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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X FEMININO, MASCULINO E MEMÓRIA FAMILIAR Luana Borges Lemes 1 Resumo: A estrutura familiar é uma referência fundamental ao promover percepções e preconceitos de gênero em sociedade. Através da educação familiar é possível perpetuar tradições e valores morais, bem como desconstruir comportamentos sexistas, mudança que exige uma postura contestadora dos estereótipos de gênero. Para isso, os valores feministas de igualdade de direitos e oportunidades de gênero se tornam decisivos ao identificar a memória familiar essencialista de feminino e masculino para desfazer essa base história patriarcal. Nessa reconfiguração de relações de poder de gênero desiguais é possível promover uma nova educação geracional cooperativa, menos machista e sexista, de respeito e valorização à diversidade de mulheres e homens. Isso é apresentado no presente estudo através da entrevista realizada com Ligia Moreiras Sena, uma mulher mãe e que se identifica como feminista e também é fundadora do site Cientista Que Virou Mãe 2 . Busca-se assim, evidenciar a importância da memória familiar e do feminismo na experiência de mulheres mães que, há algum tempo, buscam construir uma nova forma de educar suas famílias. Palavras-chave: feminismo; geração; gênero; memória; famílias. Eu acredito que as crianças aprendem com modelos de vida, com formas de viver e a minha forma de viver é feminista. então a Clara vive isso também. Os momentos que eu preciso ativamente defender os valores feministas, nesse momento que ela está com seis anos é a luta contra o sexismo na infância, é o brinquedo de menina, o brinquedo de menino (...) eu não deixo passar nada! Cada coisinha que falam eu: “não, mas por quê?” e faço ela pensar também. Não vou lá e doutrino: “não e fim”. Faço ela pensar também filha, mas o que tem ali que você não pode brincar?”. Então, ela acaba construindo isso junto (LIGIA SENA, 2016). A memória familiar de Ligia Sena e seu posicionamento no feminismo basearam os valores de igualdade que refletem na educação feminista que ela constrói hoje com sua filha. Assim como Ligia Sena, muitas mulheres mães promovem educações diferentes que rompem com a tradição machista transmitida por gerações. Pensando nisso, há uma geração que já pode se tornar feminista ou até mesmo nascer feminista? Isso certamente pode encontrar resposta na representação das mulheres na família, que 1 Mestranda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do CAPES. Orientanda da Profa Dra. Joana Maria Pedro. E-mail: [email protected] 2 Site brasileiro fundado em 2009 por Ligia Moreiras Sena, que atualmente reúne diversas mulheres, mães e feministas produzindo textos críticos acerca de temas como empoderamento feminino, maternidade e infância. Juntas já lançaram dois livros baseados nos textos do site, o livro Educar Sem Violência - Criando Filhos Sem Palmadas (2014) e o Mulheres Que Viram Mães (2016).

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

FEMININO, MASCULINO E MEMÓRIA FAMILIAR

Luana Borges Lemes1

Resumo: A estrutura familiar é uma referência fundamental ao promover percepções e

preconceitos de gênero em sociedade. Através da educação familiar é possível perpetuar

tradições e valores morais, bem como desconstruir comportamentos sexistas, mudança

que exige uma postura contestadora dos estereótipos de gênero. Para isso, os valores

feministas de igualdade de direitos e oportunidades de gênero se tornam decisivos ao

identificar a memória familiar essencialista de feminino e masculino para desfazer essa

base história patriarcal. Nessa reconfiguração de relações de poder de gênero desiguais

é possível promover uma nova educação geracional cooperativa, menos machista e

sexista, de respeito e valorização à diversidade de mulheres e homens. Isso é

apresentado no presente estudo através da entrevista realizada com Ligia Moreiras Sena,

uma mulher mãe e que se identifica como feminista e também é fundadora do site

Cientista Que Virou Mãe 2 . Busca-se assim, evidenciar a importância da memória

familiar e do feminismo na experiência de mulheres mães que, há algum tempo, buscam

construir uma nova forma de educar suas famílias.

Palavras-chave: feminismo; geração; gênero; memória; famílias.

Eu acredito que as crianças aprendem com modelos de vida, com formas de

viver e a minha forma de viver é feminista. então a Clara vive isso também.

Os momentos que eu preciso ativamente defender os valores feministas,

nesse momento que ela está com seis anos é a luta contra o sexismo na

infância, é o brinquedo de menina, o brinquedo de menino (...) eu não deixo

passar nada! Cada coisinha que falam eu: “não, mas por quê?” e faço ela

pensar também. Não vou lá e doutrino: “não e fim”. Faço ela pensar também

“filha, mas o que tem ali que você não pode brincar?”. Então, ela acaba

construindo isso junto (LIGIA SENA, 2016).

A memória familiar de Ligia Sena e seu posicionamento no feminismo basearam

os valores de igualdade que refletem na educação feminista que ela constrói hoje com

sua filha. Assim como Ligia Sena, muitas mulheres mães promovem educações

diferentes que rompem com a tradição machista transmitida por gerações. Pensando

nisso, há uma geração que já pode se tornar feminista ou até mesmo nascer feminista?

Isso certamente pode encontrar resposta na representação das mulheres na família, que

1Mestranda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do CAPES. Orientanda da

Profa Dra. Joana Maria Pedro. E-mail: [email protected] 2 Site brasileiro fundado em 2009 por Ligia Moreiras Sena, que atualmente reúne diversas mulheres, mães

e feministas produzindo textos críticos acerca de temas como empoderamento feminino, maternidade e

infância. Juntas já lançaram dois livros baseados nos textos do site, o livro Educar Sem Violência -

Criando Filhos Sem Palmadas (2014) e o Mulheres Que Viram Mães (2016).

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2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

atualmente tem formado um novo sentido de poder social despertado, muitas vezes,

com o maior número de mulheres líderes de suas famílias. Essa mudança de

comportamento se deve ao maior número de mulheres no mercado de trabalho, com

maior fonte de renda e poder de decisão na família. Mas, isso não necessariamente

significa autonomia, pois deve-se considerar as mulheres que assumem sozinhas o lar

devido aos respectivos maridos e pais de seus filhos que são omissos, mesmo quando

presentes ou quando estes abandonam a família.

Esse cenário retratado em dados do IBGE3 é também reflexo de um novo olhar

sobre a importância das mulheres em sociedade que se deve, em grande parte, à

consciência feminista por igualdade de gênero em direitos e oportunidades, que

desconstrói papéis sexistas como um novo valor geracional. Para isso, precisa-se

repensar a cultura de princípios androcêntricos que conforme Bourdieu (2002, p. 04)

necessita de uma socioanálise para “quebrar a relação de enganosa familiaridade que

nos liga à nossa própria tradição”. O autor trata da memória coletiva social que produz

uma construção naturalizada sobre os sexos junto a moralismos de papéis sociais de

gênero discriminativos que presumem o feminino e o masculino. Nisso é importante

ponderar, como cita Louro (2003, p. 23), que gênero “passa a exigir que se pense de

modo plural, acentuando que os projetos e as representações sobre mulheres e homens

são diversos”.

Ademais, a autonomia das mulheres é construída em grande parte nas relações

de gênero presentes na memória familiar. Para Halbawchs (1990) a memória, mesmo

sendo eminentemente individual, não é restrita a pessoa, e sim, está imbricada com os

grupos sociais aos quais se relaciona. Assim, para Halbawchs (1990, p. 46) “cidade,

amigos e família constituem como sociedades complexas. Então nascem as lembranças,

compreendidas em dois quadros de pensamentos comuns aos membros dos dois grupos”.

Essa memória costumeira gera um senso comum e permite questionar a tradição

ou memória familiar que perpetua o machismo, o que exige uma reconstrução de

valores pautados em uma cultura geracional que não mais sobrecarregue as mulheres.

Desse modo, desfaz-se a cultura que essencializa o masculino e o feminino na

tradicional educação familiar mostrando que o cuidado do lar e dos filhos não é

3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – o censo pesquisado de 2004 a 2014 revela ter triplicado

o número de famílias brasileiras chefiadas por mulheres. Disponível em:

http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv66777.pdf;

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/12/1714906-proporcao-de-familias-chefiadas-por-mulheres-

chega-a-40-em-2014.shtml

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3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

habilidade nata das mulheres. Connell e Messerschmidt (2013) reforçam tal contestação

ao pensar a masculinidade como um "projeto" ou prática social que ganha sentido tanto

coletiva quanto individualmente. Ou seja, masculinidade e feminilidade não são

identidades natas ou polos fixos e excludentes, e sim construções sociais misturadas em

mulheres e homens. Isso demonstra segundo Scott (1990, p. 86), a urgência do gênero

como categoria de análise na história, pois “é um elemento constitutivo de relações

sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é um primeiro

modo de dar significado às relações de poder”. Percebe-se então, que gênero permeia as

percepções da memória familiar sobre feminino e masculino, as quais devem considerar

pessoas como ponto de intersecções de um contexto social não sexista.

Em razão do poder cultural da família ao formar essa memória de valores aos

indivíduos e seus preconceitos de gênero, o presente estudo busca entender como a

experiência de uma mulher, mãe e feminista contemporânea como Ligia Moreiras Sena

pode inspirar e conduzir a uma educação diferente, com empoderamento feminino e

direitos igualitários de gênero. A entrevista4 realizada com Ligia confere a relevância da

história oral como entendimento da memória que remonta à riqueza citada por Perrot

(2005, p. 15): “a memória das mulheres é verbo. Ela está ligada à oralidade das

sociedades tradicionais que lhes confiava a missão de narradoras da comunidade”.

Tradição que visibiliza e legitima a história das mulheres e os estudos de gênero para o

centro do saber historiográfico. Para Perrot (2005, p. 16) “é por isso que o

desenvolvimento recente da história dita ‘oral’ é de certo modo uma revanche das

mulheres”, em que elas escrevem as próprias histórias e quando verbalizadas, muitas

vezes, se tornam histórias feministas, devido à convergência de desafios e conquistas

nas experiências das mulheres. A história feminista que as mulheres estão construindo

também é ratificada por Salvatici (2005, p. 29), pois “desde seus primórdios, a história

oral e a história de mulheres têm mostrado significativas similitudes em propósitos e

objetivos, bem como em campos de interesse”.

Tais reflexões conduzem à libertação de muitas mulheres e de suas famílias de

tradições machistas com o apoio de valores feministas, mas não sem esforço, tampouco

de modo rápido e acabado como cita Ligia Sena (2016) “é uma postura de vida, é full

time (...) Ser feminista tem muito de não aceitar algumas coisas seja para mim, ou seja,

4 Disponível na íntegra com a autorização da entrevistada, a quem interessar, através do e-mail da

entrevistadora [email protected]

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4 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

para você e pra qualquer outra mulher”. A identificação de Ligia Sena com o feminismo

reflete no seu trabalho que constrói narrativas junto a outras mulheres como forma de

empoderamento feminino. Nessa produção de saber de influência social elas fomentam

o questionamento das tradições familiares e culturais, pensando novas formas de educar

com posturas feministas. Assim, elas expõem situações de exclusão e iniquidade em que

vivem, algo ratificado por Davis apud Salvatici (2005, p. 30): “a maior parte do que

conhecemos nos é transmitida por homens. Em trabalhos literários, textos normativos,

tratados morais e expressões artísticas (...) Mulheres, por si mesmas, falam mais

diretamente”.

Diante disso, torna-se importante exaltar a narrativa de mulheres, que junto às

fontes orais estão criando uma nova história segundo Salvatici (2005, p. 31), que

valoriza as entrevistas em que “a história oral de mulheres é um encontro feminista,

mesmo se a entrevistada não for uma feminista”. Isso por causa das questões de gênero

em comum vivenciadas por mulheres, o que reforça a empatia entre elas e revela o

poder das entrevistas causarem identificação entre grupos oprimidos conforme Salvatici

(2005, p. 32), pois “as histórias faladas de mulheres foram consideradas um novo tipo

de verdade” e assim expandiram as teorias críticas sobre memória e gênero. Esse

trabalho feminista e militante confere voz a muitas mulheres e as fortalecem:

o feminismo me motiva a continuar, muitas vezes eu tô deprimida, tô

desanimada, mas não tenho como voltar atrás, o feminismo é isso, eu vivo

assim. Eu posso parar, mas eu alcancei uma coisa que as pessoas em geral

não têm, que é voz. É um privilégio e quando eu falo privilégio eu falo de

coisas ruins. Aí eu fico pensando, eu tenho direito de não fazer uso desse

privilégio?! (...) É um privilégio que eu tenho e eu preciso fazer uso dele

para defender alguém. Feminismo é isso, é um senso de responsabilidade,

não é só defesa pessoal dos meus direitos (LIGIA SENA, 2016).

Torna-se possível entender como as memórias de mulheres alteram as

significações historiográficas em que “feminismo e história oral convergiram

adicionalmente tanto no avanço da metodologia quanto da interpretação”, como cita

Salvatici (2005, p. 33) que completa: “para Luisa Passerini a conceituação de

subjetividade (como força e não limitação) foi o maior impacto da história de mulheres

na história oral”. Essa chamada guinada subjetiva5 na história evidencia a experiência

dos sujeitos comuns e as intersecções dos discursos de mulheres, que pondera

indivíduos desnaturalizados, que não nascem mulheres, nem feministas, tornam-se isso

em uma construção social do feminino.

5 SARLO, Beatriz.

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5 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Scott (1990, p. 6) demarca essa questão ao citar que “o termo ‘história das

mulheres’ revela a sua posição política ao afirmar (contrariamente às práticas habituais),

que as mulheres são sujeitos históricos legítimos”. Nessa busca por legitimidade as

mulheres se organizam e se identificam no feminismo como uma descoberta e estilo de

vida:

quando você passa por uma situação de vulnerabilidade muito explícita, você

começa a se questionar sobre as coisas ‘por que que é assim? Tem que ser

assim? Eu não aceito, então como que eu posso mudar?’. Tinham algumas

coisas que me incomodavam, mas eu não sabia como tornar isso uma

ferramenta de problematização. Não foi nem na gravidez, foi depois que eu

comecei a ler mais sobre o assunto. Terminei meu primeiro Doutorado, a

Clara nasceu e eu decidi fazer o outro eu fui para a Ciência Sociais, aí eu

comecei a me identificar mesmo. (...) É descoberta, posicionamento,

segurança, porque não adianta você descobrir, tem que se posicionar (LIGIA

SENA, 2016).

Eis que surge o poder da vulnerabilidade ou poder de agência6, próprio das

mulheres como minoria social, que se fortalecem ao se posicionarem politicamente a

partir da percepção dos problemas de gênero que prejudicam a autonomia delas, o que

impulsionou Ligia a repensar a essencialização social de feminino e do masculino

através do feminismo. Nisso, valida-se questionar como cita Nicholson (2000, p. 15) as

diferenças entre mulheres “são restritas as margens da história humana ou às supostas

qualidades ‘secundárias’ da feminilidade — aquelas que não afetam a definição básica

do ser mulher”. Por isso, precisa-se um olhar construcionista sobre a feminilidade, que

reconheça as distintas posições em que se constroem as mulheres como indivíduos

sociais.

Ligia Sena (2016) combate essa naturalização machista do masculino e do

feminino em sua memória familiar: “hoje estou exatamente no momento da

desconstrução. (...) Eu acho isso um erro, a gente dizer que tem determinadas coisas que

são valores femininos, porque se não significa que a gente deve aceitar que certas coisas

são valores masculinos”. Com isso, enfatizou a busca por equidade de gênero

reconhecendo as diferenças, mas não inferindo valores essencialmente femininos e

ressalta:

se a gente defender a paz para todos, a não violência, os direitos para todos,

isso não é um valor feminino, é um direito humano. (...) quando eu digo

‘vocês precisam valorizar o feminino’ não tô falando de um feminino como

instituição holística, tô falando presença, sujeito. A representação disso não

como valores intrínsecos, porque foi isso que nos acorrentou por muito tempo

(LIGIA SENA, 2016).

6 Spivak (1988)

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6 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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Nesse sentido as feministas buscam ressignificar a representação social das

mulheres pelos direitos humanos, o que implica reconhecer os privilégios destoantes.

Por isso, a luta chama-se feminismo, pois defender os direitos das mulheres apenas

como direitos humanos seria inócuo e muito amplo, mesmo que claramente seja um

tema inserido no feminismo. Ser feminista é destacar o problema de gênero, que Louro

(2003, p 17) afirma em relação as mulheres: “tornar visível aquela que fora ocultada foi

o grande objetivo das estudiosas feministas. A segregação social e política a que as

mulheres foram historicamente conduzidas tivera como conseqüência a sua ampla

invisibilidade como sujeito”. Nessa autoafirmação as feministas promovem reflexões e

mudanças educacionais focadas no caráter fundamentalmente social do gênero.

Com isso, o feminismo refuta o determinismo biológico desconstruindo atributos

socialmente aprendidos como femininos, conforme Zaidman (2009, p. 83) também

sobre a reflexão: “por que negar o que a especificidade feminina – mesmo tendo nascido

da opressão – poderia nos dar?”. Afinal, todo o mundo pode e deve aprender sobre

compaixão, afeto, gentileza e respeito que o feminino remete. Esse não nasce com as

mulheres, é aprendido. Nesse sentido, possibilita-se a ruptura da educação tradicional

que hierarquiza papéis sociais sexistas e para Zaidman (2009, p. 82) “enfatiza o aspecto

coercivo e repressivo da transmissão de modelos” da aprendizagem intelectual à

submissão, em que lembra como Beauvoir7 descreve tal educação limitante à autonomia

das mulheres e suas afirmações como sujeitos aptos a disputa de poder social.

Nesse feminino e masculino que devem integrar personalidades individuais com

autonomia, há a questão da maternidade imposta às mulheres como natural, que Ligia

Sena (2016) trata como experiência ímpar para cada mulher, o que rompe também com

o estigma de feminilidade. A divergência dessa subjugação do feminino é perceptível na

história de Ligia porque sua mãe era a chefe de decisões em casa e, ao mesmo tempo,

era quem mais trabalhava pelo lar e pelas filhas, por isso também educava de modo

mais rígido e menos afetuoso que o pai, por vezes era violenta e autoritária, deixando

claro as responsabilidades desiguais no lar:

minha mãe me educou e meu pai me mimou, meu pai não participou da

minha educação, se eu dissesse ‘pai vou lá na China’ ele dizia ‘tá bom, vai lá

confio em você’, isso meio que me desesperava. E outra, isso é uma omissão,

deixa para a mãe todas as decisões importantes de três filhas, três crianças,

então foi muito complicado para minha mãe também (LIGIA SENA, 2016).

7 Segundo Sexo (1949)

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7 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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Esse poder das mulheres no ambiente doméstico é um problema, pois se torna

uma sobrecarga para elas devido à omissão dos pais de família no lar. Mas, segundo

Grossi (2004, p. 16) “como explicaríamos o fato de que em nossa cultura brasileira são

as mães que mandam em casa? (...) Este é um dos elementos estruturais de nossa cultura,

o fato de haver uma divisão de poderes sociais, cabendo aos homens o poder sobre a

instância pública e às mulheres o privado”. Isso tem o suporte do “binômio dominação

masculina / submissão feminina” segundo a autora, que tem sido questionado nos

estudos gênero, pois afinal, é dessa limitação às mulheres que, em grande medida,

fortalece-se o patriarcado instituído em nossa história, sendo uma forma de organização

social segundo Scott (1990) que perpetua valores machistas.

Sobre isso, o trabalho doméstico é incutido erroneamente como competência

“natural” do feminino associado às mulheres que traz a noção de flexibilidade e

qualidades de minúcia, paciência e empatia, o que mostra segundo Molinier e Lang

2009, p. 104) “a positividade da relação entre feminilidade e trabalho, numa relação

oposta à da virilidade”. Entretanto, contrapondo o sexismo, tais habilidades devem ser

desenvolvidas por toda pessoa que almeja realizar um trabalho com excelência. A mãe

de Ligia não converge integralmente com tal comportamento esperado do feminino,

enquanto seu pai também rompe com a expectativa de masculino que educa os homens

para a agressividade, a insensibilidade e rigidez disciplinar, o que possibilita pensar a

diversidade entre homens e mulheres dissociado de padrões excludentes da educação

machista.

Sobre isso Ligia comenta que seu pai era afetuoso com as filhas: “ele tinha uma

noção de solidariedade, gentileza e amorosidade muito grande, era um cara bem

pacífico, ele me inspirava nesse sentido”, mas isso não abrangia o cuidado cotidiano

segundo Ligia: “carinho e cuidado são coisas bem diferentes, para ele era muito

diferente, hoje a gente já tem outra consciência de que as coisas têm que caminhar

juntas”. Então, havia uma sensibilidade limitada, assim como em muitos homens, o pai

de Ligia não exerceu a paternidade integralmente, pois foi omisso em suas

responsabilidades como trocar fralda, levar e buscar na escola, compartilhar as tarefas

domésticas. Segundo Ligia Sena (2016): “minha mãe fazia tudo isso. Meu pai era

aquele pai anos 80 que saía de manhã para o trabalho e voltava à noite e a gente só

convivia no final de semana”. Esse perfil de pai é datado do século XIX e ainda persiste

na atualidade, uma vez que consiste em um problema geracional de educação machista.

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8 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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Na resolução disso, necessita-se repensar as noções sobre virilidade associadas

ao masculino e aos homens, que expressam a dominância masculina nas relações sociais

e para Molinier e Lang (2009, p. 101) se reveste de atributos sociais como “a força, a

coragem, a capacidade de combater, o ‘direito’ à violência e aos privilégios associados à

dominação daquelas e daqueles que não são – e não podem ser – viris: mulheres,

crianças, etc.” Nesse contexto a masculinidade e a feminilidade se definem em sua

relação e por meio dela, o que se fortalece nas tradições familiares como na história de

Ligia, que está sendo a precursora ao romper essa continuação geracional de “papeis

tradicionais” extremamente sexistas, que frequentemente exploram o trabalho

doméstico das mulheres. Ainda, segundo Scott (1990) ao citar a teoria de Chodorow8,

o sentido feminino do Eu é fundamentalmente ligado ao mundo, o sentido

masculino do Eu é fundamentalmente separado do mundo’(...) se os pais

fossem mais envolvidos nos deveres parentais e mais presentes nas situações

domésticas os resultados do drama edipiano seriam provavelmente diferentes.

Essa interpretação limita o conceito de gênero à esfera da família e à

experiência doméstica, e para o(a) historiador(a) ela não deixa meios de ligar

esse conceito (nem o indivíduo) com outros sistemas sociais, econômicos,

políticos ou de poder (SCOTT, 1990, p. 16).

Nessas disposições sociais em que a estrutura familiar tradicional impõe uma

divisão sexual do trabalho a partir das responsabilidades domésticas excludentes a pais

e mães, o sexismo é ampliado a todos os âmbitos sociais. Isso atrasa a carreira

profissional das mulheres e também apresenta o problema de gênero como exclusivo da

esfera domiciliar. Perrot (2005, p. 16) retrata essa limitação: “o mutismo dos homens,

em um casal, ao tratar-se das recordações da infância ou da vida privada (...) que falar

de si mesmo seja contrário à honra viril que considera essas coisas negligenciáveis,

abandonando às esposas, o lugar junto ao berço e as questões relativas à casa”. Connel e

Messerschmidt (2013, p. 271) apresentam uma estreita relação sobre isso:

“masculinidades hegemônicas tendem a envolver padrões específicos de divisão interna

e conflito emocional, precisamente por sua associação com o poder generificado”. Os

autores tratam o gênero dirigido ao corpo e a tensão nas relações parentais devido à

divisão sexual do trabalho e no cuidado com as crianças que reforça o molde social

machista.

Confrontando essa realidade Ligia Sena (2016), relata: “minha mãe era muito

8 Nancy Chodorow. The Reproduction of Mothering: Psichoanalysis and the Sociology of Gender,

Berkeley, Calif. 1978, p. 169. Segundo Scott a teoria de Chodorow é mais sociológica e mais socializada,

mas ele constitui o ponto de vista dominante, através do qual a teoria das relações de objeto foi abordada

pelas feministas americanas.

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9 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

determinada, muito rígida em algumas coisas, ela sempre falou assim ‘vocês têm que

ser independentes’, ela fazia questão que a gente fosse para a faculdade, se formasse e

tudo mais”. Esse propósito de educar suas meninas com independência provém em

partes, segundo Ligia, da história familiar de sua mãe descender de imigrantes

portugueses, com uma trajetória de superação e autonomia.

Esse ímpeto de independência das mulheres proveniente da família rompe com a

educação machista que aprisiona as mulheres à submissão dos homens, porém Ligia

Sena (2016) comenta: “minha mãe ficou mais no plano das ideias e a gente realmente

foi lá e fez, todo mundo hoje é independente”. Isso porque apesar de ser uma líder

familiar a mãe de Ligia casou cedo e sempre trabalhou em casa, dependia

financeiramente do marido, o que para Ligia ainda é uma problemática de gênero em

família e decisivo na autonomia das mulheres: “venho de uma linhagem de mulheres

com a personalidade muito forte, daí também vem a minha, mas todas dependentes de

um homem. Então, pra mim ser dependente de um homem é uma afronta, não tenho

como ser dependente de um homem”. Mas, Ligia também pondera: “cada um sabe de si,

a gente sabe como é importante a criação das crianças, sabe que os homens não se

dedicam e aí nós vamos abandonar também?! Não dá pra fazer julgamento, mas não

nega que é problemático”. Nessa perspectiva Ligia comenta o tabu familiar que ainda

existe sobre o trabalho doméstico e deveria ser mais digno: uma mulher que escolhe ser

dependente financeiramente do marido para cuidar da casa e das crianças precisa ser

encarada como profissional (...) ela teria inclusive direito trabalhista pago pela família,

para quando ela chegar na idade de se aposentar ela também tenha direito”.

Além disso, Ligia Sena (2016) conta sobre a educação violenta que recebeu de

sua mãe, por sua forma ditatorial de educar as filhas a serem independente e talvez por

isso não conseguir ser afetuosa: “quando eu descobri que estava grávida se tinha uma

certeza é que minha filha não seria vítima de violência como eu fui. Minha mãe era uma

pessoa muito violenta, é ainda até hoje. (...) então, quando eu me tornei mãe rompeu

geral”. Essa diferença de valores afastou mãe e filha e gerou o propósito em Ligia de

não ser uma mãe igual a sua, de quem seu pai discordava mas tinha medo: “não tinha

um ser humano que não tinha medo dela e ela achava isso bom, que as pessoas a

temessem, uma espécie da manutenção do poder”. Tal postura violenta pode ser uma

subversão do poder, a fim de compensar a dependência financeira do marido, uma

cobrança de obediência como forma de valorizar sua dedicação doméstica exacerbada.

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10 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

E apesar da não identificação com a mãe, quando seus pais se divorciaram Ligia Sena

(2016) comenta: “fiquei muito mais próxima da minha mãe, porque ficou eu minha mãe

e minhas duas irmãs, meu pai não era presente, nosso vínculo se fortaleceu depois que

eu fiquei adulta”.

Nessa relação Ligia afirma que havia uma forte identificação e unidade familiar

coesa entre as mulheres, mas principalmente devido às dificuldades financeiras e

emocionais que passaram na época, que se transformou após a morte de uma irmã de

criação, em que a mãe e as três filhas afastaram-se. Então, Ligia enxergou sua referência

materna autoritária: “por muitos anos, até que eu me tornei feminista, ativista, defensora

dos direitos humanos eu me identificava muito com a minha mãe, até que eu vi que isso

não era mais motivo de orgulho pra mim, hoje eu sou muito diferente dela”. Isso conduz

à questão pertinente e abrasadora de Louro (1997, p. 112): "atitudes patriarcais e

sexistas se constituem num problema feminino ou masculino?".

Por isso também, Ligia trabalha hoje em um processo de pedagogia feminista,

desconstruindo memórias familiares e analisa no presente uma educação a ser

melhorada, por meio da lógica semelhante à citada por Louro (2005, p. 113) com

“dualismos ‘clássicos’: competição/cooperação; objetividade/subjetividade;

ensino/aprendizagem; hierarquia/igualdade — em que o primeiro termo representa o

modelo androcêntrico de educação e o segundo termo aponta para a concepção

feminista”. Esse ideal educacional possibilita um equilíbrio de potencialidades a

desenvolver em cada indivíduo para além do sexo, algo que Ligia trabalha na criação de

sua filha e reflete a sua educação também: “fui criada com uma sensação de justiça e

pertencimento grande, não sei dizer quanto isso era da minha família e quanto era meu

porque sempre tive essa noção da igualdade”.

Dessa forma, Ligia (2016) percebe a importância de uma educação não sexista

para sua filha, mas confessa: “os maiores desafios é você ter que ficar confrontando a

sociedade toda hora, toda hora e estar numa postura sempre alerta”. Isso demonstra sua

postura contínua de feminista e militante exigida para conduzir a nova educação, que

traz benefícios nítidos na vida de sua filha: “ela convive com muitas crianças, ela é

combativa ‘não, você não manda em mim, não, mas por que eu não posso brincar? Eu

também posso brincar!’ ela é combativa, ela não aceita as limitações não”. Apesar disso,

Ligia também reconhece que vive em uma redoma feminista coerente, diferente da

maioria das realidades sociais: “todas minhas amigas também tem um posicionamento

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feminista e ninguém é sexista, é um critério de convivência”.

Nessa educação feminista, há o que cita Scott (1990, p. 16): “sistemas de

significações, as identidades subjetivas são processos de distinção, que exigem a

supressão das ambigüidades e dos elementos opostos a fim de assegurar coerência e

compreensão comuns”. O feminismo busca expandir isso em combate à cultura

machista que no princípio de masculinidade pressupõe necessariamente a repressão dos

aspectos de feminilidades e vice-versa e para a autora “introduz o conflito na oposição

entre o masculino e o feminino”. Isso não tem relação com sexualidade, e sim a

comportamentos e potenciais cognitivos e sensíveis.

Tal dicotomia sexista é notada no “problema de ser princesa” para as meninas,

que sugere um modelo de vaidade e fragilidade e ainda recai na dependência de um

príncipe. Esse condicionamento do feminino para a submissão e a abnegação, perfil do

qual as feministas contestam em prol da autonomia, é relatado por Ligia: “eu tenho um

problema sério com princesas, mas a Clara se veste de princesa quantas vezes ela quiser

porque eu respeito a escolha dela. Mas, a Clara se veste de ninja, de guerreira, de tudo

(...) ela pode ser o que ela quiser, é uma coisa que eu pratico ativamente”. Uma

liberdade respeitada e um horizonte de referência amplo ofertado, por um

posicionamento familiar feminista, sem restrições mediadas por sexo biológico, assim

como a boneca ainda é, infelizmente, um tabu para educar meninos.

Essa postura de Ligia Sena (2016) como mãe se torna coerente com os ideais

feministas: “uma visão que eu acredito que seja mais democrática. É bem simples,

respeitar o direito de todos de ser quem querem ser, sem agredir ninguém. É feminismo

que eu quero para os direitos humanos, óbvio”. Esse pensamento suscita uma nova

geração capaz de valorizar, como lembra Salvatici (2000), ações de sensibilidade e

cuidado vistas como “específicas do feminino” na mentalidade machista que inferioriza

tais qualidades, para então, valorizá-las como dignidade, valor, força e coragem tanto

quanto os atributos considerados masculinos que devem ser equalizados. Essa é uma

comparação da autora com a resistência afetiva e ativa das mulheres italianas no pós-

guerra, assim como as mães feministas da atualidade que promovem novas educações

familiares ressignificando o feminino e o masculino engessado pelo machismo, a fim de

empoderar mulheres e ampliar possibilidades de educação não sexista.

Considerações Finais

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Provavelmente uma geração feminista esteja em curso, de modo ainda lento e

com alguns retrocessos políticos e sociais, mas possível de ser acreditada e promovida

quando é considerada a expansão de vivências de superação e trabalho pró-ativo como o

relatado por Ligia Sena. Portanto, se hoje existe uma força feminista sendo valorizada

se deve muito às mulheres e às mães que compartilham de uma educação não sexista,

com empoderamento feminino e materno, valorizando o respeito à diversidade e aos

direitos das mulheres. A partir desse contexto de luta social gradativo convicto da

necessidade de equidade sobre questões de gênero e direitos humanos, atualmente é

coerente pensar que há uma geração que já pode nascer e se tornar feminista. Com isso,

constroem-se novos saberes e valores em gerações feministas que promovam uma nova

cultura com políticas familiares cooperantes para as mulheres. Assim, a memória

familiar já pode se inscrever na história como importante parte da formação cultural e

de percepções sobre feminino e masculino que guiam a educação sobre igualdade de

gênero.

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Female, Male and Family Memory

Abstract: The family structure is a fundamental reference in promoting of gender

perceptions and prejudices in society. Through family education it is possible to

perpetuate traditions and moral values, as well as to deconstruct sexist behaviors,

change that demands an answering stance of gender stereotypes. To this, the feminist

values of equal gender rights and opportunities become decisive in identifying the

essentialist family memory of feminine and masculine to undo this base patriarchal

history. In this reconfiguration of unequal gender power relations, it is possible to

promote a new cooperative and less sexist generational education of respect and

appreciation for the diversity of women and men. This is introduced in the present study

through an interview with Ligia Moreiras Sena, a mother woman who identifies herself

as a feminist and is also the founder of the website Cientista Que Virou Mãe. Thus, it is

sought to highlight the importance of family memory and feminism in the experience of

mothers who, for some time, seek to build a new way of educating their families.

Keywords: feminism; generation; gender; memory; families.