25
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A FEDERACÃO BRASILEIRA DE ASSOCIAÇÕES DE FISCAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS (FEBRAFITE), entidade sediada em Brasília, DF, com endereço no SRTVN, Quadra 702, Bloco P, Asa Norte, Ed. Brasília Rádio Center, conjunto 1056/1057, CNPJ/MF nº 68.313.675/0001-24, legitimada pelo inciso IX, do artigo 103, na conformidade do disposto nas alíneas a e p do inciso I, do artigo 102, todos da Constituição Federal, e com base na Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, vem, por seus procuradores, ut instrumento de mandato anexo (docs. 1 e 2), perante essa Augusta Corte, propor AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da disposição abaixo indicada da Lei Complementar Federal nº 159, de 19 de maio de 2017; requerendo, ainda, pela urgência, pela relevância do interesse de ordem pública e pelos graves e irreversíveis prejuízos aos Estados, e, por extensão, aos próprios servidores públicos dos mesmos, dentre eles os servidores da carreira dos fiscais de tributos estaduais e/ou auditores fiscais estaduais, MEDIDA CAUTELAR no sentido da imediata suspensão da execução e aplicação do dispositivo abaixo assinalado da indigitada Lei, a teor dos artigos 10 e seguintes da Lei nº 9.868/99, e do artigo 170 do Regimento Interno desse Supremo Tribunal Federal, pelos fundamentos de fato e de direito adiante alinhados. I – CABIMENTO DA AÇÃO 1. Constitui pressuposto do regime federativo o dogma da supremacia da Constituição Federal, cabendo a esse Colendo Supremo Tribunal Federal sua guarda, por meio do controle concentrado, conforme estabelecido pelo artigo 102, inciso I, alínea a, da Carta Magna, verbis: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;”

FEDERAL FISCAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS (FEBRAFITE), AÇÃO ... · presente ação direta de inconstitucionalidade, da disposição da Lei Complementar Federal supra referida, por força

Embed Size (px)

Citation preview

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A FEDERACÃO BRASILEIRA DE ASSOCIAÇÕES DE FISCAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS (FEBRAFITE), entidade sediada em Brasília, DF, com endereço no SRTVN, Quadra 702, Bloco P, Asa Norte, Ed. Brasília Rádio Center, conjunto 1056/1057, CNPJ/MF nº 68.313.675/0001-24, legitimada pelo inciso IX, do artigo 103, na conformidade do disposto nas alíneas a e p do inciso I, do artigo 102, todos da Constituição Federal, e com base na Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, vem, por seus procuradores, ut instrumento de mandato anexo (docs. 1 e 2 ), perante essa Augusta Corte, propor AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da disposição abaixo indicada da Lei Complementar Fede ral nº 159, de 19 de maio de 2017; requerendo, ainda, pela urgência, pela relevância do interesse de ordem pública e pelos graves e irreversíveis prejuízos aos Estados, e, por extensão, aos próprios servidores públicos dos mesmos, dentre eles os servidores da carreira dos fiscais de tributos estaduais e/ou auditores fiscais estaduais, MEDIDA CAUTELAR no sentido da imediata suspensão da execução e aplicação do dispositivo abaixo assinalado da indigitada Lei, a teor dos artigos 10 e seguintes da Lei nº 9.868/99, e do artigo 170 do Regimento Interno desse Supremo Tribunal Federal, pelos fundamentos de fato e de direito adiante alinhados.

I – CABIMENTO DA AÇÃO 1. Constitui pressuposto do regime federativo o dogma da

supremacia da Constituição Federal, cabendo a esse Colendo Supremo Tribunal Federal sua guarda, por meio do controle concentrado, conforme estabelecido pelo artigo 102, inciso I, alínea a, da Carta Magna, verbis:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;”

2. As disposições impugnadas, abaixo indicadas e

transcritas, condicionam a habilitação e acesso dos Estados e Di strito Federal ao Regime de Recuperação Fiscal instituído pela Lei Co mplementar nº 159, de 2017 , e a concessão da redução extraordinária da prestação mensal de dívidas para com a União, de que trata o artigo 9º da mesma lei, e b em assim a realização de operações de crédito para os financiamentos previst os pelo artigo 11 da mesma Lei ; a que o ente federativo respectivo, habilitante aos benefíc ios referidos: primeiro , implemente, por meio de leis, as medidas previstas pelo § 1º, do artigo 2º , e não adote qualquer das medidas arroladas pelo artigo 8º, ambos da Lei Complementar nº 159 , de 2017, todas – as medidas a serem adotadas e as vedadas -- consubstanciando interferência indevida da União na autonomia dos Estados e Distrito Federal, consagrada constitucionalmente ; e, segundo, que desista de eventuais ações que tenham por objeto a dívida ou contrato mencionados; bem como impõem a perda dos benefícios, mediante a rescisão unilateral do termo aditivo, caso seja mantido o litígio ou sejam ajuizadas novas ações pelo Estado (assim mesmo, sem qualquer especificação), tudo como previsto pelo artigo 3º, § 3º e artigo 13 , igualmente da Lei Complementar nº 159, de 2017 . Tais disposições impugnadas, repita-se, contrariam o princípio federativo consagrado pelo a rtigo 1º da Constituição da República, do qual é consectária a autonomia dos en tes federados, expressamente declarada nos artigos 18 e 25 da Cart a Federal; e contrariam, também, frontalmente, o princípio da inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário (unicidade de jurisdição) de lesão ou am eaça de direito (artigo 5º, inciso XXXV), como adiante se demonstrará.

3. Cabível, portanto, a presente ação direta de

inconstitucionalidade contra tais disposições abrigadas na Lei Complementar Federal nº 159, de 19 de maio de 2017 (doc. 5 ), supra referidas e adiante transcritas.

II – LEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORA E A PERTINÊNCIA TEMÁTICA DA AÇÃO COM SUAS FINALIDADES INSTITUCIONAIS 4. A Autora encontra-se legitimada ativamente para a

presente ação direta de inconstitucionalidade, da disposição da Lei Complementar Federal supra referida, por força do disposto no artigo 103, inciso IX, da Constituição Federal.

5. Segundo o artigo 1º, caput e parágrafo único, de seu

Estatuto (doc. 3 ) a Autora é entidade de classe de âmbito nacional , que representa os interesses dos fiscais de tributos estaduais e auditores fiscais, assim entendidos aqueles que exerçam a função precípua de fiscalizar tributos de competência estadual e capazes de constituir o crédito tributário, e os já inativos, independente da denominação vigente em cada Estado, cujo interesse é diretamente atingido pela disposição impugnada.

6. A Autora, fundada em 20 de março de 1992, congrega as Associações Regionais de Fiscais de Tributos Estaduais, tem foro e sede própria em Brasília, Distrito Federal, encontrando-se registrada sob o nº 2.484 , de 31 de julho de 1992, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas do Distrito Federal (Estatuto Social, artigo 1º, caput, e artigo 4º, inciso I - doc. 3 ). A Autora, de sua vez, tem representatividade nacional, pois tem associadas em mais de nove estados da Federação (doc. 4 ), em vinte e seis Estados da Federação, para ser mais precisa.

7. É induvidosa, portanto, a legitimidade da Autora para a

propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade, à luz da orientação assentada pelo Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento do Agravo Regimental na ADI nº 3.153/DF (Tribunal Pleno, Relator p/ acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Diário da Justiça de 09/09/2005, p. 34), assim ementado:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: "entidade de classe de âmbito nacional": compreensão da "associação de associações" de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX) - aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das "associações de associações de classe", de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade.”

8. No mesmo sentido, as decisões desse Colendo

Supremo Tribunal Federal na ADI nº 15/DF (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Diário da Justiça de 31/08/2007, p. 28), ADI nº 2794/DF (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Diário da Justiça de 20/03/2007, p. 68) e 2797/DF (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Diário da Justiça de 19/12/2006, p. 37).

9. E a Autora atende, também, ao pressuposto firmado por construção pretoriana, emanada dessa Augusta Corte, que exige, para caracterização do âmbito nacional da entidade , que a mesma possua associados estabelecidos em pelo menos nove Estados da federação, conforme, dentre outros, os acórdãos proferidos nos julgamentos das seguintes ações: ADI nº 3.617/DF (Rel. Min. CEZAR PELUSO, DJ de 25/05/2011), ADI 4.009/SC (Rel. Min. EROS GRAU, DJ de 29/05/2009), ADI 2.903/PB (Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19/09/2008) e ADI 912/RS (Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 21/09/2001)

10. Destarte, representa a Autora, por determinação estatutária, perante as autoridades administrativas e judiciárias de todos os níveis de governo, os interesses da categoria dos fiscais de tributos estaduais (Estatuto, artigo 4º, inciso I), e está autorizada expressamente pelo Estatuto (artigo 4º, inciso IX) a agir, por todos os meios legais a seu alcance, contra fatos ou atos que firam, direta ou indiretamente, interesses dos Fiscais de Tributos Estaduais, objetivando a defesa destes interesses.

11. Por tudo isto, resta patenteada, também, a pertinência temática dos objetivos institucionais da Autora com os interesses aqui versados, dos Fiscais de Tributos Estaduais e Auditores Fiscais Estaduais, pois, segundo dispõe o artigo 4º, inciso VIII, do Estatuto da Autora, como já dito, cabe a ela a defesa dos interesses de toda ordem, notadamente os classistas, dos funcionários fiscais associados das Associações Estaduais filiadas.

12. No presente caso, os dispositivos acoimados de inconstitucionais, a par de colidirem frontalmente com o princípio federativo consagrado pelo artigo 1º da Constituição da Repúbl ica, do qual é consectária a autonomia dos entes federados, expressamente declar ada nos artigos 18, 25 e 32 da Carta Federal; violam, também, garantia fundamen tal da Carta da República que impede seja subtraída da apreciação do Poder Ju diciário qualquer lesão ou ameaça de direito, de pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as pessoas políticas (artigo 5º, inciso XXXV). Ademais disso, os disposi tivos impugnados, além de contrariarem frontalmente os dispositivos constituc ionais assinalados, acabam por inviabilizar ou pelo menos dificultar a celebra ção de acordos pelos Estados endividados com a União, eternizando o estado de in adimplência dos mesmos no cumprimento de suas obrigações, como a de pagar a s eus servidores -- em dia, sem atrasos -- dentre eles os funcionários fiscais , a fim de manter a máquina administrativa em funcionamento, em prol do interes se de toda a coletividade.

13. E é fato público e notório, independendo de prova

(Novo CPC, artigo 374, inciso I), que grande parte dos Estados estão em dificuldades para pagar seus servidores, fazendo-o com atraso e de forma parcelada.

14. Não se pode olvidar, também, que os Fiscais de Tributos Estaduais e Auditores Fiscais, associados das entidades filiadas à entidade Autora, são, no âmbito dos Estados-membros , exatamente os servidores encarregados de zelar pelo cumprimento das obrigaçõ es tributárias, cujo produto da arrecadação representa a quase totalidade das re ceitas com que contam os Estados e Distrito Federal para o desempenho das at ividades constitucionalmente atribuída aos mesmos.

15. Por tais motivos, é indisputável a pertinência temática entre a presente ação e os objetivos institucionais da Autora.

III - DISPOSITIVOS INQUINADOS DO VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ORIGEM E RATIO LEGIS DA LEI QUE OS ABRIGAM 16. A Lei Complementar Federal nº 159, de 19 de maio

de 2017 (doc. 5), conforme sua ementa, institui o R egime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal, e bem assim alte ra as Leis Complementares nº 101, de 4 de maio de 2000, e nº 156, de 28 de dezem bro de 2016. Cabe ressaltar, ainda, que a Lei Complementar Federal nº 159, de 2017, foi editada em suplementação às medidas adotadas pela suso referid a Lei Complementar nº 156, de 2016, e com o propósito de estabelecer mecanismos de renegociação dos contratos de refinanciamento de dívidas celebrados pela União com os Estados e Distrito Federal, com base na Lei nº 9.469, de 11 de setembro de 1997.

17. Isto porque, estando os Estados já em extrema

dificuldade para cumprir seus demais compromissos, dificuldades ainda mais acentuadas por seus compromissos de pagamento da dívida para com a União, e entendendo que a forma de cálculo da atualização desta dívida com a União incidia em contrariedade a comandos legais impeditivos de c apitalização de juros, como vinha sendo feito pela União , começaram a questionar judicialmente o valor de tal dívida , sob este aspecto considerado.

18. Ao lado disto, e como a União não vinha cumprindo

– aliás, nunca chegou a cumprir – em sua inteireza, a obrigação de compensar os Estados pelas perdas de receitas dos mesmos verific adas em virtude da exoneração ampla das operações de exportação, no qu e toca ao imposto sobre operações de circulação de mercadorias e sobre a pr estação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comu nicação (ICMS), por meio da chamada Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 13 d e setembro de 1996; disposições estas exonerativas do ICMS, depois incl uídas no texto da Carta Magna, por meio da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003; começaram os Estados, também, a questionar a dimensão de suas d ívidas com a União; seja por erro nos cálculos de atualização, s eja pela quitação de parte das mesmas mediante compensação com as dívidas da União para com os Estados devedores, relativamente à mencionada Lei Kandir.

19. Em uma destas ações, o Mandado de Segurança nº

34.023, impetrado, em 19 de fevereiro de 2016 , pelo Estado de Santa Catarina contra o Presidente da República e outras Autoridad es do Executivo Federal, perante o Supremo Tribunal Federal, o Impetrante se insurgiu contra a forma de cálculo do saldo devedor do contrato de refinanciamento de sua dívida contraída com a União com base na Lei 9.496/97, recálculo este feito pela União para dar cumprimento ao disposto na Lei Complementar nº 148, de 25 de novembro de 2014, pela qual fora concedido um desconto em tal dívida. O motivo da insurgência foi que o Estado Impetrante não concordara com os critérios utiliza dos pela União para apuração do saldo devedor da dívida , porquanto divergentes do benefício legalmente estipulado, pela ocorrência de anatocismo na atualização do referido saldo devedor .

20. No mencionado Mandado de Segurança nº 34.023, foi

pedida liminar para que as autoridades impetradas se abstivessem de impor as sanções contratualmente previstas e, ainda, para que, quando da elaboração de proposta de aditivo contratual, adotassem o método da variação acumulada da taxa Selic, sem a capitalização de juros.

21. O Ministro Relator EDSON FACHIN, em decisão

monocrática datada de 25 de fevereiro de 2016, negou seguimento ao mandado de segurança , com prejuízo da medida liminar requerida (doc. 6 ).

22. Essa Colenda Corte Suprema, contudo, por maioria,

em 7 de abril de 2016, julgando agravo regimental interposto contra a refe rida decisão monocrática do Relator, que havia negado seguimento ao mandado de segurança, deu provimento ao recurso , para que o mandado de segurança tivesse seguimento e, também, que tivesse trâmite independentemente da publicação do acórdão de julgamento do agravo regimental . Na sequência, e apreciando a liminar requerida, deferiu a mesma para ordenar às Autoridades Impetradas que abstivessem de impor quaisquer sanções ao Impetrante, especialmente as previstas no contrato em referência, de refinanciamento da dívida, inclusive por meio de bloqueio de recursos de transferências governamentais (doc. 7 ).

23. Seguindo-se com o trâmite do Mandado de Segurança nº 34.023 , tal como decidido por essa Corte Suprema, foi o mesmo julgado em sessão de 27 de abril de 2016, quando foi decidido que o processo fosse sobrestado pelo prazo de 60 (sessenta) dias, para q ue as partes se compusessem ; sendo decidida, igualmente, a manutenção da liminar , tal como concedida, por igual prazo (doc. 8) .

24. Cabe registrar que, após a impetração do MS nº

34.023, os Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato G rosso do Sul, impetraram os Mandados de Segurança, respectivament e, nºs. 34.110, 34.122 e 34.141, também perante esse Supremo Tribunal Federa l, e contra as mesmas Autoridades do Executivo Federal, e com objeto asse melhado ao MS 34.023 , relativamente aos contratos de refinanciamento de suas dívidas com a União Federal. Referidas ações foram distribuídas para o mesmo Ministro Relator, e, apensadas ao MS nº 34.023, para que tivessem a mesma solução.

25. No prazo concedido pelo Supremo Tribunal Federal ,

e na busca de uma forma de entendimento para que se encontrasse uma solução para a questão da renegociação das dívidas dos Esta dos com a União, notadamente com relação à forma de capitalização da mesma (juros simples versus juros compostos) , foi realizada uma Reunião no Ministério da Fazenda, em 20 de junho de 2016 , entre o Ministro da Fazenda e os Governadores dos Estados ou representantes dos mesmos (Ata anexa – doc. 9 ). Fruto desta reunião, foi aprovada uma proposta básica da União Federal para renegociação da dívida contratada no âmbito da Lei nº 9496, de 1997, e das dívidas com o BNDES relativas às linhas de crédito PEF 1, PEF 2, PROPAE, PROPAC e PROINVEST, consistente no seguinte : I)

alongamento das dívidas; II) concessão de descontos nas dívidas da Lei nº 9496, de 1997; III) parcelamento em 24 (vinte e quatro) meses, a iniciar-se em julho de 2016, dos valores devidos e não pagos em virtude de liminares concedidas em ações em que se discutia a forma de capitalização (juros simples ou juros compostos). Para a concessão das medidas apontadas, seriam exigidas dos Estados contrapartidas , a serem implantadas no prazo de 24 (vinte e quatro) meses da assinatura do aditivo que fosse instrumentalizar o acordo com cada Estado , que teria que se comprometer a: I) não conceder vantagem, aumento ou reajuste de remuneração, ressalvado os decorrentes de decisão judicial ou da revisão prevista pelo Artigo 37, inciso X, da Constituição; II) limitar o crescimento do aumento das despesas correntes primárias à inflação do ano anterior, medida pelo IPCA.

26. Como se verifica, e pode ser comprovado pela cópia da

Ata anexa, nada foi ajustado ou mesmo acenado, na Reunião entr e o Ministro da Fazenda e os Governadores de Estado, de 20 de junho de 2016, que os entes federados admitiriam, para se habilitarem às conces sões acenadas pela União na negociação das dívidas, que o ente central pudesse interferir na autonomia dos Estados e Distrito Federal, além do que já estivess e estabelecido pela própria Carta da República, em termos de limitação e condic ionamento de tal autonomia, consagrada constitucionalmente, e inerente ao regim e federativo, repita-se. E nada foi ajustado ou mesmo acenado, na mesma Reuniã o mencionada, em termos de assunção de compromisso pelos Estados e Distrito Federal de desistirem das ações propostas e de não questionarem judicialmente qualquer ponto do que fosse ajustado com a União nos aditivos em que foss em instrumentalizadas as renegociações de seus contratos ou outras questões quaisquer referentes às suas dívidas com a União decorrentes de negociações com base na Lei 9.496, de 1997, origem de toda a controvérsia aqui tratada. Mesmo porque havia um longo caminho a percorrer até que fossem efetivadas, pelos instrumentos próprios, todas as tratativas ajustadas preliminarmente , inclusive com o exato dimensionamento do valor devido por cada Estado, a ser ainda apurado.

27. Noticiado ao Tribunal os termos do que fora acertado

na Reunião entre o Ministro da Fazenda e os Governadores, por meio da juntada aos autos do MS nº 34.023 de cópia da Ata da reunião, foi o processo novamente pautado para julgamento no dia 01/07/2016, de questões de ordem suscitadas pelas partes, quando o Tribunal, resolvendo questão de ordem levantada pel o Relator, decidiu por adaptar a liminar concedida na sessão de 27/04/ 2016 aos termos do mencionado acordo, e mantendo-a até o julgamento fi nal do mandado de segurança, o que até o presente momento não ocorreu (doc. 10 ). O acórdão de tal decisão sobre questão de ordem foi publicado recent emente, em 12/06/2017 (doc. 11)

28. Com relação aos mandados de segurança

impetrados pelos Estados do Rio Grande do Sul, Mina s Gerais e Mato Grosso do Sul, indicados no item 24 supra, o Ministro Relator , em decisão monocrática datada de 05/07/2016, e atendendo pedido da União, deliberou por aplicar aos mesmos, cautelarmente, os termos do ajustes até então negoc iados com os Estados na

mencionada reunião realizada em 20/06/2016, tal como ocorrido no julgamento da questão de ordem suscitada no MS 34.023 (doc. 12 ).

29. Como se vê pela própria Ata da Reunião de

20/06/2016, firmou-se, na mesma, um acordo genérico de intenções, mas dependente de diversas medidas subsequentes, inclus ive legais, como a edição de lei complementar federal que estabelece a possib ilidade de negociação, e a forma como a mesma seria efetivada, e bem assim a e dição das leis de cada Estado para autorizar as contrapartidas eventualmen te estabelecidas na lei (ou leis) complementar federal. Essas medidas legais e tratativas em que fossem se desdobrar a negociação, contudo, não poderiam inclu ir a submissão dos entes federativos a condições estabelecidas, ainda que fo sse por lei complementar federal, que consubstanciassem supressão ou mitigaç ão da autonomia constitucional aos mesmos assegurada, por força do regime federativo; nem na supressão de garantias fundamentais, como o direito de acesso ao Judiciário. Mesmo porque, eram tratativas complexas, com regula ção ainda pendente de ser editada, e nas quais poderiam surgir questões a ser em resolvidas por provocação do Judiciário, caso não houvesse possibilidade lega l ou mesmo factual de se efetivar a negociação de eventual conflito sem a pa rticipação dos órgãos judicantes.

30. Concomitantemente a tudo o que foi até aqui narrado,

encontrava-se já em andamento o Projeto de Lei Complementar nº 257, de 2016 (doc. 13) , do qual resultou a Lei Complementar nº 156, de 28 de dezemb ro de 2016 (doc. 14), voltada exatamente para dar respaldo leg al e indicar as medidas básicas a serem adotadas na tentativa de solucionar a angus tiante questão das dívidas dos Estados decorrentes de negociações efetivadas c om base na Lei 9.496, de 1997.

31. A Lei Complementar nº 156, de 2016 , contudo, além

de estabelecer e autorizar as concessões a serem fe itas aos Estados , nas renegociações dos contratos celebrados com fundamento na Lei nº 9.496, de 1997, conforme acertado na pré-falada Reunião de 20/06/20 16, entre o Ministro da Fazenda e os Governadores dos Estados, relatadas no item 25 supra, estabeleceu, também, em seu artigo 1º, § 8º, algo não ajustado no acordo de int enções firmado, qual seja, de que as concessões a serem feitas pela União dependeriam da desistência de eventuais ações judiciais que tivess em por objeto a dívida ou o contrato renegociados, sendo causa de rescisão do t ermo aditivo a manutenção do litígio ou o ajuizamento de novas ações.

32. Tal dispositivo da Lei Complementar nº 156, de 2016,

foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.757, em face da contrariedade do mesmo ao princípio da inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário (unicidade de jurisdição) de lesão ou ameaça de dir eito, abrigado no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal (doc. 15). Ref erida ADI, como se vê, foi proposta pela entidade Autora da presente ação.

33. Logo depois da edição da Lei Complementar nº 156, de

2016, e com o mesmo propósito de possibilitar a efetivação do acordo genérico de intenções firmado entre os Governadores e o Ministro da Fazenda, na Reunião de 20/06/2016, o Executivo Federal encaminhou, em 23 de fevereiro de 2017, outro Projeto de Lei, de nº 343 (doc. 16) , do qual resul tou a Lei Complementar nº 159, de 19/05/2017, com o fito de suplementar as estipulações da Lei Complementar nº 156, de 2016, e minuciar as condições para renegociação das dívidas dos Estados decorrentes dos ajustes efetivados com base na Lei 9.496, de 1997.

34. A Lei Complementar nº 159, de 2017 , todavia, incidiu

também em desacertos – tal como ocorrido com a Lei Complementar nº 156, de 2016 – pois, além de estabelecer e autorizar as concessões a ser em feitas aos Estados , nas renegociações dos contratos celebrados com fundamento na Lei nº 9.496, de 1997, e bem assim estabelecer as contrapartidas a serem c umpridas pelos Estados, conforme acertado na pré-falada Reunião de 20/06/20 16, entre o Ministro da Fazenda e os Governadores dos Estados, relatadas no item 25 supra, estabeleceu, também, em seu artigo 2º, § 1º, artigo 3º, § 3º, artigo 8º e artigo 13, algo não ajustado no acordo de intenções firmado :

”Art. 2o O Plano de Recuperação será formado por lei ou por conjunto de leis do Estado que desejar aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, por diagnóstico em que se reconhece a situação de desequilíbrio financeiro e pelo detalhamento das medidas de ajuste, com os impactos esperados e os prazos para a sua adoção. § 1o A lei ou o conjunto de leis de que trata o caput deste artigo deverá implementar as seguintes medidas: I - a autorização de privatização de empresas dos setores financeiro, de energia, de saneamento e outros, na forma do inciso II do § 1o do art. 4o, com vistas à utilização dos recursos para quitação de passivos; II - a adoção pelo Regime Próprio de Previdência Social mantido pelo Estado, no que couber, das regras previdenciárias disciplinadas pela Lei no 13.135, de 17 de junho de 2015; III - a redução dos incentivos ou benefícios de natureza tributária dos quais decorram renúncias de receitas instituídos por lei estadual ou distrital, de, no mínimo, 10% a.a. (dez por cento ao ano), ressalvados aqueles concedidos por prazo certo e em função de determinadas condições e aqueles instituídos na forma estabelecida pela alínea “g” do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal; IV - a revisão do regime jurídico único dos servidores estaduais da administração pública direta, autárquica e fundacional para suprimir

benefícios ou vantagens não previstos no regime jurídico único dos servidores públicos da União; V - a instituição, se cabível, do regime de previdência complementar a que se referem os §§ 14, 15 e 16 do art. 40 da Constituição Federal; VI - a proibição de realizar saques em contas de depósitos judiciais, ressalvados aqueles permitidos pela Lei Complementar no 151, de 5 agosto de 2015, enquanto não houver a recomposição do saldo mínimo do fundo de reserva, de modo a assegurar o exato cumprimento do disposto na referida Lei Complementar; VII - a autorização para realizar leilões de pagamento, nos quais será adotado o critério de julgamento por maior desconto, para fins de prioridade na quitação de obrigações inscritas em restos a pagar ou inadimplidas. (...) Art. 3º ... (...) § 3o O acesso e a permanência do Estado no Regime de Recuperação Fiscal têm como condição necessária a renúncia ao direito em que se funda a ação judicial que discuta a dívida ou o contrato citado no art. 9o. (...) CAPÍTULO V DAS VEDAÇÕES DURANTE O REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL Art. 8o São vedados ao Estado durante a vigência do Regime de Recuperação Fiscal: I - a concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros dos Poderes ou de órgãos, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto aqueles provenientes de sentença judicial transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição Federal; II - a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa; III - a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; IV - a admissão ou a contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacância de cargo efetivo ou vitalício;

V - a realização de concurso público, ressalvadas as hipóteses de reposição de vacância; VI - a criação ou a majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de membros dos Poderes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, de servidores e empregados públicos e de militares; VII - a criação de despesa obrigatória de caráter continuado; VIII - a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou de outro que vier a substituí-lo, ou da variação anual da receita corrente líquida apurada na forma do inciso IV do caput do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, o que for menor; IX - a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, ressalvados os concedidos nos termos da alínea “g” do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal; X - o empenho ou a contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação no trânsito e outras de demonstrada utilidade pública; XI - a celebração de convênio, acordo, ajuste ou outros tipos de instrumentos que envolvam a transferência de recursos para outros entes federativos ou para organizações da sociedade civil, ressalvados: a) aqueles necessários para a efetiva recuperação fiscal; b) as renovações de instrumentos já vigentes no momento da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal; c) aqueles decorrentes de parcerias com organizações sociais e que impliquem redução de despesa, comprovada pelo Conselho de Supervisão de que trata o art. 6o; d) aqueles destinados a serviços essenciais, a situações emergenciais, a atividades de assistência social relativas a ações voltadas para pessoas com deficiência, idosos e mulheres jovens em situação de risco e, suplementarmente, ao cumprimento de limites constitucionais; XII - a contratação de operações de crédito e o recebimento ou a concessão de garantia, ressalvadas aquelas autorizadas no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal, na forma estabelecida pelo art. 11. Parágrafo único. O Regime de Recuperação Fiscal impõe as restrições de que trata o caput deste artigo a todos os Poderes, aos órgãos, às entidades e aos fundos do Estado. (...) Art. 13. São causas para a extinção do Regime de Recuperação Fiscal o descumprimento pelo Estado:

I - das vedações de que trata o Capítulo V; II - do disposto nos incisos VI e VII do § 1o do art. 2o; III - do disposto no § 3o do art. 3o.”

35. Estas chamadas contrapartidas não foram

estabelecidas na reunião de 20/06/16 (ver item 25 s upra), como se pode ver pela Ata anexa (doc. 9), e nem poderiam sê-lo , eis que ampliam, de forma atentatória à autonomia dos Estados-membros e Distrito Federal, o que se ajustara na mencionada reunião, afrontando o princípio federativo consagrado pelo a rtigo 1º da Constituição da República, do qual é consectária a autonomia dos entes federados, expressamente declarada nos artigos 18, 25 e 32 da Carta Federal. Isto além de determinar, de novo, a vedação do acesso ao Judiciário para discussão de questões atinentes às negociações em referência, entre unidades federadas e o ente central, o que viola, também, a garantia fundamental da Carta da R epública que impede seja subtraída da apreciação do Poder Judici ário qualquer lesão ou ameaça de direito, de pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as pessoas políticas (artigo 5º, inciso XXXV).

IV – DO DIREITO: INCONSTITUCIONALIDADE DA DISPOSIÇÃO IMPUGNADA POR AFRONTA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E AO PRINCÍPIO AUTONÔMICO, PEDRA ANGULAR DO PRIMEIRO 36. Proclama a Constituição da República Federativa do

Brasil, em seu artigo 1º , o princípio federativo , assim formulado:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...).”

37. Explicitando tal proclamação inicial e fundamental do

princípio federativo, enuncia a Carta Federal, em seus artigos 18, 25 e 32, de forma taxativa e peremptória, de maneira a não deixar dúvidas, em que consistiria a adoção do regime federativo pelo Estado Brasileiro:

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

(...) Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. § 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição. (...) Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.”

38. Além de tais estatuições, temos ainda, como

decorrência do princípio federativo, o regime geral de partilha de competências, nos artigos 21 a 24 da Constituição Federal; e, nos art igos 145 a 149-A, e 153 a 156, o regime de partilha de competências em matéria tribu tária.

39. Tudo isto é da essência do Estado Federal, regime adotado pelo legislador constituinte brasileiro desde a Constituição de 1891, inaugural da República Federativa do Brasil, então nominada de República dos Estados Unidos do Brasil. De se conferir os fundamentos e no que consiste o regime federativo.

40. ANTÔNIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA (Discriminação de Rendas Tributárias, SP, José Bushatsky Editor, 1972) assinala, em sua obra dedicada ao estudo da evolução do tratamento constitucional brasileiro da discriminação de rendas tributárias, que o federalismo é a fórmula histórico-pragmática de composição política que permite harmonizar a coexistência, sobre idêntico território, de duas ou mais ordens de poderes autônomos, em suas respectivas competências. Salienta ainda que o objetivo originário do federal ismo era alcançar a unidade nacional através da diversidade regional, por meio de um equilíbrio de poderes, equilíbrio nem sempre estável, de vez que a tensão entre centro e periferia permeia as federações desde sua concepção (p. 9/10).

41. Estes princípios originários, informativos das

federações, já eram também apontados por JEAN-JAQUES ROUSSEAU (Considerações sobre o governo da Polônia, In Obras de Jean-Jaques Rousseau, Porto Alegre, Ed. Globo, 1962, vol. II - Obras Políticas, p. 255/343), que, considerando ideal o Estado de pequenas dimensões, achava que a única forma possível de se bem governar um Estado de grandes dimensões (como é o caso da grande maioria dos Estados Federais, a exemplo do Brasil), seria através da ampliação e aperfeiçoamento

do sistema de governo federativo “o único que reúne as vantagens dos grandes e dos pequenos Estados” (p. 282).

42. Os primeiros Estados federais, a exemplo dos Estados

Unidos da América do Norte, decorreram da fusão de unidades políticas originariamente fragmentadas, resultando daí uma federação com tendência descentralizante (centrífuga) de poder. Ao inverso, a passagem do Estado unitário para uma federação tende a conservar sempre a marca do centralismo mais ou menos acentuado (tendência centrípeta de poder)

43. No entanto, apesar de tais premissas básicas, assinala

SAMPAIO DÓRIA que é problemático desenhar o protótipo do regime federativo. “Salvo idealmente, há ele de se acomodar às cambiantes realidades nacionais que, no tempo e no espaço, induzem soluções peculiares e próprias”(ob. citada, p. 10). Conquanto assinale SAMPAIO DÓRIA que a federação não é um conceito estático, amarrado a determinadas coordenadas históricas, adverte que, inobstante isto, “um mínimo irredutível de autonomia política do centro e da periferia, exercitada dentro do âmbito das competências próprias, estas sim dinâmicas e cambiantes, constitui o traço essencial do regime federativo, em oposição ao unitário...Aquele mínimo irredutível de autonomia política tem sido centrado na capacidade de livremente poderem a entidade central e as locais constituir os órgãos de seu governo dentro de normas que um poder mais alto (soberania) lhes haja ditado, com a consequente autonomia administrativa e financeira.” (Grifos não originais).

44. KARL LOEWENSTEIN (Teoria de la Constitución, 2ª edição, Barcelona, Ed. Ariel, 1976) que estuda o federalismo como uma forma de controle de poder (p. 353), assinala como característica essencial do federalismo o fato de que “...los fundamentos essenciales de las relaciones federales están fijados em um documiento constitucional formal. Ningún Estado federal puede funcionar sín uma constitución escrita...”(p. 356).

45. Já HANS KELSEN (Formas de organização estatal: centralização e descentralização, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, DASP, vol. 4, p. 48/72), aponta como característica essencial do Estado federal o fato de possuírem as unidades federadas, ou Estado, ou Estados, certo grau de autonomia constitucional, quer dizer, o órgão legislativo de cada Estado federado é competente em assuntos relativos à constituição dessa comunidade, sujeita, no entanto, esta autonomia, a certos princípios constitucionais da Constituição Federal.

46. LUIS SANCHEZ AGESTA (Lecciones de derecho político, 3ª edição, Granada, Editora y Libreria Prieto, 1954) alinha entre os caracteres específicos da estrutura constitucional do Estado federal a divisão de poderes entre a União (Federação) e os Estados-membros, que “normalmente se realiza por uma doble enumeración de las facultades que competen a estos diversos ordenes, com uma última

cláusula flexible de atribución a la Union e a los Estados de los poderes residuales que no hayan sido conpreendidos em la enumeración...” (p. 513/514).

46. Na mesma trilha a manifestação de JOSÉ ALFREDO BARACHO DE OLIVEIRA, em obra dedicada exatamente à apresentação do que poderia ser uma teoria geral de tal regime de governo (Teoria Geral do Federalismo, Belo Horizonte, FUMARC/Universidade Católica de Minas Gerais, 1982, 362 p.); onde pontifica que a estrutura do Estado federal, apesar das diferenças concretas que ocorrem através dos diversos modelos que surgem, apresenta alguns pontos comuns, anotando, como primeiro de tais pontos em comum dos diversos model os , o “...princípio federal que consiste no método de dividir os poderes, de modo que os governos central e regionais sejam, cada um dentro de sua esfera, coordenados e independentes...” (p. 24) E conclui (p. 25): “A repartição de competência é essencial à definição jurídica da federação; daí decorre o princípio federal de que cada um dos componentes tem sua órbita de ação, circunstância que decorre da Constituição Federal, como fundamento jurídico do Estado.”

47. Finalmente, temos o pensamento do eminente

constitucionalista RAUL MACHADO HORTA, em trabalho monográfico dedicado especificamente a esta matéria, à luz da nossa Constituição Federal de 1988 (Repartição de Competências na Constituição Federal de 1988, Rio de Janeiro, Editora Forense, Revista Forense 315: 55-66, jul./set. de 1991), em que pontifica:

" A relação entre Constituição Federal e repartição de competências é uma relação causal, de modo que, havendo Constituição Federal, haverá, necessariamente, a repartição de competências dentro do próprio documento de fundação jurídica do Estado Federal. Por isso, a repartição de competências é tema central da organização federal. Na avaliação dos publicistas que lidam diuturnamente com o tema, ora a repartição é qualificada de la grande affaire du fédéralisme, ora de key to the interfederal power structure, evidenciando a essencialidade da repartição de competência e a razão de sua localização direta no documento constitucional como parte ineliminável da Constituição Federal material."

48. De todos estes fundamentos apontados, do regime federativo, pode-se extrair, integrando o regime constitucional de repartição de competências o próprio conceito de federalismo, qualquer interferência infraconstitucional a tal regime de partilha de competências resultaria em contrariedade ao princípio federativo, basilar de todo Estado federal, e que, no caso do Brasil, é objeto da salvaguarda excepcional da denominada "cláusula pétrea", ou seja, trata-se de matéria que só se admite seja regida, ou alterada, pelo Poder Constituinte originário (Constituição da

República Federativa do Brasil, artigo 60, § 4º, item I), não podendo ser objeto de tratamento sequer por emenda constitucional, que se traduz em manifestação de Poder Constituinte derivado.

49. O que está sendo exigido e determinado pela Lei

Complementar nº 159, de 2017, dos Estados e Distrit o Federal, para que se habilitem e permaneçam no chamado Regime de Recuper ação Fiscal , nos termos dos dispositivos impugnados e suso transcritos, vai na contramão dos fundamentos básicos que consubstanciam o regime federativo , pois exigem, dos Estados e Distrito Federal, que abdiquem de sua autonomia pol ítica e da competência que lhes foi outorgada constitucionalmente , para se organizarem e às suas finanças, segundo as leis que decidirem, obedecidos apenas os limites de tal poder fixados pela própria Constituição. E, concomitantemente, a isto, que adotem, obrigatoriamente, um modelo de organização administrativa e do regime de seus servidores igual ao da União .

50. Isto é o que está expressa e inequivocamente

estabelecido pelas exigências estabelecidas pelos s ete itens em que se desdobra o § 1º do artigo 2º e nos doze incisos do artigo 8º , ambos da Lei Complementar nº 159, de 2017, retro transcritos; exigências estas refirmadas pelo artigo 13, incisos I a III, da mesma Lei Complementar nº 159, de 2017 .

51. Ou seja, o legislador constituído congressual da Lei

Complementar nº 159, de 2017, arvorando-se em poder es de legislador constituinte originário – pois em tais poderes teri a que estar investido, para empreender o que empreendeu – decidiu por suprimir a autonomia política dos Estrados e Distrito Federal, consectária do regime federativo, e transformou o estado federal do Brasil em estado unitário. Esquec eu-se somente de mudar o nome para República do Brasil, para dar cabo de sua tarefa transformadora .

52. Mas não parou aí, em sua sanha ofensiva à Carta

Magna, o legislador da Lei Complementar nº 159, de 2017.

V – DO DIREITO: INCONSTITUCIONALIDADE DA DISPOSIÇÃO IMPUGNADA POR AFRONTA A GARANTIA FUNDAMENTAL DA CONSTITUIÇÃO

53. Consagra a Carta da República , como garantia

fundamental de todas as pessoas submetidas à ordem jurídica – dentre elas as pessoas políticas Estados e Distrito Federal, naquilo que compatível com a natureza destas – em seu artigo 5º, inciso XXXV :

“TÍTULO II DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

54. Esta garantia fundamental, adiante-se, preliminarmente, é perfeitamente compatível com a natureza das pessoas de jurídicas de direito público, caso dos Estados, que podem sofrer lesão ou ameaça a direito dos mesmos. Assim, é certo que se aplica aos Estados e Distrito Federa l.

55. De outro lado, como garantia fundamental, o direito à

jurisdição é um direito inalienável, irrenunciável, imprescritível. A saber, não pode ser objeto de negociação; não se pode dispor nem renunciar ao mesmo, porque de interesse de toda a coletividade, e não somente do próprio titular; e não se perde o mesmo, pelo seu não exercício. Neste sentido a manifestação praticamente unânime dos constitucionalistas, a exemplo de JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de direito constitucional positivo, 37ª edição, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 183), ALEXANDRE DE MORAES (Direitos humanos fundamentais, 8ª edição, São Paulo, Ed. Atlas, 2007, p. 22), GILMAR FERREIRA MENDES e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO (Curso de direito constitucional, 9ª edição, SP, Ed. Saraiva, 2014, p. 145), dentre outros.

56. A garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição

(da apreciação judicial) está contida, também, na Declaração Universal, artigo 10, onde é proclamado que “toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a que seu caso seja julgado, equitativa e publicamente, , por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações”, como anota JORGE MIRANDA (A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais em Portugal, In Direito Constitucional – Estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES, organizadores EROS ROBERTO GRAU e WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, SP, Malheiros Editores, 2001, p. 284/304).

57. Por isto mesmo, o direito à jurisdição integra, é certo, aquilo que a Professora CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA – atualmente presidindo essa Augusta Corte Suprema -- invocando o ensinamento de CANOTILHO, assinala que hoje se apelida reserva constitucional, ou seja, o conjunto das matérias que têm que ser cuidadas na Lei Fundamental e que configuram o núcleo do sistema constitucional positivado (Natureza e eficácia das disposições constitucionais transitórias, In Direito constitucional – Estudos em homenagem a PAULO BONAVIDES, organizadores EROS ROBERTO GRAU e WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, SP, Malheiros Editores, 2001, p. 377/408).

58. Calha de registrar, também, pela absoluta pertinência

com a matéria aqui tratada, o escólio de JOSÉ TARCÍZIO DE ALMEIDA MELO, ao versar o tema direitos fundamentais (Direito Constitucional do Brasil, Belo Horizonte, Del Rey Editora, 2008, p. 304, 305, 347 e 348):

“Os preceitos fundamentais detêm máxima efetividade, no ordenamento jurídico, ou seja, quando confrontados com outros preceitos, são superiores e impõem interpretação conforme a eles...O preceito fundamental da Constituição é de coerção maior e, segundo o princípio da compatibilidade, afasta norma outra, constitucional ou infraconstitucional...Os direitos fundamentais são imutáveis em sua essência aceita pela Constituição. Constituem a substância do regime, que é corrompido, pela sua infestação, ou é mutilado, por sua ablação. Não existe reconstituição de direitos fundamentais. Ou estes são garantidos ou a ordem jurídica encontra-se desmoronada...Os direitos fundamentais, condição de possibilidade e de validade do Estado Democrático de Direito, são intangíveis e somente podem ser alterados para seu desenvolvimento e atualização...O Direito Infraconstitucional não pode, no Brasil, mediante leis interpretativas, mudar ou invalidar as garantias das relações jurídicas. Seriam leis inconstitucionais.”

59. E finaliza o eminente constitucionalista mineiro, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, dissertando especificamente sobre o direito fundamental à jurisdição (Ob. citada, p. 399):

“O acesso ao poder Judiciário é limitado somente pelas condições da ação e pelos pressupostos processuais válidos em relação a todos.”

60. Outro não é o entendimento e posicionamento desse

Colendo Supremo Tribunal Federal – como não poderia deixar de ocorrer, com sumo guardião da Carta Magna – conforme acórdão proferido no julgamento da ADI nº 493

(Diário da Justiça de 04/09/1992, relatoria do Min. MOREIRA ALVES), onde restou proclamado que as leis infraconstitucionais não podem alterar as garantias fundamentais originárias da Constituição.

61. Portanto, ainda que a desistência de ações em que se discute o problema do anatocismo, talvez, se autorizado expressamente por lei estadual que tal transação fosse realizada – condição inafastável que não foi prevista pela disposição impugnada -- pudesse ser considerada legítima e não afrontosa ao inciso XXXV do artigo 5º da Constituição; ainda assim, é de repetir, a imposição aos Estados e Distrito Federal, por norma infraconstitucional, de vedação de fruir sua garantia fundamental consagrad a na Constituição de provocar o Judiciário para proteção e salvaguarda contra lesão ou ameaça a direito dos mesmos, constitui uma ofensa de tal in tensidade à Carta da República que não poderia ser incluída na mesma nem por emend a constitucional, por força da proteção extraordinária conferida a tal garantia constitucional incluindo-a dentre as chamadas cláusulas pétreas, abrigadas no artigo 60, § 4º, item IV da Constituição Federal.

62. Ou seja, a obrigação de renunciar ao direito

fundamental à jurisdição imposta aos Estados pela disposição do § 3º do artigo 3º -- reafirmada pelo artigo 13, inciso III -- ambos d a Lei Complementar nº 159, de 2017, só teria validade, pelo nosso ordenamento jur ídico, se fosse fruto de deliberação do legislador investido em poder consti tuinte originário, o que, de nenhuma forma, é o caso do legislador da Lei Comple mentar nº 159, de 2017, pelo que absolutamente inválida tal disposição , havendo assim que ser declarada por esse Colendo Supremo Tribunal Federal.

63. Cumpre registrar, para realçar não só a

inconstitucionalidade da disposição em comento, como sua total falta de razoabilidade jurídica, que, podem surgir novas questões, inclusive envolvendo as tratativas em torno do dimensionamento da dívida dos Estados e Distrito Federal, e fixação de seu exato valor, bem como sobre cumprimento ou não de pactuações feitas pelas partes, que podem eventualmente necessitar da provocação do Judiciário para solução das mesmas. Como renunciar ao irrenunciável direito de provocação do Judiciário em face de lesão a direito dos Estados? Além de impossível juridicamente, sequer seria razoável tal exigência leonina por parte da União, por meio de sua inclusão na Lei Complementar nº 156, de 2016.

64. Bem Ilustrativa de tal a recente decisão monocrática

proferida pelo Ministro MARCO AURÉLIO na Medida Cautelar na Petiçã o nº 7.173 (doc. 17) , a quem foi distribuída, que, mesmo em se tratando de medida cautelar requerida pelo Estado do Rio Grande do Sul, que está celebrando com a União contrato aditivo para renegociação de dívida relativa à pactuação da Lei nº 9.496, de 1997, e em plena vigência da disposição aqui impugnada, inquin ada de inconstitucional , desconsiderou inteiramente a mesma, decidindo por deferir a liminar requerida para “determinar à União que se abstenha de: 1) cobrar as prestações mensais relativas ao Contrato nº 14/98/STN/COAFI; 2) tomar qualquer medida restritiva contra

o Estado do Rio Grande do Sul, decorrente do referido Contrato; 3) inscrever o ente nos cadastros de inadimplência; 4) efetuar a retenção de verbas cujo repasse ao autor esteja legal ou constitucionalmente prevista; 5) executar contragarantias de empréstimos, garantias ou outros contratos celebrados em data anterior ao ajuizamento da ação, inclusive obrigações referentes à Lei nº 9.496/1997.”

65. Enfim, nem o legislador infraconstitucional federal

poderia impor a obrigação aos Estados e Distrito Fe deral de renunciarem ao seu direito fundamental à jurisdição, para provocar o J udiciário para afastar lesão ou ameaça a direito dos mesmos; nem o legislador estad ual ou distrital poderia renunciar ou autorizar a renúncia a tal garantia fu ndamental conferida aos Estados e Distrito Federal pela Carta Federal, como visto . E, se nem o legislador poderia fazê-lo, que dirá a Administração - o Executivo Estadual e Distrital, que é quem vai celebrar o acordo, em nome dos Estados e Distrito Federal – para quem existe, ainda, o óbice representado pela cabal submissão da Administração ao princípio da legalidade; e o seu consectário, o óbice intransponível da indisponibilidade do interesse público, que é no que se resume a natureza de todos os interesses da Administração e suas ações voltadas para consecução dos mesmos.

66. Determina a Constituição Federal, no artigo 37,

caput, de forma categórica, a obrigatoriedade da administração pública – Poder Executivo, preponderantemente – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de observância, dentre outros, do princípio da lega lidade . Isto se traduz, conforme lição do respeitado e eminente juspublicista MIGUEL SEABRA FAGUNDES (O Controle dos atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 6ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 1984, p. 5), que o objeto da função administrativa é concretizar a vontade expressa na lei, e só. E arremata: “A administração tem como finalidade exclusiva os fenômenos de realização do direito; a legislação é formadora do direito e a administração executora.”

67. Disso não discrepa o também administrativista HELY

LOPES MEIRELLES (Direito administrativo brasileiro, 33ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2007, p. 87), quando assinala: “A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido... Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”

68. No mesmo sentido, a manifestação de DIÓGENES

GASPARINI (Direito administrativo, 2ª edição, São Paulo, Ed. Saraiva, 1992, p. 6) e de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Curso de direito administrativo, 17ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2004, p. 90/96), onde registra, de forma enfática, que “o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os

seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.”

69. Visceralmente ligado ao princípio da legalidade –

sendo apontado por alguns como como uma das razões de ser do mesmo – temos o princípio da indisponibilidade pela Administração d o interesse público, encarecendo CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (Ob. citada, p. 65), que na administração pública os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador, para quem coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos pela lei. É a ordem legal que dispõe sobre tal finalidade.

70. Também HELY LOPES MEIRELLES (Ob. Citada, p.

103) registra a adoção, pelo Sistema Constitucional Brasileiro, do princípio da indisponibilidade do interesse público pela Administração, que não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado (no sentido amplo), que, por isto, somente mediante lei poderá autorizar a disponibili dade ou a renúncia do interesse público . Igual entendimento é manifestado por DIÓGENES GASPARINI (Ob. citada, p. 13).

71. Destarte, em face da indisponibilidade do interesse

público, e da ausência de norma especifica nas legi slações estaduais e distrital autorizando expressamente a desistência -- na ampli tude determinada pelo § 3º, do artigo 3º, da Lei nº 159, de 2017 – pelos Estado s e Distrito Federal das ações em andamento contra a União em que se discute, dívi das relativas à Lei nº 9.496, de 1997, não há como os mesmos atenderem a tal exig ência descabida e inconstitucional. E nem muito menos podem, os Estad os e o Distrito Federal, desistir da propositura de novas ações (renúncia ao direito à jurisdição), esta pela impossibilidade jurídica de tanto, face à nossa Con stituição Federal, dada a natureza de tal garantia fundamental, incluída que é dentre as cláusulas pétreas.

VI - CONCESSÃO LIMINAR DE MEDIDA CAUTELAR

72. A demonstração, até aqui feita, da colisão frontal do

artigo 2º, § 1º, artigo 3º, § 3º, artigo 8º e artigo 13, todos da Le i Complementar nº 159, de 2017, com o princípio federativo e o princípio autonômico das unidades federadas dele decorrente (Constituição da Repúblic a, artigos 1º, 18, 25 e 32); e com o princípio da inafastabilidade da apreciação p elo Poder Judiciário) de lesão ou ameaça de direito (unicidade de jurisdição - art igo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal) , atende ao requisito do fumus boni juris, a legitimar o pedido de concessão liminar de medida cautelar suspensiva da aplicação dos dispositivos impugnados.

73. Além disso, em tema de periculum in mora, a aplicação e exigência de observância pela União das medidas estabelecidas nos dispositivos impugnados , nas renegociações com os Estados voltadas para solucionar o problema das dívidas dos mesmos referentemente à Lei nº 9.496, de 1997, por não estarem conseguindo pagar tais dívidas, em função do quadro geral de instabilidade econômica por que vem passando o País há algum tempo, como de todos sabido, é extremamente danosa aos Estados e Distrito Federal . E, por consequência, danosa à coletividade como um todo, p ela dificuldade de tais entes desempenharem suas atividades, e, particularmente, danosa aos servidores públicos ativos e inativos, que, ou estão sem receb er seus vencimentos e proventos, ou estão recebendo-os com atrasos, algun s bastante significativos.

74. É que, os dispositivos acoimados de inconstitucionais,

como já salientado, a par de violarem disposições basilares da Carta Federal, qu e consagram o princípio federativo e o princípio auto nômico dele decorrente; e que estabelecem garantia fundamental da Carta da Repúbl ica que impede seja subtraída da apreciação do Poder Judiciário qualque r lesão ou ameaça de direito, de pessoas físicas ou jurídicas, inclusive as pesso as políticas; acaba por inviabilizar ou pelo menos dificultar a celebração de acordos pelos Estados endividados com a União, criando óbices intransponí veis para tanto, como já demonstrado linhas atrás.

75. Com isto, mantém o estado de inadimplência dos

Estados e Distrito Federal no cumprimento de suas o brigações de garantir os serviços básicos a seu cargo, como educação, saúde, segurança pública, dentre outros; e garantir o funcionamento da máquina pelo pagamento aos seus servidores pelo trabalho por eles desenvolvido para manutenção de tais serviços públicos básicos e essenciais à coletividade como u m todo. Dentre tais servidores, estão os fiscais e auditores, que são e xatamente os encarregados de garantir, pelas atividades de fiscalização e lançam ento, para que os contribuintes dos tributos a cargo do Estado cumpram com suas obr igações, e carreiem para os cofres públicos as receitas necessárias à manutençã o de todos os serviços e atividades referidos.

76. Importante ressaltar que todos os Estados e Distrito

Federal que estão em dificuldades, como as aqui relatadas, estão procurando atender às exigências legitimamente (em termos jurídicos) estabelecidas pela Lei Complementar nº 159, de 2017, o que não é o caso das exigências abrigadas no artigo 2º, § 1º, artigo 3º, § 3º, artigo 8º e artigo 13 da mencionada lei, como já demonstrado. Estes fatos são de conhecimento público e vem sendo amplamente noticiados pela Imprensa, deles tendo ciência essa Colenda Corte, é certo.

77. Foi a consideração de tais fatos e circunstâncias,

relativamente mais especificamente ao Estado do Rio Grande do Sul, requerente da medida, que levaram o Ministro MARCO AURÉLIO, Relator da Medida Cautelar na

Petição nº 7.173 (doc. 17 ), a deferir a mesma, como anotado pelo mesmo como fundamento de sua decisão:

“O Poder Judiciário não pode assistir impassivo a falência de um Estado da Federação, a prejudicar dezenas de milhões de pessoas que dependem da continuidade da prestação de serviços públicos fundamentais, assegurada a garantia dos direitos básicos, como saúde, educação e segurança, e, no caso dos milhares de servidores públicos, ativos e inativos, a justa remuneração pelo trabalho, a qual lhes possibilita prover as necessidades da família e a dignidade dos integrantes.”

78. Evidenciado, portanto, o periculum in mora, pois o prejuízo não será mais só dos servidores ativos e inativos, como já demonstrado, mas do próprio Estado e da sociedade como um todo, que é quem arca com as despesas do Estado para desempenho das atividades a seu cargo, de interesse comum, isto por meio de tributos, que acabarão sendo recolhidos somente por aqueles que espontaneamente se disponham a fazê-lo, pois a máquina estatal, com o atraso sistemático ou mesmo o não pagamento aos servidores encarregados dos diversos serviços e atividades desenvolvidas pela Administração Pública, irão diminuindo de intensidade, podendo chegar até à sua paralisação. Daí, a solução já se adivinha qual será: o aumento dos impostos dos que cumprem suas o brigações tributárias, hipótese que já vem sendo aventada.

79. Os danos serão irreparáveis, seja para os servidores

ativos ou inativos dos Estados e Distrito Federal, dentre eles os fiscais e auditores fiscais, seja para a população como um todo, por meio da deficiência na prestação dos serviços básicos a cargo da Administração, como saúde, educação e segurança; isto sem falar no aumento de impostos, como visto.

80. Tais circunstâncias todas aqui expostas, a par de

indicarem a existência do periculum in mora e do fumus boni juris, a justificarem a concessão de medida cautelar suspensiva da aplicação e vigência dos dispositivos impugnados – o artigo 2º, § 1º, artigo 3º, § 3º, artigo 8º e artigo 13, todos da Lei Complementar Federal nº 159, de 2017 -- demonstram, também, a excepcional urgência para sua concessão sem a oitiva prévia dos órgãos e autoridades do Congresso Nacional e do Governo Federal, dos quais emanou a Lei Complementar Federal nº 156, de 28 de dezembro de 2016, na conformidade do disposto no artigo 10, § 3º, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, bem como do § 1º, do artigo 170, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, diante dos efeitos concretos e iminentes que derivam do dispositivo ofensivo à Constituição Federal. Tudo como vem decidindo essa Augusta Corte, por seu Pleno, como se colhe de inúmeros precedentes, a exemplo dos acórdãos proferidos nas ADI Nº 3.978-MC (Rel Min RICARDO

LEWANDOWSKI, Pleno, DJ de 15/02/2008), ADI Nº 3.923-MC (Rel Min EROS GRAU, Pleno, DJ de 15/02/2008), ADI Nº 1.910-MC (Rel Min SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, DJ de 22/04/2004), ADI nº 3.049-MC (Rel Min CÉZAR PELUSO, Pleno, DJ de 12/03/2004), ADI nº 3.262-MC (Rel Min CARLOS BRITTO, Pleno, DJ de 04/03/2005), ADI nº 930-MC (Rel Min CELSO MELLO, Pleno, DJ de 31/10/97) e ADI nº 1.799-MC (Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno, DJ de 12/04/2002).

81. Os mesmos motivos e circunstâncias animam a Requerente FEDERACÃO BRASILEIRA DE ASSOCIAÇÕES DE FISCAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS (FEBRAFITE) a pleitear que a liminar, dotada de eficácia contra todos, seja concedida em efeito ex-tunc, desde a data da publicação da Lei Complementar Federal nº 159, 19 de maio de 2017, na forma autorizada pelo artigo 11, § 1º, da Lei 9.868, de 1999.

VII – PEDIDO 82. Ante o exposto, requer a Autora, a FEDERACÃO

BRASILEIRA DE ASSOCIAÇÕES DE FISCAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS (FEBRAFITE):

a) liminarmente, a concessão de medida cautelar , por esse Colendo Supremo Tribunal Federal, antes de se solicitar as informações, nos termos do artigo 10, caput e § 3º da Lei nº 9.868, de 1999, e artigo 170, § 1º, do Regimento Interno dessa Colenda Corte, visando à imediata suspensão da eficácia dos dispositivos maculados por inconstitucionalidade, quais sejam, os artigos 2º, § 1º, artigo 3º, § 3º, artigo 8º e artigo 13 , da Lei Complementar Federal nº 159, de de 2016; e com eficácia retroativa até a data da publicação de tal Lei Complementar Federal 159, 19 de maio de 2017, porque presentes os requisitos da excepcional urgência, da relevância do interesse público e da irreparabilidade do prejuízo dos Estados e do Distrito Federal, das respectivas populações, e dos servidores públicos, todos atingidos, seja diretamente, seja por via reflexa; b) após concedida a medida cautelar , sejam solicitadas as informações pertinentes ao Presidente do Senado Federal, ao Presidente da Câmara Federal e ao Presidente da República, cumprindo-se, a partir daí, com ou sem ditas informações, o disposto nos artigos 171 e seguintes do RISTF e nos artigos 8º e 9º da Lei nº 9.868, de 1999; c) e, finalmente, esperando haver demonstrado a inconstitucionalidade dos artigos 2º, § 1º, artigo 3º, § 3º, artigo 8º e artigo 13 , todos da Lei Complementar Federal nº 159, de 19 de maio de 2016, que esse Colendo Supremo Tribunal Federal, proclamando a

inconstitucionalidade argüida, julgue procedente a presente ação, comunicando-se a V. decisão aos órgãos legislativos responsáveis, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, e bem assim ao Presidente da República.

Dá-se à causa o valor de R$1.000,00. Brasília, Distrito Federal, aos 29 de setembro de 2017. P.p. JOSÉ ALFREDO BORGES Advogado - OAB/MG nº 21.350 P.p. SEBASTIÃO HASENCLEVER BORGES NETO Advogado – OAB/MG nº 79.551

DOCUMENTOS ANEXOS:

01. Procuração; 02. Termo de Posse da Diretoria da FEBRAFITE; 03. Estatuto da FEFRAFITE; 04. Certificação das entidades estaduais representadas pela FEBRAFITE; 05. Lei Complementar Federal nº 159, de 2017; 06. MS 34.023 – Decisão monocrática liminar; 07. MS 34.023 – Decisão Agravo Regimental; 08. MS 34.023 – Decisão MS – Sobrestamento; 09. Ata da Reunião MF e Governadores de 20/06/2016; 10. MS 34.023 – Decisão de questão de ordem; 11. MS 34.023 – Acórdão de julgamento da questão ordem; 12. MSs 34.110, 34.122 e 34.141 – Registros e decisão cautelar; 13. Registro do Projeto da Lei Complementar nº 156, de 2016; 14. Lei Complementar nº 156, de 2016; 15. Nota de andamento da ADI nº 5.757; 16. Registro do Projeto da Lei Complementar nº 159, de 2017; 17. Medida Cautelar na Petição nº 7.173 - Decisão monocrática