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JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS Novos Desafios

Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

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JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

Novos Desafios

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www.lumenjuris.com.br

EDITORESJoão de Almeida

João Luiz da Silva Almeida

Adriano PilattiAlexandre Freitas CâmaraAlexandre Morais da RosaAury Lopes Jr.Cezar Roberto BitencourtCristiano Chaves de FariasCarlos Eduardo Adriano JapiassúCláudio CarneiroCristiano RodriguesElpídio DonizettiEmerson GarciaFauzi Hassan ChoukrFelippe Borring Rocha

CONSELHO EDITORIAL

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Rio Grande do SulRua Riachuelo, 1335 - CentroCEP 90010-271 – Porto Alegre - RSTel. (51) 3211-0700

Espírito SantoRua Constante Sodré, 322 – Térreo CEP: 29055-420 – Santa Lúcia Vitória - ES.Tel.: (27) 3235-8628 / 3225-1659

Álvaro Mayrink da CostaAmilton Bueno de CarvalhoAndreya Mendes de Almeida

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CONSELHO CONSULTIVO

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FERNANDO GAMA DE MIRANDA NETTO

FELIPPE BORRING ROCHA- Organizadores -

JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

Novos Desafios

EDITORA LUMEN JURIS

Rio de Janeiro2010

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Copyright © 2010 by Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Categoria: Processo Civil

Produção EditorialLivraria e Editora Lumen Juris Ltda.

A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA.não se responsabiliza pela originalidade desta obra

nem pelas opiniões nela manifestadas por seus Autores.

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusivequanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais

constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei no 10.695, de 1o/07/2003),sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei no 9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados àLivraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

--------------------------------------------------------------------------------J87

Juizados especiais cíveis : novos desafios / Fernando Gama de Miranda Netto,Felippe Borring Rocha, organizadores. - Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2010.

ISBN 978-85-375-0735-3

1. Juizados especiais cíveis - Brasil. I. Miranda Netto, Fernando Gama de, 1977-.II. Rocha, Felippe Borring, 1974-.

10-0228. CDU: 343.197(81)15.01.10 19.01.10 017175

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Sumário

Colaboradores .......................................................................................................... vii

Apresentação ........................................................................................................... xiAlexandre Freitas Câmara

I - JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS:SEGURANÇA, EFICÁCIA E PROCESSO JUSTO

1. Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismo e Pragmatismo nosJuizados Especiais Cíveis Estaduais ................................................................. 3Felippe Borring Rocha

2. Garantias do Processo Justo nos Juizados Especiais Cíveis ............................ 49Fernando Gama de Miranda Netto

3. Os Juizados Especiais, a Insegurança Jurídica e o Direito Medieval ............. 71Gustavo Santana Nogueira

4. Conciliação, Juízes Leigos e Uniformização de Jurisprudência: Instrumentospara o Enfrentamento da Demanda nos Juizados Especiais Cíveis ............... 93José Guilherme Vasi Werner

II - AÇÃO E COMPETÊNCIA NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

5. Considerações em Torno de Algumas Questões Polêmicas no Âmbito dosJuizados Especiais ............................................................................................. 107Aluisio Gonçalves de Castro MendesJoão Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

6. A Demanda no Sistema dos Juizados Especiais Cíveis: o Pedido e a Causa dePedir .................................................................................................................. 133Mario Cunha Olinto Filho

III - RECURSOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

7. Aspectos Relevantes do Sistema Recursal dos Juizados Especiais ................. 169Gustavo Quintanilha Telles de Menezes

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8. Da Recorribilidade das Decisões Interlocutórias nos Juizados Especiais CíveisFederais e Estaduais.......................................................................................... 181Bruno Garcia Redondo

IV - PROCESSO ELETRÔNICO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

9. Os Juizados Especiais Cíveis e o E-Process: O Exame das Garantias Proces-suais na Esfera Virtual...................................................................................... 209Humberto Dalla Bernardina de PinhoMárcia Michele Garcia Duarte

10. Reflexões sobre o Processo Eletrônico nos Juizados Especiais Cíveis ........... 233Erick Linhares

V - DIREITO DO CONSUMIDOR E JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

11. Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais? ................................. 247Delton Ricardo Soares MeirellesMarcelo Pereira de Mello

12. Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbito dos Juizados EspeciaisCíveis Estaduais e Federais .............................................................................. 281Roberta Barcellos Danemberg

VI - JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E O PODER PÚBLICO

13. Da Criação de Juizados Especiais para as Causas que Envolvam Estados, Dis-trito Federal e Municípios ............................................................................... 321Marcia Cristina Xavier de Souza

14. Os Juizados Especiais Federais Cíveis sob a Ótica do Acesso à Justiça ......... 347André da Silva Ordacgy

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vi Sumário

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Colaboradores

AAluisio Gonnçaalves de Caastro Menndes([email protected])Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Regensburg, Alemanha. Doutor emDireito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pelaJohann Wolfgang Goethe Universität (Frankfurt, Alemanha). Mestre em Direitopela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Direito pela Uni-versidade de Brasília (UnB). Professor da Universidade do Estado do Rio de Janei-ro (UERJ) e da Universidade Estácio de Sá (Unesa). Juiz Federal no Rio de Janeiro.Principais obras: Teoria Geral do Processo, Lumen Juris, 2009; Competência Cívelna Justiça Federal, 2ª ed., RT, 2006; Ações Coletivas, RT, 2002, 2ª ed., 2009.

AAnndré daa Silvaa OrdaacggyDoutorando em Ciências Jurídicas e Sociais em Buenos Aires (AR). Mestreem Estado, Direito e Justiça. Pós-Graduado em Direito Civil. Professor daFESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado doRio de Janeiro) e dos cursos de Pós-Graduação da Universidade Estácio de Sá– UNESA Defensor Público da União, titular do Ofício de Direitos Humanose Tutela Coletiva no Rio de Janeiro. Coordenador Regional Sudeste do IBAP(Instituto Brasileiro de Advogados Públicos).

Brunno Gaarciaa Redonndo([email protected])Especializando em Direito Processual Civil pela PUC-Rio. Pós-Graduado emDireito pela EMERJ e pela ESAP. Professor Auxiliar da PUC-Rio e ProfessorSubstituto de Direito Processual da UFF. Membro do IBDP. Advogado.Principal obra: Penhora, Ed. Método, 2007 (em co-autoria com Mário VitorSuarez Lojo).

Deltonn Ricaardo Soaares Meirelles([email protected])Doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).Professor Assistente de Direito Processual da Universidade Federal Flu-minense (UFF). Pesquisador do Grupo “Sociedade, Direito e Justiça” (UFF),cadastrado no CNPq. Vice-coordenador de Graduação em Direito da UFF.

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Erick Linnhaares([email protected])Doutorando em Relações Internacionais - UFRR/UnB. Coordenador do PRO-JUDI – TJRR. Juiz de Direito. Principais obras: Manual Prático do JuizadoEspecial Cível, 2ª ed., Juruá, 2007; Juizados Especiais Cíveis: Comentários aosEnunciados do FONAJE, 3ª ed., Juruá, 2008.

Felippe Borrinngg Rochaa([email protected])Doutorando e Mestre em Direito. Professor de pós-graduação em Direito naUniversidade Candido Mendes, na Universidade Gama Filho, na Escola daMagistratura do Estado do Rio de Janeiro e na Escola Superior da Advocaciado Rio de Janeiro. Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro. Principaisobras: Juizados Especiais Cíveis: Aspectos Polêmicos da Lei nº 9.099, de26/9/95, 5ª ed., Lumen Juris, 2009; Teoria Geral dos Recursos Cíveis, Campus,2008.

Fernnaanndo Gaammaa de Miraanndaa Netto (www.professores.uff.br/fernandogama)Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho (RJ), com período de pes-quisa de um ano junto à Deutsche Hochschule für Verwaltungswissenschaftende Speyer (Alemanha) e junto ao Max-Planck-Institut (Heidelberg) com bol-sa CAPES/DAAD. Professor Adjunto de Direito Processual da UFF (2009).Pesquisador do Grupo “Observatório da Justiça Brasileira” (FND/UFRJ). Advo-gado. Principais obras: Ônus da Prova no Direito Processual Público, LumenJuris, 2009; A ponderação de interesses na tutela de urgência irreversível,Lumen Juris, 2005.

Gustaavo Quinntaannilhaa Telles de Mennezes([email protected])Mestrando em Direito Processual pela Universidade do Rio de Janeiro.Professor da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado doRio de Janeiro. Juiz de Direito no Rio de Janeiro.

Gustaavo Saanntaannaa Noggueiraa([email protected])Mestrando em Direito pela UNESA/RJ. Professor licenciado de DireitoProcessual Civil na UCAM/RJ. Professor da Pós-Graduação na UniversidadeFederal da Bahia – UFBA. Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.Principal obra: Curso Básico de Processo Civil: Teoria Geral do Processo,Lumen Juris, 2004, Tomo I.

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viii Colaboradores

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Hummberto Daallaa Bernnaardinnaa de Pinnho(www.humbertodalla.pro.br)Pós-Doutor em Direito (University of Connecticut). Doutor e Mestre em Di-reito (UERJ). Professor Adjunto de Direito Processual Civil da Universidadedo Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Estácio de Sá(UNESA/RJ). Promotor de Justiça Titular/RJ. Principais obras: Teoria Geraldo Processo Civil Contemporâneo, 2ª ed., Lumen Juris, 2009; Teoria Geral daMediação, organizador, Lumen Juris, 2008.

João Bosco Wonn Held Gonnçaalves de Freitaas FilhoAdvogado no Rio de Janeiro; Ex-Procurador do Município de Mesquita noEstado do Rio de Janeiro; Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá(UNESA); Professor Auxiliar na UNESA; Professor Visitante dos Programasde Pós-Graduação em Direito na Universidade Candido Mendes (UCAM), naUniversidade Gama Filho (UGF) e na VRB; Professor na Escola Superior deAdvocacia - ESA (OAB/RJ – 24ª Subseção); Professor no Centro de EstudosJurídicos 11 de agosto – CEJ.

José Guilhermme Vaasi Wernner([email protected])Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).Professor da Pós-Graduação de Processo Civil da Fundação Getúlio Vargas.Juiz de Direito (Titular do XX Juizado Especial Cível da Comarca da Capitaldo Estado do Rio de Janeiro). Principal obra: A formação, o controle e a extin-ção dos contratos de consumo, Renovar, 2006.

Maarcelo Pereiraa de MelloDoutor em Ciência Política (IUPERJ). Professor Adjunto da UFF, vinculadoao Departamento de Sociologia e ao Grupo de Pesquisa “Sociedade, Direito eJustiça”. Coordenador do PPGSD/UFF. Obras organizadas: Sociologia eDireito: explorando as interseções, Niterói: PPGSD, 2007; Justiça e Sociedade:temas e perspectivas, LTr, 2001.

Maarciaa Cristinnaa Xaavier de Souzaa([email protected])Doutora em Direito pela UGF. Professora Adjunta de Direito Processual Civilda UCAM/Centro, da Faculdade de Direito do IBMEC/RJ e da FND/UFRJ.

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ixColaboradores

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Márciaa Michele Gaarciaa Duaarte(www.mmgarciaduarte.com.br)Mestre em Direito Público pela UNESA/RJ (ex-bolsista do PROSUP-CAPES).Pós-Graduada em Direito e em Didática do Ensino Superior. ProfessoraUniversitária e Advogada.

Maario Cunnhaa Olinnto Filho([email protected])Mestre em Direito pela UGF/RJ. Professor de Direito Processual Civil daUCAM/RJ (Centro). Ex-Professor de Direito Processual Civil da UFRJ. Juiz deDireito no Rio de Janeiro.

Robertaa Baarcellos Daannemmbergg(www.direitoemdebate.com)Bacharel em Direito pela PUC-Rio. Editora do Portal Direito em Debate.Vencedora do 35º concurso de monografias da OAB/RJ (Prêmio JurídicoPaulo Fontenelle categoria: advogados) sobre o tema “A tutela do consumi-dor superendividado”. Advogada.

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x Colaboradores

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Apresentação

Sempre tive uma relação complicada com os Juizados Especiais Cíveis.Como jurista, dedicado ao estudo do direito processual civil, a ideia de umsistema processual rápido, barato, informal, oral e eficiente sempre foimotivo de encantamento. Como advogado – que fui por quase vinte anos –sempre tive verdadeiro horror do que via na prática. Afinal, nos JuizadosEspeciais da vida real encontrei demandantes aventureiros, conciliadoressem treinamento adequado, juízes que “interpretavam” as normas de regên-cia do sistema sem qualquer embasamento teórico, fazendo com que cadaJuizado tivesse uma “lei” própria.

Em razão dessa relação de “amor e ódio”, resolvi, há alguns anos, ten-tar mostrar como os Juizados Especiais deveriam, na minha visão, ser com-preendidos. Isto me levou a escrever um livro, Juizados Especiais CíveisEstaduais e Federais – uma abordagem crítica, já em quinta edição. Naquelelivro tive a elevada honra de contar com o “prefácio-provocação” escritopelo meu querido e agora saudoso amigo e mestre J. J. Calmon de Passos.

Agora, alguns anos depois, pedem-me meu amigo e ex-aluno FelippeBorring Rocha e seu colaborador Fernando Gama de Miranda Netto queescreva uma apresentação para o livro coletivo sobre os Juizados Especiaisque organizaram.

O livro, que agora apresento, é uma coletânea de textos escritos porjovens (alguns já consagrados) juristas. Trata-se de uma espécie de retratodos Juizados Especiais pintado por uma nova geração.

Processualistas conhecidos e admirados, como Aluisio Gonçalves deCastro Mendes e Humberto Dalla Bernardina de Pinho, ambos professores-doutores da UERJ, e Gustavo Santana Nogueira, respeitado professor emembro do Ministério Público do Rio de Janeiro, unem-se a juízes quededicaram boa parte de sua atividade judicante aos Juizados, como José

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Guilherme Vasi Werner e Mário Cunha Olinto Filho, para apresentar suasvisões, teóricas e práticas, dos Juizados Especiais.

Temas tradicionais, como o sistema recursal, são abordados por talento-sos processualistas, como Bruno Garcia Redondo. Temas moderníssimos,como a utilização dos meios eletrônicos, são enfrentados com talento, comono trabalho do juiz Erick Linhares, que apresenta para todo o Brasil a expe-riência do acolhedor Estado de Roraima, onde exerce sua função de julgador.

A enumeração que faço, aqui, de autores e temas, é meramente exem-plificativa. O leitor saberá perceber, ao percorrer as deliciosas páginas destelivro, toda a riqueza de seu conteúdo.

Tudo isso se dá sob a batuta de dois conhecidos e respeitados jovensprocessualistas: Fernando Gama de Miranda Netto, professor universitário,doutor em direito, e Felippe Borring Rocha, mestre em direito, professoruniversitário e defensor público, os quais são, além de organizadores dolivro, autores de textos instigantes.

A leitura de textos como os reunidos na obra que tenho a honra deapresentar serve para mostrar que aquela conturbada relação que sempremantive com os Juizados Especiais pode se modificar. Para minha felicida-de, essa relação, de trato sucessivo, pode ser modificada pelo surgimento denovas circunstâncias, como é o aparecimento deste livro. A transformaçãoem realidade do que sustentam os jovens autores desta obra certamente serácapaz de apagar – não da memória, pois o esquecimento leva à repetição doque é ruim – mas da vista dos observadores todos os graves problemas queos Juizados Especiais enfrentam, permitindo-lhes exercer a contento anobre missão para a qual foram criados: ampliar o acesso à ordem jurídicajusta, algo que nos foi prometido pela Constituição da República, e que pre-cisa, urgentemente, se tornar realidade.

ALEXANDRE FREITAS CÂMARADesembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Professor de direito processual civil da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual,

da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual

e da International Association of Procedural Law.

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xii Apresentação

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IJuizados Especiais Cíveis:

Segurança, Eficácia e Processo Justo

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men Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editora

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1Desmistificando os Fantasmas:

Formalismo, Idealismo e Pragmatismonos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

Felippe Borring Rocha

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O panorama atual dos Juizados Especiais. 2.1. Justiça injusta?.2.2. A exceção que se tornou a regra. 3. Os fantasmas dos Juizados Especiais. 3.1. A opcio-nalidade do procedimento. 3.2. A reformulação estrutural da fase de conhecimento do pro-cedimento da Lei nº 9.099/95. 3.3. A necessidade de utilização do agravo de instrumento.3.4. A competência para julgar o mandado de segurança contra atos dos juízes dos JuizadosEspeciais. 3.5. A competência para julgar mandado de segurança contra atos das TurmasRecursais. 3.6. Teoria dualista: a possibilidade de tramitação de causas com valor acima de40 salários mínimos. 3.7. A natureza relativa da incompetência territorial. 3.8. A inconsti-tucionalidade da atuação judicante do juiz leigo. 3.9. A inconstitucionalidade da dispensado advogado. 3.10. A amplitude da assistência judiciária gratuita. 3.11. A natureza da inter-venção da Defensoria Pública. 3.12. A possibilidade da representação das partes nas audiên-cias. 3.13. A importância da gravação da audiência. 3.14. A possibilidade de produção daprova pericial. 3.15. A natureza incidental dos embargos à execução. 3.16. A rescindibili-dade da coisa julgada. 4. Conclusões. 5. Referências bibliográficas.

“É uma questão muito séria a da efetividade de leis novas que seimplantam no país quando portadoras de alterações substanciais oumesmo rupturas mais ou menos profundas em relação à ordem preexis-tente. Quando despregadas das tradições culturais da nação, elas têm a suaeficácia bastante dificultada pelas naturais resistências de todos, correndoo risco de permanecerem como letra-morta”. (Cândido Rangel Dina-marco, “A nova lei e os fantasmas da velha”, in: Fundamentos do ProcessoCivil Moderno, vol. II, p. 1429)

1. Introdução

Como se sabe, o costume é uma prática que deixa marcas muito fortesno Direito. Tal qual pegadas num caminho, incute na consciência do ope-rador uma série de concepções e comportamentos que, por vezes, são difí-

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ceis de serem abandonados, ainda que desprovidos de embasamento legalou mesmo lógica jurídica. Neste contexto, as pessoas repetem determinadaconduta porque a entendem como correta ou mais adequada (ou simples-mente porque não querem conhecer uma nova) e lhe atribuem uma impor-tância a ser defendida. Tal processo se torna mais evidente nos momentosde transformação legislativa, quando a norma “velha” se mantém viva, ape-sar das novas regras introduzidas. São os “fantasmas” mencionados peloProfessor Dinamarco, na citação que abre este texto.

Por certo, existem “fantasmas” em todas as áreas do Direito, mas, atoda evidência, é no âmbito processual que eles se apresentam com maiorfreqüência. O Direito Processual, também conhecido como Disciplina dosRitos, possui uma série de formalidades procedimentais que se prendemfortemente à razão coletiva. De fato, o processo representa um sistemacoordenado de trajetos a serem percorridos para atender às pretensõesdeduzidas em juízo. Assim, nada mais natural do que a resistência em sepercorrer novos e desconhecidos caminhos na seara processual.

Além disso, é preciso reconhecer que nos últimos anos o DireitoProcessual Brasileiro foi sacudido por uma torrente de modificações quealteraram ou até mesmo aboliram tradições jurídicas seculares, gerandoinsegurança para os atores jurídicos. Diante da profusão de alterações, oconservadorismo míngua, mas não desaparece, porque se torna um elemen-to de estabilidade para a atuação do Direito, enquanto as novidades não sãosedimentadas.

Neste contexto, não basta bradar com a lei para espantar os “fantasmas”de nosso ordenamento processual. É necessário difundir os valores agrega-dos às inovações, através da formação de uma ideologia jurídica própria,capaz de melhorar a qualidade da prestação jurisdicional não apenas noplano teórico, mas também no plano prático, principalmente para o melhorproveito dos jurisdicionados. A novidade deve ser estudada, de forma prag-mática, no dia-a-dia do foro, cotejada com o conjunto de elementos quecompõem a dinâmica daquele instituto.

Pois bem, o objetivo deste texto é reunir breves reflexões sobre algunsdos “fantasmas” que rondam os Juizados Especiais, atormentando seus ope-radores. São temas que, pelo menos sob a ótica do autor deste ensaio, vêm

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4 Felippe Borring Rocha

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sendo tratados de forma inadequada principalmente em razão de uma sériede distorções provocadas pelo choque de ideologias oriundas do “novo” sis-tema (Juizados Especiais) e do “velho” sistema (CPC).

É preciso desde logo reconhecer que se em alguns momentos as solu-ções aventadas tendem para a primazia do “novo”, não raras vezes, rumamem sentido oposto. São situações onde as novas diretrizes não apenas deixa-ram de produzir o resultado que lhes era esperado, mas também se choca-ram com preceitos e regras constitucionais. Não é preciso dizer que se tratade uma empreitada no mínimo arriscada. Defender o “velho” normalmen-te é associado ao anacronismo. Soa ultrapassado. Mas não se pode partir dapremissa de que tudo que é novo é bom. Ademais, o formalismo, mesmonos Juizados Especiais, pode ser empregado com uma nova ideologia, com-prometida não apenas com os seus princípios informativos, mas tambémcom a segurança jurídica e a qualidade da prestação jurisdicional. Com efei-to, se não houver um equilíbrio, as maiores virtudes dos Juizados Especiaispodem se transformar nos seus maiores defeitos.

2. O panorama atual dos Juizados Especiais

2.1. Justiça injusta?

Primeiramente, é necessário reconhecer que nos últimos anos a quali-dade da tutela jurisdicional prestada nos Juizados Especiais sofreu significa-tiva piora. Por um lado, se é certo que se verificam situações criticáveis doponto de vista qualitativo em todos os órgãos judiciais (aspecto inerente ànossa condição humana de falibilidade), por outro, não se pode negar quetais situações se avolumam de forma impressionante e sistemática nosJuizados Especiais, muitas vezes incorporadas ao seu cotidiano.

Pouco tem se falado a respeito, mas os reflexos desta crise têm sidocada vez mais visíveis. Muito advogados olham com desprezo para osJuizados Especiais, preferindo trabalhar nas varas cíveis, mesmo quandopodem lançar mão do procedimento especial. Alguns julgadores, aprovei-tando-se da liberdade proporcionada pela Lei, implementam posturasirreais, ilegais e, mesmo, autoritárias. Diversas partes, especialmente as mais

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5Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismoe Pragmatismo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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simplórias, são frustradas na suas expectativas de verem seus direitos ade-quadamente tutelados, seja porque não foram orientados adequadamentequando ingressaram nos Juizados, seja porque não foram acompanhados aolongo do procedimento. Pior: as causas nos Juizados têm durado tanto oumais tempo do que as aforadas nas varas cíveis.

É preciso com urgência reconhecer a importância e os riscos que estasituação gera para o Poder Judiciário e para a sociedade de um modo geral.

De uma forma bastante resumida, pode-se dizer que estes problemastêm quatro causas principais: a elevada e crescente demanda pelos serviçosjudiciais; a limitada estrutura material e humana disponível; a falta de umapostura instrumental legítima dos operadores do Direito; e a falta de umcontrole mais rígido sobre o que é feito nestes órgãos.

Consoante, a liberdade propiciada pela malha principiológica, a irre-corribilidade das decisões interlocutórias, a exigência de custas pararecorrer, a inexistência de ação rescisória, a falta de um mecanismo deuniformização da jurisprudência na seara estadual, dentre outras caracte-rísticas, quando mal utilizadas, têm permitido a distorção do funciona-mento dos Juizados.

Neste passo é preciso deixar bem claro que não se está defendendo aabolição destas e de outras características da Lei nº 9.099/95, muitas delasevidentemente positivas e necessárias ao funcionamento do sistema. Mas épreciso adotar medidas que permitam que estas características produzam osresultados que dela se esperam e, ao mesmo tempo, minimizem os “efeitoscolaterais” que se tem observado. Neste contexto, algumas experiênciasvêm sendo implantadas por todo o País com resultados animadores. Eisalgumas delas: oferecer uma melhor estrutura material e humana, comênfase no treinamento para atendimento da população e na promoção dosmeios auto-compositivos dos conflitos (RS, MS, DF); prestação dos serviçosda Defensoria Pública junto aos Juizados (RJ); investimento maciço eminformática, preferencialmente, com a implantação dos processos eletrôni-cos, filmagem das audiências, atendimento via internet, leilões virtuais etc(Juizados Especiais Federais, PR, RR); maior integração com a sociedade –divulgação pública das decisões, debate sobre as questões que mais atingemos jurisdicionados, intervenção em universidades e escolas etc. (PR, RS, SP,

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6 Felippe Borring Rocha

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PE); atuação mais intensa e rígida da Corregedoria Geral de Justiça (SP);uniformização da jurisprudência e dos procedimentos a serem adotados nosJuizados (Juizados Especiais Federais); divulgação da jurisprudência forma-da nos Juizados (RJ, RS, PR); e, revisão do sistema recursal, especialmentecom introdução do agravo de instrumento (SP).

Os Juizados Especiais são uma realidade incontestável. Não se podemais pensar no Poder Judiciário sem estes órgãos. Por isso, é preciso urgen-temente arregaçar as mangas e abraçar a sua causa. Os operadores doDireito têm que assumir o compromisso de buscar melhorar o quadro exis-tente, através do debate de idéias, da articulação entre a sociedade civil e ogoverno, da implantação de novas práticas que possam aprimorar a qualida-de da tutela jurisdicional prestada.

2.2. A exceção que se tornou a regra

Os Juizados Especiais, cujo funcionamento se deu no início de 1996(sucedendo os Juizados de Pequenas Causas, implantado em 1984), já res-pondem atualmente por, no mínimo, a metade do total de processos quetramitam na área cível das Justiças Estadual e Federal. No Rio Grande doNorte e no Amapá, por exemplo, a participação dos Juizados Especiais járepresenta mais de 60% das demandas propostas. Com isso, é possível afir-mar que os Juizados Especiais deixaram de ser uma exceção para se torna-rem a regra em nosso sistema judiciário. De fato, hoje, especial, no sentidoquantitativo, é aquilo que vai para uma vara cível, empresarial ou orfano-lógica, por exemplo.

A respeito dessa inversão, duas indagações merecem destaque: seráque realmente mais da metade das causas em nosso País são de menor com-plexidade? Será que os Juizados podem e devem ser a regra em no PoderJudiciário pátrio?

A primeira pergunta é a mais difícil de responder, uma vez que nãohá no Brasil um banco de dados sólido e analítico sobre o perfil das causaspropostas em nossos tribunais. Embora sejam louváveis os esforços envida-dos pelo Ministério da Justiça e pelo Conselho Nacional de Justiça emreverter esse quadro, a verdade é que ainda hoje pouco se sabe sobre os

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7Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismoe Pragmatismo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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temas que mais causas têm gerado processos, quais os recursos que têm sidoutilizados para julgá-los, quais os resultados obtidos etc. As dimensões con-tinentais do País, com seus contrastes internos, também dificultam a fixa-ção de diretrizes comuns, capazes de embasar conclusões mais seguras.

Não obstante, ainda que lançando mão de uma boa dose de subjetivis-mo, parece correto afirmar que os Juizados Especiais estão recebendo cau-sas que deveriam ser direcionadas para o juízo ordinário. Se por um lado écerto que boa parte do crescimento da procura pelos Juizados foi originadopor demandas reprimidas, que, naturalmente, possuem reduzida complexi-dade, por outro, o engajamento da classe média, aliado ao adensamento dasrelações de consumo e à falta de controle pela Administração Pública dasatividades comerciais, trouxe às barras dos Juizados causas que teriammelhor colocação no juízo ordinário.1 São questões como as relativas aosplanos econômicos, às coberturas médicas, às revisões contratuais, dentreoutras, que exigem um maior aprofundamento instrutório e acompanha-mento técnico para serem adequadamente apreciadas.2

Consoante, se as características dos Juizados são a razão para se levar ascausas para lá, é porque está na hora (ou já passou muito da hora) de dotaro juízo ordinário destas mesmas características. Em outras palavras, paramelhorar a qualidade da atividade judicial nos Juizados, evitando a sua ordi-narização, é preciso implantar os seus aspectos bem-sucedidos nos demaisórgãos julgadores, tornando seu acesso possível e atrativo para a maioria dapopulação.

A segunda pergunta é mais fácil de responder. Com efeito, a legitimi-dade dos Juizados Especiais, como uma estrutura especial que é, repousajustamente na excepcionalidade das questões a eles sujeitas. A sua existên-cia se vincula às causas que normalmente não seriam levadas à apreciação

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1 Note-se ainda que um dos fatores que mais contribuem para o direcionamento de causas complexas aosJuizados Especiais é a isenção de encargos e ônus sucumbenciais previstos na Lei nº 9.099/95 (art. 54 e55). Assim, uma forma de atenuar o problema seria promover a eliminação da obrigação de pagamen-to de custas e taxas ou a redução no seu valor na esfera ordinária, além de reverter a acentuada tendên-cia de rejeição dos pedidos de gratuidade de Justiça legitimamente formulados, gerado pelo intentoarrecadador de alguns tribunais.

2 Imprescindível destacar que as causas enumeradas não estão, ab initio, de maior complexidade, mas, viade regra, elas se afastam do perfil necessário para serem julgadas nos Juizados Especiais, pois envolvemdiscussões jurídicas e demandam maior análise probatória.

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do Poder Judiciário, em razão da sua pequena repercussão ou reduzidovalor econômico. Transformá-los em vias ordinárias, embora possa parecercoerente com nosso estágio de desenvolvimento social e econômico, estácomprometendo as suas qualidades e o próprio papel do Poder Judiciário.

É preciso reconhecer também que em todos os lugares do mundo ondeexistem Juizados, nos moldes do sistema brasileiro, eles representam umnicho, um setor delimitado da atividade judicial. Não se tem notícia dequalquer País que tenha promovido uma concentração de suas atividadesjudicantes em modelos como o previsto pela Lei nº 9.099/95.3

Destarte, a situação atual está gerando um processo de elitização daJustiça Ordinária. Assim, quem tem recursos econômicos ou causas vulto-sas, passa a receber um tratamento diferenciado em juízo, pautado pelasegurança jurídica, contraditório pleno, atuação técnica etc., enquanto queo restante dos jurisdicionados são “encaminhados” para Juizados, onde asquestões são resolvidas com “celeridade” (pressa) e “informalidade” (atecni-calidade). Isso fere o princípio da igualdade material, pois dá tratamentodesigual aos desiguais não apenas pelos seus aspectos teóricos ou práticos,mas principalmente pelos aspectos econômicos.

3. Os fantasmas dos Juizados Especiais

3.1. A opcionalidade do procedimento

Quando da entrada em vigor da Lei nº 9.099/95, a primeira reação dadoutrina foi defender a obrigatoriedade do procedimento especial, quandoa causa estivesse enquadrada no conceito legal de menor complexidade.4Isto porque o novo Diploma não reproduziu a regra contida no art. 1º da Leidos Juizados de Pequenas Causas (Lei nº 7.244/84), que dizia expressamen-

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3 Esta afirmação tem que ser feita com uma série de cautelas, dadas as peculiaridades dos sistemas judi-ciais estrangeiros. Existem países, como a China, onde alguns órgãos judiciais podem ter seus nomes tra-duzidos como juizados ou pequenas cortes, apesar de representarem estruturas mais similares às varasjudiciais brasileiras.

4 Horácio Wanderlei Rodrigues, Lei nº 9.099/95: A Obrigatoriedade da Competência e do Rito, e J. S.Fagundes Cunha, A Competência Absoluta e a Ausência do Limite do Valor da Causa nos JuizadosEspeciais Cíveis.

9Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismoe Pragmatismo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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te que o ingresso nos Juizados era uma faculdade do autor.5 Outros autoresassinalavam ainda que a obrigatoriedade dos Juizados decorreria da nature-za da Lei nº 9.099/95, que teria criado um novo componente dentro daJustiça Ordinária.6 Alguns autores, por seu turno, sustentaram posiçãointermediária, segundo a qual a obrigatoriedade se limitaria às competên-cias ratione materiae do art. 3º da Lei (incisos II e III), por serem absolutas,não ocorrendo o mesmo em relação às competências ratione valoris domesmo dispositivo (incisos I e IV). Estas posições, entretanto, foram seretraindo e perdendo espaço para a corrente de pensamento que defendia afaculdade do titular do direito material em ajuizar a demanda perante osJuizados Especiais.

Atualmente, doutrina7 e jurisprudência8 dominantes são no sentido deque o ajuizamento da demanda nos Juizados Especiais é uma opção doautor. Os que ainda hoje refutam a possibilidade de escolha pelo ingressonos Juizados Especiais, aduzem, em geral, não ser possível às partes escolhe-rem o juízo em que vão demandar e que as normas sobre procedimentosespeciais são de ordem pública.

Na verdade, o que está na esfera de disponibilidade das partes não é acompetência judicial, mas o procedimento mais adequado às suas preten-sões. É perfeitamente possível conferir às partes esta escolha, pois ela decor-re do reconhecimento de que o sistema da Lei nº 9.099/95 restringe de

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5 Dizia o art. 1º da Lei nº 7.244/84: “Os Juizados Especiais de Pequenas Causas, órgãos da Justiça ordiná-ria, poderão ser criados nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, para processo e julgamento,por opção do autor, das causas de reduzido valor econômico”. Neste sentido, veja-se “Mais reforça,ainda, o argumento da obrigatoriedade funcional, o fato de ter constado do art. 1o da revogada Lei no7.244/84, que aqueles ‘Juizados Especiais de Pequenas Causas’ seriam adotados ‘por opção do autor, dascausas de reduzido valor econômico’, o que não ocorre, sob pena de se infringir dispositivos constitu-cionais. Intuitivo, portanto, tenha a nova lei (Lei 9.099/95) omitido a inconstitucionalidade anterior dafacultatividade, o que faz prevalecer a regra da obrigatoriedade, atendendo o fim supremo que delaemerge e que se ajusta aos princípios da Lei Maior” (TJSP – Ap. Sumária 814.776/4-SP – Rel. JuizAntônio de Pádua F. Nogueira, j. em 28/1/1999)”.

6 Assim, Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e Legislação Complementar, p. 990, Weber MartinsBatista e Luiz Fux, Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal, p.103, e Luís Felipe Salomão, Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis, p. 36.

7 Nesta corrente, dentre outros, temos Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil,vol. III, p. 470, Alexandre Freitas Câmara, Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: UmaAbordagem Crítica, p. 27, e João Carlos Pestana de Aguiar, Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Teoriae Prática, p. 37.

8 Neste sentido, veja-se o Enunciado 1 do FONAJE “O exercício do direito de ação no Juizado EspecialCível é facultativo para o autor”.

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forma marcante garantias fundamentais, tais como, a imposição da produ-ção de todas as provas em audiência, ainda que não requeridas previamen-te, a limitação ao número de testemunhas, a perícia técnica informal, ocurto período em que se desenrolam as etapas, a impossibilidade de açãorescisória, dentre outras.9 Assim, o demandante, ciente destas regras, abremão da segurança jurídica em nome de outros benefícios, tais como a cele-ridade, a isenção de custas, a concentração dos atos etc.10

É preciso lembrar, ainda, que existe nos Juizados um procedimentopara a execução dos títulos extrajudiciais no valor de até 40 salários míni-mos (arts. 3º, § 1º, II, e 53) e, até o presente momento, não se tem notíciade qualquer autor ou decisão que tenha sustentado a sua obrigatoriedade.Nenhuma vara cível logrou extinguir um procedimento executivo fundadoem título extrajudicial até 40 salários mínimos, por ser ele cabível, em tese,nos Juizados Especiais. Isso ressalta a incoerência dos defensores da tese daobrigatoriedade, pois, se houvesse obrigatoriedade, ela ali também teria queser aplicada.11

Outro aspecto a se destacar é que, conforme a prática forense jádemonstrou, existem casos em que a escolha pelos Juizados Especiais poderepresentar uma maior demora na prestação jurisdicional. É o que ocorre,por exemplo, quando se pretende ajuizar uma demanda em face de umapessoa que é, notória e sabidamente, “especialista” em fugir das citações que

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9 Neste sentido, veja-se “Os Juizados Especiais Cíveis se colocam como uma via alternativa posta à dispo-sição do autor para deduzir seu pedido, forma de facilitar o acesso à Justiça. A facultatividade quantoao uso do regime instituído pela Lei, instituidora dos Juizados Especiais Cíveis, decorre da previsão con-tida no próprio diploma, quando alude que a opção por ele implicará renúncia ao crédito excedente aolimite previsto (Lei nº 9.099/95, art. 3º, § 3º). Ademais, a faculdade de opção quanto ao autor poderoptar por regime diverso daquele normalmente previsto para a hipótese é da essência do direito pro-cessual civil brasileiro (CPC, art. 292, § 2º). Proposta a demanda perante o Juízo Comum, exercendo oautor a faculdade de escolha do regime processual, não era dado ao juiz declinar da competência emfavor do Juizado Especial Cível, tendo-o por competente em razão da a pretensão envolver valor infe-rior a quarenta vezes o salário mínimo” (TJRS – Conflito de Competência 21384-3-PA – Rel. Des.Moacir Adiers, j. em 05/12/1996).

10 Note-se, ainda, que no direito comparado os Juizados Especiais, via de regra, são colocados como umaopção para o autor.

11 A única hipótese em que corretamente não há opcionalidade é no caso do inciso I do § 1º do art. 3º, quetrata da competência para executar as decisões proferidas pelos Juizados. Neste caso, a competência éabsoluta e improrrogável (competência funcional). Assim, competentes para executar as sentenças dosJuizados Especiais são os próprios Juizados Especiais, não apenas porque o autor já fez a sua opção quan-do escolheu o procedimento da Lei nº 9.099/95 para deflagrar a fase cognitiva, mas também pelas carac-terísticas especiais que estas sentenças possuem (art. 38 e 52).

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lhe são feitas. Desta forma, não sendo possível a citação editalícia do réu(art. 18, § 2º), o procedimento poderá ser encerrado, sem resolução domérito (art. 51, caput, c/c art. 267, IV, CPC), e será necessário ajuizar umanova demanda perante o juízo ordinário.12 Não há a menor dúvida que oprocedimento dos Juizados Especiais é mais célere do que o procedimentotradicional, mas isto não significa que ele detenha o monopólio da efetivi-dade. No exemplo apresentado, o procedimento mais efetivo (mais apto amaterializar a tutela jurisdicional) é o realizado perante o juízo ordinário.

Não obstante, é forçoso reconhecer que novamente tem crescido nosmeios jurídicos a corrente de pensamento que defende a obrigatoriedadedos Juizados Especiais. Além dos argumentos já apresentados, esta linha depensamento é impulsionada, sobretudo, pela regra introduzida pela Lei dosJuizados Especiais Federais, que diz que onde houver Juizado instalado nãohaverá opção (art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.259/01).13 A origem de tal determi-nação foi a idéia, concebida durante a elaboração do anteprojeto de lei queinstituiu os Juizados Especiais Federais, de que o novo sistema era maisbenéfico para o demandante que o tradicional e que a opcionalidade pode-ria comprometer seu pleno desenvolvimento.14

Registre-se, ainda, que existem no Congresso Nacional diversos proje-tos de lei estabelecendo a obrigatoriedade dos Juizados Especiais Estaduais.São pelo menos doze propostas, sendo que a mais antiga delas é o Projetode Lei da Câmara nº 3.947/97.

Por isso, é importante reafirmar: a) a norma que determina a obrigatorie-dade dos Juizados Especiais Federais é inconstitucional, assim como seria senorma idêntica fosse incluída nos Juizados Especiais Estaduais; b) ao contráriodo que ocorre nos Juizados Especiais Federais (onde a União é ré em todos os

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12 Neste sentido, veja-se: “A Lei 9.099/95 assegura ao autor o direito de escolha pelo Juizado Especial.Conclusão, ademais, recomendada pelo fato de encontrar-se o réu em lugar incerto e não sabido, poisnão se permite a citação por edital no Juizado Especial, a teor do art. 18, § 2º, da Lei 9.099/95” (2ºTACSP – Ap. Cível 471699 – Rel. Juiz Paulo Hungria, j. em 11/12/96).

13 Diz o § 3º do art. 3º da Lei nº 10.259/01: “No foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a suacompetência é absoluta”.

14 Exposição de motivos do projeto de lei que institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbitoda Justiça Federal, elaborado no seio do Superior Tribunal de Justiça, foi publicada no Diário da Justiçada União de 12 de janeiro de 2001, p. 221.

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processos), nos Juizados Especiais Estaduais o litígio envolve, basicamente,interesses privados, o que tornaria ainda mais irrazoável a sua imposição.

Com efeito, o ideal seria que a Lei nº 9.099/95 tivesse uma previsão noseu artigo primeiro, semelhante à outrora existente na Lei dos Juizados dePequenas Causas, asseverando expressamente que a propositura da deman-da naquele juízo é uma opção do autor.

3.2. A reformulação estrutural da fase de conhecimento doprocedimento da Lei nº 9.099/95

Pode parecer difícil de acreditar, mas de acordo com a Lei nº 9.099/95,toda fase cognitiva do procedimento dos Juizados Especiais, da propositurada demanda até a prolação da sentença, deveria se encerrar em menos de 15dias. De fato, estabelece o Diploma que a audiência de conciliação deve sermarcada nos 15 dias subseqüentes à propositura da demanda (art. 16). Apósesta audiência, se não for possível a composição dos interesses, deve ser rea-lizada imediatamente a audiência de instrução e julgamento (art. 27), ondeo juiz tem o dever de proferir a sentença (art. 28).

No plano prático, entretanto, a observação das determinações legais émuito difícil. Em primeiro lugar, é até recomendável que as audiências deconciliação sejam marcadas para além dos 15 dias previstos no art. 16, casocontrário, corre-se o risco do não se lograr citar o réu num espaço tão curtode tempo, obrigando a remarcação do ato. Sublinhe-se, ainda, que ao réu égarantido o prazo de 5 dias antes da audiência para arrolar suas testemunhas,quando quiser que elas sejam intimadas (art. 34, § 1º). Ademais, a orientaçãojurisprudencial tem sido no sentido de que o demandado tem direito a sercitado com pelo menos 10 dias de antecedência em relação à data de realiza-ção da audiência conciliatória, por aplicação analógica ao art. 277 do CPC.15

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15 Neste sentido, Eduardo Oberg, Os Juizados Especiais Cíveis: Enfrentamentos e a sua Real Efetividadecom a Construção da Cidadania, in: Revista da EMERJ, vol. VII, nº 25, 2004, p. 182. Na jurisprudência,veja-se a Ementa 222 do ETRJECERJ “Audiência. Intimação. Cerceamento de defesa. Necessidade deque se faça a intimação com antecedência mínima de 10 dias, para que se possibilite à parte ré compa-recimento produzindo ampla defesa, inclusive com a presença de testemunha. Aplicação analógica doart. 277 do CPC. Art. 34 da Lei nº 9099/95. Recurso provido” e “Cerceamento de defesa. Prazo mínimo

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Da mesma forma, a previsão de que todas as audiências de conciliação,que não obtenham um acordo entre as partes, sejam convoladas em audiên-cias de instrução e julgamento, no dia-a-dia forense, é capaz de inviabilizara pauta de julgamentos. Isso porque o juiz nunca vai poder saber ao certoquantas audiências de instrução e julgamento terá que realizar. Imagine-seum juiz que marca 10 audiências de conciliação para um mesmo dia. Se emtodas houver acordos, ele passará o dia sem realizar uma única AIJ; se, aorevés, em todas elas não houver acordo, ele terá que realizar 10 audiências.Não obstante, mesmo que o juiz limite o número de AIJ a serem realizadaspor dias, ele também não terá como precisar quanto tempo cada audiênciairá tomar para ser realizada, pois não sabe quais provas serão produzidas, jáque a Lei dispensa o seu requerimento (art. 33).

Por fim, dada a enorme concentração de atos em audiência, pode tor-nar-se inviável a prolação imediata da sentença, especialmente diante deuma pauta sobrecarregada. Assim, os juízes têm preferido por marcar datapara a leitura de sentença, na própria AIJ, tornando desnecessária nova inti-mação.16 Por certo, trata-se de um desvirtuamento da Lei nº 9.099/95,17 queressuscita antiga norma do parágrafo único do art. 271 do CPC de 1939, queprevia a realização de uma audiência de publicação da sentença quando omagistrado não se sentisse apto a julgar no final da AIJ.18 Na versão atual,entretanto, não haverá uma audiência para publicar a sentença, mas apenasa liberação dos autos, na própria secretaria do Juizado, para que as partespossam realizar a sua leitura.

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entre a data da citação e a audiência. Aplicável o artigo 277, do CPC aos processos dos Juizados EspeciaisCíveis, devendo ser observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias. Nulidade da sentença. Provimento dorecurso” (TJRJ – Turmas Recursais Cíveis – Ap. 1999.700.005656-4, Rel. Mário dos Santos Paulo)”.

16 Neste sentido, Eduardo Oberg, op. cit., p. 186. Na jurisprudência, veja-se o Enunciado 10.4.1 daConsolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos em Vigor Resultantes das Discussõesdos Encontros de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro –CEJCA “O Juiz que realizar a Audiência de Instrução e Julgamento e não proferir sentença de imediato,deverá fixar na assentada, a data da leitura de sentença”, o Enunciado 95 do Encontro Nacional deCoordenadores de Juizados Especiais do Brasil – FONAJE “Finda a audiência de instrução, conduzida porJuiz Leigo, deverá ser apresentada a proposta de sentença ao Juiz Togado em até dez dias, intimadas aspartes no próprio termo da audiência para a data da leitura da sentença” e a Proposição 11 do 2º Encontrode Juízes de Juizados Especiais Cíveis da Capital e da Grande São Paulo – EJJEEP “Quando o Juiz nãoprolatar a sentença na audiência deverá designar dia e hora para leitura e publicação da mesma”.

17 Por todos, Humberto Theodoro Júnior, Curso, vol. III, p. 483.18 Parágrafo único do art. 271 do CPC de 1939: “Se não se julgar habilitado a decidir a causa, designará,

desde logo, outra audiência, que se realizará dentro de dez (10) dias, afim de publicar a sentença”.

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Por estes motivos, o procedimento que, no plano ideal, foi concebidopara ser realizado num único momento, na prática, foi distendido e passoua ser pontuado por três momentos diferentes: a audiência de conciliação, aAIJ e a leitura (intimação) da sentença. Tal situação tem feito com que otempo de duração do processo nos Juizados seja igual ou maior que as cau-sas similares propostas no juízo ordinário.

Para tentar minimizar os efeitos da distorção procedimental, algumasalterações legislativas poderiam ser tomadas em relação à Lei nº 9.099/95.Em primeiro lugar, o art. 16 deveria ser modificado, para suprimir a refe-rencia ao prazo de 15 dias para realização da audiência conciliatória eincluir a previsão de que o réu seja citado com antecedência mínima de 10dias da sessão de conciliação, na qual deverá obrigatoriamente apresentarsua resposta, sob pena de revelia.

Em segundo lugar, deveria ser feita uma inclusão no art. 24, para pre-ver a possibilidade de realização de uma espécie de audiência preliminar,sob a presidência do juiz leigo.19 Assim, ao término da audiência de conci-liação frustrada, seria realizada uma segunda audiência com as partes, vol-tada exclusivamente para receber a resposta do réu, fixar os pontos contro-vertidos e definir quais as provas que deverão ser produzidas na audiênciade instrução e julgamento, que se não puder ser realizada imediatamentedeverá ser designada no prazo máximo de 30 dias. Na audiência preliminar,a par de nova tentativa de conciliação, o juiz leigo poderia orientar as par-tes sobre os riscos e conseqüências do litígio (art. 21), bem como a conve-niência de buscar uma assistência técnica (art. 9º, § 2º). Além disso, pode-ria orientar a parte desassistida de advogado sobre as provas que lhe cabe-riam produzir, a possibilidade de obtenção de tutelas de urgência, a trami-tação do procedimento etc. Por fim, o juiz leigo poderia fazer um relatóriosobre a causa e sobre os fatos ocorridos nas audiências, indicando os pontoscontrovertidos a serem apreciados, as provas que deveriam ser produzidas(inclusive a perícia informal), a possibilidade de convolação imediata emAIJ, dentre outras medidas. Este relatório poderia integrar a sentença, faci-

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19 Como será exposto mais adiante (item 3.8), a atuação judicante dos juízes leigos, aos moldes do que esta-belecem os arts. 37 e 40 da Lei nº 9.099/95, é inconstitucional.

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litando a sua prolação em audiência. Destarte, a audiência preliminar, apro-veitando a presença das partes no Juizado para a conciliação, serviria comoum sistema de filtragem e preparação para o julgamento da causa.

Em terceiro lugar, deveriam ser abolidas as regras sobre a arbitragem nosJuizados Especiais (arts. 24 a 26). Como já se sabe, a arbitragem deve ser feitafora da esfera judicial, nos termos da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), ou,dentro do Poder Judiciário, através de órgãos especializados para tanto. Aprevisão atual é inadequada e ineficiente, como eram dos dispositivos que tra-tavam da arbitragem no CPC (art. 1.072 a 1.102). Não por acaso, até a presen-te data não se tem notícia de uma única arbitragem que tenha sido realizadanos Juizados Especiais, seguindo os ditames da Lei nº 9.099/95.

Em suma, o art. 28 deveria estabelecer que o juiz togado somentepoderia marcar data para a leitura de sentença em casos excepcionais ouquando a AIJ tenha sido fruto de uma convolação da audiência conciliató-ria. Com efeito, não é lógico, após a sessão de conciliação e a citada audiên-cia preliminar, marcar data para a realização da AIJ e não proferir senten-ça naquele momento. Importante também que a nova redação do mencio-nado artigo determinasse a necessidade de constar o relatório nas senten-ças proferidas fora de audiência, excepcionando a regra contida na partefinal do art. 38.

3.3. A necessidade de utilização do agravo de instrumento

Ao contrário do que se difundiu nos meios jurídicos, não existe na Leinº 9.099/95 qualquer regra proibindo expressamente a utilização de recur-so em face das decisões interlocutórias proferidas no primeiro grau. Na ver-dade, o entendimento de que o agravo20 não é cabível nos Juizados Espe-ciais tem, basicamente, dois fundamentos: de um lado, a taxatividade do sis-

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20 Importante esclarecer que a palavra agravo pode ser identificada com três espécies diferentes de recur-sos na esfera cível: o recurso contra as decisões interlocutórias proferidas no primeiro grau (arts. 522 a529 do CPC), o recurso contra a decisão que inadmite os recursos excepcionais (art. 544 do CPC) e orecurso contra a decisão monocrática (por exemplo, art. 557, § 1º, do CPC). No texto, nos limitamos atratar da primeira espécie de recurso, sem certo que as duas outras vêm sendo admitidas na maioria dosJuizados Especiais do País, como se pode vislumbrar do Enunciado 15 do FONAJE “Nos JuizadosEspeciais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC”.

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tema recursal, que seria composto somente pelo recurso inominado (art. 41)e pelos embargos de declaração (arts. 48 a 50)21 e, de outro, a adoção doprincípio da oralidade (art. 2º), que pressupõe a irrecorribilidade das deci-sões interlocutórias.22 Dentro desta orientação, sem um recurso para atacaras decisões interlocutórias em separado, as decisões proferidas ao longo doprocesso não sofrem os efeitos da preclusão23 e, uma vez proferida senten-ça, passam a ser impugnáveis pelo recurso inominado.

A questão, entretanto, tem gerado muitas controvérsias, pois, como sesabe, existem decisões interlocutórias que inegavelmente causam graves eimediatos danos às partes, que o recurso inominado não é capaz de sanar. Oproblema se avolumou na mesma proporção em que a demanda pelos ser-viços judiciários cresceu, fazendo com que os processos tivessem uma tra-mitação muito mais longa.

Destarte, a maioria absoluta da doutrina e jurisprudência sempre sus-tentou que em face das decisões interlocutórias proferidas nos JuizadosEspeciais caberia o mandado de segurança,24 quando presentes os requisitos

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21 Advogando a tese da taxatividade dos recursos cabíveis nos Juizados Especiais, por todos, veja-se LuísFelipe Salomão, op. cit., p. 40. Da jurisprudência prevalente, pode-se destacar o seguinte aresto:“Juizados Especiais Cíveis. Agravo de instrumento. Inadmissibilidade. Recurso que não se conhece porfalta de previsão na Lei nº 9099/95, inadmissível a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil,em matéria recursal. Rejeição liminar” (TJRJ, 1ª Turma Recursal Cível, AI 2001.700.000360-3, Rel. AnaMaria Pereira de Oliveira).

22 Na doutrina, identificando a oralidade com a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, tem-se JoséManoel de Arruda Alvim Netto, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, p. 27, Nelson Nery Júnior,Princípios Fundamentais: Teoria Geral dos Recursos, p. 150, e Cândido Rangel Dinamarco, Instituiçõesde Direito Processual Civil Moderno, v. III, p. 811.

23 Sobre a questão, confira-se “Frente ao sistema da Lei no 9.099/95, não há preclusão da matéria proces-sual dirimida no curso do procedimento, sendo as decisões interlocutórias irrecorríveis, devendo, emqualquer caso, serem reexaminadas pela via do recurso próprio ali previsto, em face da adoção plena doprincípio da oralidade” (TJSC – AI 320-7 – Guarami, Rel. Des. Pedro Manoel de Abreu, pub. no DJ de03/06/96).

24 Com este pensamento, Luís Felipe Salomão, op. cit., p. 75, Mantovanni Colares Cavalcante, Recursosnos Juizados Especiais, p. 59, Eduardo Oberg, op. cit., p. 184. Na jurisprudência, merecem destaque aEmenta 71 do Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e de Turmas Recursais do Estado do Riode Janeiro – ETRJECERJ “Mandado de segurança contra decisão concessiva de liminar. Possibilidadediante da falta de recurso contra decisões interlocutórias na Lei 9.099/95. Interpretação a contráriosenso da súmula 267 do STF. Segurança concedida para anular a decisão atacada. Inviabilidade de con-cessão de liminar no rito da Lei no 9.099/95 por falta de previsão legal expressa a permiti-lo”, a Ementa80 do ETRJECERJ “Mandado de Segurança contra ato judicial, que limitou a multa, por atraso na exe-cução do julgado, a 20 salários mínimos. Provimento”, bem como o Enunciado 14.1.1 da CEJCA “Éadmissível mandado de segurança somente contra ato ilegal e abusivo praticado por Juiz de JuizadoEspecial”.

17Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismoe Pragmatismo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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legais.25 A razão é a própria Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51),que, em seu art. 5º, II, dispõe que não caberá mandado de segurança de“despacho ou decisão judicial, quando haja recurso previsto nas leis proces-suais ou possa ser modificado por via de correição”.26 Então, a contráriosenso, a conclusão que se chega é que em face de ato judicial desprovido demeio impugnativo próprio é possível a utilização do mandado de seguran-ça. Ademais, não se poderia mitigar o alcance do writ of mandamus, dadoo status constitucional que esse procedimento desfruta em no ordenamen-to jurídico brasileiro (art. 5º, LXIX, da CF).

Ocorre que, com o passar dos anos, foi possível perceber a existênciade decisões interlocutórias que não devem ficar sem um controle recursalpróprio, principalmente no que toca à sua justiça (error in iudicando).Nestes casos, o mandado de segurança não é o meio apropriado para aten-der a pretensão revisional do interessado. Por outro lado, é muito pouco efi-caz e coerente com o sistema recursal do CPC (art. 522) a corrente de pen-samento que defende a utilização do agravo retido.27 Assim, a única moda-lidade de recurso que se apresenta adequada para remediar o problema é oagravo na sua forma instrumental.28

Com efeito, pode-se identificar cinco situações onde o manejo do agra-vo de instrumento seria necessário nos Juizados Especiais: nas decisõessobre medidas liminares (tutelas de urgência antecipatória, inibitória e cau-telar); nas decisões que comprometem o andamento do processo, proferidasfora da audiência de instrução e julgamento; na decisão que deixa de rece-ber o recurso inominado; na decisão sobre os efeitos atribuídos ao recursoinominado; nas decisões proferidas ao longo da fase executiva.29 Nestas

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25 Neste sentido, veja-se o Enunciado 14.1.1 da CEJCA “É admissível mandado de segurança somente con-tra ato ilegal e abusivo praticado por Juiz de Juizado Especial” e o Enunciado 14.1.3 da CEJCA “Nãohavendo direito liquido e certo aferível de plano na inicial do Mandado de Segurança, deverá o mesmoser apresentado para julgamento em mesa, indeferindo-se a inicial na forma do art. 8º, da Lei 1.533/51”.

26 Referendando o dispositivo legal, temos a Súmula 267 do STF: “Não cabe mandado de segurança con-tra ato judicial passível de recurso ou correição”.

27 Neste sentido, afirmam Weber Martins Batista e Luiz Fux, op. cit., p. 238 e Dinamarco, Instituições,vol. III, p. 811.

28 Frise-se que o agravo de instrumento já vem sendo admitido em alguns Juizados, como em São Paulo,e nos Juizados Federais, por conta da regra contida no art. 5º da Lei nº 10.259/09.

29 Se uma das razões para inadmitir o agravo é a oralidade, é preciso reconhecer que a fase executiva nosJuizados Especiais é basicamente formal e escrita, galgada que é no sistema executivo do CPC.

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hipóteses, o agravo de instrumento poderia ser utilizado sem abalar a estru-tura principiológica do procedimento, substituindo não apenas o mandadode segurança, mas também, no caso da decisão que julga os embargos à exe-cução, o próprio recurso inominado.30

Sublinhe-se que o agravo teria que ter um cabimento restrito às situa-ções acima apontadas,31 submetido ao procedimento previsto no CPC, sem-pre firmado por advogado e dirigido às Turmas Recursais.32 As demaissituações observadas ao longo do procedimento, entretanto, permanece-riam sujeitas ao mandado de segurança, tal qual ocorre no juízo singular.Assim, por exemplo, se o juiz não permite a vista dos autos pelo advogado,pode ser impetrado o writ of mandamus para sanar a ilegalidade.

Necessário ressaltar que, além da importância teórica – dar efetividadeà tutela jurisdicional pungida pelo risco de lesão ao direito deduzido emjuízo – o agravo cumpriria, ainda, um papel prático muito importante: con-trolar a atividade judicial. Com efeito, a falta de um recurso contra as deci-sões interlocutórias tem gerado significativa insegurança jurídica para osJuizados Especiais, que a utilização do mandado de segurança não tem sidocapaz de elidir.

Neste sentido, poderia ser incluído um novo artigo na Lei nº 9.099/95, logoapós as regras que tratam do recurso inominado (preferencialmente, como oart. 43-A), prevendo expressamente a utilização do agravo de instrumento, suashipóteses de cabimento e seu procedimento perante a Turma Recursal.

Por certo, como bem assinalam os críticos da proposta, a introdução doagravo no sistema recursal dos Juizados Especiais trará um aumento de tra-

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30 No sistema dos Juizados Especiais é inegável reconhecer que os embargos à execução têm natureza deinstrumento de impugnação, incidental ao processo executório. Sobre o tema, veja-se o item 3.15 destetexto.

31 Pela sistemática atual do CPC, o agravo de instrumento só é cabível quando a decisão for suscetível decausar à parte lesão grave e de difícil reparação, nos casos de inadmissão da apelação, nos relativos aosefeitos em que a apelação é recebida (art. 522), no julgamento da liquidação de sentença (art. 475-H) eno julgamento da impugnação à execução (art. 475-M, § 3º). A lista apresentada, portanto, nada mais édo que uma adaptação das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento no CPC, excluída àquelarelativa à liquidação de sentença, por não ser compatível com o regime especial da Lei nº 9.099/95 (art.38, parágrafo único)

32 Dentre os autores que defendem a aplicação do agravo de instrumento nos Juizados, com base no CPC,somente Pestana de Aguiar, op. cit., p. 38, o dirige ao Tribunal de Justiça.

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balho para as Turmas Recursais, além de efetivamente contribuir para oretardo na conclusão dos processos em algumas hipóteses. Além disso, atendência legislativa observada nos últimos anos é, indubitavelmente, nosentindo de restringir as hipóteses de cabimento de recursos e não ampliá-las. Entretanto, parece claro que, no contexto atual, onde os Juizados cres-ceram enormemente e perderam muitas de suas características originais, osganhos promovidos pela introdução do agravo no sistema superam emmuito os prejuízos que eventualmente venham a ocorrer.

3.4. A competência para julgar o mandado de segurança contraatos dos juízes dos Juizados Especiais

Como dito, tem sido amplamente aceito a utilização do mandado desegurança contra decisões interlocutórias proferidas no primeiro grau dosJuizados Especiais. O problema é que o entendimento prevalente em todoo Brasil é que este mandado de segurança deve ser impetrado perante aTurma Recursal correspondente.33 O próprio STJ, aderindo a este entendi-mento, editou recentemente a Súmula 376, que diz que “compete à turmarecursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizadoespecial”.34 No entanto, apesar da prevalência, tal entendimento mereceveemente censura, porque:

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33 No Rio de Janeiro é esse o entendimento prevalente. A Resolução nº 02/98 do Tribunal de Justiça doRio de Janeiro alterou o regimento interno para estabelecer que as Câmaras Cíveis não têm competên-cia para julgar mandado de segurança impetrado contra ato de juiz dos Juizados Especiais (art. 6º, a).Por outro lado, a Resolução nº 07/06, do Conselho da Magistratura, estabelece que “Art. 1º Haverá, naComarca da Capital, seis Turmas Recursais, quatro Cíveis e duas Criminais, com competência para jul-gamento de Mandados de Segurança, Habeas-Corpus e recursos das decisões proferidas pelos JuizadosEspeciais de todas as Comarcas do Estado do Rio de Janeiro, bem como de outras ações e recursos a quea lei lhes atribuir a competência”. Na doutrina, confira-se Luiz Felipe Salomão, op. cit., p. 75, Pestanade Aguiar, op. cit., p. 39, Athos Gusmão Carneiro, Os Recursos nos Juizados Especiais Cíveis, inAspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei nº 9.756/98, p. 103. Na jurispru-dência, veja-se o Enunciado 62 do FONAJE “Cabe exclusivamente às Turmas Recursais conhecer e jul-gar o mandado de segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos judiciais oriundos dosJuizados Especiais”.

34 Apesar do predomínio da citada orientação, é possível identificar decisões isoladas no STJ e no STFrefutando tal entendimento. Neste sentido, veja-se “À luz do art. 101, da Lei Complementar no 35/79,o mandado de segurança contra juiz de direito deve ser processado e julgado por órgão composto porduas ou mais turmas ou câmaras isoladas. Nulidade do acórdão decretada de ofício” (STJ – 2ª Turma,RMS 5.581-GO, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. em 05.02.98) e “os integrantes dos Juizados Especiais estão

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a) a Lei Orgânica Nacional da Magistratura (Lei Complementarnº 35/79), em seu art. 101, § 3º, “d”, estabelece que o manda-do de segurança contra ato de Juiz de Direito deve ser julga-do nos Tribunais de Justiça, dentre outras razões, em obser-vância ao princípio da hierarquia;

b) as Turmas Recursais não têm competências originárias,podendo somente julgar recursos;35

c) o mandado de segurança tem rito especial, incompatívelcom o procedimento previsto na Lei nº 9.099/95;

d) o mandado de segurança é ajuizado em face de ente público,o que é incompatível com regra contida no art. 3º, § 2º, daLei nº 9.099/95;

e) o mandado de segurança, contra ato judicial, é sempre umacausa de maior complexidade, que não pode tramitar nosJuizados Especiais, sob pena de violação da ConstituiçãoFederal (art. 98, I) e da própria Lei nº 9.099/95 (art. 3º).

Assim, afigura-se como mais adequado que o mandado de segurançacontra ato de Juiz dos Juizados Especiais seja dirigido para o tribunal corres-pondente (Tribunal de Justiça, Distrital ou Regional Federal).36 De fato, sãoestes tribunais que, em última análise, devem fazer o controle dos atos deseus juízes de primeira instância. Tal controle não deve ser alçado à esfera

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sujeitos aos Tribunais de Justiça, nos crimes comuns e de responsabilidade, conforme prevê a Consti-tuição Federal no inc. III do art. 96. A decisão também tem por base o art. 21, VI, da Lei Complementar35/79 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional. O dispositivo prevê que compete originariamente aostribunais julgar os Mandados de Segurança contra seus atos, os dos respectivos presidentes e os de suasCâmaras, Turmas ou Seções” (STF – Pleno – MS 24.318 – Min. Rel. Marco Aurélio, j. em 02/08/2002).

35 Neste sentido, Mantovanni Colares Cavalcante, op. cit., p. 91: “Não vejo como possa a Turma Recursalter competência para julgar mandado de segurança impetrado contra ato do juiz do juizado especial.Primeiro, porque a lei só previu para análise pela Turma Recursal o recurso cível, a apelação criminale os embargos de declaração (...) Em segundo lugar, atente-se para o fato de que os membros das TurmasRecursais são, tal qual os juízes dos juizados especiais, magistrados de primeiro grau. Assim, como admi-tir que uma autoridade (membro da Turma Recursal) tenha competência para rever ato de outra (juizdo juizado especial do mesmo grau? (...) Ora, sabe-se que, sendo o ato judicial originado de um juiz deprimeiro grau, a competência para julgamento do mandado de segurança contra si atacado é doTribunal ao qual está vinculado o juiz”.

36 Neste sentido, Alexandre Câmara, op. cit., p. 165.

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superior (STJ ou STF), nem deve ficar confinado dentro de uma estrutura deprimeira instância (Turmas Recursais), que não foi concebida para esse fim.

3.5. A competência para julgar mandado de segurança contra atosdas Turmas Recursais

A competência para o julgamento do mandado de segurança contra atoda Turma Recursal é uma questão bastante controvertida, que comporta, nomínimo, quatro orientações diferentes. A primeira corrente, que apresentao maior número de adeptos, defende que um grupo de juízes formado a par-tir das próprias Turmas Recursais deva julgar este remédio constitucional.37

A segunda corrente afirma que das decisões das Turmas Recursais cabemandado de segurança para o respectivo tribunal. Como já dito, este posi-cionamento parece ser o mais correto do ponto de vista técnico.38 O reco-mendável seria, inclusive, que o mandado de segurança contra ato de juizfosse da competência das Câmaras Cíveis e, contra atos da Turma Recursal,do Órgão Especial, em observância ao princípio da hierarquia.

A terceira corrente propugna pelo envio do mandado de segurança aoSuperior Tribunal de Justiça, que, nesse caso, faria as vezes de tribunal revi-sor e uniformizador das decisões proferidas pelas Turmas Recursais.39 Opróprio STJ, entretanto, já deixou assente que não lhe toca tal competênciapor falta de previsão legal, uma vez que a Turma Recursal não pode serequipara a um tribunal. Sobre este tema, é importante esclarecer que o STJsomente tem aceito julgar mandados de segurança contra atos das TurmasRecursais quando o tema a ser decidido seja a própria competência daque-le órgão para apreciar a causa.40

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37 No Rio de Janeiro, a competência para julgar o mandado de segurança impetrado em face de ato prati-cado pelas Turmas Recursais é de um grupo dos 5 juízes mais antigos das duas Turmas subseqüentes àTurma impetrada (art. 19 da Resolução nº 07/06, do Conselho da Magistratura).

38 Veja-se, sobre a questão relativa à competência para julgamento do mandado de segurança, os comen-tários ao item 3.4 deste texto.

39 Nesse sentido, veja-se: “O STJ é competente para dirimir conflito de competência suscitado entre juízode Turma Recursal e o Tribunal local (de Justiça ou de Alçada), em razão de não haver vinculação juris-dicional entre esses, a despeito da inegável hierarquia administrativo-funcional” (STJ – CC 38.513/MG,Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/8/2003).

40 Nesse sentido, veja-se: “Processo civil. Recurso em Mandado de Segurança. Mandamus impetrado, pe-rante Tribunal de Justiça, visando promover controle de competência de decisão proferida por Juizado

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A quarta e última corrente sustenta que o mandado de segurança con-tra ato das Turmas Recursais deve ser julgado pelo Supremo TribunalFederal, a quem já cabe julgar o recurso extraordinário contra estas deci-sões. Na realidade, da mesma forma que no caso da terceira corrente, care-ce a proposição de um suporte legal. Não obstante, o STF vem reiterada-mente admitindo a sua competência para julgar habeas corpus contra atodas Turmas Recursais Criminais.41 Assim, sabendo-se que o mandado desegurança e o habeas corpus são ações da mesma natureza, seria lógicodeduzir que ambos devessem ser julgados no mesmo tribunal. O ExcelsoPretório, entretanto, tem inúmeras decisões afirmando não ser competen-te para julgar o mandado de segurança contra atos das Turmas Recursais.42

3.6. Teoria dualista: a possibilidade de tramitação de causas comvalor acima de 40 salários mínimos

Quando a Lei nº 9.099/95 entrou em vigor, surgiu uma grande discus-são nos meios jurídicos: seriam estes os novos Juizados Especiais ou osconhecidos Juizados de Pequenas Causas?

Na verdade, parece claro que a referida Lei representou a união dosdois institutos, ou seja, o legislador criou uma única estrutura com caracte-rísticas tanto de Juizados Especiais (competência em razão da matéria)como de Juizados de Pequenas Causas (competência em razão do valor).43

Tratar-se-iam, portanto, de um único Juizado, esquematizado para receber

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Especial Cível. Possibilidade. Ausência de confronto com a jurisprudência consolidada do STJ, que vedaapenas a impetração de mandado de segurança para o controle do mérito das decisões proferidas pelosJuizados Especiais” (STJ – Corte Especial – RMS 17524/BA – rel. Min. Nancy Andrighi, j. em02/08/2006).

41 Consoante, editou o Excelso Pretório a Súmula 690, com o seguinte teor: “Compete ao SupremoTribunal Federal o julgamento do habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiaiscriminais”.

42 Neste sentido, veja-se: “Competência. Originária. Mandado de segurança. Ato judicial. Impetração con-tra decisão de juiz de Colégio Recursal. Feito da competência da turma de origem. Incompetência abso-luta do STF. Reconhecimento. Interpretação do art. 102, I, “d”, da CF. Precedentes. O SupremoTribunal Federal não é competente para conhecer originariamente de mandado de segurança contradecisão de juiz de Colégio Recursal” (STF – Pleno – MS-AgR 24858/SP – Min. Cesar Peluso, j. em30/08/2007).

43 Perfilando este entendimento, Alexandre Câmara, op. cit., p. 31.

23Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismoe Pragmatismo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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dois tipos de causas diferentes: as de menor complexidade e as de pequenovalor. Está conclusão é a essência da teoria dualista.

Pela teoria dualista, o nome correto do órgão criado pela Lei nº9.099/95 seria Juizados Especiais e de Pequenas Causas. Nele, seria possívelo julgamento de causas de menor complexidade, fixadas exclusivamentepela matéria (art. 3º, II e III), e de pequenas causas, determinadas apenaspelo valor (art. 3º, I e § 3º c/c art. 53) ou pelo valor e pela matéria (art. 3º,IV). O resultado prático é que seria possível a tramitação nos JuizadosEspeciais de causas excedendo o valor de 40 salários mínimos, quando acompetência for determinada exclusivamente em razão da matéria, noscasos previstos nos incisos II (art. 275, II, do CPC) e III (despejo para usopróprio) do caput do art. 3º.44 As demais causas (art. 3º, I e IV) ficariam sub-metidas ao teto de 40 salários mínimos.

Ainda assim, cumpre destacar que em todo o Brasil vem predominandoo entendimento de que todas as causas, inclusive as dos incisos II e III do art.3º, devam se submeter ao limite de 40 salários mínimos.45 Com isso, todo oJuizados Especiais seria, na verdade, um Juizado de Pequenas Causas (teoriaunitária). Argumentam os adeptos deste pensamento, numa mão, que a parte

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44 Seguindo esta linha de pensamento temos Luiz Fux, op. cit., p. 48, Humberto Theodoro Júnior, Curso,vol. III, p. 470, Cândido Dinamarco, Instituições, vol. III, p. 777, Eduardo Arruda Alvim, DireitoProcessual Civil, p. 581, e Luís Felipe Salomão, op. cit., p. 51. Na jurisprudência, veja-se, “As causascompreendidas no art. 3º, II e III, da Lei nº 9.099/95, não se submetem ao limite de até 40 salários míni-mos, definido no inc. I, do mesmo preceito (oitava conclusão da Seção Civil do TJSC, em face da Lei no9.099/95). Idêntico entendimento prevalecia ao tempo da vigência da Lei estadual 1.141/93, em se tra-tando de causas enumeradas nos art. 275, II, do CPC. Logo inarredável a competência do JuizadoEspecial” (TJSC – Ap. Cív. 632-Criciúma, Rel. Juiz Jânio de Souza Machado, DJ 12/6/1996)”, “As açõesde reparação de danos decorrente de acidente de trânsito de veículo terrestre são consideradas demenor complexidade pela Lei nº 9.099/95, independentemente do seu valor, de tal sorte que os recur-so delas oriundos são da competência das Colendas Turmas de Recursos Cíveis” (TJSC – Ap. Cív. 52269-Palhoça, Rel. Des. Carlos Prudência, DJ 6/6/1997) e o Enunciado, 2.3.1 da CEJCA “Todas as causas dacompetência dos Juizados Especiais Cíveis estão limitadas a 40 salários mínimos”. Em sentido contrá-rio, a Ementa 179 do ETRJECERJ “O Juizado Especial não tem competência para apreciar causas em queo valor supera o limite expresso no artigo 3º da Lei nº 9.099/95 e naquelas de maior complexidade, aexigir produção de prova incompatível com seus princípios norteadores. Se a lide desatende a tais pres-supostos, impõe-se a extinção do processo, sem exame do mérito”.

45 Neste sentido, confira-se Pestana de Aguiar, op. cit., p. 10, Paulo Lúcio Nogueira, Juizados EspeciaisCíveis e Criminais, p. 11, Alfeu Bisaque Pereira, Juizados Especiais Cíveis: Uma Escolha do Autor emDemandas Limitadas pelo Valor do Pedido, ou da Causa, Luís Felipe Salomão, op. cit., p. 30, e Hum-berto Theodoro Júnior, Curso, vol. III, p. 465. Na jurisprudência, por todos, veja-se o Enunciado 2.3.1da CEJCA “Todas as causas da competência dos Juizados Especiais Cíveis estão limitadas a 40 saláriosmínimos”.

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cível da Lei nº 9.099/95 é uma cópia da Lei dos Juizados de Pequenas Causas(Lei nº 7.244/84), e, na outra mão, que a interpretação conjugada do art. 3ºcom os art. 15, 21 e 39, serviria para sustentar que todas as causas teriam queestar necessariamente sujeitas ao patamar de 40 salários mínimos.

Apesar de significativos, os fundamentos apresentados pela posiçãodominante têm que ser analisados de forma crítica. Efetivamente, a partecível da Lei nº 9.099/95 é uma cópia, quase que integral, da Lei nº 7.244/84.Ocorre que, nos dispositivos referentes à competência, a Lei nova é signifi-cativamente diferente. O limite valorativo saiu do caput do art. 1º da Leiantiga para integrar o inciso I do art. 3º da Lei vigente. Não obstante, cabeindagar: por que os incisos IV do caput e II do § 1º, ambos do art. 3º, fazemreferência expressa ao teto de 40 salários mínimos? por que o inciso II fazreferência ao inciso II do art. 275 do CPC, que diz “nas causas, qualquer queseja o valor”?

A resposta é que o legislador fez a sua opção pelo sistema dualista.46 Oproblema é que não foram feitas as adaptações necessárias no texto da Lei nº9.099/95 para diferenciar as regras dirigidas às pequenas causas, das relativasàs causas de menor complexidade. Isso, no entanto, não representa empeci-lho incontornável, mas, tão-somente, demanda um esforço hermenêutico.Desta forma, todas as normas relativas ao limite de 40 salários mínimos sódeveriam ser aplicadas em relação às pequenas causas (art. 3º, I e IV).

Em suma, o art. 15 (cópia do art. 16 da Lei nº 7.244/84), que diz que sehouver pedidos conexos a soma de ambos não pode ultrapassar 40 saláriosmínimos, o art. 21 (cópia do art. 22 da Lei nº 7.244/84), que determina queas partes sejam alertadas sobre a possibilidade de renunciar à parcela queexceder ao teto de 40 salários mínimos, e o art. 39 (cópia do art. 39 da Leinº 7.244/84), que taxa de ineficaz a sentença que ultrapassar o valor de 40salários mínimos, devem ser direcionados exclusivamente às causas previs-tas nos incisos I e IV do art. 3º (pequenas causas). Para que isso ficasse claro,

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46 Note-se que o legislador, na Lei dos Juizados Especiais Federais, fez exatamente o contrário, adotandoa teoria unitária. Com efeito, diz o caput do art. 3º da Lei nº 10.259/01: “Compete ao Juizado EspecialFederal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de ses-senta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”.

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seria recomendável que o caput do art. 3º, repetindo a estrutura já aplicadaao procedimento sumário (art. 275 do CPC), dividisse as competências emduas repartições diferentes, uma para as pequenas causas e outra para ascausas de menor complexidade.

3.7. A natureza relativa da incompetência territorial

Trata o art. 4º dos critérios para fixação da competência em razão do ter-ritório (ratione loci) de forma similar ao regramento contido no CPC. De fato,em ambos os Diplomas, a regra geral é que a competência é definida pelodomicílio do réu (art. 94 do CPC e art. 4º, I, da Lei nº 9.099/95). O art. 4º aindacontém duas regras especiais, nos seus incisos II e III. A primeira delas, deter-mina que a competência pode ser fixada no local onde a obrigação deva sersatisfeita, reproduzindo a determinação contida no art. 100, IV, d, do CPC. Asegunda, estabelece como critério fixador o domicílio do autor ou do local doato ou fato nos casos de indenização de qualquer natureza. Completando oregramento, o parágrafo único do art. 4º assinala que, “em qualquer hipótese,poderá a ação ser proposta no foro previsto no inciso I deste artigo”.

Na disciplina estabelecida pelo CPC, a incompetência territorial é tida,na maioria das vezes, como relativa, ou seja, passível de convalidação se nãoimpugnada em momento oportuno pelas partes (art. 114 do CPC) e insusce-tível de declaração ex officio pelo juiz (Súmula 33 do STJ). Somente em casosexcepcionais, quando fixada por critérios de ordem pública, é que a incom-petência territorial gera a nulidade absoluta, como ocorre, por exemplo, noart. 95 do CPC (forum rei sitae). Nos Juizados Especiais, entretanto, o reco-nhecimento da incompetência territorial tem uma particularidade: provoca oencerramento do procedimento sem resolução do mérito (art. 51, III).Embora possa causar estranheza à primeira vista, a determinação legal possuidois fundamentos: de um lado, a sede constitucional do instituto (art. 98, I,da CF), e, de outro, a natureza especialíssima do procedimento, que, na maio-ria dos casos, inviabiliza o seu deslocamento para o juízo territorialmentecompetente, em razão de suas peculiaridades.47 Essa regra, ressalte-se, deve-

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47 Neste sentido, Dinamarco, Instituições, vol. III, p. 784, e Eduardo Oberg, op. cit., p. 177.

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ria ser temperada, somente gerando o encerramento do procedimento quan-do o juízo territorialmente competente for em outra unidade da federação ouonde não houver Juizado Especial. De modo que, havendo a incompetênciaterritorial, se for possível remeter os autos ao Juizado situado no foro compe-tente, dentro da mesma unidade, não parece razoável por termo ao feito.

Não obstante, por conta da regra contida no art. 51, III, a porção majo-ritária da doutrina e jurisprudencia48 tem defendido que a incompetênciaterritorial no sistema da Lei nº 9.099/95 gera nulidade absoluta, passível dereconhecimento de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição.49

Com o devido respeito, mas o citado entendimento afigura-se como equi-vocado, pois as normas sobre a fixação da competência territorial nos JuizadosEspeciais são evidentemente de natureza dispositiva.50 Para comprovar isso,basta analisar o teor do citado parágrafo único do art. 4º. O inciso I do mesmoartigo, por sua vez, fala expressamente em “critério do autor”. De forma que aviolação a tais regras só pode ser conhecida mediante provocação das partes.Aliás, não há qualquer inconveniente que uma causa de encerramento do pro-cedimento não possa ser conhecida de ofício. No CPC, por exemplo, a conven-ção de arbitragem não pode ser conhecida de ofício, embora enseje o fim doprocedimento (arts. 267, VII, c/c 301, IX e § 4º). Consoante, se o réu nãoarguir, na contestação, a incompetência territorial, a questão restará superada.

Para solver esta discussão, deveria o inciso III do art. 51 afirmar que aincompetência territorial, suscitada pela parte, levaria ao encerramento doprocedimento sem resolução do mérito quando a causa tiver como juízocompetente órgão judicial não submetido à Lei nº 9.099/95 ou pertencenteterritorialmente à outra unidade da federação.

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48 Neste sentido, por todos, Eduardo Oberg, op. cit., p. 175, com significativa citação jurisprudencial.49 Neste sentido, Theotônio Negrão, op. cit., p. 903. Na jurisprudência, confira-se o Enunciado 2.2.4 da

CEJCA “A incompetência territorial pode ser reconhecida de ofício no sistema dos Juizados EspeciaisCíveis” e o Enunciado 89 do FONAJE “A incompetência territorial pode ser reconhecida de ofício nosistema de juizados especiais cíveis”.

50 Neste sentido, Alexandre Câmara, op. cit., p. 45 e Dinamarco, Instituições, vol. III, p. 803. Na jurispru-dência, veja-se “A competência prevista no art. 4º da Lei dos Juizados Especiais segue a regra geral, qualseja, a do foro do domicílio do réu, seguindo os moldes tradicionais do Código de Processo Civil, prorro-gando-se, todavia, quando não argüida incompetência pela parte contrária. III – ‘A incompetência relati-va não pode ser declarada de oficio’ (Súmula no 33 desta Corte). IV – Conflito de competência conheci-do para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Tubarão/SC, sus-citado” (STJ – 2ª Seção – CC 30692-RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 27/11/2002).

27Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismoe Pragmatismo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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3.8. A inconstitucionalidade da atuação judicante do juiz leigo

Uma das novidades apresentadas pela Lei nº 9.099/95 foi a inclusão deuma nova figura no rol de auxiliares da Justiça, para atuação exclusiva nosJuizados Especiais: o juiz leigo. De acordo com o art. 7º, os juízes leigos sãoescolhidos entre advogados, com no mínimo cinco anos de experiência51

Do ponto de vista funcional, os juízes leigos têm atribuição de dirigir a ses-são de conciliação (art. 22), atuar como árbitros (art. 24, § 2º), conduzir aaudiência de instrução e julgamento (art. 37) e proferir “decisão” sobre acausa (projeto de sentença), sujeita à homologação pelo juiz togado (art. 40).

O problema é que, a toda evidência, as funções previstas nos arts. 37 e40 da Lei nº 9.099/95 retratam atividade tipicamente judicante, pois permi-tem que os juízes leigos instruam e analisem a causa. De acordo com osdefensores da determinação legal, tal iniciativa estaria calçada no inciso Ido art. 98 da Constituição Federal, que dispõe sobre a criação de “juizadosespeciais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes paraa conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor comple-xidade”. Destarte, aduzem que na citada norma haveria um comando esta-belecendo que o juiz leigo seria, junto com o juiz togado, competente parapraticar atos de conciliação, instrução e julgamento. Acrescem, ainda, quea atuação dos juízes leigos estaria em consonância com os preceitos demo-cráticos e participativos do processo, além de densificar os comandos deceleridade e informalidade da Lei nº 9.099/95. Este é o entendimentoamplamente majoriatário na doutrina52 e jurisprudência.53

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51 O prazo exigido pelo diploma parece ser muito longo, já que a disponibilidade dos advogados para talexercício, gratuito na maioria das vezes, é muito maior nos primeiros anos da vida profissional. Alémdisso, via de regra, o advogado precisa de apenas 3 anos de formado para poder se tornar juiz togado.Não deixa de ser uma incoerência que alguém possa ser juiz togado e não leigo.

52 Defendendo a atuação dos juízes leigos, veja-se Cândido Dinamarco, Instituições, vol. III, p. 811,Alexandre Câmara, op. cit., p. 56, Nagib Slaibi Filho, Luiz Cláudio Silva e William Douglas Resinentedos Santos, Manual do Conciliador e do Juiz Leigo: Juizados Especiais Cíveis, p. 6, e Felipe MachadoCaldeira, Considerações Sobre a Função do Juiz Leigo e a Lei (Estadual) 4.578/05: Contribuições para aAceleração do Processo.

53 No Rio de Janeiro, o entendimento que prevaleceu foi o da validade da atuação dos juízes leigos. Foi,inclusive, rejeitada a representação por inconstitucionalidade interposta pela OAB/RJ em face da LeiEstadual nº 4.578/05, que regulamentou a atuação dos juízes leigos neste Estado (TJRJ – Órgão Especial– Representação por Inconstitucionalidade nº 219/05 – Rel. Des. Leila Mariano, j. em 17/12/07 – aindanão transitada em julgado). Bem verdade que a representação versava, tão-somente, sobre o processoseletivo dos juízes leigos, mas é inegável o apoio do Poder Judiciário fluminenses aos juízes leigos.

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Data venia, mas a previsão contida nos art. 37 e 40 afigura-se comoinconstitucional.54 Em primeiro lugar, o inciso I do art. 98 da CF não temo condão de atribuir atividades judicantes aos juízes leigos. Na verdade, oplural no adjetivo “competentes” faz concordância com “juizados” e nãocom juízes “togados e leigos”. Tanto é verdade que o dispositivo do incisoI do art. 98 da CF é reproduzido no art. 1º da Lei nº 9.099/95, sem referên-cia aos juízes (leigos ou togados), para definir a competência dos Juizados.De fato, somente o juiz togado pode dirigir a audiência de instrução e jul-gamento, não apenas em decorrência dos princípios da imediaticidade e daoralidade, mas especialmente em razão dos princípios constitucionais dainafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça delesão e do juiz natural (art. 5º, XXXV e LIII, da CF). Consoante, no orde-namento jurídico brasileiro apenas membros do Poder Judiciário podemexercer diretamente a atividade jurisdicional. As exceções, como no casodos jurados no tribunal do júri e do Senado Federal, no julgamento de cri-mes de responsabilidade do presidente e a eles conexos, não são inconsti-tucionais porque estão previstos na própria Constituição (arts. 5º,XXXVIII, e 86, respectivamente).55

Importante frisar que a legitimidade da jurisdição advém essencial-mente da investidura de um juiz imparcial. Por isso, o simples fato do tra-balho do juiz leigo ser supervisionado e controlado pelo juiz togado (art. 40)não se presta a legitimar a sua atuação. O que pode ocorrer é que o juizleigo, sem concurso público, sem garantias e prerrogativas,56 realize a ins-

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54 Acolhendo essa posição, Vicente Greco Filho, Processo Penal, p. 138. Conforme assinala com toda pro-priedade Maurício Antônio Ribeiro Lopes, Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Lei 9.099, de26 de Setembro de 1995, p. 22: “A previsão de Juízes leigos, conquanto suas funções estejam referidasno texto constitucional (art. 98, I), ofende ao princípio da jurisdição estabelecido ao longo da Carta de1988 e sua constitucionalidade é, no mínimo, duvidosa”. Em posição intermediária, afirmando que osjuízes leigos não são capazes de tornar mais célere a tramitação do procedimento especial, veja-seRicardo Cunha Chimenti, Teoria e prática dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e federais, p. 209.

55 Os meios alternativos de composição dos conflitos (conciliação, mediação e arbitragem), chamados pormuitos de sucedâneos da jurisdição, dependem de um ato de liberalidade das partes, que a eles se sub-metem. No caso do procedimento realizado por juiz leigo, as partes não são indagadas se aceitam talcondução, o que retira o caráter de constitucionalidade da medida.

56 O entendimento jurisprudencial é que não se aplicam ao juiz leigo as regras que envolvem a atuação domagistrado. Neste sentido, veja-se: “Indenização. Acidente de trânsito. Princípio da identidade física dojuiz. Não é nula a sentença proferida por juiz leigo diverso daquele que presidiu a audiência de instru-ção, tendo em vista que no Juizado Especial Cível o princípio da identidade física do juiz somente é aplicá-

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trução e o julgamento da causa e o juiz togado apenas leia o que foi escritoe assine, em detrimento a tudo que foi construído pela ciência processualnos últimos séculos.

Note-se, como já dito,57 que a Lei poderia atribuir ao juiz leigo outrasfunções, de forma legítima e relevante, além da realização da conciliação eda arbitragem. Assim, tem-se que os arts. 37 e 40 da Lei nº 9.099/95 deve-riam ser revogados.

3.9. A inconstitucionalidade da dispensa do advogado

A Lei nº 9.099/95, com a justificativa de ampliar o acesso à Justiça, per-mitiu que as partes, nas causas de valor até 20 salários mínimos, possam exer-cer diretamente a capacidade postulatória, mesmo que não tenham formaçãotécnica jurídica (art. 9º). Assim, sem a assistência de um advogado, as partesteriam maior e mais efetiva na participação no processo, facilitando a conci-liação e a apreciação das questões da causa, sem embates técnicos e com meno-res custos. Ademais, se os Juizados Especiais são voltados para o julgamento decausas de menor complexidade e pequeno valor, a importância da atuação doadvogado seria proporcionalmente menor e, portanto, dispensável.

A regra contida no art. 9º da Lei tem produzido acalorados debates,especialmente no que tange à sua constitucionalidade. Consoante, o enten-dimento amplamente majoritário, capitaneado pelo STF,58 tem sido no sen-tido de que a lei ordinária pode dispensar a atuação do advogado em situa-ções excepcionais. Assim, a Lei dos Juizados Especiais, norma especial e

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vel em relação ao juiz togado e não no que diz respeito aos juízes leigos. Prova produzida que corrobo-ra a versão do autor, demonstrando que o réu, condutor do veículo envolvido no acidente, adentroudemais na pista, chocando-se com o veículo do autor. Recurso desprovido” (TJRS – 2.ª Turma RecursalCível – Recurso Cível 71001811264, Rel. Juiz Afif Jorge Simões Neto, j. em 18/02/2009).

57 Veja-se o item 3.2 deste texto.58 Sobre o tema, veja-se “Afastando a alegada violação ao art. 133 da CF (‘O advogado é indispensável à

administração da justiça’), o Tribunal julgou improcedente o pedido formulado em ação direta ajuiza-da pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados e declarou a constitucionalidade da primeira partedo art. 9o da Lei 9.099/95 (‘Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pes-soalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória’).Considerou-se que a assistência compulsória dos advogados não é absoluta, podendo a lei conferir àspartes, em situações excepcionais, o exercício do jus postulandi perante o Poder Judiciário. Precedentescitados: ADI (MC) 1.127-DF (RTJ 178/67); RvC 4886-SP (RTJ 146/49); HC 67.390-PR (RTJ 131/610)”(STF – Pleno – ADI 1.539-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 24/4/2003).

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posterior ao Estatuto dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94), poderiaprescindir da atuação do advogado, em razão das suas peculiaridades.59

Não obstante, apesar da robustez da opinião prevalente, parece inevi-tável reconhecer que o citado dispositivo viola o texto constitucional.60 Emprimeiro lugar, não há como negar que o caput do art. 9º da Lei nº 9.099/95contraria o art. 133 da Carta Magna,61 que dispõe que o advogado é indis-pensável à administração da Justiça.62 Os partidários da corrente oposta, noentanto, alegam que a expressão “nos limites da lei”, contida no mesmo art.133, permitiria que a presença do advogado fosse dispensada por lei ordiná-ria. Ocorre que, quando a Constituição Federal diz “nos limites de lei”, elaestá se referindo à forma de atuação do advogado e não a sua pertinência.A referência aos “limites de lei”, indubitavelmente, é em relação à Lei nº8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

Em segundo lugar, é preciso reconhecer que a presença do advogadodeveria ser obrigatória, inclusive nos Juizados Especiais, porque a maioriadas pessoas não tem condições de promover adequadamente seus interessesem juízo. É preciso salientar que a intervenção do advogado representa nãoapenas um direito ou uma faculdade das partes, mas uma obrigação doEstado-Juiz na prestação da tutela jurisdicional. É a garantia de que o indi-víduo estará recebendo tudo aquilo e exatamente aquilo a que tem direito.Dispensar o advogado é o mesmo que garantir remédios à população, mastornar facultativa a sua prescrição por médicos. O exercício de um direito,assim como a ingestão de um medicamento, compreende o conhecimentodo seu conteúdo, em suas causas e efeitos.

Por fim, tem-se que o caput do art. 9º é inconstitucional por ferir oprincípio da razoabilidade, reconhecido como inerente a todas as cartas

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59 Neste sentido, Luís Felipe Salomão, op. cit., p. 62, Humberto Theodoro Júnior, Curso, vol. III, p. 477, eDinamarco, Instituições, vol. III, p. 785. Indo mais além e defendendo a possibilidade de qualquerparte, em qualquer juízo, atuar sem advogado, com ampla pesquisa doutrinária, confira FernandoAntônio de Souza e Silva, O Direito de Litigar sem Advogado, em especial nas p. 19 e seguintes.

60 Neste sentido, Maurício Antônio Ribeiro Lopes, op. cit., p. 25, e Alexandre Câmara, op. cit., p. 66.61 Sobre o tema, ver, de Rubens Approbato Machado, Indispensabilidade do Advogado.62 De fato, a distinção reduz o espectro de efetividade de uma norma constitucional de índole protetiva.

Sobre a busca da máxima efetividade na interpretação constitucional, Willis Santiago Guerra Filho,Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 58.

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constitucionais63 e que toda lei deve observar. Destarte, imagine-se, apenasa título de argumentação, que fosse possível excluir a atuação do advogadoem determinadas causas perante os Juizados. Pelo óbvio, tal distinçãosomente poderia fundar-se na complexidade da matéria. Em vez disso, a Leibaseou-se no valor da causa para criar a diferenciação. De modo que se duascausas têm a mesma complexidade, mas uma tem o valor de 19 saláriosmínimos e a outra, 21 salários mínimos, esta terá que ser acompanhada poradvogado e aquela, não. Isto é absolutamente irrazoável.

Por todos esses motivos, tem-se que a atuação do advogado é necessá-ria em todas as causas submetidas aos procedimentos da Lei nº 9.099/95.64

Com isso, o citado art. 9º deveria ser alterado para excluir a possibilidade dedispensa da assistência técnica.

Uma forma de resolver o problema seria criar órgãos de atuação daDefensoria Pública junto aos Juizados Especiais. Com um custo proporcio-nalmente baixo, seria possível colocar defensores públicos patrocinando osinteresses de todos os demandantes e demandados, que não queiram ou nãopossam constituir um advogado. Tal diretriz já se encontra plasmada na Lei,através do comando contido no seu art. 56, que diz que, instituídos osJuizados, “serão implantadas as curadorias necessárias e o serviço de assis-tência judiciária”.

3.10. A amplitude da assistência judiciária gratuita

O § 1º do art. 9º da Lei nº 9.099/95 deixa claro que o legislador preten-deu garantir à parte o direito à assistência judiciária gratuita, quando, nopólo oposto da demanda, houver uma parte patrocinada por advogado ouuma pessoa jurídica ou firma individual.65 Trata-se de aplicação do princí-

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63 Ver, sobre este princípio, Carlos Roberto de Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e a Razoabilidadedas Leis na Nova Constituição, e Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito ProcessualPenal em face da Constituição, p. 71.

64 Em alguns Estados, como em Alagoas, os juízes só fazem audiência de instrução e julgamento com apresença de um advogado ou defensor público, qualquer que seja o valor da causa.

65 Neste sentido, confira-se a Ementa nº 29 do ETRJECERJ “Assistência por advogado. Comparecendouma das partes à audiência de instrução e julgamento, assistida por advogado, incumbe ao juiz obser-var o art. 9º, § 1º, da Lei nº 9.099/95”.

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pio da isonomia dentro da lógica criada pelo regime de exceção dos JuizadosEspeciais. Como visto, nestes órgãos, as partes podem atuar sem o auxílio deum advogado nas causas com valor até 20 salários mínimos. Por isso, nãosendo possível proibir que uma das partes tenha advogado, a saída foi defe-rir à outra, que esteja desacompanhada, a assistência judiciária gratuita. Nocaso específico da parte que litiga em face de uma firma individual ou pes-soa jurídica, a assistência judiciária tem o objetivo de atenuar a presumidahipossuficiência existente nestes tipos de litígios. Nos demais casos, entre-tanto, tem prevalecido o entendimento de que a assistência judiciária gra-tuita somente será cabível quando a parte se enquadrar na condição dehipossuficiência econômica ou jurídica.

Esta interpretação, com o devido respeito, não parece ser a mais ade-quada. Com efeito, nos Juizados Especiais as partes não estão sujeitas aopagamento de honorários advocatícios, exceto nos casos de litigância demá-fé (art. 55). Desse modo, o correto é que, tendo afastado a incidênciade ônus sucumbenciais para facilitar o acesso à Justiça, deva o Estadosuportar com os custos da atuação judicial das partes.66 Por essas razões,resta claro que todos aqueles que podem ser autores nos Juizados Especiais(art. 8º, § 1º), estejam ocupando o pólo ativo ou no pólo passivo da deman-da, independentemente da condição econômica, têm direito à assistênciajudiciária gratuita. A presunção legal é que as partes que possuem causasde menor complexidade são hipossuficientes jurídicos e, por isso, merece-dores da assistência gratuita.67 Por certo, as partes que não podem ser auto-res nos Juizados Especiais, tais como as grandes empresas, não terão direi-to à assistência judiciária e terão que arcar com os custos da atuação técni-ca que necessitarem.

Destarte, deveria ser modificada a redação do parágrafo primeiro doart. 9º, para que ficasse determinada a oferta de assistência judiciária emfavor de todas as partes que, não tendo outra forma de patrocínio,preencham os requisitos legais para serem demandantes nos JuizadosEspeciais.

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66 Dinamarco, Instituições, vol. III, p. 785.67 Neste sentido, Alexandre Câmara, op. cit., p. 67.

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3.11. A natureza da intervenção da Defensoria Pública

Inicialmente, cabe ressaltar que, seguindo o comando constitucional(art. 5º, LXXIV, c/c art. 134), tem-se que o desempenho de atividade deprestação da assistência judiciária, prevista no art. 56 da Lei nº 9.099/95,deve ser atribuído com exclusividade à Defensoria Pública, nas Unidadesonde ela se encontra organizada.68 Note-se que o termo “exclusividade”,aqui empregado, significa que onde houver Defensoria Pública organizadainstitucionalmente, a atuação oficial do Estado na prestação da assistênciajudiciária deve ser realizada por meio deste ente. Não há, portanto, qual-quer vedação ao patrocínio feito por advogados dativos ou instituições pres-tadoras de assistência jurídica (escritórios modelos, associações civis, cen-tros de atendimento jurídico etc.), desde que elas não sejam remuneradaspelos cofres públicos para exercer tal munus.

Importante lembrar, por outro lado, que a Defensoria Pública tem fun-ções típicas (relacionadas à hipossuficiência econômica do interessado) e atí-picas (independentes da condição econômica dos interessados). A atuação emfavor do acusado criminal, da criança, do adolescente, do idoso, da mulhervítima de violência doméstica, dos direitos coletivos, dentre outros, sãoexemplos de atribuições que estão desvinculadas dos aspectos econômicosenvolvidos. Por isso, a referência específica à atuação junto aos JuizadosEspeciais, prevista na Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (art. 4º, Xe XI, da Lei Complementar nº 80/94), afigura-se como mais uma função atí-pica deferida a esta Instituição. Aliás, se não fosse uma função atípica, a refe-rência seria absolutamente desnecessária. Além disso, permitir que o autor ouo réu, mesmo que com condições econômicas, disponham do patrocínio daDefensoria Pública nos Juizados, além de promover o acesso à Justiça, reduza incidência das chamadas demandas economicamente indenfensáveis, ondeo custo para se defender é mais alto do que o valor do pedido.69

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68 Assim se posicionam Cândido Dinamarco, Instituições, vol. III, p. 796, e Humberto Theodoro Júnior,Curso, vol. III., p. 477, que diz: “Para assegurar o equilíbrio entre as partes, a lei dá ao autor que com-parece pessoalmente o direito, se esse quiser, à assistência judiciária (defensoria pública), quando o réufor pessoa jurídica ou firma individual”.

69 Em sentido contrário, defendendo que a atuação da Defensoria Pública nos Juizados Especiais dependeda concorrência de outras condições, tais como a hipossuficiência econômica ou a natureza consumei-

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Para que não paire dúvida sobre a questão, o recomendável seria que oart. 56 da Lei nº 9.099/95 passasse a ostentar a referência expressa àDefensoria Pública.

3.12. A possibilidade da representação das partes nas audiências

A maioria dos autores tem atribuído ao caput do art. 9º o condão deexigir, nos Juizados Especiais, a presença pessoal das partes às audiências,não admitindo, por conseguinte, a sua representação por interposta pes-soa.70 Em outras palavras, o entendimento prevalente é que a parte nãopode nomear um procurador para representá-la nos Juizados Especiais.Caso o faça, será considerada ausente, ensejando o encerramento do proce-dimento, sendo autor (art. 51, I), ou a revelia, sendo réu (art. 20). A razãode tal leitura seria, de um lado, a ideologia participativa do instituto, e, deoutro, a menção no texto do art. 9º à expressão “pessoalmente”.

Com o devido respeito, mas tal interpretação parece ser equivocada.71

É preciso ponderar, inicialmente, que o entendimento dominante temcomo efeito prático a cassação do direito de acesso aos Juizados Especiais deum grande número de pessoas. Pense-se em pessoas com deficiência física,com problemas de locomoção, que residem distante do foro da causa, quenão podem deixar o trabalho durante o expediente forense etc.72 Ademais,

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rista da causa, temos o parecer do defensor público do Rio de Janeiro Carlos Martins, mencionado porGuilherme Braga Peña de Moraes, Assistência Jurídica, Defensoria Pública e o Acesso à Jurisdição noEstado Democrático de Direito, pp. XVI e XVII.

70 Humberto Theodoro Júnior, op. cit., p. 477, Oberg, op. cit., p. 178, Câmara, op. cit., p. 102, e Dinamar-co, Instituições, vol. III, p. 806. Na jurisprudência, veja-se o Enunciado 8.1 da CEJCA “A presença daspartes – pessoas físicas e/ou pessoas jurídicas, representadas por preposto – é obrigatória nas audiênciasde conciliação e/ou julgamento”, a Ementa 48 do ETRJECERJ “O comparecimento pessoal das parteslitigantes nas audiências é obrigatório, permitindo a lei especial, contudo, que o réu, sendo pessoa jurí-dica ou titular de firma individual, seja representado por preposto credenciado, desde que mantenhavínculo empregatício com a representada. Nos termos do § 4º do artigo 9º da Lei nº 9.099/95, o que éfacultativo é a representação e não o comparecimento das partes litigantes. Aplicação do artigo 20 daLei nº 9.099/95. Improvimento do recurso”.

71 Em sentido paliativo, veja-se a Ementa 271 do ETRJECERJ “Autorização do Juízo, com aquiescência daautora, para que o filho do réu represente o pai em audiência, por se encontrar aquele impossibilitado decomparecer ao ato, de acordo com atestado médico apresentado. Audiência válida porque não prejudi-cado o direito de defesa do réu, o qual implicitamente concordou com a atuação do filho no ato judicial”.

72 Neste sentido, Erick Linhares, Juizados Especiais Cíveis: Comentários aos Enunciados do Fonaje (FórumNacional de Juizados Especiais), p. 62.

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a Lei apenas fala da necessidade da presença das partes nas causas até 20salários mínimos, quando ela poderia, em tese, dispensar o acompanhamen-to técnico do advogado. Assim, o mais razoável seria concluir que a presen-ça da parte só será obrigatória quando ela quiser dispensar a assistência doadvogado. Consoante, a única razão plausível para se exigir a presença daspartes é o fato delas estarem exercendo a capacidade postulatória direta.Agora, se a parte tem advogado e quer nomear o procurador para represen-tá-la, não há qualquer razão plausível para não fazê-lo.

Note-se, neste passo, que a Lei nº 10.259/01 (Lei dos Juizados EspeciaisFederais) tratou especificamente do tema, permitindo às partes a possibili-dade de nomear “por escrito, representantes para a causa, advogado ou não”(art. 10). Neste sentido, o parágrafo quarto do art. 9º da Lei nº 9.099/95deveria ser alterado para estabelecer que as partes podem nomear, porescrito, representantes para a causa, advogados ou não.

3.13. A importância da gravação da audiência

No caso dos Juizados Especiais, em decorrência da adoção dos princí-pios da celeridade e da oralidade (art. 2º), não há a obrigatoriedade dos atosprocessuais praticados na audiência de instrução e julgamento serem redu-zidos a termo. Basta que eles sejam mencionados no corpo da assentada (art.13, § 2º). Esta peculiaridade da Lei, embora justificável no plano dos prin-cípios citados, cria uma situação, em tese, de falta de controle da atividadejudicial. De fato, com o registro superficial dos atos, a decisão judicial pode-ria eventualmente deles se distanciar sem oferecer às partes subsídios parauma eventual impugnação. Ciente de que esta situação poderia, em últimaanálise, comprometer a aplicação dos princípios do contraditório, da ampladefesa, da publicidade e do duplo grau de jurisdição nos Juizados Especiais,previu o legislador a possibilidade de gravação das audiências. Assim, semcomprometer a estrutura oral do procedimento, seria possível o registro daaudiência, para conhecimento das Turmas Recursais, na eventualidade deser interposto um “recurso inominado” (art. 43).

É preciso deixar assente que a Lei, ao estabelecer que os atos “poderão sergravados”, quis deixar claro que esta medida não retrata um comando geral pa-

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ra todos os processos, mas uma regra de exceção para casos específicos (de outraforma, teria dito “serão gravados”). Realmente, seria desnecessário, por exem-plo, gravar uma audiência onde não houvesse prova oral a ser produzida e acontestação fosse apresentada por escrito, ou uma audiência onde a questãofosse meramente de direito. Por isso, devem as partes provocar fundamenta-damente o juízo, antes do início da AIJ ou no seu curso, a proceder à gravação.Nada impede, igualmente, que o juiz, de ofício, determine o registro daaudiência, já que a questão está relacionada a aspectos de ordem pública.

Apesar de sua importância, praticamente nenhum Juizado tem cumpri-do a determinação de gravar as suas audiências.73 Isto poderia ser feito deforma bastante simples e com custo reduzido, caso fosse ligada uma câmera(webcam) ao computador do juiz. Em Tribunais como o do Rio de Janeiro,onde todas as serventias são informatizadas e existe um sistema de intranet,as gravações seriam simultaneamente registradas pelo setor de informática,ao mesmo tempo em que ocorrem. Assim, quando a Turma Recursal fosse jul-gar o recurso inominado, bastaria o relator acessar a intranet do seu compu-tador e localizar a gravação daquela audiência. A Turma pode, assim, assistirà audiência e julgar com base no que efetivamente ocorreu nela, fazendo-serespeitar o princípio da oralidade e identidade física na fase recursal.

Além da utilidade no julgamento do recurso, a mera ciência da grava-ção da audiência certamente faria com que todos os envolvidos no proces-so perante o Juizado tivessem maior comprometimento com seus escoposfundamentais, coibindo os desvios e os abusos.

3.14. A possibilidade de produção da prova pericial

Ao contrário do que muito freqüentemente se costuma ouvir e até ler, aLei nº 9.099/95 admite a produção da prova pericial em seu procedimento.Quem afirma em sentido contrário, dizendo que a oitiva do assistente técnico

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73 Por certo existem diversas iniciativas no sentido de implantar a gravação das audiências nos JuizadosEspeciais. Desde março de 2004, por exemplo, todas as audiências realizadas pelo 2º Juizado EspecialCível de Boa Vista, Roraima, são filmadas por meio digital e podem ser acompanhadas, por meio deacesso restrito, pela internet (Projeto de Registro Eletrônico de Audiência apresentado ao III PrêmioInnovare pelo Juiz Estadual Erick Cavalcanti Linhares Lima).

37Desmistificando os Fantasmas: Formalismo, Idealismoe Pragmatismo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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regulada pelo art. 35 não é uma perícia, na verdade, confunde a natureza daprova com a sua forma de produção. O fato é que a perícia existe, mas possuiuma estrutura bastante diferente daquela prevista no CPC (arts. 420 a 439).74

Com efeito, o legislador adotou o modelo americano, mais precisamente onova-iorquino, onde o perito ou técnico de confiança do juiz apresenta seulaudo e responde aos quesitos oralmente, em audiência, como se fosse uma tes-temunha. Assim, as principais conclusões do técnico são mencionadas resumi-damente no corpo da sentença, ao lado das demais provas orais colhidas naaudiência. Registre-se que na hipótese do juiz, ao término da perícia, enten-der que o ponto controverso não ficou sanado, não sendo possível a realizaçãode nova perícia de imediato, deverá concluir a instrução, no que for possível,antes de marcar a audiência onde a questão será elucidada. Por outro lado, seo tema se apresentar como mais complexo do que inicialmente aparentava,poderá o juiz encerrar o feito sem resolução do mérito (art. 51, II).

Na prática, é muito rara a realização do procedimento pericial nosJuizados Especiais por três razões. Em primeiro lugar, o perito não é remu-nerado por sua atividade (art. 54).75 Em segundo lugar, como o deferimen-to da prova pericial deve ocorrer em audiência, o perito teria que estar dis-ponível, junto ao Juizado, no momento da realização da audiência (art.35).76 Por fim, o perito tem que analisar a questão e apresentar o seu laudoimediatamente, na própria audiência (art. 28).

Com efeito, na maioria das vezes, os juízes não têm realizado o proce-dimento pericial, preferindo por encerrar o procedimento, se não for pos-

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74 Neste sentido, veja-se a Ementa 106 do ETRJECERJ “A avaliação técnica facultada ao Juiz pelo art. 35 daLei nº 9.099/95 não segue a sistemática da expertise ordinária prevista no Código de Processo Civil. OTécnico a que se refere o aludido art. 35 é designado livremente pelo Juiz, podendo as partes contraditaras conclusões do especialista, mediante pareceres de outros expertos. À falta de contra-argumentação téc-nica, prevalece a opinativa do especialista eleito pelo magistrado, se este ao avaliar a prova, prestigia a opi-nião daquele”, Enunciado 9.3 da CEJCA “Não é cabível perícia judicial tradicional em sede de JuizadoEspecial. A avaliação técnica a que se refere o Art. 35, da Lei nº 9.099/95, é feita por profissional da livreescolha do Juiz, facultado às partes inquiri-lo em audiência ou no caso de concordância das partes” e oEnunciado 12 de FONAJE “A perícia informal é admissível na hipótese do art. 35 da Lei 9.099/1995”.

75 Humberto Theodoro Júnior, Curso, vol. III, p. 485, anota que alguns Juizados têm facultado às partes apossibilidade de pagar a perícia, para que a prova pericial possa ser realizada. Na sua visão, seria mel-hor exigir tal pagamento do que remeter às partes às vias ordinárias, onde, provavelmente, teriam quearcar com estes e outros custos.

76 Alexandre Câmara, op. cit., p. 120, entretanto, entende que o juiz deverá sempre suspender a AIJ quan-do deferir a produção da prova pericial. Assim, as partes têm condições de formular quesitos e indica-rem assistentes técnicos e o perito escolhido pelo juiz tem oportunidade de analisar o objeto da perícia.

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sível julgar a causa sem a produção da prova técnica. Alguns juízes, poroutro lado, têm nomeado funcionários públicos com formação técnica pararealizar a perícia e comparecer na audiência de instrução e julgamento.

Destarte, parece evidente que a prova pericial precisa, urgentemente,ser melhor estruturada, para viabilizar a sua realização nos Juizados espe-ciais. Neste sentido, afigura-se que a melhor solução foi a adotada pelosJuizados Especiais Federais. Neles, a perícia é feita por escrito e apresenta-da até cinco dias antes da audiência (art. 12 da Lei nº 10.259/01). Os hono-rários periciais, por sua vez, são pagos pelo Tribunal Regional Federal, quesomente cobrará da parte ré se a causa for julgada procedente ou da parteautora, no caso de litigância de má-fé. Caso contrário, o próprio Tribunalarcará com o custo da perícia (art. 12, § 1º, da Lei nº 10.259/01).

Portanto, seria necessária a alteração do art. 35 da Lei nº 9.099/95, paraque incorporasse as regras previstas na Lei nº 10.259/01. Outra iniciativaimportante seria, como já defendido, a realização de uma audiência preli-minar com o juiz leigo, que pudesse identificar a necessidade e a viabilida-de da realização da perícia informal, antes da AIJ.77

3.15. A natureza incidental dos embargos à execução

Na sistemática anterior à reforma do CPC operada no ano de 2005, amaioria da doutrina defendia que os embargos à execução fundada em títu-lo executivo judicial (sentença) nos Juizados Especiais representavam umaação autônoma de impugnação, apesar de o sistema executivo previsto noart. 52 da Lei nº 9.099/95 ser sincrético desde sua origem.78 Na esteira destepensamento, firmou-se a concepção de que a decisão que julgava os embar-gos era identificada como uma sentença,79 que poderia ser impugnada pormeio do recurso inominado.

Ocorre que com a edição da Lei nº 11.232/05 parece claro que osembargos à execução passaram a representar um incidente processual. De

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77 Veja-se o item 3.2 deste texto.78 Neste sentido, defendendo a autonomia dos embargos à execução, dentre outros, Araken de Assis,

Execução Civil nos Juizados Especiais, p. 167, e Eduardo Oberg, op. cit., p. 193.79 Neste sentido, por todos, veja-se Araken de Assis, op. cit., p. 167.

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fato, é preciso reconhecer que a Lei nº 9.099/95 não criou um modelo exe-cutivo próprio, mas determinou a aplicação dos modelos existentes no CPC,com as alterações previstas no seu art. 52. De modo que, atualmente, não hácomo sustentar a manutenção da natureza autônoma dos embargos à exe-cuções, pois o seu referencial legal é, sem sobra de dúvida, o regramentonos art. 475-J e seguintes do CPC.80 Assim, a decisão que julga os embargosà execução tem natureza interlocutória, impugnável por agravo de instru-mento,81 salvo se encerrar o procedimento executivo, quando passa a desa-fiar recurso inominado (art. 475-M, § 3º, do CPC).

Destarte, seria importante que o todo o inciso IX do art. 52 da Lei nº9.099/95 fosse revogado, abrindo espaço para a aplicação plena dos arts.475-L e 475-M do CPC. Aproveitando o ensejo, poderia ser alterado o pará-grafo primeiro do art. 53, que trata dos embargos à execução fundada emtítulo executivo extrajudicial, para fazer referência ao regramento atual(arts. 736 e seg. do CPC). Na verdade, o ideal mesmo seria que todos osparágrafos do art. 53 fossem revogados, pois o procedimento nele previstoé ineficiente e anacrônico. Bastaria ao art. 53 dizer que a execução dos títu-los executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta salários mínimos,obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil.

3.16. A rescindibilidade da coisa julgada

Um tema que tem despertado pouquíssima atenção é a previsão contidana Lei nº 9.099/95 de que as decisões proferidas nos Juizados Especiais nãoestão sujeitas a ação rescisória (art. 59).82 Para se ver o absurdo desta situação,basta imaginar ação julgada por juiz impedido, suspeito ou corrupto, ou queofenda a coisa julgada, a lei etc. na sistemática atual esta decisão atingiria ime-

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80 Sobre o cabimento do agravo de instrumento nos Juizados Especiais, veja-se o item 3.4 deste texto.81 Na maior parte do Brasil prevalece o entendimento de que, apesar de aplicável a sistemática do CPC aos

embargos à execução dos Juizados, o recurso cabível contra a decisão que o julgar será sempre o recur-so inominado. Neste sentido, veja-se o Enunciado 12.2.1 da CEJCA “Na execução por título judicial oprazo para oferecimento de embargos será de 15 (quinze) dias e fluirá da intimação da penhora. Da sen-tença que julgar os embargos caberá o recurso inominado previsto no art. 42 da Lei 9.099/95”.

82 Neste sentido, defendendo a autonomia dos embargos à execução, dentre outros, Araken de Assis, op.cit., p. 167, e Eduardo Oberg, op. cit., p. 193.

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diatamente imediatamente após o trânsito em julgado o grau máximo de imu-tabilidade como coisa soberanamente julgada. Note-se que se a mesma deci-são for levada ao STF, por meio de recurso extraordinário, e lá transitar emjulgado, não haverá qualquer óbice ao ajuizamento da ação rescisória naque-le Tribunal, que não é alcançado pela proibição contida no art. 59 da Lei.83

Por isso, a proibição prevista no art. 59 é completamente absurda. Muito maisrazoável seria, por exemplo, diminuir o prazo da ação rescisória ou seu campode abrangência nos Juizados Especiais, mas não suprimi-la.

Por isso, forçoso reconhecer que tal dispositivo é inconstitucional eincapaz de afastar a utilização da ação rescisória, nos termos do art. 485 doCPC, a ser julgada pelo Tribunal de Justiça.84 Com efeito, o art. 59 da Lei nº9.099/95 deveria ser revogado.

A tese da inconstitucionalidade do art. 59, entretanto, não tem encontra-do eco na doutrina e jurisprudência nacional que, como dito, tem passado aolargo do problema. Deste modo, é preciso perquirir qual seria a solução maisadequada para atacar as decisões viciadas que tenham transitado em julgadonos Juizados Especiais. Humberto Theodoro Júnior85 e Alexandre Câmara86

defendem a interposição de ação anulatória, para o juízo comum, quando con-figurada a sentença nula ipso iure ou a sentença inexistente. Esta posição,entretanto, não parece solucionar o problema. De fato, a ação anulatóriasomente será possível em face de atos judiciais que não dependem de senten-ça ou em que esta for meramente homologatória (art. 486 do CPC). Assim, ostemas relacionados ao julgador, por exemplo, permaneceriam inatacáveis.

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83 Neste sentido, Alexandre Câmara, Juizados, p. 162.84 Neste sentido, Júlia N. Cintra, Cabimento da ação rescisória no juizado especial de pequenas causas: res-

peito à isonomia. Pestana de Aguiar, op. cit., p. 13, defende, na eventualidade de uma causa de maior com-plexidade ser julgada perante os Juizados Especiais, que seria possível o ajuizamento de ação rescisória,dirigida para o Grupo de Turmas Recursais ou par as Turmas Recursais Reunidas. Nos Juizados EspeciaisFederais tem crescido o entendimento de que é cabível ação rescisória, perante as Turmas Recursais, porinaplicabilidade do art. 59 da Lei nº 9.099/95 ao sistema federal. Neste sentido, Daniele Carvalho Carlotto,O cabimento da ação rescisória nos Juizados Especiais Federais frente à Constituição Federal de 1988. Najurisprudência, veja-se “A presença do interesse público, em última análise, da própria União, é elemen-to essencialmente diferenciador entre os sistemas dos Juizados Estaduais e dos Juizados Federais, tornan-do-os incompatíveis quanto às disposições normativas que limitem o emprego de instrumento processualdestinado à proteção ou realização daquele - hipótese do art. 59, da Lei nº 9.099/95. Assim entendendo,admito a presente ação rescisória.” (TRF 4ª Região – Turma Recursal Federal – Ação Rescisória2008.40.00.706986-2 – Rel. Juiz Federal Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, j. em 02/10/08).

85 Op. cit., p. 494.86 Op. cit., p. 163.

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Preferimos, assim, defender a utilização do mandado de segurança,dirigido ao Tribunal de Justiça,87 para atacar as decisões transitadas em jul-gado nos Juizados Especiais.88 Importante sublinhar que, neste caso, nãohaverá a incidência da Súmula 268 do STF, que diz: “Não cabe mandado desegurança contra decisão judicial com trânsito em julgado”. Tal enunciadosomente é aplicável no juízo ordinário, onde as sentenças transitadas emjulgado podem ser objeto de ação rescisória.

4. Conclusões

De tudo o que foi exposto, é possível concatenar algumas conclusões:

a) nos últimos anos a qualidade da tutela jurisdicional prestada nosJuizados Especiais sofreu significativa piora causada pela eleva-da e crescente demanda pelos serviços judiciais, pela limitadaestrutura material e humana disponível, pela falta de uma pos-tura instrumental legítima dos operadores do Direito; e pela faltade um controle mais rígido sobre o que é feito nestes órgãos;

b) é preciso adotar medidas que permitam que as qualidadesdos Juizados Especiais produzam os resultados que dela seesperam e, ao mesmo tempo, minimizem os “efeitos colate-rais” que se tem observado;

c) os operadores do Direito têm que assumir o compromisso debuscar melhorar o quadro existente, através do debate deidéias, da articulação entre a sociedade civil e o governo, daimplantação de novas práticas que possam aprimorar a qua-lidade da tutela jurisdicional prestada;

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87 Em sentido contrário, veja-se a Ementa 408 do ETRJECERJ “Mandado de segurança. Inviável a impe-tração para modificar sentença com trânsito em julgado. Inocorrência de ilegalidade ou abuso de poderpor parte da autoridade impetrada, que indeferiu pedido para que fosse considerado como termo inicialpara incidência da multa a data da intimação do trânsito em julgado da sentença e não a da intimaçãoda sentença, como determinado pelo juiz monocrático. Denegada a ordem” e Ementa 411 do ETRJE-CERJ “O Mandado de Segurança não é meio próprio para impugnar sentença, acobertada pelo mantoda coisa julgada ut Súmula nº 268, do Supremo Tribunal Federal”.

88 Veja-se os comentários ao art. 41 da Lei.

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d) os Juizados Especiais estão recebendo causas que deveriamser direcionadas para o juízo ordinário;

e) transformar os Juizados Especiais em vias ordinárias estácomprometendo as suas qualidades e o próprio papel doPoder Judiciário;

f) a interposição da demanda perante os Juizados Especiaisdeve ser uma faculdade do autor e não uma imposição legal;

g) a atual estrutura da fase cognitiva do procedimento dosJuizados Especiais é irreal e deve ser reformulada;

h) o agravo de instrumento deve ser admitido nos JuizadosEspeciais, restrito a determinadas situações, submetido aoprocedimento previsto no CPC, firmado por advogado edirigido às Turmas Recursais;

i) o mandado de segurança contra decisões interlocutórias nosJuizados Especiais deve ser dirigido para o tribunal corres-pondente e não para a Turma Recursal;

j) as causas de menor complexidade, fixadas exclusivamentepela matéria (art. 3º, II e III), não se submetem ao teto de 40salários mínimos;

k) a incompetência territorial no sistema da Lei nº 9.099/95 érelativa e não pode ser conhecida de ofício;

l) as funções judicantes dos juízes leigos previstas nos arts. 37e 40 da Lei nº 9.099/95 são inconstitucionais;

m)o juiz leigo poderia ficar responsável pela condução de umaaudiência preliminar, posterior à sessão de conciliação e pre-paratória à AIJ;

n) a dispensa da atuação do advogado é inconstitucional;o) todos os Juizados Especiais deveriam ter órgãos de atuação

da Defensoria Pública;p) todos aqueles que podem ser autores nos Juizados Especiais

(art. 8º, § 1º), estejam ocupando o pólo ativo ou no pólo pas-sivo da demanda, independentemente da condição econô-mica, têm direito à assistência judiciária gratuita;

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q) a Defensoria Pública, nas Unidades onde ela se encontraorganizada, tem a prerrogativa exclusiva para o desempenhode atividade de prestação da assistência judiciária nosJuizados Especiais;

r) as partes podem nomear, por escrito, representantes para acausa em curso nos Juizados Especiais;

s) a gravação da audiência de instrução e julgamento deve serimplementada pelo Juizado Especial, quando necessária aoregistros dos atos;

t) a Lei nº 9.099/95 admite a produção da prova pericial em seuprocedimento;

u) a prova pericial precisa ser melhor estruturada, para viabili-zar a sua realização nos Juizados Especiais;

v) os embargos à execução passaram a representar um inciden-te processual;

w) a decisão que julga os embargos à execução tem naturezainterlocutória, impugnável por agravo de instrumento,89 sal-vo se encerrar o procedimento executivo, quando passa adesafiar recurso inominado;

x) o art. 59 da Lei nº 9.099/95, que proíbe a utilização da açãorescisória nos Juizados Especiais é inconstitucional.

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89 Na maior parte do Brasil prevalece o entendimento de que, apesar de aplicável a sistemática do CPC aosembargos à execução dos Juizados, o recurso cabível contra a decisão que o julgar será sempre o recur-so inominado. Neste sentido, veja-se o Enunciado 12.2.1 da CEJCA “Na execução por título judicial oprazo para oferecimento de embargos será de 15 (quinze) dias e fluirá da intimação da penhora. Da sen-tença que julgar os embargos caberá o recurso inominado previsto no art. 42 da Lei 9.099/95”.

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CC)) CCoonnggrreessssooss,, eennuunncciiaaddooss ee eemmeennttáárriiooss

1º Ementário das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis do Estadodo Rio de Janeiro – 1º ETRJECERJ.

2º Ementário das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis do Estadodo Rio de Janeiro – 2º ETRJECERJ.

1º Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e de Turmas Recursais doEstado do Rio de Janeiro, realizado em Angra dos Reis, nos dias 29 a 31de outubro de 1999 – 1º EJECTRERJ.

1º Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis da Capital e da GrandeSão Paulo – 1º EJJEC.

Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis e Administrativos em VigorResultantes das Discussões dos Encontros de Juízes de Juizados EspeciaisCíveis e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro – CEJCA.

Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil –FONAJE

Fóruns Nacionais dos Juizados Especiais, organizados pela Associação dosJuízes Federais do Brasil – FONAJEF.

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men Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editora

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2Garantias do Processo Justo nos

Juizados Especiais CíveisFernando Gama de Miranda Netto

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Blindagem garantística para o cidadão. 3. Garantia da efetivi-dade do processo para o autor. 4. Garantias do réu nos juizados especiais. 5. Procedimentosumaríssimo entre garantismo e autoritarismo. 6. Conclusões. 7. Referências bibliograficas.8. Referências eletrônicas.

1. Introdução

Não se pode ignorar a fama alcançada pelos juizados especiais cíveisperante a população brasileira. As razões apontadas geralmente recaemsobre a celeridade, informalidade e gratuidade desse juízo na composiçãode conflitos. Na trilha do sucesso da Lei nº 9.099/95, que regula o procedi-mento sumaríssimo na esfera estadual, editou-se a Lei nº 10.259/01, com oobjetivo de cuidar de litígios no âmbito federal. Tais leis formam, em con-junto, o Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis, e devem ser interpretadasharmonicamente.1

Observe-se, no entanto, que o procedimento dos Juizados Especiaisgera a crença de que os problemas do alto custo do processo e a demoraexcessiva na entrega da prestação jurisdicional são completamente afasta-dos em relação ao procedimento ordinário, mas, simultaneamente, escondeos problemas gerados na busca de um processo ideal de resultados, quemelhor seria aqui denominado “estatístico”, em face de seu compromissocom o esvaziamento de prateleiras, com a demonstração pública de que algoestá sendo feito para desafogar a justiça.

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1 CÂMARA, Alexandre. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica, passim.

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Tal preocupação é, sem dúvida, das mais louváveis e afinadas com acrescente demanda pelo serviço público “justiça”, mas impõe-se considerara que preço os resultados colimados serão atingidos. Em outras palavras,deve-se indagar até que ponto se pode, em benefício da celeridade e da efe-tividade, descurar-se de outras garantias processuais, que igualmente com-põem o modelo constitucional de processo justo.

A idéia perfilhada é esta: quem desampara os meios desampara tam-bém os fins. Ora, a obtenção de um resultado reconhecidamente justo pres-supõe a construção de um meio justo, sob pena de retornarmos à máximamaquiavélica “os fins justificam os meios”.

O processo garantístico almeja a preservar todas as garantias de um pro-cesso justo. Nesse contexto, estão inseridos os fenômenos da constitucionali-zação e internacionalização dos direitos fundamentais e garantias processuais,portadores de um significado nitidamente ideológico: as nações perceberamque, se o direito não é imutável, deve ao menos possuir componentes míni-mos, regras estáveis referidas a valores, capazes de refletir na administraçãoda justiça.2 Como se vê, processo estatístico e processo garantístico não seexcluem mutuamente. O que não se deve perder de vista, no entanto, é queum processo meramente estatístico será, por natureza, antigarantista.

Não estamos panfletando o fim dos juizados especiais. Ao revés, esteexame dos juizados especiais cíveis, à luz das garantias constitucionais doprocesso, alveja a contribuir para o aperfeiçoamento dessa via alternativapara resolução de conflitos.

Nosso pequeno estudo pretende investigar: a) até que ponto pode aefetividade retirar das partes as garantias que elas teriam no procedimen-to ordinário?; b) quais as garantias renunciáveis e quais as garantias míni-mas de um processo justo?; c) há paridade de armas nos juizados especiaiscíveis? d) quais os principais defeitos do microssistema dos juizados espe-ciais? e) pode o magistrado retirar das partes mais garantias processuais,além das que o legislador expressamente subtraiu? f) a idéia de um proces-so garantístico é incompatível com o procedimento sumaríssimo, já quenecessita ser célere?

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2 CAPPELLETTI, Mauro. Fundamental Guarantees of the Parties in Civil Litigation, p. 766-768.

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2. Blindagem garantística para o cidadão

Uma concepção garantista do Direito impõe a sujeição de todos ospoderes à Constituição, especificamente na proteção dos direitos funda-mentais, e isto tem especial relevância para o processo.

Pensar na blindagem garantística das partes no processo significa queexiste um conjunto de garantias mínimas a serem respeitadas na realização deum processo justo. Isso não diz respeito ao formalismo, que deve ser evitado.3

Nessa linha de raciocínio, o garantismo é um modelo normativo(dever-ser) imposto à função judicante do Estado para assegurar os direitosprocessuais dos cidadãos, como o devido processo legal, a paridade de armas– o contraditório.4 Ao mesmo tempo, constitui uma teoria jurídica queexige dos juristas o espírito crítico e a incerteza permanente sobre a valida-de das leis vigentes quando examinadas à luz do modelo constitucional deprocesso justo.5

Transportar para o procedimento sumaríssimo dos juizados especiaistodas as garantias dispostas no Código de Processo Civil poderia significar asua transformação em um procedimento ordinário. Por essa razão, emnome da celeridade e da economia processual, subtraem-se, no procedi-mento sumaríssimo, algumas garantias dos sujeitos processuais, como a pos-sibilidade de uma das partes provocar a intervenção de terceiro (art. 10 daLei nº 9.099/95), propor ação rescisória (art. 59) e, no âmbito dos JuizadosEspeciais Federais, interpor recursos de sentenças terminativas (art. 5º daLei nº 10.259/2001).

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3 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Os juizados especiais e os fantasmas que os assombram. In:Fundamentos do Processo Civil Moderno, tomo II, p. 1.427 et seq.

4 Vittorio Denti, em “Il ruolo del giudice nel processo civile tra vecchio e nuovo garantismo” (in: Sistemi eRiformi: Studi sulla Giustizia Civile), um dos autores que mais se dedicou ao tema do garantismo, já haviaconsignado em 1984 que “la funzione garantistica del giudice può essere vista in due modi: um primo, chepotremmo definire vetero-garantistico, e risponde ad uma conzecione meramente formale della ugualian-za delle parti nel processo; il secondo, che potremmo definire neo-garantistico, e risponde ad uma esigen-za di ugualianza reale e sostanziale tra lê parti stesse. [...] La definizione di ‘vetero-garantismo’ non vuoleavere conotati negativi, ma soltanto essere indicativa del fatto che si tratta della concezione affermattasicom le codificazioni ottocentesche, almeno sino alla Zivilprozessordnung austríaca de 1895 (alla quale,com’ è noto, si ispirò Chiovenda nella sua opera riformatrice). La seconda conzecione affida al giudice umruolo di ‘promozione’ della effetiva parità delle armi nel processo [...]” (p. 176).

5 Cf. FERRAJOLI, Luigi. Teoria do Garantismo Penal, p. 684-685.

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Tais vedações não ocorrem sem algum arranhão ao devido processolegal. Com efeito, embora se justifiquem em nome da garantia da efetivida-de, acabam por vulnerar outras garantias. A propósito, observe-se a lição deJosé Carlos Barbosa Moreira:

Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daínão se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamen-te uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a presta-ção jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-lamelhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qual-quer preço.6

Como pondera Humberto Theodoro Jr.,7 na justa solução do conflitolevado a juízo, duas forças opostas atuam sobre o processo: “A que exigesolução rápida para o litígio e a que impõe delonga à atividade jurisdicionalpara a efetivação do contraditório e da ampla defesa.”

Se a ciência processual hodierna traz consigo o contraste estabelecidoentre a garantia de efetividade do processo para o autor e as garantias dedefesa para o réu, cumpre indagar até que ponto se justifica a supressão dedeterminadas garantias em nome da efetividade.

3. Garantia da efetividade do processo para o autor

Para Leonardo Greco, a tutela jurisdicional efetiva é um direito funda-mental, cuja eficácia irrestrita é preciso assegurar, em respeito à própriadignidade humana.8

Segundo Luigi Comoglio9 efetividade significa que todos devem terpleno acesso à atividade estatal, sem qualquer óbice (effetività soggetiva);10

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6 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns mitos. Revista Forense, vol. 352, p. 118.7 THEODORO JR., Humberto. Tutela de emergência: antecipação de tutela e medidas cautelares. In: O

processo civil brasileiro no limiar do novo século, p. 76.8 GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. Revista Jurídica, v. 305, p. 89.9 COMOGLIO, Luigi. Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie constituzionali, p. 1.070.10 O Ato Normativo Conjunto nº 1/2005 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro dispõe sobre

a eliminação de processos nos juizados especiais cíveis. “Art. 1º Os autos processuais findos dos Juizados

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devem ter a seu dispor meios adequados (effetività tecnica) para a obtençãode um resultado útil (effetività qualitativa) e suficiente para assegurar aque-la determinada situação da vida reconhecida pelo ordenamento jurídicomaterial (effetività oggetiva).11

Há de se reconhecer que o acesso ao procedimento sumaríssimo estálonge do ideal. Com efeito, o art. 51, I, da Lei nº 9.099/95 exige o compare-cimento pessoal do autor à audiência, sob pena de extinção do processo.

Para se desenvolver uma tutela efetiva nos juizados especiais, é preci-so relativizar esse mandamento, de modo que a pessoa física portadora dedeficiência física ou impossibilitada de locomoção12 possa se fazer represen-tar por preposto, como ocorre nos procedimentos sumário (art. 277, § 3º) eordinário (art. 331, do CPC).13

No entanto, há mais razões que recomendam a permissão de que qual-quer pessoa possa se fazer representar por preposto. É muito comum, noâmbito dos juizados especiais estaduais, a pessoa física demandar em face depessoa jurídica. Nesse caso, a pessoa física é litigante eventual (possui umaou poucas causas nos juizados especiais) e precisa paralisar todas as suas ati-vidades do dia em função da audiência; enquanto a pessoa jurídica que, emregra, é litigante contumaz, está preparada para indicar qualquer pessoapara atuar como preposto.14 A justificativa para que o autor compareça pes-soalmente parece estar presa ao depoimento pessoal, mas muitas vezes umempregado do autor ou mesmo um administrador de um imóvel podeconhecer muito melhor os fatos que o próprio titular do direito. Em umaação de responsabilidade civil por dano a veículo, o proprietário do bem

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Especiais Cíveis serão eliminados após o prazo de 180 dias da data do arquivamento definitivo”. Não éclara esta regra do arquivamento definitivo (existe o provisório?). Pior que o risco de os autos seremdestruídos após sentença condenatória (antes de consumado o prazo prescricional) é o desinteresse esta-tal em conservar a história dos processos, que poderiam ser objeto de pesquisa futuramente.

11 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do processo e técnica processual. In: Temas de DireitoProcessual, Sexta Série, p. 17 et seq.

12 Estabelece o Estatuto do Idoso (L. 10.741-2003) que o idoso goza de todos os direitos fundamentais ine-rentes à pessoa humana (art. 2º) e que é obrigação do Poder Público assegurar ao idoso, com absolutaprioridade, a efetivação de seus direitos (art. 3º).

13 Tema bem explorado por Márcia Cristina Xavier de Souza, em “Acesso à Justiça e Representação dasPartes nos Juizados Especiais Cíveis”, in: Direito Processual e Direitos Fundamentais, p. 161 et seq.

14 No sentido do texto, Márcia Cristina Xavier de Souza, op. cit., p. 181.

53Garantias do Processo Justo nos Juizados Especiais Cíveis

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pode nada conhecer em comparação ao seu filho ou ao motorista. Há de seacrescentar que essa barreira da representação por preposto inexiste nosjuizados especiais federais, em razão do art. 10 da Lei nº 10.259/2001.15

Outro ponto inexplicável é a manutenção do art. 8º da Lei nº 9.099/95,na parte em que o cidadão fica impedido de litigar contra estado ou muni-cípio. Deveras, não se compreende porque o cidadão pode litigar contra aUnião no procedimento sumaríssimo, mas está impedido de litigar contraoutros entes públicos.16 Não faz sentido discutir uma multa de trânsito novalor de meio salário mínimo, quando se sabe que só as custas do procedi-mento sumário ultrapassam este valor. Resta contentar-se com as lacônicasfundamentações dos órgãos administrativos, evidentemente desprovidos deindependência para realizar um julgamento justo.17

Nem se lance o esdrúxulo argumento de que isso poderia inviabilizaros Juizados Especiais por conta da enchente de demandas proveniente dalitigiosidade contida,18 o que não pode servir de desculpa eterna para osentes municipais e estaduais ignorarem os direitos dos cidadãos. Nada obstaa criação de um juizado especial especializado na matéria.19

4. Garantias do réu nos juizados especiais

Até que ponto pode a efetividade retirar das partes as garantias que elasteriam no procedimento ordinário? E ainda: há paridade de armas nos jui-zados especiais cíveis? Afinal, quais as garantias renunciáveis?

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15 “Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.”16 No mesmo sentido: CÂMARA, op. cit., p. 22-23.17 Tais órgãos administrativos são as juntas administrativas de recursos de infrações – JARI (cf. <http://

www.denatran.gov.br/jaris.htm>).18 Parece-nos que a expressão “litigiosidade contida” é introduzida no direito pátrio por Kazuo Watanabe,

em “Filosofia e Características Básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas” (in: Juizado Especial dePequenas Causas, p. 2).

19 Tendo em vista essa possibilidade, já houve até a alteração do valor do teto dos Juizados Especiais paraos municípios pela Emenda Constitucional nº 37/2002: “Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º doart. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serãoconsiderados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelosentes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obri-gações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II - trinta salários-mínimos, perante aFazenda dos Municípios.”

54 Fernando Gama de Miranda Netto

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Quem vivencia os juizados especiais cíveis na atualidade pode consta-tar a violação flagrante do princípio da igualdade. Não seria exagero dizerque o réu já entra derrotado no procedimento sumaríssimo, criando-se umverdadeiro processo civil do autor.

José Ignácio Botelho Mesquita sustenta a inconstitucionalidade de seatribuir somente ao autor a opção de escolher entre o procedimento daJustiça Comum e o do Juizado Especial, porque este não se submete à lei(art. 5º, II, CF), nem ao devido processo legal (art. 5º, LIV e LV), mas à juris-dição de eqüidade (art. 6º, Lei nº 9.099/95).20

É interessante notar que Alexandre Câmara considera que, pela mesmarazão, o procedimento sumaríssimo não pode ser obrigatório para o autor.21

Cândido Rangel Dinamarco defende esta posição, ao asseverar que “não sepode impor ao demandante uma espécie processual que, se de um lado lheoferece vantagens, de outro impõe restrições cognitivas que talvez não lheconvenham. O demandante é o único árbitro dessa conveniência”.22 Noentanto, é ignorado o fato de que, uma vez eleita a via pelo demandante, oréu acaba sendo obrigado a aceitá-la. Cabe perguntar: por que não se podeimpor ao demandante determinado procedimento, mas o réu deve curvar-se à escolha do autor?

Ou seja: o autor, ao escolher o procedimento sumaríssimo, promove,em decorrência da lei, um verdadeiro desequilíbrio de forças, já que o réuterá algumas garantias suas desprezadas. Assim, se o réu é devedor solidá-rio, não poderá promover o chamamento ao processo dos demais co-deve-dores no procedimento dos Juizados Especiais (art. 10 da Lei nº 9.099/95),garantia que lhe seria assegurada se demandado pelo procedimento ordiná-rio (art. 77, III, CPC). Pior: impede que este mesmo devedor ajuíze umaação cautelar de arresto, caso os demais co-devedores estejam dando sumi-ço aos bens, já que não terá ainda fundamento legal para propor umademanda principal. São esclarecedoras as palavras de Joel Dias Figueira

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20 MESQUITA, José Ignácio Botelho. O Juizado Especial em face das garantias constitucionais. RevistaJurídica, v. 330, p. 9 e 13.

21 CÂMARA, op. cit., p. 28.22 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, p. 775.

55Garantias do Processo Justo nos Juizados Especiais Cíveis

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Júnior: “não se pode perder de vista que o objetivo do legislador em excluira possibilidade de intervenção de terceiros foi apenas o de evitar que severificasse a procrastinação da demanda, em desfavor do autor.”23

Explica Fátima Nancy Andrighi: “não obstante se respeite a redaçãolegal, há que se ponderar sobre a possibilidade de pessoa não integranteda lide necessitar intervir, na qualidade de terceiro prejudicado, median-te interposição de recurso de molde a evitar lhe seja causado algum danodecorrente do julgado”.24 Para Alexandre Câmara, as vedações do art. 10não se justificam em relação ao chamamento ao processo, ao recurso deterceiro e à nomeação à autoria.25 Nesta linha de raciocínio, sugereFelipe Borring Rocha que a lei seja alterada para se permitirem algumasintervenções.26

Há outras vedações no âmbito do procedimento sumaríssimo automa-ticamente impostas ao réu, tranquilamente aceitas pela jurisprudência,como o uso de recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça27 e a uti-lização de mais de três testemunhas (art. 34 da Lei nº 9.099/95).

O processo civil do autor dos Juizados Especiais autoriza, ainda, comfundamento no Enunciado nº 53 do Fórum Permanente de Juízes Coorde-nadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, que a inversão doônus da prova ocorra a qualquer momento, desde que essa possibilidade apa-reça no mandado de citação: “Deverá constar da citação a advertência, emtermos claros, da possibilidade de inversão do ônus da prova.”28

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23 FIGUEIRA JR., Joel Dias. Primeira Parte: Juizados Especiais Cíveis. In: Comentários à Lei dos JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais, p. 217.

24 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Parte I: Juizados Especiais Cíveis. In: Juizados Especiais Cíveis e Criminais,p. 31.

25 CÂMARA, op. cit., p. 22-23.26 ROCHA, Felipe Borring. Juizados Especiais Cíveis, p. 84.27 Tal entendimento teve por base a interpretação literal do art. 105, III, da Constituição Federal, que trata

do cabimento do recurso especial contra as decisões proferidas, em única ou última instância, pelosTribunais Regionais e pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal. Não possuindo as TurmasRecursais status de Tribunal, cristalizou-se o entendimento na Súmula nº 203, do STJ: “Não cabe recur-so especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos juizados especiais”. Há de se mencio-nar a sugestão feita, com razão, por Alexandre Freitas Câmara (op. cit., p. 159), para a Lei nº 9.099/95,no sentido de ser instituído um recurso de divergência sempre que a Turma Recursal conferir à lei inter-pretação divergente da que lhe houver atribuído outra Turma Recursal do mesmo Estado da Federação.

28 Cf. http://www.fonaje.org.br/.

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A doutrina mais autorizada obviamente repudia tal construção, porviolar a garantia do contraditório, embora seja praticada sem maiores cons-trangimentos nos Juizados Especiais do Rio de Janeiro. Com a publicação doEnunciado nº 3 (D.O. de 30/5/2005, Parte III, p. 1-3 do Aviso nº 17 doEncontro de Desembargadores de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça doEstado do Rio de Janeiro), “A inversão do ônus da prova, prevista na legis-lação consumerista, não pode ser determinada na sentença”, tal procederpoderia ter sido revisto. Todavia, o Aviso nº 23 do TJRJ, de 02.07.2008, esta-belece no item 9.1.2 que: “A inversão do ônus da prova nas relações de con-sumo é direito do consumidor (art. 6º, caput, CDC), não sendo necessárioque o Juiz advirta o fornecedor de tal inversão, devendo este comparecer àaudiência munido, desde logo, de todas as provas com que pretendademonstrar a exclusão de sua responsabilidade objetiva.”

Tal enunciado viola o modelo constitucional de processo justo, porqueimpede que a parte apresente defesa e influencie o convencimento domagistrado. Não se pode simplesmente supor que a lei tenha imposto àparte o ônus de adivinhar o critério que o juiz irá utilizar na sentença.29

Diferentemente do procedimento ordinário (art. 331, § 2º, CPC), não há,nos Juizados Especiais, uma oportunidade para a decisão de saneamentoantes da audiência de instrução e julgamento. Por esta razão, se o juiz, naaudiência de instrução e julgamento, constata a necessidade de inversão doônus da prova, deve conferir à parte prejudicada pela inversão a oportuni-dade de apresentar a contraprova, podendo marcar nova audiência para quea prova seja submetida ao contraditório.30

Também a gratuidade anunciada pela lei é problemática para o réu nosJuizados Especiais. A permissão de se propor uma demanda sem que sejacobrado um único centavo do autor acaba estimulando a litigiosidade –pode-se falar em uma “litigiosidade exacerbada”.31 O autor é franco atira-dor, pois não tem nada a perder – não precisa, muitas vezes, sequer gastar

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29 JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER, “Sobre o ônus da prova”, in: Estudos de Direito Processual Civil:homenagem ao Prof. Egas Dirceu Moniz de Aragão, p. 359.

30 Cf. MIRANDA NETTO, Fernando Gama de. Ônus da Prova no Direito Processual Público, item 5.3.4.31 CÂMARA, op. cit., p. 9-10.

57Garantias do Processo Justo nos Juizados Especiais Cíveis

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com advogado.32 Já o réu, temeroso de ter algum prejuízo no caso de pro-cedência do pedido do autor, vê-se obrigado a contratar um advogado, queterá de ser pago, ainda que saia vitorioso em primeiro grau. Assim, ousamosafirmar que a gratuidade dos juizados especiais só existe para o autor.33

Parece que a única vantagem para o réu de estar no procedimentosumaríssimo refere-se ao momento de apresentar a contestação, na audiên-cia de instrução e julgamento. Mas tal vantagem configura um privilégioinjustificável. Ora, a apresentação da contestação na audiência de instruçãoe julgamento não só dificulta que a parte autora rebata adequadamente osargumentos da parte ré, como também impede que o conciliador fixe ospontos controversos já na audiência de conciliação.34 Isso parece violartambém a garantia do contraditório, no que se refere à congruidade dosprazos.35 Não se compreende, portanto, o porquê de o réu ter o privilégiode meses para apresentar uma simples contestação e de o autor ter de reba-tê-la imediatamente após conhecer o seu teor.

Outras garantias que o réu teria fora dos Juizados Especiais lhe foramretiradas, como prazos diferenciados (art. 9º da Lei nº 10.259-01) e remessanecessária (art. 13), no que se refere às pessoas jurídicas de direito público.

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32 Na reportagem de Laura Antunes “A má-fé que está por trás de ações que chegam aos juizados espe-ciais” (O Globo, 4/5/2005, p. 21), há o relato de que um cidadão acabou preso, depois de tentar proces-sar a mesma empresa de ônibus 93 vezes. Em outro caso, conta-se que o dono de um gato pediu inde-nização por danos morais em face de seu condomínio, pelo fato de seu animal ter se machucado ao cairda varanda, fundamentando que deveria haver uma rede de proteção. Encontra-se ainda na mesmareportagem a notícia de que, no XXI Juizado Especial da cidade do Rio de Janeiro, um rapaz pedia inde-nização em face do motel, em virtude de ter “falhado” com a namorada, constrangido ao verificar queo local não possuía todo o conforto que dizia ter na propaganda.

33 É de se observar que alguns Estados, como o de Santa Catarina e o de Mato Grosso, estabeleceram orecolhimento de custas para as diligências com Oficial de Justiça. O Conselho Nacional de Justiça tem,no entanto, impedido tal cobrança (http://www.conjur.com.br/2007-jun-07/cobranca_taxa_juiza-dos_especiais_ contraria_lei, consultado em 28 de março de 2009).

34 O conciliador é, muitas vezes, “jogado” nos juizados especiais sem um mínimo de preparo, com a mis-são de cumprir uma estatística pré-determinada de acordos. No Rio de Janeiro, não há um curso préviopara o conciliador aprender como tratar as partes. O seu preparo ocorre às avessas: primeiro é analisa-do o seu desempenho estatístico: se for bom, fará jus ao curso de instrução do conciliador; se for ruim,será descartado. A propósito, noticia Kazuo Watanabe em “Relevância político-social dos JuizadosEspeciais Cíveis (sua finalidade maior)”: “Os conciliadores não estão recebendo, em vários Estados, aformação e o aperfeiçoamento necessários, através de cursos, treinamentos e trocas de experiências” (in:Temas Atuais de Direito Processual Civil, p. 207).

35 Cf. GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo. In: Revista Jurídica, v.305, p. 72.

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Aqui andou bem o legislador, porque tais garantias são insustentáveis emqualquer tipo de procedimento.36

Permitir que a parte autora renuncie a determinadas garantias proces-suais em nome da efetividade parece razoável. O que soa estranho é impor arenúncia de inúmeras garantias pela parte ré sem que haja nisso uma compen-sação. Se o que se pretendia era evitar que o réu se utilizasse do processo comoinstrumento de procrastinação, caiu-se no extremo oposto: ao autor, tudo!

5. Procedimento sumaríssimo entre garantismo e autoritarismo

O Poder Judiciário tem prestado um grande serviço à população pormeio dos juizados especiais, não obstante a lei ter defeitos em inúmerospontos, como ocorre, por exemplo, com a supressão de instrumentos pro-cessuais, como a ação rescisória (art. 59 da Lei nº 9.099/95) e o recurso con-tra sentença terminativa nos juizados especiais federais (art. 5º da Lei nº10.259/2001).

Vejamos um dos problemas provocados pela proibição da ação rescisó-ria. Se houver duas sentenças transitadas em julgado envolvendo o mesmoobjeto, qual terá validade nos juizados especiais cíveis? Tal colisão, em vir-tude do art. 59, só poderá ser resolvida com a prevalência da segunda, dife-rentemente do que ocorre com os procedimentos do Código de ProcessoCivil (art. 485, IV). Não deixa de ser uma incoerência, já que nos JuizadosEspeciais podemos ter demandas com valor superior a 40 salários mínimosquando a competência for fixada em razão da matéria.37 Por que esse trata-mento diferente, mormente quando isso ocorrer em prejuízo do réu?

Afinal, será que cabe ao autor decidir quais garantias integrarão o pro-cesso? A nosso ver, a imparcialidade e a garantia do contraditório e da

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36 Contrários, sustentando a necessidade da manutenção dos privilégios da Fazenda Pública, em virtudeda supremacia do interesse público sobre o particular estão Elysângela Pinheiro e Osório Barbosa,“Acesso à justiça e a preservação das prerrogativas essenciais da Fazenda Pública” (in: Juizados EspeciaisFederais, p. 201 et seq).

37 Não há limite de valor nas causas cíveis de menor complexidade fixadas em razão da matéria, enume-radas no art. 3º, II e III, da Lei nº 9.099/95 c/c 275, II, do CPC. Neste sentido: Alexandre Câmara (op.cit., p. 37); contra: Joel Dias Figueira Júnior (op. cit., p. 99 et seq.), que o admite apenas em relação àdemanda de despejo para uso próprio a inexistência de limite valorativo.

59Garantias do Processo Justo nos Juizados Especiais Cíveis

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ampla defesa compõem o núcleo mínimo irrenunciável do processo justo.Nem mesmo o autor pode renunciar a tais garantias.

No que tange à imparcialidade, o problema poderia ser mitigado se hou-vesse a possibilidade de se responsabilizar o Estado nos casos em que estagarantia não fosse observada. Assim, o autor deve ter direito à indenizaçãocontra o Estado caso descubra que seu julgamento foi realizado por juiz par-cial, já que não pode propor ação rescisória. O mesmo vale para o réu.

No que se refere à ampla defesa e ao contraditório, seria recomendávela alteração da lei para, ao lado da defesa baseada na complexidade da causa(art. 3º c/c 51, II, da L. 9.099/95), estabelecer outra exceção processual parao caso de o réu pretender exercer determinada faculdade processual que sólhe seria conferida em outro procedimento, faculdade imprescindível paravencer a causa. Não bastaria, por exemplo, a mera alegação do réu de queprecisam ser ouvidas mais de três testemunhas, mas este deveria apontarconcretamente a necessidade da oitiva de mais de três pessoas. Tal exceçãopoderia ser utilizada também quando o demandado fosse devedor solidárioe quisesse fazer uso do chamamento ao processo.

A boa intenção do art. 5º da Lei nº 10.259/2001 gera algumas perplexi-dades. Como irá o advogado explicar para o seu cliente uma sentença ter-minativa irrecorrível, proferida depois de alguns meses após a realização daaudiência de instrução e julgamento? Tal dispositivo nos parece inconstitu-cional, pois viola a garantia de isonomia. Com efeito, o cidadão, quando liti-ga contra um particular no procedimento sumaríssimo do âmbito estadual,pode recorrer da sentença terminativa; não, porém, quando litiga contra aUnião nos juizados especiais federais! Acrescente-se que uma sentença ter-minativa proferida após a realização de audiência de instrução e julgamento,quando a causa já está madura, significa não só admitir o desperdício dos atosprocessuais praticados com atentado à economia processual – dever-se-iaaplicar subsidiariamente o art. 515, § 3º, do CPC –, mas também aceitar aindiferença do Estado em relação ao dano marginal que o tempo pode causarà esfera jurídica do litigante. Já tivemos notícia de pedidos de reconsideraçãoacolhidos em virtude de o próprio magistrado ter reconhecido seu erro.

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Ao lado desses problemas de ordem legislativa, poderia o magistradoretirar das partes mais garantias processuais, além das que o legisladorexpressamente retirou?

Nos juizados especiais federais do Rio de Janeiro, já se resolveu tornarexceção o princípio da oralidade, por conta do Enunciado nº 12 das TurmasRecursais: “Embora seja regra geral a realização de audiência no âmbito doJEF, a não realização da mesma, a critério do Juiz, não induz em princípio ànulidade.” O autoritarismo reside na expressão a critério do juiz, que pareceignorar o princípio da oralidade, mesmo contra a vontade das partes.38

Um princípio precisa orientar nossas considerações: as proibiçõesdevem ser expressas. Quando o legislador pretendeu excluir certas garan-tias o fez expressamente, o que já propicia não só algumas perplexidades,mas também inconstitucionalidades. Esta é a razão que anima Calmon dePassos a disparar: “não consigo colocar os Juizados Especiais no abrigo pro-tetor da Constituição, pensada e aplicada democraticamente.”39

Assim, os direitos processuais que não forem expressamente vedadospelo Estatuto dos Juizados Especiais não podem ser simplesmente suprimi-dos pelo magistrado, sob a alegação genérica de incompatibilidade. A apli-cação subsidiária do CPC decorre de sua natureza de lei ordinária, geral, doDireito Processual Civil: deve o juiz, para afastá-la, explicitar as razões daincompatibilidade.

De que adianta suprimir o recurso de agravo, agora expressamenteadmitido para atacar decisão que (in)defere uma tutela de urgência (art. 4º

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38 Em São Paulo, a Resolução nº 259/2005, da lavra do presidente do Conselho da Justiça Federal da 3ªRegião, estabelece: “Art. 19. A Secretaria de cada Juizado, quando da apresentação do pedido no aten-dimento, independentemente de autuação ou distribuição a magistrado, designará as datas de períciase de audiência de conciliação, instrução e julgamento, essa última respeitando o prazo de trinta dias acontar da citação, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.259/01. [...] § 4º No caso de sentenças por lote oude matéria exclusivamente de direito, sem audiência ou cálculo, o processo será distribuído e publica-da a sentença, em Secretaria, em até trinta dias da apresentação da contestação ou, quando sujeita a cál-culo prévio, a sentença será publicada, em Secretaria, em até trinta dias da apresentação do cálculo sub-metido ao juiz.” Vemos aqui duas distorções. A primeira diz respeito à possibilidade de a audiência deinstrução e julgamento ser marcada sem que o juiz e as partes se manifestem, o que viola a independên-cia do magistrado e o direito processual das partes à oralidade e ao contraditório participativo. Emsegundo lugar, a fiscalização das sentenças por lote parece ser deficiente. O fato de o INSS concordarem receber sentenças ilíquidas nas ações de revisão de benefício e a própria autarquia efetuar o cálcu-lo parece promover um desequilíbrio de forças entre as partes.

39 In: CÂMARA, op. cit. Prefácio, p. xiv.

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c/c 5º da Lei nº 10.259/2001) se nos casos de dano irreparável ou de difícilreparação a parte acaba utilizando o mandado de segurança? Também nãovemos razão para se proibir a utilização do recurso adesivo, que acrescen-taria, no máximo, mais dez dias na cadeia procedimental.40

Dir-se-á que estamos querendo transformar o procedimento sumarís-simo em procedimento ordinário. Isto é simplesmente impossível pelacadeia procedimental traçada pela lei, que impõe a concentração dos atosprocessuais. Uma vez proposta a demanda, a parte autora já sabe de prontoa data da audiência de conciliação,41 e pode a audiência de instrução e jul-gamento ocorrer no mesmo dia. Abreviar o procedimento não é sinônimode suprimir as garantias do processo justo. O que deve haver no procedi-mento sumaríssimo é tão-somente a concentração dos atos processuais, enão a supressão do núcleo mínimo do processo justo. O respeito às garan-tias apenas tornaria o procedimento sumaríssimo mais justo, na perspectivados consumidores de justiça – as partes. Ensina José Carlos BarbosaMoreira: “Um processo de empenho garantístico é por força um processomenos célere. Dois proveitos não cabem num saco, reza a sabedoria popu-lar. É pretensão desmedida querer desfrutar ao mesmo tempo o melhor dedois mundos. Nada mais sumário e rápido que o linchamento do réu.”42

Todavia, o caso mais grave, nocivo à concepção de processo justo nosJuizados Especiais, refere-se ao preparo insuficiente.43 Não que a lei sejarigorosa; mas é que alguns juízes optam por interpretá-la contra o cidadão,preferindo parar a marcha processual, em razão de vício sanável, com a eli-

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40 A compatibilidade do recurso adesivo com o processo do trabalho, no qual os juizados especiais cíveis seinspiraram, após alguma vacilação da jurisprudência, está pacificada pela Súmula nº 283, do TST: “Orecurso adesivo é compatível com o processo do trabalho e cabe, no prazo de 8 (oito) dias, nas hipótesesde interposição de recurso ordinário, de agravo de petição, de revista e de embargos, sendo desnecessá-rio que a matéria nele veiculada esteja relacionada com a do recurso interposto pela parte contrária.”

41 Nos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro isso não ocorre: a audiência é exceção. Os autos doprocesso recebem apenas uma numeração. Verificamos, em setembro de 2005, que o tempo de esperapara a petição inicial ser distribuída é de quatro meses.

42 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns mitos. Revista Forense, v. 352, p. 117.43 O preparo é um pressuposto de admissibilidade recursal e consiste no pagamento prévio das despesas

relativas ao processamento do recurso e das demais custas judiciais. O preparo, segundo AlexandreCâmara (op. cit., p. 200), inibe a classe média de interpor recurso, mas não o pobre (que pode recorrergratuitamente), nem as empresas. Isto parece ser confirmado pela pesquisa de Paulo Cezar PinheiroCarneiro, Acesso à Justiça (p. 155), que observa ser a maioria dos recursos interposta pelas pessoas jurí-dicas, patrocinadas por advogados.

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minação imediata dos autos – o que afronta, sem dó, o princípio da infor-malidade.44 Deve-se insistir na pergunta: por que não se pode intimar aparte para completar o valor faltante? Basta que o § 1º do art. 42 da Lei dosJuizados Especiais seja combinado com o § 2º do art. 511 do CPC, que é,aliás, norma posterior. Não se venha com a exegese formal de que a Lei nº9.099/95 é especial em relação ao Código.45 As turmas recursais parecemignorar a doutrina.

Assim, resume Leandro Ribeiro da Silva o debate:

No âmbito dos Juizados, existem duas interpretações. Aprimeira reside no fato de que pago a menos, não surte os efei-tos devidos e o preparo se torna inexistente, considerando-sedeserto o recurso. Essa interpretação vem sendo mantida peloConselho Recursal, tendo como suporte o Enunciado nº 3, deagosto de 1997, segundo o qual o não recolhimento integral dopreparo do recurso inominado, previsto no artigo 42, parágrafo1º, da Lei 9.099/95, importa deserção. De acordo com a segun-da interpretação, conserva-se o recolhimento, entendendo-secomo erro material e, como tal podendo ser retificado, assina-lando-se o prazo de 48 horas para que o recorrente possa com-plementá-lo. Se não o fizer, o recurso será considerado deserto.Entendemos que a segunda interpretação é mais coerente ejusta, vez que possibilita que a decisão seja apreciada pelo órgãorecursal, tornando-se juridicamente mais consistente. Alémdisso, encontra agasalho no artigo 511, § 2º, do Código deProcesso Civil.46 (grifo nosso)

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44 O princípio da informalidade parece ser o mais maltratado nos juizados especiais. Em nossa experiên-cia forense, no Rio de Janeiro, já nos foi exigido pelo escrevente, para ajuizar a demanda, o comprovan-te do endereço do autor, sob pena de indeferimento da inicial – havia o comprovante do endereço doréu, que ficava no mesmo bairro do autor! Em outro caso, o escrevente afirmou que só com a apresen-tação de uma petição de juntada é que se poderia anexar a procuração assinada pela parte. Solicitei,então, que ele me fornecesse uma folha em branco e, de punho próprio, requeri a juntada...

45 Partilham do mesmo inconformismo do texto: Alexandre Câmara (op. cit., p. 145-146) e Felipe BorringRocha (op. cit., p. 185).

46 SILVA, Leandro Ribeiro da. Comentários aos artigos 41 a 59. In: Lei dos Juizados Especiais Cíveis eCriminais comentada e anotada, p. 143.

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Embora também favorável à tese da intimação do recorrente paracomplementar o recolhimento, Luiz Cláudio Silva afirma que o “cálcu-lo das custas processuais é simples”.47 Ousamos discordar. Muitos advo-gados, cientes da rigorosíssima sistemática dos juizados especiais comreferência ao preparo buscam informações não só na OAB, mas tambémno próprio cartório responsável pelo processo, com o objetivo de quenenhum erro ocorra em seu recolhimento. Muitos serventuários ajudamno preenchimento da guia, ditando, um a um, os valores e contas aserem pagos.

Mas todo esse esmero de nada vale para os juízes do procedimentosumaríssimo se houver a falta de apenas um centavo. Em alguns procedi-mentos do Código de Processo Civil, a parte precisa promover o recolhi-mento das custas dos ofícios em guias separadas. Nos processos de inven-tário, por exemplo, o advogado deve saber que os fóruns regionais do Riode Janeiro exigem o recolhimento antecipado das custas. Aquele patronoque busca incessantemente compreender todos os estratagemas criadospara o pagamento das custas judiciais, irá constatar que o próprio modelode preenchimento disponível no portal dos Tribunais é capaz de geraralguma dúvida.48

Ademais, é natural que, diante de tantos números de contas consigna-dos na Guia de Recolhimento do Estado do Rio de Janeiro (Grerj), surjamproblemas e confusões na hora do recolhimento. Parece que pretendemcriar, em breve, uma disciplina para ensinar a Teoria Geral das CustasJudiciais nas faculdades de Direito!

Embora criados com base no modelo da Justiça do Trabalho – regi-da pelos mesmos princípios da informalidade e da celeridade –, que

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47 SILVA, Luiz Cláudio. Os Juizados Especiais Cíveis na doutrina e na prática forense, p. 66.48 Assim, quando se tentou no ano de 2005 obter informação no portal do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, no item que indicava o modelo de recolhimento de custas do “Recurso Inominado no JuizadoEspecial”, aparecia o seguinte: “Nos casos de ofícios expedidos, é necessário preencher outra GRERJ,observando o modelo ‘citação, notificação, intimação e encaminhamento de ofícios via postal (excetoem juizado especial)’”. Era de se estranhar que no modelo específico de “Recurso Inominado no JuizadoEspecial” estivesse escrito “exceto em Juizado Especial”. O caminho para o arquivo, dentro do da pági-na principal do tribunal, era: Dúvida sobre custas <preencha o sua GRERJ> Recurso inominado no jui-zado especial. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em 15 jun. 2005.

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estabelece ao final de toda sentença o valor a ser pago com a eventualinterposição de recurso, os juizados especiais cíveis preferem afastar-sedesse modelo simplificado de pagamento das custas judiciais para ado-tar um modelo autoritário, que não condiz com os escopos do processogarantístico.49

Ora, quem recolhe uma quantia de R$ 300,00, quando deveria recolhermais alguns centavos, não pode, evidentemente, estar de má-fé. É evidenteque o preparo insuficiente nada mais é que um erro comum (humano!),facilmente sanável.

Outra atitude estatal autoritária consiste em não devolver o valor reco-lhido,50 pois aos olhos do tribunal quem recorreu com valor insuficiente,ainda que estivesse de boa-fé, deve perder tudo; já quem interpôs recursosem juntar a guia de recolhimento (não recolheu absolutamente nada) está“perdoado”, uma vez declarada a deserção.

Inacreditável, porém, é o caso de sucumbência recíproca: se tanto oautor como o réu recorrerem da sentença de procedência parcial, ocorreráo pagamento em dobro dos atos do processo (ex.: ofícios expedidos, atos dosoficiais, etc.) por meio do preparo, e não a divisão das despesas.

Por derradeiro, registre-se que uma posição rígida em relação a estetema, concluindo pela deserção até mesmo quando faltar um único centa-vo no recolhimento, significa um retrocesso em tema de juizados especiais,fazendo com que o patrono da parte recorrente a aconselhe a recolher sem-pre uma quantia superior ao valor em tese, por medo. A justiça que se diziagratuita converte-se em justiça arrecadatória.

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49 Daí porque não nos parece excessivamente rigorosa, no âmbito do processo do trabalho, a OrientaçãoJurisprudencial nº 140 da SBDI-1 do TST, segundo a qual: “Ocorre deserção do recurso pelo recolhi-mento insuficiente das custas e do depósito recursal, ainda que a diferença em relação ao quantum devi-do seja ínfima, referente a centavos.”

50 Há notícias de que, em outros estados, devolvê-se o valor recolhido em recurso não conhecido pelo fatode o preparo ter sido insuficiente. No entanto, nos juizados especiais cíveis do Rio de Janeiro, por forçado Enunciado Administrativo nº 24, do Tribunal de Justiça (contido no Aviso nº 40/2004, publicado noDO em 22/12/2004), aplica-se a seguinte regra: “Não dispensa o pagamento das custas, nem autoriza arestituição daquelas já pagas: a) a extinção do processo em qualquer fase, por abandono, transação oudesistência, mesmo antes da citação do réu, nos termos do art. 20 da Lei nº 3.350/99; b) a desistência derecurso interposto; c) o recurso declarado deserto, seja por intempestividade ou por irregularidade nopreparo, falta de preparo ou preparo insuficiente; d) o cancelamento da distribuição inicial, por falta depagamento do preparo no prazo devido.” (grifo nosso)

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6. Conclusões

Nosso pequeno estudo pretendeu enfrentar as seguintes questões: a)até que ponto a busca de efetividade, traço marcante dos juizados especiais,pode justificar o sacrifício das garantias processuais das partes inerentes aoprocedimento ordinário?; b) quais as garantias renunciáveis pelas partes equais as garantias mínimas de um processo justo?; c) há paridade de armasnos juizados especiais cíveis? d) quais os principais defeitos do microssiste-ma dos juizados especiais? e) pode o magistrado retirar das partes garantiasprocessuais, além das que o legislador expressamente subtraiu? f) A idéia deum processo garantístico é incompatível com o procedimento sumaríssimo,já que necessita ser célere?

a) à exceção da imparcialidade, do contraditório e da ampladefesa, pode o legislador subtrair todas as garantias do autor,já que este pode optar pelo procedimento sumaríssimo. Emrelação ao réu, nenhuma garantia prevista no procedimentoordinário lhe pode ser subtraída, pois ele não pode escolherum procedimento mais garantístico;

b) todas as garantias podem, em tese, ser renunciadas, a não seras da imparcialidade, do contraditório e da ampla defesa, queconstituem o núcleo mínimo do processo justo;

c) o princípio da paridade de armas não é respeitado nosJuizados Especiais – podendo sustentar-se a existência de umverdadeiro processo civil do autor;

d) o microssistema dos Juizados Especiais apresenta defeitos eminúmeros pontos, como ocorre, por exemplo, com a supres-são de instrumentos processuais, como a ação rescisória (art.59 da Lei nº 9.099/95) e o recurso contra sentença definitivanos Juizados Especiais Federais (art. 5º da Lei nº 10.259/2001);

e) os direitos processuais que não forem expressamente proibi-dos pelo Estatuto dos Juizados Especiais não podem sersuprimidos pelo magistrado no procedimento sumaríssimo,sob a alegação genérica de que há incompatibilidade. A apli-

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cação subsidiária do CPC deve ocorrer, em especial no quediz respeito ao preparo, de modo a se compatibilizar com osescopos de um processo garantístico;

f) para haver um procedimento sumaríssimo justo, deve-se,evidentemente, respeitar um mínimo de garantias proces-suais. Mas isso não significa transformar o procedimentosumaríssimo em procedimento ordinário. Abreviar o proce-dimento não é sinônimo de suprimir as garantias do proces-so justo: o que deve haver no procedimento sumaríssimo étão-somente a concentração dos atos processuais, e não asupressão das garantias de imparcialidade, contraditório,ampla defesa e isonomia processual. Afinal, quem desampa-ra os meios desampara os fins.

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69Garantias do Processo Justo nos Juizados Especiais Cíveis

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men Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editora

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3Os Juizados Especiais, a Insegurança

Jurídica e o Direito MedievalGustavo Santana Nogueira

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Acesso à justiça. 3. Os Juizados Especiais e a insegurança ju-rídica. 3.1. A ausência de controle de legalidade das decisões dos Juizados. 3.2. Consequên-cias da falta de controle. 3.3. Os enunciados e os encontros. 4. O direito medieval. 5. Con-clusão. 6. Bibliografia.

“ESCALO – Saldastes com o céu a dívida de vossas funções e com o prisionei-ro a do vosso ministério. Tenho-me esforçado a favor do pobre gentil-homem atéonde minha modéstia o permite, mas o meu irmão juiz estava tão severo, que meforçou à conclusão de que ele é, de fato, o Direito.”

(William Shakespeare, Medida por medida)

1. Introdução

Instituídos por força das Leis nºs 9.099/951 e 10.257/01, os JuizadosEspeciais Estaduais e Federais, respectivamente, foram criados comoimportantes mecanismos de facilitação do acesso à justiça.

Em que pese a ida do cidadão a um sistema judicial mais simples einformal ter sido de fato facilitado, somos céticos a respeito do tipo de “jus-tiça” que o Estado entrega a esse cidadão no âmbito dos Juizados Especiais.Não se pretende aqui, de forma alguma, criticar a idéia inicial dos JuizadosEspeciais, muito menos os seus juízes, que dia-a-dia deparam-se com umaquantidade absurda de causas, mas sim criticar a total insegurança jurídicaprovocada pela atual forma de pensar “o Juizado” e “no Juizado”, a edição

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1 Não é objeto deste ensaio a análise do sistema dos Juizados Especiais antes das citadas leis, em especial,o Juizado de Pequenas Causas da Lei nº 7.244/84.

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de centenas de “enunciados” que objetivam interpretar a lei federal com apretensa idéia de uniformizar o entendimento nos Juizados, bem como aloteria judiciária em que eles se transformaram.

Como podemos manter entusiasmo com um sistema onde não há con-trole de legalidade das decisões? Como podemos manter o entusiasmo comum sistema onde cada juiz, de cada Juizado, possui um entendimento dife-rente para questões de direito que são iguais? A nossa intenção é exporabertamente o problema para que no final possamos ao menos fazer umjuízo crítico dos Juizados, sem cair na vala comum daqueles que os consi-deram um sistema “perfeito”, uma conquista do cidadão comum, ávido poruma justiça informal e célere, mas que na verdade é uma ofensa ao direitoconstitucional do cidadão de receber tratamento igualitário. E aí reside anossa principal ressalva: de que adianta uma justiça célere e informal se naverdade o que se faz é uma injustiça? Como nos ensina Leonardo Greco,com o brilho que lhe é inerente:

“Isso não significa que os fins justifiquem os meios. Comorelação jurídica plurissubjetiva, complexa e dinâmica, o proces-so em si mesmo deve formar-se e desenvolver-se com absolutorespeito à dignidade humana de todos os cidadãos, especial-mente das partes, de tal modo que a justiça do seu resultadoesteja de antemão assegurada pela adoção das regras mais pro-pícias à ampla e equilibrada participação dos interessados, àisenta e adequada cognição do juiz e à apuração da verdadeobjetiva: um meio justo para um fim justo.”2

Afinal de contas justifica-se o sacrifício de valores constitucionaiscomo a segurança jurídica, a igualdade, e até mesmo o princípio da legali-dade em prol de outros como celeridade e economia processual?

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2 GRECO, Leonardo. Garantias constitucionais do processo: o processo justo. <http://www.mundojuridi-co.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=429>. Acesso em 06.02.09. No mesmo sentido são as lições deFernando Gama de Miranda Netto: “… deve-se indagar até que ponto se pode, em benefício da celeri-dade e da efetividade, descurar-se de outras garantias processuais, que igualmente compõem o modeloconstitucional de processo justo.” NETTO, Fernando Gama de Miranda. Juizados Especiais Cíveis entreautoritarismo e garantismo. Revista de Processo 165. São Paulo: RT, 2008, p. 186.

72 Gustavo Santana Nogueira

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As críticas, ressaltamos, são dirigidas especificamente aos JuizadosEspeciais Estaduais, visto que a pesquisa que fizemos limitou-se a analisaras divergências que serão expostas mais adiante.

2. Acesso à justiça

Como dito, os Juizados Especiais foram criados com objetivo de am-pliar o acesso à justiça, de garantir ao cidadão comum uma Justiça célere einformal, onde ele poderia ir sem advogado dependendo do valor da causa,poderia narrar a sua pretensão oralmente ao serventuário, e acompanharseu processo gratuitamente. Porém isso não é o suficiente para garantir oacesso à justiça e concretizar o princípio previsto no art. 5º, XXXV, daConstituição do Brasil.

Acesso à justiça, na concepção tradicional de Mauro Cappelletti eBryant Garth, implica em se ter um sistema “pelo qual as pessoas podem rei-vindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estadoque, primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve produ-zir resultados que sejam individual e socialmente justos”.3 Após ressaltaremque a obra limita-se ao primeiro aspecto (acessibilidade) e exporem as bar-reiras que impedem o acesso à justiça, os autores tratam das soluções práti-cas do problema do acesso à justiça, propondo três soluções, que são chama-das de “ondas”: assistência judiciária para os pobres (primeira onda); repre-sentação dos interesses difusos (segunda onda); e um conjunto geral de ins-tituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar emesmo prevenir disputas nas sociedades modernas (terceira onda).4

Defendem os festejados autores a criação de procedimentos especiaispara as pequenas causas (reflexo da terceira onda), mas eles também falamque garantir o acesso à justiça significa ter um processo justo. E o que vema ser um processo justo? É aquele onde as garantias constitucionais são res-peitadas, onde há condições necessárias e suficientes para uma justa resolu-

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3 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução e revisão: Ellen GracieNorthfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998.

4 CAPPELLETTI e GARTH, ob. cit.

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ção dos conflitos.5 A idéia de processo justo é inseparável do princípio dodevido processo legal,6 de modo que o processo nos Juizados, para ter legi-timidade constitucional, precisa respeitar todos esses valores, o que infeliz-mente não vem ocorrendo.

3. Os Juizados Especiais e a insegurança jurídica

3.1. A ausência de controle de legalidade das decisões dos Juizados

Diversas questões de direito apresentadas no âmbito dos Juizados Especiaissão controvertidas, e às vezes essas controvérsias só existem nos Juizados, estan-do pacificadas na doutrina e no próprio Superior Tribunal de Justiça.

Aliás o Superior Tribunal de Justiça já demonstrou sua preocupaçãocom a ausência de um controle de legalidade das decisões proferidas emsede de Juizados. Como cediço, não cabe Recurso Especial contra decisõesproferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados porque elas não são exata-mente aquilo que podemos chamar de Tribunais, e a Constituição do Brasilexige, no inciso III do seu art. 105, que a decisão a ser impugnada com oRecurso Especial seja prolatada por um Tribunal.7

A questão foi resumida a um enunciado sumular, de número 203, cujaredação originária era: “não cabe recurso especial contra decisão proferida,nos limites de sua competência, por órgão de segundo grau dos JuizadosEspeciais.” Ocorre que esta súmula podia ser interpretada de uma formaque se concluísse que era sim possível interpor Recurso Especial contradecisões do Juizado. Inicialmente é preciso registrar a total desnecessidadede se editar uma súmula quando a matéria é clara e objetivamente retrata-da pelo supra citado artigo da Constituição do Brasil. Se o art. 105, III, da

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5 COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie costituzionali e “giusto processo” (modelli a confronto). Revista deProcesso 90. São Paulo: RT, 1998, p. 101.

6 “... procedural due process issues arise when an individual or group is claiming a right to a fair processin connection with their suffering a deprivation of life, liberty, or property.” CHEMERINSKY, Erwin.Constitutional law – principles and policies, 3ª edição. New York: Aspen Publishers, 2006, p. 579.

7 Dispõe a Constituição que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as cau-sas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dosEstados, do Distrito Federal e Territórios.

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Constituição é claro, por quê uma súmula? Agora, como pode uma súmulaser possivelmente interpretada de modo a admitir a interposição de RecursoEspecial contra acórdão de Turma Recursal se a Constituição não admiterecurso contra decisão que não seja de Tribunal?

De qualquer forma a interpretação “perigosa” era a seguinte: como aSúmula dispõe que não cabe Recurso Especial contra decisão proferida porTurma Recursal apenas nos limites de sua competência, quando a decisãoproferida fosse fora dos limites da sua competência, ou seja, ilegal, ela pode-ria ser impugnada por Recurso Especial. Em outras palavras, se o JuizadoEspecial julgasse uma causa expressamente vedada por lei, como um divór-cio, e a Turma Recursal confirmasse a referida decisão, seria possível oRecurso Especial. Por quê? Porque a decisão não está nos limites da compe-tência dos Juizados Especiais.

A nova redação suprimiu a expressão “nos limites de sua competência”,com o objetivo de deixar mais claro ainda que não é possível a utilização deRecurso Especial contra decisão de Turma Recursal, em hipótese alguma.8A decisão de alterar a súmula foi tomada em 23 de maio de 2002 quando dojulgamento, pela Corte Especial, do AgRg no Ag 400.076/BA, que tevecomo Relator o Ministro Ari Pargendler. O Agravo Regimental em telaimpugnava uma decisão monocrática proferida em um Agravo deInstrumento. Essa decisão monocrática, por sua vez, não conhecia doAgravo de Instrumento interposto contra decisão que também não conhe-ceu Recurso Especial interposto contra decisão de Turma Recursal. A deci-são da Turma Recursal, que deu origem a todos esses recursos, “extrapolouo âmbito da competência estabelecida pela Lei nº 9.099/95, vez que se tratade causa de grande complexidade, envolvendo direito societário e comer-cial e de reflexos patrimoniais de grande e imensurável vulto”.

No voto condutor o Ministro Ari Pargendler ressaltou expressamentea possibilidade de uma “má exegese” concluir pela possibilidade de interpo-sição de Recurso Especial contra decisão de Turma Recursal fora dos limi-tes de sua competência, razão pela qual votou pela revisão da súmula, no

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8 Nova redação da súmula 203 do STJ: “não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites desua competência, por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.”

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que foi seguido pela maioria. O voto vencido, do Ministro José Delgadorevela sua preocupação com o fato das decisões das Turmas Recursais fica-rem sem nenhum tipo de controle de legalidade. Eis a íntegra do voto, quemerece a transcrição:

“Sr. Presidente, minha preocupação é que estamos tentan-do criar alguns aspectos burocráticos, processuais e recursaispara os juizados especiais. Devemos ter o máximo de cuidadopara não fugirmos da filosofia que orientou a criação do juiza-do especial: celeridade, desburocratização e acessibilidade doconstituinte para a solução dos litígios. A súmula surgiu – emboa hora – apregoando que quando os juizados especiais profe-rem as suas decisões dentro dos limites de sua competência nãocabe recurso especial, porque a intenção foi se esgotar no âmbi-to dos juizados especiais a discussão sobre a potencialidade eco-nômica da demanda. Eis a questão: e se a decisão dos juizadosespeciais for proferida além dos limites de sua competência?Nesse caso, teríamos uma situação extravagante. Na verdade,deve-se examinar caso a caso, apreciando de acordo com amanifestação da parte, em situação concreta.

Penso que, no momento atual, foi aventada aqui, e creioque com bons propósitos e com boa coerência, a possibilidadedo mandado de segurança, porque, se o juizado especial se pro-nunciou além de sua competência, da competência fixada,trata-se de decisão teratológica. É uma decisão inexistente.Sabemos, hoje, que o direito processual civil configura essacatalogação do ato processual inexistente, em decorrência dequem, absolutamente, profere uma decisão. Não temos nada amodificar. Devemos manter a súmula, como ela se encontra,para valorizar a função dos juizados especiais, e aguardarmoscada situação concreta para a sua decisão.

Sr. Presidente, dou provimento ao agravo regimental.Voto pela manutenção da súmula.”

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Percebe-se que o referido Ministro defende expressamente a impetra-ção de mandado de segurança, em que pese não explicitar de quem seria acompetência para o seu julgamento, porém o ponto que nos interessa é exa-tamente este: não pode uma decisão da Turma Recursal que extrapola oslimites de sua competência, portanto uma decisão ilegal, ficar sem nenhumtipo de controle. O Ministro Vicente Leal foi ainda mais direto ao expor,também em voto vencido, que “quando o juizado especial decide fora da suacompetência, está ferindo, literalmente, a Lei nº 9.099. Nesse caso, há deprevalecer, nessa antinomia, o sentido maior de realização da melhorJustiça, que é o de dar ao cidadão a garantia de que o seu direito seja pre-servado. Se assim não se decidir, os juizados especiais e as turmas recursaisficarão livres de qualquer controle, porque não haverá debate sobre ques-tão constitucional. Ora, se o tribunal próprio para apreciar o controle dadignidade da lei federal não toma conhecimento da matéria por uma exe-gese restritiva, o cidadão ficará sem Justiça”.9

Posteriormente, em 2006, a Corte Especial do STJ apreciou novamen-te a questão. Julgou o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – RMSnº 17524/BA em 02 de agosto do citado ano, e a conclusão a que chegou amaioria foi compatível com a minoria do julgamento de 2002. O relatóriotraz o histórico do caso concreto: um cidadão ajuizou, em um dos JuizadosEspeciais de Salvador, uma “ação de conhecimento” em face de uma pessoajurídica, objetivando a rescisão contratual de compromisso de compra evenda de bens imóveis e a devolução dos valores pagos a esse título. O pedi-do foi julgado procedente e, em sede de execução, foram penhorados doisimóveis de outra empresa que não era parte no processo. Essa empresa pro-pôs embargos de terceiro perante o Juizado Especial que processou a causa,mas o pedido fora rejeitado.

Interpôs então apelação sustentando a incompetência do JuizadoEspecial para julgar os embargos porque o valor da execução era de R$176.994,97 (na época o valor correspondia a 20 vezes o teto dos JuizadosEstaduais), e requereu a remessa do recurso para o Tribunal de Justiça daBahia, mas ao recurso foi negado provimento, de modo que a sentença dos

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9 Ao final a súmula foi mesmo revista pela Corte Especial, por 15 votos a 3.

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embargos de terceiro foi confirmada e foi ainda determinado o prossegui-mento da execução. Foi então impetrado mandado de segurança contra oacórdão da Turma Recursal no Tribunal de Justiça da Bahia, e o Tribunaldenegou a ordem ao argumento de que falece competência a ele para reverdecisões prolatadas pelos Juizados Especiais. Essa decisão foi impugnadacom o Recurso Ordinário, que foi relatado pela Ministra Nancy Andrighi.Em seu voto ela distingue o caso que estava julgando dos demais que costu-mam/costumavam chegar ao STJ, dizendo que não pretendia o recorrentediscutir o mérito da decisão dos Juizados, mas sim a competência dosJuizados para apreciar a causa.10 O Superior Tribunal de Justiça aceitou aimpetração de mandado de segurança para discutir a competência dosJuizados, ao argumento, trazido no voto condutor, de que “as decisões quefixam a competência dos Juizados Especiais não podem restar absolutamen-te desprovidas de controle, seja pelos Tribunais dos Estados (ou Federais,conforme o caso), seja por parte desta Corte. Estender o entendimento deque não é possível o controle das decisões proferidas pelos Juízes e TurmasRecursais dos Juizados Especiais às hipóteses de fixação de sua competênciaconduziria a uma situação teratológica e extremamente perigosa. Com efei-to, um Juiz, atuando no âmbito do Juizado Especial, poderia, equivocada-mente, considerar-se competente para julgar uma causa que escapa de suaalçada e, caso tal decisão fosse confirmada pela Turma Recursal, à parte pre-judicada restaria apenas a opção de discutir a questão no Supremo TribunalFederal, por meio de Recurso Extraordinário. Dadas as severas restriçõesconstitucionais e regimentais ao cabimento desse recurso, em muitos casosa distorção não seria passível de correção, em prejuízo de todo o sistemajurídico-processual.”

Assim, na ementa, o STJ estabeleceu que:

“A autonomia dos juizados especiais, todavia, não podeprevalecer para a decisão acerca de sua própria competênciapara conhecer das causas que lhe são submetidas. É necessário

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10 Trecho do voto: “...o controle que se procura fazer não é da decisão, propriamente, mas da possibilida-de de ela ser proferida por um membro dos Juizados Especiais.”

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estabelecer um mecanismo de controle da competência dosJuizados, sob pena de lhes conferir um poder desproporcional:o de decidir, em caráter definitivo, inclusive as causas para asquais são absolutamente incompetentes, nos termos da lei civil.

.....Embora haja outras formas de promover referido controle,

a forma mais adequada é a do mandado de segurança, por doismotivos: em primeiro lugar, porque haveria dificuldade de uti-lização, em alguns casos, da Reclamação ou da QuerelaNullitatis; em segundo lugar, porque o mandado de segurançatem historicamente sido utilizado nas hipóteses em que nãoexiste, no ordenamento jurídico, outra forma de reparar lesãoou prevenir ameaça de lesão a direito.”

Ficou também esclarecida a impossibilidade de revisão do mérito dasdecisões dos Juizados Especiais, mas apenas a revisão da própria competên-cia dos Juizados sobre causas que, por lei, não são da sua alçada.

Mais recentemente o Superior Tribunal de Justiça julgou um emble-mático Agravo Regimental em sede de Reclamação.11 O Juizado EspecialCível da Comarca de Aparecida e o Colégio Recursal de Guaratinguetá,ambos de São Paulo, julgaram uma ação onde se discutia a legalidade dacobrança da tarifa das assinaturas básicas. Como se sabe a jurisprudência doSuperior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a cobrança é legí-tima,12 e a decisão da Turma Recursal concluiu pela ilegalidade da cobran-ça. O STJ não admitiu a Reclamação e não admitiu o Agravo Regimentalnessa Reclamação, por unanimidade, mas o Ministro Relator Teori Zavasckiexternou sua preocupação com a ausência de controle de legalidade dasdecisões dos Juizados Especiais, nos seguintes termos:

“Tem toda a razão a reclamante ao apontar a grave defi-ciência do sistema normativo vigente que não oferece acesso ao

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11 1ª Seção, AgRg na Rcl 2704/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 31.03.2008.12 Consulte-se, por todos, o acórdão do Recurso Especial 1036589/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe

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STJ para controlar as decisões de Juizados Estaduais sobre a apli-cação de direito federal. Isso faz com que tais Juizados, no âmbi-to da sua competência, representem a palavra final sobre a inter-pretação de lei federal, mesmo quando contrária à jurisprudên-cia do STJ, tribunal nacional com atribuição constitucional demanter a integridade e a uniformidade do sistema normativofederal. No âmbito dos Juizados Especiais Federais foi criadomecanismo próprio para evitar tal deformação. É o incidente deuniformização de jurisprudência previsto no artigo 14, § 4º, daLei 10.259/01. No âmbito Estadual, todavia, enquanto não hou-ver normatização específica, pode-se imaginar que soluçãosemelhante seja adotada, ainda que por aplicação analógica, noâmbito dos Juizados Estaduais da Lei 10.259/01, como meio depreservar a uniformidade da aplicação do direito federal, exi-gência não apenas da segurança jurídica, mas sobretudo do pos-tulado constitucional da igualdade de todos perante a lei.”

Verifica-se claramente que a questão é tormentosa, em que pese adecisão de 2006 da Corte Especial. Neste julgado mais recente é certo quenão se fez a revisão do mérito da decisão dos Juizados, mas um óbvio des-contentamento com a situação foi externado. Se esse desconforto vai ficarno campo das palavras só o tempo poderá dizer, e nos estreitos limites destetrabalho não nos cabe fazer qualquer prognóstico.

3.2. Consequências da falta de controle

O fato é que no Superior Tribunal de Justiça prevalece hoje o entendi-mento de que não há mesmo nenhum mecanismo para se rever o mérito dasdecisões emanadas dos Juizados Especiais no que tange à sua legalidade. Issofaz com que os Juizados Especiais ignorem a jurisprudência dos TribunaisSuperiores, em especial do STJ, criando uma verdadeira desigualdade detratamento de casos semelhantes. Não se discute aqui se a cobrança da assi-natura dos contratos de telefonia é legítima ou não, mas a partir do momen-to em que o STJ decidiu, e vem decidindo, pela legitimidade, é lícito inda-

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gar: por quê os cidadãos em geral têm que pagar e uma pessoa especifica-mente, aquela parte no AgRg na Rcl 2704/SP, está isenta do pagamento? Osmalefícios da falta de controle vão além, atingindo até os casos julgadospelos próprios Juizados, sem que se faça necessária uma comparação exter-na (Juizados x Justiça comum), para percebermos que o propagado acesso àjustiça vem sendo sistematicamente negado nos Juizados Especiais.

Um caso emblemático e comum nos Juizados diz respeito à multa(astreinte), imposta para compelir o devedor a cumprir uma obrigação defazer. Está ela ou não sujeita ao teto de 40 salários mínimos dos JuizadosEspeciais Estaduais? Independentemente do caso concreto, da condiçãoeconômica do credor e do devedor, da obrigação a ser cumprida, do tempoem que a multa incidiu etc., trata-se de matéria de direito. Podem mudar osdetalhes do caso concreto, mas a matéria continuará sendo de direito e asolução a ser dada a ela, deve/deveria ser uniforme. Isso é acesso à justiçatambém. Infelizmente o que se vê são decisões completamente discrepan-tes, mesmo que a multa esteja prevista em lei desde 1990 (Código de Defesado Consumidor, art. 84) e 1994 (Código de Processo Civil art. 461), provo-cando insegurança jurídica no jurisdicionado e violação ao princípio cons-titucional da igualdade.

Assim, se em uma ação de obrigação de fazer a multa diária acumula-da de José, um autor fictício, ultrapassa o teto de 40 salários mínimos, comoexplicar para João, outro autor fictício, que no seu caso o Juiz determinou aredução da multa que já incidiu exatamente porque ultrapassou o teto de 40salários mínimos? O problema é que essa desigualdade de tratamento ocor-re todos os dias nos diversos Juizados espalhados pelo Brasil, quando a leique pretende dar a resposta a essa questão é federal e, portanto deve (oudeveria) ter aplicação uniforme.

O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a questão, deci-dindo que “o valor da multa cominatória pode ultrapassar o valor da obri-gação a ser prestada, porque a sua natureza não é compensatória, não obje-tiva ressarcir, mas persuadir o devedor a realizar a prestação devida”.13 Defato, se a multa é coercitiva, ou seja, serve para pressionar o devedor ao

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13 STJ, 1ª Turma, REsp 770.753/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 15.03.2007.

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cumprimento da obrigação específica (fazer, não fazer ou entregar coisa),ela não pode ter limite máximo. Se o devedor souber que o valor da multanão vai ultrapassar o valor da obrigação ele terá a opção de não cumprir aobrigação específica, pois terá ciência, com antecedência, do limite máximoda multa. Da mesma forma, se o devedor souber que a multa diária acumu-lada não vai ultrapassar os 40 salários mínimos, ele poderá escolher entrecumprir a obrigação sem ter que pagar a multa ou não cumprir a obrigação,assumindo o pagamento da multa, que ele seguramente saberá que não vaiultrapassar o teto dos Juizados.

Como a multa é imposta para forçar o devedor a cumprir a obrigaçãoespecífica, parece claro que ela não pode ter um limite máximo que pelomenos seja de conhecimento do devedor, sob pena de inutilizarmos um efi-caz mecanismo da execução. É claro que a multa não pode ser elevada, nemmuito reduzida, devendo ser fixada em patamar razoável, mas suficientepara pressionar o devedor, o que certamente fará com que o Juiz leve emconsideração a sua capacidade econômica.14 O problema maior diz respeitoà acumulação do valor da multa, o que ocorre porque o devedor ignora aordem judicial para o cumprimento da obrigação, bem como o direito docredor em ver a obrigação sendo cumprida. Nesse caso a multa deve incidiraté o Juiz verificar que ela não está mais cumprindo sua finalidade coerci-tiva, ocasião em que deverá fazer a multa parar de incidir, aumentar seuvalor ou até mesmo diminuir o seu valor (art. 461, parágrafos 5º e 6º, doCPC), porém essa decisão deverá sempre ter efeitos ex nunc.

Reduzir o valor da multa acumulada porque ela atingiu um valor ele-vado é um prêmio ao devedor, é um estímulo ao desrespeito às ordens judi-ciais, enfim, é absolutamente equivocado. Se a multa já incidiu e seu valoracumulado ficou elevado é porque algo ocasionou essa situação, e esse algose chama “inércia do devedor”. Se o devedor não cumpre a obrigaçãoimposta pelo Juiz (sob pena de multa...), ele que arque com as consequên-cias da inércia. O que não pode acontecer, em hipótese alguma, é o Juiz

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14 A fundamentação das decisões judiciais, em que pese ser obrigatória por força da Constituição, nemsempre é respeitada, e nas decisões que fixam o valor da multa muito menos, o que é lamentável, já queé pela fundamentação que o Juiz explica a todos a razão pela qual fixou a multa em X, e não em 2X.

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dizer-lhe algo como: “você não cumpriu a obrigação, desrespeitou a ordemjudicial e o direito do credor, razão pela qual a multa acumulou-se... Nãotem problema. Vamos reduzir o valor da multa e você será beneficiado.”Para nós isso não é Justiça, isso não é dar a cada um aquilo que é seu. Issonão é efetividade, e esse não é o compromisso do Estado. A partir domomento em que a sentença (ou o título extrajudicial) reconhece o direitodo credor, o Estado se obriga a utilizar mecanismos que façam o credor sersatisfeito, até porque em tempos remotos o Estado lhe proibiu de fazer jus-tiça com as próprias mãos exatamente com esse argumento. Assim sendo,consideramos insuficiente o rotineiro argumento do “enriquecimento semcausa” do credor. Primeiro porque a multa não objetiva enriquecê-lo, massim pressionar o devedor ao cumprimento da obrigação; segundo porque ocredor não terá direito a um mísero centavo da multa se a obrigação forcumprida dentro do prazo fixado pelo Juiz; terceiro porque se a multa ficouelevada é porque (a) o devedor desrespeitou a ordem judicial ao longo dotempo ou (b) o Juiz falhou ao não fiscalizar o cumprimento, ou não, da obri-gação; quarto porque se por acaso o credor “enriquecer”, há uma causa. Euma causa muito justa! E a causa é dada pelo devedor ao ignorar sua obri-gação e a decisão judicial que a reconhece. Portanto, temos como fraco esseargumento, e que, repetimos, é um prêmio ao descumprimento.15

O que se espera é que os Juizados Especiais, aplicando a lei federal,tenham um entendimento uniforme, que em tese deve ser aquele fixadopelo STJ em mais de um julgado, no sentido de que a multa não tem limitemáximo, podendo ultrapassar o valor da obrigação (e logicamente o teto de40 salários mínimos). E a liberdade do Juiz em julgar cada caso concreto quelhe é submetido? Eduardo de Albuquerque Parente tem a resposta que nosparece ser a ideal:

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15 E viva o não cumprimento das decisões judiciais e das obrigações! Com a complacência desse argumen-to... Segundo Augusto Mario Morello “no es, por ende, suficiente, para disponer del proceso justo, con-tar con ‘un juez en Berlín’ imparcial y transparente, com la debida audiencia, con el ofrecimiento ypráctica de la prueba pertinente, con la alegación sobre su mérito, con el dictado de una sentencia ade-cuadamente motivada, con poder para impugnarla y, firme, llevar adelante su ejecución. Es tambiénimprescindible que la condena, el mandato jurisdiccional, satisfaga mediante su íntegro cumplimientoel interés específico del litigante ganador, en un plazo razonable”. La eficacia del proceso, 2ª edição.Buenos Aires: Hammurabi, 2001, pp. 48-49. Os destaques não constam do original.

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“Ocorre que essa nova realidade pressupõe que o juiz, indi-vidualmente, sinta-se parte da estrutura propulsora da interpre-tação, não seu opositor. Deve ver na decisão uniformizante umaregra de direito para o bem da realidade jurídica e da própriaestrutura judicial da qual faz parte, não uma camisa de força.

.....Isso equivale a dizer que o juiz consciente do seu papel

deve pautar suas ações de acordo com a cúpula da estruturajudicial como se obrigação houvesse, mesmo que contrário àsua própria convicção. Isso não significa estar tolhido da sualiberdade de decidir, e sim ter noção de que é parte de umaestrutura que deve ter uma só visão sobre determinados temas(em que a divergência seja infundada), sob pena de contribuircom a desigualdade e a incerteza jurídica. Esse é um reflexo docaráter público da jurisdição.”16

A prática, no entanto é diferente, submetendo a parte a um verdadei-ro e lamentável “jogo de azar”, pois a decisão sobre o limite da multa diáriafica na dependência da distribuição do caso concreto a um determinadoJuizado. Enfim, o valor da multa que já incidiu e se tornou elevado deve ounão ser reduzido com eficácia ex tunc?

Em um caso específico havia um credor de uma multa que, acumula-da, chegou a R$ 46.204,04, em razão do descumprimento da obrigação porparte da empresa condenada por sentença. Uma das Turmas Recursais doEstado do Rio de Janeiro determinou a redução do valor dessa multa paraR$ 10.000,00.17

Outro credor de uma multa que chegou a R$ 42.050,00, também emrazão do descumprimento da obrigação por parte da empresa ré viu aTurma Recursal reduzir seu valor para R$ 15.000,00.18

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16 Jurisprudência: da divergência à uniformização. São Paulo: Atlas, 2006, p. 21.17 Recurso 2008.700.043277-3, julgado em 24.09.2008, Rel. Juiz Alexandre Chini.18 Recurso 2008.700.008468-3, julgado em 28.04.2004, Rel. Juiz Cleber Ghelfenstein.

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Em outro caso a multa havia ultrapassado os 40 salários mínimos, semque o acórdão declinasse o valor exato. A Turma Recursal decidiu reduziro valor da multa acumulada para R$ 8.050.00.19

Outro credor teve melhor sorte.20 A multa acumulada chegou a R$11.700,00 pelo descumprimento da obrigação de instalar uma linha telefô-nica, mas o Juiz de primeiro grau reduziu esse valor para R$ 2.000,00. ATurma Recursal fez a multa acumulada voltar ao valor original, ao argu-mento de que a multa perde a sua finalidade de coerção na hipótese dediminuição de seu valor pelo julgador.21

Ressaltamos que os três primeiros casos foram pela redução da multapara um valor razoável (R$ 10.000,00, R$ 15.000,00 e R$ 8.050,00), sem quese mencionasse, em nenhum desses três casos, quais os critérios utilizadospara se alcançar os citados valores. O que é razoabilidade? É uma cartabranca para que o Juiz diga que o valor fixado é excessivo? Reduzo para umrazoável, que fixo em R$ X. Pelo menos nos casos analisados foi assim quese fixou o valor final.22

Não há diferença substancial entre os quatro casos analisados: todos tratamde uma obrigação específica não cumprida, cujo valor da multa acumulada nãopoderia ter sido reduzido. Nos três primeiros o devedor foi premiado pelo des-cumprimento da obrigação. Essa foi a mensagem passada pelo Judiciário aodevedor inadimplente, que passou a ter o direito de escolher não cumprir a obri-gação porque ele sabe que a multa final vai ser reduzida para um valor “razoá-vel”. É a tutela jurisdicional daquele que não tem o direito! Isso é justiça?

3.3. Os enunciados e os encontros

Os enunciados, aprovados após a realização de encontros entre aplica-dores do direito nos Juizados Especiais, são uma forma de se buscar a “uni-

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19 Recurso 2004.700.008841-0, julgado em 14.04.2004, Rel. Juiz Cleber Ghelfenstein.20 Não se pode falar em “sorte” quando da análise de casos concretos, porque os direitos não são oriundos

da sorte ou do azar da parte, mas sim da lei, e a lei é (era pra ser) igual para todos.21 Recurso 2003.700.016639-9, julgado em 24.09.2003, Rel. Juíza Gilda Maria Carrapatoso de Oliveira.22 Segundo Luiz Guilherme Marinoni “aceita ou não a tese da ‘resposta correta’, o certo é que não se pode

isentar o juiz do dever de demonstrar que a sua decisão é racionalmente aceitável e, nessa linha, amelhor que poderia ser proferida diante da lei, da Constituição e das peculiaridades do caso concreto.”Curso de Processo Civil, v. 1 – Teoria Geral do Processo, 3ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: RT, 2008, p. 125.

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formização e o aprimoramento do sistema em todo o país”.23 Entretantoquestionamos a legitimidade democrática destes enunciados, bem como seupróprio valor no mundo jurídico. É um questionamento ousado, reconhe-cemos, porém aceitam-se os enunciados como se eles fossem absolutos,como se eles pudessem de fato dar a última palavra sobre a interpretação dalei federal. Há uma supervalorização dos enunciados, aprovados em encon-tros interessantes, porque buscam um objetivo único (melhorar os JuizadosEspeciais), mas até que ponto uma conclusão de enunciado deve ser consi-derada no caso concreto?

Parece contraditório o nosso questionamento porque o objetivo desteartigo foi fazer uma análise crítica a respeito da insegurança jurídica quecontamina o Juizado Especial, e os enunciados buscam exatamente a mini-mizar, diminuir ou até mesmo eliminar a insegurança jurídica, o que de fatoé um bom começo, pois assim todos reconhecem que a interpretação alta-mente controvertida sobre matéria de direito é danosa ao sistema jurídicocomo um todo. E se existem Encontros Nacionais é também uma demons-tração de que os profissionais que pensam, estudam e aplicam os JuizadosEspeciais reconhecem que a lei federal é uma só, seja qual for o Estado daFederação onde ela é aplicada, de modo que a Lei nº 9.099/95 deve ser igualem todo o Brasil. Não vemos outra razão para os Encontros Nacionais, poisse assim não fosse eles seriam apenas Estaduais.

Porém questionamos a legitimidade democrática dos Enunciados por-que eles são impostos de cima para baixo sem as devidas discussões. Quemparticipa desses Encontros? Como se faz a escolha dos que participam? Sãotodos, sem exceção, juízes de Juizados Especiais? Há desembargadores par-ticipando desses Encontros? Há Ministros? Há doutrinadores?

Se as Súmulas, emanadas de Tribunais Superiores, que detém inegávellegitimidade constitucional,24 são objeto de crítica por parte de diversosdoutrinadores, o que dizer dos Enunciados? Como podem os Enunciados

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23 IX Encontro do Fórum Permanente de Coordenadores dos Juizados Especiais, realizado em BeloHorizonte-MG, entre os dias 04 e 07 de junho de 2007.

24 Pode-se até questionar a forma de escolha dos Ministros, mas que os Tribunais Superiores possuem legi-timidade democrática pensamos que não pode haver dúvidas.

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determinar como se interpreta a lei federal se a Constituição do Brasiloutorga ao Superior Tribunal de Justiça essa função?25 O modelo adotado éo mesmo das Súmulas: concisão excessiva no uso das palavras que os for-mam. As Súmulas, por sua vez, contêm limitações exatamente em razãodessa economia na hora de aprovar o seu conteúdo e por pretender dar res-posta única a casos concretos que podem ser diferentes. E os Enunciadosseguiram o mesmo caminho, com uma diferença fundamental em relação àsSúmulas. Outra diferença relevante entre os Enunciados e as Súmulas resi-de no fato dos primeiros não se basearem em nenhum precedente, emnenhum caso concreto, enquanto que as Súmulas, conquanto concisas, sãoo resultado resumido de vários casos anteriores. “Como o enunciado dasúmula é um novo texto; e como todo texto é um evento, na medida em quereflete (ou, ao menos, pretende refletir) os julgados/precedentes que o cria-ram, estes deverão ser o teto hermenêutico na atribuição de sentido ao novotexto criado pelo Tribunal. O intérprete não poderá atribuir qualquer sen-tido à súmula, na medida em que esta deverá estar lastreada nos preceden-tes que a criaram.”26 E os Enunciados? Qual o seu teto hermenêutico?Nenhum, posto que são disposições abstratas desvinculadas de qualquer pre-cedente que sirva como critério limitador ou expansivo do seu conteúdo.

Ambas pretendem dar mais segurança jurídica à aplicação do direito, epara tal, conquanto não possam se eternizar, devem ter uma certa estabili-dade, de modo que uma Súmula aprovada pelo Supremo Tribunal Federaltem a pretensão de existir por um período considerável, exatamente paraalcançar a sua finalidade. Se uma Súmula for aprovada hoje, revista amanhãe cancelada depois, a insegurança jurídica reinará. E se uma Súmula foraprovada hoje, discutida de novo amanhã, rediscutida depois de amanhã eassim sucessivamente?

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25 Isso se deve ao “vácuo de poder” que o próprio Superior Tribunal de Justiça entendeu existir. A partirdo momento em que o STJ entendeu que não é dado a ele controlar a legalidade das decisões dosJuizados, alguém tinha que assumir esse papel. Como não cabe recurso especial nem ação rescisória, a“solução” são os Enunciados, mas que não corrigem violações da lei federal.

26 MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes e NOGUEIRA, Gustavo Santana. A súmula vinculante nº 10: tauto-logia ou inovação? Trabalho não publicado.

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Assim são os Encontros e os Enunciados. Eles acontecem quase quetodos os anos, em locais diversos, mas sempre há um Encontro a ser reali-zado, seja de Juízes, de Coordenadores, de Juízes de Turmas Recursais, etc.,onde “novos” Enunciados surgirão, o que traz mais insegurança jurídica... Apartir do momento em que os Enunciados dão a “solução ideal” para ques-tões de direito, eles integram a cultura jurídica daqueles que militam nosJuizados (partes, advogados e juízes), razão pela qual a constante edição deEnunciados diversos, Nacionais e Estaduais, é uma tática suicida, pois ful-mina a sua própria razão de ser e a sua finalidade.

O que propomos aqui é que os Enunciados não podem existir, pois sãoantidemocráticos, e já que existem que sejam conhecidos de todos, e paraque sejam conhecidos, é fundamental que não se marquem Encontros todosos anos para se discutir sempre as mesmas questões, com a aprovação e rati-ficação de Enunciados ao final de cada um desses Encontros.

4. O direito medieval

Infelizmente o que se vê atualmente nos Juizados Especiais nos lembramuito as características do direito medieval, praticado entre os séculos V eXV d.C, época em que inexistia o Estado, pelo menos na concepção deEstado que temos hoje.27 A idade média notabilizou-se pela territorialidadedas leis, onde “em cada feudo vigorava a sua própria legislação, aplicável atodos os casos aí acontecidos e a todas as pessoas que aí estivessem, qualquerque fosse a sua nacionalidade, vivessem ou não habitualmente no lugar”.28

Não vemos quadro comparativo mais adequado do que este apresenta-do. A realidade dos Juizados Especiais não difere muito do que se fazia naIdade Média. Cada Juizado Especial, cada Turma Recursal, possui uma “leiprocessual” própria (uma Lei nº 9.099/95 própria), e não raro, o direito

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27 “In an epoque without states, this is a strong indication how the perception of space changed, intensi-fied and led to the concept of territory.” Caspar Ehlers, Law and territory – the case of Saxony in theearly middle ages. Disponível em: http://141.2.146.53/fileadmin/downloads/rg13_abstracts.pdf. Acessoem 01.01.2009. Consulte-se também: LE GOFF, Jacques e SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário temáti-co do ocidente medieval, volume I. Coordenador da tradução: Hilário Franco Júnior. São Paulo:EDUSC, 2002, pp. 347-349.

28 Walter Vieira do Nascimento. Lições de história do direito, 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.138, citando Ferreira Coelho.

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material levado para análise nos Juizados, também recebe interpretaçõestão divergentes que acabam criando essa idéia de que os Juizados Especiaissão verdadeiros feudos.

Esses “feudos” se criaram e se desenvolveram, entre outros motivos,diante da ausência de um controle de legalidade das decisões do Juizado, oque confere a cada Juizado as mesmas características do Estado Feudal,senão vejamos:“O feudalismo, regime social e político triunfante em quase toda a Europaa partir do século X, era caracterizado pela divisão da propriedade, pelaindependência administrativa das terras desmembradas e pela hierarquiaque unia uns aos outros os vários senhores das propriedades territoriais.”29

5. Conclusão

Calmon de Passos resumiu, com o brilho de sempre, o que tentamosexpor nesse trabalho:

“... atribui-se aos magistrados com exercício nos JuizadosEspeciais o direito de desrespeitar a lei federal e de lhe dar ainterpretação que bem lhes aprouver, podendo apoiar-se emfalsa prova, ter sido peitado ou estar impedido para julgar ofeito, visto como é inadmissível a rescisória das decisões transi-tadas em julgado.”30

Os Princípios de Conduta Judicial de Bangalore, que vem a ser um pro-jeto de Código Judicial de âmbito global elaborado com base em outroscódigos e estatutos, nacionais, regionais e internacionais, sobre o tema, den-tre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU. Essa decla-ração de direitos prevê um julgamento igualitário, justo e público, por tri-

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29 Alcindo Muniz de Souza. História medieval e moderna. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1953,p. 67.

30 José Joaquim Calmon de Passos. A crise do poder judiciário e as reformas instrumentais: avanços eretrocessos. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 4, julho,2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 13.01.2009.

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bunal independente e imparcial, princípio de aceitação geral pelos Estados-Membros, e o responsável por sua elaboração é o Grupo de IntegridadeJudicial (The Judicial Integrity Group), ligado à ONU. São 6 os valoresdefendidos pelo documento (independência, imparcialidade, integridade,idoneidade, igualdade e competência e diligência), e o terceiro, integrida-de, possui a seguinte redação:

“A integridade é essencial para a apropriada desincumbên-cia dos deveres do ofício judical.”31

Ao interpretar o valor integridade o documento é taxativo ao afirmarque “quando um juiz transgride a lei, pode levar o gabinete judicial à má-reputação, encorajar o desrespeito à lei e enfraquecer a confiança públicana integridade do próprio Judiciário.”32 As exceções do dever de respeitar alei previstas no documento são limitadas aos casos em que as leis são con-trárias aos direitos humanos básicos e à dignidade humana, onde constamdois exemplos: as leis do regime nazista alemão e do apartheid sul-africano.Nada a ver com os Juizados, que não pode ser um feudo, não pode ter leispróprias. O Juiz do Juizado não pode ser um senhor feudal. Não é esse omodelo ideal de acesso à justiça. É a nossa modesta opinião.

6. Bibliografia

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COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie costituzionali e “giusto processo”(modelli a confronto). Revista de Processo. São Paulo: RT, 1998, nº 90.

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31 Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crimes (Unodoc). Comentários aos Princípios deBangalore de Conduta Judicial. Tradução de Marlon da Silva Malha e Ariane Emílio Kloth. Brasília:Conselho da Justiça Federal, 2008, p. 87.

32 Idem, p. 90.

90 Gustavo Santana Nogueira

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SOUZA, Alcindo Muniz de. História medieval e moderna. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1953.

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91Os Juizados Especiais, a Insegurança Jurídica e o Direito Medieval

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4Conciliação, Juízes Leigos e

Uniformização de Jurisprudência:Instrumentos para o Enfrentamento

da Demanda nosJuizados Especiais Cíveis

José Guilherme Vasi Werner

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Os instrumentos para enfrentamento da demanda nosJuizados Especiais Cíveis. 2.1. A conciliação e a participação dos juízes leigos. 2.2. A uni-formização da jurisprudência. 3. Conclusão.

1. Introdução

A experiência dos Juizados Especiais, iniciada em caráter informal eacolhida pelo constituinte e pelo legislador ordinário que regulamentou oart. 98, I, da Constituição, já acumula treze anos de adaptações, tentativas,erros e sucessos de seus operadores. Uma grande produção doutrinária ejurisprudencial pôde ocorrer nesse período, com grande contribuição paraa consolidação dessa nova Justiça.

Em um primeiro momento, pelo menos no âmbito dos Judiciários esta-duais que logo se dedicaram à tarefa de implantar os novos órgãos, os esfor-ços foram concentrados na emancipação do novo procedimento das técni-cas e tradições largamente praticadas na Justiça Comum, vistas como entra-ves ao cumprimento dos anseios do legislador e do constituinte quanto àviabilização de uma prestação jurisdicional célere, informal e, por issomesmo mais eficiente.

A despeito do relativo atraso de alguns tribunais estaduais em criar e dis-por tais órgãos de meios materiais e institucionais para o atendimento de seus

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fins, essa primeira etapa vem sendo cumprida com o auxílio do ConselhoNacional de Justiça que, exercendo uma de suas verdadeiras atribuições, atuano sentido de estabelecer, com base nas práticas mais bem sucedidas, normase procedimentos gerais para a operação dos Juizados Especiais.

O segundo momento, marcado pelo sucesso do empreendimento emgrandes centros da vida nacional, caracterizou-se pela exponenciada majo-ração das quantidade de ações individuais propostas, sem que o sistema esti-vesse capacitado para receber esse influxo, ao contrário do que se supunhapela exaltação das propriedades da celeridade do rito.

Em nossa visão, os Juizados Especiais Cíveis vivem agora o seu tercei-ro momento. Circunstancialmente, ele não se distancia do segundo, já queo volume da demanda e as deficiências das unidades mantêm o sentimentode frustração em face do malogro das expectativas despertadas. O marcodesse tempo atual é encontrado no plano subjetivo, na consciência de queas iniciativas mais óbvias para o problema, como a criação de novos órgãose a alocação de mais recursos humanos e materiais, não são suficientes,sendo preciso atuar em todos os espaços e em todas as etapas do processo,bem como na capacitação de todos os seus agentes, para que a soma dessasintervenções possa resultar no melhor desempenho global.

Muitas e boas idéias foram desenvolvidas e colocadas em prática a par-tir dessa conscientização. Já tivemos oportunidade de participar do esforçodo Conselho Nacional de Justiça no diagnóstico dos principais problemas aserem enfrentados, destacando-se a necessidade de padronização de méto-dos e rotinas de trabalho, a capacitação de servidores, conciliadores e juízesleigos, sem falar do problema das instalações e dos recursos materiais.

A partir daí, a experiência e a dedicação dos Juízes serviram de basepara a criação de alguns procedimentos e métodos de trabalho que podemcontribuir para afastar alguns dos entraves que atualmente prejudicam obom andamento dos processos no sistema dos Juizados Especiais Cíveis.

Estamos convencidos de que não obstante todos esses métodos e proce-dimentos devam ser incentivados, aprimorados e consolidados, pois de todoseles serão extraídos importantes benefícios para o aperfeiçoamento da pres-tação jurisdicional em cada uma de suas etapas, nenhum deles é, pelo menosse considerado individualmente, significativo para o tratamento mais eficaz

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94 José Guilherme Vasi Werner

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da demanda. Tendo em conta que essa demanda não pode ser reduzida acurto ou médio prazos e que eventual solução nessa direção depende de pro-vidências que não podem ser tomadas exclusivamente pelo Poder Judiciário,é hora de dedicar os esforços dos tribunais às práticas, aos instrumentos e àsatividades que possam contribuir com maior parcela de grandeza para osresultados visados. Práticas, instrumentos e atividades que, portanto, sirvampara reduzir diretamente o tempo de trabalho cartorário e judicial e, conse-quentemente, o tempo do curso processual, de modo a acomodar o quantita-tivo da demanda no conjunto de recursos materiais e humanos disponíveis.

2. Os instrumentos para enfrentamento da demanda nosJuizados Especiais Cíveis

A conciliação, a participação de juízes leigos e a uniformização dejurisprudência são, em nosso entender, os principais instrumentos para aexecução dessa tarefa. Não nos esquecemos do processamento eletrônicodas causas e da unificação da execução. Porém, estes ainda não são realida-de em muitos tribunais. Aqueles já fazem parte do cotidiano dos Juizados,carecendo apenas de mais atenção e investimento por parte da administra-ção do Poder Judiciário.

Quanto aos dois primeiros, conciliação e participação de juízes leigos,a constatação de sua eficácia na redução do tempo do processo é fácil, ime-diata. São os números dos levantamentos estatísticos do processamento nosJuizados Especiais Cíveis que o demonstram.

Tomemos como exemplo, inicialmente, os Juizados Especiais Cíveis daCapital do Estado do Rio de Janeiro situados no Fórum Central da Comarca,ou seja, os I, II, III, VII, XXI e XXVII Juizados Especiais Cíveis, todos coma mesma competência regional e servidos por uma única distribuição. Pelosdados extraídos do sistema do Tribunal de Justiça do Estado do Rio deJaneiro, referentes ao ano de 2008, os referidos Juizados receberam, cadaum deles, em média, 1.425 novos processos por mês.1

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1 Dados obtidos junto ao DEIGE – Departamento de Informações Gerenciais da Prestação Jurisdicionaldo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

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Isso significa que, para evitar o congestionamento, isto é, para conse-guir lidar com essa demanda sem que haja uma crescente acumulação deprocessos não solucionados, seria necessário que cada um desses Juizadossolucionasse igual número de processos no período de um mês, o que impli-caria na meta de 71 (setenta e um) processos por dia.

É importante considerar que, por conta do rito concentrado da Leinº 9.099/95, a solução de um processo no Juizado Especial Cível, na fase deconhecimento, depende, caso não haja conciliação ou ausência de partesdevidamente intimadas, de uma audiência de instrução e julgamento. É porisso que o procedimento básico de um Juizado Especial Cível para enfren-tar a demanda regular consiste em ajustar o número de audiências designa-das conforme a distribuição mensal.

Fica fácil perceber que, inexistindo conciliação, o esforço a ser aplica-do em cada um desses Juizados para atender a demanda envolveria a reali-zação e conclusão de 71 (setenta e uma) audiências de instrução e julga-mento (AIJ’s) diariamente.

Mesmo descontada a média estatística de 23% de audiências não reali-zadas por diversos motivos,2 ainda seriam 55 (cinquenta e cinco) audiênciasde instrução e julgamento a realizar e concluir.

Ora, se um bom juiz é capaz de realizar e concluir cerca de dez (10)AIJ´s por dia (duzentas por mês) e um juiz realmente operoso consegue rea-lizar quinze 15 (quinze) AIJ´s por dia (trezentas por mês), seria preciso, comesses números, que os responsáveis pela administração providenciassem,para além do espaço físico e sua estrutura mobiliária e material, pelo menos5 (cinco) juízes e seus respectivos auxiliares para dar conta dessa meta.

Trata-se de uma tarefa, se não impossível, absurdamente custosa paraos tribunais.

2.1. A conciliação e a participação dos juízes leigos

A relevância do papel dos conciliadores e juízes leigos está precisamen-te na sua participação para a viabilização do atendimento à demanda. O con-

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2 Dados obtidos junto ao DEIGE - Departamento de Informações Gerenciais da Prestação Jurisdicionaldo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

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ciliador e o juiz leigo, quando acionados e operados de forma eficaz, repre-sentam fatores divisores e multiplicadores que, atuando sobre as variáveis dafórmula acima descrita interferem diretamente na sua solução. Vejamos.

Fazendo ainda uso dos dados referentes aos Juizados Cíveis do FórumCentral da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, temos que opercentual médio de acordos é de 20% (vinte por cento).3 Havendo acordo,com ele e a respectiva homologação por sentença do juiz encerra-se a fasede conhecimento, dispensando-se a AIJ. Em outras palavras, com o funcio-namento regular da conciliação nos juizados em exame, já há uma reduçãoestatística de 20% no número de AIJ’s necessárias para o atendimento dademanda. De 55 (cinquenta e cinco) AIJ’s por dia, esse número cai para 44(quarenta e quatro) AIJ’s diárias, o que ainda exigiria a presença de pelomenos 3 (três) juízes operosos para concluí-las.

Nesse ponto é que entram em cena os juízes leigos. Advogados, inves-tidos na função de auxiliares da Justiça (art. 7º, Lei nº 9.099/95), os juízesleigos podem figurar como árbitros escolhidos pelas partes (art. 24, caput e§§ 1º e 2º, Lei nº 9.099/95) e estão autorizados a realizar a instrução do pro-cesso, presidindo a AIJ, e a proferir decisão a ser homologada pelo juiz dedireito (art. 40, Lei nº 9.099/95).

Ao realizarem a instrução do processo, substituindo os juízes togadosnas AIJ’s, os juízes leigos contribuem não só para a redução do serviço judi-cial, mas para a multiplicação desse serviço. No primeiro caso, aliviam o juiztogado do esforço de realização de um grande número de AIJ’s que, antesdos juízes leigos, só por eles poderiam ser realizadas. Consequentemente, senão permitem a redução do tempo de curso do processo, permitem pelomenos a melhor adequação do tempo do juiz togado aos serviços requisita-dos pela demanda regular de um Juizado Cível. No mais, a participação dosjuízes leigos no processo enseja uma verdadeira multiplicação dos resulta-dos da prestação da jurisdição final pelo juiz togado, ao menos no que serefere à fase de conhecimento, já que um único entendimento do magistra-

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3 Dados obtidos junto ao DEIGE – Departamento de Informações Gerenciais da Prestação Jurisdicionaldo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

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do acerca de determinada questão pode ser reproduzido por tantos quantossejam os juízes leigos que o auxiliam.

Voltando aos Juizados em exame, as 44 (quarenta e quatro) AIJ´s aserem realizadas diariamente em cada um deles poderiam ser presididas, emtese, por 4 (quatro) juízes leigos diferentes, todos eles ao final proferindouma decisão que seria homologada pelo juiz togado. Nessa linha, parecelógico que as decisões em casos semelhantes sejam igualmente semelhantes,todas espelhadas no entendimento do juiz togado à frente do Juizado.Assim, se sem os juízes leigos seria preciso contar com pelo menos 3 (três)magistrados em um único Juizado, todos independentes para decidir con-forme seu livre convencimento, com os juízes leigos um único juiz togadosolucionaria todos os casos com seu próprio entendimento.

As vantagens dessa pequena modificação não são apenas abstratas, fun-dadas nas supostamente maiores coerência e segurança jurídica. Para ficarsomente nos limites dos instrumentos aqui analisados, a conciliação nesseJuizado se tornaria mais eficaz, pois os conciliadores passariam a se referir(e as partes a considerar) a apenas um único entendimento na pesagementre os riscos e os benefícios de um acordo ante a sentença que seria pro-ferida em seu lugar. Havendo três juízes togados atuando ao mesmo tempo,a ausência de um entendimento único incentiva (para ambas as partes) aespera por um resultado mais favorável na sentença. A certeza quanto aoentendimento de mérito em determinados casos é um dado que pode serutilizado pelo conciliador na busca pelo acordo entre as partes.

Com o que foi dito até aqui, é possível notar que muito embora os juí-zes leigos contribuam significativamente para a redução do serviço judicialou ao menos para a melhor adequação do tempo do magistrado às tarefas doJuizado, o instrumento que se mostra mais completo no que concerne àredução não só do serviço judicial, mas também do serviço cartorário e dotempo de curso do processo, é a conciliação.

Se em lugar do índice de 20% (vinte por cento) alcançado nos Juizadosem referência se conseguisse alcançar um índice de 50% (cinqüenta porcento), as 44 AIJ´s por dia necessárias para atender à demanda cairiam para27 (vinte e sete). Os benefícios são óbvios. 2 (dois) magistrados operosos

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poderiam lidar com a demanda regular. Com os juízes leigos, 3 (três) delesdariam conta confortavelmente da tarefa.

Não se diga que um tal índice é inalcançável, pois durante muitotempo um dos Juizados Especiais Cíveis da Capital, situado em um dosfóruns regionais, e com o mesmo perfil de demandas dos Juizados do FórumCentral (90% de causas envolvendo relação de consumo) conseguiu atingiressa proporção e hoje mantém um resultado de cerca de quarenta e cincopor cento (45%) de acordos.4

De todo modo, um índice de conciliação de cerca de 50% dos feitosnão é fácil de ser alcançado dentre processos em que figuram pessoas jurí-dicas como réus, principalmente quando são fornecedoras de produtos eserviços que freqüentam assiduamente os Juizados Especiais. Em princípio,buscam protelar ao máximo (é claro que dentro da legalidade e sem que sepossa falar em má-fé processual) o desembolso de quantias que muitas vezessabem que serão condenadas a pagar.

A parte ré pessoa física, que geralmente não coincide com um litigan-te habitual, não costuma fazer planejamentos contábeis a ponto de se preo-cupar em retardar o desembolso para obter uma vantagem financeira. Quer,no mais das vezes, resolver logo a pendenga e se livrar do processo do modomais fácil. Por isso tende a ser mais suscetível ao acordo.

Mesmo assim, a maior dificuldade de celebração de acordos com pes-soas jurídicas que figuram como réus habituais, pode ser minimizada comatenção e preparo específicos para a conciliação no tipo de conflito em quese envolvem. Abordar esses réus da mesma forma como se aborda um réuque seja um mero litigante eventual é um erro.

Entende-se que o investimento na conciliação deve ser feito sobretu-do por meio da promoção de cursos de treinamento e aprimoramento e doacompanhamento pessoal dos conciliadores pelo juiz responsável peloJuizado. No caso de Juizados com distribuição comum e situados em ummesmo local, o ideal é que a equipe de conciliadores seja uma só e quetenham supervisão única.

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4 Dados obtidos junto ao DEIGE – Departamento de Informações Gerenciais da Prestação Jurisdicionaldo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

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É que mesmo que o treinamento dos conciliadores possa estar a cargo deum único órgão de formação, a maior parte dos tribunais delega aos diversosJuizados Cíveis o seu recrutamento, acompanhamento e aprimoramento.

Somos de opinião que essa delegação pode comprometer os resultadosde um esforço pela maior eficácia da conciliação, que seria melhor servidopor uma centralização dessas atividades, que também seriam concentradasna administração dos tribunais, que manteriam estatísticas detalhadas sobreas tarefas realizadas.

Desse modo, os conciliadores (que em muitos casos já recebem umtreinamento comum) seriam recrutados, acompanhados e avaliados porum único setor, através de políticas e rotinas únicas, cujo sucesso seriaaproveitado por todos os Juizados atendidos. Com tal providência aindaseria possível a sincronização das pautas dos juizados atendidos, ou seja,todos eles poderiam ter audiências de conciliação marcadas para a mesmadata, já que os esforços para manter a pauta em dia seriam absorvidospela Central. Após essa centralização, talvez fosse o caso de realizar asaudiências de conciliação em um único local, que abrigaria tantas salasde conciliação quantas necessárias para atender a demanda de todos osJuizados atendidos.

Não se pode esquecer que a conciliação não é restrita aos conciliado-res. Uma outra vantagem da participação dos juízes leigos é a de que, alémda realização da instrução e do preparo de um projeto de sentença, elestambém podem praticar a conciliação. O acordo será sempre o resultadomais eficiente que podem alcançar e, por isso, é ideal que a formação dosjuízes leigos receba ênfase especial nas técnicas de conciliação. Quando issofor feito, os tribunais podem considerar uma unificação das duas funções(conciliador e juiz leigo) na mesma pessoa, dependendo do número de indi-víduos necessários para atender às audiências.

2.2. A uniformização da jurisprudência

Escrevemos até aqui sobre a conciliação e a participação dos juízes lei-gos, dois dos principais instrumentos de redução do serviço nos Juizadosatravés da minimização do número de AIJ´s a serem realizadas (ou pelo

100

100 José Guilherme Vasi Werner

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menos do número de AIJ´s a serem realizadas pelo magistrado). Porém,para que essa redução possa receber um tratamento completo, essas duasatividades devem ser complementadas pelo recurso à uniformização dejurisprudência nos Juizados Cíveis.

A uniformização permite que entendimentos sobre questões de direi-to material ou formal se consolidem, evitando disparidade de interpreta-ções no mesmo sistema e situações práticas como a da existência de usuá-rios de serviços públicos que ao pleitearem uma indenização ou abstençãode cobrança em face da concessionária local as obtêm e ao mesmo tempodaqueles que não as conseguem, tudo porque há divergência de entendi-mentos nos Juizados (1º grau) e nos órgãos colegiados que julgam osrecursos.

É verdade que o sistema dos Juizados Especiais Cíveis vem se valendode orientações, chamadas de enunciados, colhidas de encontros de juízesque atuam tanto no 1º grau quanto no 2º grau. Há exemplos de encontrosno âmbito dos Estados e também no âmbito nacional, estes organizadospelo Fórum Nacional dos Juizados Especiais – FONAJE. A experiênciamostra que a adoção dessa metodologia vem funcionando até um certoponto, devendo ser louvada a possibilidade de participação de todos os juí-zes que atuam no sistema e não só daqueles que compõem os órgãos queapreciam os recursos.

Pois é exatamente essa ampliação dos agentes formadores das orienta-ções que pode estar impedindo que a força da jurisprudência seja melhoraproveitada para a evolução do sistema. Sendo elaborados, como vimos, emencontros de juízes que atuam nos juizados e nos conselhos recursais, osenunciados são respeitados até um certo ponto, a nosso ver de modo insu-ficiente para garantir o aproveitamento da experiência técnica dos magis-trados que já atuam há algum tempo no sistema e principalmente a segu-rança jurídica. É que se de um lado a participação de todos de certa formalegitima os resultados alcançados nesses encontros e evoca uma espécie decompromisso entre aqueles que aderiram ao entendimento enunciado, deoutro não parece que esse compromisso se estenda para aqueles que vota-ram em sentido contrário ou diverso do entendimento que prevaleceu.Ademais, há que se levar em conta que até mesmo pelo pequeno prestígio

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101Conciliação, Juízes Leigos e Uniformização de Jurisprudência: Instrumentospara o Enfrentamento da Demanda nos Juizados Especiais Cíveis

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que os Juizados ainda detém perante os juízes em geral,5 há sempre umagrande movimentação de magistrados nos juizados de 1º grau, alguns per-manecendo no mesmo órgão apenas por um único mês, outros deixando osistema tão logo possível. Essa grande movimentação faz com que a partici-pação desses mesmos magistrados nos encontros deixe de contribuir para alegitimidade de que se falou. Ao mesmo tempo, os novos juízes que assu-mem postos nos Juizados acabam não se sentindo vinculados aos enuncia-dos adotados.

Por essas razões, nos parece que a melhor forma de garantir a maiorcoerência do sistema dos Juizados e com isso assegurar sua melhor com-preensão por partes advogados e operadores, antigos ou recém-ingressos,seja através da uniformização da jurisprudência dos órgãos incumbidos daapreciação dos recursos por meio de mecanismo procedimental exclusivo.

Nessa exclusividade, apenas os órgãos recursais, com suas respectivasdecisões, seriam fonte de enunciados representativos da jurisprudência dosJuizados Especiais. Tais enunciados, emanados do órgão a quem cabe ofi-cialmente a revisão das sentenças dos Juizados Especiais de primeiro grau,se bem que de observância não obrigatória, teriam maior força de persua-são e – o que nos parece essencial – poderiam ser utilizados como referên-cia direta para as decisões do próprio conselho recursal e para possibilitar aaplicação do art. 285-A do Código de Processo Civil, nos casos cabíveis.

Para evitar que a uniformização afete a celeridade dos julgamentosnas turmas recursais, é importante que o mecanismo seja de provocação res-trita aos juízes integrantes desses órgãos, que terão a experiência necessáriapara reconhecer questões de relevância e de grande interesse e repercussãoque possam afetar um grande número de processos dos Juizados Especiais.Nesse sentido vão as disposições do Regimento das Turmas Recursais Cíveise Criminais do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul (art. 19 e parágrafo

102

5 Não obstante o grande progresso e integração na vida institucional e, principalmente, social, os JuizadosEspeciais Cíveis ainda são vistos, pela maior parte das administrações dos Tribunais de Justiça, como umórgão de “segunda classe”. Seus juízes, conforme as palavras do ex-presidente do Supremo TribunalFederal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Nelson Jobim, ainda contam com certo “desprestí-gio” por parte dos integrantes das cúpulas dos tribunais (em palestra proferida por ocasião da divulga-ção do “Pacto Nacional Pelos Juizados Especiais”, em 6 de dezembro de 2005).

102 José Guilherme Vasi Werner

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único, Capítulo V) e do antigo Regimento das Turmas Recursais do Estadodo Rio de Janeiro, não mais em vigor.

3. Conclusão

Enquanto a demanda pela prestação jurisdicional nos Juizados Especiaisnão dá sinais de arrefecimento, a conciliação, a participação de juízes leigose a uniformização de jurisprudência é que se apresentam como as formasmais eficientes de seu tratamento. Em nosso entender, para além do proces-so eletrônico – um das mais promissoras ferramentas atualmente à disposi-ção do Judiciário, a intervenção da administração dos tribunais nos JuizadosEspeciais deve ser concentrada nesses instrumentos e procedimentos que,como mostram os números, são aqueles que podem contribuir mais signifi-cativamente para a agilização do processo nos Juizados Especiais Cíveis.

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103Conciliação, Juízes Leigos e Uniformização de Jurisprudência: Instrumentospara o Enfrentamento da Demanda nos Juizados Especiais Cíveis

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IIAção e Competência

nos Juizados Especiais Cíveis

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5Considerações em Torno de Algumas

Questões Polêmicas no Âmbito dos Juizados Especiais

Aluisio Gonçalves de Castro MendesJoão Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A trajetória dos juizados especiais: do juízo informal à justiçaestatal. 3. O problema da efetividade dos juizados especiais. 4. A questão do valor da causanos juizados especiais. 5. A renúncia ao crédito excedente nos juizados especiais. 6. Os con-flitos de competência entre juizado especial e o juízo comum. 7. A uniformização de inter-pretação de lei federal: celeridade versus segurança jurídica. 8. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Tornou-se lugar comum a elaboração de estudos de temas de direitoprocessual à luz do postulado do acesso à Justiça,1 porquanto um dos esteiossagrados da moderna processualística é a busca por eficazes instrumentos(estatais ou não) que propiciem o acesso à “ordem jurídica justa”,2 com vis-tas a dar ao cidadão àquilo que efetivamente lhe pertence, em termos dedireito substancial.

Nesse particular, esquadrinhar um sistema que, de um lado, seja menosburocratizado e custoso para o cidadão e, de outro, mais célere e próximodo jurisdicionado, é uma das facetas do movimento do acesso à Justiça. Sobo ponto de vista do processo e não apenas de Justiça como instituição, bus-

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1 CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.2 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: Participação e processo. GRINOVER,

Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.) São Paulo: Revista dosTribunais, 1988, p. 128.

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car o refinamento dos instrumentos processuais é premissa de um processocivil de resultados.

Não se pode negar que a tutela jurídica tradicional não frutifica em are-nas que fogem do modelo individualista processual, decorrente do liberalis-mo que tanto impactou o tecnicismo de outrora. É evidente que, por exem-plo, em termos de direitos metaindividuais, o processo civil individual não éconsiderado o instrumento idôneo para veicular pretensões coletivas. Damesma forma, o modelo processual tradicional não encontra campo fértilpara produzir resultados profícuos, em termos de efetividade, nas causas debagatela, sejam as de menor valor econômico ou as de menor complexidade.

Isso porque o processo tradicional é demasiadamente complexo paracausas pequenas. Daí é que se buscam tutelas jurídicas diferenciadas, evi-denciadas, por exemplo, pela “deformalização do processo”,3 como se temno rito sumaríssimo dos Juizados Especiais, ao passo que, para demandas demassa o processo coletivo se apresenta como a via adequada.

Desse modo, a fim de efetivar o acesso à justiça, repensar um sistemajurídico diferenciado para causas também específicas é medida que seimpõe. Nesse panorama os juizados especiais cíveis são excelentes instru-mentos de solução de determinadas espécie de controvérsias, como asdecorrentes de vizinhos, acidentes de trânsito, cobrança de dívidas de ínfi-mo valor etc.

Por intermédio dos juizados especiais, pois, as pessoas têm a possibili-dade de judicializar questões que, normalmente, não seriam levadas peran-te os juízos tradicionais, dado os custos do processo, a demora na prestação

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3 A expressão “deformalização do processo” foi difundida no campo jurídico, no Brasil, por Ada PellegriniGrinover, através do texto intitulado “deformalização do processo e deformalização das controvérsias”,fruto do relatório brasileiro para o tema “Alternativas informais para procedimentos formais”, do VIICongresso Internacional de Direito Processual em Utrecht, em agosto de 1987. Cf. GRINOVER, AdaPellegrini. Deformalização do processo e deformalização das controvérsias. Revista de InformaçãoLegislativa, Brasília, ano 25, nº 97, 191-218, jan./mar., 1988. O texto também pode ser encontrado naseguinte referência: GRINOVER, Ada Pellegrini. Deformalização do processo e deformalização dascontrovérsias. In: Novas tendências do direito processual. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1990. De todo modo, a deformalização do processo implica a utilização da “(...) técnica processual embusca de um processo mais simples, rápido, econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar comeficiência tipos particulares de conflitos de interesses” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Deformalização doprocesso e deformalização das controvérsias. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 25, nº 97,191-218, jan./mar., 1988, p. 195).

108 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

Page 121: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

jurisdicional, o excesso de formalismo e a complexidade da própria estrutu-ra judiciária.

Destarte, os juizados especiais apresentam-se, em princípio, como pro-fícuo mecanismo de concretização do acesso à Justiça, de molde a servir decanal social entre o jurisdicionado e o Estado na solução de determinadostipos de controvérsias.

2. A trajetória dos juizados especiais: do juízo informal àjustiça estatal

A estrutura orgânica e funcional do Poder Judiciário brasileiro sofreurelevantes alterações nos últimos dois decênios, embora seja perceptívelque, desde há muito, são conhecidas as transformações na organização judi-ciária brasileira, em qualquer âmbito, seja pela criação e extinção de órgãosjudiciais, seja pela reformulação de suas competências.

Dentre todas elas, afirma-se que as mais relevantes mutações foram con-substanciadas pela Constituição da República Federativa de 1988, bem como,posteriormente, pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, intitulada deReforma do Poder Judiciário. A Carta de 1988, por exemplo, extinguiu oTribunal Federal de Recursos, acarretando, conseqüentemente, a criação dosTribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça. A Reforma doPoder Judiciário, igualmente, trouxe profundas alterações na estrutura judi-ciária nacional, dentre as quais se destacam a criação do Conselho Nacionalde Justiça e a extinção dos Tribunais de Alçadas em âmbito estadual.

Todas as recentes transformações na arquitetura judiciária objetivam,principalmente, o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e a melhorada administração da Justiça, com vistas à consolidação de um “Judiciáriomais rápido e Republicano”.4

Sem embargo das importantes inovações referidas, trazidas pela Re-forma do Poder Judiciário em 2004 e da própria Constituição da República

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4 A propósito, em dezembro de 2004, os presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do SenadoFederal e do Supremo Tribunal Federal, firmaram o chamado “Pacto de Estado em favor de umJudiciário mais rápido e Republicano”.

109Considerações em Torno de Algumas Questões Polêmicasno Âmbito dos Juizados Especiais

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em 1988, no início da década de oitenta do século passado, a sociedade bra-sileira conheceu a faceta mais democrática do Judiciário, através da implan-tação concreta dos juizados de pequenas causas.

É oportuno ressaltar que a institucionalização dos juizados de peque-nas causas se deve, sobretudo, pela experiência anterior dos “Conselhos deConciliação e Arbitragem” no Rio Grande do Sul, a partir de 1982. A idea-lização e concretização deste ambicioso projeto de “justiça coexistencial” foicapitaneada pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, quecontou com a colaboração de inúmeros atores sociais, como magistrados,advogados e auxiliares da Justiça.5

Esses “Conselhos” não integravam a estrutura orgânica do PoderJudiciário, tampouco havia qualquer regra formal que regulamentasse suasatividades.6 Daí a natureza destes “juízos informais” de “meios alternativosde solução de controvérsia”.

De modo geral, o projeto dos juízos informais no Rio Grande do Sul e,posteriormente, em outros estados foi exitoso. A experiência serviu paraque o Ministério da Desburocratização canalizasse esforços na busca danormatização dos juizados de pequenas causas, o que se deu através da Leinº 7.244/1984.

Os juizados de pequenas causas, inspirados, em alguma medida, naSmall Claims Court do direito norte-americano, buscavam, ao menos num

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5 “Os conselhos de Conciliação e Arbitramento, que foram chamados popularmente de Juizado de Peque-nas Causas, surgiram em Rio Grande, em 23 de julho de 1982, sob a responsabilidade do Juiz AntônioTanger Jardim, na época titular de uma das Varas Cíveis daquela localidade, e com o apoio da Associa-ção dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris. Tendo sido a experiência bem-sucedida também emoutros Estados da Federação” (PINTO, Oriana Piske de Azevedo Magalhães. Abordagem histórica ejurídica dos juizados de pequenas causas aos autuais juizados especiais cíveis e criminais brasileiros.Disponível em: <www.tjdft.jus.br/trib/bibli/docBibli/ideias/AborHistRicaJurDica.pdf>. Acesso em 06de março de 2009, p. 8).

6 Ada Pellegrini Grinover traça um panorama do “movimento”: “Os Conselhos ou Juizados deConciliação são órgãos não jurisdicionais, compostos por conciliadores honorários, recrutados entreadvogados, membros do Ministério Público, advogados do Estado e juízes aposentados, todos voluntá-rios, mas também estimulados pelo fato de seu serviço ser considerado de relevância social, o que noBrasil pode acarretar vantagens funcionais. As instalações utilizadas são as dos tribunais, inclusive dosforos descentralizados, localizados nos bairros da grandes cidades, em horário noturno (após as 18horas), para as sessões de conciliação. Mas se estende pelo dia todo o trabalho de orientação jurídica aosinteressados que, conforme o caso, são encaminhados aos órgãos competentes, inclusive da assistênciajudiciária, para a solução de questões não afetas à justiça conciliativa. A estrutura administrativa dosJuizados é fornecida pelo Poder Judiciário” (GRINOVER, op. cit., p. 209).

110 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

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primeiro momento, absorver a chamada “litigiosidade contida”, isto é,demandas que o jurisdicionado não levaria, por fatores vários, ao conheci-mento do Estado-juiz.7

A ampla receptividade dos juizados de pequenas causas perante asociedade brasileira foi razão bastante para que a Constituição da RepúblicaFederativa de 1988 aperfeiçoasse o modelo até então vigente.8 A nova Cartaconcedeu novos contornos ao instituto, traçando linhas mestras que deve-riam ser seguidas pelo legislador infraconstitucional quando da criação dosjuizados especiais cíveis.

Em cotejo com o então sistema dos juizados de pequenas causas, aConstituição brasileira, nos termos do seu art. 98, I, foi inovadora sob váriosaspectos:9

a) tornou obrigatória a instituição dos juizados especiais pelosentes federativos, já que no sistema da Lei nº 7.244/1984existia mera faculdade;

b) ampliou o instituto para a arena penal, ao passo que a apli-cabilidade da Lei de 1984 se cingia apenas ao âmbito cível;

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7 Conforme escreve João Geraldo Piquet Carneiro, que dirigiu a comissão que elaborou o anteprojeto quedeu origem à Lei nº 7.244/1984, “(...) a preocupação central que orientou a criação de Juizados dePequenas Causas foi ampliar o acesso à Justiça mediante a criação de um sistema judicial completo, omais auto-suficiente possível que não se confundisse, nem em termos processuais nem do ponto de vistada organização e do equipamento humano, com os demais procedimentos e órgãos da Justiça comum”.Adiante salienta o autor: “não se cogitou, à época, de combater a morosidade e o congestionamento doJudiciário – problemas que ainda não tinham assumido a dimensão dramática atual. Ao contrário, oquadro que se desenhava à época era o de ‘litigiosidade contida’, como nos lembrava Kazuo Watanabenas reuniões da comissão que elaborou o anteprojeto de lei dos Juizados de Pequenas Causas. Bem dife-rente do quadro de litigiosidade explosiva que se vive hoje” (CARNEIRO, João Geraldo Piquet.Estratégia de aperfeiçoamento e consolidação dos Juizados Especiais Cíveis. Revista do Advogado, SãoPaulo, v. 24 , nº 75, p. 34-37, abr. 2004, p. 34).

8 João Marques Brandão Neto salienta que “(...) os Juizados Especiais sempre existiram na seqüência his-tórica que vem dos visigodos até nossos dias. Mesmo sendo extintos em alguns momentos, voltaram,ora apenas no direito, ora no direito e nos fatos. A partir de 1988 passaram a ser efetivamente implan-tados na prática e a demanda se fez sentir” (BRANDÃO NETO, João Marques. Juizados Especiais: afênix da justiça ibero-brasileira. Boletim científico da Escola Superior do Ministério Público da União,Brasília, v. 4, nº 16, p. 263-277, jul./set., 2005, p. 277). O articulista sustenta, ainda, que a partir do seuressurgimento na Constituição de 1934, os juizados de pequenas causas sempre tiveram presença mar-cante nos textos das Constituições subseqüentes, tendo superado, inclusive, dois regimes ditatoriais, ode 1937 e o de 1964 (Ibidem, loc. cit.).

9 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. A experiência brasileira dos juizados de pequenas causas. Revista deProcesso, São Paulo, nº 101, p. 175-189, jan./mar., 2001

111Considerações em Torno de Algumas Questões Polêmicasno Âmbito dos Juizados Especiais

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c) contemplou mais um “auxiliar da justiça” no âmbito dos jui-zados, qual seja, o juiz leigo;

d) proporcionou a atividade executiva pelo próprio juizado,vedação expressamente prevista no antigo sistema em suaforma originária, de modo que, à época, necessário se fazia aexecução na “justiça tradicional”;10

e) ampliou o espectro de atuação do juizado para as causascíveis de menor complexidade, enquanto a Lei dos Juizadosde Pequenas Causas apenas previa a competência para cau-sas cíveis de pequeno valor.

Com vistas a atender ao comando constitucional do inciso I do art. 98veio a lume a previsão da Lei nº 9.099/1995, implementando os juizadosespeciais e, por força de sua redação, revogando a Lei nº 7.244/1984, a qualperdurou por mais de um decênio.

Em âmbito cível, a Lei nº 9099/1995 seguiu, em linhas gerais, o traça-do da Lei nº 7.244/1984, com algumas pontuais alterações, dentre as quaisindica-se: a) o valor foi ampliado, passando a ser de quarenta vezes o salá-rio mínimo como limite de sua competência, já que na Lei de 1984 o valorde alçada estava adstrito ao montante de vinte salários; b) houve a consa-gração da competência de causas cíveis de menor complexidade em atençãoà determinação do texto constitucional, como, por exemplo, as que seguemo rito sumário e as ações de despejo para uso próprio; e c) a concretizaçãodo sincretismo processual, mitigando o binômio conhecimento-execuçãonum sistema uno.

Dada a inexistência de previsão expressa no texto constitucional sobrea incidência dos juizados especiais em âmbito federal, através de alteraçãorealizada pela Emenda Constitucional nº 22/1999, a Constituição da

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10 O artigo 40 da Lei dos Juizados de Pequenas Causas, originariamente, possuía a seguinte redação: “Aexecução da sentença será processada no juízo ordinário competente”. Posteriormente, a Lei nº8.640/1993, deu nova redação ao referido dispositivo, alterando o regime de execução, passando a dis-por que “a execução da sentença será processada no juízo competente para o processo do conhecimen-to, aplicando-se as normas do Código de Processo Civil”. Não obstante, ao mandar aplicar o regime doCPC, concretizava o modelo dual de processo – conhecimento versus executivo –, reconhecidamenteburocrático e demorado.

112 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

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República determinou a instituição de juizados especiais perante a JustiçaFederal, previsão regulamentada com a edição da Lei nº 10.259/2001.

Do histórico normativo com início na Lei de Pequenas Causas, passan-do pela Constituição da República e, por fim, culminando com as Leis dosJuizados Especiais em âmbito Estadual e Federal, bem como através daexperiência concreta dos “Conselhos de Conciliação e Arbitragem”, perce-be-se que, por esta trajetória, não houve apenas a consolidação de um novoprocedimento (deformalizado), como sucedâneo às vias tradicionais, mastambém o surgimento de uma peculiar estrutura jurídica, instituída com oclaro objetivo de democratizar o acesso à Justiça de uma clientela normal-mente alheia ao sistema jurídico tradicional.

3. O problema da efetividade dos juizados especiais

A glória de um passado recente vem sendo enodoada pelo desprestígiode um presente problemático. Os juizados, primeiro os de pequenas causasem 1984 e depois os especiais cíveis a partir de 1995, como visto, têm comoprincipal bandeira a democratização do acesso à Justiça, consolidando umaordem jurídica justa, mas tal premissa tem sido prejudicada por entraves queos juizados especiais cíveis estaduais e federais enfrentam nos dias de hoje.

Como é cediço, com o advento do regime democrático, teve curso tam-bém a democratização do Judiciário. Tal fenômeno gerou profundas altera-ções no quadro até então encontrado no Poder Judiciário, de modo quehouve uma mutação de uma “litigiosidade contida” para uma verdadeira“explosão de litigiosidade”.

Nesse panorama, as pretensões de uma clientela bastante difusa foramarrastados para o Poder Judiciário, o qual, em alguma medida, tornou-se umgrande receptor de queixas sociais, na medida em que causas relevantes ounão, simples ou complexas, ínfimas ou vultosas, passaram a desembocar etramitar no Judiciário, a espera de uma resposta.

Tal perspectiva vem afetando diretamente os juizados especiais. Comefeito, por ser uma justiça inequivocamente diferenciada, com caracterespróprios, é receptora de uma clientela própria, que judicializa questões sin-gelas e de menor valor econômico.

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113Considerações em Torno de Algumas Questões Polêmicasno Âmbito dos Juizados Especiais

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Todavia, essas questões atraídas aos juizados estão alcançando patama-res surpreendentes segundo dados estatísticos,11 que põem em xeque a higi-dez do sistema, sobretudo o fator celeridade. Percebe-se, em linhas gerais,que há um número excessivo de causas tramitando, agravado com o núme-ro crescente de novas demandas, gerando um aumento na taxa de conges-tionamento.

Embora não haja uma única forma de olhar o tema, é possível inferir,sem qualquer pretensão de exaustividade, alguns fatores, jurídicos ou não,que acarretam um aumento de demandas nos juizados especiais:

a) histórico, pela própria democratização do país, sendo certoque a cultura da repressão cede diante da filosofia do acesso;

b) social, a população passa a ter mais informações sobre os seusdireitos, sobretudo os relacionados às relações consumeris-tas, que são campo fértil de competência dos juizados;

c) a gratuidade da Justiça por força da lei em primeiro grau dejurisdição, uma vez que os custos do processo fora do juiza-do – além da imperiosidade necessidade de contratação deum advogado – são altíssimos;

d) ausência de uma tradição na busca dos meios não judiciais desolução de conflitos;

e) deficiência no sistema de tutela coletiva, especialmente emrelação aos direitos individuais homogêneos, os quais aca-bam desaguando, de modo atomizado, nos juizados.

Em relação ao último aspecto, o processo coletivo pode exercer umaforte influência como instrumento de racionalização da administração daJustiça, porquanto, por intermédio de uma única ação coletiva, ao invés de

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11 Cf. o relatório elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça,intitulado Justiça em números 2007: breve análise do poder judiciário, especialmente as páginas 98 e104, que contemplam, respectivamente, os dados dos juizados federais e estaduais de 2004 a 2007.Disponível em <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_volu-me_2.pdf>. Acesso em 15/03/2009.

114 Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho

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inúmeras ações individuais, poder-se-ia otimizar o serviço judicial, redu-zindo-se custos, tempo, recursos humanos etc.

4. A questão do valor da causa nos juizados especiais

Sabe-se que o principal critério de fixação de competência nos juiza-dos é o valor da causa, conquanto seja possível se inferir a existência deoutros critérios, como, por exemplo, o material e o pessoal. Malgrado este-jam ancorados na mesma “filosofia” e vinculados aos mesmos princípiosinformativos, o legislador ordinário entendeu por bem conferir tratamentodiferenciado aos juizados especiais cíveis estaduais e federais em relação aocritério de determinação de competência ratione valoris.

Isso porque, como se sabe, nos juizados especiais cíveis estaduais suacompetência está adstrita, em regra, ao montante de quarenta salários míni-mos, ao passo que nos juizados especiais cíveis federais a limitação é de ses-senta salários mínimos.

Não obstante, em âmbito estadual, é possível em alguns casos admitira propositura de ações no juizado especial em valor acima de 40 saláriosmínimos, como se tem, por exemplo, na hipótese do inciso II do art. 3º daLei nº 9.099/1995.

Com efeito, o dispositivo mencionado faz referência aos casos estabele-cidos no procedimento sumário em razão da matéria. Como se sabe, o ritosumário será empregado em razão do valor da causa, nas hipóteses cujo valornão exceda 60 salários mínimos, bem como nas causas temáticas estabeleci-das nos incisos II do art. 275 do CPC, independentemente de seu valor.

Considerando que o inciso II do art. 3º da Lei nº 9.099/1995 mandaaplicar, sem qualquer ressalva, as hipóteses do inciso II do art. 275 do CPC,a conclusão a que se chega é que, nesses casos, será admissível a propositu-ra de demanda acima de 40 salários mínimos, na medida em que os casos dosumário em razão da matéria não estão adstritos a qualquer valor.12

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12 Nesse sentido é o enunciado nº 58 do FONAJE: “As causas cíveis enumeradas no art. 275, II, do CPC admi-tem condenação superior a 40 salários mínimos e sua respectiva execução, no próprio juizado. Não obstan-te, no Estado do Rio de Janeiro prevalece o entendimento de que “todas as causas da competência dosJuizados Especiais Cíveis estão limitadas a 40 salários mínimos” (Enunciado nº 2.3.1 dos Enunciados JurídicosCíveis dos Encontros de Juízes dos Juizados Especiais e das Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro).

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Ora, não se pode pretender combinar o inciso II do art. 3º da Lei dosJuizados Especiais Estaduais com o inciso I do mesmo dispositivo, o qualrealiza uma limitação da alçada, posto que são hipóteses separadas. O inci-so I, não sendo norma geral, é apenas um dos casos de competência dos jui-zados, assim como o é o inciso II.

Ademais, se a intenção do legislador fosse, de fato, realizar uma limi-tação no valor de alçada, teria feito uma ressalva expressa, como fez clara-mente em relação às ações possessórias, as quais estão vinculadas ao valorde 40 salários mínimos, ante a previsão do inciso IV do art. 3º da Lei nº9.099/1995. A mesma limitação ocorre na execução dos títulos executivosextrajudiciais, valor que fica limitado a 40 salários mínimos, nos termos dainequívoca previsão legislativa disposta no inciso II, do § 1º, do art. 3º, dareferida lei.

Aplica-se aqui comezinha regra de hermenêutica jurídica, no sentidode que onde a lei não distinguiu não cabe ao interprete fazê-lo. Ou seja, sea lei não faz qualquer ressalva em relação às hipóteses do inciso II do art. 3ºda Lei nº 9.099/1995 para efeito de limitação do valor da causa, não caberiaao intérprete realizar tal contenção.

Relembre-se que os juizados especiais cíveis contemplam competênciapara apreciar as pequenas causas – causas cíveis de baixo valor –, bem comopara as causas cíveis de menor complexidade, isto é, causas singelas, qual-quer que seja o valor.

Portanto, é possível que exista uma causa cível de menor complexida-de que não seja de baixo valor, como nas hipóteses em que é lícito optar pelorito estabelecido nos juizados especiais estaduais para os casos do sumário,caso em que o valor poderá exceder o montante de 40 salários mínimos.

Além da hipótese acima referida, é admissível que, mesmo no caso doinciso I do art. 3º da Lei nº 9.099/1995, o valor a ser levado ao processo sejasuperior a 40 salários mínimos. Isso ocorre na hipótese de conciliação, casoem que não fica a sua homologação adstrita à alçada de 40 salários, confor-me autoriza a parte final do § 3º do art. 3º da referida lei.

Desse modo, além das matérias estabelecidas no rito sumário – que nãoficam vinculadas a qualquer valor – admite-se, nos casos de conciliação, a

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superação do valor de alçada estabelecido em 40 salários mínimos para efei-to de competência dos juizados especiais cíveis estaduais.

Por outro lado, nos juizados especiais cíveis federais, irrefutavelmen-te, todas as causas estão adstritas ao limite de 60 salários mínimos, por forçado art. 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001. Não é possível, assim, no âmbitofederal, diferentemente do que ocorre nos juizados estaduais, que o valor dealçada seja ultrapassado, sequer para efeito de conciliação, porquanto oparágrafo único do art. 10 da Lei nº 10.259/2001 estabelece que a concilia-ção deve atender à competência dos juizados especiais federais, estabeleci-da, nesse particular, em até 60 salários mínimos.

5. A renúncia ao crédito excedente nos juizados especiais

Tema umbilicalmente relacionado com a questão do valor de alçadados juizados especiais cíveis estaduais e federais e que tem suscitado inúme-ras controvérsias é o debate no tocante à renúncia do crédito excedente.

O pano de fundo do dissenso é o conteúdo do § 3º do art. 3º da Lei nº9.099/1995, que estabelece que “a opção pelo procedimento previsto nestaLei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecidoneste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”. Aliás, complementandoo referido dispositivo, o art. 39 dispõe que “é ineficaz a sentença condena-tória na parte que exceder a alçada estabelecida nesta Lei”.

O debate é mais acirrado nos juizados especiais federais, na medida emque inexiste norma expressa na Lei nº 10.259/2001 cuidando do tema darenúncia ex lege.

A primeira questão – inexistência de previsão normativa na Lei nº10.259/2001 – é facilmente superada. Com efeito, a omissão pode ser col-matada pela aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/1995, já que não há, nogeral, qualquer incompatibilidade na aplicação do § 3º do art. 3º da Lei dosJuizados Especiais Estaduais em âmbito federal, exceto em relação à partefinal da referida norma que cuida da possibilidade de conciliação acima doteto estabelecido no juizado especial federal.

O segundo problema – admissibilidade ou não de renúncia ex lege – émais espinhoso. A esse respeito, existe até enunciado editado pelo FONA-

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JEF, o de nº 16, no qual se encontra construído posicionamento de que “nãohá renúncia tácita nos Juizados Especiais Federais para fins de fixação decompetência”.

Não obstante, tal orientação não merece prosperar. Com efeito, atravésda análise da Lei nº 10.259/2001 resta claro que a renúncia ocorre pela sim-ples apresentação da demanda em juízo, na medida em que a competênciados juizados especiais federais está limitada ao valor de 60 salários mínimos.Portanto, é despiciendo que o autor se manifeste expressamente sobre arenúncia, eis que é corolário de sua atuação em juízo o conhecimento da leie a ciência de que, em nenhuma hipótese, será possível postular em mon-tante superior ao estabelecido nos juizados especiais federais.

A precaução que se deve adotar em relação à população é no sentidode que se conceda a devida informação ao jurisdicionado acerca do conteú-do da legislação nacional no tocante à referida renúncia, em conformidadecom a norma veiculada na própria lei, atentando para os efeitos produzidospelo artigo 3º, § 3º, da Lei nº 9.099/95, quanto à renúncia a montante quevenha a exceder o valor de alçada dos Juizados Especiais Cíveis.

Considerando o próprio princípio da demanda, a parte autora poderáse utilizar dos Juizados Especiais Cíveis, seja na esfera federal ou não,mesmo que tenha valores a receber maiores que a limitação legalmenteimposta – quando a competência é ratione valoris – abrindo mão, paratanto, dos respectivos excedentes.

Assim, como se pode vislumbrar, o legislador não determinou que omagistrado colhesse qualquer espécie de renúncia específica da parte autora,que configura conseqüência automaticamente produzida em razão da opçãomanifestada pelo jurisdicionado em se submeter ao procedimento utilizadopelos Juizados Especiais, constituindo, portanto, uma renúncia ex lege.13

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13 Impende ainda ressaltar que em recentíssimo julgado proferido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal,outro não foi o entendimento adotado pela Sexta Turma Especializada que, por unanimidade, firmou acomentada posição, na lide então composta, a teor da ementa reproduzida nas linhas a seguir: “PRO-CESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. - A Lei nº 9.099/95,aplicável aos Juizados Federais por força do art. 1º da Lei nº 10.259/2001, em seu art. 3º, § 3º, determi-na que o excesso que se verifique quanto ao valor da causa, que inicialmente importaria na incompe-tência dos Juizados Especiais para seu processo e julgamento, acarretará a automática renúncia ao cré-dito excedente. – Tendo a demandante optado por pleitear seu direito perante o Juizado Especial Fede-ral, carece de interesse de agir para ajuizar ação pleiteando diferença entre o que foi estabelecido na sen-

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Ora, sendo o jurisdicionado titular de um direito cujo valor ultrapasse aquantia de 60 (sessenta) salários mínimos, oportuniza-se o manejo de umprocedimento abreviado, com algumas vantagens processuais, como a ine-xistência de reexame necessário, de prazos diferenciados, de precatório etc.Porém, para alcançar as referidas vantagens processuais, haverá uma impli-cação legal, qual seja, a renúncia ao crédito excedente. Por outro lado, parao mesmo fato, oportuniza-se ao litigante a possibilidade de buscar na íntegrao valor a que tem direito, sem, contudo, auferir as vantagens processuaisproporcionadas pela opção do rito dos juizados especiais federais. A escolhacabe ao demandante, de modo que, contabilizando os prós e os contras deum ou outro sistema, a seleção pelo juizado especial federal acarretará con-seqüência jurídica relevante, materializada, como visto, na renúncia ao cré-dito excedente, independentemente de qualquer consulta prévia se deseja ounão abrir mão do referido valor, eis que corolário da opção.

Saliente-se que a renúncia atinge o próprio direito substancial do deman-dante, de modo que não lhe é lícito, em momento posterior, pretender buscara parte residual, sob pena de inocuidade do § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/1995.

Conclui-se, destarte, que, não havendo disposição legal na Lei nº10.259/2001 contrária à aplicação do artigo 3º, § 3º, da Lei nº 9.099/95, estalegislação não deve ser afastada. Nesse sentido, ao aplicar-se a Lei nº9.099/95, outra não deve ser a interpretação senão a de que a renúncia cons-titui efeito legal da opção do jurisdicionado em ajuizar determinada deman-da nos Juizados Especiais, ensejando renúncia automática de eventual valorque exceda à alçada dos mencionados órgãos jurisdicionais.

6. Os conflitos de competência entre juizado especial e juízocomum

Em termos de conflito de competência com o envolvimento de JuizadoEspecial Cível, diversas situações podem ocorrer: a) conflito entre um juiz

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tença e o que lhe seria efetivamente devido, pois a opção pelo ajuizamento da demanda perante o Juiza-do Especial implica em renúncia ao crédito excedente (TRF/2ª Região, Apelação Cível nº2005.51.01.015351-9, Sexta Turma Especializada, Rel. Des. Fed. FERNANDO MARQUES, julg:20/09/2006, DJU 06/10/2006, páginas 355/359).

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de Juizado Especial (Estadual ou Federal) e um magistrado de outro ramoda Justiça (Juiz do Trabalho, Eleitoral, Militar, Federal ou Estadual, nestasduas últimas hipóteses desde que o outro seja do outro ramo, ou seja,Estadual com Federal); b) conflito entre um juiz de Vara Estadual ouFederal comum de competência ampla ou especializada e um juiz deJuizado Especial Estadual ou Federal, sendo ambos da Justiça Estadual ouFederal, mas de estados ou regiões diversos; c) conflito entre juízes deJuizados Especiais de estados ou regiões diversos; d) conflito entre um juizcomum de competência ampla ou especializada e um juiz de JuizadoEspecial, sendo ambos do mesmo estado ou região; e) conflito entre juízesde Juizados Especiais do mesmo estado ou região, mas ligados a Turmasdiversas; f) conflito entre juízes de Juizados Especiais do mesmo estado ouregião e vinculados à(s) mesma(s) Turma; g) conflito entre uma TurmaRecursal e um juiz que não lhe seja vinculado; h) conflito entre TurmaRecursais; i) conflito entre Turma Recursal Estadual ou Federal e, respecti-vamente, um TJ ou TRF; j) conflito entre uma Turma Recursal ou JuizadoEspecial de 1º grau e um Tribunal Superior diverso do STJ.

Nas três primeiras hipóteses (a, b e c), ocorrerá um conflito de compe-tência envolvendo órgãos judiciais que não se encontram vinculados aomesmo Tribunal, seja porque se situam em ramos diversos (situação a), ouporque pertencem a estados ou regiões diferentes (casos b e c). Portanto,pode-se afirmar que os conflitos deverão ser julgados pelo SuperiorTribunal de Justiça,14 com fulcro no art. 105, I, d, da Constituição daRepública. Na conjuntura j (conflito entre uma Turma Recursal ou JuizadoEspecial de 1º grau e um Tribunal Superior diverso do STJ), por envolverTribunal Superior,15 o conflito será resolvido pelo Supremo TribunalFederal, com supedâneo no art. 102, I, o, da Magna Carta.

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14 Como decidido pelo Supremo Tribunal Federal: “Conflito de competência – Justiça Federal Militar deprimeira instância e Justiça Federal de primeira instância – Afastamento. Na dicção da ilustrada maio-ria, entendimento em relação ao qual divergi, na companhia do Ministro Ilmar Galvão, estando ausen-te, na ocasião, justificadamente, o Ministro Celso de Mello, compete ao Superior Tribunal de Justiça, enão ao Supremo Tribunal Federal, dirimir o conflito, enquanto não envolvido o Superior TribunalMilitar” (CC 7.087, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 31/08/01).

15 Nesse sentido, o entendimento reiterado do Supremo Tribunal Federal: “Conflito de competência –Tribunal Superior do Trabalho e juiz federal de primeira instância – Competência originária do STFpara dirimir o conflito – Reclamação de servidor público federal deduzida contra a União – Litígio tra-

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Na ocorrência d (conflito entre um juiz comum de competência amplaou especializada e um juiz de Juizado Especial, sendo ambos do mesmoramo e do mesmo estado ou região), os juízes, na linha recursal, não estãovinculados ao mesmo órgão judicial, na medida que os Juízes Estaduais eFederais estão submetidos – exceto quando se trata de recurso ordinárioconstitucional e de embargos infringentes do art. 34 da Lei nº 6.830/80 - aorespectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, enquanto osJuizados Especiais Estaduais ou Federais à Turma Recursal local. Mas, emsentido amplo, os órgãos judiciais e os respectivos Juízes, do mesmo estadoou região, encontram-se vinculados a um determinado Tribunal de Justiçaou Tribunal Regional Federal, razão pela qual vinha se entendendo que osconflitos envolvendo juízes estaduais ou federais do mesmo estado ou re-gião, ainda que, em um dos pólos, situados em Juizados Especiais Federais,devem ser apreciados pelo correspondente TJ ou TRF, este último comsupedâneo no art. 108, I, e, da Carta Constitucional. O Superior Tribunalde Justiça editou,16 contudo, o enunciado nº 348 da sua súmula: “Competeao Superior Tribunal de Justiça decidir os conflitos de competência entrejuizado especial federal e juízo federal, ainda que da mesma seção judiciá-

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balhista – Existência de contrato de trabalho celebrado em período anterior ao da vigência do regimejurídico único – reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho” (CC 7.027, Rel. Min. Celso deMello, DJ 01/09/95); “Conflito de Competência. Execução trabalhista e superveniente declaração defalência da empresa executada. Competência deste Supremo Tribunal para julgar o conflito, à luz dainterpretação firmada do disposto no art. 102, I, o, da CF. Com a manifestação expressa do TST pelacompetência do Juízo suscitado, restou caracterizada a existência de conflito entre uma Corte Superiore um Juízo de primeira instância, àquela não vinculado, sendo deste Supremo Tribunal a competênciapara julgá-lo” (CC 7.116, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 23/08/02); e “Conflito negativo de competênciaentre Juiz Federal e o Tribunal Superior do Trabalho. Reclamação trabalhista. Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística - IBGE. Alegado vínculo sob o molde de contrato de trabalho. Entendimentodesta Corte, no sentido de que, em tese, se o empregado público ingressa com ação trabalhista, alegan-do estar vinculado ao regime da CLT, compete à Justiça do Trabalho a decisão da causa (CC 7.053, Rel.Min. Celso de Mello, DJ de 07/06/02; CC 7.118, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 04/10/02). Conflitode competência julgado procedente, ordenando-se a remessa dos autos ao TST” (CC 7.134, Rel. Min.Gilmar Mendes, DJ 15/08/03).

16 O próprio STJ já havia decidido em outra direção: “PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVODE COMPETÊNCIA. CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA EM GERAL. JUIZ DE DIREITO E JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. JUÍZES SUBORDINA-DOS AO TRIBUNAL ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE. Incompetência do SuperiorTribunal de Justiça para processar e julgar conflito negativo de competência entre Juízo de Direito eJuizado Especial Cível e Criminal (CF, artigo 105, inciso I, alínea “d”). Competência do e. Tribunal deJustiça do Estado do Amazonas. Conflito não conhecido (CC 30137/AM, Rel. Ministro FELIX FIS-CHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2001, DJ 18/02/2002, p. 231).

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ria”. A situação guarda paralelo com o conflito envolvendo um JuizadoEspecial e um Juiz de Direito, ambos pertencentes aos quadros da justiça dedeterminado Estado, tendo o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federaldecidido, na espécie, pela competência do respectivo Tribunal de Justiça,repelindo, na oportunidade a competência tanto do próprio SupremoTribunal Federal como do Superior Tribunal de Justiça para a resolução detais conflitos.17 É de se salientar que as hipóteses de competência do Su-perior Tribunal de Justiça encontram previsão na Carta Magna, sendo, por-tanto, sob o aspecto formal, ou seja, de quem possui competência para deci-dir a respeito (ou de quem possui competência para decidir sobre o órgãocompetente para apreciar os conflitos de competência em questão), matériaafeta ao conhecimento e decisão do Supremo Tribunal Federal. O argu-mento auctoritatem indica de modo irrefutável que a posição da CorteConstitucional deve prevalecer. Entretanto, sob o prisma da discussão jurí-dica, os argumentos expostos tanto pelo Superior Tribunal de Justiça(ausência de subordinação jurisdicional) quanto pelo Supremo TribunalFederal (considerando a ausência de previsão constitucional para a hipóte-se) são plausíveis. Mas, sob o ponto de vista prático, a fixação da competên-cia local, de respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal,18

parece ser mais lógica e razoável sob alguns aspectos:

a) a concentração no STJ de conflitos de competência envol-vendo juizados especiais de todos os estados representariaum acúmulo desnecessário de serviço para uma corte que

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17 “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO PELO JUÍZO DE DIREITO E PELO JUI-ZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL DE TRINDADE (GO), EM FACE DA INTERPRETAÇÃO DOPARÁGRAFO ÚNICO O ARTIGO 66 DA LEI Nº 9.099/95. 1. Incompetência do Supremo TribunalFederal e do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar conflito negativo de competência entreJuízo de Direito e Juizado Especial Cível e Criminal (CF, artigos 102, I, o, e 105, I, d). 2. O artigo 125,§ 1º, da Constituição Federal dispõe que “a competência dos tribunais estaduais será definida naConstituição do Estado.” Por sua vez, o artigo 46, VIII, m, da Constituição goiana estabelece que com-pete privativamente ao Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, os conflitos de compe-tência entre juízes”. 3. Competência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. 4. Conflito negativo decompetência não conhecido”, CC 7.096/GO, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 01.06.00, RTJ 175/548.

18 Athos Gusmão Carneiro também entende que o referido conflito de competência deva ser apreciadopelo Tribunal Regional Federal (CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 14ª ed. SãoPaulo: Saraiva, 2005, p. 271).

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possui como finalidade precípua a uniformização do direitoinfraconstitucional;

b) com a centralização no STJ, pode-se prever uma demorairrazoável para a solução dos respectivos conflitos e o pros-seguimento dos julgamentos; por certo, se forem decididosde modo desconcentrado, nos Tribunais de Justiça ouTribunais Regionais Federais, haverá maior celeridade emenor tempo de interrupção na marcha dos processos;

c) os conflitos seriam decididos pelo STJ com maior distancia-mento da realidade do lugar, quando boa parte dos conflitosde competência envolve problemas relacionados com a pró-pria organização judiciária local ou regional, com peculiari-dades que não fazem parte do objeto central da corte nacio-nal e que podem ser do pleno conhecimento dos tribunaislocais e regionais.

No evento e (conflito entre juízes de Juizados Especiais da mesmaregião, mas submetidos a Turmas diversas), aplica-se o mesmo raciocínioesposado no parágrafo anterior, com a competência para estabelecida pelasnormas de organização estadual ou para o Tribunal Regional Federal, esteúltimo nos termos do art. 108, I, e, da Constituição,19 não sendo o caso de sesubmeter o conflito à Turma Nacional de Uniformização, diante da sua com-petência limitada nos termos do art. 14 da Lei nº 10.259/01, não lhe caben-do, segundo o seu texto, sequer a resolução de divergências processuais.

Na situação f (conflito entre juízes de Juizados Especiais da mesmaregião e ligados a uma mesma Turma), não há razão para se deixar de inter-pretar sistemática e teleologicamente o quadro. A competência deve ser daprópria Turma Recursal a qual estão ligados os Juizados Especiais em con-flito. Se houver a vinculação a mais de uma Turma, o problema se resolve-rá com a distribuição.

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19 Como decidido pelo STJ: “Nos casos de conflito de competência entre juízes federais vinculados aomesmo Tribunal Regional Federal, cabe a este processual e julgar o feito, como determina o art. 108, I,“e”, da Constituição Federal de 1988”, 1ª Seção, rel. Min. Eliana Calmon, j. 23.11.05, DJ 12.12.05, p. 253.

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Na hipótese g (conflito entre uma Turma Recursal e um juiz que nãolhe seja vinculado), poder-se-ia, se ambos estivessem situados no mesmoestado ou região, considerar sedutora a aplicação do mesmo raciocínioesposado no caso e, para defender a competência do respectivo TJ ou TRF.Mas, esse não tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal, combase exatamente em entendimento que procura acentuar, na espécie, apeculiaridade de que se está diante de um órgão revisor – a Turma Recursal,que seria, a rigor, também um órgão de segunda instância, não podendosubmetê-lo ao crivo de outro juízo revisor. O pensamento advém de situa-ção análoga a que se encontravam os Tribunais de Alçada, sendo, no passa-do, marcante a divergência sobre a questão entre o Supremo TribunalFederal20 e o Superior Tribunal de Justiça.21 Em relação aos conflitos entreTurmas Recursais dos Juizados Especiais, federais ou estaduais, com os res-pectivos juízes de órgãos comuns da Justiça Federal ou Estadual, o SuperiorTribunal de Justiça22 vem conhecendo reiteradamente os incidentes, assu-mindo, assim, a sua competência, em conformidade com o entendimentodo Supremo Tribunal Federal. Pelos mesmos motivos, será o Superior

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20 Nesse sentido, tem decidido reiteradamente o STF: “DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCES-SUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPET NCIA, ENTRE A TURMA RECURSAL DO JUI-ZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE E O TRIBUNAL DE ALÇADADO ESTADO DE MINAS GERAIS. COMPET NCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARADIRIMI-LO (ART. 105, I, “d”, DA C.F.). E NÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ART. 102, I,“o”). 1. As decisões de Turma Recursal de Juizado Especial, composta por Juízes de 1 Grau, não estãosujeitas à jurisdição de Tribunais estaduais (de Alçada ou de Justiça). 2. Também as dos Tribunais deAlçada não se submetem à dos Tribunais de Justiça. 3. Sendo assim, havendo Conflito de Competência,entre Turma Recursal de Juizado Especial e Tribunal de Alçada, deve ele ser dirimido pelo SuperiorTribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, “d”, da C.F., segundo o qual a incumbência lhe cabe, quan-do envolva “tribunal e juízes a ele não vinculados”. 4. Conflito não conhecido, com remessa dos autos aoSuperior Tribunal de Justiça, para julgá-lo, como lhe parecer de direito. 5. Plenário. Decisão unânime”(CC 7.081/MG, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 27.9.02, p. 81). Vide também CC 7.106/MG, rel. Min. IlmarGalvão, DJ 08.11.02, p. 22 e CC 7.090/PR, rel. Min. Celso de Mello, DJ 05.9.03, p. 31.

21 Enunciado nº 22 da Súmula: “Não há conflito de competência entre o Tribunal de Justiça e Tribunal deAlçada do mesmo Estado-Membro”.

22 Nessa direção: “CONFLITO DE COMPET NCIA ENTRE TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPE-CIAL E TRIBUNAL DE ALÇADA. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATOJUDICIAL DA PRESIDENTE DA TURMA RECURSAL. COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMIR OCONFLITO. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL PARA EXAMINAR O MANDAMUS IMPE-TRADO CONTRA SEU PRÓPRIO ATO JUDICIAL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNALFEDERAL. O egrégio Supremo Tribunal Federal, firmou posicionamento no sentido da competência doSTJ para o exame dos conflitos que envolvam as Turmas Recursais dos Juizados Especiais, nos termosdo art. 105, I, “d”, da Constituição Federal. (...)”, CC 41.190/MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j.26.10.05, DJ 02.03.06, p. 135.

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Tribunal de Justiça competente nas suposições h (conflito entre TurmasRecursais Federais) e i (conflito entre Turma Recursal Federal e um TRF).

7. A uniformização de interpretação de lei federal: celeridadeversus segurança jurídica

A Lei nº 10.259/2001 trouxe interessante inovação no âmbito dos juiza-dos especiais federais ao dispor sobre o pedido de uniformização de interpre-tação da lei federal (art. 14). O objetivo fulgente da previsão normativa é uni-formizar a interpretação jurídica, alcançando uma coerência interna dosentendimentos jurídicos entre os órgãos jurisdicionais que integram o micros-sistema dos Juizados Especiais Federais, da mesma região ou não, de modo aunificar, regional ou nacionalmente, a interpretação do direito federal emquestões de direito material, evitando, assim, que a sorte do litigante possa seraleatória e dependa, na espécie, do julgador a que a causa for distribuída.

O ordenamento já conhece, desde algum tempo, mecanismos de uni-formização da interpretação jurídica, como, por exemplo, o incidente deuniformização de jurisprudência previsto nos arts. 476 usque 479 do CPC;a uniformização intramuros (ou incidente de remessa de recursos) prescri-to no § 1º do art. 555 do CPC; o recurso especial fundado em dissídio juris-prudencial radicado no art. 105, III, alínea “c”, da CRFB; os embargos dedivergência (art. 546 do CPC).

A premissa básica da unificação da interpretação jurídica, centralizan-do-a em um número menor de órgãos jurisdicionais – às vezes num únicoórgão –, ao invés de se incentivar a pulverização de entendimentos, tem oclaro intento de alcançar a segurança jurídica, estabilizando as relaçõessociais; buscar o tratamento igualitário para sujeitos em situações jurídicasidênticas (rectius semelhantes), em atenção ao princípio da isonomia; e, porfim, concretizar a racionalização da atividade judicante e o estabelecimen-to de uma segurança jurídica.

Apesar de tudo isso, o sistema jurídico, ainda hoje, tolera a existênciade decisões contraditórias para casos semelhantes, porquanto arraigado natradição jurídica brasileira a cultura da independência do magistrado, con-quanto o ordenamento esteja se cerrando para a idéia de harmonização

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jurisprudencial e contemplando, em um número cada vez maior, institutose instrumentos unificadores, como a súmula vinculante (art. 103-A daCRFB) e a súmula impeditiva de recurso (art. 518, § 1º, do CPC).

Nesse particular, o art. 14 da Lei nº 10.259/2001 nada mais é do que umdesses mecanismos criados para buscar a uniformização da interpretaçãojurídica. Através da aplicação da norma cogitada, será possível postular auniformização da interpretação da lei federal, em caso de dissidência deci-sória entre as Turmas dos juizados especiais federais em questões de direitomaterial.23 O pedido de uniformização de lei federal poderá ser julgadomediante a reunião de turmas da região, por Turma Nacional deUniformização ou pelo Superior Tribunal de Justiça.

Se, por um lado, o instituto potencializa a segurança jurídica, de outro,ao que tudo indica, pode tornar o procedimento dos juizados especiais fede-rais mais demorado e complexo.

Como está posto, o “pedido de uniformização” tem natureza e finalida-de semelhantes aos embargos de divergência previstos no art. 546 do CPC,cujo objetivo é expurgar o dissídio interno no âmbito do STJ ou do STF,enquanto a hipótese do § 4º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001, como se verá,tem função análoga ao recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial(art. 105, III, “c”, da CRFB).

A natureza recursal do “pedido de uniformização” transparece, a des-peito de algumas normas tratarem o instituto como mero incidente proces-sual.24 Com efeito, seguindo a precisa lição de Barbosa Moreira25 recurso étodo “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, areforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicialque se impugna”.

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23 As questões de direito material referidas pela norma podem ser questões de mérito (objeto litigioso doprocesso), preliminares de mérito - como a prescrição -, ou prejudiciais de mérito.

24 Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados EspeciaisFederais, em vários dispositivos, intitula o “pedido de uniformização de interpretação da lei federal” deincidente (Cf. arts. 6º, caput; 7º, VI; 7º, VII, b; 7º, IX; 7º, XI; 8º, IX; 8º, X; 13; 15 etc.).

25 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense,1993, p. 207.

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O “pedido de uniformização” é um remédio jurídico voluntário, eisque se cuida de um mecanismo processual, requerido por uma das partes,tendente a corrigir um desvio jurídico, qual seja, ausência de uniformidadede interpretação jurídica. O instituto analisado não faz surgir novo proces-so, sendo certo que o seu trâmite se dá na mesma relação processual, desca-racterizando-o como um meio autônomo de impugnação. Por fim, o “pedi-do de uniformização” tem por finalidade a reforma da decisão recorrida,com a correta fixação, na espécie, da tese jurídica a ser aplicada.

Disso decorre que a Lei nº 10.259/2001 propiciou ao litigante nos jui-zados especiais federais mais um recurso no (pretendido) limitado arsenalrecursal dos juizados especiais, cujo meio central e básico deveria ser orecurso inominado.

O pedido de uniformização será interposto após o esgotamento da viarecursal ordinária, isto é, após o julgamento do recurso inominado pelaTurma Recursal. Desse modo, o pedido de uniformização cria, então, maisum grau de jurisdição.

A Lei nº 10.259/2001 não inova simplesmente porque contempla opedido de uniformização em previsão inexistente na Lei nº 9.099/95, mas,sim, porquanto, ao que parece, muda a “filosofia” e estrutura principiológi-ca dos juizados, num microssistema embasado na celeridade processual.

Com efeito, um dos corolários dos princípios informativos dos juizadosé o desestímulo à interposição de recursos, os quais podem constituir umentrave à entrega célere e efetiva da prestação jurisdicional.

Numa rápida passagem por alguns dispositivos da Lei nº 9.099/1995,sem pretender esgotar o tema, percebe-se este intento pelo legislador: a) ainterposição do recurso será, inexoravelmente, pela representação técnicado advogado (§ 2º do art. 41 da Lei nº 9.099/1995), embora seja possível queo demandante postule sem advogado, no primeiro grau de jurisdição, nascausas até 20 salários mínimos; b) em regra, o recurso terá apenas efeitodevolutivo (art. 43 da Lei nº 9.099/95), fugindo da regra geral do efeito sus-pensivo do sistema tradicional; c) inexistência de gratuidade ex vi legis nosegundo grau de jurisdição, sendo certo que a interposição do recurso sedeve fazer acompanhada do pagamento das custas não só do recurso, comotambém do primeiro grau de jurisdição (parágrafo único do art. 54 da Lei nº

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9.099/1995); d) incidência de honorários advocatícios e custas apenas emâmbito recursal, salvo, em primeiro grau, em casos de litigância de má-fé(art. 55, caput, da Lei nº 9.099/1995); e, por fim, e) não-cabimento do recur-so especial (enunciado nº 203 da súmula do STJ).

Portanto, percebe-se que o legislador da Lei nº 9.099/1995 se preocu-pou em não incentivar a interposição de recursos. Ora, a experiênciademonstra que a interposição desenfreada de recursos atrasa a prestaçãojurisdicional, denotando mácula ao princípio da celeridade.

Deve-se ressaltar que a idéia de se restringir a interposição de recursosnão é exclusiva apenas nos juizados especiais cíveis, sendo certo que, já háalgum tempo, apresenta-se como tendência do direito processual, de umamaneira geral. Na seara do processo civil, através de uma rápida análise dasrecentes alterações no CPC, percebe-se que o legislador reformista almeja:a) limitar o campo de incidência de determinados recursos (como ocorreunos embargos infringentes, que teve limitado o seu cabimento); b) tornarirrecorríveis determinados atos decisórios (recentemente tal premissaalcançou o agravo, nos termos do parágrafo único do art. 527 do CPC); c)criar requisitos que limitem o conhecimento de recursos (como no caso arepercussão geral da questão constitucional). A perspectiva limitadora sefaz presente também no processo penal, com o fim do protesto por novojúri, extinto por força da Lei nº 11.689/2001.

Não obstante, se o art. 14 da Lei nº 10.259/2001, por um lado, ao criarmais um recurso no procedimento simples e célere dos juizados, anda nacontramão do movimento de “enxugamento” das vias recursais, por outrobusca a uniformização do direito infraconstitucional, com o fortalecimentodo princípio da isonomia e da segurança jurídica, com possível reflexo futu-ro na eventual diminuição do número de processos e de recursos, diante daformação de uma verdadeira jurisprudência.

Por outro lado, o § 4º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001 traz disposiçãode duvidosa constitucionalidade. O referido dispositivo permite que o STJseja instado a se manifestar nas hipóteses em que a orientação da TurmaNacional de Uniformização contrariar enunciado de sua súmula ou mesmoa sua interpretação dominante, para que o órgão de superposição possa diri-

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mir a controvérsia. Em verdade, cuida-se de um recurso especial travestidode “pedido de uniformização”.

Como se sabe, o STJ, como órgão unificador da interpretação do direi-to federal infraconstitucional, não tem competência para apreciar recursoespecial que não seja oriundo de Tribunal (Regional Federal ou de Justiça),nos termos do art. 105, III, da CRFB. A Turma Nacional de Uniformizaçãonão tem natureza jurídica de Tribunal, sendo imprescindível a edição deemenda constitucional objetivando o acréscimo de competência do STJsobre o assunto.

O pedido de uniformização da interpretação de lei federal põe em evi-dência dois princípios fundamentais para os juizados especiais, quais sejam,o da celeridade e o da segurança jurídica. Com vistas a adequar os dois pos-tulados, quiçá, a busca de uma terceira via seria a solução, consubstanciadana criação de um requisito de admissibilidade com vistas a realizar umanatural filtragem recursal.

Com efeito, à semelhança do que ocorreu recentemente com o recur-so extraordinário em relação à repercussão geral, talvez seja interessantecogitar a criação de instituto similar, mutatis mutandis, no pedido de uni-formização de interpretação da lei federal. Com isso, o recurso somenteseria conhecido se houvesse relevância e transcendência na matéria.

Nesse domínio, se poderia até mesmo cogitar da criação do pedido deuniformização em âmbito estadual. Mas, para tanto, é imprescindível a rea-lização de estudos para a verificação da existência ou não de largo dissensojurisprudencial entre os juizados especiais estaduais, bem como analisar, apartir de dados concretos, se o pedido de uniformização em âmbito federaltem causado demora na prestação jurisdicional e de que monta. Com olevantamento de elementos concretos, poder-se-á, por certo, melhor se ana-lisar e compatibilizar os postulados da celeridade e da segurança jurídica.

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6A Demanda no Sistema dos

Juizados Especiais Cíveis: o Pedido e a Causa de Pedir

Mario Cunha Olinto Filho

SUMÁRIO: 1. Princípios e premissas para a análise do pedido (e da causa de pedir). 2. Opedido e a inicial no sistema dos juizados especiais cíveis. 2.1. Os pedidos genéricos, alter-nativos e cumulados. 2.2. Pedidos de natureza diversa. 2.3. Pedidos incompletos em relaçãode trato sucessivo. 2.4. O pedido contraposto. 3. A causa de pedir: teorias aplicáveis. 3.1. Acausa de pedir no sistema dos juizados. 3.2. A exposição “de forma sucinta”. 4. A alteraçãodo pedido e da causa de pedir. 5. Conclusões. 6. Referências bibliográficas.

1. Princípios e premissas para a análise do pedido(e da causa de pedir)

Tem-se por princípios, no dizer de MIGUEL REALE,1 os reducionis-mos de juízos a um menor que seja por si evidente. São os pressupostos lógi-cos de um sistema, “que servem de apoio lógico ao edifício científico”,sendo ponto de referência e de unidade de um sistema.

A questão que se põe de início diz respeito à importância fundamentalem se conciliar princípios aplicáveis à matéria processual dos JuizadosEspeciais Cíveis que, a princípio, podem parecer conflitantes, ante a enor-me repercussão que terão em relação aos elementos da ação. Realmente, orechaço aos princípios gerais do processo civil – que comumente se vê notratamento jurisprudencial – com a ultra valorização dos orientadores dosJuizados, sob o argumento da especialidade, pode conduzir ao tolhimentoda ampla defesa e do contraditório, afrontando-se um direito fundamental

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1 Filosofia do Direito, 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 59/60.

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(artigo 5º, LX, da CF). Por outro lado, se insistir no rigor da lei processualgenérica atingiria de imediato outros princípios tão importantes como osacima citados e que têm igual resguardo constitucional.

Acolher-se um ou outro princípio sem a visão sistemática implica emevidente atentado ao bom senso e à legalidade. Muito propícia a lição deCARLOS MAXIMILIANO,2 pela qual os princípios devem ser harmoniza-dos pois fazem parte de um todo, o Direito em si. Conclui:

Possui todo corpo órgãos diversos; porém a autonomia das funções nãoimporta em separação; operam-se, coordenados, os movimentos, e é difícil,por isso mesmo, compreender bem um elemento sem conhecer os outros,sem os comparar, verificar a recíproca interdependência, por mais que àprimeira vista pareça imperceptível. O processo sistemático encontra fun-damento na lei da solidariedade entre os fenômenos coexistentes. Não seencontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um emconexão íntima com outros. O Direito objetivo não é um conglomeradocaótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema,conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódi-ca, embora fixada cada uma em seu lugar próprio. De princípios jurídicosmais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam erestringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que consti-tuem elementos autônomos operando em campos diversos.

A primeira premissa é, portanto, a coexistência de princípios proces-suais gerais com os específicos da Lei nº 9.099/95.

Como segunda idéia, é inegável que os princípios orientadores da Lei9.099/95, devidamente acolhidos pela ordem constitucional vigente,3 indi-cam claramente que o tratamento processual devido em sede de JuizadosEspeciais Cíveis há de ser diferenciado do ordinário.

De fato, ao mencionar em especial a informalidade (a oralidade é umadas decorrências de tal princípio) e a simplicidade, parece querer afastar origor procedimental que se encontra nos demais ritos. E isso guarda claraconsonância com o próprio ideal do sistema: atender a uma demanda mui-

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2 Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 128.3 Artigo 98, I, da CF.

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tas vezes reprimida, em causas menos complexas, com pouco ou nenhumcusto ou ônus aos demandantes.

Em suma, se tivéssemos que apontar o objetivo mais nobre dosJuizados Especiais Cíveis, indicaríamos a realização do acesso à Justiça, con-sagrado no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Tal conceito tem hojecontornos bem abrangentes, de maneira que se traduz fundamentalmentena possibilidade de se efetivar direitos individuais ou sociais, seja pela exis-tência de instrumentos legais (normas positivas) que garantam o seu reco-nhecimento e imposição, seja pela existência de órgãos estatais aptos a rece-ber eventuais demandas de quem quer que seja.

CAPPELLETTI4 chamou a atenção para as três fases do movimento deacesso ou ingresso à Justiça. Em um primeiro momento, se traduzia com aexistência da assistência judiciária como meio de superar as dificuldades deingresso em juízo, decorrentes da desinformação ou pobreza, que aqui não étão somente a econômica, mas também a técnica, cultural, social e jurídica.5

Em seguida, ressaltou a importância de proteção aos interesses ditosdifusos, alertando quanto à necessidade não só de se aprovar normas pro-cessuais pertinentes ao tema, mas que a mentalidade do jurista deveriaacompanhar tal mudança. Por fim, o mestre italiano lembrou acerca dorisco da burocratização do Poder Judiciário. A ampla via de acesso seria rea-lizável com a adoção de procedimentos mais céleres, informais, econômicospara certos tipos de demandas, o que se traduz também na instrumentalida-de processual,6 pela qual o Estado serve de meio para a realização das neces-sidades dos indivíduos e não o contrário.

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4 Acesso à Justiça, tradução de Ellen Gracie Northfleet., Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 31/73.5 A hipossuficiência que dá ensejo à inversão de ônus de prova em relações de consumo, de acordo com

o artigo 6º, VIII, da Lei 8.078/90 diz respeito a todos estes aspectos, em especial ao técnico.6 CÂNDIDO DINAMARCO, Fundamentos do Processo Civil Moderno, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, vol,

I, p. 73 salienta que “a instrumentalidade do direito processual ao substancial e do processo à ordemsocial constitui uma diretriz a ser permanentemente lembrada pelo processualista e pelo profissional,para que não seja subvertida a ordem das coisas, nem feitas injustiças em nome do injustificável cultoà forma. A invocação desse fundamental princípio constitui seguro expediente metodológico, apto aconferir certeza aos resultados encontrados”. Ainda o mestre, no livro A Instrumentalidade doProcesso, 11ª ed., São Paulo: Editora Malheiros, p. 326/327, acrescenta: “O lado negativo do princípioda instrumentalidade corresponde ao refluxo da escalada processualista que sucedeu às grandes desco-bertas dos processualistas na segunda metade do século passado, escalada que no Brasil chegou a umnível de quase euforia com a vigência do Código de Processo Civil. Trata-se, assim, da instrumentali-dade realçada e invocada como fator de contenção de exageros e distorções. A excessiva preocupação

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CÂNDIDO DINAMARCO7 lembrou que isso não se confunde com arejeição do processo ou do abandono total das formas. Ao contrário, afir-mando a necessidade dos mesmos, propõe uma visão sistemática:

Não se trata de “desprocessualizar” a ordem jurídica. È imenso o valordo processo e nas formas dos procedimentos legais estão depositados sécu-los de experiência que seria ingênuo querer desprezar. O que precisa é des-mistificar regras, critérios, princípios e o próprio sistema. Sob esse aspecto,merece ser lembrada a Lei de Pequenas Causas (substituída, hoje, pela Leidos Juizados Especiais, com a mesma orientação) que, fiel à principiologiasedimentada através da disciplina e prática do processo tradicional, para oseu novo processo deu nova interpretação instrumentalista a cada um dosprincípios: teve empenho em não mantê-los estratificados em suas formu-lações superadas pela exigência do tempo, mas também a consciência da suaindispensabilidade sistemática, que desaconselhava o seu imprudente bani-mento. Isso significa operacionalizar o processo, sem antepô-lo à justiça.Orientação deliberadamente instrumentalista.

Mais: o acesso não é só à Justiça, mas a uma ordem jurídica justa.8Ao lado dessas importantes idéias há, contudo, uma outra – e aqui ter-

ceira premissa – que jamais pode ser esquecida, e serve como delimitadora:a informalidade não pode em nenhuma hipótese tolher a parte de se mani-festar ou defender da forma mais ampla ou retirar-lhe a possibilidade de teracesso a todos as informações constantes no processo. É dizer: se a formali-dade não se justifica em si mesma – ante a própria instrumentalidade pro-cessual – motivos há para que seja exigida quando o direito da parte em se

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com os temas processuais constitui condição favorável a essas posturas inadequadas, com o esquecimen-to da condição instrumental do processo. Favorece, inclusive, o formalismo no modo de empregar a téc-nica processual, o que tem também o significado de menosprezar a advertência de que as formas sãoapenas meios preordenados aos objetivos específicos em cada momento processual.”

7 A instrumentalidade do Processo, p. 328/329.8 SILVANA CAMPOS DE MORAES, Juizado de Pequenas Causas, São Paulo: Revista dos Tribunais,

1991, p. 31, ao analisar as preposições de Cappelletti, concluiu: “Estudando esse tema, Cappelletti men-ciona a necessidade de efetivo ingresso às vias judiciais, considerando-o como um dos mais importan-tes direitos, na medida em que dele dependem todos os demais. Acrescenta ainda, o autor, que é desuprema importância para os novos direitos individuais e sociais, sendo inexpressiva a declaração dosdireitos quando desacompanhada de mecanismos concretos para sua efetiva tutela. Isso porque de nadaadiantaria o reconhecimento dos direitos, tanto individuais como sociais, se não existirem meios parasua proteção e reinvindicação”.

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defender ou se manifestar esteja ameaçada. A exposição dessas três idéias énecessária para a exposição e análise das hipóteses que se passa a tratar.

2. O pedido e a inicial no sistema dos juizados especiais cíveis

O pedido corresponde sinteticamente à pretensão de vida que o autorespera ver satisfeita e que, a princípio (na narrativa daquele) é resistida peloréu, dando origem à lide dentro do conceito de CARNELUTTI.9

É também a providência que requer ao Estado-Juiz para que estesubordine a vontade do réu a sua imperatividade.

Distingue-se aí o pedido como tendo um objeto mediato e um objetoimediato, guardando respectiva correlação com o acima exposto. No dizerde JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA,10 o objeto mediato é o bem queo autor pretende conseguir por meio da providência jurisdicional (v.g.,determinada importância em dinheiro, a remoção de um muro), sendo queo imediato se refere à providência em si (v.g., a condenação do réu a pagar,a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica), que serásempre único e determinado.

No sistema nacional, o pedido tem contornos de extrema relevância,recebendo tratamento extremamente rígido. De fato, servindo como ele-mento de identificação da ação, o Código de Processo Civil adota como regraa imutabilidade do mesmo11 e a interpretação restritiva, conforme estipulano seu artigo 293,12 abrindo raras exceções, como a que de se considerarincluídas no pedido as prestações periódicas decorrentes de obrigação.13

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9 Para LIEBMAN, in: “Estudo Sobre o Processo Civil Brasileiro”, p. 103, a lide é o conflito efetivo ou vir-tual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a decidir. Julgar a lide e julgar o méritoseriam expressões sinônimas que se referem à decisão do pedido do autor para julgá-lo procedente ouimprocedente e, por conseguinte, conceder ou negar a providência requerida.

10 O Novo Processo Civil Brasileiro, p. 12.11 O CPC indica, a contrario sensu, que as modificações e aditamentos só poderão ocorrer em determina-

das hipóteses: as modificações podem ser feitas antes da citação sem restrições e após tal ato apenas como consentimento do réu (artigo 264), não sendo possível qualquer alteração após o saneamento do pro-cesso (parágrafo único); já o aditamento só pode ocorrer antes da citação (artigo 294).

12 “Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juroslegais”. Além disso, o juiz não poderá se pronunciar sobre questões não suscitadas, a cujo respeito a leiexige a iniciativa da parte, devendo decidir a lide nos limites em que foi proposta, não estando autori-zado a proferir sentença de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade supe-rior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. (artigos 128, 459 e 460 do CPC).

13 Artigo 290 do CPC.

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Igual tratamento recebeu a elaboração da petição inicial. Através damesma, o autor instrumentaliza a demanda, dirigindo-a a um órgão jurisdi-cional, identificando os seus elementos (partes, causa de pedir e pedido),com a ciência das provas com as quais pretende demonstrar o que narra (e oseu suposto direito), além de precisar o valor de sua causa (artigo 282, doCPC14). Com a sua apresentação por escrito, despachada ou distribuída(artigo 263 do CPC), a ação se considera proposta.

Grande preocupação teve o estatuto processual em garantir a estabili-dade da demanda, de maneira a que não fosse corrompida pela mutabilida-de excessiva de seus elementos e permitisse inovações que comprometes-sem a marcha processual e o próprio princípio da eventualidade. Mais: umsistema por demais permissivo poderia dar causa a prejuízos para a defesado réu – seja argumentativa ou probatória – com a inserção de novas par-tes, fatos ou pedidos após a sua manifestação, de maneira a gerar desequilí-brio entre os demandantes.

Se isso apresenta um grau de vantagem, por outro lado cria uma bar-reira muitas vezes intransponível para que as partes alcancem dentro dademanda proposta a superação da chamada lide integral caneluttiana ou,mais comumente, corrijam-se erros que, sem a devida observação, nãogarantirão à parte o efetivo bem de vida que realmente pretendia.

No sistema dos Juizados Especiais Cíveis, vigorando os princípios dainformalidade, oralidade e simplicidade15 – entre outros – seria paradoxalque a Lei especial (9.099/95), admitindo a formulação de pedido oral pelopróprio reclamante, sem assistência profissional16 à Secretaria do órgãojurisdicional mantivesse a rigidez do artigo 282 e seguintes do Código deProcesso Civil.

Ao tratar do assunto, a lei especial abrandou os seus termos, exi-gindo no seu artigo 14, § 1º, apenas o nome, qualificação e o endereço

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14 Artigo 282, do CPC: A petição inicial indicará: I – o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II – os nomes,prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III – o fato e fundamentosjurídicos do pedido; IV – o pedido, com suas especificações; V – o valor da causa; VI – as provas comque o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII – o requerimento de citação do réu.

15 Artigo 1º da Lei nº 9.099/95, sendo certo que a oralidade tem fundamento constitucional, através doartigo 98, I, da CF.

16 Nas causas com valor de até 20 salários mínimos, conforme o artigo 9º.

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das partes; os fatos e os fundamentos, de forma sucinta; e o objeto e seuvalor.

A análise do pedido e da petição inicial é aqui feita em conjunto, já quea própria Lei nº 9.099/95 acaba por confundir os termos, não empregando aexpressão “pedido” de forma técnica, mas sim informal. De fato, fala-se eminstauração do processo (demanda) com a “apresentação do pedido, escritoou oral, à Secretaria do Juizado”,17 até porque, podendo o mesmo ser oral,não haveria propriamente petição inicial (mas sim pretensão), muito embo-ra ela se forme posteriormente após reduzida a escrito (artigo 14, § 3º).

JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI já alertava para tal fato, ao concluirque “o art. 14 da Lei nº 9.099/95, confundindo ostensivamente pedido como suporte material em que aquele vem especificado (petição inicial ou termolavrado pela secretaria), preceitua que o processo se inicia com a apresenta-ção da pretensão, por escrito ou verbalmente, à secretaria do juizado”.18

Cremos que tal discussão não é relevante, já que, afastada a imprecisãotécnica, não apresenta outros contornos.

De qualquer forma, resta claro até pelo modo de exposição feito pelalei que não se pode exigir formalidades e requerimentos de técnica apura-da, devendo-se amenizar as conseqüências de eventuais deslizes desde quenão haja comprometimento à defesa do reclamado, como se verá à frente.

A jurisprudência tem se firmado no mesmo entendimento, alertandoacerca da especialidade dos Juizados Especiais Cíveis e da necessidade de seabrandar o rigor do sistema processual adotado pelo código de 1973, sobpela de se inviabilizar a realização dos seus fins, em especial o amplo aces-so à Justiça.19

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17 Artigo 14, da Lei nº 9.099/95.18 “Contornos da Causa Petendi da Demanda Civil Perante o Juizado Especial”, in: Questões Práticas de

Processo Civil, 2ª ed., p. 60.19 São exemplos os Enunciados 3.1.1, 3.1.2 e 3.2, do ECJTR-RJ, nos seguintes termos, respectivamente: “A

petição inicial deve atender, somente, aos requisitos do artigo 14 da lei 9.099/95, ressalvando-se, ematenção aos princípios do artigo 2º do mesmo diploma, a possibilidade de emenda por termo na própriaaudiência, devendo o Juiz interpretar o pedido da forma mais ampla, respeitado o contraditório”; “Nãohaverá nos Juizados Especiais Cíveis pronta decisão de extinção do processo sem julgamento do méritopor inépcia da inicial, devendo eventual vício da petição inicial ser suprido na abertura da audiência deinstrução e julgamento.”; “Em face dos princípios constitucionais vigentes e dos que constam da Lei nº9.099/95, o Juiz do Juizado Especial poderá dar uma real e mais ampla abrangência ao pedido inicial quecontenha expressões imprecisas, como por exemplo, perdas e danos, indenização, se a narração dos fa-

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2.1. Os pedidos genéricos, alternativos e cumulados

Apresenta a Lei nº 9.099/95 regras específicas em relação aos pedidosgenéricos, no seu artigo 14, § 2º, e para os alternativos e cumulados, obje-tos do artigo 15.

Pedidos genéricos são aqueles que se contrapõem aos certos ou deter-minados quanto ao objeto mediato, que é o bem de vida pretendido peloautor. Renovamos a lembrança de que o pedido imediato (ou processual) ésempre certo e determinado, posto que a parte deve definir que tipo de pro-vidência almeja em obter do Estado-Juiz: uma condenação, constituição,declaração, etc. E mesmo na generalidade do pedido mediato, não podehaver completa indeterminação.20

Para o Código de Processo Civil, a regra é que o pedido mediato tam-bém há de ser certo e determinado (artigo 286), traçando três exceções: nasações universais, se não puder o autor individualizar na petição dos bensdemandados; quando não for possível determinar, de modo definitivo, asconseqüências do ato ou fato ilícito; e quando a determinação do valor dacondenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (incisos I, II eIII). É o que ocorre, v.g., se o autor pleiteia indenização em virtude de danosofrido em acidente automobilístico, não tendo como calcular na inicialtodos os custos de tratamento médico que terá.

A elaboração de pedido genérico impõe uma das seguintes conseqüên-cias: sendo possível no curso do processo de cognição a sua determinação,o Juiz deverá proferir sentença líquida ou certa quanto ao objeto; caso con-

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tos na vestibular assim o permitir”. Outros exemplos: “No sistema dos JEs não tem lugar para formalis-mos processuais, bastando, para o prosseguimento do pedido, que o autor, pessoalmente, declare a suapretensão. Em decorrência, a inicial não precisa preencher os requisitos no artigo 282 do CPC” (RJE16/35); “Nos JEs, o processo se orienta pelo critério da “simplicidade”, que permite que o pedido, dedu-zido oralmente pela parte, contenha de forma sucinta os fatos e fundamentos, o objeto e seu valor, alémde dados para identificação e localização das partes; além disso, pelo mesmo critério, é possível o mel-hor esclarecimento do pedido na audiência” (RJE 16/34-35).

20 Como lembra HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, Volume I, 39ª ed.,p. 327, “na sua generalidade, o pedido há sempre de ser certo e determinado. Não se pode, por exem-plo, pedir a condenação a qualquer prestação. O autor terá, assim, de pedir a condenação a entrega decertas coisas indicadas pelo gênero ou o pagamento de uma indenização de valor ainda não determina-do. A indeterminação ficará restrita à quantidade ou qualidade das coisas ou importâncias pleiteadas.Nunca poderá, portanto, haver indeterminação do gênero da prestação pretendida”.

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trário, proferirá sentença ilíquida, deixando que a determinação do objetomediato seja apurada em processo de liquidação, nos termos do artigo475-A/I, do estatuto processual.

Sob o regime da Lei nº 9.099/95, é possível a existência de pedido gené-rico “quando não for possível determinar, de logo, a extensão da obrigação”.Contudo, o sistema especial impõe uma regra de restrição: seja determina-do ou genérico o pedido, a sentença nos Juizados Especiais há de ser líqui-da, conforme consta no artigo 38, parágrafo único.

Assim, na eventualidade de pedido genérico, o juiz deverá observar sepossível a sua liquidação no curso do processo de conhecimento, já que, nãosendo isto alcançável, deverá extinguir o feito sem conhecimento de seumérito, na forma do artigo 51, II. A razão é simples: não haveria sentido emse admitir a fase de liquidação após a cognição, com notório atraso temporal,em um sistema que há de ser célere, simples e informal. Mormente quandoas causas que lá se julgam devem ser de pequena complexidade. Uma deman-da na qual é necessária uma apuração por arbitramento ou por artigos do seuobjeto mediato não parece indicar ser a mesma de baixa complexidade.

A proibição de ser prolatada sentença ilíquida se o pedido for certo edeterminado preceituada no artigo 459, parágrafo único, do Código deProcesso Civil obviamente se aplica com muito mais razão nos JuizadosEspeciais.

Haveria aplicabilidade para a hipótese do primeiro inciso do artigo286, do CPC, no rito da Lei nº 9.099/95? Não parece existir óbice legal paraa sua aplicação em tese, ou seja, que ações universais possam existir em sedede Juizados, não sendo possível a individualização dos bens que suposta-mente o reclamado estaria obrigado a entregar.

Contudo, há de se convir que o âmbito de aplicação é reduzido, já queem sua maioria as ações de tal natureza exigem juízos e ritos especializados,como é o caso da petição de herança, dissolução de sociedades com a divi-são de bens, etc. Além disso, mais raras serão as hipóteses nas quais seriapossível a liquidação ou individualização no curso da estreita cognição doprocedimento dos Juizados.

Os pedidos, em sede de juizados, também poderão ser alternativos oucumulados, conforme se observa no artigo 15, da Lei nº 9.099/95.

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Por pedidos alternativos entendem-se aqueles feitos de maneira que,dentre os apresentados, apenas um será objeto de cumprimento, conformea regra do artigo 288, do CPC, posto que qualquer um satisfaria a obrigação.E a alternatividade recai sobre o objeto mediato do pedido, ou seja, sobre obem jurídico que pretende o autor. Quanto a alternatividade for a benefí-cio do credor, como lembra HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,21 poderáele escolher de logo uma prestação fixa (não alternativa); contudo, se aescolha couber ao devedor, “o juiz lhe assegurará o direito de cumprir aprestação de um ou de outro modo, ainda que o autor não tenha formuladopedido alternativo”, nos termos do artigo 288, parágrafo único, do CPC.

Um clássico exemplo de hipótese de pedido alternativo nos Juizados,cujo benefício da alternatividade é do autor, são as ações nas quais o consu-midor, diante do vício do produto, pode exigir a troca do bem, o abatimentoproporcional no preço ou a devolução do que pagou, como consta no artigo18, do CDC. Se quiser apenas a devolução, o pedido não será mais alternati-vo, tendo o autor-consumidor a faculdade de escolha e delimitação na inicial.

Em relação ao valor dos pedidos no caso de alternatividade, há deobservar – ao contrário da cumulação própria – que os valores de cada umnão deverão ser somados para a obtenção do valor da causa. Na alternativi-dade, apenas um dentre os pleitos autorais será atendido, e não todos.Assim, o valor da causa em relação aos pedidos alternativos há de corres-ponder a um deles, se de igual valor; ou ao maior valor dentre os formula-dos, se de valores diversos.

Igual entendimento deve se ter em relação a hipótese do artigo 289, doCPC, no qual se vislumbra a alternatividade sucessiva (subsidiária), pelaqual o juiz conhecerá do pedido posterior, se não puder acolher o anterior.

Quanto à cumulação própria de pedidos, também não há qualquerimpedimento. Seja ela na modalidade simples ou sucessiva (aquela na qualo juiz, para acolher o posterior, necessita deferir o anterior), o sistema dosJuizados as acolhe.

Contudo, no que tange ao valor da causa, aplicar-se-á aqui a regra doartigo 259, II, do CPC: o valor será o equivalente a soma de todos os pedi-

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21 Curso de Direito Processual Civil, v. 1, p. 328.

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dos, o que tem relevância ante a limitação imposta pelo artigo 3º, da Lei nº9.099/95 (40 salários-mínimos) e pelo artigo 3º, da Lei nº 10.259/01 (60 salá-rios-mínimos).

2.2. Pedidos de natureza diversa

Reza o artigo 460, do CPC, que “é defeso ao juiz proferir sentença, a fa-vor do autor, de natureza diversa da pedida...”. ARRUDA ALVIM22 escla-rece que a violação a tal determinação gera a sentença extra petita, por que-bra do princípio dispositivo e que a mesma “poderá consistir num pronun-ciamento excedente sobre o tipo de ação (pedido imediato) propriamentedito, como, ainda será também extra petita, se, conquanto atendido o pedi-do, tal ocorra por outra causa petendi.”

Interessa-nos aqui a primeira hipótese.Prosseguindo-se com o raciocínio pelo qual deva ser admitida uma

interpretação mais elástica do pedido em sede de juizados, entendemos serpossível se conceder um provimento de natureza diversa da requerida nainicial em determinadas e limitadas hipóteses.

Se por um lado o princípio da informalidade que rege o sistema dosJuizados Especiais Cíveis não se traduz em uma liberalidade processual des-controlada, na qual tudo seria possível, por outro está a indicar uma flexi-bilidade maior para se atingir um provimento adequado ao caso.

Não se trata propriamente de reconhecer a lide integral, no conceitode LIEBMAN,23 ou seja, deferir-se a possibilidade do julgador em conhecerpartes do conflito não deduzidas pelas partes (em especial o autor), em con-fronto com os princípios dispositivos e da demanda. Quer-se, sim, que oequívoco em relação ao provimento requerido não se torne – na ausênciade qualquer prejuízo à parte contrária – impeditivo à prestação jurisdicio-nal. Na primeira hipótese, o juiz acolheria algo que a parte autora não dese-ja, o que é inadmissível; na segunda, algo que objetiva, mas que por um

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22 Manual de Direito Processual Civil, Vol. 2, 4ª ed., p. 377.23 Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro, p. 96.

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lapso, não foi propriamente apresentado na inicial, apesar de ser plenamen-te previsível.

Se as normas que regem os Juizados Especiais permitem, em causas devalores limitados, que a parte autora sem qualquer assistência técnica for-mule diretamente o seu pedido, inclusive oralmente (artigo 14, § 3º, da Leinº 9.099/95), a exigência de perfeições formais certamente estaria em divór-cio com o próprio sistema.

E a admissão das hipóteses que aqui são tratadas está finalmente sujei-ta ao respeito aos princípios do contraditório e ampla defesa. O réu nãopode – sob nenhuma circunstância – se surpreender ou se ver sem possibi-lidade de ter impugnado o provimento que passa a ser conhecido. Damesma forma que o julgador visualiza com facilidade o eventual equívocoquanto ao provimento, ao réu isso também deve ser evidente.

Vê-se que o próprio Código de Processo Civil, norma das mais rígidase restritas em relação ao pedido, abre exceções. E se constata claramenteque tais exceções são admitidas justamente pela ausência de ofensa à defe-sa do réu, da mesma forma que aqui se sustenta, seja pela previsibilidade,seja pela comunhão argumentativa da impugnação. É o que ocorre, v.g.,com a aplicação do artigo 290, do CPC,24 que apresenta a possibilidade dopedido implícito.

Dito isso, passemos as hipóteses.A primeira ocorre à vista de mero erro quando a descrição da nature-

za do pedido, sem que se revele real dúvida quanto ao seu conteúdo. É o quese vê quando, v.g., o autor pede que o réu seja condenado a anular um con-trato, quando na realidade trata-se de um pedido declaratório de nulidadedo dito pacto. Mesmo equivocado, não terá o réu qualquer dificuldade emidentificar o objeto da ação – ou seja, o que realmente deseja o autor – e,por conseqüência, não se verá prejudicado ou surpreendido no caso de seconhecer na sentença com a natureza apropriada à hipótese.

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24 Artigo 290, do CPC: “Quando a obrigação consistir em prestações periódicas, considerar-se-ão elasincluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor; se o devedor, no curso doprocesso, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durara obrigação.”

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A segunda já é mais complexa. Dar-se-á em virtude da falta de corres-pondência entre o que se requer, em relação à natureza do pleito (condena-tório, constitutivo ou declaratório) e o que é realmente possível de acolhi-mento, à vista dos fatos apurados no curso do processo, mas pela singelezada sua conclusão.

Não se trata da hipótese de pedido juridicamente impossível, já que omesmo, em tese, seria passível de acolhimento pela ordem jurídica. O pedidotrazido na inicial não possui em si qualquer óbice ao hipotético acolhimento.

E também não é a situação a que trata o artigo 295, p.u., II, do CPC,pela qual a inicial deveria ser indeferida por inépcia se da narração dos fatosnão decorrer logicamente o pedido. Na descrição feita pelo autor na hipó-tese que se sustenta, o pedido é decorrência lógica do que narra, seja emrelação ao fato (causa de pedir remota), seja quando ao fundamento jurídi-co utilizado (causa de pedir próxima).

Ocorre que se verifica com as provas juntadas ou esclarecimento das pró-prias partes – ou dentro da verdade formal do processo – que na realidade opedido, com a natureza que fora lançado, não seria passível de acolhimento(logo improcedente). Mas outro, de característica diversa, seria a decorrêncianatural e esperada diante da dita realidade, sem que o processo tomasse cursológico diverso do que seguia para aportar no pedido apontado na inicial.25

Tomemos como exemplo a seguinte situação: O autor, argüindo que oréu lhe faz cobranças indevidas, requer a devolução dos valores que pagou,condenando-se o segundo a tanto. Há pedido de natureza condenatória,portanto. Mas isso ocorre por um lapso do autor (ou seu patrono) já que,apesar de receber tais cobranças, não efetuara qualquer pagamento, o queresta cabalmente demonstrado ao longo do feito.

Por óbvio, tal pedido condenatório seria improcedente, mesmo com oreconhecimento da veracidade dos fatos narrados na inicial. Mas a conseqüên-cia natural de se reconhecer que as cobranças eram indevidas na hipótese do

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25 No Estado do Rio de Janeiro, editou-se o Enunciado 3.2 (da Consolidação dos Enunciados dos Juízes eTurmas Recursais) que prestigia tal entendimento: “Em face dos princípios constitucionais vigentes edos que constam da Lei nº 9.099/95, o Juiz do Juizado Especial poderá dar uma real e mais ampla abran-gência ao pedido inicial que contenha expressões imprecisas, como por exemplo, perdas e danos, inde-nização, se a narração dos fatos na vestibular assim o permitir”.

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não pagamento seria a declaração de nulidade daquelas.26 Tão natural comoseria se reconhecer o pedido condenatório que se descarta se tivesse ocorridoo pagamento. Para o réu, nenhuma diferença que justificasse uma limitação asua defesa se vislumbra: os motivos que utilizou para eventualmente sustentarque a cobrança era legítima servem para impugnar qualquer dos pedidos.

E o que é fundamental para tal possibilidade: a carga de sucumbênciado réu não será maior do que seria se o pedido fosse conhecido na sua natu-reza original. A declaração de nulidade da cobrança não é mais gravosa doque a condenação ao pagamento em repetição de indébito.

Entendemos que tal fator é imprescindível para o que aqui se sustenta.Não poderia o réu arcar – ainda que sob o mesmo argumento defensivo –com ônus maior, por alteração da natureza do provimento final, do quearcaria originariamente se o pedido fosse acolhido tal como fora de inícioapresentado. Aqui inegavelmente ter-se-ia o julgamento extra petita, a quetrata o artigo 460, do CPC.

Assim, se no exemplo citado o contrário ocorresse (o autor, tendopago, pelo a declaração de nulidade das cobranças e não a devolução devalores), a imposição da condenação seria nula, não apenas pelo argumen-to supra exposto, mas também pelo fato de que o pedido inicial declarató-rio não é inapropriado, podendo ser acolhido procedente.

Mas isso não quer dizer que toda questão prejudicial ou incidental (noexemplo, a ilegalidade da cobrança) deva ser erigida a um pedido, resolvi-da na parte dispositiva da sentença e, por conseqüência, sobre ela se formara coisa julgada. Não é desconhecido o fato que a regra é a da não formaçãoda coisa julgada sobre questões incidentais ou prejudiciais (artigo 469, III,do CPC) justamente pelo fato de não integrarem o pedido. A exceção a estaregra (artigo 470, do CPC) só existe por conta da instauração de ação decla-ratória incidental, na qual aquelas questões passam a ser o próprio objeto dademanda secundária. Aqui não se defende a extensão do pedido às questõesprejudiciais ou incidentais (como equivocadamente ocorre na prática) massim a correta interpretação do próprio pedido mal formulado.

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26 Importante frisar que a menção acerca da nulidade da cobrança na fundamentação da decisão não seriaeficaz, posto que a mesma não faz por si só coisa julgada, nos termos do artigo 469, I, do CPC.

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Diante das hipóteses mencionadas, cremos que presente se faz a har-monia entre as severas normas da lei processual comum e a informalidadereinante nos Juizados Especiais, de maneira a compatibilizar o afastamentodo excessivo zelo à interpretação restritiva do pedido com a necessidade deprover o réu com o seu direito à ampla defesa e contraditório.

2.3. Pedidos incompletos em relação de trato sucessivo

Muito comuns em sede de Juizados são demandas que discutem rela-ções continuadas ou de trato sucessivo. São aquelas nas quais alguma daspartes – se não ambas – discute obrigações cujo cumprimento se protrai notempo, de forma parcelada.

Tão comum quanto a existência de destas ações, é o pedido incomple-to quando a providência desejada pela parte. Ao formular o autor o seupedido, limita-se a pleitear a correção das repercussões ocorridas até então,esquecendo-se das que estão por vir. Ou, por impossibilidade de conheci-mento prévio, não realiza pedido apto a atacar situação gravosa que só severifica no curso da demanda.

A lei processual comum oferece mecanismo simples para a solução detais questões.

Como exceção da rígida interpretação restrita do pedido (artigo 293,do CPC), o artigo 290 do estatuto processual defere a possibilidade de seconhecer implicitamente de prestações periódicas não incluídas no pleitoinicial. E, deixando o devedor de pagá-las ou consigná-las no curso do pro-cesso, a sentença as incluirá na condenação, enquanto durar a obrigação.

A aplicação desta norma se dá claramente nas hipóteses de pedidoscondenatórios:27 assim, se o autor pedir a condenação do réu a pagar as

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27 Leciona JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, volume III,8ª ed., p. 194: “A sentença que venha a ser proferida será sentença condenatória, sem oferecer qualquerparticularidade digna de nota, com relação às prestações vencidas até a data de sua prolação, e será sen-tença de condenação para o futuro, no que diz respeito às prestações vencíveis após o momento referi-do. Constitui-se em favor do credor um título executório de trato sucessivo, isto é, sentença condena-tória que o habilita a executar o devedor não só quanto às vencidas, no que ela é um título executórioidêntico a todas as outras sentenças condenatórias, como, por igual, em relação às que vierem a se ven-cer, futuramente, se não satisfeitas no tempo e nas condições fixadas.”

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prestações já vencidas até a propositura da ação e outras se vencerem no seucurso, o julgador poderá acolhê-las na decisão final. Mais: as que se vence-ram após dita decisão poderão ser objeto de execução, no que CALMON DEPASSOS chamou de condenação para o futuro.28

Mas a aplicação de tal dispositivo poderia alcançar pedidos de nature-za não condenatória?

Entendemos que sim.Não há qualquer razão plausível para se entender o contrário. O mesmo

raciocínio que justifica a aceitação do pedido implícito condenatório é apli-cável aos pleitos constitutivos ou declaratórios. Ou seja: que se compreendeno pedido tudo o que dele logicamente decorre.29 Além disso, como lembraVICENTE GRECO FILHO,30 o artigo 290, do CPC “tem por fundamento aeconomia processual e a finalidade política do processo que é a pacificação ea estabilidade das relações jurídicas” e que “seria exagerado formalismo seexigir uma demanda para cada prestação”. Da mesma maneira, seria exage-rado se exigir uma ação declaratória ou constitutiva para cada fato sucessivodecorrente da mesma causa de pedir, mormente no sistema dos JuizadosEspeciais Cíveis, no qual se prima pela simplicidade e informalidade.

Por ilustração, tracemos a seguinte hipótese: o autor, recebendo co-branças não reconhecidas nos meses de janeiro e fevereiro, ingressa comação visando a anulação dos ditos débitos, alegando que nenhum contratocelebrara com o réu. Contudo, com o passar dos meses, recebe novascobranças, agora em relação aos meses de março e abril, cuja declaração denulidade por óbvio não foi requerida na inicial. Nada obsta o reconheci-mento em sentença declaratória não só da nulidade de todas as faturas supramencionadas, como também das que porventura surjam após a decisão,desde que decorrentes do mesmo fato que justifica a causa de pedir.31

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28 Ob. cit., p. 194.29 Há decisões no STJ que consagram tal entendimento em casos até mais complexos, como a proferida no

Resp 39498/MS – 1993, julgado na 4ª Turma e que teve como relator o Min. BARROS MONTEIRO. Lá,o tribunal reconheceu a possibilidade de se declarar nula uma escritura pública, ainda que não fossepedido, quando houve pleito visando a anulação do registro imobiliário que o sucedeu, já que o primei-ro decorreria logicamente do reconhecimento do segundo, aplicando-se o artigo 293, do CPC (LEXSTJVol. 92, p. 147).

30 Direito Processual Civil Brasileiro, 2º volume, 6ª ed., 1993, p. 10031 A análise da causa de pedir é, portanto, importante, à medida que este elemento da ação serve de limi-

tador do alcance do objeto.

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2.4. O pedido contraposto

Admite a Lei nº 9.099/95 que o reclamado, ao oferecer sua resposta,apresente na contestação, “pedido em seu favor, nos limites do art. 3º destaLei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da contro-vérsia” (artigo 31), a exemplo do que também ocorre no rito sumário, comodemonstra o artigo 278, § 1º, do CPC.

O pedido contraposto tem natureza reconvencional, muito emboranão se confunda com aquele instituto. Enquanto a reconvenção, a que tratao artigo 315, do CPC, é ação autônoma, o pedido contraposto está ligado deforma adesiva à ação principal, de maneira que, caso esta última seja extin-ta prematuramente, o processo continuará em relação à reconvenção, masnão ao pleito contraposto.32

É em si autônomo, mas, não constituindo propriamente uma ação,depende para o seu conhecimento da ação principal e necessariamente serájulgado conjuntamente com o pleito principal, o que não necessariamenteocorre com o reconvencional.33

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32 Acerca do tema em sede de Juizados, RICARDO CUNHA CHIMENTI entende de forma diversa, con-cluindo: “Não vejo óbice no prosseguimento do pedido contraposto mesmo que haja desistência quantoao pedido principal, a exemplo do que prevê o art. 317 do CPC para a reconvenção” (ob. cit., p. 191).Contudo, discordamos de tal posicionamento, seja pelos motivos já elencados, seja pelo fato do artigo 317do CPC ser regra específica para o instituto da reconvenção. Além do mais, se o réu deseja que o seu pedi-do contraposto seja conhecido em havendo pleito de desistência pelo autor, basta que não concorde comele, sendo certo que em qualquer hipótese o consentimento seria necessário (artigo 267, § 4º, do CPC),já que o pedido contraposto só poderia ser apresentado no prazo de resposta (com a contestação).

33 Em artigo publicado na Revista Dialética de Direito Processual (número 9, p. 24/33), DANIEL AMORIMASSUMPÇÃO NEVES, “Contra-ataque do Réu: Indevida Confusão entre as Diferentes Espécies(Reconvenção, Pedido Contraposto e Ação Dúplice)”, advertiu: “Apesar de ser ideal o julgamento con-junto da ação principal e da reconvenção, nem sempre isso é possível, já que tanto uma quanto outrapode ser extinta prematuramente sem julgamento de mérito. Nesse caso, inclusive, surge interessantequestão do recurso cabível de tal decisão. A doutrina majoritária entende que se a reconvenção for extin-ta sem o julgamento de seu mérito, a decisão será interlocutória, cabendo contra ela o agravo de instru-mento. Toma-se aqui a definição de sentença prevista pelo art. 162 do CPC, que embora bastante criti-cável pelo seu manifesto caráter tautológico, determina que se o processo não chegar ao fim em razão depronunciamento do juiz o mesmo não será sentença. Como o processo continuará em razão da manu-tenção da ação principal, o pronunciamento é dito corretamente como decisão interlocutória. O mesmoocorre se a ação principal for extinta prematuramente, já que com a reconvenção, o processo continua-rá, sendo também essa decisão considerada interlocutória, cabível contra ela, portanto, o agravo de ins-trumento. Tudo decorre, segundo corretas lições de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, da unidade doprocesso, sendo que a extinção da ação principal ou da reconvenção é meramente uma diminuição doobjeto do processo, e não sua extinção. Idêntico pensamento aplica-se para explicar por que a reconven-ção não cria um novo processo, somente alarga o objeto daquele já existente em razão da ação principal.”

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CRUZ E TUCCI34 esclarece que “pedido contraposto (actio contraria)é o que, ostentando cunho reconvencional, e fundado nos mesmos fatos oufato (causa petendi), se apresenta autonomamente, com a formulação, peloréu, de pedido antagônico ao do autor, implicando o julgamento conjuntode ambas as contrastantes pretensões”.

Por outro lado, tendo natureza acionária, na reconvenção há de seobservar todos os requisitos genéricos para o seu exercício, como os pressu-postos processuais, as condições da ação, além da conexidade com a açãoprincipal ou com o fundamento da defesa, o que justifica a sua apresenta-ção em peça separada da contestação.

O contraposto, apresentado no próprio corpo da contestação, pressupõeidentidade com os fatos trazidos na inicial,35 sendo obviamente bem maisrestrito. Justamente por isso, as hipóteses nas quais a lei impõe a possibilida-de do pedido contraposto são aquelas de rito e de causas menos complexas.

Acerca do assunto, o debate mais comum se prende à possibilidade ounão de apresentação de pedido contraposto pelos reclamados que não são,em tese, admitidos como autores (pessoas jurídicas ou entes despersonifica-dos). Poderia, por exemplo, uma empresa de grande porte, acionada nosJuizados estaduais, apresentar pedido contraposto?

Existem entendimentos a defender ambas as posições. O Enunciado 31, do FONAJE o acolhia, expressando que “é admissível

pedido contraposto no caso de ser a parte ré pessoa jurídica”. No mesmo sen-tido, RICARDO CUNHA CHIMENTI,36 que concluiu, diante da isonomia aque trata o artigo 125, I, do CPC, ser admissível o pleito contraposto por pes-soas jurídicas, inclusive as de direito público (no caso dos Juizados Federais.37

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34 Ob. cit., p. 63.35 Como exemplo, podemos citar a clássica demanda na qual o autor aduz na inicial que o réu foi o cau-

sador de acidente automobilístico, requerendo a indenização dos danos impostos ao seu carro. Em con-testação, além de se defender, o réu formula pedido contraposto, no qual, inclusive utilizando as razõesde sua defesa, sustenta que a culpa pelo acidente fora do autor, e que requer a indenização pelos estra-gos que sofreu o seu veículo. CRUZ E TUCCI nos ensina, na obra supra citada, que “a manifestação dodemandado conterá, em regra, uma pluralidade de causae: a causa excipiendi, que se consubstancia nadefesa propriamente dita; e a causa petendi do pedido contraposto, originada obrigatoriamente dosmesmos fatos que exornam a pretensão do autor” (ob. cit., p. 63).

36 Ob. cit., p. 93.37 No mesmo sentido: “Cabe pedido contraposto no caso de ser o réu pessoa jurídica” (Conclusão 13ª do II

ECJEs). “O parágrafo único do art. 17 da LJE, ao referir possibilidade de pedido contraposto, não faz

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Ao contrário, o Enunciado Cível 4.2, da Consolidação dos Enunciadosdo Rio de Janeiro, dispõe que “não cabe pedido contraposto no caso de ser oréu pessoa jurídica”, posição também defendida por CÂNDIDO DINAMAR-CO,38 que advertiu que “a instituição dos juizados especiais como Justiça docidadão destina-se a dar amparo exclusivamente às demandas das pessoasfísicas”. Na realidade, o principal fundamento encontra-se no fato de quequem não pode propor a ação (ser autor), diante das regras dos artigos 8º, daLei nº 9.099/95, e 6º, da Lei nº 10.259/01, não poderia por lógica formularpedido contraposto, já que assume condição semelhante, podendo obter pro-vimento em seu favor, não se limitando a rechaçar a pretensão autoral.39

Em que pese a autoridade destes argumentos, entendemos que não háóbice para o pedido contraposto em tais circunstâncias. O fato de existirlimitações em relação às pessoas para a propositura se refere à condição deautor não desautoriza o pedido contraposto, já que processualmente tal ins-tituto não faz com que o réu se transforme tecnicamente em autor.

Ademais, o artigo 31, da Lei nº 9.099/95, não trouxe qualquer limita-ção, esclarecendo ser direito do reclamado em sua contestação formulá-lo.

Por outro argumento, a limitação apontada nos elencos dos artigos 8º,da Lei nº 9.099/95 e 6º, I, da Lei nº 10.259/01, se justifica para evitar incha-ço de demandas (privilegiando de fato as pessoas físicas, além de garantir o

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qualquer exceção à pessoa jurídica. Observando o princípio da segurança jurídica, as normas são nor-teadas com o intuito de que o destinatário possa identificar a situação jurídica que lhe atinge, bem comoas conseqüências da mesma. Não há vedação legal ao contrapedido formulado por pessoa jurídica quedeverá ficar adstrito ao valor de alçada do JE” (RJE 19/81 e 1/92); “(...) Possibilidade de a pessoa jurídi-ca formular pedido contrapedido, pois tal não se equipara a reconvenção, sendo parte integrante d con-testação – inaplicabilidade da vedação do art. 8º da LJE. (...) o art. 8º da LJE diz que ‘...somente as pes-soas físicas capazes serão admitidas a propor ação...’, quando o art. 31 da mesma Lei possibilita ao réu,‘na contestação, formular pedidos em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundão nosmesmos fatos que constituem objeto da controvérsia’. Ora, possibilidade de formular contrapedido dife-re de reconvenção prevista pelo CPC, pois deverá ser deduzido na contestação, não caracterizando opedido vedado pelo art. 8º acima citado” (RJE 20/93-94).

38 Manual dos Juizados Cíveis, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 120/121.39 ALVARO COURI ANTUNES, Juizados Especiais Federais Cíveis: Aspectos relevantes e o sistema recur-

sal da Lei 10.259/01, Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 103/104, defende igualmente a impossibilidade:“A nosso ver, não é possível a aplicação do artigo 31 da Lei nº 9.099/95 que versa sobre o pedido con-traposto, pois este só seria possível se ambas as partes pudessem figurar, em tese, nos dois lados da rela-ção jurídica processual, ou seja, se estivessem legitimadas como autoras e rés. As entidades públicas nãopoderiam ser autoras em sede de Juizados Especiais Federais Cíveis, daí porque nada justificaria pudes-sem elas por via transversa contrariar a norma inserta no artigo 6º, I, da Lei nº 10.259/01, o que contra-ria toda a lógica do sistema”.

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real acesso à justiça). Ora, já instaurada a demanda por quem é autorizadopara tanto, não causaria qualquer transtorno o pedido contraposto de pes-soas jurídicas, já que a demanda existe (e continuará a existir) não por obradestes, mas de quem realmente pode ser autor. Não haveria aumento dedemandas, sendo certo ainda que em nenhuma hipótese a ré pessoa jurídi-ca poderia se valer do sistema dos Juizados sem prévio aforamento de açãopor parte dos ditos legitimados com autores.

Por fim, a admissão do pedido contraposto nestes casos seria medida deeconomia processual, evitando que por ação autônoma a ré tivesse que plei-tear o que entende lhe ser de direito e, pior, tendo que aguardar o desfechoda ação proposta no Juizado, ante a prejudicialidade.

Resta a lembrança – independentemente do entendimento a ser aco-lhido – que pleitos como o de condenação por litigância de má-fé (artigo 17e 18, do CPC), de custas ou honorários não são considerados propriamentepedidos (ou pedidos contrapostos), e tanto assim é que a sua imposição podese dar de ofício. Assim, ainda que formulados pela parte ré (qualquer queseja a sua natureza), não serão tomados como pedidos contrapostos, nãohavendo qualquer óbice ao seu conhecimento.

3. A causa de pedir: teorias aplicáveis

Em breves linhas, é necessária uma exposição acerca das generalidadesque envolvem a causa de pedir, precedendo a análise da mesma em sede deJuizados Especiais, em especial as teorias dominantes, a sua auto ou hetero-determinação, bem como o que é fato principal e secundário.

Pela teoria da individualização, a mera alegação de existência da relaçãojurídica (ser credor, legatário, etc.) é suficiente como suporte à causa de pedir.

A causa petendi é a relação ou estado jurídico afirmado pelo autor emapoio à sua pretensão, de maneira que a alteração dos fatos constitutivosnão importa na mudança da causa de pedir, desde que a relação jurídicapermaneça inalterada. Os fatos em si (causa remota) não seriam imprescin-díveis para a determinação da causa de pedir.

Há direitos que, dada a sua natureza absoluta, indicariam a causa depedir autodeterminada, ou seja, derivada do próprio fundamento invocado

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sem a necessidade de narrativa do fato gerador. Assim, afirmada a proprie-dade, v.g., seria irrelevante a indicação do título aquisitivo (compra, suces-são, etc.).

Outros direitos, de cunho relativo (como os obrigacionais) dão ensejoàs demandas ditas heterodeterminadas, nas quais a menção do fato consti-tutivo se faz necessário.

A princípio – e sem considerações à respeito da sistemática do CPC(artigo 282), a teoria da individualização soa inaplicável nas demandasheterodeterminadas, ante a impossibilidade da real ciência quanto aos fatos,prejudicando o contraditório, a bilateralidade argumentativa e probatória(contraprova) e deixando sem justificação o princípio da eventualidade. Aparte autora, apenas mencionando o fundamento jurídico, tolheria a defe-sa do réu, admitindo-se até que o primeiro viesse a indicar – inovando noprocesso – fatos diversos dos apresentados ou rechaçados em defesa (con-testação) após a apresentação da mesma.

Já pela teoria da substanciação, não basta dizer-se o fundamento jurí-dico. A explicitação do porquê é essencial (causa remota): da mihi factum.Fato este que há de ser jurídico, relevante ao direito.

Além das considerações acerca das teorias da individualização e subs-tanciação, bem como das demandas auto e heterodeterminadas, importan-te também a menção acerca dos fatos principais e dos fatos secundários.

Conforme exposição de CRUZ E TUCCI,40 os primeiros são aqueles“essenciais para configurar o objeto do processo e que constituem a causade pedir”, ou seja, delimitam a pretensão deduzida em juízo. Fala-se aquiem fato jurígeno (essencial) que por si só é suficiente para delinear a pre-tensão, já que dele se extrai um efeito ou conseqüência jurídica.

Por sua vez, os secundários ou simples seriam aqueles que sozinhos, nãodelimitando uma pretensão e, portanto, incapazes de por si só sustentá-la,auxiliam na demonstração do principal. É dizer: muito embora o fato princi-pal possa necessitar do secundário para o êxito da demanda, a causa de pedirnão se afirma sem o primeiro, sendo que a recíproca não é verdadeira. Em

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40 A Causa Petendi no Direito Processual Brasileiro, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 153.

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demanda na qual o autor, v.g., exige o pagamento de alugueres em atraso, ainadimplência contratual é o fato essencial; já o fato do réu anteriormentenão adimplir outras contas, a indicar ser ele um inadimplente contumaz, secaracteriza como fato simples, que pode ser útil à prova do principal.

3.1. A causa de pedir no sistema dos juizados

O problema inicial, para a análise da causa de pedir nos Juizados, seprende ao fato de que a Lei nº 9.099/95, ao expor os requisitos da petiçãoinicial, parece amenizar o rigor do artigo 282, III, do CPC (que impõe aexposição dos fatos e fundamentos do pedido, acolhendo conforme doutri-na dominante a teoria da substanciação) já que se refere a uma exposiçãosucinta (artigo 14).

O afastamento de tal teoria poderia atingir outro princípio, o da even-tualidade, que restaria sem justificativa posto que as limitações quanto amodificação da causa de pedir (e pedido) seriam inaplicáveis, impondo-seigual rompimento do sistema de preclusões. Novamente CRUZ E TUCCI41

muito bem advertiu:

Tudo isso significa que a regra da eventualidade, impondoum sistema rígido de preclusões, constitui, como já procuramospatentear, pressuposto da teoria da substanciação, ao exigir aexposição simultânea, na petição inicial, dos fatos que fazememergir a pretensão do demandante (causa petendi remota) edo enquadramento da situação concreta, narrada in statusassertionis, à previsão abstrata, contida no ordenamento dodireito positivo, e do qual decorre a juridicidade daquela (causapetendi próxima).

Mas será que isso corresponde exatamente à realidade dos Juizados eao seu potencial de realização jurisdicional?

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41 Ob. cit., p. 151.

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Percebe-se que em sede de juizados especiais, até por conta da informa-lidade e da baixa complexidade, a causa de pedir próxima muitas das vezesnão é explorada. Não raramente, limita-se o autor a indicar um dispositivolegal (o que se afigura irrelevante, diante do princípio iura novit curia)havendo hipóteses nas quais simplesmente nenhum fundamento é lançado.

E, contrariando a regra geral do CPC, em boa parte dos casos isso nãoindicará qualquer problema, porquanto em nada estará prejudicada a defesado réu-reclamado, que perfeitamente sabe no que o autor se prende paraligar o fato ao pedido. E tanto assim é que por mais das vezes apresenta con-testação atacando justamente a causa de pedir próxima, que sequer foi ven-tilada expressamente. É o caso, v.g., do autor que, demandando em face daloja fornecedora do produto, se limita a narrar que lá comprou uma geladei-ra e que tal bem apresentou defeito, descongelando todos os seus alimentos,o que resultou em um prejuízo x. E a loja, ao seu turno, sem necessariamen-te negar a causa de pedir remota, rejeita ter qualquer responsabilidade noevento, sob a alegação de que, ao contrário do fabricante, não responde pelofato do produto (artigo 12 do CDC). Os motivos que comporiam a causapetendi próxima são previsíveis, ínsitos à própria narrativa factual.42

Contudo, mais curiosas são as hipóteses em que o fato (causa de pedirremota) ou não é bem esclarecido ou se transforma, por conta de outro fatosuperveniente. E aqui entra uma aplicação mais direta do princípio da indi-vidualização, o qual para a maioria dos autores não foi acolhida (ou pelomenos, não como regra) no nosso diploma processual, já que a exigência danarrativa do fato e do fundamento (artigo 282, III, do CPC) revela a reali-zação do princípio da substanciação.

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42 ROBERTO PORTUGAL BARCELLAR, Juizados Especiais – A nova mediação paraprocessual, SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 235, para demonstrar que a importância da simplificação e da des-necessidade de formalismos e burocracia excessiva, lembra que os Juizados Especiais Cíveis no Brasilforam instituídos com base no modelo norte-americano (Small Claims Courts) e que lá não há a neces-sidade de narrativas extensas ou fundamentações técnicas. Ilustra com um interessante exemplo, emseguida transcrito: “Os pedidos, em algumas cortes de pequenas causas da Florida, são simples, de fácilpreenchimento e, inclusive, podem ser formulados marcando-se um ‘x’ ou acionando-se uma tecla docomputador. O autor indica nome, telefone e endereço, dele e do réu, assinala o tipo de questão e desdelogo o computador indica o dia e horário que o autor deverá comparecer para a audiência...”.

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Mas o próprio CPC traz regras especiais que revelam uma maiorimportância do fundamento do que do fato em si. É o que ocorre, v.g., nasações possessórias. Não é importante saber se o ato do réu fora realmente deesbulho ou turbação, até porque ele pode se alterar no curso da demanda(ou até antes da propositura da ação) mas sim que o ato que pratica, de qual-quer forma, afronta o direito de que afirma ser o possuidor justo e de boa-fé, que pode ter o exercício dos poderes inerentes à propriedade (artigo1.195 do CC) e se opor em face daquele que injustamente opera a violação(artigo 1.210 do CC).

Nas cautelares também não parece ser de fundamental importância ofato estático. Ao contrário, diante do princípio da fungibilidade (que vaiatingir até ao pedido) pode-se conhecer das variantes fáticas para se deferiraté uma medida que não foi exatamente a requerida inicialmente (sob penade se negar o próprio sentido e objetivo das demandas de cautela).

E ainda temos os casos jurisprudenciais, nos quais se afastando umrigor excessivo e ilógico, admite-se que o fato, quando transmudado, nãoopera problemas processuais, posto que o fundamento se mantém intacto.È o que se dá, por exemplo, quando proposta uma demanda de nunciaçãode obra nova, percebe-se no seu curso que a obra já foi concluída. Seriaabsurdo acolher-se uma extinção do processo sem resolução de mérito (porfalta de interesse processual qualificado pela ausência de adequação) deven-do prosseguir-se como uma demolitória, já que o fundamento (direito àincolumidade física e patrimonial) é o mesmo.

O que há de comum entre tudo isso? Seja no caso de se verificar supos-tos problemas na causa de pedir remota (fato) ou próxima (fundamento)percebe-se que isso não se traduz em real dificuldade processual para oconhecimento de mérito quando em nada se limita a ampla defesa e o con-traditório do réu. Mesmo que isso ocorra excepcionalmente, é possívelmesmo às demandas nas quais se aplicação exclusivamente o CPC. Logo,com mais os argumentos derivados da informalidade, simplicidade e daausência de complexidade material, não se pode querer que em sede de jui-zados não se considerem tais possibilidades. Ao contrário: lá, o que noentendimento puro do CPC era uma profunda exceção, pode se tornar umaconduta bem mais comum.

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3.2. A exposição “de forma sucinta”

A determinação pela qual a exposição deva se dar “de forma sucinta”,por outro lado, também não parece que esteja a indicar unicamente umanarrativa resumida, de poucas palavras, breve.

Naturalmente, esta também é a intenção da norma processual especial,até porque, se as causas são de pequena complexidade, nada justifica umalonga exposição, inviabilizando inclusive a celeridade e a oralidade.

Mas se a informalidade rege o sistema dos Juizados, no qual o leigopode oralmente formular um pleito, seria incompatível a exigência de tec-nicismo na formulação da causa de pedir tal como se tem no CPC.43 O leigo,em verdade, na maior parte dos casos age e move sua ação motivado por umsenso instintivo de justeza, que serve para aferir a sua lesão e definir suapretensão, sem apoiar-se em fundamentos técnicos.44

Assim, como já defendido acima, soa-nos sem sentido que a falta defundamentos jurídicos formalmente declinados gere inépcia à inicial. Damesma fora, não se pode aplaudir a idéia pela qual a narrativa do fato con-tenha detalhamentos sobre circunstâncias que, para o leigo, não soem rele-

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43 “PEDIDO –Dispensa de formalidade – Simplicidade e informalidade – Interpretação – Finalidade –Pretensão – Sentença extra petita – Inocorrência – A Lei 9.099/95 dos Juizados Especiais, ao dispensara presença de advogado nas causas de valor até 20 salários mínimos, adotando os princípios da oralida-de, simplicidade e informalidade, dispensa formalidades e requisitos consagrados no processo comum,o que dá ainda mais ênfase aos princípios da mihi factum, dabo tibi jus e jura novit cúria, transferindoao juiz a responsabilidade de harmonizar e interpretar os fatos narrados pelas partes ao direito norma-tizado, dando-lhes a decisão que reputar mais justa, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências dobem comum, nos termos do art. 6º da mesma lei – A parte leiga, que comparece sozinha ao Juizado, nãotem a obrigação de expor, com precisão, os fundamentos jurídicos do pedido, pelo que basta que amesma narre os fatos e exponha suas pretensões, cabendo ao julgador aplicar a lei e adotar a decisão quereputar mais justa e equânime, mesmo que o pedido não seja claro, desde que não prejudicada a defesado réu e a decisão seja coerente com a pretensão formulada – Não é extra petita a sentença, no JuizadosEspecial Cível, que se atém aos fatos articulados e à pretensão deduzida, visto que a precisão do pedidonão constitui requisito essencial nesse novo instituto (1ª Turma Recursal de Belo Horizonte – MG, Rec.187, Rel. Vanessa Verdolin Hudson de Andrade)”; “PEDIDO – Requisitos formais – A petição inicial eo termo de reclamação, quando esta for oral, não estão obrigados a atender os requisitos indicados noart. 282 do Código de Processo civil; limitam-se tão-somente àqueles indicados no art. 14 da Lei nº9.099/95 (2ª Turma Cível e Criminal do Maranhão, Ac. nº 1.571/00, Rel. Gevásio Protásio dos SantosJúnior)”. (Decisões extraída do livro de JORGE ALBERTO QUADROS DE CARVALHO SILVA, “Leidos Juizados Especiais Cíveis Anotada”, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

44 O que CRUZ E TUCCI chama de “situação substancial” (“A causa petendi....”, p. 128)

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vantes. E, se ao final perceber-se que na realidade eram, há de se permitira sua menção e conhecimento.

Aqui remetemos aos mesmos motivos já expressos para justificar a flexi-bilização em relação ao pedido, lembrando que, embora não se possa imporum comportamento com rigidez e formalismos exacerbados, por outro lado aobservância das garantias mínimas do processo é um imperativo.

Ao analisar o problema relativo ao alcance fático da causa de pedir,LEONARDO GRECO45 sustentou a necessidade de investigação pelo julga-dor para delimitar a coisa litigiosa, com a colaboração das partes, devendoagir no sentido de promover todo o esclarecimento necessário da questãoapresentada pelo autor. Se a oralidade é, inclusive, o único princípio men-cionado na CF para aplicação aos Juizados Especiais, juntando-o com ainformalidade, parece-nos, mais do que uma faculdade, ser dever do juizindagar ao autor (ainda que em audiência) – na hipótese de dúvida – não sóo que busca, mas a integralidade das razões pelas quais o faz.

É dizer: enquanto for possível ao réu desvendar as razões do autor – quedeverão, em razão da natureza da causa, ser simples - não há razão para preo-cupações formalistas. Se tal esclarecimento ocorre tardiamente, desde que asrazões sejam conexas ou decorrentes das já apresentadas, a sua cognição deveser deferida, ainda que isso importe em nova oportunidade para o réu semanifestar, se necessário à vista dos novos fatos. A relativização da rigidez doartigo 264, do CPC, é imprescindível à própria efetividade do processo.

4. A alteração do pedido e da causa de pedir

A regra do artigo 264, do CPC, importa na impossibilidade de modifi-cação do pedido – e também da causa de pedir – após a citação, salvo como consentimento do réu e que, em nenhuma hipótese, a mesma poderiaocorrer após o saneamento do feito. Já o artigo 294, do mesmo estatuto, nãoadmite o aditamento após a citação.

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45 “No curso do processo, essa investigação ainda é possível, porque as partes ainda dependem da decisãodo juiz e devem colaborar na delimitação da coisa litigiosa, podendo o juiz tomar as providências neces-sárias para elucidar a intenção da manifestação de vontade do autor” (ob. cit., p. 68).

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Para a análise do tema, mister a exposição da justificativa da imposiçãolegal.

Trata-se da aplicação do princípio da estabilidade objetiva da deman-da. Se por um lado o autor tem plena liberdade para ingressar com uma açãoe nela fazer o pedido que lhe convier – ante os princípios do acesso à Justi-ça, da demanda e correlação – parece razoável se exigir que não haja emregra a mutabilidade do mesmo, sob pena de ser por um lado injustificávelo rígido tratamento legal indicado para a sua formulação na petição inicial.

Além disso, a incerteza constante impossibilitaria não só que o réu sedefendesse amplamente, mas também que o autor, à vista das alegaçõesdefensivas, adaptasse o seu pedido ou a própria causa de pedir (ante a claraindicação de que o original não seria provido) já ciente das teses da partecontrária, importando isso em verdadeira inversão processual.46

A possibilidade de modificação antes da citação justamente se acolhepor estar o processo ainda em formação, não estando o réu integrado à ação(artigo 219, do CPC). E se o réu concorda com a dita modificação mesmoapós a citação, presume-se que isso não lhe cause qualquer prejuízo proces-sual: ao contrário, anuindo que a matéria sob adstrição se amplie, tende aevitar ser demandado novamente.

Em sede de Juizados Especiais Cíveis, o problema inicial acerca do temaé óbvio: por não haver uma dilação procedimental, sendo os atos extrema-mente concentrados, a modificação do pedido após a citação pode ser obsta-da ante a negativa do réu pelo fato de não ser possível uma defesa adequada.

Realmente, enquanto no rito ordinário, ocorrendo a modificação dopedido e anuindo o réu, a este será deferido prazo razoável para se manifes-

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46 A esse respeito, interessante a seguinte decisão proferida no STJ, no julgamento do Resp 320977/RS, 4ªTurma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, em 2002 (disponível no site: www.stj.gov.br): “CIVIL EPROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO NO SERASA. ALTERAÇÃO DO PEDIDOAPÓS A CONTESTAÇÃO, EM RÉPLICA. INADMISSIBILIDADE. CPC, ART. 264. IMPUTAÇÃO DEOMISSÃO DO RÉU EM COMUNICAR A INSCRIÇÃO. AJUIZAMENTO IMEDIATO DA AÇÃO.IMPOSSIBILIDADE MATERIAL. IMPROCEDÊNCIA. I – Pleiteada indenização ao argumento de quea inscrição no SERASA fora indevida por ausência de execução contra a autora, e verificado, em faceda contestação, que de fato havia cobrança judicial como constava do registro, é defeso à postulantealterar o pedido, já em réplica, para, buscando contornar o equívoco flagrante por ela cometido median-te assertiva inverídica na inicial, requerer o ressarcimento ao argumento de que o ilícito se dera emrazão também da não comunicação prevista no artigo 43, parágrafo 2º, do CDC (...)”.

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tar, contestando de forma escrita o novo pedido, no rito da Lei nº 9.099/95a menção acerca da alteração é formulada em regra na própria audiência deinstrução e julgamento, já tendo o reclamado sido citado e preparado a suaresposta, aguardando-se um julgamento imediato. E não há qualquer regraespecífica que amenize o teor do artigo 264, do CPC.

Contudo, há peculiaridades que não podem ser ignoradas e que in-fluenciarão em um entendimento diferenciado da questão para a sua apli-cação nos juízos especiais.

De início e como já ressaltado, o próprio sistema legal já trata o pedi-do (e seus fundamentos) de maneira diversa ao que consta no artigo 282, doCPC. Nota-se, em observância ao princípio da informalidade, que não pare-ce ter a lei exigido do autor-reclamante a tecnicidade ordinária, até porqueem alguns casos pode formular a sua inicial sem assistência profissional.

Em continuação, admitindo-se a rígida aplicação do artigo 286, doCPC, em certas hipóteses a emenda seria faticamente impossível, posto que,sendo expedida imediatamente a ordem citatória com a propositura da ini-cial, não haveria sequer dilação temporal para tanto.

Ao contrário do que ocorre no rito ordinário, o reclamado não é cita-do para responder em determinado prazo, mas sim para comparecer àaudiência de conciliação.47 E nesta não há previsão legal para que a contes-tação seja ofertada, decorrendo os efeitos da revelia naquela oportunidadeunicamente de eventual ausência do reclamado.48

Assim, resta claro que, muito embora seja facultado ao reclamado fazê-la antes, a resposta há de ser ofertada por ocasião da audiência de instruçãoe julgamento. Ora, partindo-se desta premissa, por que não seria admissívela alteração do pedido (e da sua causa) em audiência de conciliação?Nenhuma das razões que justificam a limitação trazida no artigo 286, doCPC, poderia vingar: não se tolheria o reclamado de se defender ampla-mente, não ocorrendo qualquer preclusão consumativa ou temporal ao seudireito de impugnação.

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47 Artigos 16 e 18, § 1º, da Lei nº 9.099/95.48 Artigo 20 da citada norma.

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Alegar-se que a conciliação poderia ser prejudicada se revela um argu-mento inconsistente, já que a mesma pode ocorrer posteriormente, inclusi-ve na própria audiência de instrução e julgamento, com fulcro no artigo125, IV, do CPC. E de qualquer forma, melhor solução seria o aguardo denova audiência, com a solução de todo o real conflito material entre as par-tes, do que se deixar brechas para a propositura de nova demanda.

Sobre o tema, a jurisprudência vem mantendo uma linha extrema-mente liberal, de maneira a permitir emenda à inicial para a modificaçãodo pedido mesmo em audiência de instrução e julgamento49 desde querespeitado o contraditório, muitas vezes indicando que a mesma consti-tui um esclarecimento do pleito inicialmente informado quando da pro-positura.

Mas entendemos que há de existir um limite para tanto, sob pena deocorrer uma inovação processual tão radical que a própria identidade dademanda desapareceria. É dizer: a emenda não pode causar uma transmu-dação processual, de maneira a se confundir como uma nova ação comple-tamente diversa da proposta.

Parece-nos que a admissão da emenda em tais hipóteses deva ficar con-dicionada ao fato de ser o novo pedido correlato com o anterior ou decor-rente do mesmo, de maneira que a razão empírica (causa de pedir remota)que lhes dá origem seja comum, o que evita inclusive maiores ônus para a

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49 “Nos JE´s, o processo se orienta pelo critério da “simplicidade”, que permite que o pedido, deduzidooralmente pela parte, contenha de forma sucinta os fatos e fundamentos, o objeto e seu valor, além dedados para identificação e localização das partes; além disso, pelo mesmo critério, é possível o melhoresclarecimento do pedido em audiência” (RJE 16/34-35); “Em face dos critérios que informam o proce-dimento do JE, quando o pedido é deduzido oralmente e registrado pela secretaria de forma deficiente,o autor pode aclará-lo na audiência, incluindo, inclusive, como no caso, solicitação de condenação emmulta por inadimplemento contratual (mesma causa de pedir)” (RJE 17/46); “Pedido formulado no bal-cão do Juizado que se apresenta inepto. É ônus do Judiciário em relação ao consumidor que, ao abrigoda LJE, comparece pessoalmente para propor ação, colher as informações e registrar o pedido de formasuficientemente clara, para que possa ser contestado e apreciado adequadamente. Verificadas omissõesque impedem o normal prosseguimento, compete ao magistrado o oportuno saneamento, evitando cer-ceamento de defesa e ou prejuízos à prestação jurisdicional” (RJE 30-31/36); “Inexiste nulidade proces-sual pelo aditamento do pedido três dias antes da audiência. Até na audiência de instrução o pedidopode ser aditado, desde que garantido o contraditório” (RJE 18/99).A petição inicial deve atender,somente, aos requisitos do Art. 14 da Lei nº 9.099/95, ressalvando-se, em atenção aos princípios do Art.2º do mesmo diploma, a possibilidade de emenda por termo na própria audiência, devendo o Juiz inter-pretar o pedido da forma mais ampla, respeitado o contraditório (Enunciado 3.1.1, da Consolidação dosEnunciados dos Juízes e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro).

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defesa do reclamado. Há naturalmente fatos cujo conhecimento devem serlevados em consideração para se proferir a sentença, ainda que não lança-dos na inicial, como os trazidos na hipótese do artigo 462, do CPC,50 inde-pendentemente da ocorrência de emendas. Mas não está a se tratar desses.O que parece não ser razoável é que em audiência de instrução e julgamen-to ocorra uma emenda ao pedido, fundando-o em uma causa de pedir com-pletamente diversa da inicial.

Imagine-se a hipótese do autor que ingressa com demanda em face deseu vizinho, narrando que o muro que está construindo é irregular, por nãorespeitar as normas de vizinhança, pleiteando de início o seu desfazimento.Parece ser plausível que, em emenda ao pedido, requeira indenização peloseventuais danos que sofreu com as obras de contenção, já que tanto umquanto o outro decorrem do mesmo fato. Mas não se afigura razoável queem audiência venha a alegar que o reclamado lhe deve uma indenização,mas por inadimplência de um contrato de locação ou por ato ilícito devidoa um acidente automobilístico, fatos que nenhuma relação tem com a ques-tão originariamente exposta.

Como já bem ressaltado, imprescindível que o reclamado tenha a opor-tunidade de ter se manifestado sobre o fato e se defender plenamente. Aliás,dada a pequena complexidade dos casos que chegam aos Juizados Especiais,por mais das vezes o argumento utilizado pelo reclamado para impugnar opedido original servirá para igualmente rechaçar o formulado em alteração.E na eventual hipótese de não ser possível a elaboração de defesa imediata,pode-se aplicar analogicamente os artigos 27 e 31, parágrafo único, da Lei9.099/95,51 que permitem a designação de nova data para a audiência, como fito de obstar eventual tolhimento ao direito de defesa.

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50 Artigo 462 do CPC: “Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extin-tivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou arequerimento da parte, no momento de proferir a sentença”.

51 Artigo 27 da Lei nº 9.099/95: “Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiênciade instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa”. Artigo 31, p.u., da Lei nº9.099/95, que trata da hipótese de existir pedido contraposto: “O autor poderá responder ao pedido doréu na própria audiência ou requerer a designação da nova data, que será desde logo fixada, cientestodos os presentes”.

162 Mario Cunha Olinto Filho

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5. Conclusões

Muitos trabalhos já existem acerca das Leis nºs 9.099/95 e 10.259/01,assim como coletâneas de julgados relativos aos Juizados Especiais Cíveis.

Contudo, são poucos os que se dedicaram exclusivamente, ou commaior profundidade, às peculiaridades processuais relativas aos elementosda ação. O assunto é, por mais das vezes, tratado de forma superficial, dandoorigem a classificações e conclusões equivocadas.

Chamamos a atenção para a necessidade de mitigação da rigidez tradi-cional trazida pelo CPC no que toca ao pedido e a causa de pedir, sem, con-tudo, atropelar o direito ao contraditório e ampla defesa. O formalismo nãopode ter justificativa em si próprio, mas também não se pode admitir – soba comum desculpa da aplicação dos princípios da informalidade, simplici-dade e oralidade – que tudo se pode fazer.

Valoriza-se aqui a dispensa da formalidade inútil, sugerindo espaço parao conhecimento do que é apurável diante da existência de pequenos erros denarrativa factual ou de elaboração do pedido quando é evidente a intenção daparte (muitas vezes desassistida) que não raro é reconhecida pela própria nar-rativa presente na contestação do réu. E quando eventual modificação impor-ta em real ampliação do objeto da demanda (desde que haja um grau de cone-xidade ou derivação da mesma conduta que dá origem a causa de pedir) queseja admitida a emenda e posterior manifestação do reclamado, afirmando-sea importância dos princípios dispositivo e da adstrição, evitando-se o perigo-so entendimento quanto a possibilidade de julgamentos ultra ou extra petita.

Dentro dessa visão, cabe ao julgador especial cuidado no manejo pro-cessual, que, diante de todos os princípios mencionados, deverá se interes-sar em conhecer o real alcance do litígio (a lide efetiva) se entrevistandoinformalmente com as partes na audiência ou solicitando as informaçõesque entender necessárias, para que elas acompanhem igualmente o raciocí-nio e os provimentos do magistrado.

6. Referências bibliográficas

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164 Mario Cunha Olinto Filho

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IIIRecursos

nos Juizados Especiais Cíveis

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7Aspectos Relevantes do SistemaRecursal dos Juizados Especiais

Gustavo Quintanilha Telles de Menezes

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do sistema recursal dos Juizados Especiais. 3. Do recurso ino-minado e seu julgamento. 4. Do Recurso Extraordinário e da Ação Rescisória. 5. Con-clusões. 6. Bibliografia.

1. Introdução

Não é recente em nossa história jurídica, a demanda por uma prestaçãojurisdicional mais célere, embora somente com a Emenda Constitucional nº45, de 30 de dezembro de 2004, esse anseio tenha sido alçado ao nobre pata-mar de direito fundamental constitucional, na letra do inciso LXXVIII, queo incluiu no extenso rol do artigo 5º da Constituição da República.

A busca permanente pelo adequado cotejo entre qualidade e tempo, noexercício da atividade jurisdicional, passa por diversos caminhos, que seestendem desde a sempre almejada desburocratização do serviço públicoem geral – notadamente com ampla implementação de tecnologia – até oestudo dos corretos instrumentos jurídicos, que possam saciar a pressa dojurisdicionado, sem o deixar ao desamparo das garantias que asseguram alegitimidade das decisões judiciais.

Nesse contexto de contínuo amadurecimento do sistema processual,visando sempre a tornar a justiça mais acessível aos cidadãos, coerente comas ondas renovatórias do processo civil identificadas por CAPPELLETTI,1 a

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1 CAPPELLETTI, Mauro. BRYANT Garth. Access to Justice: The Wordwide Movement to Make RightsEffective – A General Report. Access to Justice: A Word Survey. Mauro Cappelleti and Bryant Garth,Eds. (Milan: Dott. A. Guiffre Editore, 1978).

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Lei nº 9.099/95, de 26 de dezembro de 1995, veio cumprir o papel de refor-mular o procedimento de prestação jurisdicional em casos de menor com-plexidade, ante os limites técnicos e estruturais da Lei nº 7.244, de 7 denovembro de 1984, que tratava dos Juizados de Pequenas Causas.

Atento, pois, ao mandamento constitucional de eficácia limitada,2 inse-rido no artigo 98, inciso I, da Carta Federal, a denominada Lei dos JuizadosEspeciais instituiu microssistema processual próprio. Definindo um sistemarecursal particular – ao menos em parte – a Lei nº 9.099/95 passou a mere-cer da doutrina e da jurisprudência um estudo e tratamento em separado,notadamente porque não se pode perder de vista os princípios específicosque informam o singular sistema jurídico dos Juizados, quais sejam, a orali-dade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade.3

Nesse passo, tem ensejo uma breve análise das características peculia-res da disciplina de recursos nos Juizados Especiais Cíveis,4 quer paramelhor compreender a integralidade do sistema, quer para progredir nopermanente desenvolvimento dos instrumentos jurídicos ao adequadoexercício da jurisdição.

2. Do sistema recursal dos Juizados Especiais

Insta salientar, de início, que a Lei nº 9.099/95 dispôs sobre seu siste-ma recursal em seus artigos 41 a 46, 54 e 55, pelo que, embora as normasgerais previstas do Título X, do Livro I, do Código de Processo Civil sejam-lhe supletivas, sua aplicação depende de guardarem coerência com os prin-cípios anteriormente elencados, que informam o sistema dos JuizadosEspeciais, restringindo-se praticamente à parte procedimental e não sendoadmitida a interposição de recursos não previstos na Lei dos Juizados.

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2 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 6ª ed. Malheiros: São Paulo, 20033 ROCHA, Felippe Borring. Juizados Especiais Cíveis, Aspectos Polêmicos da Lei nº 9.099, de 26/9/1995.

1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000, p. 14.4 Da Lei nº 9.099/95, aplicam-se aos Juizados Especiais Cíveis somente os artigos 1º a 59 e 93 a 97, visto

que os artigos 60 a 92 tratam somente dos Juizados Especiais Criminais; neste trabalho dar-se-á atençãoexclusiva aos primeiros, ficando os demais para outra oportunidade.

170 Gustavo Quintanilha Telles de Menezes

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O primeiro ponto interessante da Lei consiste exatamente no fato denão ter sequer reservado uma seção específica para recursos. A opção legis-lativa, embora carente de algum apuro técnico, já demonstra que não quiso legislador prestigiar a impugnação das decisões da primeira instância.

Compreende-se essa linha, a uma, pelo fato de que se pretendia umaágil solução do conflito, se possível sem nenhum recurso – conceito quetambém respaldou a isenção de custas na primeira instância e sua cobrançana fase recursal, como elemento dissuasório de recursos – a duas, observa-se que os julgamentos de segunda instância são desenvolvidos por magistra-dos de primeiro grau,5 não se exigindo, portanto, tratamento da matériacom o rigor do Capítulo VII do Código de Processo Civil (“Da Ordem dosProcessos no Tribunal”).

Em verdade, os oito artigos referem-se apenas a um recurso, que antea ausência de nomenclatura legal específica, foi alcunhado pela doutrina derecurso inominado. O outro recurso previsto no projeto da lei estava noartigo 47, que foi vetado.

O veto ao referido artigo 47 excluiu do sistema recursal dos Juizados orecurso de Embargos de Divergência. O Ministério da Justiça assim semanifestou nas Razões de Veto, quanto ao artigo 47:

“O art. 47 do projeto de lei deve ser vetado, com funda-mento no interesse público, porque a intenção que norteou ainiciativa parlamentar foi propiciar maior agilidade processual,o que não aconteceria com a sanção deste dispositivo, visto queele ensejaria o aumento de recursos nos tribunais locais, em vezde sua diminuição. Daí, não mais haveria brevidade na conclu-são de causas, contrariando todo o espírito que moveu a propo-sição e que traduz o anseio de toda a sociedade brasileira.”.

Andou bem o Poder Executivo em vetar o artigo, tanto assim que sepoupou às partes o desgaste de mais uma etapa recursal sem qualquer pre-

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5 Adota-se a distinção entre instância e grau de jurisdição, imputando-se àquela a distinção quando háum ou mais níveis de conhecimento da causa, e este para diferenciar a hierarquia de competências cog-nicíveis por um magistrado – juiz ou desembargador – dentro de um mesmo Tribunal.

171Aspectos Relevantes do Sistema Recursal dos Juizados Especiais

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juízo, já que a prática das Turmas Recursais conduziu à edição deEnunciados de Unificação de Jurisprudência, à semelhança dos Tribunais.Estes enunciados vêm cumprindo com louvor a função de unificar osentendimentos colegiados, homogeneizando as decisões na instância recur-sal, sem acréscimo do tempo de julgamento nos casos individuais.

Como sucedâneo recursal ao agravo – sem previsão similar na Lei ecuja utilização foi vedada pela jurisprudência6 – a advocacia militante temutilizado o mandado de segurança, como acontecera outrora com a correi-ção parcial7 e com o próprio mandado de segurança, apesar da Súmula 267do Supremo Tribunal Federal.8 Ante a ausência de recurso judicial destina-do a impugnar decisão que pode violar direito da parte, exsurge a hipótesedo artigo 5º, inciso II, da Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951.

O mandado de segurança permite a impugnação de decisões interlocu-tórias, que seriam, pela Lei nº 9.099/95, irrecorríveis de primeira instância.

Interessante observar que na jurisprudência das Turmas Recursais doTribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não é comum a aplicaçãodos artigos 527, inciso III, e 558, ambos do Código de Processo Civil, queautorizam a antecipação de tutela recursal pelo Relator, assim como se temcomo incabível a utilização do artigo 557, posto que não havendo previsãolegal ou regimental de agravo interno, essas decisões seriam irrecorríveis.9

Aliás, registre-se que a própria antecipação dos efeitos da tutela, inser-ta no artigo 273 do Código de Processo Civil, não tem previsão expressa naLei dos Juizados, sendo mais um dos muitos exemplos de aplicação denorma própria do procedimento comum do Código de Processo Civil,inclusive com amparo no poder geral de cautela inserto no artigo 5º, incisoXXXV, da Constituição da República.10

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6 Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis, Enunciado nº 11.5: “Agravo De Instrumento – Inadmis-sibilidade. No sistema de Juizados Especiais Cíveis, é inadmissível a interposição de agravo contra deci-são interlocutória, anterior, ou posterior à sentença.”

7 ARAGÃO, Égas Dirceu Moniz de. A Correição Parcial. Curitiba: Ed. Lítero-Técnica, 1958.8 Vide o RE 76.909, julgado a 5.XII.73, RTJ, 70/504.9 Em sentido contrário, o Enunciado nº 102, do Fórum Nacional dos Juizados Especiais, aprovado no XIX

Encontro – Aracaju/SE.10 Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis, Enunciados nº 14.5.1.

172 Gustavo Quintanilha Telles de Menezes

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Os embargos de declaração, que podem ser opostos oralmente e cujacaracterística de recurso é negada por boa doutrina,11 apenas suspendem –e não interrompem – o prazo recursal, a contar da sua interposição até apublicação da decisão sobre os mesmos. A nosso sentir, a Lei nº 9.099/95demonstrou apuro técnico em não tratar os embargos de declaração comorecurso, haja vista que não objetivam, em regra, impugnar a decisão, massim provocar sua integração, esclarecimento ou ajuste, sem lhe impormodificação de conteúdo.

Os chamados embargos declaratórios de efeitos infringentes ou modi-ficativos – e sua discutível aplicação – transcendem o foco específico dotema em exame.

3. Do recurso inominado e seu julgamento

O recurso inominado tem a mesma natureza da apelação no procedi-mento comum, devolvendo ao órgão julgador da instância superior – aTurma Recursal – toda a matéria de direito e de fato impugnada, tendo porfunção revisar a atividade judicante da primeira instância, para reformar ouanular a sentença.12

Com efeito, afigura-se cabível a impugnação da sentença com a inter-posição de recurso inominado – que não tem efeito suspensivo – vedado orecurso contra sentença homologatória de acordo ou de laudo arbitral,sendo esta, pois, irrecorrível.13

O julgamento pela Turma Recursal processa-se na forma do Regimen-to das Turmas Recursais, consolidado na Resolução nº 07/2006 do Conselhoda Magistratura ostenta significativa importância no Estado do Rio deJaneiro, tanto em matéria recursal, quanto nos demais temas afetos aosJuizados Especiais, a Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis dasTurmas Recursais e os Enunciados do Fórum Nacional de Juizados Especiais

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11 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 590.12 Idem, p. 375.13 Lei nº 9.099/95, “Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral,

caberá recurso para o próprio Juizado.”

173Aspectos Relevantes do Sistema Recursal dos Juizados Especiais

Page 186: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

– FONAJE, todos encontráveis no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça doEstado do Rio de Janeiro.14

Feito o pregão, o Presidente indaga sobre a presença de advogado quepretenda sustentar oralmente, normalmente inscrito em lista prévia, parafacilitar os trabalhos da Turma. Defere-se cinco minutos para cada advoga-do. Frise-se que o Relator poderá dispensar a sustentação oral, se entenderdesnecessária em razão de seu voto ser favorável ao direito pleiteado, hipó-tese em que poderá ser concedida, se houver um voto contrário.

As deliberações das Turmas serão tomadas por maioria de votos e ojulgamento constando apenas na ata os dados identificadores do processo,fundamentação sucinta e parte dispositiva, servindo a súmula do julga-mento como acórdão, caso a sentença seja confirmada pelos seus própriosfundamentos. Permite-se a incorporação da sentença às razões de decidirdo acórdão.

No mesmo sentido da Lei nº 11.672, de 08 de maio de 2008, que intro-duziu o artigo 543-C no Código de Processo Civil, comumente são realiza-dos simultaneamente o julgamento de casos análogos, tanto que oRegimento autoriza que a secretaria das Turmas Recursais, a critério do JuizCoordenador, extraia súmula coletiva, referente a todos ou parte dos pro-cessos de uma mesma sessão que tenham sido decididos de igual forma, aser assinada pelos juízes que participaram da sessão, constando dos autosjuntamente com o voto ou votos eventualmente redigidos pelos juízes queparticiparam do julgamento.15

Prevalece o entendimento que a expressão “mencionará”, constante doArt. 38, da Lei nº 9.099/95, significa que o Juiz deverá motivar sua decisãoenfrentando, ainda que de maneira concisa, todas as questões de fato e dedireito levantadas pelas partes.

São decididas pelo Colegiado das Turmas Recursais todas as questõesatinentes à admissibilidade, não devendo fazê-lo sozinho o Relator. Quantoao requisito de recolhimento de custas, registre-se que o entendimentojurisprudencial é de que não se aplica o § 2º do artigo 511 do Código de

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14 Sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: www.tj.rj.gov.br.15 Resolução nº 07/2006, artigos 9º e 15.

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Processo Civil. O não recolhimento integral do preparo do recurso inomi-nado, previsto no artigo 42, § 1º, da Lei nº 9.099/95, importa em deserção,inadmitida a complementação a destempo. Inclusive é irrecorrível a deci-são monocrática que não recebeu o recurso por deserção ou intempestivi-dade, não havendo sequer a remessa dos autos às Turmas Recursais emqualquer hipótese.

Também não se admite nos Juizados Especiais, recurso adesivo em sedede Juizados Especiais, por falta de expressa previsão legal.16

Importa destacar que não se aplica ao julgamento pelas TurmasRecursais o Princípio da Reserva de Plenário às Turmas Recursais, previstono artigo 97 da Constituição da República.

A toda evidência, o artigo 98 da Constituição consubstancia exigênciapara a formação da jurisprudência de segundo grau de jurisdição de umTribunal sobre a inconstitucionalidade de uma lei, o que não impede que osórgãos de primeiro grau, que não exprimem o entendimento coletivo doTribunal, dispensem o requisito.

As Turmas Recursais não têm competência para exprimir (nem repre-sentar, nem vincular) a jurisprudência do Tribunal, órgão jurisdicional desegundo grau, sobre a inconstitucionalidade de uma lei, logo, à semelhançado que ocorre com os juízes, as Turmas Recursais, que também são órgãosde primeiro grau, podem declarar incidentalmente a inconstitucionalidadede lei, sem terem que antes encaminhar a questão ao Órgão Especial.

Não se vislumbra nisso que as Turmas Recursais tenham mais liberda-de de julgamento do que têm as Câmaras – que devem remeter ao ÓrgãoEspecial a declaração incidental de inconstitucionalidade – o que ocorre éque as Câmaras, órgãos julgadores de segundo grau, embora órgãos fracio-nários, exprimem e consubstanciam a jurisprudência do Tribunal, no limi-te de suas competências.

Vale observar que não deve surpreender o fato de uma decisão de umórgão de primeiro grau – Turmas Recursais – sobre a inconstitucionalidadede uma lei, ser submetida diretamente ao Supremo Tribunal Federal, poisnosso sistema de controle constitucional caminha, em sucessivas reformas,

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16 Consolidação dos Enunciados Jurídicos Cíveis, Enunciados nºs 10, 11 e 14.

175Aspectos Relevantes do Sistema Recursal dos Juizados Especiais

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para impor o controle pelo Tribunal de Cúpula diretamente aos órgãos deprimeiro grau.

Nota-se o fenômeno em todas as ações declaratórias de constituciona-lidade e inconstitucionalidade, e na argüição de descumprimento de precei-to fundamental, que suspendem processos de primeiro grau e vinculam outornam ineficazes suas decisões, sem que se aguarde ou se exija a préviamanifestação dos respectivos Tribunais.

Não se veja nisso, tampouco, alforria às Turmas Recursais da eventualuniformização de jurisprudência feita pelo Tribunal. Cremos que devem asTurmas Recursais observar a jurisprudência unificada do Tribunal, bemcomo promover, no âmbito de sua competência, a unificação de jurispru-dência da matéria específica de Juizados Especiais.

Merece destaque, outrossim, a jurisprudência de fixação de honoráriosadvocatícios no máximo legal – vinte por cento sobre o valor da causa ouda condenação – nos casos em que o recurso não é provido. Cuida-se deopção jurisprudencial que reforça a intenção legal de inibir o excesso derecursos, especialmente os protelatórios, que ainda podem receber a sançãode multa por litigância de má-fé.

4. Do Recurso Extraordinário e da Ação Rescisória

O Superior Tribunal de Justiça não admite recurso contra decisãooriunda de Turmas Recursais, ao fundamento de sua competência constitu-cional estar disposta de forma exaustiva no artigo 105, inciso II, da Cons-tituição da República, que contempla somente o cabimento de RecursoEspecial contra decisões de Tribunais.17

Por outro lado, o artigo 102, inciso III, da Carta Magna não traz a mes-ma restrição, pelo que possível a interposição de Recurso Extraordináriocontra decisão proferida pelas Turmas Recursais,18 apesar de serem órgãosde primeiro grau, com competência recursal de segunda instância.

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17 Vide AgRg no Ag 68454 / SP, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 1995/0013128-5.18 ROCHA, Felippe Borring. Obra citada na nota nº 4, p. 167.

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Em que pese haver discussão jurisprudencial e doutrinária, mostra-seacertada fixação pelo artigo 5º, § 2º, alínea e, da Resolução nº 07/2006 doConselho da Magistratura do TJERJ, como sendo do Juiz Coordenador dasTurmas Recursais, a competência para fazer o juízo de admissibilidade dosRecursos Extraordinários, eventualmente interpostos, de decisão dasTurmas Recursais.

Embora os artigos 541 e 543 do Código de Processo Civil disponhamsobre a competência da Presidência ou Vice-Presidência para decidir sobrea admissão do Recurso Extraordinário, devem os dispositivos ser interpre-tados de forma consentânea à Constituição da República e à Lei Federal queestabelece o sistema dos Juizados Especiais, que tem a mesma hierarquiaque o Código de Processo Civil. Nesse sentido, o esclarecedor voto do Mi-nistro Sepúlveda Pertence:

“É o relatório.VOTO – O Sr. Min. Sepúlveda Pertence – (Relator): Não tem

razão o agravante: A Constituição dispõe ser da competência doSTF julgar, mediante RE, as causas decididas em única ou últimainstância, quando a decisão recorrida se enquadrar em pelo menosuma das hipóteses previstas nas alíneas do inciso III do art. 102.Não há vinculação à natureza do órgão jurisdicional prolator dadecisão recorrida, bastando que ocorra, como já dito, a configura-ção do que disposto no art. 102, da Constituição.

Assim, o STF já decidiu ser cabível RE das decisões que, ema-nadas do órgão colegiado a que se refere a Lei nº 7.244/84 (art. 41,§ 1º), resolvem processo instaurado perante Juizado Especial dePequenas Causas (Reclamação nº 459). O mesmo entendimento foiadotado sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Re-clamação nº 1.025).

Portanto, o art. 541 do CPC deve ser interpretado em confor-midade com a Constituição, e não proceder de forma inversa, ouseja, a interpretação da Carta tendo em vista o CPC; caso contrá-rio, jamais seria possível ao STF conhecer de RE interposto contra

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177Aspectos Relevantes do Sistema Recursal dos Juizados Especiais

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sentença em embargos infringentes de alçada (execução fiscal), oude julgamento de Turma Recursal de Juizado Especial.

Ressalte-se, também, que a redação do art. 541 é de 1994 (Lei8.950) e as leis que instituíram os Juizados Especiais são posterio-res (L. 9099/1995 e 10259/2001).

Nego provimento ao agravo regimental: é o meu voto.”(AI-AgR 491932 / RS - RIO GRANDE DO SUL. AG. REG.

NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. SEPÚLVE-DA PERTENCE. Julgamento: 27/04/2004. Órgão Julgador:Primeira Turma)

Ainda concluindo pela competência do Juiz Presidente ou Coordena-dor da Turma Recursal para aferir a admissibilidade do Recurso Extraor-dinário, o Enunciado nº 84 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais.

A Lei nº 9.099/95, em seu artigo 59, expressamente veda a possibilida-de de propositura de ação rescisória, medida harmônica com os princípiosque informam o sistema dos Juizados Especiais, notadamente ante a baixacomplexidade da matéria. Se os recursos já são corretamente desestimula-dos, com mais razão a revisão de uma decisão transitada em julgado.

Assim, com o devido respeito à tese daqueles que defendem que a AçãoRescisória não foi expressamente excluída na Lei nº 10.259/01, i.e., sugeremo cabimento da mesma no âmbito dos Juizados Federais,19 não vislumbra-mos tal possibilidade. O sistema processual dos Juizados Federais é essen-cialmente o mesmo dos Juizados Estaduais, não havendo, entre as pontuaisdiferenças, nada que enseje o cabimento daquilo que foi expressa e coeren-temente excluído.

5. Conclusões

Com efeito, impõe-se concluir que o sistema processual estabelecidopara os Juizados Especiais, notadamente em sua parte recursal, teve êxito

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19 OLIVEIRA, Eduardo Fernandes de. Ações Rescisórias nos Juizados Especiais Federais. Publicado nosítio eletrônico da Escola da Advocacia Geral da União, Revista, Ano VII, Edição agosto 2007.

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em organizar uma modalidade própria de revisão de decisões judiciais,equacionando a indispensável observância das garantias que são intrínsecasao ordenamento, com a redução das vias a serem percorridas, entre oingresso da demanda e a resposta judicial final.

Como disse o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Cesar AsforRocha, em palestra realizada na Corregedoria do Tribunal de Justiça doEstado do Rio de Janeiro, é preciso que o Poder Judiciário e o sistema jurí-dico preocupem-se com a integralidade do acesso à Justiça, não bastandoapenas viabilizar a entrada, mas também a saída do mesmo. Uma eficientedisciplina recursal permite que o jurisdicionado receba com presteza oresultado final da atuação judicial.

Uma menor diversidade de recursos e sucedâneos, sem contudo opor-tunizar às partes a revisão das decisões judiciais, um certo rigor, assim comoum procedimento mais eficiente e cujos problemas práticos mais frequen-tes já estejam pacificados em enunciados jurisprudenciais, são fatores quevão ao encontro do ideal de desburocratização e agilização da Justiça.

A contínua evolução dos institutos processuais, associada a procedi-mentos céleres e suporte tecnológico adequado, consubstanciam os recursosnecessários para que os Juizados Especiais sigam cumprindo cada vez melhora sua missão de viabilizar com eficiência e qualidade o acesso à Justiça.

6. Bibliografia

ARAGÃO, Égas Dirceu Moniz de. A Correição Parcial. Curitiba: Ed. Lítero-Técnica, 1958.

ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 2008, p. 220.

CAPPELLETTI, Mauro. BRYANT Garth. Access to Justice: The WordwideMovement to Make Rights Effective – A General Report. Access toJustice: A Word Survey. Mauro Cappelleti and Bryant Garth, Eds.(Milan: Dott. A. Giuffre Editore, 1978).

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 2008.

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179Aspectos Relevantes do Sistema Recursal dos Juizados Especiais

Page 192: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

MENEZES, Gustavo Quintanilha Telles de. Justiça coletiva em uma socie-dade de massa, publicado no Suplemento Especial de Doutrina daAssociação dos Magistrados do Estado Rio de Janeiro, Edição nº 3, Riode Janeiro: 2008.

OLIVEIRA, Eduardo Fernandes de. Ações Rescisórias nos Juizados Espe-ciais Federais. Publicado no sítio eletrônico da Escola da AdvocaciaGeral da União, Revista, Ano VII, Edição agosto 2007.

ROCHA, Felippe Borring. Juizados Especiais Cíveis, Aspectos Polêmicos daLei nº 9.099, de 26/9/1995. 1ª ed. Rio de Janeio: Editora Lúmen Júris,2000, p. 14.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 6ª ed.Malheiros: São Paulo, 2003

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8Da Recorribilidade das Decisões

Interlocutórias nos Juizados EspeciaisCíveis Federais e Estaduais

Bruno Garcia Redondo

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do Juizado de Pequenas Causas aos Juizados Especiais Cíveis.3. Os princípios informativos do processo nos Juizados Especiais. 4. Princípio da oralidadee seus postulados fundamentais. 5. O recurso contra determinadas decisões interlocutóriasnos Juizados Federais: agravo de instrumento. 6. O recurso contra determinadas decisõesinterlocutórias nos Juizados Estaduais: agravo de instrumento. 6.1. Primeiro fundamento:interpretação sistemática do Estatuto dos Juizados Especiais (Leis nºs 9.099/95 e 10.259/2001).6.2. Segundo fundamento: aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. 6.3. Terceirofundamento: agravo de instrumento como meio de evitar a indevida utilização do manda-do de segurança como sucedâneo recursal. 6.4. Quarto fundamento: inexistência, naprática, de efetiva concentração de atos processuais em audiência. 6.5. Quinto fundamen-to: ponderação de princípios e de interesses em conflito. 7. Conclusão. 8. Referências bi-bliográficas.

1. Introdução

O Juizado Especial atualmente é em dos mais importantes meios proces-suais para o acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário. As Leis nºs 9.099/95e 10.259/2001, aliadas a outros diplomas, mais voltados para o direito mate-rial (v.g., Lei nº 8.078/90), têm contribuído para a ampliação tanto de JuizadosEspeciais instalados pelo país, quanto de demandas a eles submetidas.

A ainda grave crise resultante da superlotação do Poder Judiciárioacentua o questionamento de diversos pontos relativos aos Juizados Espe-ciais, no que tange a aspectos eminentemente práticos e, principalmente,técnico-jurídicos que envolvem a ciência do Direito Processual Civil.

O desenvolvimento da atividade judiciária no âmbito dos JuizadosEspeciais gerou – e permanece gerando – divergência nos planos doutriná-rio e jurisprudencial, motivando, assim, o presente estudo sobre questão de

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relevância prática e técnico-científica: a recorribilidade das decisões inter-locutórias proferidas no âmbito dos processos em curso perante JuizadosEspeciais Cíveis Federais e Estaduais, especialmente daquelas capazes decausar lesão grave e de difícil reparação para a parte.

As questões de fundo trazidas por esse tema exigem considerações pre-liminares, ainda que sumárias, sobre o contexto jurídico-institucional queculminou com a criação dos Juizados Especiais Cíveis e sobre os seus prin-cípios norteadores.

2. Do Juizado de Pequenas Causas aos Juizados Especiais Cíveis

O Juizado Especial de Pequenas Causas, instituído pela Lei nº 7.244/84,foi idealizado como uma das formas de solucionar o fenômeno jurídico-social que Kazuo Watanabe denominou de litigiosidade contida, que con-sistiria na parcela de conflitos de interesses que não eram levados ao PoderJudiciário devido a três fatores:

(i) inadequação da estrutura do Judiciário, vigente à época,para solucionar conflitos individuais, principalmente os depequena expressão econômica;

(ii) tratamento legislativo insuficiente, tanto no plano mate-rial, quanto no plano processual, dos conflitos coletivos edifusos; e

(iii) tratamento processual inadequado das causas de reduzidovalor econômico, resultante da inaptidão do Judiciáriopara proporcionar uma célere e não-custosa solução dessaespécie de controvérsia.

O Juizado Especial de Pequenas Causas teria, assim, dentre os seus objeti-vos, proporcionar a resolução do terceiro fator desse fenômeno, para que fosseresgatada a credibilidade popular de que o Poder Judiciário seria merecedor1 e

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1 WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas do juizado especial de pequenas causas. In:WATANABE, Kazuo (coord.). Juizado especial de pequenas causas: Lei 7.244, de 7 de novembro de1984. São Paulo: RT, 1985, p. 02-03.

182 Bruno Garcia Redondo

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facilitado o acesso à Justiça2 em razão de suas características principais: gra-tuidade em primeiro grau; desnecessidade de assistência de advogado emdeterminadas hipóteses; emprego de recursos tecnológicos para proporcio-nar maior celeridade na tramitação processual; e duplo grau de jurisdição.3

A Constituição Federal, promulgada em 1988, passou a prever, no inci-so I de seu art. 98, a competência da União e dos Estados para a criação deJuizados Especiais providos por juízes togados, ou togados e leigos, compe-tentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis demenor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo,mediante os procedimentos oral e sumariíssimo.

Posteriormente, a Lei nº 9.099/95 revogou a Lei nº 7.244/84 e discipli-nou a criação dos chamados Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbi-to da Justiça Estadual.

Por seu turno, a Lei nº 10.259/2001 passou a regular os Juizados Espe-ciais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

3. Os princípios informativos do processo nos JuizadosEspeciais

Para que o resultado esperado – acesso à Justiça como forma de melhorequacionar a alarmante litigiosidade reprimida – pudesse ser alcançado, oart. 2º da Lei nº 7.244/84 estabeleceu que os Juizados Especiais de PequenasCausas seriam orientados pelos seguintes critérios: oralidade, simplicidade,informalidade, economia processual, celeridade e busca da conciliação.

Posteriormente, com o advento dos Juizados Especiais Cíveis e Crimi-nais, foi reproduzida, no art. 2º da Lei nº 9.099/95, exatamente a mesma

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2 Nesse sentido, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civilpública. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 117-119.

3 Assim leciona Kazuo Watanabe: “O JEPC atende, em suma, ao justo anseio de todo cidadão em ser ouvi-do em seus problemas jurídicos. É a Justiça do cidadão comum, que é lesado nas compras que faz, nosserviços que contrata, nos acidentes que sofre, enfim do cidadão que se vê envolvido em conflitos depequena expressão econômica, que ocorrem diariamente aos milhares, sem que saiba a quem recorrerpara solucioná-los de forma pronta, eficaz e sem muito gasto. Essas idéias todas estão contidas na Lei7.244/84. O modo, a forma e a mentalidade com que for implantado o Juizado Especial de PequenasCausas, poderão viabilizá-las plenamente, ou comprometê-las de modo irremediável” (Op. cit., p. 07).

183Da Recorribilidade das Decisões Interlocutóriasnos Juizados Especiais Cíveis Federais e Estaduais

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redação que antes constava do art. 2º da Lei nº 7.244/84, sendo reiterados,assim, todos aqueles princípios informativos.

A observância do princípio da oralidade traz, como conseqüência, adiretriz de que, nos Juizados Especiais Cíveis, o processo deve desenvolver-se com prevalência da palavra falada sobre a palavra escrita. Por se tratar deprincípio relacionado ao objeto do presente estudo, sua análise será porme-norizada em tópico próprio.

Por seu turno, o princípio da informalidade ou da simplicidade impõeque o processo em curso nos Juizados Especiais Cíveis seja inteiramentedeformalizado,4 mediante o abandono do formalismo que leva à exacerba-ção das formas processuais. Em que pese ser necessária, para a regularidadedo ato jurídico, a observância da forma exigida para o mesmo, esse princí-pio promove a abolição do exagero formal, tornando possível o aproveita-mento do ato processual sempre que o resultado ao qual se dirige venha aser alcançado, ainda que praticado por forma diversa da prescrita em lei(art. 13 da Lei nº 9.099/95).

De sua vez, o princípio da economia processual impõe que seja extraí-do, do processo o máximo de resultado (proveito ou vantagem) com o míni-mo de dispêndio de energias e de tempo.

De acordo com o princípio da celeridade processual, o processo emcurso nos Juizados Especiais Cíveis deve demorar o mínimo possível.Importante observar que esse princípio não preconiza um processo dema-siadamente célere, já que tanto um processo extremamente demorado,quanto outro extremamente breve, provavelmente serão incapazes de pro-duzir resultados justos. O que se objetiva com a adoção desse princípio é

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4 Ada Pellegrini Grinover utiliza o conceito de deformalização em dois sentidos (deformalização do pro-cesso e deformalização das controvérsias) e explica a diferença do seguinte modo: “(...) de um lado, adeformalização do próprio processo, utilizando-se a técnica processual em busca de um processo maissimples, rápido, econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar com eficiência tipos particularesde conflitos de interesses. De outro lado, a deformalização das controvérsias, buscando para elas, deacordo com sua natureza, equivalentes jurisdicionais, como vias alternativas ao processo, capazes deevitá-lo, para solucioná-las mediante intrumentos institucionalizados de mediação. A deformalizaçãodo processo insere-se, portanto, no filão jurisdicional, enquanto a deformalização das controvérsias uti-liza-se de meios extrajudiciais” (Deformalização do processo e deformalização das controvérsias. In:Novas tendências do direito processual. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 179. Artigotambém publicado na Revista de Processo – RePro, São Paulo: RT, nº 46, p. 60-82, abr./jun. 1987).

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que o processo seja o mais célere possível, para que demore apenas o tempoestritamente necessário à produção de um resultado justo. A técnica proces-sual utilizada pelo Estatuto dos Juizados foi, essencialmente, a supressão e aabreviação de certas fases e etapas, e a concentração de atos processuais.

Finalmente, a autocomposição revela-se como uma das característicaspeculiares dos Juizados Especiais Cíveis, já que, nestes, deve ser preeminen-temente buscada, como forma de contribuir para a pacificação social.5 Oesforço no sentido da autocomposição é, assim, mais acentuado nos JuizadosEspeciais do que no processo civil comum.6

4. Princípio da oralidade e seus postulados fundamentais

O princípio da oralidade está significativamente presente nos JuizadosEspeciais Cíveis, sendo um de seus princípios informativos (art. 2º da Lei nº9.099/95).

Chiovenda ensina que o modelo do processo oral baseia-se em 05 (cin-co) postulados fundamentais: (i) prevalência da palavra falada sobre a escri-ta; (ii) concentração dos atos processuais em audiência; (iii) imediatidade

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5 Dessa forma, Cândido Rangel Dinamarco: “E o art. 2º proclama também a conciliação, como mola-mes-tra que há de informar e impulsionar todo o processo das pequenas causas – numa clara recomendaçãoaos aplicadores do novo sistema, no sentido de darem o melhor do seu empenho para a obtenção da auto-composição dos conflitos pelas próprias partes.” (Princípios e critérios no processo das pequenas causas.In: WATANABE, Kazuo (coord.). Op. cit., p. 105). Em outra obra, o mesmo autor assim se manifesta: “Olegislador teve consciência, também, a partir de experiências brasileiras anteriores (esp., Constituição doImpério: v. seu at. 161) e modelos processuais estrangeiros, de que a conciliação constitui poderosíssimaarma de pacificação social, dada a natural tendência das pessoas a aceitar e cumprir as soluções que elaspróprias elaboraram ou cujo preparo aceitaram voluntariamente. O valor social da conciliação foi tam-bém posto em destaque no art. 2º da Lei das Pequenas Causas, onde são programados os princípios e cri-térios do novo processo instituído” (Manual das pequenas causas. São Paulo: RT, 1986, p. 03).

6 Ao analisar estatística dos anos de 1992 e 1993 do Rio Grande do Sul, Geisa de Assis Rodrigues concluique “o êxito na condução de soluções negociadas é uma marca dos Juizados Especiais Cíveis, obtendo-se um grau de acomodação do dissenso bem razoável.” (Juizados especiais cíveis e ações coletivas. Riode Janeiro: Forense, 1997, p. 63). Por seu turno, como resultado de pesquisa desenvolvida nos anos de2004 a 2006 pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ, sob a orientação doProf. Kazuo Watanabe, Pierpaolo Cruz Bottini observou que “no que concerne aos resultados dosJuizados, verifica-se um percentual de acordo de 34,5%, índice que certamente poderia ser ampliadocom políticas de qualificação de conciliadores e de capacitação dos agentes da sociedade civil compe-tentes para buscar uma solução consensual para os litígios apresentados” (Cf. Pesquisa Nacional sobreos Juizados Especiais Cíveis, p. 09. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13 jan.2009).

185Da Recorribilidade das Decisões Interlocutóriasnos Juizados Especiais Cíveis Federais e Estaduais

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entre o juiz e a fonte da prova oral; (iv) identidade física do juiz; (v) irre-corribilidade das decisões interlocutórias em separado.7

A prevalência da palavra falada sobre a escrita, primeiro postulado daoralidade, não exige a exclusão absoluta da escrita no processo, já que esta,“como meio aperfeiçoado, que é, de exprimir o pensamento e de conservar-lhe duradouramente a expressão, não pode deixar de ocupar no processo olugar, que ocupa em qualquer relação da vida”.8 Por certo, no processo oraltambém existe palavra escrita, mas o uso da palavra falada deve predominarem relação àquela.

Apesar de a prática de atos processuais de modo verbal revelar-se cadavez mais rara, é importante observar que a própria Lei dos JuizadosEspeciais admite a realização de diversos atos de forma oral, tais como: pro-positura da demanda (art. 14 da Lei nº 9.099/95); outorga de poderes geraisao advogado (§ 3º do art. 9º); oferecimento de resposta (art. 30); interposi-ção de embargos de declaração (art. 49); e requerimento de execução (inci-so IV do art. 52).

A concentração do atos processuais em audiência, segundo postuladofundamental da oralidade, impõe que todos os atos processuais sejam prati-cados em uma só oportunidade, isto é, na audiência. Sendo necessário rea-lizar mais de uma audiência, ou adiar a anteriormente designada, deve apróxima audiência ser realizada com o menor intervalo de tempo possívelem relação à anterior, o que contribuirá, inclusive, para manter a imediati-dade entre o juiz e a fonte da prova oral. Segundo Chiovenda, a diferençaentre o processo oral e o escrito fica evidente nesse ponto:

E aqui melhor se manifesta a diferença entre o processo orale o escrito: que, ao passo que o oral tende necessariamente a res-tringir-se a uma ou poucas audiências próximas, nas quais sedesenvolvem tôdas as atividades processuais, o processo escrito, aocontrário, difunde-se numa série indefinida de fases, poucoimportando que uma atividade se desenvolva mesmo a grande dis-

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7 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. bras. J. Guimarães Menegale. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1969, v. 3, p. 50-55.

8 CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 51.

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tância de outra, de vez que é apoiado nos atos escritos que o remo-to juiz terá, um dia, de julgar.9

No caso dos Juizados Especiais Cíveis, a busca pela concentração dosatos processuais em audiência é evidente, como se vê do procedimento e dasequência de atos legalmente previstos: realização da sessão de conciliaçãoimediatamente, caso as partes se encontrem presentes no instante da propo-situra da demanda (art. 17 da Lei nº 9.099/95), ou em até 15 dias após o regis-tro da demanda (art. 16); prolação de sentença na própria sessão de concilia-ção, caso o demandado a ela não compareça (art. 23); frustrada a conciliação,realização imediata – ou em até 15 dias – da audiência de instrução e julga-mento (caput e parágrafo único do art. 27); e prática de diversos atos duran-te a audiência de instrução e julgamento, tais como apresentação da respos-ta (art. 30), contraditório sobre os documentos (parágrafo único do art. 29),colheita das provas e oitiva das partes (arts. 28 e 33), decisão sobre todos osincidentes (art. 29) e prolação da sentença, a qual deve ocorrer ao final daaudiência, e não em momento posterior (arts. 28, 38 e 40).10

Em que pese a aparente celeridade do procedimento, a prática forenserevela que a litigiosidade exacerbada tem gerado uma superlotação dosJuizados, ocasionando, em inúmeras Comarcas e Seções Judiciárias, a des-concentração e o fracionamento dos atos processuais, sendo cada vez maisalongado o procedimento e maior o intervalo de tempo entre as audiênciase entre elas e a prolação da sentença.

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9 CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 54-55.10 Em 1986, ao comentar a Lei dos Juizados de Pequenas Causas, aprovada no ano anterior, Cândido Rangel

Dinamarco já fazia um apelo para que os juízes observassem a redação legal e, assim, viessem a proferirsentença em audiência: “Depois de instruída a causa, o juiz proferirá a sentença, sempre oral e sucinta-mente (v. art. 38). A lei não prevê que o juiz deixe de proferi-la na audiência, como no processo civilcomum, augurando-se que os juízes não instaurem essa prática. (...) A lei não prevê oportunidade diferen-te para a prolação da sentença e o juiz das pequenas causas não deve instalar a prática de sentenças poste-riores. (...) Sentença proferida depois significa prolongamento das aflições e expectativas das partes e aindaa necessidade de intimação, que complica e encarece” (Op. cit., p. 83 e 92). Duas décadas após as lições deDinamarco, Alexandre Freitas Câmara analisa e critica a prática dos dias atuais, em que as sentençascomumente deixam de ser proferidas em audiência: “Ocorre que isto se dá na teoria mas não na prática.Como se diz usualmente, em tom jocoso, na prática a teoria é outra. Isto porque na prática muitos juízestêm atuado nos Juizados Especiais Cíveis como se estivessem em juízos cíveis comuns, e desrespeitam ocomando contido no art. 28 da Lei nº 9.099/95. Em outras palavras, muitos juízes encerram a audiênciasem proferir sentença, como se incidisse na hipótese o art. 456 do CPC” (Juizados especiais cíveis estaduaise federais: uma abordagem crítica. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 12-13).

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A imediatidade entre o juiz e a fonte da prova oral, terceiro postuladoda oralidade, traz a necessidade de contato direto entre o magistrado e asfontes da prova oral – isto é, as pessoas que irão prestar depoimento no pro-cesso (partes, testemunhas e perito) – sendo importante observar que o sis-tema processual civil brasileiro adota o exame indireto, no qual todas asperguntas são feitas, ao depoente, pelo juiz. Nesse sentido, somente omagistrado que presidiu a audiência de instrução e julgamento é quem podevalorar as provas produzidas.11 Em consequência, parte da doutrina susten-ta – com razão – que, em um processo oral, o órgão julgador do recursoencontra-se impedido de reexaminar provas, já que não teve contato ime-diato com as fontes da prova, sendo-lhe permitido apenas verificar se odireito foi corretamente aplicado ao caso.12

Analisando, especificamente, a situação dos Juizados Especiais Cíveis,também é possível verificar a busca pela imediatidade entre o juiz e a fonteda prova oral, já que a sentença deve ser proferida ao final da audiência deinstrução e julgamento (art. 28 da Lei nº 9.099/95).

A identidade física do juiz, quarto postulado fundamental da oralida-de, impõe a vinculação do juiz ao processo.13 Nesse sentido, o magistradoque venha a colher a prova oral fica vinculado ao processo para o fim deproferir a sentença, seja ao final da audiência de instrução e julgamento,seja posteriormente.

No caso dos Juizados Especiais Cíveis, também encontra-se presente aidentidade física do juiz, uma vez que, como visto, a sentença deve ser proferi-da ao final da audiência de instrução e julgamento (art. 28 da Lei nº 9.099/95).

Finalmente, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias em separado,quinto postulado da oralidade, acarreta a impossibilidade de recurso, em sepa-rado, contra as decisões interlocutórias.14 É por essa razão que o entendimen-

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11 Assim leciona Giuseppe Chiovenda: “Proclama, esta, é verdade, que não podem concorrer na deliberaçãoda sentença senão os juízes que assistiram à discussão da causa (art. 375, Cód. Proc. Civil)” (Op. cit., p. 53).

12 Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 12 e 144. Em sentido contrário, Felippe BorringRocha. Juizados especiais cíveis: aspectos polêmicos da Lei nº 9.099, de 26.9.1995. 5. ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p. 143.

13 CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 53-54.14 CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 55.

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to predominante segue no sentido de não admitir a interposição de agravo deinstrumento, vendo-se a parte obrigada a impetrar mandado de segurança.

Decorre desse postulado a inexistência de preclusão quanto às matériasdecididas em momento anterior ao da prolação da sentença. Sendo proferidadecisão antes da audiência de instrução e julgamento, ou sendo decididos even-tuais incidentes durante a audiência, todas essas matérias e decisões poderão –e deverão – ser atacadas pela parte na ocasião do recurso contra a sentença.15

Convém observar que a aplicação do postulado da irrecorribilidade dasdecisões interlocutórias somente se justifica caso outro postulado tambémesteja sendo observado, qual seja, o da concentração dos atos processuais emaudiência. Afinal, sendo todos os atos processuais praticados em audiência,e nesta sendo decididos todos os incidentes e proferida a sentença, poucoespaço se abre para a prolação de decisão interlocutória, devendo a parteinsurgir-se, desde logo, contra a sentença.

Entretanto, no momento em que deixa de existir efetiva concentraçãodos atos processuais em audiência, vindo o procedimento a tornar-se cadavez mais alongado e fracionado, com etapas distanciadas umas das outras,não mais se justifica a irrecorribilidade de todas as decisões interlocutórias,sendo possível a interposição de agravo de instrumento16 contra aquelascapazes de causar lesão grave e de difícil reparação para a parte, como seráanalisado nos tópicos a seguir.

5. O recurso contra determinadas decisões interlocutóriasnos Juizados Federais: agravo de instrumento

O art. 4º da Lei nº 10.259/2001 confere ao juiz o poder de, a requerimen-to da parte ou de ofício, deferir medidas cautelares no curso do processo, paraevitar dano de difícil reparação. Trata-se de regra que consagra, no âmbito dosJuizados Federais, o poder geral de cautela do magistrado, que já se encontra-va positivado, para o sistema processual comum, nos arts. 797 a 799 do CPC.

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15 Igualmente, Cândido Rangel Dinamarco. Op. cit., p. 99-100; Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 152-153; e Felippe Borring Rocha. Op. cit., p. 145.

16 Desse modo, Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 15, 151-154.

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A redação do dispositivo, entretanto, não é adequada, já que se refereapenas às medidas cautelares. Na realidade, ao magistrado é permitido, nocurso do processo, deferir pedido de tutela tanto cautelar – destinada a asse-gurar a efetividade de outra espécie de tutela, qual seja, a satisfativa, res-guardando, assim, a própria atividade jurisdicional – quanto satisfativa(“tutela antecipada”) – destinada à atuação prática do direito material, satis-fazendo-o ainda que com certo grau de provisoriedade.

A interpretação adequada do art. 4º da lei dos Juizados Federais é, por-tanto, aquela que confere poder ao magistrado para, no curso do processoperante o Juizado Federal, deferir medidas de urgência, sejam cautelares ousatistativas (“antecipatórias”),17-18 de ofício19 ou a requerimento da parte.20

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17 Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 245; Joel Dias Figueira Júnior e Fernando da CostaTourinho Neto. Juizados especiais federais cíveis e criminais. 2ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 221; eGuilherme Bollorini Pereira. Juizados especiais federais cíveis: questões de processo e de procedimen-to no contexto do acesso à justiça. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 157. De forma semelhan-te, Enunciado nº 26 do FONAJE: “São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos JuizadosEspeciais Cíveis.” (redação aprovada no XXIV Fórum Nacional de Juizados Especiais, realizado emFlorianópolis – SC nos dias 12 a 14 de novembro de 2008). Igualmente, Enunciado nº 14 das TurmasRecursais dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro: “Sendo possível a con-cessão de antecipação dos efeitos da tutela no âmbito do JEF, será vedado o ajuizamento de ação caute-lar autônoma, ressalvada a possibilidade de pedido incidental cautelar (art. 4º da L. 10.259/2001), desdeque o Juizado seja competente para apreciar o pedido principal.” (redação aprovada na Sessão Conjuntarealizada em 10.10.2002, DOERJ 19.09.2003).

18 De modo contrário, Disney de Melo Ramos combina o art. 2º da Lei nº 9.494/97 com o art. 1º da Lei nº8.437/92 e conclui que, como regra, não seria possível a tutela antecipada nos Juizados Federais, masapenas a cautelar. Entretanto, o autor reconhece a necessidade da análise objetiva de cada caso especí-fico, para que seja verificado se, excepcionalmente, teria cabimento a tutela antecipada na situação sobexame (Manual prático do juizado especial na justiça federal. Rio de Janeiro; Forense, 2009, p. 110).

19 Apesar de o presente estudo não ser o âmbito próprio para o desenvolvimento deste ponto, convém afas-tar-nos, momentaneamente, do tema central deste trabalho para que o leitor possa compreender nossa afir-mativa. A observação é necessária porque compartilhamos do entendimento que admite o deferimento, deofício pelo magistrado, de qualquer espécie de tutela de urgência, seja cautelar, seja satisfativa (conhecidapor “tutela antecipada”). Em que pese se tratar de posicionamento minoritário em doutrina, este é o que serevela o mais adequado, já que, sendo a tutela de urgência cautelar e a tutela de urgência satisfativa duasespécies do mesmo gênero, o regime jurídico das tutelas de urgência deve ser unificado e, portanto, siste-mática a interpretação de todos os dispositivos do CPC a ele referentes. Inafastável, assim, a conclusão deque a interpretação conjunta do art. 273 e dos arts. 797 a 799 do CPC revela que o juiz pode, excepcional-mente, deferir medidas de urgência ex officio. É por essa razão que afirmamos que a interpretação adequa-da do art. 4º da Lei nº 10.259/2001 é a que permite ao magistrado deferir, de ofício, qualquer espécie detutela de urgência, seja cautelar, seja satisfativa. Em sentido semelhante, George Marmelstein Lima.Antecipação da tutela de ofício? Revista do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, v. 4, p. 17-20, 2002;Guilherme Bollorini Pereira. Op. cit., p. 157-158; TRF, 1. R., 2. T., AC 2002.37.00.008775-9/MA, Rel. Des.Fed. Francisco de Assis Betti, j. 24.09.2008, e-DJF1 26.01.2009, p. 36; e TRF, 3. R., 7. T., AC2006.03.99.013118-0, Rel. Des. Fed. Walter do Amaral, j. 01.12.2008, e-DJF3 21.01.2009, p. 800.

20 O Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ desenvolveu, sob a orientação do Prof.Kazuo Watanabe, no período compreendido entre dezembro de 2004 e fevereiro de 2006, pesquisa inti-

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Por seu turno, o art. 5º da Lei nº 10.259/2001, em redação também cri-ticável, estabelece que,“exceto nos casos do art. 4º, somente será admitidorecurso de sentença definitiva”.

Diversas falhas podem ser apontadas no texto legal: (i) remissão ao art.4º, que se refere apenas ao deferimento de medidas cautelares; (ii) afirma-ção de que, como regra, somente seria cabível recurso contra sentença defi-nitiva; e (iii) no que tange à hipótese excepcional, não é identificado qual orecurso cabível contra decisão interlocutória, nem o prazo para sua inter-posição, tampouco as regras de seu processamento.

Quanto ao primeiro aspecto, não se deve entender que seria cabívelrecurso apenas contra decisão que defere medida cautelar, por 02 (dois)fundamentos:

(i) a impropriedade da palavra “defere” reside no seguinteaspecto: tanto a decisão que defere, quanto a decisão queindefere, possuem idêntico potencial danoso à parte con-trária. Deferido o pedido do autor, sua efetivação pode sig-nificar risco de dano ao réu; indeferido o pleito, sua não-efetivação pode causar dano ao autor; e

(ii) a impropriedade da expressão “medida cautelar” – talcomo analisada nos parágrafos anteriores, em que foi ana-lisado o art. 4º da referida lei – consiste no fato de que épermitido ao magistrado apreciar, no curso do processo,pedido de tutela de urgência, gênero do qual são espéciestanto a tutela cautelar, quanto a tutela satisfativa (“tutelaantecipada”).

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tulada Avaliação dos Juizados Especiais Cíveis, na qual foram examinados os processos distribuídosno ano de 2002. Essa pesquisa analisou dados colhidos – de forma empírica – junto a alguns dentreos diversos Juizados Especiais instalados em 09 (nove) cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, PortoAlegre, Belo Horizonte, Salvador, Goiânia, Fortaleza, Belém e Macapá. Como resultado da pesquisa,verificou-se que aproximadamente 15% (quinze por cento) das petições iniciais distribuídas aosJuizados, em 2002, continham pedido liminar de tutela antecipada ou cautelar (Cf. Pesquisa Nacionalsobre os Juizados Especiais Cíveis, p. 29. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13jan. 2009).

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A interpretação mais adequada do art. 5º da Lei nº 10.259/2001 – noque se refere ao seu primeiro aspecto – é, assim, a que admite recurso con-tra decisão interlocutória capaz de causar dano grave à parte (art. 522 doCPC), tal como a que aprecia – deferindo ou indeferindo – pedido de tute-la de urgência, de natureza cautelar ou satisfativa.21

No que tange ao segundo aspecto, vê-se que o referido dispositivo nãoidentifica o recurso cabível contra decisão interlocutória, nem o prazo parasua interposição, tampouco as regras de seu processamento.

Apesar de a lei dos Juizados Federais não conceder qualquer denomi-nação a esse recurso, é evidente que se trata de agravo de instrumento, jáque esse é o recurso cabível contra decisão interlocutória capaz de causarlesão grave e de difícil reparação para a parte (art. 522 do CPC).

Tendo em vista a inexistência de regras, no Estatuto dos Juizados, queregulem o procedimento desse recurso, deve seu processamento seguir asregras gerais do agravo de instrumento, previstas no Código de ProcessoCivil: prazo de 10 (dez) dias para interposição (art. 522);22 assistência obri-gatória por advogado (§ 2º do art. 41 da Lei nº 9.099/95); apresentação dascópias dos documentos obrigatórios e facultativos (art. 525 do CPC); inter-posição perante a Turma Recursal, que é o juízo ad quem (art. 524); junta-da de cópia do agravo em 03 (três) dias perante o juízo a quo (art. 526 doCPC) etc.

Nessa esteira, a interpretação mais adequada do art. 5º da Lei nº10.259/2001 – no que se refere ao seu segundo aspecto – é a que reconheceque o recurso contra decisão interlocutória capaz de causar lesão grave e dedifícil reparação para a parte é o agravo de instrumento, cujo processamen-to deve seguir as regras estabelecidas no Código de Processo Civil, que, porser a norma geral em matéria processual, deve ser aplicado subsidiariamen-

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21 Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 245; Joel Dias Figueira Júnior e Fernando daCosta Tourinho Neto. Op. cit., p. 288-292; e Guilherme Bollorini Pereira. Op. cit., p. 193-194. Deforma semelhante, Enunciado nº 13 das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais da SeçãoJudiciária do Rio de Janeiro: “Somente caberá recurso de decisão do deferimento ou indeferimen-to de liminar.” (redação aprovada na Sessão Conjunta realizada em 04.06.2002, DOERJ 19.09.2003)

22 Enunciado nº 10 das Turmas Recursais do Juizado Especial Federal de São Paulo – SP: “É de 10 (dez)dias o prazo para interposição de recurso contra medida cautelar prevista no art. 4º da Lei nº10.259/2001” (DOESP 07.06.2004).

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te, com as necessárias compatibilizações (v.g., onde estiver escrito“Tribunal”, deve-se ler “Turma Recursal”).23-24

No que tange ao terceiro aspecto, não se deve entender que seria cabí-vel recurso apenas contra sentença definitiva. A palavra definitiva revela-se imprópria porque enseja a equivocada interpretação de que apenas assentenças com conteúdo do art. 269 do CPC seriam recorríveis.

Como se sabe, dentre os diversos critérios que a doutrina utiliza para oestudo dos atos do juiz, é comum a classificação das sentenças em termina-tivas e definitivas. Enquanto as primeiras não resolvem o mérito (art. 267do CPC), as segundas implicam resolução do mérito (art. 269 do CPC).Verifica-se, assim, a impropriedade da redação do dispositivo da Lei dosJuizados Federais, porquanto inexiste fundamento jurídico capaz de justifi-car o cabimento de recurso apenas contra as sentenças definitivas, pois airrecorribilidade das terminativas geraria a utilização indevida do mandadode segurança como sucedâneo recursal.

Desse modo, a interpretação mais adequada do art. 5º da Lei nº10.259/2001, no que se refere ao seu terceiro aspecto, é a que admite apela-ção – porque esse é o “recurso por excelência”, cabível contra qualquer sen-tença (art. 513 do CPC)25 – contra qualquer espécie de sentença, seja termi-nativa, seja definitiva.26

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23 Igualmente, Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 245; Joel Dias Figueira Júnior e Fernando da CostaTourinho Neto. Op. cit., p. 290; Guilherme Bollorini Pereira. Op. cit., p. 193-194; e Ricardo CunhaChimenti. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. 10ª ed. São Paulo: Saraiva,2008, p. 202.

24 Em sentido contrário, Mantovanni Colares Cavalcante defende a recorribilidade imediata das decisõesinterlocutórias nos Juizados Federais por meio de recurso inominado, que não deveria observar os“rigores” do agravo de instrumento previsto no CPC: seu prazo seria o de 10 dias (analogia ao art. 42 daLei nº 9.099/95), não haveria de ser observado o art. 526 do CPC e sua interposição deveria ocorrerperante a Turma Recursal (Recursos nos juizados especiais. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2007, p. 110-112). Por seu turno, Patrícia Trunfo Teixeira sustenta que dito recurso inominado deveria ser interpos-to perante o próprio juiz da causa, prolator da decisão (Aspectos cíveis e a aplicação subsidiária da Leinº 9.099/95 nos Juizados Especiais da Justiça Federal. In: GUEDES, Jefferson Carús (coord.). Juizadosespeciais federais. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 461).

25 Desse modo, Weber Martins Batista e Luiz Fux. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão con-dicional do processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 238; e Alexandre Freitas Câmara. Op. cit.,p. 244. Em sentido contrário, entendendo que o recurso contra a sentença nos Juizados não é a apela-ção, Cândido Rangel Dinamarco. Op. cit., p. 98.

26 Dessa forma, Guilherme Bollorini Pereira. Op. cit., p. 191-193. Em sentido contrário, sustentando ocabimento de recurso apenas contra sentença definitiva, Disney de Melo Ramos. Op. cit., p. 44.

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6. O recurso contra determinadas decisões interlocutóriasnos Juizados Estaduais: agravo de instrumento

Como visto, a interpretação mais técnica e adequada do art. 5º da Leinº 10.259/2001 é a que reconhece o cabimento da interposição de agravo deinstrumento contra decisão interlocutória capaz de causar lesão grave e dedifícil reparação para a parte.

Por seu turno, a Lei nº 9.099/95, que regula os Juizados EspeciaisEstaduais, não prevê, de forma expressa, a possibilidade de recurso contradecisão interlocutória. Em seu art. 41 há referência apenas ao recurso con-tra a sentença, razão pela qual o entendimento predominante segue no sen-tido de não admitir a interposição de agravo de instrumento no âmbito dosJuizados Estaduais.27-28

Em que pese a omissão da Lei dos Juizados Estaduais a esse respeito, éimperioso reconhecer o cabimento de recurso por meio de agravo de ins-trumento contra determinadas decisões interlocutórias, sempre que a suaexcepcional recorribilidade imediata mostrar-se indispensável,29 tal como

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27 Considerando inadmissível o recurso contra decisão interlocutória proferida no âmbito de processo emcurso perante Juizado Estadual, Cândido Rangel Dinamarco. Op. cit., p. 98-100; Nelson Nery Junior eRosa Maria de Andrade Nery. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. SãoPaulo: RT, 2007, p. 1.487; Paulo Marotta Moreira Wander. Juizados especiais cíveis. Belo Horizonte:Del Rey, 1996, p. 108; Mantovanni Colares Cavalcante. Op. cit., p. 57; Eduardo Sodré. Juizados espe-ciais cíveis: processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 111-113; José Maria deMelo e Mário Parente Teófilo Neto. Lei dos juizados especiais comentada. Curitiba: Juruá, 1997, p. 67.Igualmente, Enunciado Jurídico nº 11.5. da Consolidação dos Enunciados Jurídicos resultantes dosEncontros de Juízes de Juizados Especiais Cíveis e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro (AvisoTJRJ nº 23/2008, DO 03.07.2008): “Agravo de instrumento – Inadmissibilidade. No sistema de JuizadosEspeciais Cíveis, é inadmissível a interposição de agravo contra decisão interlocutória, anterior, ou pos-terior à sentença” (Aviso TJRJ nº 23/2008, DOERJ 03.07.2008).

28 Defendendo a inadmissibilidade de agravo de instrumento, mas sustentando o cabimento de agravoretido, Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. 38ª ed. Rio de Janeiro: Forense,2007, v. 3, p. 479. De modo contrário, sustentando – com razão – o descabimento do agravo retido nosJuizados Especiais, Felippe Borring Rocha. Op. cit., p. 145-146; Fernando da Costa Tourinho Neto e JoelDias Figueira Júnior. Juizados especiais estaduais cíveis e criminais. 5ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 292.

29 No mesmo sentido, reconhecendo o cabimento de agravo de instrumento em situações excepcionais,Weber Martins Batista e Luiz Fux. Op. cit., p. 227 e 238; Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 15, 151-154; Felippe Borring Rocha. Op. cit., p. 144-148; Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias FigueiraJúnior. Op. cit., p. 290-296; Ricardo Cunha Chimenti. Op. cit., p. 201; Ronaldo Frigini. Comentários àlei de pequenas causas. São Paulo: Livraria de Direito, 1995, p. 360; e José Paulo Camargo Magano.Cabimento de agravo de instrumento em sede de juizado especial. Tribuna da magistratura, São Paulo:APAMAGIS, mai./jun. 1998, p. 29. Igualmente, 1. Col. Rec. de São Paulo, MS 67, rel. Juiz BottoMuscari, j. 29.04.1999; e 1. Col. Rec. da Capital – SP, rel. Sá Duarte, Rec. 1995, j. 20.06.1996, RJE, 1:34.

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ocorre nos seguintes casos: (i) decisão cujo conteúdo acarrete risco de lesãograve e de difícil reparação à parte; (ii) decisão que deixa de receber orecurso contra a sentença (apelação); (iii) decisão que atribui os efeitos àapelação; e (iv) decisão proferida no curso da execução.

Esse posicionamento, apesar de ainda minoritário, é o que se mostramais adequado, sendo possível invocar 05 (cinco) fundamentos jurídicoscapazes de amparar o cabimento do recurso por meio de agravo de instru-mento nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais.

6.1. Primeiro fundamento: interpretação sistemática do Estatutodos Juizados Especiais (Leis nºs 9.099/95 e 10.259/2001)

O art. 1º da Lei nº 10.259/2001 estabelece que os dispositivos da Lei nº9.099/95 são subsidiariamente aplicáveis ao sistema dos Juizados EspeciaisFederais no que com ele não conflitarem. Todavia, a recíproca não vemexpressa, já que na Lei nº 9.099/95 não há previsão semelhante. Surge,assim, a questão controvertida, a respeito da possibilidade de aplicação sub-sidiária dos dispositivos da Lei nº 10.259/2001 (Juizados Federais) à Lei nº9.099/95 (Juizados Estaduais).

De acordo com a primeira corrente, amplamente dominante no planoda jurisprudência, a omissão contida na Lei nº 9.099/95 impediria a aplica-ção subsidiária da Lei nº 10.259/2001 ao sistema dos Juizados EspeciaisCíveis Estaduais. Por essa razão, não seria cabível a interposição de agravode instrumento contra decisão interlocutória proferida em sede de JuizadoEstadual, mas apenas contra aquelas prolatadas no âmbito de JuizadoFederal, uma vez que essa possibilidade estaria presente apenas no art. 5º daLei nº 10.259/2001.

Com o devido respeito, não há como concordar com esse entendimen-to, por não menos do que 03 (três) fundamentos.

Primeiramente, deve-se observar que a Lei nº 9.099/95 jamais poderiafazer referência à Lei nº 10.259/2001, já que aquela é anterior a esta emquase 06 (seis) anos. Impossível, portanto, o Legislador afirmar, em 1995,que à Lei dos Juizados Estaduais seriam subsidiariamente aplicáveis os dis-positivos da Lei dos Juizados Federais, de 2001.

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Em segundo lugar, deve o operador do Direito buscar, sempre que pos-sível, a interpretação sistemática dos dispositivos, tanto aqueles previstos emum mesmo diploma legal, quanto os estabelecidos em leis diferentes. Por essarazão, deve-se reconhecer que as Leis nºs 9.099/95 e 10.259/2001 relacionam-se e complementam-se em todos os pontos nos quais não conflitarem.

Mais ainda, deve-se reconhecer que as Leis nºs 9.099/95 e 10.259/2001formam, conjuntamente, o Estatuto dos Juizados Especiais, que estabeleceum sistema processual distinto daquele criado pelo Código de Processo Civil,apesar de o sistema previsto nesse diploma geral ser aplicável, subsidiaria-mente, ao dos Juizados Especiais, como se verá oportunamente.

Desse modo, estando positivada, no Estatuto dos Juizados Especiais, apossibilidade de interposição de agravo de instrumento contra decisãointerlocutória capaz de causar lesão grave e de difícil reparação para a parte(art. 5º da Lei nº 10.259/2001), essa regra é aplicável tanto aos JuizadosFederais, quando aos Juizados Estaduais.30

6.2. Segundo fundamento: aplicação subsidiária do Código deProcesso Civil

A Lei dos Juizados Estaduais, como visto, não prevê o cabimento derecurso contra decisão interlocutória, ao passo que o art. 522 do Código deProcesso Civil estabelece o cabimento de agravo de instrumento.

Por outro lado, a Lei nº 9.099/95 traz a previsão da aplicação subsidiá-ria dos dispositivos do Código de Processo Civil ao sistema dos JuizadosEspeciais Estaduais – no que com ele não conflitarem – apenas em seu art.

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30 Dessa forma, Alexandre Freitas Câmara: “O mesmo se dá em relação ao Estatuto dos Juizados Especiais.Este cria um sistema processual próprio, distinto do sistema criado pelo Código de Processo Civil. Trata-se do sistema processual adequado para as ‘causas cíveis de menor complexidade’ (e, como se veráadiante, também para as ‘pequenas causas’, cf. infra nº 4). (...) É preciso, porém, que se deixe desde logoum ponto bem claro: a meu juízo, a Lei nº 9.099/95 e a Lei nº 10.259/01, conforme venho dizendo, com-põem um só estatuto. É certo, por um lado, que a Lei dos Juizados Federais afirma, expressamente, quea Lei dos Juizados Estaduais lhe é subsidiariamente aplicável. A recíproca, porém, embora não sejaexpressa, também é verdadeira. Não há qualquer razão para que não se possa aplicar nos JuizadosEstaduais as conquistas e inovações contidas na Lei dos Juizados Federais, sempre que entre os doisdiplomas não haja qualquer incompatibilidade. Isto permitirá, inclusive, a solução de problemas deoutro modo insolúveis” (Op. cit., p. 04).

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52, que trata da execução de título judicial. Surge, assim, outra questão con-trovertida, sobre se o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamen-te à Lei nº 9.099/95 apenas no procedimento de execução, ou também aolongo da fase de conhecimento do processo.

De acordo com o posicionamento dominante nos planos doutrinário ejurisprudencial, o Código de Processo Civil seria subsidiariamente aplicávelà Lei nº 9.099/95 apenas durante o procedimento de execução, em razão dainterpretação literal do art. 52 do referido diploma – o único a trazer essaregra – que se refere exclusivamente à execução de título judicial nosJuizados Estaduais. Por decorrer de mera interpretação literal, esse não serevela o melhor entendimento.

Mais adequado, portanto, é o posicionamento que reconhece a aplica-bilidade do Código de Processo Civil inclusive à fase de conhecimento doprocesso submetido ao Juizado Estadual, já que esta fase é regulada emmeros 51 artigos, que, evidentemente, precisam ser complementados pelasnormas gerais do sistema processual civil comum.

Diversos exemplos podem ser invocados para comprovar a aplicabili-dade subsidiária do Diploma Processual Civil à Lei nº 9.099/95 também noque se refere à fase cognitiva do processo, uma vez que, na lei dos JuizadosEstaduais: (i) não há referência aos deveres das partes e de seus procurado-res (arts. 14 a 35 do CPC); (ii) não há previsão do cabimento de litisconsór-cio (arts. 46 a 49 do CPC); (iii) não há previsão de julgamento com resolu-ção do mérito (art. 269 do CPC); (iv) não há referência à formação de coisajulgada (arts. 467 a 474 do CPC); e (v) não há previsão de cabimento derecurso extraordinário, tampouco o estabelecimento das regras de seu pro-cessamento (arts. 508, 541 a 546 do CPC).

Apesar do silêncio legal quanto a essas questões, não há operador doDireito que duvide que, nos Juizados Estaduais, as partes têm deveres pro-cessuais; que é possível o litisconsórcio; que o magistrado pode apreciar opedido resolvendo o mérito da causa; que a sentença, transitada em julga-do, forma coisa julgada; e que cabe recurso extraordinário no prazo de 15(quinze) dias.

Inegável, portanto, a seguinte conclusão: os dispositivos do Código deProcesso Civil são subsidiariamente aplicáveis ao sistema processual dos

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197Da Recorribilidade das Decisões Interlocutóriasnos Juizados Especiais Cíveis Federais e Estaduais

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Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais no que com ele não conflita-rem. As normas do CPC, portanto, complementam as omissões das Leis nºs9.099/95 e 10.259/2001 durante o desenvolvimento do procedimento, sejana fase de conhecimento, seja na de execução.31

Polêmica semelhante existiu, durante muitos anos, em relação aorecurso cabível contra a decisão que se manifestava sobre o pedido de limi-nar em mandado de segurança, já que a Lei nº 1.533/51 não traz, de formaexpressa, a previsão de cabimento do agravo de instrumento.

Uma linha de entendimento, ao sustentar o não cabimento do agravo deinstrumento,32 defende a impetração de mandado de segurança em face dadecisão que aprecia o pedido de liminar em mandado de segurança, já que,inexistindo previsão expressa de recurso cabível na Lei nº 1.533/51, deveriaser aplicado o Enunciado nº 26733 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

Por seu turno, destacou-se a corrente que, de forma mais adequada,sustenta o cabimento de agravo de instrumento contra a decisão que semanifesta sobre o pedido de liminar formulado em mandado de seguran-ça, em razão tanto da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil àLei nº 1.533/51, quanto do § 6º do art. 4º da Lei nº 8.437/92, aplicável aomandamus por força do § 2º do art. 4º da Lei nº 4.348/64, que também regeo instituto.34

Atualmente, essa polêmica encontra-se praticamente superada, tendoprevalecido o entendimento mais razoável, no sentido do cabimento de

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31 Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 04, 152-153; Fernando da Costa Tourinho Neto eJoel Dias Figueira Júnior. Op. cit., p. 293; e Ricardo Cunha Chimenti. Op. cit., p. 201.

32 Por todos, ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 487-489.33 Enunciado nº 267 da Súmula do STF: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de

recurso ou correição”.34 Desse modo, BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Recorribilidade das decisões interlocutórias em man-

dado de segurança. Temas de direito processual: 6ª série. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 211-224; WAM-BIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 606-612;DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro. Curso de direito processual civil. 7ª ed. Salvador:JusPodivm, 2009, v. 3, p. 180-181; SCARPINELLA BUENO, Cassio. Mandado de segurança. 5ª ed. SãoPaulo: Saraiva, 2009, p. 104-111; ALVIM, Eduardo Arruda; SCARPINELLA BUENO, Cassio. Agravo deinstrumento contra decisões proferidas em mandado de segurança. Execução provisória. Revista de pro-cesso – REPRO, São Paulo: RT, nº 95, p. 235-238; CINTRA GONÇALVES, José Horácio. O agravo nodireito brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 29-30.

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agravo de instrumento contra a decisão que aprecia o pedido de liminar emmandado de segurança.35

De sua vez, sendo o Código de Processo Civil subsidiariamente aplicá-vel ao sistema dos Juizados Especiais, forçoso reconhecer o cabimento dorecurso por meio de agravo de instrumento contra decisão interlocutóriasuscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação (art. 522 doCPC) no âmbito de processo em curso perante Juizado Estadual ou Federal.

6.3. Terceiro fundamento: agravo de instrumento como meio deevitar a indevida utilização do mandado de segurança comosucedâneo recursal

É razoável prever que, sempre que uma parte vier a considerar-se des-favorecida em razão da prolação de uma decisão judicial, ela irá utilizar-sede algum meio – juridicamente adequado – para buscar a reversão daquelasituação que, caso fosse concretizada, viria a causar-lhe dano grave.

Analisando-se especificamente o objeto do presente estudo, sendo pro-ferida decisão interlocutória capaz de causar lesão grave e de difícil repara-ção, a parte desfavorecida irá insurgir-se contra ela de algum modo, seja pormeio de agravo de instrumento, seja mediante impetração de mandado desegurança, dependendo do entendimento que se adote sobre a (ir)recorribi-lidade daquela decisão.

No caso dos Juizados Estaduais, tem prevalecido, no âmbito da juris-prudência, o entendimento de que todas as decisões interlocutórias seriamirrecorríveis, razão pela qual a parte desfavorecida tem sido obrigada aimpetrar mandado de segurança contra a decisão potencialmente danosa.

Os defensores desse posicionamento alegam que o agravo de instrumen-to seria incompatível com o procedimento, por supostamente ferir alguns deseus princípios informativos, em especial, a oralidade e a celeridade.

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35 STJ, CE, EREsp 471.513/MG, rel. p. ac. Min. Gilson Dipp, j. 02.02.2005, DJ 07.08.2006, p. 196; STJ, 2.T., REsp 817.403/MG, rel. Min. Castro Meira, j. 21.08.2008, DJe 23.09.2008; STJ, 1. T., REsp705.892/PE, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 26.04.2005, DJ 09.05.2005, p. 313; STJ, 5. T., REsp.593.529/PA, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 07.04.2005, DJ 09.05.2005, p. 458.

199Da Recorribilidade das Decisões Interlocutóriasnos Juizados Especiais Cíveis Federais e Estaduais

Page 212: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

Em que pese tratar-se de corrente ainda majoritária, não há como con-siderá-la adequada, por 02 (dois) fundamentos distintos.

A interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutóriapotencialmente danosa, proferida no curso do procedimento, em nada atra-sa o curso processual. Pelo contrário, a interposição de um simples recurso(agravo de instrumento) chega a ser mais benéfica à oralidade e à celerida-de do que a impetração de uma demanda judicial (mandado de segurança).

Por seu turno, o descabimento do recurso de agravo de instrumentoimplica a indevida utilização do mandado de segurança como sucedâneorecursal, desvirtuando-se, assim, os objetos aos quais cada um desses insti-tutos se destina.36 A função constitucional de órgão revisor, que a garantiado duplo grau de jurisdição impõe à Turma Recursal, demonstra que muitomais técnico e razoável será vê-la julgando simples recursos, interpostoscontra meras decisões interlocutórias, do que demandas de mandados desegurança impetrados contra atos judiciais.

Por esses fundamentos, o recurso por meio de agravo de instrumento,além de preservar a oralidade e a simplicidade do procedimento, tambémcontribui para evitar a indevida utilização do mandado de segurança comosucedâneo recursal.

6.4. Quarto fundamento: inexistência, na prática, de efetivaconcentração de atos processuais em audiência

A criação dos Juizados, como visto, buscou equacionar o problema dalitigosidade contida ao permitir maior acesso à Justiça. Foi imaginado umprocedimento célere (daí sumariíssimo), abreviado, no qual a palavra fala-da deveria prevalecer sobre a escrita e, devendo todos os incidentes seroralmente invocados durante uma audiência, naquele mesmo momentopoderiam – e seriam – decididas todas as questões.

A oralidade, portanto, consistia em um dos principais princípios infor-mativos dos Juizados Especiais, sendo a concentração dos atos processuais

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36 Igualmente, Alexandre Freitas Câmara. Op. cit., p. 153; e Felippe Borring Rocha. Op. cit., p. 147.

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em audiência e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias dois de seuspostulados fundamentais.

Transcorridos, todavia, 24 anos da criação do Juizado Especial dePequenas Causas e 14 anos da instituição dos Juizados Especiais Cíveis, veri-fica-se que a situação vigente é muito diversa da anterior.

A prática forense revela que a litigiosidade contida transformou-se emlitigiosidade exacerbada; os números de Juizados Especiais instalados pelopaís e os de demandas a eles submetidas permanecem aumentando conside-ravelmente;37 as audiências de conciliação têm sido marcadas para datas cadavez mais distantes do momento da propositura da demanda;38 os pedidosliminares para deferimento de tutela de urgência são, cada vez mais, aprecia-dos em momento anterior ao da realização da audiência de instrução e julga-mento, sendo objeto de decisões interlocutórias no curso do processo etc.

Como se pode notar, alguns dos postulados fundamentais da oralidadesão mitigados ou descaracterizados a partir do momento em que o procedi-mento dos Juizados Especiais Cíveis vem-se tornando cada vez mais alon-gado e fracionado, com etapas distanciadas umas das outras – distribuiçãoda demanda, prolação de decisão interlocutória sobre o pedido de tutela deurgência, realização da audiência de conciliação, prolação de decisões inter-locutórias sobre eventuais incidentes, realização da audiência de instruçãoe julgamento, designação de data para leitura de sentença, prolação do pro-jeto de sentença pelo juiz leigo, homologação do projeto de sentença ouprolação de sentença diretamente pelo juiz togado.

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37 Segundo estatística de âmbito nacional, divulgada pelo CNJ em 2006, dividindo-se o número de proces-sos distribuídos aos Juizados Especiais apenas no ano de 2006 pelo número de magistrados atuantes emJuizados, tem-se o resultado de 4.652 “causas novas” para cada juiz. Também em proporção nacional,somando-se as “causas novas” (2006) às “antigas” (distribuídas antes de 2006) e dividindo-se o resulta-do pelo número de magistrados em atuação em Juizados pelo país, tem-se o número de 8.651 processos“ativos” (em andamento) para cada juiz de Juizado Especial (Cf. Relatório Justiça em números: indica-dores estatísticos do Poder Judiciário – Ano 2006, p. 199 e 207. Disponível em: <http://www.cnj.gov.br>. Acesso em: 13 jan. 2009).

38 Como resultado de pesquisa realizada pelo CNJ em 2007, foi apurado que determinados JuizadosEspeciais Cíveis situados na Bahia estavam designando audiências de conciliação para 2011, isto é, para04 (quatro) anos após a data da distribuição da demanda (Advogados reclamam: juizados da BA mar-cam audiência para 2011. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 01 abr. 2007. Disponível em:<http://www.conjur.com.br/2007-abr-01/audiencias_juizados_bahia_sao_marcadas_2011>. Acesso em:13 jan. 2009).

201Da Recorribilidade das Decisões Interlocutóriasnos Juizados Especiais Cíveis Federais e Estaduais

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Dessa forma, a perda da característica da oralidade, em razão da con-sagração prática de um procedimento cada vez mais cartorário e burocráti-co, torna possível – e, por isso, justifica plenamente – a recorribilidade ime-diata, por meio de agravo de instrumento, de determinadas decisões inter-locutórias, sempre que proferidas em momento anterior ao da prolação dasentença e passíveis de causar, à parte, lesão grave e de difícil reparação.

6.5. Quinto fundamento: ponderação de princípios e de interessesem conflito

Os princípios informativos dos Juizados Especiais devem, evidente-mente, ser observados como regra, sendo hipóteses excepcionais o seu afas-tamento ou a sua mitigação.39

Por outro lado, exatamente pelo fato de serem princípios, é possívelque, em determinado caso concreto, ocorra conflito entre eles. Nessa hipó-tese, será necessária, para sua resolução, a ponderação dos interesses confli-tantes, a fim de que, no caso em exame, venha a incidir o princípio capazde proteger o interesse jurídico mais relevante.40

Uma vez proferida, no curso do processo – ou seja, em momento ante-rior ao da prolação da sentença – decisão interlocutória capaz de causar danograve à parte (v.g. a que se manifeste sobre pedido de tutela de urgência),apresenta-se o seguinte conflito: de um lado, as garantias constitucionais daampla defesa e do duplo grau de jurisdição, o princípio da efetividade e a exis-tência de risco de lesão grave e de difícil reparação; de outro, o princípio daoralidade, em seu postulado da irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

O resultado dessa ponderação deve ser amplamente favorável à preva-lência das garantias constitucionais da ampla defesa e do duplo grau de

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39 Desse modo, Alexandre Freitas Câmara: “Os princípios enumerados no art. 2º da Lei nº 9.099/95 são,pois, os princípios gerais, informativos do microssistema dos Juizados Especiais Cíveis. Sua generalida-de os torna vetores hermenêuticos, o que significa dizer que toda a interpretação do Estatuto dosJuizados Especiais Cíveis só será legítima se levar em conta tais princípios” (Op. cit., p. 07).

40 Igualmente, Alexandre Freitas Câmara: “Sendo, assim, para que um desses princípios seja afastado emalguma situação é preciso que haja regra expressa excepcionando sua incidência, ou que haja algumconflito entre dois princípios, caso em que apenas um deles – o que proteger o interesse mais relevan-te no caso sub judice – poderá incidir” (Op. cit., p. 07).

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jurisdição, para que seja permitido o recurso por meio de agravo de instru-mento contra decisão interlocutória capaz de causar dano grave à parte. Adefesa da irrecorribilidade desse tipo de decisão, além de não proporcionarmaior celeridade do processo, prestigia interesse inequivocamente menosrelevante.

7. Conclusão

Os Juizados Especiais Cíveis são orientados por diversos princípios,entre eles, o da oralidade, sendo esta formada por 05 (cinco) postulados fun-damentais. Enquanto existir efetiva concentração de atos processuais emaudiência, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias em separado con-tinuará contribuindo para a celeridade do processo.

Entretanto, a partir do momento em que o procedimento dos JuizadosEspeciais Cíveis vem-se tornando cada vez mais fracionado e alongado,sendo maior o distanciamento entre as etapas processuais, fica mitigado edescaracterizado o postulado da concentração de atos processuais emaudiência, não mais persistindo fundamento jurídico para a observânciaabsoluta do postulado da irrecorribilidade das decisões interlocutórias emseparado.

Importante observar que a recorribilidade imediata de determinadasdecisões interlocutórias por meio agravo de instrumento não decorre ape-nas da descaracterização prática da oralidade nos processos em curso nosJuizados.

Pelo contrário, essa possibilidade resulta também da aplicação de 02(dois) dispositivos legais: o art. 5º da Lei nº 10.259/02, aplicável tanto aosJuizados Federais, quanto aos Estaduais; e o art. 522 do Código de ProcessoCivil, subsidiariamente aplicável ao sistema processual dos Juizados Especiais.

O agravo de instrumento é cabível, portanto, sempre que a excepcio-nal recorribilidade imediata da decisão interlocutória revelar-se um impe-rativo, o que ocorre, sobretudo, nos seguintes casos:

(i) decisão cujo conteúdo acarrete risco de lesão grave e dedifícil reparação à parte;

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203Da Recorribilidade das Decisões Interlocutóriasnos Juizados Especiais Cíveis Federais e Estaduais

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(ii) decisão que deixa de receber o recurso contra a sentença(apelação);

(iii) decisão que se manifesta sobre os efeitos atribuídos à ape-lação; e

(iv) decisão proferida durante a execução.

Uma vez interposto o agravo de instrumento, seu processamento deveseguir as regras gerais estabelecidas no Código de Processo Civil, porquan-to, para essa hipótese, inexiste regramento específico no Estatuto dosJuizados Especiais Cíveis.

8. Referências bibliográficas

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206 Bruno Garcia Redondo

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IVProcesso Eletrônico

nos Juizados Especiais Cíveis

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men Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editoramen Juris Editora Lumen Juris Editora Lumen Juris Editora

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9Os Juizados Especiais Cíveis

e o E-Process: O Exame das GarantiasProcessuais na Esfera Virtual

Humberto Dalla Bernardina de PinhoMárcia Michele Garcia Duarte

SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Fundamentos constitucionais do princípio do aces-so à justiça. 3. Celeridade: dos tempos remotos à contemporaneidade. 4. Processo virtual eas garantias processuais. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas. 7. Referên-cias eletrônicas.

1. Considerações iniciais

A pacificação dos conflitos sociais por meio de uma justiça célere foiidealizada desde os povos antigos,1 passando por diversas influências e modi-ficações, alcançando o que hoje denominamos de “juizados especiais” (Jec’s).

O “Jec´s” são uma realidade tanto na esfera estadual como na federal eforam criados com o propósito de atender às demandas menos complexas, apartir de determinação imposta pelo Texto Constituinte de 1988. Antesdesse novo mecanismo, porém, existiram os denominados “juizados depequenas causas”, cuja nomenclatura, a nosso ver, era equivocada, postoque causas menos complexas não seriam, necessariamente, pequenas.

Os juizados especiais consagram um seguimento do Poder Judiciário des-tinado a oferecer prestação jurisdicional em demandas de pouca monta e são

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1 Destaca-se que o Código de Hamurabi que já mencionava ferramentas semelhantes às que atualmentesão denominadas de substitutos ou equivalentes jurisdicionais – autodefesa, autocomposição e media-ção. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. 2ª ed. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 09.

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dotados de peculiaridades e princípios próprios, destacando-se aí a celeridade,que se traduz, em suma, no objetivo de rapidez na prestação jurisdicional.

Dentre as regras procedimentais específicas dos Jec’s, destacam-se: odesestímulo recursal, com a vedação da interposição de agravo de instrumen-to e a exigência de preparo no caso de apresentação de recurso inominado; aimposição ao recorrente vencido do pagamento de honorários de sucumbên-cia e das despesas processuais;2 a regra procedimental é sincrética; o prazocomum mesmo quando da manifestação pela Defensoria Pública; não há aprerrogativa da intimação pessoal do procurador federal;3 as intimações sãoviáveis por meio telefônico;4 além da previsão expressa de poderes de conci-liação, transação e desistência deferidos aos representantes judiciais da União,autarquias, fundações e empresas públicas federais; não são admitidos embar-gos de execução e nem a intervenção de terceiros ou a assistência.5

Para este estudo em especial, destacamos que foi por meio dos juizadosespeciais que se semeou em nosso ordenamento jurídico a possibilidade deautos processuais integralmente virtuais, sem o uso de papel. O uso dessaferramenta virtual mostra-se tão promissor, célere e comprometido com orespeito ao meio ambiente, que é oportunizado até mesmo perante oSupremo Tribunal Federal, que disponibiliza a ferramenta “e-STF”, e, comisso, viabiliza-se que a ação judicial tramite em diversos graus de jurisdiçãointegralmente na versão virtual.

Os processos virtuais contam com mecanismos de segurança a fim deevitar que panes e até mesmo hackers possam comprometer a fidelidade e oregular trâmite processual virtual. Essas ferramentas vão desde back-ups àsassinaturas digitais, mediante senha pessoal. Com isso, visa-se a assegurarque a tecnologia se faça presente na prestação jurisdicional, resguardando-se, contudo, a promessa de uma justiça preocupada com o fator segurança.

Passada essa análise, impõe-se uma indagação: e quanto às garantiasprocessuais e, antes mesmo disso, e quanto às garantias constitucionais dosjudicantes no processo virtual? Propõe-se com este estudo analisar esse

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2 Artigo 55, caput, da Lei nº 9.099/95.3 Enunciado nº 07 do FONAJEF. Disponível em: http://www.ajufe.org.br/. Acesso em 29/12/2008.4 Enunciado nº 73 do FONAJEF.5 Enunciados 13 e 14 do FONAJEF.

210 Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Márcia Michele Garcia Duarte

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aspecto tão relevante e ainda tão pouco discutido, por meio do qual avalia-remos até que ponto as ferramentas virtuais consagram uma manifestaçãojudiciária célere, econômica, justa, equânime, efetiva e razoável.

2. Fundamentos constitucionais do princípio do acessoà justiça

Ao falarmos de juizado especial, não podemos deixar de mencioná-locomo um dos principais veículos por meio do qual o Poder Judiciário se valena busca por maior facilitação do acesso à justiça.

Vemo-nos diante de inovações tecnológicas, novas problemáticas demassa, globalização e outros fatores que fizeram com que os chamadosNovos Direitos surgissem. E com isso, hoje temos a necessidade de presta-ção jurisdicional de forma mais célere, posto que só assim atender-se-á àsobrecarga de demanda, fruto incontestável dos novos conflitos sociais.

Partindo da observação acerca dessas novéis necessidades, MauroCappelletti6 inaugurou as denominadas “Ondas Renovatórias do DireitoProcessual” e, com isso, pensou numa estrutura processual que visasse aconferir regras menos formais e mais comprometidas com as necessidadessociais, fornecendo soluções adequadas para manutenção da ordem noEstado Democrático de Direito.7

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6 Em uma de suas mais felizes passagens, pontifica o Mestre: “o recente despertar de interesse em tornodo acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo Ocidental.Tendo início em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em seqüência cronológica.Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso - a primeira ‘onda’ desse movimento novo - foia assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representaçãojurídica para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; eo terceiro - e mais recente - é o que nos propomos a chamar simplesmente “enfoque de acesso à justi-ça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma,uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo”. CAPPELLET-TI, Mauro, GARTH, Bryant [tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça. Porto Alegre:Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 31 e ss.

7 A propósito, diz Cappelletti, “não é preciso ser sociólogo de profissão para reconhecer que a sociedade(poderemos usar a ambiciosa palavra: civilização?) na qual vivemos é uma sociedade ou civilização deprodução em massa, de troca e de consumo de massa, bem como de conflitos ou conflitualidades demassa. (...) Daí deriva que também as situações de vida, que o Direito deve regular, são tornadas sem-pre mais complexas, enquanto por sua vez, a tutela jurisdicional – a Justiça será invocada não maissomente contra violações de caráter individual, mas sempre mais freqüente contra violações de caráteressencialmente coletivo, enquanto envolvem grupos, classes e coletividades. Trata-se, em outras pala-vras, de violações de massa”. CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos Dianteda Justiça Civil. In Revista de Processo, vol. 5, separata.

211Os Juizados Especiais Cíveis e o E-Process: O Exame das Garantias Processuais na Esfera Virtual

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Eis que surgem na ordem jurídica processual outros caminhos para adesobstrução das vias jurisdicionais então existentes. Foram eles a tutela deinteresses metaindividuais (ação civil pública e mandado de segurança cole-tivo, entre outros) e a simplificação de procedimentos, aperfeiçoamento dedispositivos legais tudo em prol de minimizar as delongas processuais.

Num momento seguinte a essas primeiras vertentes, iniciou-se a deno-minada “Reforma do Poder Judiciário”, que falaremos mais adiante. Nestemomento do estudo, é importante darmos seguimento aos pensamentos deautores que manifestaram a preocupação com a segurança da prestaçãojurisdicional célere conjugada com acesso à justiça.

Nessa linha também se manifestou Paulo Cezar Pinheiro Carneiro,8que, por meio de suas sábias palavras, propôs um re-estudo da garantiaconstitucional do acesso à justiça na sistemática processual brasileira, pormeio do qual considerou quatro grandes princípios a reger o acesso à justi-ça. São eles os princípios da acessibilidade, da operosidade, da utilidade e daproporcionalidade. Só assim, afirma, o acesso à justiça restará pautado naconstitucionalidade.

Sintetizamos cada um dos princípios: a) acessibilidade – possibilita aefetivação de direitos individuais e coletivos, por meio de utilização ade-quada dos instrumentos jurídicos por sujeitos capazes, usufruindo do direi-to à informação e sem obstáculos de qualquer natureza; b) Operosidade –divide-se em subjetividade e objetividade. A primeira clama pela atuaçãoética de todos os sujeitos do processo, que devem zelar pela efetividade pro-cessual. Já a segunda, refere-se à utilização correta dos meios processuais,buscando a verdade real e a conciliação; c) utilidade – refere-se ao menorsacrifício para o vencido, porém nisso considerando-se o recebimento pelovencedor da forma mais rápida e proveitosa possível, com celeridade esegurança, binômio que comporta, por exemplo, a fungibilidade da execu-ção, notadamente em relação ao direito consumerista, a limitação de inci-dência de nulidades e o alcance subjetivo da coisa julgada, sobretudo nas

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8 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública:Uma Nova Sistematização da Teoria Geral do Processo, 2ª ed., rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2007,p. 63 e ss.

212 Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Márcia Michele Garcia Duarte

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ações coletivas; d) proporcionalidade – deverá ser considerada pelo julgadorquando da ocorrência de conflito, em orientar-se sempre no objetivo deresguardar o direito mais valioso e o maior número de pessoas.

Considerados os princípios acima, notadamente no tocante aos Jec´s,entendemos serem louváveis as mutações que vêm sendo impelidas ao pro-cesso civil brasileiro, mas destacamos que essas deverão coadunar-se àsnovas necessidades sociais, mas sem perder a sua efetividade, pois, só assim,poderão contribuir para diminuir o nível da tensão social, promovendo apaz e o bem comum na sociedade.9

Feita essa análise, seguimos com a observação de que se torna impossí-vel dissociar a atividade jurisdicional exercida por meio do microssistema(Jec’s), dos princípios constitucionais do acesso à justiça e da dignidade dapessoa humana, tão relevantes ao estudo que propomos, e encerramos essabreve análise do acesso à justiça à luz da constituição, para passarmos aosjuizados especiais desde o seu nascedouro, embora recebendo outra deno-minação, mas sempre visto como uma forma diferenciada de tratar de lidesespecificas e de menor monta.

3. Celeridade: dos tempos remotos à contemporaneidade

Como mencionamos no início deste estudo, recentemente estabele-ceu-se que o Governo deveria se empenhar na “Reforma do Poder Judi-

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9 “Diante da transformação da concepção de direito, não há mais como sustentar as antigas teorias da juris-dição, que reservavam ao juiz a função de declarar o direito ou de criar a norma individual, submetidasque eram ao princípio da supremacia da lei e ao positivismo acrítico. O Estado constitucional inverteu ospapéis da lei e da Constituição, deixando claro que a legislação deve ser compreendida a partir dos prin-cípios constitucionais de justiça e dos direitos fundamentais. Expressão concreta disso são os deveres de ojuiz interpretar a lei de acordo com a Constituição, de controlar a constitucionalidade da lei, especialmen-te atribuindo-lhe novo sentido para evitar a declaração de inconstitucionalidade, e de suprir a omissãolegal que impede a proteção de um direito fundamental. (...) O direito fundamental à tutela jurisdicional,além de ter como corolário o direito ao meio executivo adequado, exige que os procedimentos e a técni-ca processual sejam estruturados pelo legislador segundo as necessidades do direito material e compreen-didos pelo juiz de acordo com o modo como essas necessidades se revelam no caso concreto. (...) O juiztem o dever de encontrar na legislação processual o procedimento e a técnica idônea à efetiva tutela dodireito material. Para isso deve interpretar a regra processual de acordo, tratá-la com base nas técnicas dainterpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto e suprir a omissão legalque, ao inviabilizar a tutela das necessidades concretas, impede a realização do direito fundamental à tute-la jurisdicional”. MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Contemporâneo. In Estudos deDireito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 13-66.

213Os Juizados Especiais Cíveis e o E-Process: O Exame das Garantias Processuais na Esfera Virtual

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ciário”, marcada pelo denominado Pacto de Estado em favor de um Judi-ciário mais rápido e republicano.10

Mobilizaram-se os Três Poderes com o fito de se chegar a uma soluçãoque atendesse aos anseios sociais em relação à justiça. As propostas inseri-das naquele Documento determinaram a priorização na apreciação de pro-jetos de lei, cujos textos se destinassem a conferir ampliação ao acesso à jus-tiça e à maior rapidez na resposta jurisdicional.11

O referido acordo entre os Três Poderes gerou impactos no ordena-mento jurídico por meio de importantes modificações, como por exemplo,a alteração de diversos dispositivos do trintenário Código de Processo Civil.Explanou-se que haveria um compromisso de implementação da reformaconstitucional do Judiciário bem como a reforma do sistema recursal e dosprocedimentos, além da determinação para que a agenda parlamentarincluísse os projetos de lei que objetivassem a regular e a incentivar a infor-matização dos processos (e-process).

Essa preocupação governamental em criar mecanismos que conferis-sem prestação jurisdicional de modo mais célere já foi objeto de discussõesem períodos históricos anteriores. Desde os tempos dos visigodos,12 com acriação do Código Visigótico, inicialmente denominado Lex RoamanaVisigotorum, que foi a primeira legislação a vigorar na Península Ibéricaapós o Domínio Romano, já havia a preocupação com a morosidade daJustiça. Aquele Código distinguia duas formas de demandas. Eram os cha-mados “pleito de grandes coisas” e “pleito de pequenas coisas”.

No Século XIV, o Reinado Português demonstrou que as demandasque não se resolvessem num prazo razoável acarretariam prejuízos às par-

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10 http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ8E452D90ITEMIDA08DD25C48A6490B9989ECC844FA5FF1-PTBRIE.htm. Acesso em 29/12/2008.

11 “Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questãojudiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvol-vimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e sola-pam a crença dos cidadãos no regime democrático”. Publicado no DOU nº 241, de 16 de dezembro de2004, seção I, p. 8.

12 Visigodo do Germ. *wisi-gota, de wisu (wesu), bom + Irl. gotnar, homens, heróis. s. m., godo do Oci-dente; (no pl.) godos do Ocidente, um dos grupos em que se dividiu o povo godo, e que invadiu aPenínsula Ibérica a partir do séc. IV. Disponível em http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resulta-dos.aspx. Acesso em 29/12/2008.

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tes. As Ordenações do Reinado de Afonso IV dispunham que as delongasgeravam prejuízos aos reinos, e nos processos que se faziam de forma diver-sa, isto é, não fossem ágeis, alguns perderiam seus direitos e venceriamaqueles que deveriam ser vencidos.13

No Brasil, aplicaram-se as Ordenações Manuelinas nos Séculos XVIII eXIX, cujos julgadores para pequenas contendas receberam o nome de Juízesde Vintena, que eram eleitos para proceder a julgamento de contendas semprocesso nas quais não caberiam apelação ou agravo, e executariam imedia-tamente a sentença. Essas demandas contemplavam questões que envolves-sem baixo valor pecuniário.

A primeira Constituição brasileira, erigida sob o comando imperial,estabelecia que não houvesse contenda pela via judicial sem a tentativa deconciliação prévia presidida por Juízes de Paz.14

As Constituições de 193415 e de 193716 igualmente já tratavam do temajustiça especializada para manejar “causas de pequeno valor”, atribuindo-lhe a denominação de Justiça de Paz. Excetuavam-se, contudo, a apreciaçãode recurso que porventura viesse a ser intentado, conferindo competênciapara apreciação do mesmo à Justiça togada.

Já na Constituição de 1946, aos Juízes de Paz foi conferida uma nova tare-fa, a competência para a habilitação e a celebração de casamentos ou outros

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13 A respeito dos juizados nos tempos dos visigodos e da era monárquica portuguesa: BRANDÃO NETO,João Marques. Juizados Especiais: a Fênix da Justiça Ibero-Brasileira. In Revista Boletim Científico.Juizados Especiais: a Fênix da Justiça Ibero-Brasileira. Escola Superior do MPU. V. 4, nº 16, jul./set. de2005.

14 “Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processoalgum. Art. 162. Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, emaneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão reguladospor Lei”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm>.Acesso em 29/12/2008.

15 “TÍTULO II. Da Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Art. 104 - Compete aosEstados legislar sobre a sua divisão e organização judiciárias e prover os respectivos cargos, observadosos preceitos dos arts. 64 a 72 da Constituição, mesmo quanto à requisição de força federal, ainda os prin-cípios seguintes: (...) f) competência privativa da Corte de Apelação para o processo e julgamento dosJuízes inferiores, nos crimes comuns e nos de responsabilidade. (...) § 7º - Os Estados pedirão criar Juízescom investidura limitada a certo tempo e competência para julgamento das causas de pequeno valor,preparo das excedentes da sua alçada e substituição dos Juízes vitalícios.

16 “Art. 104 - Os Estados poderão criar a Justiça de Paz eletiva, fixando-lhe a competência, com a ressal-va do recurso das suas decisões para a Justiça togada. (...) Art. 106 - Os Estados poderão criar Juízes cominvestidura limitada no tempo e competência para julgamento das causas de pequeno valor, preparo dasque excederem da sua alçada e substituição dos Juízes vitalícios”.

215Os Juizados Especiais Cíveis e o E-Process: O Exame das Garantias Processuais na Esfera Virtual

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atos previstos em lei, em atribuição judiciária de substituição. Para a aprecia-ção dos casos de pequeno valor, o legislador determinou a criação de cargos deJuízes togados com limitação temporal da investidura, mas revestido de com-petência para substituir os Juízes vitalícios.17 A Constituição seguinte, aprova-da em tempos de ditadura militar, dispunha da mesma forma.18

A partir de 1984, por meio da Lei nº 7.244/84, o Brasil, pela primeiravez, disciplinou em Lei própria como se processariam os feitos e qual seriaa competência para a apreciação de “pequenas demandas”. Eram os chama-dos “juizados de pequenas causas”,19 limitando a matéria de competênciafuncional às demandas cíveis e facultava a presença de advogado.20

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17 “Art. 124 - Os Estados organizarão a sua Justiça, com observância dos arts. 95 a 97 e também dos seguin-tes princípios: (...) X - poderá ser instituída a Justiça de Paz temporária, com atribuição judiciária desubstituição, exceto para julgamentos finais ou recorríveis, e competência para a habilitação e celebra-ção de casamentos o outros atos previstos em lei; XI - poderão ser criados cargos de Juízes togados cominvestidura limitada a certo tempo, e competência para julgamento das causas de pequeno valor. EssesJuízes poderão substituir os Juízes vitalícios”.

18 Constituição de 1967 - “SEÇÃO VIII. Da Justiça dos Estados. Art 136 - Os Estados organizarão a suaJustiça, observados os arts. 108 a 112 desta Constituição e os dispositivos seguintes: (...) § 1º - A lei pode-rá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça: a) Tribunais inferiores de segunda instância, comalçada em causas de valor limitado, ou de espécies, ou de umas e outras; b) Juízes togados com investi-dura limitada no tempo, os quais terão competência para julgamento de causas de pequeno valor epoderão substituir Juízes vitalícios; c) Justiça de Paz temporária, competente para habilitação e celebra-ção de casamentos e outros atos previstos em lei e com atribuição judiciária de substituição, exceto parajulgamentos finais ou irrecorríveis”.

19 “Após longo debate, temos afinal aprovada a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (JEPC). Tomouela o nº 7.244/84, sendo sancionada a 7.11.84 e publicada no dia seguinte. As controvérsias surgidasgiraram em torno de alguns aspectos secundários da proposta, como por exemplo a faculdade de patro-cínio da causa por advogado. Quanto à idéia-matriz, porém, que é de facilitar o acesso à Justiça, poucavoz discordante se ouviu. Algumas pessoas procuraram substituir a idéia de criação do Juizado Especialde Pequenas Causas pela proposta de aperfeiçoamento do procedimento sumaríssimo, não se dandoconta de que não se tratava de mera formulação de um novo tipo de procedimento, e sim de um con-junto de inovações, que vão desde a nova filosofia e estratégia no tratamento dos conflitos de interes-ses até técnicas de abreviação e simplificação procedimental”. WATANABE, Kazuo; GRINOVER, AdaPellegrini; CARNEIRO, João Geraldo Piquet; LAGRASTA NETO, Caetano; DINAMARCO, CandidoRangel. V.FRONTINI, Paulo Salvador. Juizado Especial de Pequenas Causas. São Paulo: Revista dosTribunais, 1985, p. 1.

20 Os juizados de pequenas causas, que consagraram no ordenamento pátrio a matriz de uma prestaçãojurisdicional mais ampla, rápida e desburocratizada, já eram regidos por princípios, denominados poraquela lei de “critérios” da simplicidade, oralidade, economia processual, gratuidade, celeridade e deconciliação. Nas palavras de Kazuo Watanabe: “Fala o art. 2º, v.g., do critério da simplicidade, que, bempensado, é uma expressão dinâmica dos princípios da liberdade das formas processuais e da sua instru-mentalidade, em sua projeção sobre um processo que pretende ser acessível e muito ágil. Fala da orali-dade, conspícua diretriz do processo moderno, de tradicionais raízes romanas, mas que aqui, talvez pelaprimeira vez entre nós, é levada aos extremos do verdadeiro e integral diálogo falado entre o juiz as par-tes e as testemunhas. Fala da economia processual e a ela adiciona a gratuidade da justiça em primeirograu de jurisdição (art. 51), porque é seu manifesto intuito a abertura da via de acesso ao Poder Judiciá-

216 Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Márcia Michele Garcia Duarte

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Após essa data, a Constituição de 1988 previu expressamente que seriainstituída uma justiça especializada,21 os juizados especiais, pela primeiravez com essa nomenclatura. Os Jec’s foram criados e inseridos na sistemá-tica nacional22 por meio da Lei nº 9.099/95, parcialmente alterada com oadvento da Lei nº 10.259/01. Criou-se com isso uma espécie de microssiste-ma, norteado por princípios que garantiriam maior celeridade e maior efe-tividade da prestação jurisdicional. São eles a oralidade, a simplicidade, ainformalidade, a economia processual, a celeridade e o estímulo à concilia-ção ou à transação,23 seguindo a linha traçada pelas ondas renovatórias deMauro Cappelletti em seu movimento universal de acesso à justiça, confor-me vimos anteriormente.

4. Processo virtual e as garantias processuais

Vistos os movimentos de acesso à justiça, o escorço histórico dos juiza-dos, as inovações e influências tecnológicas, retomemos a nossa indagação

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rio para o completo cumprimento da promessa do serviço jurisdicional, constitucionalmente apresen-tada de forma solene (Const., art. 153, § 4º). Fala da celeridade e institui um procedimento obstinada-mente concentrado, sem oportunidades para dilações que o aluguem, nem para incidentes que prote-lem a consumação do julgamento do mérito. O artigo 2º. Proclama também a conciliação, como mola-mestra que há de informar e impulsionar todo o processo das pequenas causas – numa clara recomen-dação aos aplicadores do novo sistema , no sentido de darem o melhor do seu empenho para a obten-ção da autocomposição dos conflitos pelas próprias partes”. Juizado Especial de Pequenas Causas. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 1985, p. 105.

21 “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, pro-vidos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execuçãode causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante osprocedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamen-to de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; II - justiça de paz, remunerada, composta de cida-dãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, naforma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o proces-so de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstasna legislação. § 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”.

22 Para demandas menos complexas, o direito estrangeiro também guarda procedimento diferenciado. AInglaterra, na segunda metade do século XX, instituiu a criação de três tribunais independentes, jáextintos, mas que eram custeados naquela oportunidade por instituições privadas ligadas a advogados eque buscavam a conciliação, facultando a representação processual por profissional habilitado. No atualdireito inglês, existem juizados para tratar de causas de menor complexidade, um oficial e outro extra-oficial. Nos Estados Unidos da América, que adota o sistema common Law, desde a década de 30, exis-tem as denominadas Small Claims Court, Na Alemanha, para dirimir causas de menor complexidade,existem as justiças especializadas para tratar de matérias comerciais (Kammer für Handelssachen), labo-rais (Arbeitsgerichte), administrativas (Verwaltungsgerichte), previdenciárias (Sozialgerichte).

23 O artigo 2º da Lei nº 9.099/95.

217Os Juizados Especiais Cíveis e o E-Process: O Exame das Garantias Processuais na Esfera Virtual

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quanto à necessidade de viabilizar a proteção das garantias fundamentaisnos juizados especiais, notadamente em se tratando de processo virtual. Issoporque estamos diante de um microssistema norteado por princípios pró-prios, que se acresce agora do processo virtual e da consequente mudançade paradigma do processo real, concreto e materializado.24

Pois bem. Os juizados tornaram-se o modelo experimental dos chama-dos processos virtuais (também denominado de “processo eletrônico”,“e-process” e “e-proc”), com a promessa de maior celeridade, economiaprocessual e de tempo, alterando de forma significativa e positiva o binô-mio custo-benefício.

Os processos eletrônicos permitem que as partes acessem aos autos doprocesso em qualquer dia e horário, o que sem dúvida viabiliza uma econo-mia de tempo, já que as partes podem contar com prazo comum em qual-quer hipótese. Podem requerer a juntada de petições em qualquer momen-to, sem necessitar se deslocar.

No que toca aos advogados, são intimados virtualmente de todos osatos e, o comparecimento ao cartório, com o tempo, se tornará a exceção jáque os atos são conhecidos na íntegra pela internet, tal como se os autos doprocesso físico fossem acessados. Assim, os advogados não precisarãoenfrentar filas nas secretarias para obterem vista dos autos, nem mesmopara protocolizar em petições, já que poderão fazer boa parte do trabalhodiretamente dos seus escritórios.

Com isso asseveramos que os objetivos do processo virtual são a econo-mia e a celeridade na tramitação dos processos, em razão da viabilidade deconferir a integralidade da tramitação dos processos por sistema totalmenteeletrônico, com segurança, maior rapidez na atuação dos magistrados e detodos os envolvidos na demanda, bem como no processamento dessa, já quetodos os atos praticados requerem o uso de senha pessoal e intransferível.

Observemos ainda que a transparência será total. Todos os atores doprocesso podem saber em tempo real o que se passa, o momento exato da

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24 Neste momento do estudo, devemos destacar que no Estado do Rio de Janeiro a atuação da PolíciaJudiciária já pode ser provocada por meio da ferramenta virtual. Conferir no site: www.delegaciavir-tual.rj.gov.br.

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“juntada” das peças, os atos de comunicação processual (que passarão a serinstantâneos em muitos casos) e, principalmente, o acompanhamento darotina cartorária, que será consideravelmente abreviada.

O estado do Rio Grande do Sul foi o pioneiro em matéria de processovirtual. Em meados de novembro de 2002 foi implantado o projeto-pilotona comarca de São Sebastião do Caí. Esse projeto foi inaugurado no JuizadoEspecial Estadual Cível, em que as petições iniciais eram registradas oral-mente ou por disquete no denominado “Sistema Themis”. Posteriormente,outras cidades em outros estados foram inaugurando seu próprio sistema deinformatização dos processos.

Os atos praticados nos processos virtuais recebem as chamadas assina-turas virtuais, também conhecidas como certificação digital ou assinaturaeletrônica. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Justiça Federal mantém umconvênio com a Caixa Econômica Federal para a certificação digital dasassinaturas dos magistrados e dos serventuários da Justiça no sistema deprocesso eletrônico. O ato é realizado com a utilização de um smart card(cartão eletrônico) e de um leitor específico para o cartão, que é “plugado”ao computador. Além disso, deve ser digitada uma senha pessoal associadaà informação digital do usuário colhida por meio de um leitor ótico.25 Emsegundo grau de jurisdição, haverá a apreciação da demanda virtual peloConselho Recursal Virtual.

O Supremo Tribunal Federal também já está preparado para receberprocessos virtuais. Em 200426 foi instituído o denominado e-STF, qual seja,o sistema para a prática de atos processuais e de dados e imagens, por meiodo correio eletrônico. Dois anos depois foram viabilizadas as assinaturasdigitais, mediante um convênio com a Caixa Econômica Federal, que foiassinado digitalmente pela Presidente do STF, Ministra Ellen Gracie.27

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25 Desta forma estão sendo realizadas as assinaturas digitais no STF desde junho de 2006, por meio do con-vênio celebrado digitalmente entre aquele Tribunal e a CEF, que será responsável pela certificação digi-tal, conforme Acordo de Cooperação Técnica nº. 6/2006. Disponível em: http://www.stf.jus.br/por-tal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=67295&caixaBusca=N. Acesso em 29/12/2008.

26 Resolução nº 287, de 14 de abril de 2004.27 Acordo de Cooperação Técnica nº 6/2006 para a ampliação e incremento da prestação de serviços de

Certificação Digital no âmbito do STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=67295&caixaBusca=N. Acesso em 29/12/2008.

219Os Juizados Especiais Cíveis e o E-Process: O Exame das Garantias Processuais na Esfera Virtual

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À CEF compete, desde então, a emissão dos certificados, tal como osemitidos em sede cartorária, para garantir a autenticidade de quem assina.Por fim, o STF passou a disponibilizar o chamado Diário da Justiça eletrô-nico, que substitui qualquer outro meio de publicação oficial, para quais-quer efeitos legais, salvo exceções,28 para a publicação oficial de todos osatos jurídicos do Tribunal.

Seguindo a tendência já instalada nos tribunais de autos virtuais, foi queem 2006 a Lei nº 11.419, regulamentou a informatização do processo judi-cial, alterando, inclusive, dispositivos do CPC. Analisando a legislação, adoutrina vislumbrou o fim da morosidade, a economia processual ao Ju-diciário e às partes, a transparência da prestação jurisdicional, a viabilizaçãodo respeito ao princípio da duração razoável do processo e a inclusão digitaldo Poder Judiciário, gerando maior efetividade da atividade judicante.29

Por outro lado, alguns apontamentos negativos acerca da temática jásurgiram. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuizouno ano de 2007 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, que recebeu onúmero 3.880, com pedido de concessão in limine da tutela contra a normasupracitada.30

Em resumo, o Conselho da Ordem entendeu que o processo digital fereaos princípios da proporcionalidade e da publicidade, bem como aos precei-

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28 As exceções correspondem aos casos em que, por força de lei, deva se processar pela via da intimaçãoou vista pessoal, nos termos do parágrafo segundo do artigo 4º da Lei nº 11.419/06.

29 “Em médio prazo, acreditamos que a medida trará grande economia ao Poder Público, que custeia oarmazenamento dos atos processuais. A curto prazo, no entanto, já se vislumbra a economia que serárepassada as partes, tendo em vista que o tempo gasto com inúmeros procedimentos será substituído dosprocessos por um simples toque de botão. Investimentos deverão ocorrer para que a justiça brasileira setorne modelo para o mundo. O processo tradicional não será subtraído de nossos fóruns, mas com otempo deixará de ser a via escolhida pelos litigantes. O tempo mais uma vez marca a reforma do pro-cesso. Sem dúvida alguma, a implementação do processo eletrônico trará ainda mais transparência aoJudiciário e, sobretudo, contribuirá para a efetividade do princípio da duração razoável do processoinserido em nossa Magna Carta pela Emenda Constitucional nº 45/2004. (...) O processo virtual, comojá dito, representará a inclusão digital do Judiciário, com a utilização da tecnologia já disponível namaioria dos órgãos jurisdicionais de nosso país, tornando a prática dos atos processuais mais rápida,garantindo que o resultado final seja efetivo”. BARBOSA, Hugo Leonardo Pena. “Lei nº 11.419/2006:o processo eletrônico como garantia de um Judiciário efetivo”. In Revista Dialética de DireitoProcessual, nº 49, São Paulo: Oliveira Rocha, 2007, p. 79-94.

30 Uma vez proposta a ADIn, em abril de 2007 foi deferido pelo STF o ingresso, na qualidade de amicuscuriae do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico. Conferir em: http://www.stf.jus.br/por-tal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=3880&processo=3880. Acesso em 01/12/2008.

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tos constitucionais acerca do exercício da advocacia, além do artigo 5º,caput e incisos XII, LX; do artigo 84, inciso IV e do artigo 133 da Carta.

Arguiu a OAB que o sistema de intimações e publicações virtuais iráextinguir o Diário Oficial impresso em papel,31 afetando o princípio dapublicidade. A OAB alerta para o fato de que, segundo dados de pesquisarealizada pelo Comitê Gestor da Internet, constatou-se que 66,68% dapopulação brasileira nunca houveram acessado à internet.

Outro argumento foi a inadmissível exposição do advogado a possíveisrestrições que os Tribunais poderão impor ao exercício da função. Alega aOrdem que o cadastramento dos advogados afronta os direitos dos causídi-cos, já que o cadastro é realizado junto a OAB, que é quem a ConstituiçãoFederal legitima para a função de credenciar advogados, habilitando-os aoexercício da advocacia.

Muito embora a informatização e a migração para o processo virtualsejam uma tendência irreversível, dotada de imensas vantagens, é precisoreconhecer que algumas formalidades são de fato questionáveis.

Entendemos por concordar que a imposição de cadastramento préviodos advogados junto aos Tribunais para a finalidade de propor ação virtualfere não só à legislação especial, como também à Constituição. As funçõesde registro e de cadastro de advogados competem privativamente à OAB.

E isso se aplica também aos advogados públicos, promotores e defen-sores, que têm suas atividades regradas pelas respectivas leis federais, sendodotados de autonomia e independência funcional. Um sistema controladoexclusivamente pelo Poder Judiciário não parece ser a melhor opção. Oideal é um sistema de gerenciamento conjunto, inclusive com a participa-ção dos setores da sociedade organizada, sem que um só grupo controletodos os outros, mas sem ser controlado pelos demais.

Mediante isso, consideramos que o argumento da OAB que questionaa constitucionalidade desse dispositivo é bastante plausível. Os causídicos

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31 Nesse aspecto, contudo, não há muito a se fazer. Realmente, a necessidade de proteger o meio ambien-te e de economizar os recursos naturais do planeta impõem um uso mais racional do papel. Uma solu-ção provisória seria disponibilizar equipamentos para apressar a inclusão digital e dessa tarefa devemparticipar todos os órgãos da sociedade, a começar pela própria OAB, que deve incentivar e subsidiaros advogados.

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estão sujeitos ao cadastro prévio somente perante o seu Órgão de Classe,para o exercício livre de sua profissão, não cabendo qualquer outra imposi-ção de cadastro, tal como quer exigir o legislador infraconstitucional.

Ressaltamos, entretanto, que essa problemática poderá ser facilmentesuprida por uma medida que crie uma espécie de convênio, tal como supra-citado, entre os Órgãos de Classe e os Órgãos do Poder Judiciário, a fim deque o cadastro de profissionais nos primeiros seja disponibilizado aosdemais, e, com isso, dentro do enfoque avocado na ADIn, os advogadosregularmente inscritos nos quadros da OAB estariam automaticamentecadastrados para atuar em processos virtuais.32

Nessa exegese, válido ressaltar que, por outro lado, a OAB deve ter aobrigação de manter sempre atualizados seus cadastros, velando pela preci-são e transparência dessas informações.

Passando a um outro ponto da fundamentação argumentativa da OABna ADIn, havemos de concordar que os processos virtuais podem ferir oprincípio constitucional da publicidade, ao limitar o acesso às informaçõesprocessuais e aos documentos digitalizados somente às partes, seus procu-radores e ao Parquet.33

A legislação impugnada quer conferir tal sigilo a todos os casos, inclu-sive, àqueles que são processados perante o microssistema, os Jec’s, con-quanto, em verdade, o sigilo das informações e atos processuais devem serrestritos a situações em que, por exemplo, envolvam defesa da intimidadeou quando houver interesse social.34

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32 Lembramos que essa solução que apontamos contraria a previsão legal. Segundo a Lei dos processos vir-tuais, o credenciamento junto ao Poder Judiciário deverá ocorrer por meio de procedimento em que éexigida a identificação presencial do interessado. (Artigo 2º, § 1º, da Lei nº 11.419/06). Como uma alter-nativa a solucionar esse impasse, verificamos que na ADIn proposta pela OAB destaca a existência doICP-OAB, que seria a Autoridade Certificadora da OAB, e que poderá emitir os certificados eletrôni-cos para os inscritos à assinarem digitalmente processos virtuais.

33 Lei nº 11.419/06: “Artigo 11. (...) Parágrafo 6º – Os documentos digitalizados juntados em processo ele-trônico somente estarão disponíveis para acesso por meio de rede externa para suas respectivas partesprocessuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e desegredo de Justiça”.

34 Artigo 5º LX, da Constituição Federal. Comentamos: pense-se, por exemplo, num indivíduo que ajuízaação indenizatória porque sofreu dano estético; ou num outro que deseja saber quem é seu pai; ou aindanaquele que deseja se divorciar por ter descoberto o adultério da parceira. São questões íntimas. Essaspessoas têm o direito de ter suas informações processuais devidamente resguardadas pelo PoderJudiciário. Se elas, de início, souberem que toda a qualquer pessoa poderá acessar aquele processo vir-tual, ler o seu conteúdo e divulgá-lo, provavelmente não procurará a via jurisdicional.

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Diante do texto legislativo, a doutrina apôs de maneira divergente oentendimento quanto ao novel dispositivo. Se por um lado uma interpretaçãomostra-se bastante restritiva, limitando o acesso pelo público às provas docu-mentais, seja nos casos de segredo de justiça ou não, o que sem dúvida, viola-ria o princípio da publicidade;35 o segundo entendimento, por outro lado,assegura que o princípio da publicidade está sendo respeitado, na medida emque confere conhecimento público aos atos praticados pelo Poder Judiciáriode maneira mais ampla, uma vez que disponibiliza todas as etapas do proces-so judicial não só para as partes, mas também para toda a coletividade.36

Talvez uma solução intermediária seja facultar a todos os operadoresdo direito (aí incluídos advogados públicos e privados, promotores e defen-sores públicos) a consulta a todos os processos, reprise-se, desde que nãocobertos por alguma hipótese de segredo de justiça.

Quanto aos jurisdicionados, esses poderiam consultar livremente osprocessos que figuram como sujeitos ativos ou passivos. Em complemento aisso, nos casos dos indivíduos que tenham interesse, mas que não sejam par-tes da demanda, deveriam proceder com um requerimento que seria subme-tido ao juízo, acompanhado das razões, para que seja feito o exame da perti-nência, tal como ocorre nos autos físicos quanto à intervenção de terceiros.

Coadunando-se as propostas acima, vemos claramente uma forma pro-porcional de acomodar os princípios da publicidade e da proteção à intimi-dade, posto que salvaguarda o primeiro, sem que com isso seja mitigado osegundo. A partir dessa linha de raciocínio, não custa lembrar que, ultima-mente, têm sido frequentes os choques entre esses princípios. Vejamos, porexemplo, as interceptações telefônicas desregradas; a divulgação precipita-da de diligências policiais à imprensa, antes que seja formado um juízomínimo de acusação; e a manipulação de dados sigilosos, culminando coma desarticulação de quadrilhas que roubavam, vendiam e extorquiam pes-soas, de posse de seus dados íntimos (extratos de cartões de crédito, contastelefônicas, informações bancárias e outras).

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35 CALMON, Petrônio. Comentários à Lei de Informatização do Processo Judicial. Rio de Janeiro:Forense, 2007, p. 117.

36 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 151.

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Outro ponto que vislumbramos é o de que devam ser pensadas medi-das de segurança quanto ao acesso aos autos virtuais por pessoas estranhasao processo, caso o texto legislativo que o restringe seja revisto. Para solu-cionar isso, pensamos na criação de um sistema capaz de rastrear e de regis-trar todas as pessoas que acessaram o histórico de cada processo. No caso dedivulgação indevida, fica muito mais fácil descobrir quem foi responsávelpela utilização imprópria da informação ou do documento.

Nos processos físicos, os autos são acessados no balcão cartorário. Casoos autos sejam retirados para fotocópia, por exemplo, a identificação e oregistro de quem os retira poderá ser feita num Livro próprio. Nesses casos,em ocorrendo a hipótese de uso indevido de informações e documentos, aidentificação daqueles que manusearam os autos processuais fica mais fácil.

Por outro lado, na via da justiça virtual, esse controle resta quaseimprovável, posto que, com o crescimento desenfreado e desregrado de lanhouse, i. e., além do uso inapropriado de ferramentas de Internet, saber-sede onde foi feito o acesso e/ou quem foi o consulente inoportuno dos autosvirtuais, se tornará cada vez mais difícil.

Diante dessa hipótese, apontamos que há possíveis soluções para queos acessos sejam controlados e monitorados, resguardando-se com isso osprincípios da publicidade, mas também o da intimidade. Vejam-nas abaixo.

Tomamos como exemplo as instituições bancárias, que oferecem medi-das protetivas para a utilização pelos correntistas da Internet quando darealização dos serviços e transações financeiras. Uma dessas medidas refe-re-se ao fato de que os acessos são realizados por meio de computadorescadastrados junto ao sistema do banco, mediante o uso de senhas, bemcomo que os acessos limitam-se ao uso daquela máquina cadastrada para talfinalidade. Essa seria uma opção relevante e segura.

De toda sorte, pensemos que os Tribunais complementem os meios deconsultas aos autos virtuais na medida em que também passem a oferecerespaços com máquinas disponíveis e cadastradas no formato para o acessoseguro, conforme sugerido acima, para que o público possa fazer consultavirtual aos autos, mas que, para tanto, deverá identificar-se perante um ser-vidor público.

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A máquina cadastrada monitoraria quais processos virtuais foram aces-sados, por quem, a que horas e quais documentos foram consultados. Issopoderá parecer, à primeira vista, uma medida ditatorial e burocrática.Porém, olhando-se por outro ângulo, os autos processuais, embora possamem sua maioria ser consultados publicamente, o serão feito de maneira pru-dente. Por outro lado, em não sendo aplicadas essas medidas preventivas,poderá ocorrer a banalização do interesse e do direito dos atores do proces-so, e, com isso, da sociedade como um todo.

Contudo, ainda que fixados esses parâmetros, é preciso reconhecer quepersiste outro grande entrave a obstaculizar e limitar o acesso das pessoasao juízo virtual. Esse comprometimento é fruto dos deficientes níveis dedesenvovimento econômico-social, que são uma realidade no Brasil.

Agrava-se a questão quando atentamos para o fato de que, não custalembrar, nos juizados especiais pode haver o contato direto da parte inte-ressada com o juízo competente, sem a intermediação do advogado (nashipóteses cuja causa não exceda 20 salários mínimos, no âmbito estadual e60 salários mínimos na esfera federal).

Veja-se que sem a assitência do causídico, portanto, sem o conheci-mento técnico adequado, e sem conhecer as ferramentas para o uso daInternet e dos editores de texto, dificulta-se bastante a situação da parte naesfera virtual. Isso pode mitigar perigosamente o princípio do acesso efeti-vo à justiça, maculando-o de forma irreversível.

Observando mais esse viés negativo da discussão proposta, vejamos osfundamentos a seguir.

Inicialmente, é preciso dizer que, segundo pesquisas realizadas no ano de2007 por meio de Estudos intitulados “Governo Eletrônico” e “Habilidadescom Computador e Internet”, realizados pelo Centro de Estudos sobre asTecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br),37 constatou-se que:

a) Quanto ao acesso: apenas 25% da população brasileira, maio-res de dezesseis anos, utilizaram a internet para interagir

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37 O CETIC.br – “é responsável pela produção de indicadores e estatísticas sobre a disponibilidade e usoda Internet no Brasil, divulgando análises e informações periódicas sobre o desenvolvimento da redeno país”. Disponível em: <http://www.cetic.br/>. Aceso em 18/12/2008.

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com Órgãos Públicos, e que o acesso a esses Órgãos, bem comoà internet como um todo, crescia em razão da renda familiar,do grau de instrução e da classe social, ao passo que diminuía oacesso conforme aumentava a idade do internauta;

b) Quanto à classe social e ao grau de instrução: apenas 11% dapopulação de classes sociais D e E, bem como apenas 12%dos que possuíam somente o ensino fundamental, acessavamà internet;

c) Quanto à habilidade com computador: cerca de 1/3 dos quealegaram saber utilizar o computador, sequer haviam utiliza-do um editor de texto, o que é uma “atividade consideradabásica”, e que 73% dos adultos com mais de quarenta e cincoanos se sentiam despreparados para utilizar o computador.

Diante dessa realidade, de verdadeira exclusão digital em massa, nosresta concluir que o processamento de feitos integralmente pela via digitalprecisa ser efetivado paulatinamente e, principalmente, ser acompanhadode políticas públicas lúcidas e razoáveis, sob pena de se ferir não só o prin-cípio da publicidade como, principalmente, o da isonomia.

Lembramos o entendimento de Luis Roberto Barroso,38 para quem efe-tividade significa “a realização do Direito, o desempenho concreto de suafunção social”, bem como “a materialização, no mundo dos fatos, dos pre-ceitos legais” simbolizando “a aproximação, tão íntima quanto possível,entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.

Conjugando os argumentos expostos pela OAB na ADIn nº 3.880 e oselementos estatísticos e doutrinários supracitados, consideramos que, noque diz respeito ao acesso à justiça com efetividade, a justiça deverá sim serrealizada da forma mais célere possível, mas ressaltamos que essa rapidezdeva respeitar a duração razoável do processo. Caso contrário, a celeridadedesenfreada será socialmente tão nociva quanto as delongas processuais quese buscam extinguir com esse mecanismo.

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38 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro:Renovar, 1990, p. 76 e ss.

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5. Considerações finais

Propusemos uma análise da preservação das garantias processuais noprocesso virtual. Para isso, passamos brevemente pelos movimentos de aces-so à justiça, pelo histórico da busca por mecanismos mais céleres de conferirjustiça, notadamente em matérias menos complexas, pela criação dos juiza-dos, suas peculiaridades e pioneirismo no processo virtual na esfera nacional,pelas argumentações quanto à constitucionalidade da Lei nº 11.419/06, che-gando à grande indagação quanto às garantias processuais na esfera virtual.

Pois bem. A celeridade tem sido o grande objeto propulsor das modi-ficações legislativas. Foram muitas lei reformadoras desde 1973, quando onosso Código de Ritos entrou em vigor. Considerando a legislação extrava-gante, foram mais de sessenta alterações cuidando de procedimentos diver-sos, conquanto no próprio corpo do CPC, no mesmo ano de sua edição,foram alterados setenta e dois artigos.39

Dessa data até a promulgação da Constituição de 1988, houve a altera-ção de vinte dois artigos, seguindo-se a Reforma do Judiciário instituídapela Emenda Constitucional 45/04. Com isso, alguns dispositivos chegarama ser alterados mais de uma vez.40

Mencionamos esses dados para levar o leitor a refletir sobre a plausibi-lidade das alterações, necessárias sim, sobretudo em razão dos novos confli-tos em escala de massa, mas que demandam cautela e prudência do legisla-dor, para que não se comprometa a integridade do sistema processual dian-te de tantos “remendos”. Concordamos que as reformas sejam necessárias,assim, como os juizados são o grande passo para desafogar a justiça e confe-rir prestação jurisdicional da forma mais rápida, acessível e justa possível.

Modificar a legislação, inovar, adequar-se às novidades tecnológicas eutilizar-se dessas ferramentas a fim de que o Direito seja conferido e asse-gurado a quem o detém de fato são atitudes louváveis. Porém, como profis-sionais do direito, devemos analisar e exercer nossa contribuição social ao

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39 Lei nº 5.925/73.40 Veja-se o caso do agravo, alterado pelas Leis nº 9.139, nº 10.352/01 e Lei nº 11.187/05.

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apontarmos em que aspecto possa haver conflito entre a celeridade propos-ta pelo legislador infraconstitucional e as garantias processuais.

Isso porque devemos nos preocupar com a preservação da integridadee da coerência do sistema, ponderando-o previamente com os setores dou-trinários e judiciais quanto à viabilidade das modificações. E, com isso, des-tacamos que os juizados especiais também estão subordinados à observân-cia dos princípios do contraditório e do devido processo legal, bem comoaos demais princípios fundamentais e do direito processual.

Os juizados especiais, regidos pelos princípios da informalidade, sim-plicidade, em que se admite até mesmo ao jurisdicionado dispensar a repre-sentação processual,41 bem como figurando como verdadeiro desbravadorao reunir atividade judicante e tecnologia possibilitando o e-process, deve-rá ser observado também sob a ótica das garantias processuais, como a iso-nomia e o acesso à justiça.

A justiça igualitária é aquela que permite às partes a “igualdade dearmas” diante do Poder Judiciário. Caso contrário acarretará um desequilí-brio dentro da relação jurídica processual, principalmente, como vistoacima, em casos em que a parte acessa diretamente o Poder Judiciário, sema assistência do advogado. Se a lei resolveu criar tal hipótese, deve assumira responsabilidade de viabilizá-la de forma adequada.

Visto isso, consideramos que, quando a temática é celeridade, notada-mente para este estudo do processo virtual, aspectos importantes devem serponderados para se compreender o que é contribuição social e o que está semostrando nocivo à sociedade. Isso, claro, sem deixarmos de concordar edestacar que a informatização do processo gera sim muitos benefícios sociais.

Benefício maior ainda poderá ser alcançado com os processos virtuaisse forem considerados e respeitados os limites do desenvolvimento econô-

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41 Vale destacarmos que as doutrinas nacional e estrangeira já descreveram a importância do papel doadvogado no contexto jurídico. José Afonso da Silva afirma que advogado não é apenas um pressupos-to da formação do Poder Judiciário, mas também necessário ao seu funcionamento e, continua, afir-mando que o artigo 133 da CF é um princípio basilar do funcionamento do Poder Judiciário, cuja inér-cia requer um elemento técnico propulsor. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito ConstitucionalPositivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 596/7. Cappelletti se pronunciou acerca do papel doadvogado como essencial, senão indispensável para: “decifrar leis cada vez mais complexas e procedi-mentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa”. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant.Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988, p. 32.

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mico, social e estrutural de nosso país, lembrando que uma grande mudan-ça deve ser efetivada de forma planejada, equilibrada e racionalizada. Denada adianta buscar soluções instantâneas, milagrosas e com forte apelo demídia, quando todos nós sabemos que o processo virtual precisa de umperíodo de maturação, e não deve extinguir completamente o processo depapel, pelo menos não em curto prazo.

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______. Lei nº 11.187. Altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –Código de Processo Civil, para conferir nova disciplina ao cabimento

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229Os Juizados Especiais Cíveis e o E-Process: O Exame das Garantias Processuais na Esfera Virtual

Page 242: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

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10Reflexões sobre o Processo Eletrônico

nos Juizados Especiais CíveisErick Linhares

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Desafios e resultados. 2.1. Software livre. 2.2. Benefícios. 2.3. Aces-so à justiça. 2.4. Economia de recursos. 3. Pressupostos para implantação. 3.1. Treinamento.3.2. Equipamento. 3.3. Unicidade do sistema. 3.4. Processos físicos anteriores. 3.5. Res-ponsabilidade pela inserção de dados e integralidade do meio eletrônico. 3.6. Protocolo etempestividade. 3.7. Digitalização inviável de documentos. 3.8. Materialização de autos vir-tuais. 3.9. Formato dos documentos. 3.10. Comunicações processuais. 3.11. Defesa. 3.12. Ofi-ciais de justiça. 3.13. Saúde laboral. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.

1. Introdução

A informática é mais que uma tecnologia, é uma revolução que condi-ciona nosso presente. Sua ampla utilização no mundo jurídico ainda é des-conhecida pela maior parte dos tribunais.

O objetivo deste artigo é expor, com informações práticas, as vanta-gens da substituição do papel pelo registro eletrônico de autos, com base naexperiência da Justiça de Roraima que, em janeiro de 2009, completou doisanos de implantação do processo eletrônico em todos os Juizados EspeciaisCíveis de sua capital.

2. Desafios e resultados

Em 2005, o Tribunal de Justiça de Roraima definiu alguns pressupos-tos para a virtualização de autos:

1) o software deveria ser livre; 2) a nova tecnologia deveria apresentar benefícios para o Poder

Judiciário, para os advogados, para o Ministério Público epara os cidadãos;

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3) deveria facilitar o acesso à Justiça e não criar um apartheidtecnológico; e

4) deveria propiciar economia, reduzir o trabalho repetitivo,otimizar o material existente e encurtar o tempo de tramita-ção processual.

2.1. Software livre

Muitas vezes, por questões orçamentárias e por desconhecimento deoutras tecnologias, o preço acaba sendo o aspecto predominante na aquisi-ção de tecnologia. Contudo, um sistema barato pode ser mais oneroso, seconsiderarmos seus custos operacionais (pessoal, manutenção, equipamen-tos etc).

Em nosso caso, por sérias limitações orçamentárias, as tecnologiaspagas haviam sido descartadas e optamos pelo software livre. E, dentre ossistemas existentes, depois de testarmos alguns, especialmente dosTribunais Regionais Federais, adotamos o PROJUDI – Processo JudicialDigital, oferecido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Esse sistema apresentava vantagens, como transferência de tecnologia,manutenção feita pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, inexistênciade ônus com pessoal e doação de equipamentos de informática. Tambémapresentava sérios riscos.

A Justiça de Roraima foi pioneira nacional no uso do PROJUDI.Iniciamos em 28 de janeiro de 2007, propositalmente domingo, parademonstrar que era um novo tempo para o Judiciário.

A virtualização de autos foi uma operação arriscada. Tecnologiasemergentes, como o PROJUDI, podem as vezes fracassar, comprometendoo trabalho desenvolvido e sua credibilidade.

Alguns fatores diminuíram o risco. O sistema havia sido testado e,embora não fosse perfeito, atendia as demandas iniciais e comportava aper-feiçoamento. O Conselho Nacional de Justiça estava fornecendo todo osuporte material e técnico, sem custos. A tecnologia era de uso simples, dis-pensando longos cursos ou grossos manuais. Por fim, o Conselho Nacionalde Justiça pretendia disseminar o PROJUDI em âmbito nacional (o que de

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fato ocorreu), simplificando a migração para novas tecnologias, caso oPROJUDI se tornasse obsoleto.

2.2. Benefícios

Muitos precisaram ser convencidos que o processo eletrônico não eraapenas outro brinquedo tecnológico, mas uma escolha racional que contri-buiria para melhorar a Justiça, pelos seguintes motivos:

1) é ecologicamente correto; 2) reduz custos para o Poder Judiciário; 3) simplifica a comunicação processual (intimações e citações); 4) torna a Justiça funcional vinte e quatro horas por dia; 5) apresenta comodidades: permite que o advogado peticione e

que o juiz decida de qualquer lugar do planeta; 6) elimina o tempo morto na tramitação do processo; 7) inviabiliza subtração ou desaparecimento de autos; e 8) facilita o acesso do cidadão à Justiça.

2.3. Acesso à justiça

Quando iniciamos o sistema, nossa principal preocupação era um apar-theid tecnológico. Assim, justamente com a implantação do PROJUDIforam feitas campanhas de marketing sobre suas vantagens. Também foramrealizados vários cursos para os usuários internos (magistrados e servidores)e externos (partes e advogados). Apenas para dar exemplo, o principal jor-nal de Boa Vista,1 nesses 24 meses de utilização do sistema, publicou 46reportagens sobre o processo eletrônico.

Ainda assim, quando de sua implantação houve desconforto e insegu-rança em muitos usuários. O que é natural, o novo sempre causa aflição.

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1 Folha de Boa Vista (www.folhabv.com.br).

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Em relação aos advogados, maiores usuários do sistema, percebemosque os mais jovens (até quarenta anos) não tiveram dificuldades em se adap-tar. Os mais antigos se dividiram entre os que se reciclaram, frequentandocursos de informática e os que, infelizmente, abandonaram a advocacia nosJuizados Especiais, ao menos temporariamente.

Hoje, dos 679 inscritos na OAB de Roraima, 597 estão cadastrados noPROJUDI, ou seja, 87,92%, praticamente a totalidade dos advogados mili-tantes. Por outro lado, as reclamações iniciais sobre a dificuldade em peti-cionar desapareceram. Inclusive, muitos advogados acompanham seus pro-cessos através de telefone celular.

Em relação às partes que exercem o jus postulandi diretamente, nãotivemos reclamações, por incrível que possa parecer.

Nossa estratégia foi realizar um bom treinamento com a equipe deatermação dos Juizados Especiais, bem como criar uma Central de Aten-dimento do PROJUDI, para tirar dúvidas sobre o sistema e orientar o peti-cionamento.

Essas medidas, em conjunto, aumentaram substancialmente a deman-da, algo que não esperávamos que acontecesse de maneira tão abrupta.

O gráfico adiante registra o número total de processos em cada ano defuncionamento dos Juizados Especiais de Boa Vista, desde sua implantação emnovembro de 1995 até o término de 2008, período pesquisado neste artigo.

No primeiro ano de implantação do processo eletrônico (2007), oaumento no número de ações aforadas foi de 26,87%. Em 2008 foi de25,48%. Ou seja, nesse período, o incremento total da demanda foi de52,35%, algo que nunca havia acontecido.

Os seguintes números expressam o pleno êxito da implantação em seusdois primeiros anos: 6.231 sentenças, 40.184 despachos, 3.396 tutelas ante-cipadas, 11.896 audiências realizadas, 31.405 intimações eletrônicas e 606citações eletrônicas.

Acreditamos que a divulgação dada pela imprensa ao novo sistema,como instrumento apto a agilizar a tramitação processual e simplificar oacompanhamento processual, possa ter incentivado o aumento de deman-da nos primeiros meses, mas não justifica a sua elevação contínua. Esta,indubitavelmente, decorre da receptividade da inovação.

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Fonte: Coordenadoria dos Juizados Especiais do TJRR

A agilização digital refletiu no número de processos arquivados, comaumento de 54,93 % no primeiro ano (2007) e 8,72% em 2008, ou seja,63,65% no biênio, com diminuição na taxa de congestionamento.

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TOTAL DE PROCESSOS: 1995 - 2008

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1776

2784

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4000

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

ANO

DE

AÇÕ

ES

Fonte: Coordenadoria dos Juizados Especiais do TJRR

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O tempo médio de tramitação processual também foi reduzido, noprimeiro ano de implantação do processo eletrônico, em 39 dias (2007),caindo de 115 para 76 dias. Entretanto, em 2008, devido ao aumento dademanda, este número voltou a subir para 108 dias, como mostra o gráficoabaixo.

Fonte: Coordenadoria dos Juizados Especiais do TJRR

Esse aumento no tempo de tramitação é importantíssimo, ao revelarque o processo eletrônico não é a cura para todos os males, uma espécie de“emplasto Brás Cubas judicial”, como é constantemente apregoado. Ele temlimitações e gargalos. A sobrecarga de trabalho do magistrado e a incapaci-dade para dar vazão à crescente demanda são os principais problemas e,para eles, a informática não tem solução aparente.

2.4. Economia de recursos

Identificamos os seguintes insumos que incidem sobre o processo físi-co, segundo metodologia desenvolvida pela eminente magistrada SulamitaPacheco,2 do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte:

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2 Relatório apresentado ao Presidente do TJRN, em 04.10.2007.

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a) folha de papel: R$ 0,03/unidade;b) impressão da página em impressora laser: R$ 0,23/unidade;c) capa de processo: R$ 3,00/unidade;d) outros insumos (grampos, clips, colchetes etc): R$ 0,02.

Adotando-se uma média de 70 folhas por processo, chegaremos aosseguintes custos: (a) folha de papel R$ 2,10 [R$ 0,03 X 70], (b) impressão:R$ 16,10 [R$ 0,23 X 70], (c) capa de processo: R$ 3,00, (d) insumos: R$ 0,20[R$ 0,02 X 10]. Através desses dados, concluímos, por conseguinte, quecada processo custa aos cofres públicos R$ 21,40.

Como foram ajuizados nesses dois anos 11.431 processos eletrônicos,podemos afirmar que houve uma economia de R$ 244.623,40 para o PoderJudiciário, apenas em papel e material de expediente. Se incluirmos nessecálculo custos de comunicação processual (intimação e citação), transportee armazenamento de autos físicos, bem como o tempo de atuação dos ser-vidores no processo, essa economia aumentará, consideravelmente.

3. Pressupostos para implantação

3.1. Treinamento

No início tivemos muitas falhas banais, por causa de serventuários,advogados e magistrados, na ocasião mal instruídos sobre as funcionalida-des do sistema.

O treinamento constante no próprio Juizado Especial, com monitora-mento de erros, juntamente com cursos e palestras sobre o processo eletrô-nico, foi a mais adequada ferramenta para impedir os equívocos.

Também, para melhor capacitação dos usuários do sistema, é interes-sante a realização de cursos básicos de informática pelo Tribunal de Justiça.

3.2. Equipamento

A implantação do processo eletrônico pressupõe a prévia instalação deequipamentos de auto-atendimento (§ 3º do art. 10 da Lei nº 11.419/2006).

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Cumprimos a lei, colocando computadores na sala da OAB no fórume treinando seus funcionários. Ainda assim, em pouco tempo, com oaumento da demanda, filas de advogados surgiram diante dos aparelhos. Asreclamações foram frequentes, não obstante o aumento constante do núme-ro de computadores.

Esses problemas decorreram, em grande parte, do péssimo serviço deinternet prestado em Roraima, que obrigou muitos advogados a utilizarema banda larga do fórum.

A solução foi firmar convênio com os provedores de internet de BoaVista para acesso direto à antena do Tribunal de Justiça, tornando o PRO-JUDI mais rápido para os usuários externos.

Atualmente estamos instalando aparelhos de auto-atendimento emlocais de grande circulação, como terminais de ônibus, aeroporto e rodoviá-ria, dentre outros.

A idéia é que o cidadão utilize esses terminais para entrar com suasações, até oralmente. Para tanto, são dotados de monitor tochscreen, doisalto-falantes, monofone, câmera de vídeo, teclado alfanumérico, impresso-ra térmica, scanner e duas entradas USB.

Quando estiverem em funcionamento servirão para formulação oralde pedidos, entrega eletrônica de petições, intimações, pagamento de cus-tas e acompanhamento de processos.

Em relação ao cartório, a estrutura de trabalho com balcão de atendi-mento, escaninho e mesas não mudou, como pensávamos inicialmente. Oaumento expressivo da demanda trouxe apenas readequação de espaço, emdecorrência do desaparecimento dos autos físicos.

3.3. Unicidade do sistema

O processo eletrônico que implantamos funciona exclusivamenteatravés do software PROJUDI.

Atualmente, estamos pensando em romper a unicidade do sistema deprocesso eletrônico. O PROJUDI tem sido ineficiente na Turma Recursal,não obstante as tentativas para aperfeiçoá-lo.

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A Turma Recursal tem sido o calcanhar de Aquiles do PROJUDI, comgraves e urgentes problemas, como processos “perdidos”,3 duplicados eindevidamente conclusos. Atrasando a prestação jurisdicional.

Em razão disso, decidimos substituir o PROJUDI - Turma Recursalpela Sessão-Eletrônica, sistema usado pelo Conselho Nacional de Justiça, oqual funciona bem melhor em segundo grau: mais seguro, estável e com apossibilidade de prévia discussão de voto, simplificando o julgamento.

3.4. Processos físicos anteriores

Optamos por não digitalizar os autos físicos quando o PROJUDI foiimplantado.

A celeridade dos processos em curso nos Juizados Especiais indicavaque em breve seriam extintos, o que de fato aconteceu. Após dois anos deimplantação do sistema, sobraram apenas 72 processos, todos em execução.

3.5. Responsabilidade pela inserção de dados e integralidade domeio eletrônico

Os autos do processo eletrônico são integralmente digitais, sendo res-ponsabilidade de cada usuário a inserção de documentos, todos em forma-to digital, sem necessidade da intervenção do cartório.

3.6. Protocolo e tempestividade

O protocolo de petições no PROJUDI é ininterrupto, ou seja, a Justiçase tornou funcional vinte e quatro horas por dia, permitindo vista de autose peticionamento em qualquer horário.

Contudo, como ocorre com os bancos, registramos “apagões” e casosde lentidão do sistema.

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3 “Perdidos” – são processos que ficam invisíveis para o usuário, não obstante permaneçam na base dedados; exigindo-se consulta manual nesta para sua localização.

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Por isso, há necessidade de se desenvolver um módulo que certifique o dia,o horário e a duração de eventual inoperância do sistema PROJUDI, demodo que tal informação fique acessível aos usuários.

3.7. Digitalização inviável de documentos

Dispensamos a digitalização quando for tecnicamente inviável ouexcessivamente volumosa.

Nesse caso, se certifica nos autos eletrônicos e os documentos ficam dis-poníveis em cartório, com menção ao processo eletrônico a que se refiram.

3.8. Materialização de autos virtuais

A materialização do processo eletrônico pode ser parcial (somentealgumas peças) ou total (a integridade do processo) e é feita pelo cartório,mediante determinação judicial.

3.9. Formato dos documentos

Quando iniciamos o PROJUDI, qualquer formato de documento eraadmissível, o que acabou gerando problemas. Alguns desses formatos erampagos e outros de difícil acesso, comprometendo a abertura de documentose a prestação jurisdicional. Apenas para dar exemplo, chegamos a ter maisde 15 programas de abertura de documentos, o que não é razoável.

Atualmente, as petições e documentos enviados ao processo eletrôni-co são gravados apenas nos formatos PDF (Portable Document Format) ouhtml (hypertext markup language), disponibilizados gratuitamente nainternet, em sítio do Judiciário de Roraima.

3.10. Comunicações processuais

As citações e intimações dos usuários cadastrados são feitas de formaeletrônica. A citação ou intimação eletrônica acontece com a leitura do res-pectivo documento na tela do usuário citado ou intimado.

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3.11. Defesa

A resposta do requerido é apresentada em audiência de instrução e jul-gamento, podendo o juiz determinar a inserção eletrônica dos documentosque reputar relevantes, ou determinar que seja certificado em ata resumi-damente o seu conteúdo e, em qualquer dos casos, os documentos são res-tituídos à parte que os apresentou, ao final da audiência.

3.12. Oficiais de justiça

A ausência de uma Central de Mandados dentro do PROJUDI gerasérios problemas.

Enquanto o sistema não é aperfeiçoado, a solução foi certificar nosautos o nome do oficial de justiça, a data da distribuição do mandado e oresultado de sua diligência. Serviço que é feito manualmente, consumindotempo que poderia ser melhor aproveitado.

3.13. Saúde laboral

Há necessidade de criação de uma política de saúde laboral para os ser-vidores e magistrados usuários do sistema. Infelizmente, nesses dois anos deutilização do processo eletrônico não conseguimos sensibilizar sobre estaquestão.

Até o momento, felizmente, não registramos licenças por L.E.R. oudoenças correlatas, mas é só uma questão de tempo. Existe ampla literaturamédica sobre os danos decorrentes de uso excessivo de computador. E semorientação adequada, essas lesões provavelmente ocorrerão.

4. Conclusão

O processo eletrônico, diante de seu potencial de transformação daJustiça e de sua prática, rompe com o status quo de séculos. É uma grandeoportunidade e um imenso risco. Tudo depende de seu gerenciamento, que

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passa por várias administrações do Tribunal de Justiça, exigindo-se muitoplanejamento e comprometimento.

Com efeito, embora a virtualização de autos seja inevitável, seu cami-nho não é fácil e tampouco isento de erros. É preciso boa vontade e tole-rância para superação dos inúmeros obstáculos presentes e futuros.

Daí a grande importância do diálogo com todos os envolvidos (magis-trados, servidores e advogados) para desarmar resistências e para o plenoêxito do sistema.

Por fim, não se deve esquecer que o processo eletrônico é apenas maisuma ferramenta para aperfeiçoar a prestação jurisdicional, devendo serconjugado com outras práticas para que resultados mais significativos sejamalcançados.

5. Bibliografia

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RORAIMA. Coordenadoria dos JuizadosEspeciais. Boa Vista: 2009.

_____. Coordenadoria do PROJUDI. Boa Vista: 2009.

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VDireito do Consumidor

e Juizados Especiais Cíveis

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11Tutela do Consumidor: Por que os

Juizados Especiais?Delton Ricardo Soares Meirelles

Marcelo Pereira de Mello

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Juizado Especial como expoente do Acesso à Justiça noBrasil. 3. A tutela jurisdicional das relações de consumo nos Juizados especiais. 4. Com-posição dos conflitos por agências reguladoras. 5. Os juizados são mais confiáveis que asagências?. 6. Os juizados especiais são mais efetivos que as agências reguladoras?. 7. Deve oJudiciário conhecer imediatamente destes conflitos?. 9. Conclusão. 10. Referências biblio-gráficas.

1. Introdução

A proteção do consumidor e os juizados especiais demonstram ser doisdos mais importantes instrumentos de acesso ao direito na atualidade.Ambos são vistos associados, sendo os conflitos de consumo protagonistasdos processos nos juizados especiais. Neste artigo será questionada esta pre-ferência, haja vista a possibilidade da utilização das agências reguladorascomo instância alternativa, nos conflitos envolvendo empresas concessio-nárias de serviços públicos.

Para tanto, será abordado como os juizados especiais incorporaram ajudicialização das relações de consumo, analisados num contexto de rede-mocratização e reformas do Estado brasileiro. Em seguida, verificar-se-á seas agências reguladoras poderiam ser utilizadas como órgão extrajudicialpara resolução dos conflitos envolvendo concessionárias de serviços públi-cos. Por fim, buscar-se-ão os motivos que induzem o consumidor a buscarimediatamente a tutela jurisdicional estatal.

A pesquisa, além de conter revisão literária necessária, inclui a análisede diversos julgados e dados estatísticos oficiais sobre o tema.

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2. O Juizado Especial como expoente do Acesso à Justiçano Brasil

O Judiciário ocidental, reconhecendo as barreiras de acesso à Justiça,1acaba por incorporar as reivindicações por uma reforma profunda de men-talidade, a fim de que o direito não mais encarado apenas do ponto de vistados produtores (poder legislativo estatal), mas também sob a ótica dos “con-sumidores do Direito e da Justiça”.2 A consciência da existência dos direitose, acima de tudo, um reclamo pela sua efetividade e cumprimento levarama uma busca maior pela tutela jurisdicional, a qual passa a ser visto comoum serviço público e não mais uma corte mítica.

A partir do final dos anos 70, os países ocidentais centrais passavam porum período de reestruturação estatal, devido à crise do Welfare State e anecessidade de maior legitimação político-social. Na América do Sul, postotambém ter sentido os efeitos desta crise, não pode ser esquecido o peculiarprocesso de redemocratização, após longos períodos ditatoriais (Brasil –1964/1984; Argentina – 1966/1973 e 1976/1983; Uruguai – 1973/1985 e Chile– 1973/1990, p. ex.). Traumatizados com tais períodos de repressão, houveum intenso processo de incorporação de valores democráticos e políticassociais. Com isto, ELIANE BOTELHO JUNQUEIRA afirma que o debatesobre o acesso à Justiça no Brasil não se deve apenas à “crise do Estado debem-estar social, como acontecia então nos países centrais, mas sim pelaexclusão da grande maioria da população de direitos sociais básicos, entreos quais o direito à moradia e à saúde”.3

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1 CAPPELLETTI, Mauro. & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.2 CAPPELLETTI, Mauro “O problema de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas” in

O Processo Civil Contemporâneo, p. 16.3 Complementando seu pensamento, afirma que ” a análise das primeiras produções brasileiras revela que

a principal questão naquele momento, diferentemente do que ocorria nos demais países, sobretudo nospaíses centrais, não era a expansão do welfare state e a necessidade de se tornarem efetivos os novosdireitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 pelas ‘minorias’ étnicas e sexuais, mas sim aprópria necessidade de se expandirem para o conjunto da população direitos básicos aos quais a maio-ria não tinha acesso tanto em função da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídico brasi-leiro, como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores subalternizados e daexclusão político-jurídica provocada pelo regime pós-64” (JUNQUEIRA, Eliane Botelho. “Acesso àJustiça: um olhar retrospectivo” in Revista Estudos Históricos, nº 18, 1996, p. 01, disponível em<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>).

248 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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No Brasil, a reforma do Estado tornou-se prioritária nos anos 80, aponto de ser criado o Ministério da Desburocratização, com o objetivo dereestruturar a administração pública em geral. Entretanto, ao contrário doque ocorre em outros países, em que o Executivo assume as políticas públi-cas judiciárias (como a França), no Brasil o corporativismo judiciário con-segue se articular a ponto de protagonizar as políticas de reformas.4

Isto ficou muito claro na fundação dos juizados especiais. Apesar de oMinistério da Desburocratização ter formulado projetos de simplificação daJustiça, a primeira experiência concreta ocorreu no Rio Grande do Sul(1983), onde foi testado pela primeira vez um Conselho Informal deConciliação. LUIZ WERNECK VIANNA e outros cientistas políticos defen-dem a tese de que a magistratura se apropriou da experiência gaúcha pararepresar uma iniciativa mais contundente do Executivo, como a criação deuma agência especializada ou uma política de estímulo a meios alternati-vos.5 LUCIANA GROSS CUNHA, por outro lado, aponta uma ferrenha crí-tica a esta composição de burocratas e juízes paulistas. Segundo a pesquisa-dora da FGV, havia uma oposição especialmente de advogados e associaçõesde classe, “que não tomaram parte da elaboração do anteprojeto e viam emseu texto uma ameaça ao exercício da profissão e até mesmo à justiça”,6 jáque o texto veio praticamente pronto do Ministério da Desburocratização,sem possibilitar maiores debates quanto à sua implementação.

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4 Sobre o poder corporativo dos magistrados brasileiros nas reformas judiciárias, ver MELLO, MarceloPereira de & MEIRELLES, Delton R. S. “A reforma da Justiça do Trabalho e o embate Judiciário X Le-gislativo”, in Revista de direito da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, nº 14, jan./jul. 2008.

5 VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Resende de, MELO, Manuel Palácios Cunha &BURGOS, Marcelo Baumann. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. RJ: Revan,1999, p. 167. Estes pesquisadores, mais a frente, afirmam que “por motivações distintas, ambos os uni-versos – o do associativismo dos magistrados gaúchos e o do Executivo Federal - convergiram na preo-cupação em reformar as práticas e as instituições do Poder Judiciário; no primeiro caso, atendendo àspressões sociais por direitos e visando criar um espaço institucional onde a litigiosidade presente nasociedade brasileira pudesse ser explicitada; no segundo caso, orientando-se por uma rationale tecno-crática, coerente com os objetivos de simplificação e de modernização do aparelho de Estado (...).Assim, embora informada por uma perspectiva quase oposta, a que talvez não fosse estranha a contri-buição teórica de M. Cappelletti sobre a democratização do acesso à Justiça, a experiência reformadoraensaiada pelos juízes do Rio Grande do Sul acabaria tendo influência sobre a agenda de modernizaçãoinstitucional concebida pelo executivo”. (op. cit., p. 170)

6 CUNHA, Luciana Gross. Juizado Especial: criação, instalação, funcionamento e a democratização doacesso à justiça. 1ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 31.

249Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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De qualquer modo, os interesses dos poderes Executivo e Judiciárioconvergiram na regulamentação federal dos Juizados de Pequenas Causas(Lei nº 7.244/84), os quais seguem um procedimento diferenciado parademandas de pequeno valor. Como é da tradição jurídico-política brasilei-ra, o acesso à Justiça acabou se tornando preliminar ao acesso ao direitomaterial, quando o ideal seria o inverso.7

A justificativa formal da criação dos juizados especiais, consoante seobserva no discurso de um dos autores do anteprojeto, KAZUO WATANA-BE, seria a composição de conflitos que raramente chegavam ao Judiciáriotradicional, em virtude da morosidade, custas, formalidades etc. Seria impor-tante, portanto, a criação de órgãos específicos para resolver a “litigiosidadecontida”, entendida como “fenômeno extremamente perigoso para a estabili-dade social, pois é um ingrediente a mais na ‘panela de pressão’ social, que jáestá demonstrando sinais de deteriorização do seu sistema de resistência”.8

3. A tutela jurisdicional das relações de consumo nosJuizados especiais

O processo de redemocratização, além de expor a demanda reprimidapelo regime de exceção pós-1964, incorpora legal e constitucionalmenteuma série de reivindicações. Talvez um dos grandes expoentes seja a tuteladas relações de consumo, objeto de consideração especial pelo legisladorconstituinte:

O direito do consumidor e instrumentos para sua proteçãodevem constar de forma explícita no texto constitucional.

250

7 Como destaca LEONARDO GRECO, “Sem dúvida o último pressuposto do acesso ao Direito é o acessoà Justiça, no sentido de acesso a um tribunal estatal imparcial, previamente instituído como competen-te, para a solução de qualquer litígio a respeito de interesse que se afirme juridicamente protegido oupara a prática de qualquer ato que a lei subordine à aprovação, autorização ou homologação judicial”(“O acesso ao direito e à Justiça”, in Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes: Faculdadede Direito de Campos, 2005, p. 205).

8 WATANABE, KAZUO. “Filosofia e características básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas” inJuizado Especial de Pequenas Causas (Coord. Kazuo Watanabe). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985,p. 02.

250 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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O movimento de defesa do consumidor, no Brasil, iniciou-se em fins da década de 70 em decorrência da crescente cons-cientização da sociedade sobre práticas abusivas de produção ecomercialização de bens e serviços, sob a complacência dospoderes públicos.

O número de propostas sobre o assunto encaminhadas aesta Subcomissão bem demonstra a necessidade de se estabele-cer princípios constitucionais que venham a orientar a formu-lação de um Código do Consumidor.

(...) Os objetivos gerais do referido código voltam-se paraassegurar aos cidadãos a defesa de seus interesses e, ao mesmotempo, concorrer para o aprimoramento da atividade econômi-ca como um todo.9

Ressalte-se que este processo não foi exclusivo do Brasil, e sim se inse-re num cenário global de acesso à Justiça e novos direitos.10 Entretanto, éimportante destacar como os juizados especiais e a defesa do consumidorforam constitucionalizados e regulamentados concomitantemente,11 nãosendo raro associá-los como grandes representantes de um modelo jurídicodemocrático e cidadão,12 ainda que proporcionalmente pouco utilizadospela população.

Duas pesquisas de campo demonstram isto. No município de Niterói(RJ), 81,3% dos entrevistados identificaram os juizados como órgãos juris-dicionais (índice superior ao da Justiça do Trabalho – 78%; e do TRE –

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9 BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte. Relatório e Anteprojeto da subcomissão dos direitos polí-ticos, dos direitos coletivos e garantias. Disponível em: <www.mj.gov.br>.

10 “Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular aten-ção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de novos direi-tos substantivos em sua qualidade de consumidores” (CAPPELLETTI, Mauro. & GARTH, Bryant.Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 10).

11 Os juizados especiais encontram-se previstos na Constituição (art. 95, I) e nas Leis nºs 9.099/95 e10.259/01; ao passo que a tutela do consumo tornou-se garantia constitucional (art. 5º, XXXII) e mere-cedora de código próprio (Lei nº 8.078/90)

12 Pode-se incluir também a tutela coletiva do consumo, com a previsão expressa da Lei nº 7.347/85, a qualgarante a proteção do consumidor (art. 1º, II) e conseqüente extensão da legitimidade extraordinária.Mais tarde, a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) passa a regular especialmente a maté-ria a partir de seu art. 81.

251Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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58,2%), inferior apenas ao Tribunal de Justiça (90,2%) e ao Fórum (89,4%).Esta mesma pesquisa revela que a maior parte da população ainda não uti-lizou o Judiciário (61%), sendo que daqueles que já ingressaram com ação,16% foram a um juizado especial (índice inferior apenas ao da Justiça doTrabalho – 23%). Outro dado relevante: os juizados especiais são utilizadosprincipalmente pela classe média: 45,5% dos entrevistados tinham rendafamiliar superior a dez salários mínimos mensais, sendo que apenas 11,4%recebia menos que três salários mínimos.13

Em outra pesquisa mais abrangente (incluindo nove capitais), organi-zada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ), emconvênio com a Secretaria de Reforma do Judiciário (Ministério da Justiça),há um diagnóstico mais completo e comparativo sobre os juizados especiais.Um dos destaques é o protagonismo dos conflitos de consumo, beneficiadapela incompetência para apreciação de outras causas que também seriampopulares (como trabalhistas, familiares e fazendárias locais), e motivadaespecialmente pela ascensão concomitante da regulamentação jurídica dosdireitos do consumidor (Lei nº 8.078/9014) e dos juizados (Lei nº 9.099/95).

Interessante destacar que o Rio de Janeiro detém uma realidade sensi-velmente diferente dos demais judiciários estaduais. Enquanto na média dascapitais os conflitos de consumo respondem por 37,2% dos processos, nacapital fluminense sua presença é maciça: 79%.15

No outro lado da baía de Guanabara, Niterói apresenta dados seme-lhantes em seus juizados especiais. Tomando por base o ano de 2004 (con-temporâneo à pesquisa do Ministério da Justiça), os juizados especiais nite-

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13 MELLO, Marcelo Pereira de & MEIRELLES, Delton R. S. “A ‘Cultura Legal” do Cidadão de Niterói”, inCadernos CEDES/IUPERJ, nº 03.

14 Destaque-se o art. 6º, VII: “São direitos básicos do consumidor: (...) o acesso aos órgãos judiciários eadministrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, cole-tivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados”.

15 BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Diagnóstico dos JuizadosEspeciais Cíveis. Disponível em www.mj.gov.br, 2006. Merece nota o trabalho pioneiro de PAULOCEZAR PINHEIRO CARNEIRO, cuja pesquisa sobre acesso à Justiça no Rio de Janeiro aponta que“em todos os juizados pesquisados, pelo menos 50% das causas têm por base relações de consumo”(Acesso à Justiça: juizados especiais. cíveis e ação civil pública. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003,p. 144).

252 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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roienses julgaram 22.211 processos, dos quais 12.794 (58%) eram referentesa direito do consumidor.16

Com relação ao Estado do Rio de Janeiro, seu Tribunal de Justiça apre-senta estatística parcial de 2008 (atualizada até agosto17), revelando que 30empresas respondem por 86% dos processos nos juizados especiais, todasreferentes direta ou indiretamente a relações de consumo. Dentre elas, des-tacam-se as empresas de telefonia (2º – Telemar/Oi – telefonia fixa; 5º – Vi-vo; 8º – TIM; 9º – Oi celular; 11º – Claro e 24º – Embratel/Livre/Vésper),energia elétrica (3º – Light e 4º – AMPLA) e água (14º – CEDAE). No casode serviços de telecomunicações, dados do Ministério da Justiça mostramque mais de um terço (33,6%) dos processos nos juizados especiais envol-vem litígios de consumo envolvendo empresas de telefonia (na média dascapitais pesquisadas, o índice é menor: 22,8%).18

A empresa Telemar/Oi, a propósito, tem o título nada honroso deempresa mais acionada desde o início do serviço estatístico no Rio deJaneiro.19 Uma das medidas para atenuar sua participação foi o acordo entrea concessionária e o Judiciário fluminense em 1999, instituindo-se o proje-to “Expressinho”, como uma instância conciliatória prévia aos juizados. Éinteressante a observação de uma pesquisadora do projeto de diagnósticodos juizados especiais brasileiros:

De qualquer sorte, nossa impressão pessoal é de que aTELEMAR tem uma atuação diferenciada no Rio de Janeiro: hámaior volume de celebração de acordos (mesmo em se tratandode indenização por dano moral), há mutirões, nos quais aempresa desiste do recurso interposto e paga, de pronto, o valordeterminado na sentença. Contudo, enquanto no restante do

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16 MELLO, Marcelo Pereira de & MEIRELLES, Delton R. S. “Legitimidade judicial versus comunitária:efeitos da atuação dos juízes leigos nos conflitos de vizinhança”, in Anais do 6º Encontro da AssociaçãoBrasileira de Ciência Política, 2008, Campinas.

17 Dados disponíveis em: <http://www.tj.rj.gov.br/cgj/servicos/estatisticas/top30.html>.18 BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Diagnóstico dos Juizados Especiais

Cíveis. Disponível em: <www.mj.gov.br>, 2006.19 Se somarmos as causas envolvendo a TELEMAR NORTE LESTE S/A (OI – telefonia fixa) e TNL PCS

S.A. (OI - telefonia celular), esta empresa foi acionada em 170.359 (16% do total de 1.049.265 proces-sos nos juizados especiais fluminenses entre janeiro/2005 e agosto/2008).

253Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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país todos os acordos são cumpridos, é bastante expressivo opercentual de acordos inobservados e, portanto, executados.20

O número alto de ações, aliado à costumeira presença de empresasconcessionárias de serviços públicos,21 demonstra que as lesões aos direitosdos consumidores são rotineiras. Ao mesmo tempo em que este fenômenopoderia ser lido como uma ampliação do acesso à Justiça, garantindo umatutela jurisdicional antes inimaginável; a presença constante de tais empre-sas acaba congestionando os cartórios e, consequentemente, acarretandomaiores custos operacionais (funcionários técnico-administrativos e adia-mento de audiências).

Com isso, verifica-se que os juizados especiais vêm se transformandoem um verdadeiro balcão de reclamações de consumidores, atendendo a umconstante litígio de massa22 em prejuízo de decisões mais artesanais23 (comoos conflitos de vizinhança24). Com tamanho afluxo de casos semelhantes,

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20 FERRAZ, Leslie Shérida. “Relatório – pesquisa juizados especiais cíveis – Rio de Janeiro” in BRASIL(Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Diagnóstico dos Juizados Especiais Cíveis.Disponível em: <www.mj.gov.br>, 2006, p. 80.

21 Considerados por CAPPELLETTI & GARTH como litigantes habituais, os quais gozam de diversas van-tagens em relação aos consumidores, geralmente litigantes eventuais (Acesso à Justiça. Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 24).

22 Estes litígios de massa poderiam ser compostos coletivamente pelos procedimentos próprios, como jádefendiam CAPPELLETTI & GARTH. Vale aqui a observação de PAULO CEZAR PINHEIRO CAR-NEIRO, para quem “existem várias situações comuns nas diversas ações nas quais figuram como réus aspessoas antes mencionadas que, em tese, poderiam configurar direitos individuais homogêneos, prote-gidos por ação civil pública, no juízo competente” (Acesso à Justiça: juizados especiais. cíveis e ação civilpública. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 145). Frise-se que tais ações coletivas não poderiam serconhecidas pelos juizados, conforme entendimento consolidado no enunciado nº 32 do FONAJE(Fórum Nacional dos Juizados Especiais).

23 Uma das soluções adotadas no Rio de Janeiro foi a implementação de juízes leigos, auxiliares do juiztogado. Entretanto, a burocratização e a ausência de legitimidade social e preparo técnico acarretarama perda de credibilidade destes agentes. Esta curiosa passagem dá a dimensão deste problema:“Interessante notar a postura do Magistrado em relação ao juiz leigo. Ele é um pouco avesso à idéia,entendendo que a administração da pauta dos novos julgadores vai atrapalhar sua rotina. Ademais,disse que os juízes leigos querem desfrutar do mesmo prestígio que os togados. Segundo ele, numafesta da alta sociedade carioca, uma juíza leiga deu a entender que era Magistrada, e os demaismagistrados ficaram perguntando em qual concurso ela havia sido admitida, até que, depois demuito apertá-la, ela revelou que era uma ‘mera juíza leiga’” (FERRAZ, Leslie Shérida. “Relatório –pesquisa juizados especiais cíveis – Rio de Janeiro” in BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria deReforma do Judiciário). Diagnóstico dos Juizados Especiais Cíveis. Disponível em www.mj.gov.br,2006, p. 82/83).

24 Sobre o tema, MEIRELLES, Delton R. S. “Juízes leigos comunitários: acesso à Justiça nas cidades” in AbInitio (Revista da faculdade de direito da Universidade Federal Fluminense), nº 01.

254 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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talvez fosse o caso de se implementar juizados com competência específicapara relações de consumo.25

Diversamente do que se poderia supor, a absorção integral destes con-flitos massificados e usuais pelos juizados especiais não significa garantia depleno acesso à Justiça, conceito este mascarado pela realidade de um dema-gógico acesso aos órgãos judiciários, cujo resultado é, muitas vezes, umaprestação jurisdicional deficiente e de baixa qualidade. De fato, “a alta liti-giosidade não implica em acesso à Justiça amplo, mas no fato de poucas pes-soas ou instituições utilizarem demais o Poder Judiciário, enquanto que amaior parte da população está afastada dos mecanismos formais de resolu-ção de litígios”.26 Sob uma perspectiva econômica, temos que

Um judiciário que leve a muitos litígios não está sendo efi-ciente por duas razões. Uma, porque consome muitos recursos,tanto da parte dos litigantes (advogados etc.) como do setor públi-co (e.g. juízes e pessoal administrativo). Outra, porque litígios emexcesso indicam que as leis e os direitos não se acham suficiente-mente bem definidos e/ou respeitados. Provavelmente tambémsinalizam que o sistema não está sendo eficiente em desencorajarcasos que deveriam ser resolvidos no âmbito privado.27

Curioso observar, a propósito, que o relatório sobre os juizados espe-ciais, assinado por Kazuo Watanabe em nome do CEBEPEJ, defende a atri-buição de competência absoluta (como ocorre em âmbito federal, conforme

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25 Há um importante depoimento coletado na pesquisa nacional sobre os juizados: “Para o Dr. Marco, amudança mais importante para os JECs cariocas seria a criação de Varas especializadas em Direito doConsumidor, apartando-as das demais demandas. Segundo o Magistrado, enquanto as ações dessa natu-reza têm um desfecho rápido, as brigas de vizinhos, ex-casais, familiares, etc. tomam um tempo enor-me na pauta e nada solucionam, pois as partes buscam mesmo o litígio, não querem a pacificação.”(FER-RAZ, Leslie Shérida. “Relatório – pesquisa juizados especiais cíveis – Rio de Janeiro” in BRASIL(Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Diagnóstico dos Juizados Especiais Cíveis.Disponível em: <www.mj.gov.br>, 2006, p. 83.

26 BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Judiciário e economia. Disponívelem: <www.mj.gov.br>, 2006, p. 06.

27 PINHEIRO, Armando Castelar. “Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual”, in Judiciário eEconomia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000, p. 26.

255Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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o art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.259/01), como forma de se pressionar melhorescondições de funcionamento.28

Daí vêm as questões: por que os juizados absorvem todos estes confli-tos? Se há dados que comprovam a corriqueira violação de direitos pelasempresas concessionárias de serviços públicos, não seria o caso de interven-ção estatal mais drástica? Por outro lado, não seria viável uma instância pre-liminar ao Judiciário, filtrando as causas que necessariamente demandas-sem a atuação jurisdicional?

Em nosso sistema jurídico, essas questões podem ser compreendidas apartir do papel que poderia desempenhado pelas agências reguladoras, tra-tadas a seguir.

4. Composição dos conflitos por agências reguladoras

As agências reguladoras, tidas como entes que especificamente tratas-sem da regulação, controle e administração de setores estratégicos de nossaeconomia, tiveram uma preliminar previsão constitucional com o atualdiploma de 1988 (art. 177, § 2º, II). No entanto, a regulamentação destasentidades apenas veio no governo Fernando Henrique Cardoso, o qual in-corpora as idéias de Estado Gerencial divulgadas pelo seu ministro BresserPereira. Com isso, foram criadas várias agências reguladoras: ANEEL (Agên-cia Reguladora de Energia Elétrica) pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de1996; ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), Lei nº 9.472, de 16de julho de 1997; ANP (Agência Nacional de Petróleo), Lei nº 9.478, de 06

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28 “Os Juizados estão sobrecarregados de serviços em razão do desmedido aumento de sua competência. Enão se adotou, até o momento, o princípio do acesso obrigatório a esses Juizados, nos limites de suacompetência (competência absoluta).Muitas das causas que poderiam ser por eles julgadas estão sendo, atualmente, canalizadas para os juí-zos comuns, em virtude do princípio da facultatividade do acesso aos Juizados, o que significa que asobrecarga de serviços poderá ser agravada a qualquer momento, pela simples alteração da preferênciados jurisdicionados, por alguma razão pessoal ou por decisão de seu advogado.Esse dado constitui uma permanente ameaça à qualidade dos Juizados Especiais Cíveis, razão pela qualdeve ser enfrentado definitivamente de alguma forma, seja adotando-se o princípio da obrigatoriedadedo acesso o que exigirá uma prévia avaliação da repercussão dessa decisão nos Juizados de todo o país ereclamará certamente um importante investimento na sua melhoria, seja reduzindo-se a competênciapara níveis razoáveis”. BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Diagnósticodos Juizados Especiais Cíveis. Disponível em: <www.mj.gov.br, 2006>, p 12/13.

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Page 269: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

de agosto de 1997; e ANA (Agência Nacional de Águas), Lei nº 9.984, de 17de julho de 2000; entre outras.

Tais agências têm natureza de pessoas jurídicas do Direito Público,vinculadas aos seus respectivos ministérios, integrando a AdministraçãoPública Indireta e tidas como autarquias especiais, com as inerentes prerro-gativas. Surgem, basicamente, em decorrência do processo de privatizaçãode empresas de capital estatal,29 as quais detinham o monopólio dos servi-ços públicos essenciais. Assim, o Brasil passou a adotar um modelo interme-diário entre a excessiva liberdade de mercado (como paradigma liberalnovecentista), e o intervencionismo estatal próprio do Welfare State, me-diante a instituição de uma burocracia limitada à regulação e não mais con-dutora da economia. Destarte, o mercado deve obedecer a esta ação norma-tiva estatal, a qual se justifica pela proteção de várias garantias constitucio-nais no campo do domínio econômico.

Uma das missões das agências reguladoras é a disciplina do mercado, afim de estabelecer maior segurança ao investidor. Atualmente, sua atuação nocenário jurídico é impressionante, como demonstra JOAQUIM FALCÃO:

Em 2007, o Congresso aprovou 198 leis. Em compensação,apenas três das principais agências reguladoras produziram1.965 resoluções. A Agência Nacional de Energia Elétrica editou635, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, 726, e aAgência Nacional de Águas, 604. Mesmo sem considerar resolu-ções das outras sete agências federais (ANVISA, ANS, ANCINE,ANATEL, ANP, ANTAQ e ANAC), são quase dez vezes maisatos normativos. Nos estados, o cenário se repete. No RioGrande do Sul, por exemplo, a AGERGS produziu 580 resolu-ções enquanto a Assembléia Legislativa gaúcha elaborou apenas188 leis estaduais. Existem agências em 19 estados e também noDistrito Federal. Em alguns, mais de uma, como São Paulo e Rio.

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29 Iniciadas no governo Fernando Collor, mediante o chamado “Programa Nacional de Desestatização”(Lei nº 8.031/90, alterado pela Lei nº 9.491/91).

257Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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É bem verdade que Leis produzidas pelos Legislativos eresoluções editadas pelas agências reguladoras são normas dife-rentes. Estas nem sempre geram direitos e deveres para os regu-lados e consumidores, e obrigam apenas certos setores: energiaelétrica; transportes terrestres; telecomunicações; saúde suple-mentar etc. Mas, devido à progressiva universalização dos ser-viços regulados, estas agências tendem a influenciar o orçamen-to e o quotidiano de todos os brasileiros.30

Entretanto, outra função relevante que podem assumir é a composiçãoadministrativa de conflitos.31 Não apenas como parte interessada num pro-cesso administrativo, mas também atuando como mediadoras ou mesmoárbitras de litígios envolvendo empresas e consumidores.32

Nos EUA, as regulatory agencies atuam como verdadeira instânciajudicante, em que os consumidores buscam a solução administrativa em vezda ação judicial, diversamente do modelo brasileiro. A jurisprudêncianorte-americana entende ser cabível o judicial review apenas nos casos devícios formais do processo administrativo, já que o Judiciário não teria osmesmos conhecimentos técnicos dos especialistas das agências. Além disso,estas detêm grande legitimidade perante a população, tendo em vista suamanifesta autonomia e independência. Entretanto, tal modelo é visto pordesconfiança por CAPPELLETTI & GARTH:

Outras soluções governamentais para o problema – de mo-do especial, a criação de certas agências públicas regulamenta-

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30 FALCÃO, Joaquim. “Agências Reguladoras e o Poder Judiciário”, disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4054&Itemid=129>

31 Como no caso da ANATEL, em que a Lei nº 9.472/97 prevê expressamente, em seu art. 19, XVII, quelhe compete “compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de tele-comunicações”.

32 JOAQUIM FALCÃO também defende a utilização de meios alternativos, mas apenas estimuladas pelasagências reguladoras, e não conduzidas por estas, conforme se verifica nesta passagem: “as agênciaspoderiam propor que as concessionárias, além de tradicionais departamentos jurídicos, criassem depar-tamentos de conciliação. Diques autônomos, contendores de demandas, que evitem a cultura, aindadominante, de tudo judicializar. Reduziria o conflito entre concessionárias e consumidores”. (“AgênciasReguladoras e o Poder Judiciário”, disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_con-tent&task=view&id=4054&Itemid=129>).

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doras altamente especializadas, para garantir certos direitos dopúblico ou outros interesses difusos – são muito importantes,mas, também, limitadas. A história recente demonstra que, poruma série de razões, elas têm deficiências aparentemente inevi-táveis. Os departamentos oficiais inclinam-se a atender maisfacilmente a interesses organizados, com ênfase nos resultadosdas suas decisões, e esses interesses tendem a ser predominan-temente os mesmos interesses das entidades que o órgão deve-ria controlar. Por outro lado, os interesses difusos, tais como osdos consumidores e preservacionistas, tendem, por motivos jámencionados, a não ser organizados em grupos de pressão capa-zes de influenciar essas agências.33

De qualquer maneira, as agências reguladoras atuam como uma instân-cia alternativa para resolução de conflitos, tema que se situa na atual agen-da de políticas públicas de acesso à Justiça e reforma de Estado.34 As leis queregulamentam o regime de concessão exigem a inserção de cláusulas con-tratuais prevendo a resolução amigável e extrajudicial de controvérsias,como os se verifica nos seguintes dispositivos: art. 23, XV, da Lei nº 8.987/95(reguladora do regime de concessão e permissão de serviços públicos pre-vistos no artigo 175/CRFB); art. 93, XV, da Lei nº 9.472/97 (ANATEL); art.43, X, da Lei nº 9.478/97 (ANP); art. 35, XVI, da Lei nº 10.233/01 (ANTT);art. 4º, § 5º, da Lei nº 10.848/04 (comercialização de Energia Elétrica) etc.35

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33 CAPPELLETTI, Mauro. & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988,p. 52. Esta preocupação também se encontra presente em ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, quandodiz que o risco de contaminação parcial das agências “certamente não é específico das agências regulado-ras, ocorrendo, em maior ou menor grau, em toda a administração pública, aqui e alhures. Todavia, quan-do um ordenamento é setorizado, os seus dirigentes, inclusive pela formação técnico-profissional especia-lizada no setor, tendem a ter um contato mais estreito e frequente com os agentes econômicos regulados,o que, se por um lado é positivo, por outro, se não forem criados os instrumentos necessários, poderá levarà parcialidade das agências” (Agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 366/367).

34 MEIRELLES, Delton R. S. “Meios alternativos de resolução de conflitos: justiça coexistencial ou eficiên-cia administrativa?”, in Revista Eletrônica de Direito Processual nº 01. Disponível em: <http://www.revistaprocessual.com/REDP_1a_30dezembro2007_RJ.pdf>.

35 Mesmo se tratando de sociedade de economia mista, não há empecilho para a utilização de arbitragem,conforme precedentes do STF (SE nº 5206 AgR/EP, rel. Min. Sepúlveda Pertence; AI nº 52.191, Rel.Min. Bilac Pinto) e do STJ (AgRg no MS 11308 / DF, rel, Min. Luiz Fux).

259Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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Todavia, estes métodos alternativos não devem se limitar às questõescontratuais envolvendo a Administração e as empresas concessionárias. Asagências podem intervir em conflitos envolvendo consumidores e empre-sas, como instância mediadora de conflitos (sem impedimento de hetero-composição arbitral, se assim desejarem as partes). A ANATEL, p. ex., atuacomo intermediária (e, consequentemente, mediadora) quando o consumi-dor utiliza de seu portal eletrônico, central telefônica de atendimento ousalas do cidadão. Protocolada a reclamação, a empresa é comunicada pararesponder à reclamação e, caso não seja resolvido o problema, é possívelimpor-lhes sanções administrativas.

Com isso, resta a dúvida sobre as razões pelas quais os consumidoresrejeitam esta via administrativa, e buscam o imediato acesso à Justiça. Nestetrabalho, serão abordadas as seguintes questões: a) Os juizados são maisconfiáveis que as agências?; b) Os juizados são mais efetivos que as agên-cias?; c) O Judiciário poderia deixar de conhecer destas causas, forçando oconsumidor a buscar a composição administrativa prévia?

5. Os juizados são mais confiáveis que as agências?

Estudos das ciências sociais desenvolveram os conceitos de “confiança”(ciência política36) e “legitimidade” (sociologia37), os quais permitiriam com-preender o porquê das agências ainda não são totalmente aceitas pela comu-nidade como órgãos legítimos para a resolução de conflitos com as concessio-nárias privadas. Além de serem relativamente recentes, as agências sofremcom a desconfiança dos brasileiros para com a sua Administração, vista comoexcessivamente burocrática e viciada pela corrupção e clientelismo.

Este fenômeno é presente na composição dos conflitos. Ainda subsisteum déficit de confiança na idoneidade do Poder Público em tomar decisões,mesmo por meio de um processo administrativo devidamente regulamen-tado. Como lembram ADILSON ABREU DALLARI e SERGIO FERRAZ, “ainexistência da disciplina do processo administrativo representou expressi-

260

36 MOISÉS, José Álvaro. “Cidadania, confiança e instituições democráticas”, in Lua Nova nº 65: 71-94,2005.

37 WEBER, Max. Economia y sociedad. Ciudad del Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1999.

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vo vetor de reforço da autoridade burocrática quando em face dos reclamosda coletividade”.38 Conseqüentemente, “a Administração sempre se consi-derou senhora e dona do processo administrativo, decidindo, a seu talante,quando e como instaurá-lo, seu iter, a dimensão da atividade dos adminis-trados em seu bojo, sua publicidade ou reserva etc.”.39 SEABRA FAGUN-DES, comentando sobre a tentativa administrativa prévia como exigênciada lei nº 1533/51, assim discorre

Tivemos sempre a restrição por menos plausível, pois queleva à procrastinação dentro da sua casuística, da solução juris-dicional do estado de contenciosidade resultante da inconfor-mação do administrado com o ato da autoridade pública.Procrastinação tanto mais inconveniente quanto é sólido que,em nossa prática burocrática, o recurso hierárquico, pela demo-ra de decisões e pela ratificação com que, via de regra, prestigiaos atos recorridos, não conseguiu ainda afirmar-se como meiode correção de erros na aplicação da lei. Destarte, melhor foradeixar às partes a livre opção. Que a elas ficasse a escolha entreas esperanças da decisão administrativa favorável e as dificulda-des de prova e custeio da via judiciária.40

Destarte, uma das vantagens do processo jurisdicional sobre o adminis-trativo seria seu caráter de substitutividade e/ou desinteresse do Estado-juiz.41 CHIOVENDA, p. ex., utiliza-se deste critério para afirmar que “aprópria administração julga, pois que não se age a não ser com apoio numjuízo: mas julga sobre a própria atividade. Ao contrário, a jurisdição julga da

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38 FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. 1ª ed. São Paulo: MalheirosEditores, 2002, p. 21.

39 Idem, ibid.40 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 5ª ed., Rio de

Janeiro, Forense, 1979, p. 282.41 “Justamente o que distingue a jurisdição da administração é esse desinteresse objetivo, essa indiferença

do Estado-juiz em que o resultado da sua atividade seja este ou aquele, enquanto o administrador é sem-pre parte, agindo sempre no interesse do Estado ou da coisa pública”. GRECO, Leonardo. “Garantiasfundamentais do processo: o processo justo”, in Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes:Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 231.

261Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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atividade alheia e duma vontade de lei concernente a outrem”.42 Por estemotivo, questiona-se a imparcialidade da Administração em conduzir oprocesso administrativo, especialmente em nosso país, cuja tradição patri-monialista abala a confiança na isenção de seu julgamento.

A imparcialidade, mais do que uma garantia decorrente do juízo natu-ral, é fundamental ao processo liberal.43 Ainda que haja o reconhecimentojurídico desta garantia no processo administrativo (especialmente o fede-ral),44 há o prejuízo decorrente do princípio hierárquico administrativo45 eda ausência de profissionalização de seus julgadores.

Todavia, no caso das agências reguladoras aqui analisadas, por atuaremcomo mediadoras de conflitos entre concessionárias e consumidores, nãohaveria, em tese, este problema de parcialidade. Seus órgãos julgadores nãose confundem com as partes litigantes, e se mostrariam como terceirosdesinteressados (seguindo-se a lição de CHIOVENDA). Além disso, pos-suem um conhecimento bem mais especializado do que o magistrado (mui-tas vezes limitado pelo procedimento46 e dependente do perito), o que

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42 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil (tradução por J. Guimarães Menegalee notas por Enrico Tullio Liebman). São Paulo: Ed. Saraiva, 1942, p. 23

43 “Históricamente la cualidad preponderante que aparece inseparable de la idea misma del juez, desde suprimera aparición en los albores de la civilización, es la IMPARCIALID. El juez es un tercero extrañoa la contienda que no comparte los intereses o las pasiones de las partes que combaten entre sí, y quedesde el exterior examina el litigio con serenidad y con despego; es un tercero inter partes, o mejor aún,supra partes. Lo que lo impulsa a juzgar no es un interés personal, egoísta, que se encuentre en contras-te o en connivencia o amistad con uno o con otro de los egoísmos en conflicto. El interés que lo muevees un interés superior, de orden colectivo, el interés de que la contienda se resuelva civil y pacificamen-te, ne cives ad arma veniant, para mantener la paz social. Es por esto que debe ser extraño e indiferen-te a las solicitaciones de las partes y al objeto de la lite, nemo iudex in re propria” (CALAMANDREI,Piero. Proceso y Democracia [tradução por Hector Fix Zamudio]. Buenos Aires: Ediciones JuridicasEuropa-America, 1960, p. 60).

44 Como se depreende no art. 37/CRFB: (“A administração pública [...] obedecerá aos princípios de [...]impessoalidade [...])”; art. 38, Lei nº 9.472/97 (“A atividade da Agência será juridicamente condicionadapelos princípios da [...] impessoalidade [...]”), art. 2º, § único, III, da Lei nº 9.784/99 (“Nos processos admi-nistrativos serão observados, entre outros, os critérios de [...] objetividade no atendimento do interessepúblico [...])”; e os casos de impedimento (art. 18) e suspeição (art. 20) regulados pela Lei nº 9.784/99.

45 O art. 11 da Lei nº 9.784/99, p. ex., autoriza a delegação (arts. 12 a 14) e avocação (art. 15) de competência.46 Ainda que o art. 35 da Lei nº 9.099/95 admita a perícia (“quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inqui-

rir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico”), mesmo informal(enunciado nº 15 do Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE), muitos juízes deixam de conhecerda ação por uma suposta complexidade da prova técnica. Isto se deve, no caso do Rio de Janeiro, a umaindevida interpretação do conceito de “causa cível de menor complexidade” (enumeradas ex lege pelo art.3º da Lei nº 9.099/95) e deste enunciado do TJ/RJ: “Não é cabível perícia judicial tradicional em sede deJuizado Especial. A avaliação técnica a que se refere o Art. 35, da Lei nº 9.099/95, é feita por profissional dalivre escolha do Juiz, facultado às partes inquiri-lo em audiência ou no caso de concordância das partes.”

262 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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garantiria um maior grau de confiabilidade técnica ao processo administra-tivo, como ressalta ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO:

Em relação ao Poder Judiciário, a independência dos ór-gãos e entidades dos ordenamentos setoriais não pode, pelomenos em sistemas que, como o nosso (art. 5º, XXXV, C.F.),adotam a unidade de jurisdição, ser afirmada plenamente. Emtese, sempre será possível o acionamento do Judiciário contra assuas decisões. Todavia, em razão da ampla discricionariedadeconferida pela lei e ao caráter técnico-especializado do seuexercício, prevalece, na dúvida, a decisão do órgão ou entidadereguladora, até porque, pela natureza da matéria, ela acabariadeixando de ser decidida pela agência, para, na prática, passar aser decidida pelo perito técnico do Judiciário.

O Poder Judiciário acaba, portanto, em razão de uma salu-tar autolimitação, tendo pouca ingerência material nas decisõesdas agências, limitando-se, na maioria das vezes, como imposi-ção do Estado de Direito, aos aspectos procedimentais assecura-tórios do devido processo legal e da participação dos direta ouindiretamente interessados no objeto da regulação.47

A jurisprudência é extremamente cautelosa quanto ao judicial reviewnos conflitos envolvendo as agências reguladoras. Mais do que respeito àgarantia de independência entre as funções estatais, o Judiciário reconhecesua limitação ao decidir sobre questões eminentemente técnicas. Neste sen-tido, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recursoespecial nº 872.584/RS (rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 20/11/2007)em que o consumidor ajuizara ação anulatória com pedido de restituição deindébito em face da BRASIL TELECOM S/A, referente à cobrança indevi-da de assinatura básica residencial, decidiu que

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47 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “As agências reguladoras independentes e a separação de poderes: umacontribuição da teoria dos ordenamentos setoriais”. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro deAtualização Jurídica, nº 13, abr./maio, 2002, p. 30. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.

263Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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a feitura da equação tarifária é atribuição administrativa daAgência. Só poderia o Poder Judiciário interferir em casosexcepcionais, de gritante abuso ou desrespeito aos procedimen-tos formais de criação dessas figuras. Carece o Poder Judiciáriode mecanismos suficientemente apurados de confronto paritárioàs soluções identificadas pelos expertos da Agência reguladora.48

Da mesma forma, preservou-se a competência técnica da agência regu-ladora em ação civil pública em que se discutia a delimitação da chamada“área local” para fins de configuração do serviço local de telefonia e cobran-ça da tarifa.49

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48 Vale destacar que, neste caso, o STJ inclinou-se pela regulação administrativa em detrimento do direi-to do consumidor. Conforme o voto do rel. Min. Humberto Gomes de Barros, “no meu sentir, o pontode saliência deste recurso é a opção do Superior Tribunal de Justiça entre manter o modelo regulatóriodas telecomunicações no Brasil, da forma como foi estruturado na Constituição de 1988, após a Emendanº 8/1995, ou abrir, em definitivo, o campo destinado à regulação aos influxos do processo de judiciali-zação da vida. Ora, modelo regulatório, em todos os países que adotaram o modelo anglo-americano, é a fórmula sín-tese entre os extremos anteriormente experimentados nas sociedades industriais: o absenteísmo estatale o regime de monopólio-oligopólio do Estado nas atividades econômicas de infra-estrutura. [...] Há,neste Tribunal e em diversos juízos brasileiros, uma pletora de ações sobre o problema do tensionamen-to das regras de Direito do Consumidor e das regras de outras províncias jurídicas, como o DireitoAdministrativo ou o Direito Civil. No campo da regulação de serviços de telecomunicações, a questão assume contornos ainda mais per-turbadores. [...] Ora, se essa matéria fosse analisada com o rigorismo científico, não se chegaria aoabsurdo de se confrontar as normas de Direito do Consumidor com as regras fundadas no Direito dasTelecomunicações, como as ora debatidas neste recurso especial. A cobrança de assinatura básica é temaalheio às relações de consumo, quando se observa que seu fundamento é o regime tarifário advindo dadelegação normativa à Anatel, por força da Constituição, e concretizado em regulamentos, editais delicitação e em contratos de concessão. A empresa operadora do STFC – Serviço de Telefonia FixaComutada não exige esses quantitativos com base em direito seu, mas, como decorrência da equaçãoeconômico-financeira que lastreia seu vínculo com a Administração Pública. O Direito do Consumidor qualifica as relações jurídicas entre usuários e operadoras naquilo que não forobjeto de regulação ou quando a regulação extrapolar os limites científicos do Direito dasTelecomunicações e passar a invadir a órbita daquela província. A cobrança indevida de ligações nãoefetuadas é questão nitidamente consumerista. A exigência da assinatura básica, por seu turno, é temaespecífico da regulação dos serviços de telecomunicações” (STJ. 2ª T. REsp 872584/RS, j. 20/11/07).

49 STJ. 2ª Turma. REsp 572070/PR, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 16/03/2004. Nos termos do voto dorelator, “no caso presente, observo que a decisão hostilizada, embora reconhecendo que as chamadas“áreas locais” devam ser fixadas, nos termos da legislação de regência, com base em critérios de naturezapredominantemente técnica, acabou por adentrar no mérito das normas e procedimentos regulatórios queinspiraram a atual configuração dessas áreas, invadindo seara alheia na qual não deve se imiscuir o PoderJudiciário. Ao intervir na relação jurídica para alterar essas regras, estará o Judiciário, na melhor das hipó-teses, criando embaraços que podem comprometer a qualidade dos serviços prestados pela concessioná-ria. Além disso, não concebo como se possa interferir de forma tão radical em um setor de tamanha com-plexidade e sensibilidade como é o das comunicações com base em mera presunção de que prestadora deserviços dispõe, na área questionada, de uma adequada engenharia de rede de telecomunicações.”

264 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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Por outro lado, não é só a Administração que merece descrédito. JOSÉCARLOS BARBOSA MOREIRA cita ensaio assinado pelos economistasPérsio Arida, Edmar Lisboa Bacha e André Lara-Resende (“Credit, Interest,and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil”), para osquais “uma das causas principais, senão a principal, do retraimento dos pos-síveis investidores de longo prazo reside na tendência, apontada comodominante entre nós, a favorecer o devedor em eventual conflito com ocredor”.50 Este mito do juiz Robin Hood, tomado como iniciativa individuale não como uma política estatal uniforme, apenas aumenta a desconfiançadas empresas na isenção do juiz51 e, conseqüentemente, os riscos de deci-sões judiciais absurdas são repassados aos demais consumidores. O equilí-brio é fundamental para um sistema eficiente de justiça, como alerta CAP-PELLETTI:

Por isso, uma sábia política de proteção dos consumidores,longe de ser instrumento de distorção do mercado, constitui,com a política tendente a assegurar a livre concorrência, instru-mento hoje imprescindível para garantir a efetiva liberdade do

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A 8ª Turma do TRF/2ª Região também se posicionou neste sentido, no julgamento da Apelação Civel nº397032 (rel. Des. Fed. Marcelo Pereira. j. 01/07/2008): “A atuação do Poder Judiciário interferindo nadeterminação das áreas que ensejam cobrança de tarifa local mostra-se indevida não só por configurarintromissão na seara de discricionária regulamentação da Agência, mas também por não deter oMagistrado as informações técnicas necessárias a aferir os critérios para melhor prestação do serviço detelefonia.”

50 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Dois cientistas políticos, três economistas e a Justiça brasileira”, inTemas de Direito Processual: 7ª série. Rio de Janeiro: Saraiva, 2001, p. 403. Após analisar este ensaio, oprocessualista faz uma dura crítica, afirmando que “(...)os três economistas não apresentaram provas dapropensão da Justiça brasileira para favorecer os devedores; utilizaram, para repetir a fórmula já recor-dada, “argumento empírico sem apoio empírico”. Mas a verdade nua e crua é que, caso examinassem alegislação em vigor, encontrariam nela alguma base para sustentar que, em certa medida – insisto: emcerta medida –, tal propensão é recomendada aos juízes. Quer dizer: conforme as circunstâncias, se elesestão mesmo favorecendo devedores, nem sempre fazem mais do que aplicar, como lhes cumpre, odireito vigente” (op. cit., p. 412).

51 “Um sistema de resolução de conflitos caracteriza-se como justo quando a probabilidade de vitória épróxima a um para o lado certo e a zero para o lado errado. A parcialidade é claramente ruim, e difereda imprevisibilidade porque distorce o sentido de justiça de uma forma intencional e deterministra. Ostribunais podem ser tendenciosos devido à corrupção, por serem politizados (favorecendo a certas clas-ses de litigantes como membros da elite, trabalhadores, devedores, residentes etc.), ou por não gozaremde independência em relação ao Estado, curvando-se à sua vontade quando o governo é parte na dis-puta”. PINHEIRO, Armando Castelar. “Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual”, inJudiciário e Economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000, p. 29.

265Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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mercado. Com efeito, uma sábia política de proteção dos consu-midores tende a restabelecer o equilíbrio perdido, restituindoao consumidor aquela efetiva capacidade de escolha que serve,precisamente, de guia e de estímulo para o produtor, asseguran-do assim, no interesse comum, a eficiência da economia.52

Os juizados especiais se tornaram um campo propício a esta inseguran-ça jurídica. De fato, há uma confusão corriqueira entre princípio da infor-malidade e casuísmo procedimental, permitindo ao juiz conduzir o proces-so arbitrariamente, muitas vezes em desrespeito à garantia do devido pro-cesso legal.53 Além disso, nos juizados especiais estaduais ainda não há umsistema claro de harmonização de seus julgados, em virtude da incompetên-cia do Superior Tribunal de Justiça em conhecer de recursos especiais con-tra as decisões das turmas recursais.54

Assim, quanto menos o Judiciário intervier, melhor será para aEconomia. Não é de se estranhar que, diante da afirmação “os empresárioscostumam dizer que ‘é sempre melhor fazer um mau acordo do que recor-rer à Justiça’”, 36,9% dos entrevistados concordaram totalmente e 51,3%concordaram parcialmente (total 88,2%).55

Face ao exposto, tem-se que não há razões suficientes para se afirmarque uma decisão tomada em sede de juizado especial seja mais segura ouconfiável que um julgamento administrativo pelas agências reguladoras.Muito pelo contrário, a especialização administrativa, aliada ao desinteres-se das agências, permitiriam um julgamento mais previsível e técnico doque possibilitaria o juizado especial.

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52 CAPPELLETTI, Mauro. “O acesso dos consumidores à Justiça” in As garantias do cidadão na Justiça. SãoPaulo: Saraiva, 1993, p. 309.

53 Como ressalta ALFREDO BUZAID, “o devido processo legal é um padrão pelo qual se pode aferir atéonde vai a liberdade da administração na execução de suas atividades” (“Inafastabilidade do controlejurisdicional” in Estudos e pareceres de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,p. 316).

54 Súmula nº 203/STJ: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida, nos limites de sua competên-cia, por órgão de segundo grau dos juizados especiais”.

55 PINHEIRO, Armando Castelar. “O judiciário e a economia: evidência empírica para o caso brasileiro”,in Judiciário e Economia no Brasil, São Paulo: Sumaré, 2000, p. 114.

266 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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6. Os juizados especiais são mais efetivos que as agênciasreguladoras?

Um parâmetro técnico-jurídico para a definição de efetividade pode serencontrado na famosa definição de CHIOVENDA: “o processo deve darquanto for possível, praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo esomente aquilo que ele tenha direito de conseguir”.56 Surgiria, portanto, aquestão de se saber se a ação distribuída ao juizado especial traria resultadospráticos melhores do que a composição do conflito pela agência reguladora.

Um argumento especulativo (diante da falta de dados mais precisos)seria que os consumidores buscariam nos juizados especiais mais que a solu-ção técnica de seus problemas: dentro de um cálculo racionalista de vanta-gens, um dos propósitos seria a reparação patrimonial do dano sofrido.

No Rio de Janeiro, esta hipótese poderia ser amparada a partir da pesqui-sa nacional sobre juizados especiais. Ainda que não haja uma discriminaçãodos dados, temos que 50,4% das ações cumulam pedido de indenização pordano moral (maior índice dentre as capitais pesquisadas, sendo a média nacio-nal de 20%). Como em 37,7% dos casos (média nacional de 39,3%) há sen-tença homologatória de acordo, e em 38,4% sentença de mérito, com proce-dência total em 30% e parcial em 47,1% (na média das capitais, respectiva-mente, 29,5%, 50,0% e 28,8%).57 Se transplantarmos estes percentuais paraos conflitos consumeristas (mesmo admitindo diversas variáveis que prejudi-cariam a análise), haveria uma chance considerável de vitória para o autor daação. Estes dados, aliados à gratuidade no procedimento em primeiro grau eao discurso de acesso à Justiça, poderiam despertar no consumidor a esperan-ça de que obterá alguma forma de compensação pecuniária nos juizados.58

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56 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil (trad. J. Guimarães Menegale). Vol. I.São Paulo: Saraiva, 1943, § 12, p. 84

57 BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Diagnóstico dos Juizados EspeciaisCíveis. Disponível em: <www.mj.gov.br>, 2006.

58 Há uma variável importante, que causa distorção no sistema dos juizados. Se, de um lado, algumasempresas conscientemente violam direitos de consumidores (forçando-os a defender seus interessesadministrativa ou judicialmente), por outro lado não são raros os casos de aventureiros ou litigantesprofissionais. Como o art. 54 da Lei nº 9.099/95 dispensa o recolhimento de custas em primeiro grau dejurisdição, isto estimula o demandismo, que dificilmente é reprimido devido a ineficácia dos mecanis-mos de contenção de abusos processuais (como a litigância de má-fé do art. 55 desta lei).

267Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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As agências, por seu turno, não foram criadas para a solução de pequenascausas, e sim como instância regulatória e preventiva de conflitos. Entretanto,na consulta pública ANATEL nº 641/05 (em que se propunha alteração doregulamento do serviço telefônico fixo comutado), havia a previsão de inde-nização ao assinante prejudicado por ato da operadora.59 E mesmo que nãohaja esta condenação, a agência reguladora poderia intermediar o conflitoentre empresa e consumidor, no qual ambos cheguem a um acordo.

Outra das supostas limitações presentes na composição extrajudicial éque, caso o consumidor necessidade de medidas sancionatórias mais incisi-vas, encontrará uma limitação de mecanismos coercitivos pelas agênciasreguladoras, especialmente poderes constritivos. No julgamento da medidacautelar em ação direta de inconstitucionalidade nº 1668/DF (Pleno. Rel.Min. Marco Aurélio, j. 20/08/98), o Supremo Tribunal Federal interpretoucomo inconstitucional o art. 19, XV, da Lei nº 9.472/97, que lhes dava pode-res para “realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competên-cia”. Além da violação da garantia constitucional do devido processo legal(art. 5º, LIV), tal dispositivo permitiria a autotutela executiva da Admi-nistração Pública, usurpando uma função tipicamente jurisdicional, confor-me se observa no voto do relator, Min. Marco Aurélio,

A rigor, o que se tem, na espécie, é o exercício, pela Admi-nistração Pública, de maneira direta, a alcançar patrimônio pri-vado, de direito inerente à atividade que exerce. Se de um lado

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59 Art. 30. “Havendo interrupção do acesso ao STFC na modalidade local, a prestadora deve conceder cré-dito ao assinante prejudicado.§ 1º Não é devido crédito se a interrupção for causada pelo próprio assinante.§ 2º O crédito deve ser proporcional ao valor da tarifa ou preço de assinatura considerando-se todo operíodo de interrupção.§ 3º O crédito relativo à interrupção superior a 30 (trinta) minutos a cada período de 24 (vinte e quatro)horas deve corresponder, no mínimo, a 1/30 (um trinta avos) do valor da tarifa ou preço de assinatura. § 4º O crédito a assinante na forma de pagamento pós-pago deve ser efetuado no próximo documentode cobrança de prestação de serviço, que deve especificar os motivos de sua concessão e apresentar afórmula de cálculo.§ 5º O crédito a assinante de terminal a que está vinculado crédito pré-pago deve ser ativado e comu-nicado ao assinante em até 5 (cinco) dias, contados do restabelecimento do serviço.§ 6º O recebimento do crédito, pelo assinante, não o impede de buscar o ressarcimento que ainda enten-da devido, pelas vias próprias.§ 7º A concessão do crédito não exime a prestadora das sanções previstas no PGMQ-STFC, no contra-to de concessão ou de permissão, ou no termo de autorização.”

268 Delton Ricardo Soares Meirelles e Marcelo Pereira de Mello

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à Agência cabe a fiscalização da prestação dos serviços, de outronão se pode compreender, nela, a realização de busca e apreen-são de bens de terceiros. A legitimidade diz respeito à provoca-ção mediante o processo próprio, buscando-se alcançar, noâmbito do Judiciário, a ordem para que ocorra o ato de constri-ção, que é o de apreensão de bens. O dispositivo acaba por criar,no campo da administração, figura que, em face das repercus-sões pertinentes, há de ser sopesado por órgão independente e,portanto, pelo Estado-juiz.60

Assim, a agência reguladora deveria acionar o Judiciário, invocandotutela acautelatória, como no caso de busca e apreensão de equipamentosde estação de rádio clandestina.61

Entretanto, a Lei nº 11.292/06 altera o art. 3º, § único, da Lei nº10.871/04, conferindo poderes dos dirigentes das agências reguladoras para,“no exercício das atribuições de natureza fiscal ou decorrentes do poder depolícia (...), promover a interdição de estabelecimentos, instalações ouequipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisi-tar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual, emcaso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções”. Ainda que istopossa também ser interpretado como atentatório à garantia do devido pro-cesso legal, o STF ainda não foi provocado pela via adequada para o contro-le de constitucionalidade.62

Aparentemente, os juizados especiais seriam mais efetivos pelos meca-nismos satisfativos exclusivos da tutela jurisdicional (Lei nº 9.099/95, art.

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60 Diante da divergência feita pelo Min. Nelson Jobim, para quem esta apreensão “caracteriza tipicamen-te o exercício do poder de polícia, restrito ao seu mister, ou seja, aquele que tiver exercido ilegalmen-te a sua atividade terá os bens apreendidos. A discussão, depois, da ilegalidade ou não desse ato será noPoder Judiciário”; o Min. Sepúlveda Pertence alega que ‘com essa amplitude – eu diria quase ilimitada,dada a extensão do mundo das telecomunicações em que vivemos –, o dispositivo efetivamente traz,pelo menos, riscos seriíssimos de violação do princípio do devido processo legal”.

61 STJ. 1ª Turma. REsp 951892/CE, rel. Min. Francisco Falcão, j. 16/08/2007; STJ. 1ª Turma. REsp635884/CE, rel. Min. Denise Arruda, j. 04/04/2006; STJ. 1ª Turma. REsp 551525/CE, rel. Min. DeniseArruda, j. 23/08/2005; STJ. 2ª Turma. REsp 696135/CE, rel. Min. Franciulli Netto, j. 15/03/2005 STJ. 1ªTurma. REsp 628287/CE, rel. Min. Francisco Falcão, j. 18/11/2004; STJ. 1ª Turma. REsp 643357/CE, rel.Min. Luiz Fux, j. 09/11/2004; STJ. 2ª Turma. REsp 626774/CE, rel. Min. Eliana Calmon, j. 17/06/2004.

62 STF. Pleno. Rcl 5310/MT, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 03/04/2008.

269Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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52), sejam de tutela específica, seja de atos de penhora. Ocorre que tais van-tagens são extensíveis ao acordo mediado pela agência reguladora, já que osjuizados especiais também são competentes para a execução de “títulos exe-cutivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo” (Leinº 9.099/95, art. 3º, § 1º, II, c/c art. 53), como a conciliação reduzida a termoe subscrita pelas partes (art. 585, II/CPC) e a decisão arbitral pela agênciareguladora (art. 475-N/CPC). Em verdade, deve-se observar a singularida-de da condenação estatal face às vias alternativas, e não no procedimentoexecutivo.63

A duração do processo judicial é um fator de extrema relevância. O volu-me excessivo de causas, a mentalidade cartorária do Judiciário e a cultura liti-giosa contribuem para compreender a demora endêmica dos conflitos levadosaos Juizados. Conforme se observa da pesquisa da Secretaria de Reforma doPoder Judiciário,64 mesmo com uma política agressiva de estímulo à concilia-ção,65 pouco mais de um terço dos processos é encerrado com acordo emaudiência de conciliação. Ainda assim, esta composição leva em média 70 diaspara ocorrer nos juizados especiais das capitais analisadas. Se houver instruçãoe recurso da sentença, o prazo se estende para cerca de seis meses e meio.

AAttoo pprroocceessssuuaall PPeerrcceennttuuaall DDuurraaççããoo mmééddiiaa

Acordo em audiência

de conciliação 34,5% 070 dias

Acordo em AIJ 20,9% 189 dias

Sentença 33,4% 193 dias

Recurso 08,9% 199 dias

Execução 15,3% 300 dias

270

63 Certamente que esta observação restringe-se ao desenvolvimento da hipótese, haja vista as constantesreformas da execução, desde a tutela específica do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, até asrecentes Leis nºs 11.232/05 e 11.382/06.

64 BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Diagnóstico dos Juizados EspeciaisCíveis. Disponível em: <www.mj.gov.br>, 2006

65 Destacando-se o movimento Conciliar é legal, em que o Conselho Nacional de Justiça organiza aSemana Nacional de Conciliação, além de oferecer suporte operacional e outros estímulos às institui-ções judiciárias brasileiras.

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Ainda que sem maiores dados estatísticos sobre o tempo médio que seleva para ser processada a reclamação administrativa, não restam dúvidasque sua informalidade garantiria um prazo bem menos longo que a realida-de dos juizados. Mesmo a conciliação administrativa ou um eventual pro-cedimento arbitral, caso fossem utilizados, dificilmente demoraria mais queo processo jurisdicional.

Se não há diferenças substanciais entre a execução da sentença do jui-zado especial e do título extrajudicial composto em sede de agência regula-dora, será que esta ofereceria alguma vantagem a mais para o consumidor?

Tendo em vista sua natureza regulatória, a agência reguladora podedisciplinar o mercado por meio de sanções administrativas. O art. 173 daLei nº 9.472/97, p.ex., prevê advertência, multa,66 suspensão temporária,caducidade e declaração de inidoneidade; respeitando-se sempre a prévia eampla defesa (art. 175). Tais medidas, assim com as de execução indireta,67

podem se revelar mais efetivas do que a simples recomposição pecuniáriado dano, p. ex. Afinal de contas, as concessionárias devem cumprir metasde qualidade perante a agência reguladora, e quanto mais os consumidoresreclamam, maior será a fiscalização administrativa.

Lamentavelmente, ambas as instâncias (jurisdicional e administrativa)ainda não se mostraram completamente eficazes no controle das concessio-nárias de serviços públicos. De fato, estas empresas presentes na lista dosjuizados especiais fluminenses também são freqüentes nas estatísticas dasagências reguladoras, como vemos neste comparativo entre juizados espe-ciais do Rio de Janeiro e ANATEL:68

271

66 Lei nº 9.472/97, art. 179: “A multa poderá ser imposta isoladamente ou em conjunto com outra sanção,não devendo ser superior a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais) para cada infração cometida.§ 1º Na aplicação de multa serão considerados a condição econômica do infrator e o princípio da pro-porcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção”.

67 Em monografia sobre o tema, MARCELO LIMA GUERRA diferencia as execuções direta (forçada) eindireta, afirmando que naquela “as medidas empregadas pelo juiz realizam, elas mesmas, a tutela exe-cutiva (vale dizer, a satisfação coativa do credor), enquanto na execução indireta a tutela realiza-se sem-pre com o cumprimento pelo próprio devedor da obrigação; embora induzido pela imposição de medi-das coercitivas” (Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 28).

68 Destaque-se que as estatísticas levam em consideração a proporção número de usuários X número dereclamações, tomando por base o universo de 1.000 consumidores. Dados retirados de <http://www.anatel.gov.br/Portal/documentos/217453.pdf?numeroPublicacao=217453&assuntoPublicacao=Ranking%20SMP%20-%20Agosto%20de%202008&caminhoRel=Cidadao>.

271Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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EEmmpprreessaa JJuuiizzaaddooss EEssppeecciiaaiiss ((RRJJ)) AAggêênncciiaa rreegguullaaddoorraa

Telemar/(fixo) 24.100 (02º lugar) 0,600/1.000 (5º lugar)

Vivo 13.751 (05º lugar) 0,218/1.000 (7º lugar)

TIM 7.185 (08º lugar) 0,402/1.000 (1º lugar)

OI 7.127 (09º lugar) 0,386/1.000 (3º lugar)

CLARO ATL 6.729 (11º lugar) 0,255/1.000 (4º lugar)

7. Deve o Judiciário conhecer imediatamente destes conflitos?

Assim como ocorre no sistema norte-americano, poder-se-ia limitar atutela jurisdicional apenas nos casos de ofensa às garantias processuais,constituindo o esgotamento das vias administrativas um verdadeiro filtropara as demandas que chegariam ao Judiciário. Entretanto, os opositores daadoção deste sistema no Brasil invocam a garantia da inafastabilidade dajurisdição, protegida pelo art. 5º, XXVI, da constituição vigente (“a lei nãoexcluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”).Entre outros, há a opinião de NELSON NERY JR, para quem “não mais sepermite, no sistema constitucional brasileiro, a denominada jurisdição con-dicionada, ou instância administrativa de curso forçado”.69

Um dos argumentos para se rejeitar o controle interno administrativoseria a limitação autoritária da jurisdição. Com efeito, é recorrente a alega-ção de que tais restrições constituiriam arbitrariedade típicas de momentosde anormalidade democrática, em que regimes de exceção impediamexpressamente a tutela jurisdicional contra o Estado,70 ou condicionavam oexercício do direito de ação à tentativa prévia de solução administrativa.71

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69 Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 106.70 Como previam os artigos 94 da Constituição de 1937 (“é vedado ao Poder Judiciário conhecer de ques-

tões exclusivamente políticas”) e 11 do Ato Institucional nº 05/1968 (“excluem-se de qualquer aprecia-ção judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares,bem como os respectivos efeitos”), o qual foi acolhido pelo art. 182 da Emenda Constitucional nº01/1969 (“continuam em vigor o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e os demais Atosposteriormente baixados”) e reforçado pelo seu art. 181 (“ficam aprovados e excluídos de apreciaçãojudicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964”).

71 Conforme estipulava o art. 153, 4º, da EC nº 01/69, com a redação dada pela EC nº 07/77: “O ingressoem juízo poderá ser condicionado a que se exauram previamente as vias administrativas, desde que nãoexigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o

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Diante deste trauma pós-regime de exceção, a atual constituição ape-nas exige expressamente o exaurimento das vias administrativas nas “açõesrelativas à disciplina e às competições desportivas” (art. 217, § 1º). Com basenisto, autores como FREDIE DIDIER JR rejeitam a constitucionalidade delei ordinária que, abstratamente, estabeleça tal condição:

(...) não se justifica, constitucionalmente, à luz do direito fun-damental à inafastabilidade (art. 5º, XXXV, da CF/88), qualquerregra legal que condicione o exercício do direito de agir a umprévio esgotamento de instâncias extrajudiciais, a pretexto dedemonstração do interesse de agir. Não se pode, a priori, defi-nir se há ou não interesse de agir. O legislador não tem essepoder de abstração. Utilidade e necessidade da tutela jurisdicio-nal não podem ser examinadas em tese, independentementedas circunstâncias do caso concreto.72

No entanto, mesmo o Supremo Tribunal Federal já admite que lei ordi-nária pode estabelecer condições para o exercício do direito de ação, comoo faz o Código de Processo Civil. Como observa NELSON NERY JR., “acaracterística que diferencia o direito de petição do direito de ação é anecessidade, neste último, de se vir a juízo pleitear a tutela jurisdicional,porque se trata de direito pessoal. Em outras palavras, é preciso preenchera condição da ação interesse processual”.73

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pedido”. Neste contexto insere-se, p. ex., o processo administrativo fiscal disciplinado pelo Decreto nº70.235/72 (regulando o Decreto-lei nº 822/69).Ainda que seja possível identificar uma relação muito próxima entre política e regras processuais, torna-se importante destacar a observação de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, para quem “constitui exa-gero de simplificação conceber essa relação à guisa de vínculo rígido, automático e inflexível, para con-siderar que, se determinada lei (processual ou qualquer outra) surgiu sob governo autoritário, essa con-tingência cronológica fatalmente lhe imprime o mesmo caráter e a torna incompatível com o respeito àsgarantias democráticas. A realidade é sempre algo mais complexa do que a imagem que dela propõeminterpretações assim lineares, para não dizer simplórias” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Privatizaçãodo processo?”, in Temas de Direito Processual: 7ª série. Rio de Janeiro: Saraiva, 2001, p. 88/89.)

72 Pressupostos processuais e condições da ação: o juízo de admissibilidade do processo. São Paulo: Saraiva,2005, p. 279.

73 Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.101/102.

273Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais?

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LEONARDO GRECO, analisando esta condição a partir das teorias daação, ressalta que o interesse processual pode se confundir com o interessesubstancial (para os concretistas), ou ser um interesse de segundo grau(conforme os abstratistas).74 GALENO LACERDA, p. ex., segue esta ten-dência, ao enfocar a necessidade de se diferenciar o interesse jurídico(amparo legal à pretensão do autor) e o interesse puro e simples, típica con-dição autônoma da ação.75

De qualquer forma, o interesse processual legitima-se pela inafastabili-dade jurisdicional gerada pela repressão estatal à autotutela. GALENOLACERDA já dizia que “ninguém deverá bater às portas do pretório pelosimples gosto de bater, mas porque há um interesse fundamental que oimpele. A existência deste é que importa como condição necessária à ação”.76

De forma semelhante, assim disserta CASSIO SCARPINELLA BUENO

O interesse de agir, neste sentido, representa a necessida-de de requerer, ao Estado-juiz, a prestação da tutela jurisdicio-nal com vistas à obtenção de uma posição de vantagem (...) que,de outro modo, não seria possível alcançar. O interesse de agir,portanto, toma como base o binômio “necessidade” e “utilida-de”. Necessidade da atuação jurisdicional em prol da obtençãode uma dada utilidade.77

Com isto, o sistema jurídico processual brasileiro não é claro quanto ànecessidade de exaurimento das vias administrativas como requisito de admis-sibilidade da ação, como nos casos de mandado de segurança,78 habeas data,79

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74 GRECO, Leonardo. A Teoria da Ação no Processo Civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 34.75 LACERDA, GALENO. Despacho saneador. 3ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1990, p. 89.76 LACERDA, GALENO. Despacho saneador. 3ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1990, p. 91.77 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 1. São Paulo:Saraiva,

2007, p. 358.78 Lei nº 1.533/51, art. 5º, I: “Não se dará mandado de segurança quando se tratar (...) de ato de que caiba

recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução”, com a ressalva da súmula nº429 do Supremo Tribunal Federal (“a existência de recurso administrativo com efeito suspensivo nãoimpede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade”)

79 Lei nº 9507/97, art. 8º, parágrafo único: “A petição inicial deverá ser instruída com prova: I - da recusaao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; II - da recusa em fazer-se aretificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou III - da recusa em fazer-se a anotaçãoa que se refere o § 2º do art. 4º ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão”.

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acidentes de trabalho,80 militares81 e para tipificação dos crimes de sonega-ção e apropriação indébita previdenciária.82 Por outro lado, também é cor-rente a dispensa de prévio esgotamento em questões previdenciárias,83

repetição de indébito,84 indenização por adesão a plano de aposentadoriaincentivada,85 vencimentos de servidor público86 e militares.87

Pode-se supor que este discurso do acesso à Justiça como preliminar aoacesso ao direito seja conveniente para o Judiciário. Ao absorver uma quan-

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80 Súmula 89 do Superior Tribunal de Justiça: “a ação acidentária prescinde do exaurimento da via admi-nistrativa”.

81 Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80), art. 51, § 3º: “O militar só poderá recorrer ao Judiciário apósesgotados todos os recursos administrativos e deverá participar esta iniciativa, antecipadamente, à auto-ridade à qual estiver subordinado”. A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça havia incluído tambémos pedidos de reconsideração (MS 7.359?DF, rel. Min. Vicente Leal, j. 11/12/2002), mas tal entendimen-to foi modificado pela 6ª Turma, no julgamento do RMS 10603/AC (Rel. Min. Maria Thereza de AssisMoura, julg. 03/05/2007).

82 Código Penal, art. 168-A (incluído pela Lei nº 9.983/00): “deixar de repassar à previdência social as contri-buições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional”. Para configurar sua consu-mação, é necessária a ocorrência de dano efetivo à previdência. Assim, o prévio esgotamento da via admi-nistrativa constitui condição de procedibilidade para a ação penal, sem o que não se vislumbra justa causapara a instauração de inquérito policial, já que o suposto crédito fiscal ainda pende de lançamento defini-tivo, impedindo a configuração do delito e, por conseguinte, o início da contagem do prazo prescricional.(STF. Pleno. Inq 2537?GO, rel. Min. Marco Aurélio; STJ. 5ª Turma. HC 96348/BA, j. 24/06/2008, rel. Min.Laurita Vaz). Da mesma forma, “pendente o procedimento administrativo fiscal, não há crédito tributárioexigível e, conseqüentemente, não pode ter início a persecução penal” (STJ. 6ª Turma. REsp 771.667?SC,rel. Min. Paulo Medina, j. 15/03/2007. Idem em STF. Pleno, HC’s 81.611?DF, 83.353-5 e 86.120-2).

83 Súmula nº 213 do Tribunal Federal de Recursos: “o exaurimento da via administrativa não é condição paraa propositura de ação de natureza previdenciária”; Súmula nº 44 do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:“para a propositura de ações de natureza previdenciária é desnecessário o exaurimento das vias administra-tivas”; Súmula nº 09 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “em matéria previdenciária, torna-se desne-cessário o prévio exaurimento da via administrativa, como condição de ajuizamento da ação”. STJ. 5ª Turma.REsp 270.518/RS, Min. Jorge Scartezzini, j. 08/10/2002; STJ. 5ª Turma. REsp 664682/RS, Min. José Arnaldoda Fonseca, j. 18/10/2005; STJ. 5ª Turma. REsp 764560/PR, Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 07/03/2006.

84 “TRIBUTARIO. RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO. REPETIÇÃO DE INDEBITO.EXAURIMENTO DAS VIAS ADMINISTRATIVAS. INTERESSE DE AGIR. Cuidando-se de efetivorecolhimento do imposto, diante da exigência do fisco, não ha dizer sobre a falta de interesse de agir,por não ter o contribuinte exaurido as vias administrativas no pleito da repetição respectiva. É garan-tia constitucional do cidadão o livre acesso ao Poder Judiciário” (STJ. 2ª Turma. REsp 7595/SP, rel. Min.Hélio Mosimann, j. 14/09/1994).

85 STJ. 1ª Turma. REsp 841676 / PE, Min. Teori Albino Zavascki, j. 17/08/2006.86 “A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, com base no cânon constitucional que preconiza

o livre acesso ao Poder Judiciário, é pacífica no sentido de que a exaustão da instância administrativanão é condição para o pleito judicial. Patente a existência do interesse em agir, de vez que desnecessá-rio o prévio requerimento na via administrativa para ensejar o ingresso na via judiciária, mormentequando a vantagem pleiteada é imposta à administração por imperativo legal” (STJ. 6ª Turma. REsp261.158/SP, Min. Vicente Leal, j. 22/08/2000).

87 “A contestação da União demonstrando contrariedade ao mérito da demanda, não apenas alegando anecessidade de exaurimento da via administrativa, faz surgir o interesse processual. Mostra-se desne-cessário, assim, percorrer a via administrativa antes do ingresso em juízo” (STJ. 5ª Turma. REsp328.889?RS, Rel. Min. Edson Vidigal, j. 21/08/2001). Idem em STJ. 5ª T. REsp 764560/PR, Rel. Min.Arnaldo Esteves Lima, j. 07/03/2006.

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tidade astronômica de demandas, fortalece-se sua legitimidade política esocial, mostrando-se como um poder mais acessível que o Executivo ou oLegislativo. Por outro lado, ao assumir tamanho volume de trabalho, o judi-ciário acaba por garantir uma maior fatia orçamentária. De fato, sendo o pro-cedimento gratuito dos juizados especiais em primeiro grau (Lei nº 9.099/95,art. 54), sua estrutura é custeada basicamente pelo orçamento estatal.

O Banco Mundial detectou que o Brasil gasta 3,66% de seu orçamentocom a manutenção do sistema judicial, sendo o custo mais alto em compara-ção a outros 35 paises analisados (média de 0,97% do orçamento público).88

Nos anos 90, ao analisar a situação econômica na América Latina, houveexpressa recomendação de reforma do Judiciário (visto como ineficiente edispendioso), mas o corporativismo da magistratura e outros setores sociaisconseguiram frear alterações mais radicais em sua estrutura orgânica.89

No caso aqui analisado, deve-se refletir se efetivamente há o interessedo consumidor em acionar a concessionária pelo juizado. Analisando-se sobuma perpectiva econômica, deve-se verificar quais seriam as vantagens parao consumidor propor a ação90 em vez da composição extrajudicial.

9. Conclusão

Pelo que se observou, a composição administrativa dos conflitos entreconsumidores e concessionárias, mediada pelas agências reguladoras, seriamais benéfico para as partes envolvidas e para a economia. Informalidade,rapidez, conhecimento técnico e possibilidade de execução judicial poste-rior são apenas alguns dos argumentos que poderiam ser utilizados para sereconhecer a vantagem deste meio alternativo aos juizados especiais.

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88 BRASIL (Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário). Judiciário e economia. Disponívelem www.mj.gov.br, 2006, p. 10.

89 Sobre este tema, ver MELLO, Marcelo Pereira de & MEIRELLES, Delton R. S. “A reforma da Justiça doTrabalho e o embate Judiciário X Legislativo”, in Revista de direito da Universidade Municipal de SãoCaetano do Sul, nº 14, jan./jul. 2008.

90 “Para entender a decisão de se iniciar ou não um litígio, deve-se comparar o que se pode ganhar com oque se pode perder como conseqüência desta decisão. Uma conclusão natural é que se recorre ao judi-ciário quando a utilidade esperada dessa ação é maior do que a de agir de outra forma. Da mesma manei-ra, as partes em litígio buscam uma solução fora dos tribunais quando a utilidade de ambas é maiorseguindo esta alternativa do que uma outra”. PINHEIRO, Armando Castelar. “Impacto sobre o cresci-mento: uma análise conceitual”, in Judiciário e Economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000, p. 27.

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Pode-se especular, sem maiores dados empíricos, que um dos princi-pais motivos para o pouco uso da via administrativa seja o desconhecimen-to deste papel das agências reguladoras (e a desconfiança por ser um órgãoadministrativo), em oposição à popularização dos juizados especiais. Outrarazão seria o protagonismo político do Judiciário, visto como o grandedefensor dos consumidores em seus litígios com as grandes empresas. Porfim, a patrimonialização destes conflitos, estimulada pela cultura reparató-ria e pela expectativa de indenização pecuniária, também merece destaquecomo explicação racional para a atitude dos consumidores.

De qualquer forma, vive-se numa realidade de soluções particulares eindividualistas. De fato, as agências reguladoras em tese seriam uma formamais pública de controle, tomando-se o conceito de público não-estatal deBresser Pereira. No entanto, sem uma atuação mais incisiva, resta ao con-sumidor as soluções judicantes, que acaba sendo mais demorada (em virtu-de do excessivo número de processos nos cartórios) e pontual. E como asdecisões dos juizados não têm eficácia erga omnes, limitando-se a respostasisoladas e dependentes da provocação individual de cada lesado.

Como já alertava Cappelletti, é sinal de melhor acesso à Justiça um sis-tema de solução extrajudicial de conflitos, pela chamada justiça coexisten-cial e conciliatória. Este deveria ser o papel das agências reguladoras, pormeio de processos administrativos eficazes e democráticos, e não se mante-rem omissas diante de sucessivos danos causados pelas empresas que deve-riam ser fiscalizadas.

Assim, melhor que aplaudir os juizados como grandes reguladores dosabusos das concessionárias, seria nos orgulharmos de um sistema pleno defiscalização administrativa, de natureza preventiva e extrajudicial, deixan-do ao Judiciário apenas o julgamento excepcional de vícios de processosadministrativos ou questões de âmbito mais coletivo.

10. Referências bibliográficas

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12Tutela do Consumidor Superendividado

no Âmbito dos Juizados EspeciaisCíveis Estaduais e Federais

Roberta Barcellos Danemberg

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O que é superendividamento. 2.1. Conceito. 2.2. Requisitos.2.3. Classificação. 3. Quem é o consumidor superendividado. 4. Causas do superendivida-mento. 5. Fundamentos de proteção do superendividado. 5.1. Dignidade do consumidor.5.2. Eqüidade (equilíbrio) contratual e vulnerabilidade do consumidor. 5.3. Boa-fé e funçãosocial nas relações de consumo. 5.4. Direito à informação. 5.5. Interpretação dos contratos.6. O papel da defensoria pública e do procon na tutela do superendividado. 7. Tutela doconsumidor superendividado através dos Juizados Especiais Cíveis. 7.1. Sobre a presençadas partes e do advogado. 7.2. Competência. 7.3. Valor da causa. 7.4. Pedido revisional eoutras considerações. 8. Considerações finais. 9. Referências bibliográficas. 10. Referênciaseletrônicas.

1. Introdução

O tema do superendividamento não é novo, pois o instituto da insol-vência civil é deveras antigo no Direito. A novidade nesse campo está rela-cionada à política de proteção à pessoa que se encontra com excesso de dívi-das, trazendo prejuízo não só para si mesma e para o comércio, mas muitasvezes para a sua família e a sociedade.

É de se observar, inicialmente, que a democratização do crédito, longede trazer a tão esperada felicidade, pode levar o ser humano à própria ruínafinanceira, com sérias conseqüências psicológicas. A facilidade de acesso aocrédito, criada pela open credit society (sociedade aberta ao crédito), dematriz norte-americana, é capaz de seduzir muitas pessoas tomadas pelodesejo de adquirir bens imediatamente.

Contrair um empréstimo não significa receber um favor, mas autênti-co direito; uma situação natural e necessária para aquelas pessoas que que-

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rem possuir bens que não podem ser comprados à vista. Vale dizer, serdevedor não é mais motivo de vergonha, de modo que se endividar, assu-mindo prestações para o pagamento de um carro ou imóvel, é uma condu-ta absolutamente comum, podendo-se afirmar que vivemos em uma econo-mia do endividamento. O que gera preocupação é o endividamento exces-sivo, isto é, o superendividamento.

A propaganda tem sido agressiva, criando tentações praticamente irre-sistíveis através das diversas mídias, como jornal, televisão, rádio, internet,além de abordagens diretas na rua, com slogans como “Crédito Fácil” e“Comece a Pagar Ano que Vem”.

Diante de tais anúncios muitas pessoas parecem ficar embriagadas peloconsumo, o que gera imensa chance de comprometerem-se com gastosacima de sua realidade econômico-financeira, sobretudo se ocorrerem fatosinesperados, como doença na família ou perda de emprego.

Para que as pessoas façam parte de relações jurídicas, torna-se impera-tivo o respeito à boa-fé e à confiança das partes contratantes, devendohaver o fornecimento de informação adequada sobre riscos e custos donegócio. O mercado deve constituir um local seguro, na medida em que ocontrato hoje está subordinado à idéia de função social.

Ademais, é preciso reconhecer que o superendividamento deve serevitado e erigido como autêntica política estatal se quisermos um país commenos desigualdades e pessoas mais felizes.

2. O que é superendividamento

Neste tópico serão lançadas considerações sobre o conceito de supe-rendividamento, seus requisitos e, por fim, a classificação que pode serencontrada em doutrina.

2.1. Conceito

O tema do superendividamento vem ganhando cada vez mais espaçono cenário internacional. Nos países de língua inglesa é conhecido como

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overindebtedness e na França como surendettement. O termo alemão cor-respondente é Überschuldung.

A expressão sobreendividamento é utilizada como alternativa a supe-rendividamento, principalmente entre os autores portugueses.1 Tambémnos países latinos e de idioma espanhol, o fenômeno é designado de so-breendeudamiento.2

O superendividamento representa, em linhas gerais, a situação em que,uma pessoa de boa-fé, assume compromissos financeiros e não conseguecumpri-los. Não pode ser confundido com o mero inadimplemento, queconstitui o descumprimento da obrigação.3 Poder-se-ia pensar que aqueleque está superendividado está inadimplente, mas isto não é totalmente cor-reto.4 Isto porque, o consumidor pode estar honrando seus compromissos e,em razão de fatos imprevisíveis como a perda do emprego, saber de ante-mão que não conseguirá mais honrá-los. Estará superendividado, porémainda não será inadimplente.

Para CLAUDIA LIMA MARQUES, superendividamento é a “impossi-bilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, depagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidascom o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos)”.5

Cada país, entretanto, pode adotar uma concepção um pouco diversade superendividamento. Na França o superendividamento caracteriza-sepela impossibilidade manifesta de o devedor de boa-fé honrar suas dívidasnão profissionais vencidas ou vincendas.6 Na Bélgica, não há uma claradefinição de superendividamento nas duas leis de 05.07.1998, mas há anoção que o identifica com a incapacidade duradoura ou estrutural de o

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1 Cf. MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES et alii, O endividamento dos consumidores, passim.2 Cf. IVÁN JESÚS TRUJILLO DÍEZ, El sobreendeudamiento de los consumidores, passim.3 Segundo PAULO NADER, Curso de Direito Civil, vol. II, p. 510, “inadimplemento é descumprimento,

total ou parcial, de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer; é o não pagamento de dívida nas condi-ções fixadas em negócio jurídico”.

4 Para ARAKEN DE ASSIS, Resolução do contrato por inadimplemento, p. 102, o inadimplemento abso-luto se refere à obrigação não cumprida e que nem poderá sê-la, traduzindo uma situação irrecuperá-vel. O autor inclui a insolvência, ao lado de outros casos como exemplo de inadimplemento absoluto.

5 “Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos decrédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul”,in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 55, p. 12.

6 MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES et alii, O endividamento dos consumidores, p. 235.

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devedor respeitar as suas obrigações financeiras.7 Já a lei finlandesa chamade insolvente o devedor que não tem capacidade para pagar as suas dívidasno momento em que elas se tornam exigíveis, quando essa não seja umasituação meramente transitória, mas de caráter permanente.8

Os portugueses chamam o sobreendividamento de falência ou insol-vência de consumidores, conceituando-o como as “situações em que odevedor se vê impossibilitado, de uma forma durável ou estrutural, de pagaro conjunto das suas dívidas, ou mesmo quando existe uma ameaça séria deque o não possa fazer no momento em que elas se tornem exigíveis”.9

É preciso, a partir dos conceitos expostos, enumerar os requisitos exigi-dos para que esteja caracterizada a situação jurídica de superendividamento.

2.2. Requisitos

Em razão da ausência de um tipo legal definindo claramente as hipó-teses de superendividamento e os seus requisitos, faz-se mister uma inves-tigação à luz do direito comparado, notadamente o francês, que tem umaboa disciplina do instituto.

No sistema francês, o art. 331 do Code de la Consomation (L. 93/949de 1993) institui um procedimento amigável perante uma comissão deacordo entre credores e o consumidor sobre as condições de pagamento,exigindo os seguintes requisitos para que se configure o superendividamen-to: a) que o consumidor seja pessoa física domiciliada na França (ou france-sa domiciliada no estrangeiro); b) que sejam dívidas de consumo (não rela-cionadas à atividade profissional); c) boa-fé do consumidor; d) impossibili-dade manifesta do devedor de honrar com seus compromissos financeiros.10

Presume-se a boa-fé do devedor independente do valor devido ou dequantos são seus credores.11 Vale destacar os julgados da Corte de Cassação

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7 Idem, p. 251.8 Idem, p. 251.9 Idem, p. 265.10 Cf. REINALDO LIMA LOPES, “Crédito ao Consumidor e Superendividamento – Uma problemática

geral”, in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 17, p. 60; GERALDO DE FARIA MARTINS DACOSTA, Superendividamento, p. 115-6.

11 GILLES PAISANT, “El tratamiento del sobreendeudamiento de los consumidores em derecho francês”,in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 42, p. 13, explica que tal presunção foi estabelecida pelaCorte de Cassação francesa, em virtude do silêncio legal.

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francesa que declarou a ausência de má-fé em relação aos consumidoresque não procuraram o superendividamento “de maneira consciente erefletida”.12

A expressão “impossibilidade permanente” contida em outras leis deveser evitada, pois passa a idéia de que o superendividado nunca se recuperará.

Sustenta IVÁN JESÚS TRUJILLO DÍEZ que deve ser indiferente, paraa tutela do superendividado, a existência de um ou mais credores.13

2.3. Classificação

Os superendividados são classificados pela doutrina em dois tipos: pas-sivos e ativos. São considerados passivos aqueles que se tornam devedoresnão por vontade própria, mas por situações que não puderam evitar, taiscomo: falecimento de um parente próximo, desemprego ou divórcio.

Já os superendividados ativos são aqueles que gastam muito por sim-plesmente não terem controle de suas finanças, sem que para isso tenhaocorrido uma situação nova, o que não significa, contudo, a ausência deboa-fé.14 Neste caso, “o indivíduo, na busca de manter um padrão de digni-dade que ele mesmo se impõe, se endivida em demasia. Na maioria dasvezes, o consumidor até detecta o endividamento antes de contratar, porémcontrata impelido pela necessidade. Seja necessidade real ou necessidadecriada pelos costumes ou pela mídia”.15

Tal classificação revela-se importante na medida em que órgãos deproteção do superendividado, como a Defensoria Pública do Estado do Riode Janeiro, limitam a sua atuação ao superendividado passivo.16 Entretanto,

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12 GERALDO DE FARIA MARTINS DA COSTA, Superendividamento, p. 117.13 El sobreendeudamiento de los consumidores, p. 10.14 Cf. http://noticias.arcauniversal.com.br/arcanews/integra.jsp?cod=71720&codcanal=36 (acessado em

15.11.2005)15 MARCELLA LOPES DE CARVALHO PESSANHA OLIBONI, “O superendividamento do consumidor

brasileiro e o papel da Defensoria Pública: criação da Comissão de Defesa do ConsumidorSuperendividado”, in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 55, p. 170.

16 DAVID TELLES, “Ajuda para superendividados” (Entrevista com o Defensor Público Lincoln Lamellas),in: http://noticias.arcauniversal.com.br/arcanews/integra.jsp?cod=71720&codcanal=36 (acessado em15.11.2005).

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o superendividado ativo também merece proteção jurídica,17 seja através daeducação para o consumo, seja por meio de tutela processual.

Não se pode esquecer a dificuldade experimentada pela França no tra-tamento dos superendividados passivos, já que o procedimento estruturadopela lei francesa tinha por base os superendividados ativos, pois partia dopressuposto que o superendividado possuía renda para parcelar suas dívidas.Ressalte-se, no entanto, que a reforma da lei corrigiu tal problema, facul-tando à comissão suspender a exigibilidade do crédito por até três anos.18

3. Quem é o consumidor superendividado

Traçar o conceito jurídico de “consumidor superendividado” é deverasdifícil, se levarmos em consideração a extensão do próprio termo consumi-dor, que a doutrina, sempre em busca da proteção mais ampla possível, temcerta dificuldade em precisar.19 De qualquer modo, deve-se reconhecer queo conceito jurídico de superendividado não coincide com o conceito deconsumidor presente na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor– CDC), uma vez que não se confere tutela à pessoa jurídica.20

O perfil do consumidor superendividado vem sendo buscado em pes-quisas realizadas em diversos países. No Brasil, os estudos ainda não alcan-çam a maior parte da população, limitando-se ao universo dos superendivi-dados de alguns estados.

Destaca-se a iniciativa pioneira da Universidade Federal do RioGrande do Sul e da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul quefizeram um levantamento do perfil dos superendividados deste estado.21

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17 GERALDO DE FARIA MARTINS DA COSTA, “O direito do consumidor endividado e a técnica doprazo de reflexão”, in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 43, p. 261-262.

18 GILLES PAISANT, “A reforma do procedimento de tratamento do superendividamento pela lei de 29de julho de 1998 relativa à luta contra as exclusões”, in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 55, p.242-246.

19 Cf. GUSTAVO PEREIRA LEITE RIBEIRO, “O conceito jurídico de consumidor”, in: Revista Trimestralde Direito Civil, vol. 18, passim; JULIANA SANTOS PINHEIRO, “O conceito jurídico de consumidor”,in: Problemas de Direito Civil-Constitucional, p. 325 e ss.

20 HELOÍSA CARPENA e ROSÂNGELA LUNARDELLI CAVALAZZI, “Superendividamento: propostapara um estudo empírico e perspectiva de regulação”, in: Revista Direito do Consumidor, vol. 55, p. 135.

21 RAFAELA CONSALTER, O perfil do superendividado no estado do Rio Grande do Sul, in:http://www.adpergs.org.br/restrito/arq_artigos28.pdf (acessado em 12.12.2005).

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É preciso apontar, no entanto, algumas limitações nessa pesquisa. Emprimeiro lugar, porque se restringiu àquelas pessoas que procuraram aDefensoria até formar um número de cem casos. Em segundo lugar, porquea assistência só ocorreu para aqueles que percebiam até três salários míni-mos por mês.22 De todo modo, merece aplausos a iniciativa que revelainformações interessantes.

Constatou-se nessa pesquisa número pouco maior de superendividadosdo sexo feminino (51%) e menos de um terço com mais de dois dependen-tes (26%). Um dado preocupante diz respeito à faixa etária mais superendi-vidada: 64% são pessoas com mais de 50 anos (24% entre 30 e 50 anos e 12%com menos de 30 anos). E 66% dos entrevistados superendividados pos-suem renda mensal de até dois salários mínimos ou nem mesmo têm renda.A quantidade de devedores inadimplentes ou em atraso no pagamento deprestações chega a 90% dos entrevistados, e 70% estão inscritos em cadas-tros de devedores. Também é interessante perceber que o número de supe-rendividados passivos corresponde a quatro vezes o de superendividadosativos, sendo que 62,5% daqueles atribuiu sua condição ao desemprego. Porfim, cumpre destacar que praticamente a metade dos pesquisados (49%) noRio Grande do Sul possui pelo menos três credores. Os principais são lojas(51%), instituições bancárias (45%) e financeiras (36%). Os supermercadosaparecem em 15% dos casos.

O resultado da pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado doRio de Janeiro foi apresentado no II Seminário Internacional de DefensoriaPública e a Proteção do Consumidor, em 1º de fevereiro de 2005, pela De-fensora Pública Marcella Oliboni. Foram entrevistadas trinta pessoas.23

Um dos destaques dessa pesquisa foi o fato de cerca da metade dosentrevistados serem devedores, principalmente, de instituições bancárias efinanceiras, além de estarem com praticamente toda a renda comprometi-da com suas dívidas.

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22 CLAUDIA LIMA MARQUES, “Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento depessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100casos no Rio Grande do Sul”, in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 55, p. 46.

23 Cf. http:arquivoglobo.globo.com/pesquisa/texto_gratis.asp?codigo=2434687 (acessado em 30.11.2005).

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Ao contrário do encontrado na pesquisa do Rio Grande do Sul, 53% dosentrevistados são homens, dos quais a grande maioria tem entre 35 e 55 anos.

Também no Rio de Janeiro, o superendividado passivo preponderaentre os assistidos consultados (73%), apresentando como principais causasde sua condição a doença, seguida do desemprego.

Em razão de essas pesquisas estarem limitadas a dois estados brasilei-ros, é preciso que este trabalho seja disseminado para que se conheçamelhor o perfil do superendividado, através de um universo mais amplo.24

De qualquer sorte, vale informar alguns números divulgados no dia 15de abril de 2009 pela Federação do Comércio de SP (Fecomercio), que exe-cuta pesquisas periódicas, não exatamente sobre o consumidor superendi-vidado, mas sobre o grau de endividamento da população paulistana.

De acordo com a economista do Fecomercio, Kelly Carvalho, a maiorparte dos consumidores entrevistados com dívidas possui 33% de sua rendacomprometida em até 3 meses. “O restante de 3 a 6 meses (23%), de 6 mesesa 1 ano (12%) e acima de 1 ano (32%). Em relação ao tempo de atraso dedívidas, para 33% o atraso é até 30 dias, enquanto para 23% compreende operíodo entre 30 e 60 dias. Para 12%, o atraso é entre 60 e 90 dias e paraoutros 32% chegam a ser superior a 90 dias”.25

4. Causas do superendividamento

O desemprego tem sido apontado como um dos principais motivospara o superendividamento entre os pesquisados no Rio Grande do Sul e noRio de Janeiro. Com a recente crise econômica mundial o número dedesempregados tende a crescer como apontam os dados da Pesquisa de Em-prego e Desemprego (PED), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia

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24 Registre-se iniciativa, em Portugal, do Observatório do Endividamento dos Consumidores (OEC) aquem compete “proceder à recolha e análise da informação económica e sócio-jurídica no domínio docrédito aos consumidores; definir metodologias de avaliação do sobreendividamento; realizar estudostécnicos que permitam caracterizar e conhecer as principais tendências do endividamento e dosobreendividamento das famílias; e participar em reuniões de trabalho para discussão e estudo de medi-das de intervenção nas áreas do crédito, do endividamento e do sobreendividamento dos consumido-res” in: http://www.oec.fe.uc.pt/apresentacao/apresentacao.html (acessado em 20/04/09).

25 Detalhes da pesquisa divulgada pela Fecomercio podem ser obtidos no endereço http://www.fecomer-cio.com.br/pagina.php?tipo=21&pg=1320 (acessado em 15/04/2009).

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e Estatística (IBGE) em março de 2009: “a taxa de desocupação em feverei-ro foi de 8,5%, 0,3 ponto acima do dado de janeiro”.26 Vale ressaltar que otempo médio despendido na procura de trabalho chegava, em outubro de2008, a 9 meses em São Paulo e 14 meses no Distrito Federal,27 o que de-monstra a frágil situação do trabalhador que adquire uma dívida para paga-mento a longo prazo. Pesquisa encomendada pela Confederação Nacionalda Indústria (CNI) ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística(IBOPE) e divulgada em março de 2009 revelou que o desemprego é a“principal preocupação dos brasileiros para os próximos seis meses”.28

É possível dividirmos os consumidores em dois tipos: os privilegiadose os desfavorecidos.29 Ambos são vulneráveis técnica e juridicamente, masos primeiros conseguem ter mais acesso ao crédito e bens, constituindo oque se chama vulgarmente de classe média ou classe alta. Os desfavorecidosconstituem a classe baixa que tem como necessidade de consumo objetosbásicos da vida urbana, como eletrodomésticos, que só lhes são acessíveisatravés da concessão de crédito. No Brasil, metade da população é consti-tuída por consumidores desfavorecidos.30

Não bastassem sua natural vulnerabilidade e o imenso número depotenciais consumidores sedentos por comprar a prazo, a população hámuito tempo é exposta à oferta de crédito fácil, nas mais diversas formas. Ocrédito é anunciado como um sonho, em todos os horários e locais, pode serna rua, através de panfletos, ou durante um programa televisivo em que opróprio apresentador torna-se o garoto propaganda.31

A criação do empréstimo consignado em folha de pagamento em 2003para os trabalhadores da ativa e em 2004 para os aposentados e pensionis-

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26 “Desemprego em fevereiro subiu para 8,5%, diz IBGE” in http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2009/03/26/desemprego+em+fevereiro+subiu+para+85+diz+ibge+5072045.html (acessado em17/04/2009).

27 Cf. http://turandot.dieese.org.br/icv/TabelaPed?tabela=99 (acessado em 14/04/2009).28 IVAN RICHARD, “Desemprego é a maior preocupação dos brasileiros, revela pesquisa CNI /Ibope” in

http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/03/20/materia.2009-03-20.5964688505/view (acessadoem 14/04/2009).

29 Cf. JOSÉ REINALDO DE LIMA LOPES, “Crédito ao consumidor e superendividamento - uma proble-mática geral”, in: Revista Direito do Consumidor, vol. 17, p. 58.

30 Idem, p. 58-59.31 Idem, p. 58.

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tas, que tem como grande atrativo taxa de juros menor, fez crescer aindamais a oferta de crédito.32

A Previdência Social informou, em seu portal, que até 4 de outubro de2005, em um universo de 18.871.718 de aposentados e pensionistas,4.974.416 de operações de empréstimo consignado entre bancos conveniadoscom INSS haviam sido realizadas, estando ativas 4.778.700 (descontados osempréstimos cancelados e os já pagos pelos segurados). Deste universo deoperações ativas, 49,89% referiam-se a aposentados e pensionistas com rendade até um salário mínimo.33 No período compreendido entre 2 de junho e 11de julho de 2005 a média diária de operações de crédito foi de 22,3 mil.34

Já entre junho e agosto de 2008, foram feitas mais de 193 mil operaçõespor aposentados e pensionistas, somando no final de agosto 14,83 milhõesde operações ainda ativas.35 Note-se que nesta época a crise econômicamundial ainda não havia se instalado no país.

A Instrução normativa do INSS nº 33, de 05 de novembro de 2008,36

estabeleceu “critérios e procedimentos operacionais relativos à consignaçãode descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito, contraí-dos nos benefícios da Previdência Social”. O INSS buscou, desse modo,reduzir os juros praticados nesses empréstimos consignados, além de pro-porcionar maior proteção aos beneficiários, obrigando, por exemplo, as ins-tituições financeiras a informarem “previamente, ao titular do benefício, ovalor total financiado, a taxa mensal e anual de juros, acréscimos remune-ratórios, moratórios e tributários, o valor, número e periodicidade das pres-tações e a soma total a pagar por empréstimo”. Limitou, ainda, o número de60 parcelas e a margem consignável a 30% do valor da aposentadoria oupensão recebida, sendo “20% da renda para empréstimos consignados e10% exclusivamente para o cartão de crédito”.37

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32 Cf. www.idec.org.br/noticia.asp?id=4136# (acessado em 07/12/2005).33 Cf. http://www.previdencia.gov.br/agprev/MostraNoticia.asp?Id=21272&ATVD=1&xBotao=1 (acessa-

do em 07/12/2005).34 Cf. http://www.previdenciasocial.gov.br/agprev/MostraNoticia.asp?Id=20158&ATVD=1&xBotao=1

(acessado em 07/12/2005).35 “CONSIGNADO: Contratação de crédito mantém-se estável” 09/10/2008, in: http://www1.previden-

cia.gov.br/agprev/agprev_mostraNoticia.asp?Id=31793&ATVD=1&xBotao=1, (acessado em 31/03/2009).36 Cf. http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/inss-pres/2008/28.htm (acessado em 31/03/2009).37 Cf. http://www1.previdencia.gov.br/pg_secundarias/paginas_perfis/emprestimo_consignado_01.asp

(acessado em 31/03/09).

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Como destaca a professora AMÉLIA SOARES DA ROCHA38 “‘a sedu-ção do crédito fácil’ leva facilmente ao superendividamento, o que compro-mete o próprio primado da vida digna”.

Além da grande oferta de crédito, deve ser destacado o fato de que em ape-nas 10% dos casos pesquisados pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro haviasido exigido algum tipo de garantia. Percentual baixo também foi encontradopela Defensoria do Rio Grande do Sul (22%), na pesquisa já citada.

A liberação de qualquer garantia por parte do devedor funciona comoum verdadeiro chamariz, uma vez que a concessão do crédito fica muitomais fácil de acontecer. Tal atitude talvez possa ajudar a explicar o acelera-do crescimento do superendividamento no país. Afinal, não é de hoje quese oferecem parcelamentos para praticamente todo o tipo de compra, emum claro estímulo ao endividamento.

“A renda do brasileiro está apertada, as pessoas estão endividadas. Épreciso estímulo para as compras.” Este é o pensamento de JOÃO CARLOSOLIVEIRA, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras),que defende ser o parcelamento uma forma de negociação tão válida quan-to o preço baixo.39

CLÁUDIO FELISONI, do Programa de Administração do Varejo(Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA) informa que em pes-quisa realizada pela entidade e o Canal Varejo foi constatado “que 26,5% daspessoas com renda de até três salários-mínimos parcelam compras no super-mercado”. E alerta: “Crédito para comprar alimentos? Algo está errado”.40

Diversamente pensa JOÃO GOMES, da Fecomércio-RJ sobre a conces-são de crédito pelos supermercados: “É uma forma de tornar o cliente maisfiel. E está longe de mostrar um consumidor endividado: os números dainadimplência estão estáveis”.41

Muitos brasileiros para satisfazerem seus sonhos de consumo estãoendividando-se e comprometendo parte significativa de seus rendimentos

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38 AMÉLIA SOARES DA ROCHA, “Dívida e consumo”, in: Consultor Jurídico, http://conjur.estadao.com.br/static/text/34627,1 (acessado em 13/12/2005).

39 FABIANA RIBEIRO, “Farra do crédito nos alimentos”, in: O Globo, 30/11/05, p. 25.40 Ibidem.41 Ibidem.

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em longas parcelas. Ao elevar o prazo para pagamento o risco de inadim-plência muitas vezes aumenta, pois, conforme comenta JOSÉ ANTÔNIOPRAXEDES NETO, vice-presidente da Telecheque, “o brasileiro é imedia-tista, não espera para fazer suas compras à vista ou em menos parcelas. (...)Por isso, a inadimplência no caso do celular, por exemplo, atingiu taxa de8,3% no ano. É bem mais que a taxa média do varejo, de 2,8%”.42

Um caso que retrata bem essa realidade é o de um auxiliar administrati-vo, com salário de R$ 800, que se comprometeu a pagar oito parcelas de R$200 por um aparelho celular “que tira fotos, filma, tem visor colorido e é fini-nho”, porque acredita ser possível tirar “uma onda” com o novo aparelho.43

Sobre o tema, a pesquisadora CECÍLIA MATOSO, da Escola deSuperior de Propaganda e Marketing, explica: “Status é o que os consumi-dores buscam ao comprar um produto acima de sua capacidade financeira.Como todas as classes têm cartão de crédito fica mais fácil cair na tentaçãodas compras a prazo”.44

No direito alienígena são apontadas outras causas para o superendivida-mento, como a doença, o aumento do custo de vida, acidente e separação ou di-vórcio.45 A propósito, a crise no regime matrimonial pode deixar completamen-te desamparado aquele cônjuge que era economicamente dependente do outro.46

É preciso, portanto, encontrar um ponto de equilíbrio para que o sonhode acesso ao crédito não se transforme no pesadelo do superendividamento.De outro lado, não se pode criar uma restrição tal que impeça os desfavoreci-dos de também usufruírem do sistema. Eis a questão que requer debate e refle-xão, com severa observação das formas de prevenção do superendividamento.

5. Fundamentos de proteção do superendividado

Há razões políticas e jurídicas que fundamentam a proteção dos consu-midores que se encontram na situação de superendividamento. Destarte,torna-se imperioso identificar tais razões.

292

42 FABIANA RIBEIRO, “Às vésperas do Natal, sonhos comprados a prazo”, in: O Globo, 11.12.2005, p. 51.43 Ibidem.44 Ibidem.45 Cf. MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES et alii, O endividamento dos consumidores, p. 156.46 IVÁN JESÚS TRUJILLO DÍEZ, El sobreendeudamiento de los consumidores, p. 15, p. 75-78.

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5.1. Dignidade do consumidor

O Estado brasileiro, preocupado com o bem-estar dos seus cidadãos,estabeleceu que a construção de uma sociedade solidária, a erradicação dapobreza e a redução das desigualdades sociais constituem objetivos funda-mentais da República Federativa (art. 3º, I e III da CRFB). A propósito, aConstituição de 1988 erigiu como verdadeira política estatal a defesa doconsumidor (art. 5º, XXXII e art. 17, V).

É preciso reconhecer, a partir dessas normas, que a tutela jurídica dosuperendividado é um direito fundamental, que tem por base a dignidadeda pessoa humana.47

Poder-se-ia pensar ser um exagero asseverar que a situação de superendi-vidamento é incompatível com o princípio constitucional da dignidade da pes-soa humana, que é basilar de toda a legislação brasileira (art. 1º, III, CRFB/88).Entretanto, compreender ser intolerável que o Estado abandone os seus pró-prios cidadãos na condição de superendividados frente a um mercado feroz,ávido por dinheiro, sem que haja a mínima proteção, constitui o primeiropasso para que se estabeleça a relação entre dignidade e superendividamento.

Segundo EDUARDO GABRIEL SAAD, “dignidade – ao parecer dolegislador – não tem o significado que lhe atribui o dicionarista: título oucargo que confere ao indivíduo posição de destaque. Foi o vocábulo usadona lei para designar a honestidade ou a autoridade moral do consumidor,atributos que o fornecedor, por bem ou mal, deve respeitar”.48

Em clássica passagem, consignou MARCELLA OLIBONI: “o consumi-dor superendividado torna-se um excluído socialmente, passa a amarguraruma angústia existencial, uma impotência diante da vida sobrevivendoabaixo de um padrão de dignidade”.49 Ao lado do respeito à dignidade (art.

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47 HELOÍSA CARPENA e ROSÂNGELA LUNARDELLI CAVALAZZI, “Superendividamento: propostapara um estudo empírico e perspectiva de regulação”, in: Revista Direito do Consumidor, vol. 55, p.124. Para CLAUDIA LIMA MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 210-211, oconsumidor é sujeito de direitos fundamentais, porque o contrato é ponto de encontro entre direitosfundamentais.

48 EDUARDO GABRIEL SAAD, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 148.49 “O superendividamento do consumidor brasileiro e o papel da Defensoria Pública: criação da Comissão

de Defesa do Consumidor Superendividado”, in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 55, p. 170.

293Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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4º, CDC), a Política Nacional de Relações de Consumo, prevê entre outrosprincípios, a vulnerabilidade (art. 4º, I, CDC), a “harmonização dos interes-ses dos participantes das relações de consumo” (art. 4º, III, CDC),50 a edu-cação e informação do consumidor (art. 4º, IV, CDC) e a boa-fé (art. 4º, IIIe VI, CDC).

Neste sentido, as Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro têmdiversos julgados que limitam o pagamento pelo consumidor superendivi-dado a 30% de seu salário, a fim de preservar quantia suficiente para suasobrevivência de maneira digna. Não se questiona em tais decisões a inexis-tência de dívida, mas a forma como ela poderá ser paga.51

5.2. Eqüidade (equilíbrio) contratual e vulnerabilidadedo consumidor

Pode-se definir a vulnerabilidade como a “situação de desequilíbrio dopoder negocial entre os contratantes que acaba por justificar tratamento dese-quilibrado e desigual dos mesmos”.52 O art. 4º, I, do CDC, estabelece, comefeito, uma presunção de fraqueza manifesta do consumidor, já que se sub-mete ao poder de controle dos titulares de bens de produção (empresários).53

Em razão dessa vulnerabilidade do consumidor, a Lei 8.078/90 fixainúmeras normas imperativas que proíbem cláusulas abusivas, que sejamincompatíveis com a eqüidade (art. 51, IV), visando atingir a justiça contra-tual nas relações de consumo. É o que a CLAUDIA LIMA MARQUESchama de princípio da eqüidade (equilíbrio) contratual.54

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50 Tal harmonização não se restringe ao tratamento das partes envolvidas, mas alcança, igualmente, cri-térios de ordem prática, consubstanciados em dois grandes instrumentos: 1) marketing de defesa doconsumidor (ex.: contato telefônico); 2) convenção coletiva de consumo sobre preço, qualidade, quan-tidade e garantia de produtos e serviços, bem como reclamação e composição de conflitos (JOSÉGERALDO BRITO FILOMENO, Comentários aos arts. 4º e 5º, in: Código Brasileiro de defesa do con-sumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, p. 61).

51 Cf. Recursos Inominados ns. 2008.700.021081-8, 2009.700.010025-0 e 2009.700.000037-1, julgados,respectivamente, em 02/06/2008, 10/03/2009 e 14/01/2009.

52 GUSTAVO PEREIRA LEITE RIBEIRO, “O conceito jurídico de consumidor”, in: Revista Trimestral deDireito Civil, vol. 18, p. 26. Alguns autores tentam distinguir vulnerabilidade de hipossuficiência, res-saltando que esta é o aspecto processual da vulnerabilidade.

53 JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO, Comentários aos arts. 4º e 5º, in: Código Brasileiro de defesa doconsumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 6ª ed., p. 55.

54 Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 741.

294 Roberta Barcellos Danemberg

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Para FRANCISCO AMARAL, “a eqüidade é um princípio ético, ummodelo ideal de justiça, um princípio inspirador do direito que visa a reali-zação da perfeita igualdade material, transformando-se em modelo jurídicoquando aplicado pelo órgão jurisdicional a um conflito de interesses espe-cífico (...). É, antes e acima de tudo, um critério de decisão de casos singu-lares, que se apresenta sob a forma de uma cláusula geral”.55 Para o autor, aeqüidade é, ainda, um critério histórico de igualdade e proporcionalidade.56

Neste particular, ensina PIETRO PERLINGIERI, que “La proporziona-lità rileva anche in tema di scelta tra risoluzione e riduzione, e nella valu-tazione della gravita dell’inadempimento” (no vernáculo: a proporcionali-dade se aplica também em tema de escolha entre resolução e redução, e navaloração da gravidade do inadimplemento).57 Vale dizer, com base naeqüidade, pode o consumidor superendividado tentar judicialmente (eextrajudicialmente) a resolução contratual ou a renegociação de suas dívi-das, de acordo com a gravidade de sua inadimplência e observando o prin-cípio da proporcionalidade.

5.3. Boa-fé e função social nas relações de consumo

No CDC a boa-fé é colocada como um dos princípios gerais (art. 4º, III),sendo a mesma presumida em todas as relações de consumo, ainda que nãohaja no diploma legal a sua conceituação. A boa-fé deve estar presente, prin-cipalmente, na conduta do fornecedor, que, com sensibilidade e menosganância, poderá contribuir com a redução do número de superendividadosao, por exemplo, informar corretamente os custos do crédito, o que nem sem-pre ocorre, apesar da obrigatoriedade imposta pelo Banco Central do Brasil.58

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55 “A eqüidade no Código Civil brasileiro”, in: Aspectos controvertidos do novo Código Civil (Escritos emHomenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves), p. 207-208.

56 Idem, p. 208.57 “Equilibrio Normativo e principio di proporzionalità nei conttratti”, in: Revista Trimestral de Direito

Civil, vol. 12, p. 139.58 A Resolução do Conselho Monetário Nacional de nº 3.517, de 6 de dezembro de 2007, dispõe sobre a

informação e a divulgação do custo efetivo total (CET) correspondente a todos os encargos e despesasde operações de crédito e de arrendamento mercantil financeiro, contratadas ou ofertadas a pessoasfísicas.

295Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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A lei consumerista determina que as cláusulas contratuais “incompatí-veis com a boa-fé” serão tidas como abusivas e nulas,59 o que confere aomagistrado certa discricionariedade para identificar os limites à liberdadecontratual.60

É interessante mencionar projeto de lei português 291/IX/1, de 15 demaio de 2003, que, de acordo com o art. 3º, 2: “Presume-se a boa fé das pes-soas cujo sobreendividamento ocorra na seqüência de: a) desemprego; b)emprego temporário ou precário; c) incapacidade temporária ou permanen-te; d) separação, divórcio ou falecimento do cônjuge ou equiparado.”61

O projeto português presume a boa-fé do superendividado passivosem, contudo, esgotar as hipóteses. Não se pode esquecer que a existênciade boa-fé pode se apresentar na situação de superendividamento ativo.

Segundo HUMBERTO THEODORO JR., a função social do contratocuida da liberdade contratual e seus efeitos sobre a sociedade (terceiros),enquanto o princípio da boa-fé fica restrito ao relacionamento ético dossujeitos do negócio jurídico (partes contratantes).62 Mas nem por isso taiscláusulas gerais deixam de se relacionar. O art. 421 do Código Civil (CC)estabelece que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limi-tes da função social do contrato”.

GUSTAVO TEPEDINO define a função social do contrato como “odever imposto aos contratantes de atender - ao lado dos próprios interessesindividuais perseguidos pelo regulamento contratual - a interesses extracon-tratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica que se relacionamcom o contrato ou são por ele atingidos”.63 Para o autor, é possível associara função social do contrato (art. 421 do CC) à boa-fé objetiva que, comoprincípio interpretativo (art. 113 do CC) ou como princípio fundamental do

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59 CDC, art. 51, caput e inciso IV.60 CLAUDIA LIMA MARQUES. “Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pes-

soas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casosno Rio Grande do Sul”, in Direitos do Consumidor Endividado: superendividamento e crédito, p. 280.

61 Consulte-se detalhes do projeto em: http://ps.parlamento.pt/?menu=iniciativas&id_dep=108&leg=VIII(acessado em 17/04/2009).

62 O contrato e sua função social, p. 31.63 “Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002”, in: A parte

geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional, p. XXXII.

296 Roberta Barcellos Danemberg

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regime contratual (art. 422 do CC), estabelece o dever de interpretar o negó-cio de modo a preservar o conteúdo econômico e social perseguido pelaspartes, alcançando as fases pré-contratual, contratual e pós-contratual. Comisso, rompe-se a lógica individualista para alcançar interesses que são atingi-dos pelo contrato, como o consumerista, ambiental e trabalhista.64

ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO explica que o art. 421 do Código Civilamplia ainda mais a capacidade de o juiz proteger o mais fraco na contrata-ção que, por exemplo, possa estar sofrendo os efeitos de cláusulas abusivasou de publicidade enganosa.65 Como princípio geral dos contratos, é evi-dente que a idéia de função social do contrato se aplica às relações de con-sumo.66 Isto constitui, a nosso ver, fundamento suficiente para a proteçãotambém do superendividado ativo.

5.4. Direito à informação

O art. 6º, III, do CDC, determina os direitos básicos do consumidor e,entre eles, merece especial atenção o direito “à informação adequada e clarasobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quan-tidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre osriscos que apresentem”. O citado inciso combinado com o art. 52, do mesmodiploma legal, determina o dever do fornecedor de informar o consumidorsobre todos os detalhes do negócio quando da outorga de crédito, tais comoos juros e demais acréscimos, além dos valores com e sem financiamento.67

297

64 Idem, p. XXXII-XXXIII.65 “O novo Código Civil Brasileiro: tramitação, função social do contrato; boa-fé objetiva; teoria da impre-

visão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis), in: Aspectos controvertidos do novoCódigo Civil (Escritos em Homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves), p. 34.

66 Por todos: PAULO NEVES SOTO, “Novos perfis do direito contratual”, in: Diálogos sobre o DireitoCivil, p. 255-258.

67 Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão definanciamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e ade-quadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos jurosde mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodi-cidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento. § 1º As multas de mora decor-rentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento dovalor da prestação. § 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcial-mente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.

297Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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Interessante destacar que “a exigência do inc. V, deste art. 52, visaassegurar ao consumidor o conhecimento dos preços à vista e financiado, demodo que o mesmo possa, de acordo com suas próprias conveniências,optar por uma ou por outra forma de pagamento”.68

A informação adequada proporciona ao consumidor o direito de esco-lher se quer ou não contratar. Assim, é essencial que as indicações de preço,taxas de juros, periodicidade de prestações, total a pagar à vista e parcelado,sejam dadas de maneira acessível, pois, “se for feita de forma tal, quesomente alguém versado em contabilidade possa compreendê-la, poderá oconsumidor alegar que o contrato não o obriga, em face do art. 46” doCDC.69 Mesma conseqüência terá o contrato em que o fornecedor não deroportunidade ao consumidor de conhecer as cláusulas avençadas.

NELSON NERY JÚNIOR leciona que “dar oportunidade de tomarconhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumi-dor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contra-tuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com quetome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regrado artigo sob análise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois osentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar efe-tivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decor-rerão do contrato, especialmente sobre as cláusulas restritivas de direitos doconsumidor, que, aliás, deverão vir em destaque nos formulários de contra-to de adesão (art. 54, § 4º, CDC).”70

Com o escopo de fortalecer o direito à informação “adequada e clara”a Lei nº 11.785, de 22/09/08, alterou o § 3º do Código de Defesa doConsumidor71 para estipular que os contratos de adesão deverão obedecer aum tamanho mínimo de letra, pois, como estavam sendo redigidos, erampraticamente ilegíveis para maior parte da população.

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68 EDUARDO ARRUDA ALVIM, Comentários aos arts. 39-80, in: Código do Consumidor Comentado, p. 259.69 Idem, p. 258-259.70 Comentários aos arts. 46 a 54, in: Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores

do anteprojeto, p. 473.71 Nova redação do § 3º do art. 54 do CDC: “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos

claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, demodo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”. (grifo nosso)

298 Roberta Barcellos Danemberg

Page 311: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

5.5. Interpretação dos contratos

A regra clássica de interpretação dos contratos, prevista no art. 112 doCódigo Civil, determina que “nas declarações de vontade se atenderá maisà intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem”,sendo a mesma aplicável também aos contratos de consumo.

Entretanto, segundo NELSON NERY JÚNIOR,72 “o princípio maior dainterpretação dos contratos de consumo está insculpido no art. 47 do CDC”,que prevê uma interpretação mais favorável ao consumidor.

Tal interpretação deve considerar a presença da boa-fé objetiva emtodos os contratos de consumo, além dos “deveres do fornecedor e comosuas práticas e cláusulas tentaram afastar o cumprimento destes deveresimperativos, afinal o CDC é norma de ordem pública (art. 1º do CDC) e osdireitos assegurados aos consumidores são indisponíveis por contrato”.73

6. O papel da defensoria pública e do procon na tutela dosuperendividado

Atualmente não há mais o que questionar: a tutela jurídica do consu-midor superendividado constitui um direito fundamental (art. 5º, XXXII,CRFB).74 Existem várias iniciativas voltadas para a proteção do superendi-vidado, inclusive preventivas, fora do âmbito judicial.

Neste sentido, há no Brasil, experiências de resolução das situações desuperendividamento através dos núcleos de Defensorias Públicas ePROCONs.

No Rio de Janeiro, foi criada, através de Resolução do DefensorPúblico Geral, a Comissão de Defesa do Consumidor Superendividado per-tencente ao Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do

299

72 Idem, p. 468.73 CLAUDIA LIMA MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 758.74 HELOÍSA CARPENA e ROSÂNGELA LUNARDELLI CAVALAZZI, “Superendividamento: propos-

ta para um estudo empírico e perspectiva de regulação”, in: Revista Direito do Consumidor, vol. 55,p. 124.

299Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

Page 312: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

Estado (NUDECON). Tal comissão é composta pelos Defensores em exercí-cio nesse núcleo.75

É função de o Defensor Público verificar em quais casos, entre os assis-tidos, há o superendividamento, através de perguntas a respeito de suarenda mensal, suas dívidas e contas regulares.

Uma vez constatado o superendividamento, caberá à Comissão marcaruma audiência especial de conciliação entre o consumidor e seus credores.Nesta oportunidade o Defensor irá explicar o sentido técnico de superendi-vidamento para que depois o assistido superendividado narre os motivosque o levaram a tal situação. Por fim, serão os credores convidados a retor-narem em data posterior para uma nova audiência de conciliação indivi-dual, ocasião em que poderão propor um acordo já conhecendo a real situa-ção do devedor. Poder-se-á, então, oferecer tanto um parcelamento maislongo como um abatimento no montante do débito. Na hipótese de haveracordo, o mesmo será firmado em ata de audiência com a assinatura doDefensor Público.

O primeiro caso concreto examinado pela Comissão de Defesa doConsumidor Superendividado da Defensoria Pública do Estado do Rio deJaneiro foi o de uma assistida que, após três anos de tratamento de um paren-te com grave doença, viu-se endividada com quinze instituições financeirasno montante de R$ 100.000, apesar de sua renda mensal de R$ 6.800.76

Através de audiências de conciliação foi possível firmar acordos com dez doscredores, que viabilizaram os pagamentos por meio de parcelamento dasdívidas com um prazo compatível com a realidade da consumidora.

A Defensora Pública MARCELLA OLIBONI, em entrevista publicadano jornal O Globo em dia 5 de abril de 2009, informou que a procura noNUDECON aumentou 37,32% após passarem a atender os consumidoressuperendividados,77 o que demonstra a existência de um número significati-

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75 Cf. MARCELLA LOPES DE CARVALHO PESSANHA OLIBONI, “O superendividamento do consumi-dor brasileiro e o papel da Defensoria Pública: criação da Comissão de Defesa do ConsumidorSuperendividado”, in: Revista de Direito do Consumidor, vol. 55, p. 174-176.

76 Idem, p. 175.77 “Tábua de Salvação para os superendividados”, Jornal O GLOBO.

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Page 313: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

vo de consumidores carentes de urgente orientação não apenas jurídica, masde educação preventiva, para que possa, com melhor conhecimento, prote-ger-se das diversas armadilhas financeiras que lhe são impostas diariamente.

Em São Paulo, a Fundação Procon criou o Núcleo de Tratamento doSuperendividamento com o objetivo de prevenir novos casos através deorientação adequada, além de desenvolver um “trabalho de sensibilizaçãojunto à empresa quanto a sua responsabilidade social, esquematizando cri-térios de negociação de dívidas”.78

O Núcleo busca auxiliar os consumidores superendividados “através daintermediação na negociação de suas dívidas com todos os credores envol-vidos”.79 No caso de não haver acordo é entregue ao consumidor um Termode Comparecimento, que poderá ser utilizado, junto com outros documen-tos, na instrução de um processo judicial.80

7. Tutela do consumidor superendividado através dosJuizados Especiais Cíveis

Desde o Direito Romano até a Idade Média, o devedor insolvente tinhacomo destino tornar-se servo do seu credor, em razão de sua dívida.81 Emépocas mais remotas da Antigüidade e nos primeiros anos de Roma, admi-tiu-se até a execução pessoal do devedor.82 As Ordenações Manoelinas eFilipinas chegaram a prever prisão civil por dívida.83

O tratamento do superendividado foi negligenciado ao longo dos sécu-los, porque sempre houve maior preocupação com a situação jurídica dos

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78 O PROCON-SP informa em seu site que “tendo em vista, o grande número de pessoas que acessaramesta página, em dezembro de 2006, o atendimento está provisoriamente suspenso”, http://www.pro-con.sp.gov.br (acessado em 02/04/2009).

79 Cf. http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=2219 (acessado em 01/04/2009).80 Em 13/04/2009 foi assinado pelos Presidentes da República, Senado Federal, Câmara dos Deputados e

Supremo Tribunal, o II Pacto Republicano de Estado, que “a fim de garantir maior celeridade e efetivi-dade à prestação jurisdicional” prevê a “Atualização do Código de Defesa do Consumidor, com o obje-tivo de conferir eficácia executiva aos acordos e decisões dos PROCONs, quanto aos direitos dos con-sumidores”, o que sem dúvida representará um avanço na defesa do consumidor, que terá a sua dispo-sição um órgão fortalecido. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=106058(acessado em 14/04/2009)

81 ALFREDO BUZAID, Do Concurso de Credores no Processo de Execução, p. 101.82 HUMBERTO THEODORO JR., Insolvência civil, p. 12.83 É o que noticia LEONARDO GRECO, Processo de Execução, vol. 2, p. 547.

301Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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credores.84 A ausência de uma política estatal,85 a falta de compreensão dedireitos fundamentais do devedor insolvente, bem como o tratamento equi-parado da insolvência à falência não permitiram a criação de uma verdadei-ra tutela jurisdicional diferenciada para o superendividado.

A partir do CDC é possível compreender que o superendividado nãoestá condenado a enfrentar o arcaico sistema de execução por quantia certacontra devedor insolvente, presente nos arts. 748 a 786-A do Código deProcesso Civil (CPC). É facultado ao consumidor antecipar-se judicialmen-te, propondo, por exemplo, ação revisional, ação de resolução contratual ououtras ações que julgar cabíveis, com fundamento no art. 83 do CDC.86

7.1. Sobre a presença das partes e do advogado

Os Juizados Especiais foram criados87 a partir do art. 98 da Constitui-ção Federal que prevê “os procedimentos oral e sumaríssimo” e tem porfinalidade facilitar o acesso da população ao Poder Judiciário e tornar maiscélebre o julgamento das demandas, não devendo ser encarados comomeras alternativas para o ingresso em juízo sem assistência jurídica.

Para o ajuizamento de uma ação é imprescindível o patrocínio de umprofissional habilitado, com exceções pontuais no sistema, incluindo-se ascausas até certo valor que tramitam nos Juizados Especiais. De fato, o con-sumidor superendividado que não utilizar o serviço da Defensoria Públicaou de escritório modelo de faculdade, por exemplo, poderá encontrar óbi-

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84 Significativo o texto do art. 646 do Código de Processo Civil: “A execução por quantia certa tem porobjeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor”.

85 IVÁN JESÚS TRUJILLO DÍEZ, El sobreendeudamiento de los consumidores, p. 15, informa que naEspanha falta uma política estatal orientada para o superendividamento dos consumidores que são tra-tados como devedores insolventes.

86 Art. 83: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espé-cies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.”

87 ALEXANDRE CÂMARA, Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais Uma Abordagem Crítica, p.207-8, destaca interessante aspecto a respeito da criação dos Juizados Especiais Federais, que tambémpode ser estendido aos Juizados Especiais estaduais: (...) “não se pode deixar de observar que a existên-cia dos Juizados Especiais Cíveis federais serviu também para diminuir a quantidade de processos diri-gidos aos juízes federais comuns. Com isso, também nas Varas Federais comuns, em que se observa osistema processual comum, regido basicamente pelo Código de Processo Civil, se consegue obter maisrapidamente o resultado do processo, já que tais juízos já não estão mais assoberbados como anterior-mente estavam”. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais Uma Abordagem Crítica, p. 207-8.

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ces na contratação de um advogado, uma vez que o motivo da demanda serájustamente sua dificuldade de arcar com suas dívidas. Deverá, portanto,haver bom senso ao se contratar o serviço de um profissional, pois tal des-pesa não poderá ser desconsiderada.

Neste aspecto, os Juizados Especiais surgem como interessante alterna-tiva, possibilitando o ajuizamento de uma ação sem a assistência de umadvogado nas causas até 20 salários mínimos na esfera estadual88 e até 60salários mínimos na federal. Cumpre destacar que a falta de orientação deum profissional qualificado não necessariamente será o mais benéfico parao consumidor, que poderá formular um pedido equivocado, sem que tenhaoportunidade futura de adequá-lo ao seu caso específico.

Por isso, dispõe a Lei nº 9.099/95, em seu art. 9º, § 2º, que o juiz deve-rá alertar a parte “da conveniência do patrocínio por advogado”. O consu-midor poderá ter a “assistência judiciária prestada por órgão instituídojunto ao Juizado Especial, na forma da lei local”, sempre que a outra partecomparecer assistida por um advogado ou for o réu “pessoa jurídica oufirma individual” (art. 9º, § 1º).89

Nos Juizados Especiais Cíveis, mesmo que tenha sido constituído advo-gado, “O comparecimento pessoal da parte às audiências é obrigatório. Apessoa jurídica poderá ser representada por preposto” (Enunciado 20, doFórum Nacional de Juizados Especiais - FONAJE).

Segue no mesmo sentido o Enunciado 78, também do FONAJE, ao afir-mar que “O oferecimento de resposta, oral ou escrita, não dispensa o com-parecimento pessoal da parte, ensejando, pois, os efeitos da revelia”.

Merece crítica a obrigatoriedade do comparecimento pessoal da pessoafísica, previsto no art. 51, I, da Lei nº 9.099/95, uma vez que tal exigência,por vezes, causa a inviabilidade do ajuizamento da ação ou obstáculo ao seu

303

88 No caso dos Juizados Especiais Cíveis o autor somente poderá estar desacompanhado de um advogadose o valor da causa não ultrapassar 20 salários-mínimos, conforme art. 9º da Lei nº 9.099/95.

89 FELIPPE BORRING ROCHA, Juizados Especiais Cíveis Aspectos Polêmicos da Lei nº 9.099, de26/9/1995, p. 63, ao abordar o tema afirma tratar-se “de aplicação do principio da isonomia dentro dalógica criada pelo regime de exceção dos Juizados Especiais. (...) Por isso, não sendo possível proibir queuma das partes tenha advogado, a saída foi deferir à outra, que esteja desacompanhada, a assistênciajudiciária”.

303Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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prosseguimento. Como por exemplo, no caso da pessoa ter dificuldade delocomoção em decorrência de idade ou saúde, ou ter um trabalho que lheexige viagens constantes sem que consiga conciliares as datas dos compro-missos profissionais e das audiências.

Aceitar a representação por preposto apenas da pessoa jurídica é ver-dadeira violação ao princípio da isonomia.90

Diferentemente dos Juizados Especiais Cíveis da esfera estadual, nosJuizados Especiais Federais não apenas a assistência de advogado é dispen-sável, como a própria presença do autor, que poderá nomear, por escrito,um representante, advogado ou não (Lei nº 10.259/01, art. 10).91

Nos Juizados Especiais Federais da 2ª Região, por exemplo, os futurosjurisdicionados que não estejam assistidos por advogado serão atendidospelos funcionários da Justiça Federal, preferencialmente bacharéis em Di-reito, que irão elaborar a inicial. Receberá cartão com o número do proces-so e indicação para qual Juizado foi distribuída a ação, data da audiência ecópia da inicial. Caberá ao Juiz decidir sobre a necessidade da realização deaudiência (Provimento 11/02, art. 10),92 sendo, contudo, recomendável queo mesmo consulte as partes quanto à necessidade da audiência.

7.2. Competência

O critério para se definir o Juizado Especial competente será o mesmoadotado para a definição da competência de justiça (Justiça Estadual ouJustiça Federal?), mas deverá observar regras especiais para a competênciade foro (art. 4º da Lei nº 9.099/95) e para a competência de juízo (art. 3º daLei 9.099/1995 e art. 3º da Lei nº 10.259/2001).93

304

90 Interessante abordagem sobre o tema foi feita por MARCIA CRISTINA XAVIER DE SOUZA em seuartigo Acesso à Justiça e Representação das Partes nos Juizados Especiais Cíveis, in: Direito Processuale Direitos Fundamentais, p. 177 e segs.

91 MARCELO DA FONSECA GUERREIRO, Como postular nos Juizados Especiais Cíveis Federais, p. 79,informa que “O atendimento inicial aos jurisdicionados que pretendam ingressar com demandas peran-te os Juizados Especiais Federais da 2ª Região, sem patrocínio de advogado, ocorrerá na forma previstano Provimento 2/2001”.

92 Fluxogramas e Notas Explicativas sobre o Atendimento e Distribuição nos Juizados Especiais da 2ªRegião. http://www.trf2.gov.br/juizados/atendimento1.pdf (acessado em 16/04/2009)

93 Sobre o tema, consulte-se MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento (Curso de ProcessoCivil v. 2), 7ª ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

304 Roberta Barcellos Danemberg

Page 317: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

Tratando-se de Justiça Estadual e estando preenchidos os requisitosnecessários, será facultado ao autor escolher entre a Vara Cível e oJuizado Especial Cível.94 Entretanto, se a causa for de competência fede-ral “no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua compe-tência é absoluta”.95

Assim, por exemplo, se o credor do consumidor superendividado for aCaixa Econômica Federal, uma eventual ação revisional que esteja dentrodo teto de 60 salários-mínimos deverá ser proposta perante o JuizadoEspecial Federal e não no juízo de Vara Federal.

Os Juizados Especiais estaduais e federais também se diferenciamquanto à possibilidade de renúncia a crédito excedente, tendo sido a maté-ria tratada pela Súmula 17 da Turma Nacional de Uniformização dosJuizados Especiais Federais: “Não há renúncia tácita no Juizado EspecialFederal, para fins de competência”96 e pelo art. 3º, § 3º, da Lei nº 9.099/95,que determina que a “opção pelo procedimento previsto nesta Lei importa-rá em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo,excetuada a hipótese de conciliação”.

7.3. Valor da causa

As ações para tutela do superendividado podem ser propostas nosJuizados Especiais Cíveis ou nos Juizados Especiais Federais, desde queobservados os limites do valor da causa, que na esfera estadual não poderáultrapassar a 40 salários-mínimos,97 e na federal a 60 salários-mínimos,além de outros aspectos procedimentais específicos, em especial o art. 3º daLei nº 9.099/95 e o art. 3º da Lei nº 10.259/01.

O critério para atribuição do valor da causa para a hipótese do supe-rendividamento pode ser encontrado no art. 259, V, do CPC, o que pode

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94 Enunciado 1 do FONAJE: “O exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para oautor”.

95 Art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.259/01. Enunciado 94 do FONAJE: “É cabível, em Juizados Especiais Cíveis, apropositura de ação de revisão de contrato, inclusive quando o autor pretenda o parcelamento de dívi-da, observado o valor de alçada”.

96 Cf. https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/listaSumulas.php (acessado em 14/04/2009).97 Enunciado 36 do FONAJE: “A assistência obrigatória prevista no art. 9º da Lei nº 9.099/1995 tem lugar

a partir da fase instrutória, não se aplicando para a formulação do pedido e a sessão de conciliação”.

305Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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levar, em uma leitura apressada, ao equívoco de se atribuir o valor total docontrato, mesmo em uma ação que vise tão-somente a revisão de uma cláu-sula. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento que o valoratribuído à causa deve traduzir o conteúdo econômico perseguido na ação.

Assim, se o consumidor estiver discutindo apenas parte de uma dívidacontratual, deverá o valor da causa corresponder a esta, que será o objeto dalide, e não o valor integral questionado. Dessa forma, teremos como parâ-metro na atribuição do valor da causa a vantagem econômica que se preten-de obter. Por exemplo, se o valor do contrato é de R$80.000 e o consumi-dor pretende a redução da dívida para R$50.000, em razão de cláusula abu-siva, o valor da causa será de R$30.000, porque este será o proveito econô-mico pretendido.

Neste sentido, foi criado, no FONAJE, o Enunciado 39, que assim de-termina: “Em observância ao art. 2º da Lei nº 9.099/1995, o valor da causacorresponderá à pretensão econômica objeto do pedido”.

Deve-se ter em mente também que, ao limitarem os valores nosJuizados Especiais em salários mínimos, estes devem corresponder ao salá-rio mínimo nacional98 da época do ajuizamento da ação,99 conforme enun-ciados do FONAJE e do FONAJEF (Fórum Nacional dos Juizados EspeciaisFederais).

7.4. Pedido revisional e outras considerações

Observe-se, inicialmente, que o princípio da força obrigatória dos con-tratos perdeu a sua rigidez já faz algum tempo.100 O fundamento para que oconsumidor superendividado possa pleitear a revisão do seu contratoencontra-se no art. 6º, V, do CDC.101

306

98 FONAJE, Enunciado nº 50: “Para efeito de alçada, em sede de Juizados Especiais, tomar-se-á como baseo salário mínimo nacional”.

99 FONAJEF, Enunciado nº 15: “Na aferição do valor da causa, deve-se levar em conta o valor do saláriomínimo em vigor na data da propositura da ação”.

100 Cf. ORLANDO GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p. 95-96.101 CDC, art. 6º: “São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que esta-

beleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornemexcessivamente onerosas.”

306 Roberta Barcellos Danemberg

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Há polêmica na doutrina no que tange ao dispositivo supracitado.Para uma primeira corrente há a consagração da teoria da imprevisão,

o que seria deveras prejudicial ao consumidor, sendo este compelido a pro-var a imprevisibilidade dos fatos que geraram a excessiva onerosidade(JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO E JAMES MARINS).

Já para uma segunda corrente, tal dispositivo legal, além de ampliar aspossibilidades para o consumidor obter a revisão contratual, libera-o dademonstração de imprevisibilidade (CLAUDIA LIMA MARQUES).

Esta última corrente parece estar de acordo com os escopos normati-vos da Lei nº 8.078/90 que exige, em seu art. 47, a interpretação mais favo-rável ao consumidor.102 Também ARRUDA ALVIM perfilha tal orientaçãoao comparar o texto consumerista com o do Código Civil de 2002, afirman-do que naquele não há: a) referência à imprevisibilidade; b) referência àextrema vantagem para o credor.103

Interessante destacar que, embora o art. 6º, V, do CDC não fale de reso-lução contratual, mas apenas em revisão, RUY ROSADO DE AGUIARJÚNIOR104 sustenta ser possível a propositura de ação de resolução contra-tual, combinando-se o artigo citado com o art. 83 do mesmo diploma legal.105

Do mesmo modo, não há óbice para que a ação revisional seja propos-ta perante o Juizado Especial, conforme o Enunciado 94, aprovado no XVIIIFONAJE: “É cabível, em Juizados Especiais Cíveis, a propositura de ação derevisão de contrato, inclusive quando o autor pretenda o parcelamento dedívida, observado o valor de alçada”.

São admitidas também nos Juizados as ações que questionam a legali-dade dos juros cobrados, como se confere no Enunciado 70, aprovado no

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102 Neste sentido: ALINNE ARQUETTE LEITE NOVAIS, “Os novos paradigmas da teoria contratual: oprincípio da boa-fé objetiva e o princípio da tutela do hipossuficiente”, in: Problemas de direito civil-constitucional, p. 47-48; FABIANA RODRIGUES BARLETTA, “A revisão contratual por excessiva one-rosidade superveniente à contratação positivada no Código do Consumidor, sob a perspectiva civil-constitucional”, in: Problemas de direito civil-constitucional, p. 298-302.

103 “A função social dos contratos no novo Código Civil”, in: Revista dos Tribunais, vol. 815, p. 29.104 Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, p. 154.105 CDC, art. 83: “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as

espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.

307Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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FONAJE: “As ações nas quais se discute a ilegalidade de juros não são com-plexas para o fim de fixação da competência dos Juizados Especiais”.

É importante destacar tais enunciados, porque vários consumidoresdeparam-se com dívidas muitas vezes impagáveis, que crescem de formaacelerada em razão de contratos abusivos, aplicação imprópria de juros,inserção de multas, comissão de permanência cumulada com correçãomonetária, além de “acertos” extrajudiciais onde o devedor assina “confis-sões de dívida” com novas condições desfavoráveis ao consumidor.

Somem-se ainda os inúmeros casos em que as instituições financeirasefetuam descontos diretamente na conta corrente do devedor, ultrapassan-do até mesmo o valor do rendimento mensal do consumidor.

Exemplo dessa situação é encontrado na decisão do recurso2009.700.010025-0, julgado em 10/03/2009, pelo Conselho Recursal dosJuizados Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: consu-midor aposentado e doente após ter feito dois empréstimos consignados, fezmais 08 empréstimos no caixa eletrônico. O Itaú descontava mensalmentevalor superior ao rendimento do cliente, deixando sua conta mensalmentenegativa. Foi aplicada pela Turma a “Tese do superendividamento acolhidapelos Tribunais” para limitar os descontos mensais, por analogia da lei doempréstimo consignado, em 30% (trinta por cento) da renda. “Sendo impe-nhorável o salário, não pode a instituição financeira se valer do contrato deadesão para legitimar a apreensão do integral saldo da conta corrente ban-cária para pagamento de dívida. É responsabilidade de o credor aferir ascondições de solvabilidade de quem vai tomar o empréstimo.”106

No julgamento do recurso nº 2008.700.021081-8,107 ocorrido em02/06/2008, também pelo Conselho Recursal dos Juizados Cíveis doTribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, limitou-se o desconto emfolha em 30%,108 com relevo para o seguinte trecho da decisão: “A autora

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106 Conselho Recursal dos Juizados Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Recurso nº2009.700.010025-0, Juíza Relatora Juíza Carla Silva Corrêa.

107 Conselho Recursal dos Juizados Estaduais Cíveis do Rio de Janeiro, Recurso nº 2008.700.021081-8, JuízaRelatora Karenina David Campos de Souza e Silva.

108 Enunciado 59, do FONAJE: “Admite-se o pagamento do débito por meio de desconto em folha de paga-mento, após anuência expressa do devedor e em percentual que reconheça não afetar sua subsistênciae a de sua família, atendendo sua comodidade e conveniência pessoal”.

308 Roberta Barcellos Danemberg

Page 321: Felipe Borring - Juizados Especiais Civeis

deve e quer pagar, mas os fatos reais de sua vida a impedem de cumprir oinicialmente contratado, já que mais da metade do valor que recebe a títu-lo de salário está sendo retido pelo réu”. No presente caso, foram aplicadosos artigos 6º, inciso V e 51, § 1º, inciso III, da Lei nº 8.078/90, por entendero magistrado ser “esta lei de ordem pública e interesse social (art. 1º)”, con-ferindo-lhe o poder “de rever o contrato afastando o pacta sunt servanda, efazendo prevalecer o princípio do equilíbrio contratual mais de acordo coma moderna função social dos contratos (art. 421, CC)”.

Esses julgamentos apontam para a possibilidade de se tutelar o supe-rendividado no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, sendo frágil a tese quesustenta haver complexidade da causa.109

Felizmente, na ação revisional, terá o consumidor oportunidade dequestionar as situações acima expostas tanto em contrato vigente, quantono já extinto ou que tenha sido objeto de novação.110

Destarte, fica aberta a possibilidade de o consumidor superendividadoformular pedido para: 1) renegociar as suas dívidas; 2) propor novo parce-lamento com maior prazo; 3) obter um período de carência que lhe permi-ta retomar o pagamento das dividas; 4) reduzir os encargos. Em algunscasos, o credor pode até perdoar parcialmente o débito.

Entretanto, quando o consumidor superendividado possuir diversoscredores a ação revisional terá alcance reduzido, pois a demanda propostaficará restrita ao(s) contrato(s) firmado(s) somente com um deles. O que,apesar de não ser impeditivo para a continuidade da ação, não proporciona-rá oportunidade para uma negociação tão ampla como poderia ser se feitaem conjunto com os demais credores.

Tal realidade reafirma a importância de se definir tratamento diferen-ciado ao consumidor superendividado, preferencialmente com a criação de

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109 Sem razão a decisão do Conselho Recursal dos Juizados Estaduais Cíveis do Rio de Janeiro, ao julgar oRecurso nº 2009.700.010905-8, em 12/03/2009, reformou a sentença que havia limitado o desconto a30% do salário do autor, por entender “que a causa é incompatível com a estrutura sistêmica dos juiza-dos especiais cíveis, pois no desdobramento lógico da sentença imporá uma forma executória que éincompatível com o sistema da Lei nº 9.099/95”.

110 O STJ reafirmou seu posicionamento sobre o tema ao julgar o Recurso Especial nº 947.587 em 18/12/08,DJe 04/02/2009: “É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido da possibilidade de revisão judicialde contratos já extintos pelo pagamento ou objeto de novação”.

309Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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Juizados Especiais específicos para cuidar das situações de superendivida-mento, com estímulo à conciliação e com condições de promover audiên-cias conjuntas entre o consumidor e seus credores. Além de possuir umcorpo multidisciplinar de profissionais das áreas jurídica, financeira e com-portamental, para oferecer suporte amplo àquele que se sente, muitas vezes,excluído e envergonhado diante da sua situação de superendividamento,conforme se constatou no Projeto-piloto: “tratamento das situações desuperendividamento do consumidor”.111

Por tais razões, a proposta de Juizados especializados em superendivi-damento mostra-se cada vez mais urgente e necessária.

8. Considerações finais

A tutela do superendividado constitui direito fundamental (art. 5º,XXXII, CRFB) e encontra na dignidade humana o seu fundamento. Apesarde o Código de Defesa do Consumidor não conter regras específicas sobre osuperendividamento, é possível fazer uso de inúmeras normas para defen-der o consumidor superendividado, como as que tratam da presunção devulnerabilidade, boa-fé, direito à informação etc.

Apesar da previsão legal da Política Nacional de Relações de Consu-mo112 o governo não parece preocupado em promovê-la com a eficácianecessária, deixando de colocar em execução projetos educacionais quepoderiam reduzir o nível de endividamento da população.

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111 KÁREN RICK DANILEVICZ BERTONCELLO e CLARISSA COSTA DE LIMA, “Adesão ao ProjetoConciliar é Legal – CNJ, Projeto-piloto: ‘tratamento das situações de superendividamento do consu-midor’”, in:http://www.escoladamagistratura.com.br/superendividamento/projeto_piloto/Artigo%20Berlim%20Projeto %20Piloto%20-%20portugues (acessado em 16/04/2009).“... a primeira dificuldade enfrentada na sua execução está ligada ao estigma sofrido pelo consumidorsuperendividado, que não raras vezes demonstrava grande constrangimento em assumir as dificuldadesde pagamento, bem como em declarar a totalidade de seus credores e o respectivo montante das dívi-das. Houve casos, por exemplo, em que o consumidor declarou apenas um credor, no momento quepreencheu o formulário, encorajando-se somente na semana posterior a retornar ao Fórum para ainclusão dos demais credores que havia omitido. Frente a situações como estas, identificamos a neces-sidade do atendimento ser prestado individualmente em ambiente separado a fim de preservar a inti-midade dos relatos.”

112 CDC, arts. 4º e 5º.

310 Roberta Barcellos Danemberg

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Como é notório, os consumidores são atraídos cada vez mais pelas faci-lidades de crédito, incentivados pelo próprio governo que, mesmo diante deuma crise econômica de proporção mundial, promove campanha publicitá-ria “para incentivar o consumo de bens e serviços no mercado interno”,cujo mote é “o mundo aprendeu a respeitar o Brasil e o Brasil confia nosbrasileiros”. A premissa adotada é a de que se cada um que tem emprego erenda deixar de consumir por medo do futuro, a crise de fato se instalarácom mais força na economia brasileira.

Sobre as notícias econômicas negativas, que vêm ocupando os jornais,o atual Presidente da Republica, Luiz Inácio Lula da Silva, foi incisivo: “Nãoleiam, o Brasil não vai parar”, garantiu o presidente aos 36 ministros pre-sentes na reunião ministerial.113

Nesta linha, não se pode negar a importância do trabalho destinado aorientar juridicamente e prevenir a formação de novos consumidores supe-rendividados. Imprescindível é a realização de um projeto que socorra osconsumidores que já se encontram na situação de superendividamento,quer seja da iniciativa do Poder Executivo Federal – embora demonstreestar mais interessado em incitar o crédito –, quer seja da iniciativa dosoutros Poderes, que poderão, talvez em conjunto, elaborar um modelo deJuizado Especial dedicado a promover a proteção do superendividado atra-vés da preservação da dignidade da pessoa humana (princípio fundamentalprevisto na Constituição Federal) e cumprimento efetivo das normas dedefesa do consumidor.

Por fim, a proposta de um atendimento especializado poderá propor-cionar maior celeridade e efetividade, com profissionais envolvidos notema e com o mesmo propósito.

9. Referências bibliográficas

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113 Reportagem de Leonardo Attuch e Denize Bacoccina, “Abriram o guarda-chuva”, in: Revista Isto é Di-nheiro (http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/583/imprime117743.htm, acessado em 16/04/09).

311Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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317Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbitodos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais

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VIJuizados Especiais Cíveis

e o Poder Público

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13Da Criação de Juizados Especiais para

as Causas que Envolvam Estados,Distrito Federal e Municípios

Marcia Cristina Xavier de Souza

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da competência privativa e concorrente dos Estados para leg-islar sobre Juizados Especiais. 3. Da necessidade de norma específica. 4. Da ausência denorma emanada do Poder Legislativo. 4.1. Da ausência de norma nacional. 4.2. Da ausên-cia de norma estadual. 5. Da ausência de norma emanada pelo Poder Judiciário. 6. Con-clusão. 7. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, criados pela Lei nº 9.099/1995,trouxeram, a uma parcela da população alijada da solução de conflitos, apossibilidade de sua resolução por meios céleres e gratuitos, informais. Como advento dos Juizados Especiais Federais, através da Lei nº 10.259/2001,essa possibilidade se estendeu às questões que envolviam os entes federais.

Contudo, questões que envolvem os entes públicos estaduais, distritaise municipais ainda são levadas à solução pelos meios tradicionalmente pre-vistos no direito processual comum, criando desigualdades não só entre osjurisdicionados, mas entre os entes públicos.

Mais do que discutir eventual necessidade de criação de órgãos especí-ficos para a solução de tais conflitos, o objetivo desse trabalho é, a partir dasexperiências dos dois órgãos já existentes e da competência legislativa pre-vista na Constituição Federal, analisar qual ente federado seria o competen-te para sua criação.

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2. Da competência privativa e concorrente dos Estados paralegislar sobre Juizados Especiais

Com relação à competência legislativa, assim dispõe a ConstituiçãoFederal: a) a União tem a competência privativa para legislar sobre proces-so (art. 22, inc. I); b) a União, os Estados e o Distrito Federal têm compe-tência concorrente para legislar sobre criação, funcionamento e processodos juizados de pequenas causas (art. 24, inc. X) e sobre procedimentos emmatéria processual (art. 24, inc. XI); c) União e Estados deverão criar juiza-dos especiais com competência para causas cíveis de menor complexidade(art. 98, inc. I).1

Entre 1988 e 1995 vigorava a Lei nº 7.244/1984, que regulamentava osjuizados de pequenas causas, mas inexistiam regras sobre os juizados espe-ciais cíveis, somente criados pela Lei nº 9.099/1995. Neste interregno algunsEstados, com base na determinação do inc. I, do art. 98, da Constituição,instituíram seus próprios juizados especiais cíveis.

Foram eles: Bahia (Lei nº 6.371, de 18/03/1992), Ceará (Lei nº 11.898,de 30/12/1991, revogada pela Lei nº 11.934, de 14/04/1992), Mato Grosso (Leinº 6.176, de 18/01/1993), Mato Grosso do Sul (Lei nº 1.071, de 11/07/1990),Paraíba (Lei nº 5.466, de 26/09/1991), Piauí (Lei nº 4.376/1991), Rio Grandedo Sul (Lei nº 9.442, de 03/12/1991), Santa Catarina (Lei nº 8.151, de22/11/1990, revogada pela Lei Complementar 77, de 12/01/1993 e pela Lei1.141, de 25/03/1993), Sergipe (Lei nº 2.900, de 23/11/1990) e Tocantins(Lei nº 38, de 08/05/1989).

A maioria dessas leis foi posteriormente revogada, quando entrou emvigor a Lei nº 9.099/1995. Outras, contudo, apenas sofreram alterações a fimde se adaptar à lei federal.

No Estado da Bahia, a Lei nº 6.371/1992 criou Juizados de PequenasCausas e Especiais, estes com competência para questões de trânsito e deconsumidor. Já os Juizados de Pequenas Causas tinham um elenco de cau-

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1 Para uma análise mais detalhada da competência legislativa da União, Estados e Municípios, ver MarciaCristina Xavier de Souza. “A competência constitucional para legislar sobre processo e procedimentos”,in Revista da Faculdade de Direito Candido Mendes, nº 13, 2008, p. 119-138.

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sas cujo valor limitava-se aos 20 (vinte) salários mínimos, envolvendo ques-tões de direito patrimonial disponível. Esta lei definiu regras de legitimida-de ativa e passiva, até mesmo em contrariedade à Lei nº 7.244/1984, a qualfazia menção.2

O Estado do Ceará criou, através das Leis nº 11.898/1991 e 11.934/1992,Juizados Especiais de Pequenas Causas, cuja competência era definida naLei nº 7.244/1984.3 O mesmo se deu no Estado do Tocantins, que, atravésda Lei nº 38/1989, criou os Juizados de Pequenas Causas com competênciapara causas elencadas na mesma lei federal.4

O Estado da Paraíba, pela Lei nº 5.466/1991, criou Juizados Especiaisde Pequenas Causas, aos quais denominou de Juizados Especiais Cíveis, comcompetência para o julgamento e a execução das causas previstas no art.275, do Cód. de Proc. Civil (em sua redação original).5

No Estado do Sergipe, a Lei nº 2.900/1990, criou os Juizados Especiaisde Pequenas Causas, na forma prevista no art. 98, inc. I, da ConstituiçãoFederal e na Lei nº 7.244/1984.6

A Lei nº 9.442/1991, do Estado do Rio Grande do Sul, instituiu JuizadosEspeciais e de Pequenas Causas Cíveis, para as causas cíveis de menor com-plexidade, sem, contudo, defini-las.7

A Lei nº 1.071/1990 instituiu, no Estado do Mato Grosso do Sul, osJuizados Especiais Cíveis e Criminais, com competência para julgar e exe-

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2 BAHIA. Casa Civil. Lei nº 6.371/1992. Disponível em: <http://www2.casacivil.ba.gov.br>. Acesso em26/04/2008.

3 CEARÁ. Assembléia Legislativa. Leis nº 11.898/1991 e 11.934/1992. Disponível em: <http://www.al.ce.gov.br/legislativo/leis.php>. Acesso em 26/04/2008.

4 TOCANTIS. Assembléia Legislativa. Lei nº 38/1989. Disponível em: <http://www.al.to.gov.br>. Acessoem 26/04/2008.

5 PARAÍBA. Assembléia Legislativa. Lei nº 5.466/1991. Disponível em: <http://www.al.pb.gov.br> Aces-so em 26/04/2008. Como a lei também instituiu Juizados Criminais, criando, no âmbito destes, umrecurso, o seu art. 59 foi declarado inconstitucional, conforme decisão proferida pelo Tribunal Pleno doSupremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 71.713-6 PB, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em26/10/1994 (disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 22/04/2008).

6 SERGIPE. Assembléia Legislativa. Lei nº 2.900/1990. Disponível em: <http://www.al.se.gov.br/legisla-cao_estadual.asp> Acesso em 26/04/2008.

7 RIO GRANDE DO SUL. Assembléia Legislativa. Lei nº 9.442/1991. Disponível em: <http://www.al.rs.gov.br/legis>. Acesso em 26/04/2008.

323Da Criação de Juizados Especiais para as Causas queEnvolvam Estados, Distrito Federal e Municípios

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cutar as mesmas causas previstas na redação original do art. 275, do Cód. deProc. Civil.8

A Lei nº 4.376/1991 criou, no Estado do Piauí, Juizados EspeciaisCíveis e Criminais, com competência para julgar quaisquer causas cíveis devalor de até 20 (vinte) salários mínimos e as causas elencadas no art. 275,inc. II, do Cód. de Proc. Civil, nos mesmos valores.9

A Lei nº 6.176/1993 (posteriormente alterada pela Lei nº 6.490/1994),do Estado do Mato Grosso, criou Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Suacompetência incluía julgamento e execução das causas que envolvessemdireitos patrimoniais disponíveis em geral, além de questões de direito defamília e de direito das sucessões, todas elas limitadas ao valor de até 20(vinte) salários mínimos. Foi criado um procedimento executório próprio,em muito parecido com o da Lei nº 9.099/1995.10

A lei matogrossense foi a única a ter sua inconstitucionalidade parcial-mente declarada, pois definiu que as causas referentes a alimentos eram dacompetência dos Juizados Especiais (art. 9º, inc. IV, da Lei nº 6.176/1993,alterada pela Lei nº 6.490/1994). A declaração foi incidental, no julgamen-to do HC 75.308-6.11

O Estado de Santa Catarina foi o mais fértil em leis no período com-preendido entre a Constituição de 1988 e a regulamentação dos JuizadosEstaduais em 1995. Foram quatro leis, sendo que três delas foram objeto de

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324 Marcia Cristina Xavier de Souza

8 MATO GROSSO DO SUL. Assembléia Legislativa. Lei nº 1.071/1990. Disponível em: <http://www.tj.ms.gov.br/legislacao/juizados.asp> Acesso em 26/04/2008. A lei também instituiu Juizados EspeciaisCriminais e, por ter definido os crimes a serem julgados pelo órgão, teve a inconstitucionalidade de seuart. 69 declarada pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, através do HC 74298-0, rel. Min.Maurício Correa, j. em 27/09/1996 (disponível em: <http://www.stf.gov.br> Acesso em 24/04/2008).

9 PIAUÍ. Tribunal de Justiça. Lei nº 4.376/1991. Disponível em: <http://www.tjpi.jus.br/tjpi/-uploads/leis/ordinarias/lo_4376.pdf>. Acesso em 20/06/2008.

10 MATO GROSSO. Tribunal de Justiça. Lei nº 6.176/1993, alterada pela Lei nº 6.490/1994. Disponívelem: <http://www.tj.mt.gov.br>. Acesso em 26/04/2008.

11 O paciente fora condenado ao pagamento de prestações alimentícias, sendo determinada sua prisão nocurso da execução da sentença. Apesar de a lei ser anterior à Lei nº 9.099/1995, entenderam osMinistros pela inconstitucionalidade do dispositivo que concedia aos Juizados Especiais matogrossensescompetência para questões alimentares (art. 9º, inc. IV, da Lei nº 6.176/1993), não só por violação dacompetência legislativa da União, mas porque mesmo a Lei nº 7.244/1984 (que à época da condenaçãoainda vigia) não continha tal competência (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 75.308-6 MT,Tribunal Pleno. Rel. Min. Sydney Sanches, j. 18/12/1997, disponível em: <http://www.stf.gov.br>.Acesso em 03/05/2008).

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ADI. Em regra, as leis catarinenses foram as mais detalhadas, não só na defi-nição de procedimentos, mas, até mesmo de regras de direito processual.

Pela Lei catarinense nº 8.151/1990 foram instituídos os JuizadosEspeciais de Causas Cíveis.12 As matérias de sua competência abrangiam ascausas que seguiam o procedimento sumário, de acordo com a redação ori-ginal do art. 275, inc. II, do Cód. de Proc. Civil (observe-se que não haviavalor máximo definido para as causas), entre outras, bem como procedi-mentos cautelares de natureza não jurisdicional. Contudo, este rol não erataxativo, pois tinha o Tribunal de Justiça poder para ampliá-lo ou reduzi-lo.

Tanto o processo como o procedimento previstos nessa lei se destaca-vam em relação à Lei nº 7.244/1984 e ao Cód. de Proc. Civil. Por tal moti-vo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil moveu umaAção Direta de Inconstitucionalidade, em que solicitava a suspensão da efi-cácia de alguns dos artigos da lei catarinense.

Em seu voto o relator, Min. Paulo Brossard, afirmou que apesar daquestão ser da maior relevância, havia que se considerar que: a) não estavade todo configurado o limite da competência de cada ente federado, “tantomais quanto versa sobre matéria que, desde 1934, foi imputada à União e sóa ela”; b) por outro lado, “é preciso considerar que a Constituição de 88abriu uma fresta que não havia a partir de 34 até 88, do Estado poder dis-por sobre a forma de medidas de caráter procedimental, temas que eramconfiados totalmente ao legislador federal”.13

Em 1993, foi promulgada a Lei Complementar nº 77, que revogou a Leinº 8.151/1990.14 Por esta lei foram criados os Juizados de Pequenas Causas,competentes para causas de valor entre 05 (cinco) e 20 (vinte) salários míni-mos, questões individuais sobre direito do consumidor e execução de títu-los extrajudiciais dentro do valor acima. Também foram criados os Juizados

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325Da Criação de Juizados Especiais para as Causas queEnvolvam Estados, Distrito Federal e Municípios

12 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Lei nº 8.151/1990. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br/jur/legis.htm>. Acesso em 26/04/2008.

13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC 795-5 SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, j.05/11/1992, disponível em <http://www.stf.gov.br> Acesso em 19/04/2008. A decisão foi pelo indeferi-mento da ação, uma vez que a suspensão da eficácia da lei (ainda que parcial), decorridos mais de dois anosde início do funcionamento dos Juizados, traria “grandes e evidentes repercussões de ordem prática”.

14 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Lei Complementar nº 77/1993. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br/jur/legis.htm>. Acesso em 26/04/2008.

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Especiais Cíveis, com competência para julgamento e execução das causasenumeradas no art. 275, inc. II, do Cód. de Proc. Civil, ações de despejo, deregistro público e de adjudicação compulsória de imóvel, todas sem defini-ção de valor.

A criação de um recurso por esta lei foi declarado inconstitucional nojulgamento do AI-AgR 253.518-9 SC, que teve por relator o Min. MarcoAurélio.15

Os dispositivos da Lei Complementar nº 77/1993 foram integralmentereproduzidos na Lei nº 1.411/1993.16 Esta lei foi objeto de Ação Direta deInconstitucionalidade nº 1035-2 SC, através da qual o Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil pediu a declaração de inconstitucionalida-de de diversos artigos da lei, com a suspensão da sua eficácia. O relator,Min. Carlos Velloso, reproduziu o voto proferido pelo Min. Paulo Brossard,com relação às dúvidas quanto à matéria e no sentido do prejuízo que umatal decisão poderia produzir após anos de entrada em funcionamento dosórgãos da Justiça Catarinense.17

Desta breve exposição, algumas considerações podem ser tiradas comrelação às leis estaduais elaboradas no período compreendido entre 1988 e1995, quando os Estados puderam exercer sua competência legislativasupletiva em relação aos Juizados Especiais.

Em regra, as leis estaduais reproduziram dispositivos da Lei nº7.244/1984 ou do art. 275, do Cód. de Proc. Civil, ainda que denominassemos órgãos como juizados especiais.

Os Estados não identificaram diferenças entre os Juizados de PequenasCausas e os Juizados Especiais. De modo geral, os legisladores estaduaisentenderam que, se a Lei nº 7.244/1984 não os compelia a criarem os Juiza-dos de Pequenas Causas, o art. 98, inc. I, da Constituição Federal, por seuturno, impunha a obrigatoriedade da instituição do órgão, inclusive

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326 Marcia Cristina Xavier de Souza

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI-AgR 253518-9 SC, 2ª Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, j.09/05/2000, disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/04/2008.

16 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Lei nº 1.411/1993. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br/jur/legis.htm>. Acesso em 26/04/2008.

17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC 1035-2 SC, Tribunal Pleno. Rel. Min. Paulo Brossard, j.01/08/1994, disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/04/2008.

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ampliando-lhe a competência para execução de causas cíveis e julgamentode causas criminais.18 Esta visão contrariava a posição do Supremo TribunalFederal, já definida no voto paradigmático do Min. Paulo Brossard, profe-rido na ADI-MC 1.127-8:

“por Juizados Especiais de Pequenas Causas se compreendem osórgãos judiciários instituídos antes da Constituição de 1988,pela Lei nº 7.244/84, com alçada jurisdicional determinada pelovalor patrimonial da lide e absolutamente desprovidos de com-petência na esfera criminal. Os Juizados Especiais são institui-ções aludidas pelo art. 98, I, da Constituição, cuja competênciacível é determinada pela menor complexidade da causa semconsiderar o seu valor... Logo, há que se reconhecer, induvido-samente, que a nova Lei abarcou a competência do JuizadoEspecial de Pequenas Causas, ressaltando-se que essa institui-ção não foi abolida do nosso ordenamento jurídico, haja vista odisposto no art. 24, X, da Constituição.”19

Nas raras vezes em que o legislador estadual fez uso da competêncialegislativa supletiva que detinha, terminou por invadir a competência pri-vativa da União para legislar sobre processo. Esta assertiva, contudo, mere-ce ser melhor aprofundada.

A competência privativa da União é para legislar sobre processo,incluindo, aqui, o processo dos Juizados Especiais. A competência da Uniãoé concorrente com os Estados e o Distrito Federal para legislar sobre proce-dimentos em matéria processual e sobre criação, funcionamento e processodos Juizados de Pequenas Causas.

Ora, os Juizados Especiais Cíveis e os Juizados de Pequenas Causas nãosão o mesmo órgão da Justiça Estadual. Enquanto os primeiros têm porcompetência questões de menor complexidade, sem qualquer preocupação

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18 Em outras palavras, a Constituição Federal teria criado Juizados de Pequenas Causas cuja instituiçãoseria obrigatória, mas denominando-os Juizados Especiais.

19 ADI-MC DF, nº 1.127-8, j. em 29/06/2001. Disponível em: <www.stf.gov.br>, acessado em 10/04/2008.

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com seu valor, os segundos têm no valor da causa seu parâmetro, ainda queas causas apresentem alguma complexidade.

Então, nada impede que os Estados, exercendo sua competência legis-lativa supletiva, regulamentem integralmente a criação, o processo e o fun-cionamento dos Juizados de Pequenas Causas, uma vez que inexiste leinacional a respeito, que trate das respectivas normas gerais e desde que nãotenham a mesma competência e procedimento dos já existentes JuizadosEspeciais Cíveis.

E, como é da competência dos Estados a organização de sua Justiça(Constituição Federal, art. 125, caput), podem os mesmos manter as duas ins-tituições simultaneamente,20 como tentou fazer o Estado de Santa Catarina,através da Lei nº 1.141/1993.

O Supremo Tribunal Federal nunca enfrentou diretamente o proble-ma da eventual inconstitucionalidade das leis estaduais, salvo nos casos cri-minais. Na única oportunidade em que declarou inconstitucional normacivil, fê-lo incidentemente, no curso do julgamento de um HabeasCorpus.21 A Corte firmou jurisprudência no sentido de que fica prejudica-da qualquer ação de inconstitucionalidade se, para o julgamento de seumérito, houver necessidade de comparar normas infraconstitucionais.

É importante a reprodução da decisão proferida na ADI-AgR 1035-2,de relatoria do Min. Carlos Velloso:

“A lei nova, Lei Federal 9.099, de 1995, revogou a Lei 7.244/84,afastando, também, as normas estaduais que, no tema, dispu-nham de forma contrária. A presente ação, portanto, está pre-judicada, dado que, repete-se, as disposições da lei objeto daação, que esteja em desacordo com nova lei federal, estão afas-

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20 José Eduardo Carreira Alvim, in Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (org.). Lei dos JuizadosEspeciais Cíveis e Criminais comentada e anotada, p. 10.

21 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 75.308-6 MT, Tribunal Pleno. Rel. Min. Sydney Sanches. j.18/12/1997. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 03/05/2008. O paciente, condenadoao pagamento de alimentos, não cumpriu a decisão, pelo que, em execução de sentença, foi determina-da a sua prisão. Ao impetrar Habeas Corpus atacando a decisão, alegou, incidentemente, a inconstitu-cionalidade do inc. IV do art. 9º da Lei nº 6.173/1993, que instituiu os Juizados Especiais no Estado doMato Grosso com competência para julgar ações alimentares.

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tadas. É dizer, há uma nova ordem infraconstitucional, quenecessita ser examinada antes do exame da questão constitucio-nal, o que prejudica a ação direta de inconstitucionalidade.”22

Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, apesar do voto do Min.Paulo Brossard, vem entendendo que não há qualquer diferença entre osJuizados de Pequenas Causas e os Juizados Especiais Cíveis. Assim, com arevogação da Lei nº 7.244/1984 e o advento da Lei nº 9.099/1995, ficam osEstados proibidos de legislar sobre ambos os Juizados, salvo se suas normasestiverem de acordo com os dispositivos da Lei de Juizados Especiais.23

As razões que levaram a esta sinonímia identificada pelo SupremoTribunal Federal encontram-se nas disposições das duas leis supramencio-nadas: como a Lei nº 9.099/1995, em termos de Processo de Conhecimento,pouquíssimo inovou em relação à Lei nº 7.244/1984, fica a impressão de queabsorveu, no tocante ao valor da causa, a competência desta.

No entanto, é exatamente a denominação anterior e a reprodução dosdispositivos da revogada lei na nova que levam a este equívoco: não existeuma definição das pequenas causas apenas para aquelas cujo valor seja demenor monta. A bem da verdade, esta definição vem da interpretação lite-ral feita a partir das disposições da Lei nº 7.244/1984. E o que os intérpretestêm feito equivale a um repristinamento:24 são pequenas causas tão somen-te aquelas cujos valores estão dentro de um determinado teto e que digamrespeito a direitos patrimoniais.25

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22 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-AgR 1035-2 SC, Tribunal Pleno. Rel. Min. Carlos Velloso, j.26/05/1997, disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/04/2008. Nem mesmo a argumen-tação posterior da entidade autora, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que reite-rou, em Agravo Regimental, o pedido de julgamento da inconstitucionalidade da lei, foi suficiente paramodificar o entendimento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

23 Veja-se a decisão do RE 273.899-9 SC, j. 29/03/2001, cujo relator Min. Sepúlveda Pertence afirmou: “aomenos quando se trate de tais causas [definidas pelo valor], é inequívoco que a lei federal unificou otratamento das duas instituições, de modo a admitir, em igual medida, a legislação complementar esta-dual com relação ao respectivo processo” (disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em28/04/2008).

24 “Repristinatório diz propriamente respeito à eficácia de certa regra, já posta à margem, e que se revigo-rou, direta ou indiretamente.” (De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico, vol. III e IV. Verbete: repris-tinatório, p. 106).

25 Art. 3º da Lei nº 7.244/1984.

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Com este fator limitador, causas outras que não as previstas na Lei nº9.099/1995, de valores até mesmo abaixo dos 40 (quarenta) salários míni-mos e que versem sobre direitos de família, por exemplo, não podem serresolvidos em um Juizado de Pequenas Causas, por que este termo só é apli-cável às causas previstas na revogada Lei nº 7.244/1984.

Mas nada impede a criação de um órgão da Justiça Estadual, compe-tente pelo valor da causa, por exemplo, para as ações que sejam da conve-niência de cada Estado e do Distrito Federal, sem que necessariamentesejam obedecidos as regras e critérios da revogada Lei nº 7.244/1984. Essascausas, então, poderiam ser consideradas pequenas para fins de competên-cia do órgão.

E, independentemente de valor, são de menor complexidade as causasque tenham por objeto relações controvertidas que dispensam meios proba-tórios complexos e que, em seu procedimento, dispensem, total ou parcial-mente, incidentes processuais que levem a sua dilação.26

Outro entendimento contraria o disposto no inc. X, do art. 24, bemcomo o art. 125, da Constituição Federal.

Verifica-se, pois, que o legislador estadual tem competência para acriação de Juizados de Pequenas Causas, no que tange a seus processo e pro-cedimentos, e pode legislar sobre o procedimento dos Juizados EspeciaisCíveis, posto serem dois órgãos distintos da Justiça Estadual.

Porém, como conciliar (se possível a conciliação) essas assertivas coma criação dos Juizados Especiais para o Poder Público Estadual, Distrital eMunicipal?

Preliminarmente, contudo, uma indagação merece uma resposta: con-siderando-se a existência de duas normas que já regulamentam os JuizadosEspeciais, uma para relações privadas (Lei nº 9.099/1995) e outra para asrelações que envolvem a Fazenda Pública Federal (Lei nº 10.259/2001), aprimeira sendo aplicada subsidiariamente à segunda, haveria necessidadede elaboração de uma norma específica para a regulamentação dos JuizadosEspeciais Públicos?

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26 André Luiz Nicolitt. A duração razoável do processo, p. 78-79.

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3. Da necessidade de norma específica

A Lei nº 10.259/2001 regulamenta os Juizados Especiais que têmcomo parte uma pessoa jurídica de direito público, que neste processo nãomantém seus privilégios processuais, mas que segue, subsidiariamente, osdispositivos criados para dirimir litígios entre particulares pela Lei nº9.099/1995.

Se a Lei dos Juizados Federais se utiliza subsidiariamente da Lei dosJuizados Especiais, por que não poderia a Lei nº 9.099/1995, com algumasalterações, se utilizar subsidiariamente da Lei nº 10.259/2001 e se aplicaraos Juizados da Fazenda Pública?

Esta é a posição de LUÍS FELIPE SALOMÃO, que entende que a Lei nº10.259/2001 revogou o art. 8º, da Lei nº 9.099/1995, no que tange à proibi-ção de pessoas jurídicas de direito público serem partes, quando a Lei nº10.259/2001 entrou em vigor, não apenas por força do princípio lex poste-rior derogat lex priori (art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução), mas também emobediência aos princípios da isonomia e do devido processo legal.27

Ou, em uma perspectiva mais sistemática, que a criação dos JuizadosEspeciais Federais (a partir da Emenda Constitucional nº 22/1999 e da Leinº 10.259/2001) teria derrogado a Lei nº 9.099/1995, no que tange à possi-bilidade de atuação das pessoas jurídicas de direito público estaduais emunicipais nos processos que correm na justiça especial. E também teriaintroduzido o pagamento dos seus débitos de menor valor por meios outrosque não o precatório, corroborado pelo disposto no art. 87, do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias.28

Da mesma forma, não são razoáveis os projetos de lei que alteram acompetência (Projeto de Lei nº 1.003/2003)29 ou a legitimidade para atuar

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331Da Criação de Juizados Especiais para as Causas queEnvolvam Estados, Distrito Federal e Municípios

27 Luís Felipe Salomão. “Algumas observações quanto aos reflexos cíveis da Lei dos Juizados EspeciaisFederais sobre a Lei nº 9.099/95”, in Revista da EMERJ, nº 26, p. 275.

28 Álvaro Couri Antunes Sousa. “Acesso à justiça e a participação das pessoas jurídicas de direito públiconos Juizados Especiais”, in Fábio Costa Soares. Acesso à justiça: segunda série, p. 27-29.

29 Conforme o projeto de Lei nº 1.003/2003, do Deputado Carlos Nader, ou o projeto de Lei nº 2.521/2007(BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 01/06/2008).

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nos Juizados Especiais Cíveis (Projeto nº 3.763/2000),30 para permitir que osentes públicos não federais sejam partes nos Juizados Especiais Estaduais.

A mera alteração da competência ou da legitimidade nos JuizadosEspeciais Estaduais para permitir que litígios que envolvam as FazendasPúblicas Estaduais, Distritais ou Municipais possam neles ser resolvidos nãoé solução.

Mantidos seriam os privilégios processuais, por ausência de expressadeterminação legal. Eles só foram abolidos do processo em que a União éparte porque a lei assim o determinou. O argumento, em que pese pare-cer simplista e positivista, encontra respaldo nos contra-argumentos favo-ráveis à manutenção dos privilégios processuais e que foram apresentadosno item 1.1.2.

Fortes são as justificativas para a existência dos privilégios proces-suais da Fazenda Pública em juízo e já de longa data vêm sendo expendi-dos. E sequer a necessidade de observância das garantias da isonomia, daceleridade processual, da tutela jurisdicional efetiva e do devido proces-so legal são suficientes para contrapor os argumentos favoráveis aos pri-vilégios da Fazenda Pública, posto que são utilizados a seu favor para ajustificativa.

Assim, sem que, ao menos, se modificasse o procedimento especial daLei nº 9.099/1995, a mudança se mostraria desprovida de eficácia, pois emnada alteraria a situação da Fazenda Pública, no que tange aos seus privilé-gios processuais.31

O que não é recomendável é que se faça, na nova lei, uma mera cópiados dispositivos das referidas leis, ou uma adaptação tosca. Não são as regrasde uma ou de outra lei que se poderão aproveitar para disciplinar o proces-so e o procedimento dos Juizados Especiais para a Fazenda Pública Estadual,Distrital ou Municipal, mas o sistema como um todo.

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30 De acordo com o projeto de Lei nº 3.763/2000, do Deputado Ricardo Fiúza. (BRASIL. Câmara dosDeputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em 01/06/2008).

31 Existem fortes argumentos para justificar os privilégios da Fazenda Pública em juízo, mas sua manuten-ção fere a garantia da isonomia frente a outras pessoas no processo. Se a União, nos Juizados Especiais,não conta com tais privilégios, mas são mantidos para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios emórgãos idênticos, troca-se uma violação de isonomia por outra.

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4. Da ausência de norma emanada do Poder Legislativo

Nos tópicos anteriores, tentou-se identificar as competências legislati-vas das pessoas públicas para legislar sobre processo e procedimentos.

Todavia, uma celeuma ainda subsiste em relação ao processo envolven-do as questões da Fazenda Pública Estadual, Distrital e Municipal: da manei-ra como estão estruturados os Juizados Especiais Estaduais e os Federais (prin-cipalmente este último) com relação ao valor da causa, poder-se-ia entenderque talvez não tenha sobrado muito espaço para a criação de Juizados dePequenas Causas, se o critério de sua competência for o valorativo, nos mes-mos moldes em que se assentaram as doutrina e jurisprudência dominantes.

E, por que levar-se em consideração o critério do valor da causa comodefinidor do órgão a ser criado para o julgamento e a execução das questõesque envolvam os Estados, o Distrito Federal e os Municípios?

Um dos mais importantes avanços dos Juizados Especiais Federais é o danão necessidade de pagamento por precatório dos valores dentro do teto doórgão, no caso, 60 (sessenta) salários mínimos (art. 17 da Lei nº 10.259/2001).

Já a Constituição Federal, no art. 87 e incisos do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias, permite que sejam considerados como depequeno valor, para fins de liberação de pagamento por precatório (art. 100,§ 3º), débitos abaixo de 40 (quarenta) salários mínimos, para as FazendasPúblicas dos Estados e do Distrito Federal, e de 30 (trinta) salários mínimos,para as Fazendas Públicas dos Municípios, enquanto cada ente federado nãodefinir valores outros em suas respectivas leis.

Assim, tem-se que um futuro Juizado para as causas da FazendaPública Estadual, Distrital e Municipal só terá efetividade, no que concer-ne ao acesso à justiça e à celeridade, se uma eventual condenação em quan-tia certa da Fazenda Pública ré não depender de precatório para ser cum-prida.32 E, para que tal ocorra, as causas a serem nele ajuizadas devem limi-tar-se ao teto legalmente definido.

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333Da Criação de Juizados Especiais para as Causas queEnvolvam Estados, Distrito Federal e Municípios

32 Não se pode esquecer, também, da igualdade das partes: se aquele que litiga em face da União, nosJuizados Especiais Federais, pode receber seu crédito sem ter que se submeter à fila dos precatórios, porque a pessoa que for vitoriosa em litígio em face do Estado, do Distrito Federal e do Município deveráser tratada de maneira diferente?

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Por outro lado, se forem criados Juizados Especiais Cíveis para causasde menor complexidade cível, sem limite de valor, o pagamento de quantiaao qual for condenada a Fazenda Pública Estadual, Distrital e Municipalpoderá ultrapassar o limite constitucional, impossibilitando a rápida solu-ção da causa.

Então, eventual diferença entre os Juizados de Pequenas Causas e osJuizados Especiais Cíveis está em que naqueles o valor da causa é o pontodeterminante de sua competência, enquanto nestes é a menor complexida-de das causas. E a posição que se adota neste trabalho é a da distinção entreos dois órgãos, como já ficou exposto anteriormente.

Porém, não é a denominação o que importa na estruturação dosJuizados de que trata o presente trabalho, posto ser indubitável a necessida-de da criação do órgão que envolva as matérias que tenham por partes aFazenda Pública Estadual, Distrital ou Municipal, sejam elas de pequenovalor ou de menor complexidade. No entanto, a definição da espécie deórgão é importante, na medida em que poderá definir se a competência parasua instituição é da União ou dos Estados e do Distrito Federal.

Se forem Juizados Especiais, incumbe à União legislar privativamentesobre o seu processo e sobre as normas gerais de seu procedimento, enquan-to os Estados e o Distrito Federal legislarão sobre os procedimentos, no quetoca às suas peculiaridades locais (conforme art. 98, inc. I, art. 22, inc. I, eart. 24, inc. X, da Constituição). Caso sejam Juizados de Pequenas Causas,incumbe à União legislar sobre as normas gerais sobre o processo e o pro-cedimento, restando aos demais entes federados a legislação sobre os mes-mos temas, mas dentro de suas peculiaridades (art. 24, inc. XI).

Destarte, cumpre verificar a quem incumbiria creditar a ausência detal norma? Ao Congresso Nacional ou às respectivas Assembléias Legis-lativas? E como se poderia suprir a lacuna?

4.1. Da ausência de norma nacional

Tanto os Juizados de Pequenas Causas quanto os Juizados Especiais seconstituem em processos diferenciados do processo regulado pelo Códigode 1973 e não apenas procedimentos especiais em relação ao procedimento

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ordinário codificado. Tal se dá porque em ambos os Juizados existem regrasespecíficas com relação à capacidade das partes, ao registro de atos proces-suais, ao sistema probatório, à quebra da divisão rígida entre processos deconhecimento, de execução e cautelar, ao sistema de impugnação de deci-sões judiciais etc.33

Diante de tal assertiva, fica clara a competência da União para legislarem ambos os casos (art. 22, inc. I, e art. 24, inc. XI, da Constituição Federal).O que modifica, nesta competência legislativa, é seu caráter privativo ouconcorrente, conforme o caso concreto.

Os Juizados de Pequenas Causas foram criados a partir de lei ordinária(Lei nº 7.244/1984). Já a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Federaisse deu por força de determinação constitucional (art. 98, inc. I e § 1º, doqual derivaram as Leis nºs 9.099/1995 e 10.259/2001). No caso destes últi-mos Juizados, a determinação constitucional era desnecessária, mas foi umaconsequência da Carta de 1988, que tem como característica ser detalhistana definição de suas garantias.

A mera análise comparativa das duas leis instituidoras dos JuizadosEstaduais, 7.244/1984 e 9.099/1995, corrobora a assertiva acima. A segundalei é uma repetição dos comandos da anterior, acrescida do procedimentoexecutório e do processo criminal. E nem se poderia argumentar que a pri-meira lei nasceu sob a égide de uma ordem constitucional anterior (Cons-tituição de 1967/1969), menos preocupada com as garantias fundamentaisda pessoa: apesar da atual Carta ter sido mais contundente nessa proteçãopraticamente nada havia na Lei das Pequenas Causas que colidisse com osditames da Constituição de 1988.34

Os Juizados para as Fazendas Públicas Estadual, Distrital e Municipaltambém independem de determinação constitucional. A uma, porque adeterminação prevista no art. 98, inc. I e § 1º, já serve como norma geral(do ponto de vista constitucional) para a criação dos supracitados órgãos. A

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33 Cândido Rangel Dinamarco, Manual das Pequenas Causas, p. 2.34 Por exemplo, em ambas as leis os critérios orientadores são os mesmos: “oralidade, simplicidade, infor-

malidade, economia processual e celeridade” (art. 2º das Leis nºs 7.244/1984 e 9.099/1995).

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duas, porque como órgãos da Justiça Estadual não precisam se submeter aotrâmite legislativo que uma Emenda Constitucional exige.35

Em verdade, somente uma Constituição tão detalhista como a promul-gada em 1988 poderia ter se preocupado em estabelecer como garantia deacesso à justiça (bem como de celeridade e de igualdade das partes) a cria-ção de um processo e de um órgão específicos pela Justiça Estadual. A sim-ples afirmação de existência dessa garantia, com a promulgação de leinacional (como, aliás, já o era quando da Lei nº 7.244/1984), observados oslimites constitucionais da competência legislativa da União, seria suficien-te para a criação dos Juizados.36

Destarte, nenhum dos Juizados Especiais já criados, ou por serem even-tualmente criados, dependem de alteração constitucional para a sua existência.

Como afirmado, a criação dos atuais Juizados Especiais CíveisEstaduais e Federais independia de determinação constitucional. Aindaassim, foi com base nela que se deu sua instituição. Seguindo esta linha deraciocínio, também os Juizados Especiais para o Poder Público Estadual,Distrital e Municipal independem de determinação constitucional paraserem criados.

Contudo, considerando-se o comando do art. 98, da ConstituiçãoFederal, em seus inc. I e § 1º, que determinam a criação dos dois Juizadosatuais, não seria o caso de entender-se que este comando também poderiaser estendido aos outros Juizados? Ou seja, não estaria o legislador nacionalobrigado a criar os Juizados da Fazenda Pública Estadual, Distrital eMunicipal? Se afirmativa a resposta, considerando-se a mora legislativa,poder-se-ia fazer uso de medidas judiciais para suprir esta omissão?

À primeira das indagações impõe-se a resposta afirmativa. Uma vezque a Constituição determinou que fossem criados Juizados Especiais comcompetência para resolver questões cíveis de menor complexidade (art. 98,inc. I), não há justificativa para que certas relações jurídicas envolvendo os

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35 Destarte, a proposta de Emenda à Constituição apresentada pelo Deputado Décio Lima, em 2007, por-tanto, é, no mínimo, desproporcional em relação aos fins que deseja alcançar (vide Anexo 01).

36 Outro não é o entendimento de Celso Ribeiro Bastos, uma vez que uma eventual lacuna constitucionalpode configurar apenas uma opção do constituinte, ao deixar a questão para que o legislador infracons-titucional dela se incumba (Hermenêutica e interpretação constitucional, p. 55).

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Estados, o Distrito Federal, os Municípios e outras pessoas também não pos-sam ser consideradas de menor complexidade para fins de solução pelosJuizados. Em verdade, a não criação dos referidos Juizados demonstra a vio-lação da garantia da isonomia (conforme o item 1.1.3.).

O principal obstáculo foi superado com a criação dos Juizados Espe-ciais Federais: a impossibilidade de o ente público transacionar.37 Ultra-passado também foi o óbice relativo à forma de pagamento dos débitos daFazenda Pública, posto que, em sendo de pequeno valor, o pagamento far-se-á diretamente, sem necessidade de precatórios.38

Como a regulamentação dos Juizados Especiais, seja de Pequenas Cau-sas ou Especial Cível, envolve legislar sobre direito processual, incumbe àUnião definir o processo dos Juizados da Fazenda Pública Estadual, Distritale Municipal (art. 22, inc. I, da Constituição Federal). Como se verá no pró-ximo capítulo, as regras do Cód. de Proc. Civil e das duas leis que atualmen-te regem os Juizados, Estaduais e Federais, devem ser aproveitadas (aindaque não integralmente), não só que se refere ao direito processual. Tambémdevem ser aproveitadas as regras gerais para o procedimento a ser eventual-mente observado (art. 24, inc. XI, da Carta Magna).

E, por força da tradição constitucional brasileira, que sempre incum-biu ao Congresso Nacional a tarefa de legislar sobre praticamente quasetodas as matérias, mesmo quando não fossem de interesse apenas nacionalou federal, e pelas razões acima expendidas, os senadores e deputados vêmapresentando projetos de lei para que sejam criados os Juizados da FazendaPública Estadual, Distrital e Municipal.39

Com isto, fica afastada eventual alegação de mora do legislador nacio-nal, uma vez que a competência para legislar sobre processo, seja dos Juiza-dos Especiais ou dos Juizados de Pequenas Causas, é da União, sendo neces-sário compatibilizarem-se as duas normas reguladoras do processo no siste-ma dos Juizados Especiais Cíveis.

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37 Art. 10, parágrafo único, da Lei nº 10.259/2001. 38 Arts. 100 da Constituição Federal e 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.39 Alguns desses projetos de lei ou propostas de Emenda à Constituição até o momento apresentados, este-

jam ou não em tramitação, estão disponíveis em: <http://www.camara.gov.br>.

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Outro argumento contrário à alegação de eventual mora legislativa nacriação dos Juizados é que não se pode definir o momento em que os parla-mentares nela teriam sido constituídos, pois não há qualquer determinaçãolegal no sentido de instituição dos órgãos e do processo especial, ao contrá-rio do que se deu com os precedentes.40-41

No caso, o que caracterizaria a mora legislativa do congressista seria aquebra da igualdade das partes, desde quando foram criados os JuizadosFederais. Se, quando a União é parte, têm as pessoas uma justiça gratuita,informal, célere e com possibilidade de se obter solução conciliatória erecebimento de valores sem grandes obstáculos procedimentais, por quenão poderia se dar o mesmo quando os outros entes federados estivessemenvolvidos em idênticas situações? A violação da isonomia não se dá apenasem relação às pessoas que litigam contra as Fazendas Públicas, mas tambémentre elas. Sendo de menor valor ou de menor complexidade a causa, qualjustificativa se teria para que a União rapidamente resolvesse seus litígios,enquanto Estados, Distrito Federal e Municípios ficassem submetidos a pro-cedimentos mais delongados em causas idênticas?

Assim, por força dessas considerações, não haveria como compelir olegislador nacional a criar lei instituidora dos Juizados Especiais da FazendaPública Estadual, Distrital e Municipal, conforme se verifica também pelasrazões abaixo.

A Constituição Federal de 1988 dispõe de um remédio a ser utilizadosempre que o legislador (ou administrador) se omitir na regulamentação desuas normas, impossibilitando que se tornem efetivas as garantias constitu-cionais. Trata-se da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão(art. 103, § 2º), através da qual o Supremo Tribunal Federal afirma que háinconstitucionalidade quando o legislador (ou administrador) se omite noseu dever de tornar efetiva norma constitucional.

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40 Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que a Constituição de 1988 determinou serem criados pelaUnião e pelos Estados, somente vieram a lume em 1995. Já os Juizados Federais, cuja criação foi deter-minada através da Emenda Constitucional nº 22/1999, somente foram instituídos em 2001.

41 Para que fique caracterizada a inércia legislativa, é necessário que haja imposição constitucional, “desdeque definida em norma certa e determinada” (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE. A fiscalização abstratade constitucionalidade no direito brasileiro, p. 220-221).

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A inconstitucionalidade por omissão pode ser absoluta, quando hácompleta ausência de norma infraconstitucional, ou parcial, quando anorma é imperfeita ou insatisfatória.42 No caso sub examine, a inexistênciade norma criadora dos Juizados da Fazenda Pública Estadual, Distrital eMunicipal, quando a Constituição determina a criação de Juizados Especiaispara causas cíveis de menor complexidade (inclusive para os casos em quea União for parte), poderia configurar uma inconstitucionalidade por omis-são parcial.

O legislador infraconstitucional até o momento não cumpriu com seudever de legislar sobre os Juizados da Fazenda Pública Estadual, Distrital eMunicipal. A Constituição erige como algumas de suas garantias funda-mentais a igualdade entre as pessoas (art. 5º, inc. I) e a razoável duração doprocesso (art. 5º, inc. LXXVIII). A criação de Juizados Especiais Cíveis eCriminais e de Juizados Especiais Federais, sem que fossem criados os res-pectivos juizados para as questões em que os Estados, o Distrito Federal e oMunicípio são partes fere as referidas garantias constitucionais e, portanto,demonstra a inércia legislativa.43

Entretanto, somente se pode considerar o legislador em mora quandoeste, efetivamente, deixa de cumprir o seu dever de legislar ou quando o fazde forma incompleta. Não se caracteriza, destarte, a mora legislativa quan-do os órgãos legislativos estão em processo de deliberação sobre projetos delei apresentados para suprir a lacuna ou corrigir a incompletitude.44

E, como afirmado acima, diversos projetos de lei já foram apresentadosno sentido de criação dos Juizados da Fazenda Pública Estadual, Distrital eMunicipal, ainda que alguns deles se resumam a modificar a redação do

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42 Gilmar Ferreira Mendes. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e naAlemanha, p. 289-290.

43 Em sentido contrário, Flávia Piovesan, para quem “a omissão constitucional está relacionada à exigên-cia concreta de ação contida nas normas constitucionais” (Proteção judicial contra omissões legislati-vas, p. 91).

44 Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de DireitoConstitucional, p. 1130. Outra não foi a decisão proferida no julgamento do Mandado de Injunção nº715-DF, que objetivava a declaração de mora legislativa do Congresso Nacional pela não regulamenta-ção do inc. LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal (garantia da duração razoável do processo). Aexistência de projetos de lei em votação, a fim de regulamentar o dispositivo constitucional demonstra-va a ausência de inertia deliberandi, a ensejar a procedência da ação (relator Min. Celso de Mello, j. em25/02/2005, disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 03/05/2008).

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caput do art. 8º, da Lei nº 9.099/1995, a fim de permitir que pessoas jurídi-cas de direito público possam ser partes nos Juizados Especiais Cíveis.

Em resumo, apesar de incumbir à União a competência de legislarsobre o processo dos Juizados da Fazenda Pública Estadual, Distrital eMunicipal, esta omissão já se encontra suprida pelas regras processuais exis-tentes nas Leis nºs 9.099/1995 e 10.259/2001. E, ad argumentadum, se asatuais normas porventura ainda se apresentarem como insuficientes para osatisfatório cumprimento do comando constitucional, a atuação do legisla-dor infraconstitucional, que vem deliberando sobre o tema, impede qual-quer manifestação judicial no sentido de compeli-lo a tal.45

4.2. Da ausência de norma estadual

Os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente com aUnião para legislar sobre procedimentos em matéria processual, esta atra-vés da criação das normas gerais e aqueles através do estabelecimento dasnormas específicas que irão atender às suas peculiaridades locais. Caso aUnião não estabeleça as normas gerais, têm os demais entes competêncialegislativa supletiva, podendo estabelecer normas gerais que atenderão suasnecessidades locais, até que a União supra sua omissão, legislando sobre aquestão (art. 24 e parágrafos da Constituição Federal).

Essa novidade da atual Carta Magna (competência legislativa concor-rente e supletiva dos Estados e do Distrito Federal) não tem sido bem apro-veitada ou compreendida tanto pelo Poder Legislativo quanto pelo PoderJudiciário.

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45 Mesmo porque a decisão em eventual ação direta de inconstitucionalidade por omissão somente servi-ria para declaração da mora do órgão legiferante. Ainda que contenha caráter mandamental, a decisãonão compele o órgão desidioso a cumprir com seu dever e tampouco tem uma eficácia que se substitui-ria ao ato não praticado (Gilmar Ferreira Mendes. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de nor-mas no Brasil e na Alemanha, p. 290). Neste sentido, a decisão na ADI 3682-MT, relator Min. GilmarMendes, j. 09/05/2007, em que o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a mora legislativa, impôsum prazo de 18 (dezoito) meses para seu suprimento sem, contudo, determinar sanção para seu des-cumprimento ou alternativa para o jurisdicionado em caso de persistência da mora (disponível em:<http://www.stf.gov.br>. Acesso em 26/03/2008).

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Entre 1988 e 1995 (datas de promulgação da Constituição e de entradaem vigor da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), alguns Estados,aproveitando-se da inércia do legislador nacional, fizeram uso de sua com-petência legislativa supletiva e criaram seus próprios Juizados Especiais,ainda que, por vezes, nominando-os como Juizados de Pequenas Causas.46

Quando a Lei nº 9.099/1995 entrou em vigor, revogando a Lei nº7.244/1984, todas as leis estaduais que continham regras contrárias à leifederal perderam sua eficácia, total ou parcialmente. Algumas dessas leisestavam sendo objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidade e, em re-gra, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisões em dois sentidos: a) jul-gou parcialmente inconstitucionais leis estaduais que criavam juizados depequenas causas com competência criminal47 e; b) considerou prejudicadasas ações, por depender o julgamento da constitucionalidade da norma esta-dual da análise da constitucionalidade da lei federal.48 Ao mesmo tempo, asdecisões também se fundamentavam, implicitamente, na inexistência dediferenças entre os Juizados de Pequenas Causas e os Juizados EspeciaisCíveis, contrariando entendimentos anteriores.49

Os Estados que já haviam instituído seus Juizados Especiais preferiramrevogar as leis e submeter as novas normas às regras da Lei nº 9.099/1995sem, contudo, aproveitar para legislar sobre questões locais específicas sobreprocedimentos. O máximo a que se chegou foram as determinações de cará-ter organizacional do Poder Judiciário estadual. No restante, as leis estaduaisque criaram os Juizados Especiais são meras reproduções da lei federal.

Desta forma, as sucessivas decisões do Supremo Tribunal Federal e atimidez legislativa das Assembléias estaduais levaram os Estados-membrosa não insistirem na regulamentação dos Juizados Especiais, perdendo a

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341Da Criação de Juizados Especiais para as Causas queEnvolvam Estados, Distrito Federal e Municípios

46 Para maiores detalhes, reportamo-nos ao item 2.47 O Supremo Tribunal Federal havia firmado seu entendimento, a partir do voto do Min. Paulo Brossard,

no sentido de que a diferença entre os juizados de pequenas causas e os juizados especiais cíveis residia,entre outros aspectos, na inexistência de competência para julgamento de questões penais por parte doprimeiro órgão (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC DF, nº 1.127-8, Tribunal Pleno, j. em29/06/2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 10/04/2008.).

48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-AgR 1035-2 SC, Tribunal Pleno. Rel. Min. Carlos Vellosso, j.26/05/1997. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 19/04/2008.

49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 273.899-9 SC, Tribunal Pleno. Rel. Min. Sepúlveda Pertence,j. 29/03/2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 28/04/2008.

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oportunidade de fazerem valer a novidade constitucional, que é a sua com-petência legislativa concorrente e a supletiva.

Com relação aos Juizados da Fazenda Pública Estadual, Distrital eMunicipal, por se tratarem de órgãos com competência para pequenas cau-sas, ainda que se dê especial ênfase na diminuição da complexidade do pro-cesso, para garantir a sua duração razoável, não há qualquer diferença noque toca à competência concorrente para sobre eles legislar: o processo e osprocedimentos devem ser genericamente regulamentados pela União eespecificamente por cada Estado-membro e pelo Distrito Federal.

No momento em que a União não cria os Juizados Especiais da FazendaPública Estadual, Distrital e Municipal, devem os Estados criar as normasprocedimentais específicas que servirão como normas gerais até que sejasuprida a omissão legislativa com a edição de lei nacional. O processo dosreferidos Juizados, como visto, já está regulado pelas normas das Leis nºs9.099/1995 e 10.259/2001.

Algumas questões de ordem jurídica e prática, contudo, exsurgem apartir das assertivas acima: a lei, estadual, instituidora dos Juizados para aFazenda Pública Estadual, Distrital e Municipal, não poderia ferir a compe-tência legislativa municipal para definir os valores máximos a serem pagossem necessidade de precatório. Caso infringisse essa competência, suainconstitucionalidade seria flagrante.50

Como os Municípios não dispõem de um Poder Judiciário próprio,51-52

a lei estadual deve atentar para as realidades de cada municipalidade, nota-damente no que se refere a sua capacidade financeira.

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50 O art. 87, inc. II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias permite aos Municípios, atravésde lei de iniciativa de sua Câmara de Vereadores, determinar esse valor máximo.

51 Gabriel de Oliveira Zéfiro sugeriu que fosse criada uma justiça municipal, formada por juízes eleitos,com competência para questões de vizinhança, consumidor e trânsito, desde que limitados ao teto de40 (quarenta) salários mínimos e ausentes a produção de provas e a alta indagação jurídica (“JuizadosEspeciais Municipais com juízes eleitos – uma proposta”. Revista da EMERJ, nº 14, p. 100-102).

52 Em 2004 foi apresentado projeto de Emenda Constitucional, de iniciativa do Deputado Carlos Mota, que,acrescentando um inciso III ao art. 98, criava “os Juizados Municipais, providos por juizes togados, outogados e leigos, eleitos por voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competênciapara, na forma da lei, conciliar, julgar e executar as causas cíveis decorrentes das aplicações da legislaçãomunicipal, da prestação de serviços públicos da municipalidade”. Também o art. 92 seria alterado, com aintrodução do inc. VIII, que criaria os Juizados Municipais. A proposta foi posteriormente arquivada.(BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em 29/03/2008).

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Esta questão remete a outra de maior abrangência, e não menor impor-tância: em relação aos Municípios, eventual lei estadual regulamentando osprocedimentos dos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual,Distrital e Municipal seriam equiparados a normas gerais para aqueles entesfederados. Considerando-se que eles têm peculiaridades, mas também con-siderando-se que, até o presente momento, as normas estaduais não atenta-ram para estas questões municipais, seria este o momento de fazê-lo oumanter-se a tradição jurídica brasileira?53

5. Da ausência de norma emanada pelo Poder Judiciário

A lei de organização judiciária de cada Estado-membro é de iniciativados respectivos Poderes Judiciários (art. 125, § 1º, da Constituição Federal).Incumbe, então, aos respectivos Tribunais de Justiça definir quais órgãos ointegrarão, bem como a competência de cada um deles (art. 96, inc. II, d, daConstituição Federal).

Esta atribuição do Poder Judiciário estadual já vinha do Código deProcesso Civil que, em seu art. 91, dispõe ser a competência pelo valor epela matéria regida pelas normas de organização judiciária, tendo esta dis-posição sido recepcionada pela atual Carta Magna.54

Desta forma, uma eventual falta de iniciativa das AssembléiasLegislativas estaduais não pode servir como empecilho para a criação devaras especializadas para causas de menor complexidade cível, em que figu-rem como partes os Estados e os Municípios.55

Estas varas atuariam como Varas de Fazenda Pública especializadaspelo valor da causa, de acordo com o permissivo constitucional (quarentasalários mínimos para as questões estaduais e trinta salários mínimos paraas questões municipais)56 ou os valores definidos pelas leis elaboradas pelosrespectivos entes federados.

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53 Por não ser esta a sede adequada, não serão enfrentadas tais questões.54 Athos Gusmão Carneiro. Jurisdição e competência, p. 63.55 A criação de tais órgãos já havia sido sugerida por Cristina Tereza Gaulia, sem, contudo, definir a com-

petência para sua instituição (Juizados Especiais Cíveis: o espaço do cidadão no Poder Judiciário, p. 166).56 Art. 87 e parágrafos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

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Seu único diferencial em relação às Varas de Fazenda Pública“comuns” seria o valor da causa, posto não ter o Poder Judiciário competên-cia para definir procedimentos. Contudo, em sendo superada a inércialegislativa dos poderes competentes, as varas então existentes poderiam seradaptadas para funcionar como os Juizados da Fazenda Pública.

6. Conclusão

Há necessidade da criação de Juizados Especiais para a solução de ques-tões que envolvam os entes públicos estaduais, distritais e municipais.Enquanto os cidadãos que litigam em face da União têm acesso a uma jus-tiça gratuita, célere, informal, os demais têm que buscar a justiça comumquando, em causas semelhantes, têm como adversários o Estado, o DistritoFederal ou o Município.

Essa situação também cria uma desigualdade entre os entes federados:enquanto a União soluciona mais rapidamente seus conflitos, abrindo mãode seus privilégios processuais, como o prazos processuais diferenciados,reexame necessário de decisões que lhe são desfavoráveis, impossibilidadede transação por seus procuradores ou pagamento de suas dívidas sem pre-catórios, os outros entes ainda deles se beneficiam em causas idênticas.

Por tais motivos, urge que tais Juizados sejam criados. Entretanto, nãohá que se descuidar das normas constitucionais que determinam a compe-tência legislativa dos Estados e do Distrito Federal para tanto. É hora de seabandonar a tradição legislativa brasileira que concentrava no CongressoNacional a edição de todas as leis, ainda que não federais, sob pena de seeditarem leis inconstitucionais, por invasão de competência legislativa.

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345Da Criação de Juizados Especiais para as Causas queEnvolvam Estados, Distrito Federal e Municípios

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14Os Juizados Especiais Federais Cíveis

sob a Ótica do Acesso à JustiçaAndré da Silva Ordacgy

SUMÁRIO: 1. Premissas básicas sobre o Acesso à Justiça. 2. O Acesso à Justiça nos JuizadosEspeciais Federais. 3. Características dos Juizados Especiais Federais Cíveis e alguns As-pectos Polêmicos da Lei nº 10.259/01. 4. Referências Bibliográficas.

1. Premissas básicas sobre o Acesso à Justiça

Em que pese o intenso discurso dos pensadores jurídicos sobre a pro-blemática do acesso à justiça, e que, hodiernamente, vem aumentando deforma considerável, a expressão “acesso à justiça” ainda continua a ser dedifícil definição. Mas se por um lado permanece a dificuldade ou a comple-xidade da conceituação, por outro resta evidente as suas finalidades basila-res para o sistema jurídico. E são os juristas CAPPELLETTI e GARTH,1 semdúvida alguma os maiores teóricos sobre o assunto, que indicam as finalida-des do acesso à justiça:

A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difí-cil definição, mas serve para determinar duas finalidades bási-cas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podemreivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspí-cios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessí-vel a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejamindividual e socialmente justos (...). Sem dúvida, uma premissa

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1 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 08.

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básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nos-sas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo.

Avançando na conceituação de Acesso à Justiça, que recebe tratamen-to constitucional como cláusula pétrea positivada no inc. XXXV, do art. 5º,da CR/1988, tem-se a preciosa lição de Kazuo Watanabe, reproduzida porGRINOVER:2

A idéia de acesso à justiça não mais se limita ao mero aces-so aos tribunais. Nas palavras lapidares de Kazuo Watanabe, nãose trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto insti-tuição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.E, segundo o mesmo autor, são dados elementares desse direito:o direito à informação; o direito à adequação entre a ordem jurí-dica e a realidade sócio econômica do país; o direito de acesso auma justiça adequadamente organizada e formada por juízesinseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo derealização da ordem jurídica justa; o direito a pré-ordenação dosinstrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutelados direitos; o direito à remoção dos obstáculos que se antepo-nham ao acesso efetivo à justiça com tais características.

O acesso à justiça, portanto, deve levar em consideração o entendi-mento do caráter coletivo que deve direcionar o ordenamento jurídico, deforma a assegurar um sistema processual em que seja garantida a maiorigualdade possível entre os litigantes (grau máximo de oportunidades paraambos litigantes), não se considerando quaisquer fatores extrajurídicos quepossam gerar vícios na prestação da tutela jurisdicional (desigualdades eco-nômicas, de cor, de sexo, de nacionalidade, dentre outras).

A realidade vivenciada pelos Juizados Especiais Cíveis, sob o procedi-mento sumaríssimo instituído pelas Leis nºs 9.099/95 e 10.259/01, exige umanova mentalidade sobre os conceitos jurídicos de efetividade e instrumentali-

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2 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em evolução. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 115.

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dade do processo; de interesse coletivo e de bem público; bem como reclamaainda reformas legislativas urgentes a propiciar efetivo acesso à justiça. Nessediapasão, citamos novamente CAPPELLETTI e GARTH,3 para concluir:

Originando-se, talvez, da ruptura da crença tradicional naconfiabilidade de nossas instituições jurídicas e inspirando-seno desejo de tornar efetivos – e não meramente simbólicos – osdireitos do cidadão comum, ela exige reformas de mais amploalcance e uma nova criatividade. Recusa-se a aceitar como imu-táveis quaisquer procedimentos e instituições que caracterizamnossa engrenagem de justiça.

2. O Acesso à Justiça nos Juizados Especiais Federais

Assim, para melhor tratar do significativo acesso à justiça propiciadopelo advento da Lei nº 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Fe-derais Cíveis, é necessário sejam antes tecidas algumas considerações sobreo surgimento de juizados para julgamento de causas de menor valor econô-mico, seu histórico evolutivo e sua importância para a concretização do efe-tivo acesso à justiça nas esferas estadual e federal.

Seguindo uma tendência universal do processo civil, no sentido de for-mação de microssistemas jurídicos cada vez mais especializados em dadoramo ou matéria do direito, operando dentro do sistema jurídico maior, éque surgiram os Juizados Especiais de Pequenas Causas, com o advento daLei nº 7.244, de 07/11/84, como proposta de solução para a inadequação daestrutura das vias ordinárias do Poder Judiciário brasileiro em solucionar,com rapidez e efetividade, os pequenos litígios de caráter individual e dereduzido valor econômico.

Entretanto, os Juizados de Pequenas Causas não lograram pleno êxitoem seus escopos, talvez devido a uma estreita e errônea visão política, quea enxergava, pejorativamente, como uma “justiça menor”, de pouca monta,

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3 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Ob. cit., p. 08.

349Os Juizados Especiais Federais Cíveis sob a Ótica do Acesso à Justiça

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não recebendo por isso a devida importância, restando evidente o descasode diversos estados-membros da Federação em implantá-los ou mesmo apa-relhá-los adequadamente, visto que a criação desses juizados era de caráterfacultativo (art. 1º da Lei nº 7.244/84).

Outro fator de desestímulo talvez fosse a competência por demaisestreita desses juizados (art. 3º, de I a III, da Lei nº 7.244/84), restrita a cau-sas cujo valor não excedesse a vinte salários mínimos, limitando-se a con-denação ao pagamento de dinheiro, à entrega de coisas certas móveis ou aocumprimento de obrigações de fazer nas relações de consumo, sendo veda-da ainda a própria execução dos seus julgados, os quais deveriam ser leva-dos à sede da Justiça Ordinária, o que por si só já desestimulava o ajuiza-mento de ações nos juizados.

Apesar dos fatores contrários, pode-se dizer que os Juizados de Peque-nas Causas, no saldo geral, obtiveram boa aceitação popular, necessitandosomente de um certo aprimoramento. Dessa forma, o legislador decidiu darmelhor tratamento às causas de menor valor econômico e de menor com-plexidade, outorgando-lhes tratamento constitucional (arts. 24, X, e 98, I,da CR/1988), ampliando-lhes o objeto e procurando corrigir alguns dosdefeitos observados na experiência prática dos Juizados de Pequenas Causasda Lei nº 7.244/84.

Dessa forma, o art. 98 da novel Carta Magna estabeleceu a criação deJuizados Especiais Cíveis e Criminais, no âmbito da Justiça dos Estados, doDistrito Federal e dos Territórios, o que veio a se concretizar por meio daLei nº 9.099, de 26/09/95, que em seu art. 97, revoga a Lei nº 7.244/84,pondo fim à existência dos Juizados de Pequenas Causas. Observa-se que odispositivo constitucional inova até na terminologia, pretendendo mesmoinaugurar uma nova era no modelo de juizados de causas de reduzido valoreconômico.

A Lei nº 9.099/95 trouxe inovações substanciais não só em relação aosextintos Juizados de Pequenas Causas, mas a todo o sistema jurídico tradi-cionalmente conhecido no Brasil. Embora o direito criminal não corres-ponda ao objeto do presente artigo, restrito somente ao campo de atuaçãodos Juizados Especiais Cíveis, mas com a finalidade de melhor ilustrar asrelevantes inovações trazidas pela lei em tela, podemos citar o surgimento

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dos crimes de menor potencial ofensivo (arts. 60 e 61), a suspensão condi-cional do processo (art. 89 e §§), a composição dos danos civis em matériapenal (art. 72 e ss.) e a proposta de transação penal (art. 76 e §§), dentreoutros institutos jurídicos criminais inovadores.

Outrossim, não foram de menor relevância as alterações introduzidaspela Lei nº 9.099/95 no campo do direito processual civil, de forma que osJuizados Especiais Estaduais passaram a concretizar a ideologia de uma jus-tiça rápida e efetiva, mediante procedimento oral e sumaríssimo, de fácilacesso e voltada para a defesa dos direitos e interesses do cidadão comum,orientada pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, econo-mia processual e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação oua transação (art. 2º), permitido ainda o julgamento de recursos por turmasde juízes de 1º grau (art. 41, § 1º), o que desafoga os tribunais hoje tão asso-berbados de processos e assegura o direito fundamental do indivíduo deacesso à Justiça (art. 5º, XXXV).

A Lei nº 9.099/95 alterou o conceito de causa cível de menor valor eco-nômico, ao alterar o critério quantitativo (valor da causa) determinante dafixação de competência, que nos extintos Juizados de Pequenas Causas erade vinte salários mínimos, elevando-o para quarenta salários mínimos (art.3º, I), além de promover significativa modificação no critério qualitativo defixação de competência (ex.: os atuais Juizados têm competência para a açãode despejo do locatário, para uso próprio do locador, independente do valorda causa – art. 3º, III).

Associe-se a essas modificações no campo cível, outros fatores de gran-de importância dos juizados especiais da Lei nº 9.099/95, que proporciona-ram adequado acesso à justiça em favor do cidadão: a dispensa do pagamen-to de custas, taxas ou despesas processuais em primeiro grau de jurisdição,salvo em caso de recurso ou de litigância de má-fé (art. 54 e seu p.u. c/c oart. 55); e a faculdade de ser ou não assistido por advogado, nas causas devalor até vinte salários mínimos (art. 9º, caput).

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 22/1999 acrescentou oparágrafo único ao art. 98 da CRFB/1988, estabelecendo que vindoura leifederal disporia sobre a criação de juizados especiais no âmbito da JustiçaFederal, encerrando assim uma séria divergência existente sobre a aplicabi-

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lidade da Lei nº 9.099/95 na esfera do Judiciário Federal, defendida pormuitos juristas de escol.4 Entendiam estes que a melhor técnica legislativaaconselhava a criação de capítulos ou seções específicos na Lei nº 9.099/95,para tratar dos procedimentos próprios aplicáveis à Justiça Federal.Usavam, na defesa dessa tese, ao final vencida, a justificativa de que os jui-zados especiais (estaduais ou federais) eram vertentes da mesma e únicafonte constitucional (art. 98, I, CRFB/1988), além de serem fundados nosmesmos princípios gerais orientadores (oralidade em grau máximo, menorcomplexidade probatória, limitação valorativa e infrações de menor poten-cial ofensivo).

Os Juizados Especiais Federais vieram enfim a se concretizar por meioda Lei nº 10.259, de 12/07/01, cuja vigência em todo o território nacionalteve início seis meses após a sua publicação (prazo de vacatio legis), porforça do disposto em seu art. 27.

Pode-se dizer que é consenso a idéia de que os juizados especiais sãoum divisor de águas na história do Poder Judiciário brasileiro, com a ima-gem constantemente comprometida por um quadro de ineficiência e moro-sidade, marcada por um processo lento, formalista e elitista, de recursosinfindos, incapaz de atender a demanda social. Resta evidente, por conse-guinte, o descrédito do cidadão que se socorre da justiça comum ou ordiná-ria como a última porta aberta para a solução de seus problemas.

A Lei nº 10.259/01 representa um considerável avanço na prestação datutela jurisdicional, na medida que favorece uma grande parcela da popula-ção, notadamente a camada mais carente da sociedade, sem reais condiçõesde acesso à justiça no Poder Judiciário Federal. Inconteste a contabilizaçãodo aspecto social na elaboração dos juizados federais, servindo como panode fundo a fomentar o acesso à justiça ao hipossuficiente, questão essa res-saltada pelo Item 08 da Exposição de Motivos do Projeto de Lei que insti-tuiu os juizados federais (PL nº 3.999/00, também denominado “ProjetoCosta Leite”), ao opinar o então Ministro da Justiça José Gregori, relativa-

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4 Neste posicionamento, citem-se, por todos, João Carlos Pestana de Aguiar, Juizados Especiais Cíveis eCriminais – Teoria e Prática, Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 1998, p. 43; e o saudoso Júlio FabriniMirabete, Juizados Especiais Criminais, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 17.

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mente à legitimidade ativa nos juizados, pela “exclusão de entidades quenão se caracterizam como hipossuficientes, tendo em vista a finalidade pri-mordial da criação do Juizado”.

Sem dúvida que o primeiro beneficiado pela implantação dos juizadosfederais é o segurado da Previdência Social (INSS), cuja lide previdenciáriaacabava por se transformar em uma questão sucessória, tanto o tempo em quese arrastava o processo, vindo até a falecer o postulante. Com os juizadosfederais, o segurado passou a contar com uma justiça mais rápida e efetiva.

Tal benesse, representativa de verdadeiro acesso à Justiça, refletiu-se àépoca em expressivos números estatísticos oficiais: das 1,5 milhões de açõesprevidenciárias que tramitavam na Justiça Federal, mais de 80% tinhamvalor inferior ao teto máximo permitido pela Lei nº 10.259/01 (sessenta salá-rios mínimos), de forma que poderiam tramitar nos juizados federais. Em2001, o orçamento do Poder Executivo contemplou 40.752 precatórios devi-dos pelo INSS, sendo que desse total, 33.204 (81,5%) possuíam valor igual ouinferior a 60 salários mínimos, de forma que poderiam prescindir do sistemade precatórios se a Lei nº 10.259/01 já existisse àquela época. O mesmo seaplica aos precatórios da União como um todo, excluídos os do INSS: dos64.119 precatórios incluídos no orçamento de 2001, 53.295 (83%) possuíamcompetência pelo valor de causa para tramitar nos juizados federais.5

Portanto, resta inquestionável que a Lei nº 10.259/01 representou, defato, efetivo acesso à justiça em favor do jurisdicionado, consoante conti-nuam a demonstrar as estatísticas oficiais.

3. Características dos Juizados Especiais Federais Cíveis ealguns Aspectos Polêmicos da Lei nº 10.259/01

Naturalmente, por ser uma lei há muito aguardada como solução paradesafogar o Judiciário Federal, a Lei nº 10.259/01 trouxe em seu nascedou-ro uma série de questionamentos doutrinários, ainda mais se observarmosque estabeleceu um renque de institutos inovadores (mesmo se comparada

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5 MENDES, Gilmar Ferreira. Juizados Especiais Federais: o resgate de uma dívida social. Revista JurídicaConsulex, Brasília, DF, ano V, nº 114, out./2001, p. 66.

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com a moderna Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Estaduais),tais como: a possibilidade de se demandar o ente público (art. 6º, II); a sim-plificação dos procedimentos processuais para citação e intimação (arts. 7º e8º); a eliminação de prazos processuais diferenciados para o ente público (art.9º); a outorga de poderes ao representante do ente público, para conciliar,transigir e desistir da ação (art. 10, p.u.); a instituição de exame pericial emsede de juizados, com adiantamento dos honorários periciais por verba orça-mentária do próprio Tribunal (art. 12, § 1º); a desnecessidade da expedição deprecatório nas condenações com valor inferior a 60 salários mínimos, insti-tuindo-se um modelo mandamental de execução (art. 17 e seus §§).

Dessa forma, procura-se, nestas poucas linhas, esclarecer ao leitoralguns pontos críticos e aspectos controvertidos desta novel legislação (Leinº 10.259/01), pautando-se sempre pela premissa do acesso à justiça.

O art. 1º da referida Lei frustrou um pouco a doutrina, ao fixar a apli-cação subsidiária da Lei nº 9.099/95 nos casos em que for omissa, o que fazcom que alguns creditem ser este o pior defeito do citado diploma legal.6Perdeu o legislador uma excelente oportunidade de elaborar um texto pró-prio,7 enriquecido pela valiosa experiência prática de alguns anos de exis-tência dos juizados estaduais, ao preferir realizar uma inadequada adapta-ção da Lei nº 9.099/95 à realidade federal, o que vem gerando, pela análiseda casuística, vários problemas de integração interpretativa.8

Embora a lei seja omissa quanto à aplicação do Código de ProcessoCivil ao rito instituído pela Lei nº 10.259/01 (juizados federais), tendo emvista o seu caráter amplo e geral, entende-se pela sua aplicação subsidiária

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6 Por todos, o oportuno artigo de Felippe Borring Rocha, Notas Introdutórias sobre os Juizados EspeciaisFederais Cíveis. JurisPoiesis – Revista dos Cursos de Direito da Universidade Estácio de Sá, Rio deJaneiro, ano 4, nº 5, 2002, p. 164.

7 A Lei nº 10.259/01 pode ser considerada uma lei “pequena”, visto que contém somente vinte e sete arti-gos, dos quais os arts. 18 e 19, bem como os cinco últimos, tratam, praticamente, do atendimento àsnecessidades de organização dos serviços judiciários ou administrativos (instalação dos juizados; regu-lamentação da função de conciliador; limitação de competência em função dos interesses administrati-vos; promoção de cursos de aperfeiçoamento; dotação de infra-estrutura administrativa pelos TribunaisRegionais Federais; prazo de vacatio legis).

8 Já o processualista Alexandre Freitas Câmara entende pela interpretação integrada dos referidos diplo-mas legais, como se fossem uma só lei, defendendo a idéia de um Estatuto dos Juizados Especiais Cíveis(in Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais – Uma Abordagem Crítica. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2007, p. 208).

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para integrar lacunas existentes, não solucionadas pela Lei nº 9.099/95,desde que não desnature a celeridade e a oralidade do rito, nem tampoucoimplique em óbice ao acesso à justiça.

Porquanto o art. 2º da Lei em comento tenha por objeto matéria afetaao âmbito criminal, único motivo pelo qual não interessa aos objetivos dopresente estudo, passa-se à análise da competência cível (art. 3º, caput), aqual atribui aos juizados federais o processo, conciliação e julgamento dascausas federais que não excedam o valor correspondente a 60 (sessenta)salários mínimos, bem como a execução de suas sentenças.

Observe-se que o legislador andou bem ao estipular o teto dos juizadosfederais em sessenta salários mínimos, propiciando assim maior acesso àjustiça e atuando em perfeita consonância com a moderna conceituação dascausas de reduzido valor econômico, a qual vem se ampliando (vide o inc.I do art. 275, do CPC; também o § 5º do art. 100 da CR/1988).

O § 1º do art. 3º faz uma ressalva ao critério objetivo do valor da causa,vedando o processo e julgamento das causas cíveis (critério qualitativo) queconsistam em mandado de segurança; desapropriação; divisão e demarca-ção; ação popular; execução fiscal; improbidade administrativa; demandassobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;ações relativas a bens imóveis da União, autarquias e fundações públicasfederais; ações referentes à anulação ou cancelamento de ato administrati-vo federal (salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal); eas relativas à impugnação da pena de demissão imposta a servidor públicocivil ou de sanção disciplinar aplicada ao militar.

Enquanto que o § 2º do art. 3º da Lei adota o já consagrado entendi-mento legal e jurisprudencial relativo ao valor da causa nas prestações ven-cidas e vincendas (a soma de doze parcelas), a redação do § 3º (a qual fazprevisão da competência absoluta dos Juizados) foi extremamente infeliz,porque tão-somente preocupada em desafogar as instâncias ordinárias daJustiça Federal Comum. Tal dispositivo parece andar na contramão da men-talidade jurídica contemporânea, que é a de propiciar ao jurisdicionado omaior acesso à justiça possível através da opcionalidade de ritos (ordinário,sumário e especial), tal qual ocorre nos juizados estaduais, ainda mais seconsiderado que o contraditório e a ampla defesa encontram-se mitigados

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em sede de juizados, bem como a produção de provas, razão pela qual a sub-missão do jurisdicionado a este rito sumaríssimo deve ser espontânea.9 Estaé a lição de LEONARDO GRECO: 10

A tutela diferenciada abrange, ainda, os juizados especiaispara causas de menor complexidade, os juízes de paz e juízesleigos, e a adoção pela lei processual de procedimentos concen-trados de cognição sumária. É característica essencial da tuteladiferenciada a sua utilização opcional ou facultativa, pois mui-tos desses meios não se revestem das garantias habituais dosmagistrados ou não se prestam à ampla discussão de todas asmatérias de fato e de direito que poderiam ser alegadas numprocesso mais amplo.

Por outro lado, o legislador agiu acertadamente ao dispor sobre a pos-sibilidade do deferimento de medidas cautelares no curso do processo, deofício ou a requerimento das partes, para evitar dano de difícil reparação(art. 4º), sepultando de vez a discussão sobre o seu cabimento em sede derito especial dos juizados.11

O art. 5º, 1ª parte, da citada Lei, possibilita a interposição de recurso emface de decisão interlocutória que conceder ou indeferir medida cautelar,recurso este que é designado, pelo diploma processual civil, de agravo (art.522, CPC). Como a Lei nº 10.259/01 não lhe deu uma denominação especí-fica, a melhor técnica processual aconselha o uso da terminologia “recursoinominado”, a exemplo do que ocorre com o interposto contra sentença.12

Cumpre salientar que o recurso inominado em face de decisão quedefere ou não medida liminar, de forma alguma avilta o princípio informa-

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9 Alexandre Freitas Câmara entende pela inconstitucionalidade desse dispositivo (in Juizados EspeciaisCíveis Estaduais e Federais – Uma Abordagem Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 216).

10 GRECO, Leonardo. O Acesso ao Direito e à Justiça. JurisPoiesis – Revista dos Cursos de Direito daUniversidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, ano 7, nº 6, 2004, p. 65.

11 Em que pese a existência dessa controvérsia, na prática a medida cautelar já vinha sendo adotada no pro-cedimento dos juizados estaduais, mesmo sem expressa previsão da Lei nº 9.099/95. Cabe, igualmente,antecipação dos efeitos da tutela nos juizados especiais, por aplicação do princípio da fungibilidade.

12 Nos juizados federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a terminologia utilizada é “pedido de revi-são de decisão”.

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tivo da oralidade nos juizados, haja vista todas as demais decisões interlo-cutórias continuarem irrecorríveis, devendo prevalecer, in casu, o princípiomais amplo do acesso à justiça. Por exemplo, imagine-se o caso em que omagistrado indefira a liminar para imediato restabelecimento de benefícioprevidenciário bloqueado injustamente pela autarquia previdenciária(INSS) e que consista na única fonte de subsistência do segurado. Seriaextremamente injusto e penoso para o jurisdicionado que este aguardasseaté o final do processo para recorrer, devendo-se ressaltar, ainda, que o jul-gamento final de mérito pode ocorrer após mais de ano, devido à volumo-sa sobrecarga de feitos atualmente em trâmite nos juizados federais.

Portanto, o legislador acabou, sim, por prestigiar a oralidade (irrecor-ribilidade das decisões interlocutórias e concentração dos atos processuais),quando estabeleceu apenas uma única hipótese de interposição de recursoinominado em face de decisão interlocutória, evitando inclusive o desvir-tuamento do nobre instituto do mandado de segurança, o qual vem sendousado de maneira descabida na prática dos juizados estaduais.

Ao procurar privilegiar os princípios informativos da economia pro-cessual e da celeridade do procedimento, o art. 5º (in fine) termina porsuprimir o acesso à justiça quando dispõe que somente se admite recurso desentença definitiva, o que exclui as sentenças terminativas (extinção doprocesso sem resolução do mérito). Embora a sentença terminativa nãoobste o ajuizamento de nova ação nos juizados, a experiência prática temdemonstrado os graves prejuízos temporais e econômicos sofridos pelojurisdicionado quando da ocorrência de evidente erro judicial ou nos casosde sentença terminativa que indiretamente discuta o mérito, nem semprecorrigíveis pela via dos embargos declaratórios. Na prática forense, a juris-prudência vem procurando corrigir essas distorções.

Quanto à possibilidade de recurso adesivo, a Coordenadoria dos JuizadosEspeciais Federais no Estado do Rio de Janeiro emitiu o Provimento nº05/2002, que veda expressamente essa possibilidade no § 4º, do seu art. 8º. Asrazões que fundamentam esse posicionamento estão ancoradas no princípioda taxatividade (não há previsão legal para a sua interposição) e na ofensa aoprincípio da celeridade (constituiria, em tese, no retardo ou morosidade doprocesso). Entretanto, MARCELO DA FONSECA GUERREIRO, enfrenta

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bem essa questão, defendendo a possibilidade de recurso adesivo em sede dejuizados federais, pois o princípio da taxatividade só se aplica à recurso, e nãosobre a sua forma de interposição (que seria a adesiva). Quanto à celeridade,esta seria favorecida, ao contrário do que se pensa, pois não traria prejuízo aoregular andamento do processo e a aceitação de recurso adesivo desestimula-ria a interposição descabida de recursos nos juizados.13

Quanto à legitimidade das partes para compor a relação jurídica pro-cessual nos juizados federais (art. 6º da Lei nº 10.259/01), merece especialdestaque o pólo passivo (réu), ocupado pela União, autarquias, fundações eempresas públicas federais, por representar inovação de significativo aces-so à justiça.

Isso porque a Lei nº 9.099/95, que regula os juizados estaduais, acaboupor repetir disposição da revogada Lei nº 7.244/84 (extintos juizados depequenas causas), extremamente prejudicial aos reclames da sociedade e aoefetivo acesso à justiça, ao dispor em seu art. 8º, caput, que as pessoas jurí-dicas de direito público não poderiam ser partes nos juizados estaduais.Além disso, há expressa exclusão de competência para as causas de nature-za fiscal e de interesse da Fazenda Pública (art. 3º, § 2º, da Lei nº 9.099/95).

De modo inverso, a novel Lei nº 10.259/01, que instituiu os JuizadosEspeciais Cíveis Federais, dispõe que a União, suas fundações e autarquias,e as empresas públicas federais, poderão ser demandadas no processo regu-lado por essa lei (art. 6º, II) – o que demonstra a evolução da consciênciasócio-política do legislador quanto ao acesso à justiça e no que tange aosconceitos de Fazenda Pública e bem público.

O juiz federal RESINENDE DOS SANTOS, através da publicação de pri-moroso artigo14 sobre a implantação dos juizados federais, defende a inclusãodos entes públicos no polo passivo das causas de reduzido valor econômico,mesmo que o rito seja sumaríssimo, citando como exemplo negativo os juiza-dos estaduais. Acrescenta ainda que esse tipo de vedação não ocorre nos jui-

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13 GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Como Postular nos Juizados Especiais Federais Cíveis. Niterói-RJ:Impetus, 2007, pp. 125-128.

14 SANTOS, William Douglas Resinende dos. Juizados Especiais Federais – à beira do fracasso.Informativo ADV, Boletim Semanal nº 31, agosto/1999, p. 501.

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zados de pequenas causas dos Estados Unidos da América, os quais admitemque as pessoas jurídicas de direito público possam ser demandadas. O citadojurista ainda argumenta que seria como o Estado dizer que justiça rápida éuma coisa boa, mas somente para os outros, não para si mesmo:

A verdade é que a maior parte das prerrogativas concedidasàs pessoas jurídicas de direito público, que visa a proteger o inte-resse da coletividade, teve resultado inverso, criando um murode impunidade e irresponsabilidade que apenas ampara a inefi-ciência e a prática de ilicitudes em desfavor do cidadão. A des-medida proteção ao Estado se deforma, deixando de proteger ointeresse público e vedando o direito constitucional de açãoquando o Estado é a parte adversa. Não é razoável que o Estadocombata as lesões a direitos tidas como de pequena monta ape-nas quando praticadas por terceiros. Seria como o próprioEstado dizer que a Justiça rápida é bom, mas para os outros.

Aliás, quando combate os vícios dentro do seu próprio orga-nismo, ao contrário de se prejudicar, como visão míope poderiasupor, o Estado se purifica e aperfeiçoa. O Estado se fortalece e setorna o exemplo de autoridade, inclusive moral, que a sociedadeespera. O bom administrador será reconhecido, ao passo que odesidioso verá a Justiça alcançar-lhe prontamente, fazendo comque este dê à lei e ao interesse coletivo a devida reverência.

Todos sabemos o quanto as pessoas jurídicas de DireitoPúblico violam a Constituição e a lei e permanecem “protegi-dos” pelas dificuldades de acesso à Justiça. Isso tem de mudar. Aresponsabilização do ente estatal serve como fator de aperfei-çoamento da atividade administrativa. Por essas razões, éimprescindível admitir o ajuizamento de processos em face daFazenda Pública.

Convém ressalvar que, pelo fato do art. 6º, inc. II, apontar os entes pú-blicos federais como réus, não significa que as pessoas físicas e as pessoasjurídicas de direito privado também não possam integrar o pólo passivo, o

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que sempre vai ocorrer no caso de litisconsórcio passivo necessário.15 Umexemplo clássico do aqui afirmado, e que ocorre com relativa freqüêncianos juizados federais, é a causa previdenciária na qual se discute o recebi-mento de pensão por morte entre a companheira e a esposa. Neste caso,uma constará como autora, e a outra como ré, ao lado do INSS.

A Lei nº 10.259/01 também fez imensos progressos no que concerne àlegitimidade ativa ad causam da pessoa física nos juizados federais, senãovejamos. Quando o inc. I do art. 6º dispõe que podem ser parte nos juizadosfederais, na condição de autor, as pessoas físicas e as microempresas eempresas de pequeno porte,16 sem realizar qualquer distinção relativa àcapacidade das pessoas físicas, o referido dispositivo constitui um permissi-vo legal mesmo para os incapazes (o menor de dezoito anos, o debilitadomental, o viciado em tóxico, etc.).17

Tal norma encontra eco no princípio do acesso à justiça, visto que oincapaz também poderá utilizar-se de um rito célere, dinâmico e eficaz,despido de formalismos, para a obtenção de seu benefício. Para evitar qual-quer prejuízo aos interesses do incapaz, basta sejam tomadas algumas cau-telas da praxe jurídica, como, por exemplo, a assistência obrigatória poradvogado nesses casos, a intervenção do Ministério Público Federal e anomeação de curador especial.18

Outra inovação de relevância trazida pela Lei nº 10.259/01, foi a inser-ção dos avanços tecnológicos nos mecanismos processuais, notadamente osmeios eletrônicos de transmissão de dados e a internet. Assim, o § 2º, do art.8º, prevê que os tribunais poderão organizar serviços de intimação das par-tes e de recepção de petições por meio eletrônico. Também o § 3º do art. 14,ao tratar do pedido de uniformização, dispõe que a reunião de juízes domi-ciliados em cidades diversas será feita pela via eletrônica.

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15 Neste sentido, a clara redação do Enunciado nº 4 das Turmas Recursais dos Juizados Federais do Rio deJaneiro: “É possível o litisconsórcio passivo necessário dos entes enunciados no art. 6º, II da L.10.259/2001, com pessoa jurídica de direito privado e pessoa física”.

16 Microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas em lei (Lei nº 9.317/96).17 Vide arts. 3º e 4º do Novo Código Civil (2002).18 A participação do incapaz nos pólos ativo e passivo da demanda já é uma realidade nos juizados fede-

rais, inclusive com a edição de enunciado: “Os incapazes podem ser parte no JEF, sendo obrigatórias aassistência por advogado e a intimação do MPF, podendo haver conciliação” (Enunciado nº 5 dasTurmas Recursais dos Juizados Federais do Rio de Janeiro).

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Diversos juizados federais já atuam na qualidade de “juizados virtuais”,onde o acompanhamento de todo o processo (“autos virtuais”) é realizadoatravés de terminais eletrônicos ou computadores, caracterizando-se pelouso de senha ou assinatura eletrônica e pela ausência de autos físicos, pres-tigiando-se dessa forma os princípios informadores dos juizados, como aoralidade em grau máximo, a economia processual, a celeridade e a concen-tração dos atos processuais. Não há como negar que os denominados “autosvirtuais” contribuíram em muito para a celeridade do procedimento, o queé extremamente satisfatório para o jurisdicionado.

Nesse sistema virtual, a petição inicial e a documentação apresentadapela parte são escaneadas e gravadas no banco de dados informatizado,havendo devolução dos originais.19 Após o cadastro das partes, o processovirtual é autuado com número gerado pelo sistema, compondo-se virtual-mente com a petição inicial e a documentação escaneadas. O processo é dis-tribuído eletronicamente e o próprio computador fornece a data da próxi-ma audiência, se necessário com o agendamento de prévia perícia. A cita-ção e eventuais intimações são feitas através de correio eletrônico (e-mail).A contestação e demais peças processuais são recebidas através de sistemade transmissão eletrônica de atos processuais.

O sistema conta com a captura eletrônica de assinaturas, através decanetas eletrônicas, sendo que para a assinatura dos juízes basta que estedigite a sua senha para que o documento em questão seja assinado, com baseno cadastro de assinaturas gravadas com senhas criptografadas. Toda a tra-mitação do processo é feita eletronicamente, inclusive entre setores inter-nos dos juizados federais. É de se anotar que a Lei nº 11.419/06 permite queos tribunais criem o Diário de Justiça eletrônico para divulgação dos atosjudiciais e administrativos.

Toda essa sistemática representa significativa economia de papel e tinta,dentro de uma conceituação ecologicamente correta, bem como resulta naeconomia de despesas públicas e do serviço burocrático. Mas é sem dúvida

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19 É importante que a parte conserve a documentação original, para o caso de argüição de eventual inci-dente de falsidade do documento ou similar, quando haverá necessidade de apresentação do originalpara a devida comprovação de sua autenticidade.

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que o principal ganho é a celeridade do processo em favor do jurisdiciona-do, que verá a sua causa sendo julgada com maior rapidez e efetividade.20

Entretanto, cumpre fazer algumas ressalvas ao procedimento inteira-mente eletrônico (“autos virtuais”), porque não se pode conceber privile-giar a celeridade e a economia processual sem fazer uma ponderação deinteresses com os relevantes princípios constitucionais do acesso à justiça,do contraditório e da ampla defesa.

A primeira ressalva, naturalmente, diz respeito à segurança das infor-mações transmitidas por meio eletrônico, seja contra falhas de comunica-ção no sistema, ou de armazenamento das informações (daí a necessidadede um completo sistema de backup – cópias de segurança), ou contra atosde hackers, que cada vez mais se aprimoram na invasão de sistemas eletrô-nicos, mesmo os ditos “fechados” (o sistema eletrônico permite o envio depeças e documentos via internet). Para tanto, é preciso dotar os juizadosfederais “eletrônicos” de um sistema moderno e inteiramente seguro, con-forme leciona CARVALHO:21

... Assim, desde que resguardada a segurança da informa-ção digital, tanto quanto deve ser preservada a segurança dacorrespondência tradicionalmente entregue pelo carteiro, têmambas a mesma credibilidade para veicular comunicações pro-cessuais, inclusive intimações.

A segunda observação que se faz, agora de conteúdo sócio-econômico,diz respeito à carência estrutural da justiça e principalmente dos órgãospúblicos que nela atuam (defensoria e procuradorias), bem como o despre-paro da população em geral para o uso dos modernos meios eletrônicos.

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20 Somente para se ter uma idéia do ganho de tempo no processo virtual, o sistema praticamente eliminao “prazo sucessivo” para manifestação processual, visto que os autos estarão disponíveis virtualmente,ao mesmo tempo, para ambas as partes. Na prática, grande parte dos prazos transformam-se em “prazocomum”.

21 CARVALHO, Ivan Lira de. Os Juizados Especiais Federais e as comunicações processuais eletrônicas.Aspectos da Lei 10.259/01. Revista Doutrina. Rio de Janeiro: Instituto de Direito, 2002, p. 132.

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O instrumental tecnológico é demasiadamente caro, principalmentepara os órgãos públicos que militam nos juizados. Os defensores públicosfederais, os procuradores do INSS e os advogados da União (AGU) não dis-põem de apoio tecnológico suficiente, sendo notório que tais profissionaiscarecem, por vezes, até mesmo de computador, papel e impressora, convi-vendo com sérios problemas de escassez de material.

Deve também ser considerada a deficiência tecnológica da população emgeral, despreparada até para o manejo de um simples terminal eletrônico ban-cário. Certamente que o complexo mundo jurídico lhes pareceria ainda maisassustador se apresentado de forma virtual. Portanto, sempre que possível,deve ser incentivada a instalação de quiosques eletrônicos populares e cursosde ensino de informática gratuitos para jurisdicionados e advogados.

Dessa forma, não há dúvida de que a experiência de “juizados eletrô-nicos” é extremamente válida e contribui para a economia processual e aceleridade do procedimento, mas deve ser temperada com o devido respei-to a valores de maior relevância, como a segurança jurídica, o acesso à jus-tiça, o contraditório e a ampla defesa, razão pela qual ainda necessita de umcerto aprimoramento e de pesados investimentos na dotação tecnológicados órgãos públicos, além de reclamar uma preparação/orientação do juris-dicionado para o uso dos meios eletrônicos.

O art. 9º apresenta uma das maiores novidades da Lei nº 10.259/01,constituindo-se em norma propiciadora de verdadeiro acesso à justiça (pro-cesso célere, sem retardos injustificados), ao suprimir o prazo diferenciadopara a prática de qualquer ato processual pelas pessoas jurídicas de direitopúblico, fazendo a ressalva de que a citação para a audiência de conciliaçãodeve ser realizada com antecedência mínima de trinta dias. O legisladorvisou aqui a supressão das prerrogativas da Fazenda Pública, previstas noart. 188 do CPC,22 com as quais se tornaria impossível a especialidade dorito, visto que este se embasa na celeridade e na informalidade.23

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22 Art. 188 do CPC: “Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quan-do a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”.

23 Guilherme Bollorini Pereira entende que o art. 191 do CPC, que prevê prazo em dobro para a hipótese delitisconsórcio em que as partes têm procuradores diferentes, também não é aplicável aos juizados especiaisfederais, sob pena de ofensa ao princípio da celeridade (in Juizados Especiais Federais Cíveis – Questões deProcesso e de Procedimento no contexto do Acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 71).

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Neste toar, CARREIRA ALVIM24 festeja a eliminação dos “privilégios”dos entes públicos nos juizados federais, conforme transcrito abaixo:

Vamos acabar com todos os privilégios dos entes públicos,que não se justificam em face das pequenas causas que são obje-to dos juizados especiais; vamos pôr fim aos privilégios de prazoem dobro para recurso, prazo em quádruplo para contestar, eli-minar o precatório como instrumento de pagamento de débitosjudiciais. Vamos utilizar essa ‘cova rasa’ para sepultar esses odio-sos e injustificáveis privilégios com que nosso ordenamento jurí-dico ainda brinda a União Federal e suas autarquias e fundações.

Obviamente, que o dispositivo em comento (art. 9º), por se referir àparte que seja pessoa jurídica de direito público, não poderia obrigar deforma alguma a Defensoria Pública da União (DPU),25 que deveria mantera sua prerrogativa processual de prazo em dobro (art. 44, inc. I, Lei Com-plementar nº 80/94).26 Isso porque a Defensoria Pública não é parte na rela-ção jurídica processual desenvolvida nos juizados federais, mas atua somen-te na função de causídico do assistido hipossuficiente (pessoa física), consis-tindo em condição necessária para se estabelecer uma adequada paridadeprocessual entre os litigantes.27 Respeitar essa prerrogativa significa ampli-ar o acesso à justiça, na medida em que mais pessoas juridicamente neces-sitadas poderão ser assistidas pela Defensoria, sem qualquer prejuízo em suadefesa ante o prazo dilatado. Ademais, considerando-se o aspecto do planohierárquico das normas positivadas, a lei ordinária (Lei nº 10.259/01) nãopode revogar uma lei complementar (LC nº 80/94), exigindo-se, para tanto,

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24 ALVIM, J. E. Carreira. Juizados Especiais Federais. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 02.25 “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-

lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.26 Art. 44, inc. I: “receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, contando-se-lhe

em dobro todos os prazos”.27 Marcelo da Fonseca Guerreiro aponta a necessidade de realização de concursos públicos constantes para

o devido aparelhamento da Defensoria Pública da União, de modo a propiciar melhoria no Judiciário eno acesso à justiça (in Como Postular nos Juizados Especiais Federais Cíveis. Niterói-RJ: Impetus, 2007,pp. 7-8).

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uma norma revogadora de hierarquia igual ou superior à revogada.Entretanto, o entendimento vigente dos órgãos de cúpula do Judiciário é nosentido de que deve prevalecer o princípio da especialidade (in casu, a cele-ridade), mesmo que em detrimento do acesso à justiça.

O art. 10, caput, da Lei nº 10.259/01, reza que as partes poderão desig-nar, por escrito, representante para a causa, o qual pode ser advogado ounão. Note-se aí uma brecha para a figura do defensor leigo (paraprofissio-nal), referida por CAPPELLETTI e GARTH em sua célebre obra.28 Não hádúvida de que a intenção do legislador foi a de propiciar o maior acesso àjustiça possível, deixando ao crivo do jurisdicionado a contratação de advo-gado ou não, em primeira instância, para qualquer valor da causa até ses-senta salários mínimos. Tal disposição do legislador deu-se em função deevitar que o jurisdicionado se encontrasse obstaculizado de pleitear o seudireito em juízo, devido a problemas extraprocessuais (idade avançada, defi-ciência física, distância geográfica, custos financeiros, etc) que impossibili-tassem a sua presença física, com evidente prejuízo do acesso à justiça. Logo,o próprio jurisdicionado ou seu representante tem capacidade postulatóriaplena em primeira instância, independentemente de assistência técnica.

Em que pese a existência de autorizadas vozes em contrário,29 tem pre-valecido, nos juizados especiais estaduais e federais, o entendimento ampla-mente majoritário de que a norma autorizadora de capacidade postulatóriapara a parte é compatível com a Carta Maior, em função da própria nature-za dos juizados especiais, que trata de causas de reduzido valor econômicoe de menor complexidade. Embora o Estatuto da Advocacia disponha ser acapacidade postulatória privativa do advogado, regularmente inscrito nosquadros da OAB, mesmo em sede de Juizados (art. 1º, inc. I, Lei nº 8.906/9430),a Lei nº 10.259/01 (Juizados Federais) é norma especial a prevalecer em face

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28 CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Ob. cit., p. 71.29 Por todos, Felippe Borring Rocha. Juizados Especiais Cíveis – Aspectos Polêmicos da Lei nº 9.099 de

26/9/1995. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2003, p. 49 e ss. O autor faz a defesa de sua argumen-tação com base na essencialidade da função advocatícia, que representaria uma garantia para o jurisdi-cionado, visto que, no seu entender, a maioria das pessoas não tem condições de promover adequada-mente os seus interesses em juízo.

30 O Supremo Tribunal Federal, na ADIn 1.127-8 (j. 06.10.1994), decidiu, liminarmente, pela não aplica-ção do inc. I do art. 1º da Lei nº 8.906/94 em relação aos juizados especiais, até a decisão final de mérito.

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do Estatuto da Advocacia, que é norma geral, além do que se trata de leiposterior (mais nova) a revogar a mais antiga. Outrossim, os juizados espe-ciais têm magnitude constitucional, o que espanca, vez por todas, quaisquerdúvidas sobre a sua constitucionalidade.

O art. 10, p.u., da Lei nº 10.259/01, constitui importante autorizativopara que os representantes judiciais dos entes públicos possam conciliar,transigir ou desistir, nos processos de competência dos juizados. Ocorreque, na prática, a realidade é outra, sendo ainda um pouco tímida as tenta-tivas de conciliação ou transação em juízo, apesar de sensíveis melhoras,mesmo porque não se operou a necessária mudança de mentalidade nosrepresentantes dos entes públicos federais, os quais continuam tenazmentearraigados aos antigos conceitos de indisponibilidade do bem público, emdetrimento da moderna ideologia de eficiência e de operosidade que devesempre reger os órgãos públicos, através de uma consideração da relaçãocusto versus benefício no caso concreto. Sobre o assunto, leciona WIL-LIAM DOUGLAS RESINENDE DOS SANTOS:31

Existe considerável preconceito contra a possibilidade deconciliação e transação quando for parte pessoa jurídica de direi-to público, tendo em vista, principalmente, a indisponibilidadedo interesse público. Todavia, a indisponibilidade não significaproibição da transação, mas apenas da transação desvantajosa.Um acordo pode ser extremamente útil para a coletividade, casoem que impedi-lo é que vulnera o interesse coletivo. A transaçãojá é hoje legalmente possível mas as dificuldades administrativaspara sua concretização tornam este eficiente instrumento umafigura de pouca utilidade prática. Não se vai criar a transação masapenas simplificá-la para que sirva ao interesse público.

Há que se considerar também a obrigatoriedade desses representantesjudiciais terem de se submeter às súmulas administrativas editadas por seu

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31 SANTOS, William Douglas Resinende dos. Juizados Especiais Federais – à beira do fracasso. Infor-mativo ADV, Boletim Semanal nº 31, agosto/1999, p. 501.

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órgão de cúpula,32 além, é claro, do justo receio de que os mesmos venhama sofrer alguma responsabilização administrativa, cível ou criminal pelarealização de eventual acordo que venha a ser acoimado de fraude,33 con-forme noticia TOURINHO NETO:34

Os procuradores terão receio de conciliar, transigir oudesistir, em face da idéia de que o procurador tem sempre derecorrer, de procrastinar, para evitar que o pagamento decor-rente da condenação seja rápido. Notícias há que procuradores,atualmente, estão respondendo sindicância porque deixaram derecorrer nas questões dos 28% de reajuste do funcionalismopúblico e em outras questões. O medo de ser tachado de cor-rupto é grande e ponderável.

Outro aspecto de relevância da Lei dos Juizados Federais é a possibili-dade da realização de prova pericial (art. 12 e seus §§), o que não se admi-te nos juizados estaduais.35 Faculta-se a apresentação de quesitos e indica-ção de assistente técnico, no prazo de dez dias, quando a perícia se der emcausa previdenciária ou referente à assistência social. Em relação à provatécnica, o ponto gerador de acesso à justiça é, sem dúvida, a previsão conti-da no seu § 1º, do adiantamento dos honorários periciais à conta da verbaorçamentária do respectivo Tribunal, o que não prejudicará a parte hipos-suficiente de recursos financeiros.

O art. 13 abole, em sede de Juizados Federais, o odioso instituto do ree-xame necessário, também denominado de “recurso de ofício”, que a doutri-na sempre apontou como de duvidosa constitucionalidade. Dessa forma, se

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32 A AGU – Advocacia Geral da União edita súmulas administrativas dirigidas aos advogados da União,aos procuradores federais autárquicos e da Fazenda Nacional, retirando dos mesmos qualquer indepen-dência funcional.

33 Como uma espécie de “caça às bruxas”, ao repique das influências políticas.34 TOURINHO NETO, Fernando Costa. Juizados Especiais Federais. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, nº 51,

out. 2001. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2230. Acesso em: 26 set. 2004.35 A inquirição técnica do art. 35 da Lei nº 9.099/95 (juizados estaduais) não tem a magnitude da previsão

relativa à prova pericial nos juizados federais (Lei nº 10.259/01).

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não houver recurso por parte da Fazenda Pública, ocorrerá o trânsito emjulgado para o ente público.

No que tange à seara recursal, além do recurso inominado dirigido àTurma Recursal, que, como visto, pode ser interposto em face da decisãointerlocutória que defere ou não a liminar (art. 4º) ou contra sentença defi-nitiva que julga o mérito da lide (art. 5º), também é cabível o manejo dosembargos de declaração, por aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/95, vistoque são recursos de grande utilidade e de pouco retardo processual.Também é cabível a interposição de recurso extraordinário, dirigido aoSTF, por expressa previsão da Lei (art. 15).

A Lei nº 10.259/01 inovou ao criar dois procedimentos de uniformiza-ção das decisões em segundo grau (art. 14). O primeiro, destina-se a solu-cionar as divergências de interpretação da lei federal entre as TurmasRecursais ou entre estas e as súmulas e jurisprudência dominantes do STJ, etem o seu trâmite processual regulado nos parágrafos do art. 14. Já o outroprocedimento de uniformização é praticamente idêntico ao primeiro, exce-to pelo objeto (que passa a ser a norma constitucional) e pelo controle final,que é realizado pelo STF (art. 15).36

Quanto à ação rescisória, a Lei nº 10.259/01 restou omissa. Lamenta-velmente, a jurisprudência vem se utilizando do disposto no art. 1º dasupracitada Lei, que determina que quando a mesma for omissa, aplicar-se-á subsidiariamente o disposto na Lei nº 9.099/95. Ora, o art. 59 desta últimaproíbe expressamente a admissibilidade de ação rescisória, o que constituihipótese de impossibilidade jurídica do pedido.37 Dessa forma, perdeu olegislador uma excelente oportunidade de realizar importante avanço na

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36 William Douglas R. dos Santos atribui ao pedido de uniformização dos juizados federais a natureza jurí-dica de verdadeiro recurso, visto que objetiva a modificação do julgado (in Manual do Conciliador e doJuiz Leigo – Juizados Especiais Cíveis. SILVA, Luiz Cláudio; SLAIBI FILHO, Nagib; & SANTOS,William Douglas Resinende dos. Niterói-RJ: Impetus, 2006, p. 196-197). O Conselho da Justiça Federal,ante a omissão da Lei nº 10.259/01 quanto ao prazo de interposição do pedido de uniformização, esti-pulou em 10 dias, a contar da ciência do acórdão (art. 3º da Resolução nº 273/02).

37 Alexandre Freitas Câmara aponta como única hipótese de cabimento de ação rescisória em sede de jui-zados, os processos que tenham sido conhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, no mérito, via recur-so extraordinário, na forma do disposto no art. 102, I, j, da CRFB/88. Entende, ainda, o citado doutri-nador processual que a única solução possível para desconstituir sentença transitada em julgado nomicrossistema dos juizados especiais seria através da querella nullitatis (in Juizados Especiais CíveisEstaduais e Federais – Uma Abordagem Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 162-163).

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Lei nº 10.259/01, visto que a doutrina há muito já reclamava da ausência deuma ação autônoma impugnativa para lidar com questões como sentençaque ofenda a coisa julgada ou tenha sido proferida por juiz corrupto ouimpedido, etc. A rigor, não é porque a causa é considerada de reduzidovalor econômico ou de pouca complexidade que o postulado da justiça dasdecisões deve ser afastado.38

A execução em sede de Juizados Federais recebeu tratamento especialdo legislador, que se mostrou extremamente afinado com os modernosprincípios da instrumentalidade e de efetividade do processo, propiciadoresde efetivo acesso à justiça. A Lei nº 10.259/01 realmente inaugurou umanova era no que concerne à execução, diferentemente do que ocorre naesfera estadual, onde a fase executiva consiste no principal “gargalo deestrangulamento” dos juizados estaduais, emperrando toda a celeridadedaquele procedimento.39

Dessa forma, a execução, como prevista na Lei nº 10.259/01, quebracom dogmas ao prever até a possibilidade de seqüestro de bens públicos, queeram tidos, em regra, como inalienáveis e impenhoráveis, o que faz lançarprofundas discussões sobre uma nova conceituação do que seja bem públicoe interesse da coletividade. LEONARDO GRECO40 apresenta, no direitoalienígena, procedimentos processuais similares contra a Fazenda Pública:

Uma outra solução, igualmente protetiva dos direitos doscredores, começou a surgir em alguns outros países, como aItália, a Espanha, Portugal e a Argentina, que, limitando aimpenhorabilidade dos bens públicos, admitem a penhora debens dominicais do Estado e de receitas públicas não vinculadas

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38 Vale destacar que o Anteprojeto “Costa Leite” (que resultou na Lei nº 10.259/01) previa, originalmen-te, em sua redação, a possibilidade de ação rescisória.

39 SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Destaque,2003, p. 65. No mesmo sentido: CARVALHO, Ivan Lira de. Ob. cit., p. 130: “..., a Lei 9.099/95 foi toma-da como “locomotiva” de um moderno sistema de processo, de procedimento e de prestação jurisdicionalmais ágil, malgrado os defeitos que o tempo já cuida de apontar, a exemplo dos equívocos do processo deexecução de sentença”. Grifo nosso. Entretanto, essa realidade vem mudando em sede dos juizados esta-duais, principalmente com a utilização da denominada “penhora on line” ou “penhora eletrônica”.

40 GRECO, Leonardo. Ob. cit., pp. 55-56.

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ao exercício de atividades essenciais. Em Portugal, os bens doscorpos administrativos, as coisas do seu domínio privado, po-dem ser penhoradas, desde que não estejam afetadas a um fimde utilidade pública. Na Espanha, em 1998, o Tribunal Cons-titucional declarou a inconstitucionalidade do Regulamentodas Fazendas Locais que proibia genericamente a penhora debens públicos, fosse ou não do patrimônio disponível. NaArgentina, se o Estado se tornar remisso, poderão ser penhora-dos bens públicos de utilização privada. No Direito Italiano,não são impenhoráveis o dinheiro público e os créditos inscri-tos em balanço, salvo os originários de relações de direito públi-co, como tais entendidas as resultantes de atos cumpridos noexercício de poderes de império da administração; os créditospúblicos de origem privada, que não têm uma destinação públi-ca previamente estabelecida.

Há muitas pessoas jurídicas de direito público titulares devasto patrimônio ocioso ou não utilizado em fins públicos, quepoderiam servir para saldar dívidas, sem desviar recursos dosserviços essenciais do Estado. (...)

No Estado de Direito, que respeita os direitos dos cida-dãos, a intangibilidade do patrimônio público somente se jus-tifica na medida em que serve ao bem comum, através da suaafetação ao exercício de funções públicas de interesse de todaa coletividade.

Estão previstos nos arts. 16 e 17 da Lei nº 10.259/01, dois procedi-mentos de execução de sentença. Quando o título judicial cuidar de obri-gação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa certa (art. 16), o magis-trado determinará à autoridade citada para a causa, mediante a expediçãode ofício requisitório, a realização do ato ou de sua abstenção. Embora alei seja omissa, no caso de descumprimento da ordem judicial, entende-secabível o emprego de multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição,a incidir sobre o ente público e/ou o administrador responsável pela prá-tica do ato (multa pessoal); a responsabilização criminal da referida auto-

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ridade por estar incursa, em tese, no crime de desobediência; a busca eapreensão no caso de entrega de coisa certa; dentre outras medidas coer-citivas ou de sub-rogação.

Quando se tratar de obrigação de pagar quantia certa (art. 17), dentrodo limite de sessenta salários mínimos, o pagamento deverá ser realizado noprazo de sessenta dias da entrega da requisição à autoridade citada para acausa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Bancodo Brasil, independentemente de precatório. Caso seja desatendida a requi-sição judicial, o magistrado determinará o seqüestro do numerário suficien-te ao cumprimento da decisão (§ 2º do art. 17).

O pagamento por meio de precatório somente se dará na hipótese decondenação em valor superior ao teto máximo legal (sessenta salários míni-mos), caso a parte não deseje abrir mão da parcela excedente em prol da uti-lização do procedimento especial (ofício judicial requisitório). Peca, nesteponto, a Lei (art. 17, § 3º), quando veda o fracionamento do pagamento,impossibilitando que o autor receba o máximo legal (sessenta salários míni-mos) pelo procedimento instituído pelos Juizados, e o restante por meio deprecatório. Ou seja, se a parte preferir a celeridade do rito especial, terá quedesistir do valor excedente, o que configura norma assaz injusta, mormen-te quando se tratar de pessoa hipossuficiente, consistindo essa norma emproteção desmedida ao erário público.41

Os artigos finais da Lei resumem-se a estabelecer disposições concer-nentes à organização dos serviços judiciários ou administrativos, com exce-ção do art. 20, o qual veda a aplicação da Lei nº 10.259/01 no juízo estadual,dispondo ainda que, na ausência de vara federal, a causa poderá ser propos-ta no Juizado Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei nº9.099/95, o que pode gerar algumas dificuldades de ordem prática quanto àestipulação da correta proximidade geográfica.

Vale também destacar o parágrafo único do art. 22, que faz previsãodo funcionamento de juizado especial federal em caráter itinerante, normaesta extremamente propiciadora de acesso à justiça. Os Juizados Federais,

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41 A Emenda Constitucional nº 37/2002, que acrescentou o § 4º ao art. 100 da CRFB/88, supultou de vezessa discussão, visto que repetiu a injusta redação do § 3º do art. 17, da Lei nº 10.259/01.

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a Defensoria Pública42 e os demais órgãos públicos (INSS, AGU etc.) têmrealizado diversos “juizados itinerantes” pelos rincões do País, atingindoáreas nunca antes alcançadas, habitadas principalmente pela populaçãomais carente.

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MENDES, Gilmar Ferreira. Juizados Especiais Federais: o resgate de umadívida social. Revista Jurídica Consulex, Brasília, DF, ano V, n. 114,out./2001.

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42 A Defensoria Pública da União desenvolveu valioso projeto de assistência jurídica integral e gratuitanesse sentido, denominado “DPU Itinerante”, no qual, isolada ou em conjunto com o Judiciário, alcan-ça as mais distantes áreas do País, seja de barco, de automóvel ou de avião. Marcelo da FonsecaGuerreiro elenca algumas experiências interessantes de realização de juizados itinerantes em sua obra(in Como Postular nos Juizados Especiais Federais Cíveis. Niterói-RJ: Impetus, 2007, p. 45).

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