

identidade e multiculturalismo, etnicidade, laudos antropológicos e demarcação de terras,

dentre tantos outros na Antropologia. Assim, foi fundamental para os alunos a inserção

empírica neste campo, enquanto um fenômeno social que proporciona o conhecimento

das configurações mais atuais da realidade sociocultural brasileira.

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As experiências aqui mencionadas buscaram fazer com que a Antropologia,

cumprisse seu papel no exercício de estranhamento e familiarização das realidades

sociais, sobretudo no rompimento do etnocentrismo e na introdução do relativismo

cultural, fundamental nesse processo de formação e aprendizagem dos futuros professores

da educação básica.

Considerações Finais

O conjunto de atividades referentes à Antropologia desenvolvidas no curso de

Ciências Sociais PARFOR/CAMEAM revelou a superação do conteudismo ou de uma

“Educação bancária” como atesta (FREIRE, 1975), na medida em que auxiliou por meio

de ferramentas antropológicas, mais especificamente a etnografia, que os alunos

questionassem suas realidades locais e globais, além de serem evidentes em seus

trabalhos e em suas falas que, o exercício do fazer antropológico leva a um

reconhecimento dos valores culturais presentes em suas localidades e de si, enquanto

sujeitos.

O reconhecimento dos elementos culturais conforme observamos, leva a uma

mudança de perspectiva pedagógica na medida em que, as realidades vivenciais passam

a ser questionadas, trazendo para o cotidiano do trabalho escolar um tipo de sensibilidade

voltada para questões relacionadas à diversidade cultural. Essa sensibilidade a qual nos

referimos é resultante de uma tensão constante entre o “eu” (professor) e os “outros”

(alunos), que passa a ganhar relevância na produção do conhecimento, por favorecer a

identificação do lugar dos sujeitos nesse processo, onde o aluno deixa de ser apenas mais

um, para ganhar contornos de pessoa, com emoções, saberes e leituras de mundo

específicas.

Sendo assim, o percurso percorrido por esse conjunto de pessoas favoreceu a

identificação do saber e fazer antropológicos, como elementos necessários à condução de

suas práticas docentes, na medida em que são ativadas as funções de "estranhamento" e

"desnaturalização", conforme previstas nas Orientações Curriculares para o Ensino

Médio.

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dezembro de 1996.

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