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“Felizmente Há Luar!”, de Luís de Sttau Monteiro Contextualização A história desta peça passa-se na época da revolução francesa de 1789. As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da primeira invasão, a corte pede auxilio a Inglaterra para reorganizar o exército. Estes enviam-nos o general Beresford. Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime salazarista através desta época particular da história. Assim, o recurso à distanciação histórica e à discrição das injustiças praticadas no inicio do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE, entre outras. Caráter épico Felizmente há luar é um drama narrativo, de caráter social, dentro dos princípios do teatro épico e inspirado na teoria marxista, que apela às reflexão, não só no quadro da representação, mas também na sociedade em que se insere. De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da conceção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o publico a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a refletir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõem um afastamento entre o ator e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que se está a ser representado. Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é, já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo, então, uma capacidade crítica e analítica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários, didascálicas e focos de luz. Estes são, também, os objetivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pôr em evidencia a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a injustiça e todas as formas de perseguição. 1

Feliz Mente Halua r

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Felizmente H Luar

Felizmente H Luar!, de Lus de Sttau Monteiro

ContextualizaoA histria desta pea passa-se na poca da revoluo francesa de 1789.

As invases francesas levaram Portugal indeciso entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendio, D. Joo V foge para o Brasil. Depois da primeira invaso, a corte pede auxilio a Inglaterra para reorganizar o exrcito. Estes enviam-nos o general Beresford.

Lus de Sttau Monteiro denuncia a opresso vivida na poca do regime salazarista atravs desta poca particular da histria. Assim, o recurso distanciao histrica e discrio das injustias praticadas no inicio do sculo XIX, permitiu-lhe, tambm, colocar em destaque as injustias do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaas da PIDE, entre outras.

Carter pico

Felizmente h luar um drama narrativo, de carter social, dentro dos princpios do teatro pico e inspirado na teoria marxista, que apela s reflexo, no s no quadro da representao, mas tambm na sociedade em que se insere.

De acordo com Brecht, Sttau Monteiro pretende representar o mundo e o homem em constante evoluo de acordo com as relaes sociais. Estas caractersticas afastam-se da conceo do teatro aristotlico que pretendia despertar emoes, levando o publico a identificar-se com o heri. O teatro moderno tem como preocupao fundamental levar os espectadores a pensar, a refletir sobre os acontecimentos passados e a tomar posio na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a tcnica do distanciamento que propem um afastamento entre o ator e a personagem e entre o espectador e a histria narrada, para que, de uma forma mais real e autntica, possam fazer juzos de valor sobre o que se est a ser representado.

Desta forma, o teatro j no se destina a criar terror ou piedade, isto , j no tem uma funo purificadora, realizada atravs das emoes, tendo, ento, uma capacidade crtica e analtica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o sentir por pensar, levando o pblico a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenrios, didasclicas e focos de luz.

Estes so, tambm, os objetivos de Sttau Monteiro, que evoca situaes e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pr em evidencia a luta do ser humano contra a tirania, a opresso, a injustia e todas as formas de perseguio.

Debrua-se sobre o Homem, no seu constante devir - uma luta permanente para transformar a sociedade. Para isso, usa a tcnica da Distanciao Histrica e o realismo. preciso procurar um facto histrico mais remoto e compar-lo com a realidade prxima que se quer denunciar. Ao criticar o passado, consegue transpor a mensagem para o presente, obtendo assim um paralelismo fivel. Os actores no interagem com o auditrio. O papel deles apresentar uma ideia e no criar empatia. Deste modo, atinge-se a lucidez o pblico formula juzos de valor.OBJECTIVO: - Levar a sociedade (pblico) a tomar conscincia da realidade

Paralelismo entre passado e as condies histricas dos anos 60: denncia da violnciaSculo XIX 1817Sculo XX anos 60

Agitao social que levou revolta de 1820Agitao social: conspiraes internas; principal erupo da guerra colonial

Regime absolutista e tiranoRegime ditatorial salazarista

Classes hierarquizadas, dominantes, com medo de perder privilgiosClasses exploradas; desigualdade entre abastados e pobres

Povo oprimido e resignadoPovo reprimido e explorado

Misria, medo, ignorncia, obscurantismo mas felizmente h luarMisria, medo, analfabetismo, obscurantismo mas crena nas mudanas

Luta contra a opresso do regimeLuta contra o regime totalitrio e ditatorial

Perseguies dos agentes de BeresfordPerseguies da PIDE

Denuncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais SarmentoDenuncias dos bufos

Censura imprensaCensura total

Represso dos conspiradores; execuo sumaria e pena de mortePriso; duras medidas de represso e tortura; condenao sem provas

Execuo de Gomes FreireExecuo de Humberto Delgado

Revoluo de 1820Revoluo do 25 de Abril de 1974

PersonagensH trs grupos importantes de personagens no poema:1. Povo Rita, Antigo Soldado e Populares

Personagens coletivas Representam o analfabetismo e a misria

Escravizados pela ignorncia

No tm liberdade

Desconfiam dos poderosos

So impotentes face situao do pas (no h eleies livres, etc.)

Manuel

Denuncia a opresso

Assume algum protagonismo por abrir os dois atos

Papel de impotncia do povo

Representa o povo oprimido e esmagado

Lcido e consciente

Matilde de Melo Personagem principal do ato II ( a fora do segundo ato) Companheira de todas as horas de Gomes Freire

Forte, culta, destemida, persistente, corajosa, inteligente, apaixonada

No desiste de lutar, defendendo sempre o marido Luta por: lealdade, justia, verdade

Pe de lado a autoestima (suplica pela vida do marido)

Acusa o povo de cobardia mas depois compreende-o

Por vezes, parece um pouco alucinada

Personifica a dor das mes, irms, esposas dos presos polticos

Voz da conscincia junto dos governadores (obriga-os a confrontarem-se com os seus atos)

Desmascara o Principal Sousa, que no segue os princpios da lei de Cristo

Matilde aparece como a fora do segundo acto, carregada de emoo, provocando o clmax da histria. ela quem denuncia e quem se revolta contra o movimento castrador que se desenvolvia por todo o pas, quem ousa enfrentar o poder absoluto em prol da liberdade, da mudana e da democracia. Usa frases simples, mas fortalecidas com grande energia, coragem e direco: Cortam-se as rvores para no fazerem sombra aos arbustos. Mostra-nos que toda e qualquer ameaa ao poder conservador e unidireccional era, imediatamente, aniquilado.Matilde oscila entre dois plos: num uma mulher frgil e comovida que luta exclusivamente pelo marido inocente, vtima dos interesses mais altos do reino; noutro a mulher forte e destemida que grita as condies do povo, a podrido das relaes da igreja, a falta de ndole da nobreza e a ignorncia do povo. No entanto, em ambos os casos uma lutadora, vida por justia, que acorda o pblico/sociedade para a lstima de pessoas que governavam em Portugal. As crises so cclicas. Foi no sculo XIX, foi no sculo XX e foi em muitas outras ocasies anteriores porque o Homem assim: no aprende. Sousa Falco

Amigo de Gomes Freire e Matilde

Partilha das mesmas ideias de Gomes Freire mas no teve a sua coragem

Auto-inciminasse por isso

Medros2. DelatoresRepresentam os bufos do regime salazarista.

Vicente Desrepeita/ Despreza o povo FALSO HUMANITRIO

do povo mas trai-o para subir na vida

contra o general

Tem vergonha do seu nascimento, da sua condio social

Faz o que for preciso para ganhar um cargo na polcia

Demagogo, ambicioso, subtil, inteligente, egosta, materialista, hipcrita, traidor, calculista, desleal e sarcstico

Falso humanitrio

Movido pelo interesse da recompensa

Adulador do momento

Nota: vicente a nica personagem que evolui na obra: comea como membro do povo e acaba no grupo dos delatores, elevado a chefe de polcia.

Andrade Corvo e Morais Sarmento

Querem ganhar dinheiro a todo o custo

Funcionam como bufos tambm pelo medo que tm das consequncias de estar contra o governo

Mesquinhos, oportunistas e hipcritas

3. Governadores/Os do PoderRepresentam o poder poltico e so o crebro da conjura que acusa Gomes Freire de traio ao pas; no querem perder o seu estatuto; so fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo

Marechal Beresford

Representa o poder militar

Tem um sentimento de superioridade em relao aos portugueses e a Portugal

Ridiculariza o nosso povo, a vida do nosso pas e a atrofia de almas

Odeia Portugal

Est sempre a provocar o principal Sousa

No melhor que aqueles que critica mas sincero ao dizer que est no poder s pelo seu cargo que lhe d muito dinheiro

Tem medo de Gomes Freire (pode-lhe tirar o lugar)

Oportunista, severo, disciplinar, autoritrio, pragmtico e mercenrio

Bom militar, mau oficial Principal Sousa

demagogo, hipcrita, cnico e desonesto No hesita em condenar inocentes

Representa o poder clerical/Igreja

Representa o poder da Igreja que interfere nos negcios do estado

No segue a doutrina da Igreja para poder conservar a sua posio

No tem argumentos face ao desmascarar que sofre de Matilde

Tem problemas de conscincia em condenar um inocente mas no ousa intervir para no perder a sua posio confortvel no governo

Fantico religioso

Corrompido pelo poder eclesistico

Odeia os franceses por causa das suas ideias Contra o liberalismo

Defende o obscurantismo

D. Miguel Forjaz

Representa o poder poltico e a burguesia dominadora

Quer manter-se no poder pelo seu poder poltico-econmico

Personifica Salazar

Corrupto deixa-se corromper e tenta corromper os outros

Prepotente, autoritrio, calculista, servil, anti-progressista/retrgrado, medroso, conservador, vingativo, sem escrpulos/mercenrio e frio

Acha-se superior absolutista: Um mundo em que no se distinga a olho nu um nobre de um popular no mundo em que eu deseje viver.

Corrompido pelo poder

Primo de Gomes Freire General Gomes Freire de Andrade

Representa Humberto Delgado

Personagem virtual/central

Sempre presente nas palavras das outras personagens

Caracterizado pelo Antigo Soldado, por Manuel; D. Miguel e Beresford

Politicamente liberal, igualitrio

Idolatrado pelo povo

Acredita na justia e na luta pela liberdade

Com valores, ntegro

Soldado brilhante

Estrangeirado

Smbolo da esperana e liberdade

Policias: representam a PIDE

Frei Diogo de Melo: representa a Igreja consciente da situao do pas...

O lado bom da igreja

Homem com compaixo

Conforta Matilde

Defende Gomes Freire corrobora a sua inocncia

Ope-se ao Principal SousaTempo Tempo histrico ou tempo real (sculo XIX - 1817)

Invases francesas (desde 1807): rei no Brasil

Ajuda pedida aos ingleses (Beresford)

Regime absolutista

Situao econmica portuguesa m: dinheiro ia para a corte no Brasil

Regncia, influenciada por Beresford (smbolo do poder britnico em Portugal)

Primeiros movimentos liberais (1817), com a conspirao abortada de Gomes Freire

25 De maio de 1817 priso de Gomes Freire; 18 de outubro de 1817 enforcado, datas condensadas em dois dias na pea (tempo de ao dramtica)

Governadores viam na revoluo a destruio da estrutura tradicional do Reino e a supresso dos privilgios das classes favorecidas

O povo via na revoluo a soluo para a situao em que se encontrava

Revoluo liberal de 1820

Implantao do liberalismo em 1834, com o acordo de vora-Monte

Tempo metafrico ou tempo da escrita (sculo XX - 1961) Permanentemente presente (implcito)

poca conturbada em 1961: guerra colonial angolana; greves; movimentos estudantis; pequenas guerrilhas internas; crescente aparecimento de movimentos de opinio organizados; oposio poltica

Situao poltica, social e econmica de desagrado geral

Regime ditatorial salazarista: desigualdade entre abastados e pobres muito grande; povo reprimido e explorado; misria, medo; analfabetismo e obscurantismo

PIDE, bufos; censura; medidas de represso/tortura e condenao sem provas

Sttau Monteiro evoca situaes e personagens do passado como pretexto para falar do presente Grande dualidade de conceitos entre os dois tempos: Gomes Freire Humberto Delgado; os governadores trs so o regime salazarista; Vicente e os delatores so os bufos; os homens de Beresford so a PIDE

Estrutura A ao da pea est dividida em dois atos (estrutura externa), o primeiro com onze sequncias e o segundo com treze (estrutura interna). No ato I trama-se a morte de Gomes Freire; no ato II pe-se em prtica o plano do ato I.

Os smbolos Saia verde: comprada em Paris, no inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. Alegria no reencontro; a saia uma pea eminentemente feminina e o verde encontra-se destinado esperana

Ttulo: duas vezes mencionado inserido nas falas das personagens (por D. Miguel, que salienta o efeito dissuador das execues e por Matilde, cujas palavras remetem para um estmulo para que o povo de revolte)

Luz: vida, sade e felicidade

Noite: mal, castigo, morte

Lua: simbolicamente, por estar privada de luz prpria, na dependncia do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependncia, periocidade, renovao

Luar: duas conotaes: para os opressores, mais pessoas ficaro avisadas e para os oprimidos, mais pessoas podero um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade

Fogueira: D. Miguel Forjaz ensinamento ao povo; Matilde a chama mantm-se viva e a liberdade h de chegar Titulo: D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execues, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo (Pgina 131); Matilde: na altura da execuo so proferidas palavras de coragem e estmulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade (Pgina 140) Moeda de 5 reis: smbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o prximo, contrariando os mandamentos de Deus

Tambores: smbolos da represso

Espao

Espao fsico: a ao desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas no h nas indicaes cnicas referncia a cenrios diferentes

Espao social: meio social em que esto inseridas as personagens, havendo vrios espaos sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vesturio e pela linguagem das vrias personagens

Linguagem e estilo

Recursos estilsticos: enorme variedade (tomar espacial ateno ironia)

Funes da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticncias, anacoluto (frases interrompidas)]; metalingustica

Marcas da linguagem e estilo: provrbios, expresses populares, frases sentenciosas

Texto principal: As falas das personagens Texto secundrio: as didasclias/indicaes cnicas (tm um papel crucial na pea)A didasclia

A pea rica em referncias concretas (sarcasmo, ironia, escrnio, indiferena, galhofa, adulao, desprezo, irritao relacionadas com os opressores; tristeza, esperana, medo, desnimo relacionadas com os oprimidos). As marcaes so abundantes: tons de voz, movimentos, posies, cenrios, gestos, vesturio, sons (tambores, silncio, voz que fala antes de entrar no palco, sino que toca a rebate, murmrio de vozes, toque duma campainha) e efeitos de luz (contraste entre a escurido e a luz; os dois atos terminam em sombra). De realar que a pea termina ao som de fanfarra (Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade at cair o pano.) em oposio luz (Desaparece o claro da fogueira.); no entanto, a escurido no total, porque felizmente h luar.

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