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67 Q FEMINISMO E RECORTES DO TEMPO PRESENTE mulheres em revistas “femininas” TANIA NAVARRO SWAIN Professora do Departamento de História da Universidade de Brasília Resumo: Ouve-se dizer que o feminismo acabou. Que tudo já foi conseguido pelas mulheres, conquistas em todos os campos sociais. Apesar de evidentes modificações nas relações de gênero em alguns países do Oci- dente, o que aqui se pretende analisar é a dimensão das representações sociais do feminino, constitutivas das configurações identitárias e corpóreas, já que presentes na apreensão do real. A mídia e as revistas femininas compõem um locus especial de análise da ação do discurso e das imagens modelando corpos e assujeitando-os a uma certa representação do feminino. Palavras-chave: feminismo; revistas femininas; representações sociais; corpo e identidade sexual. ue rumor é este, “trocas verbais no interior de uma sociedade”, 1 que se ouve nas esquinas, nos bares, nas salas de jantar e nas de aula, nos ôni- bus superlotados e nos carros de luxo? O femi- sões físicas, humilhações, palavras, gestos, é apenas um marco de imagens e representações que instauram um corpo genitalmente definido e reduzido a um sexo bioló- gico. A noção de “gênero” criada pelos estudos feministas desmascara a ação do social contida nos discursos sobre a “natureza” humana e seu valor heurístico é incontornável; entretanto, a força compreendida nas análises da gene- rização humana tende a se diluir nos aspectos demonstra- tivo e relacional como se o diagnóstico pudesse por si só curar o mal. As composições de gênero determinam os valores e modelos desse corpo sexuado, suas aptidões e possibili- dades, e criam paradigmas físicos, morais, mentais, cujas associações tendem a homogeneizar o “ser mulher”, de- senhando em múltiplos registros o perfil da “verdadeira mulher”. Se o masculino também é submetido a modelos de performance e comportamento, a hierarquia que funda sua instituição no social desnuda o solo sobre o qual se apóia a construção dos estereótipos: o exercício de um poder que se exprime em todos os níveis sociais. A análise dos mecanismos de condensação discursiva e representacional da carne em corpos sexuados permite detectar agentes estratégicos na reprodução, reatualização, ressemantização de formas, valores e normas definidoras de um certo feminino naturalizado, travestido em slogans modernos, em imagens de “liberação”, cujos sentidos, nismo acabou? O infinito e insidioso ruído do discurso social sussurrado, explicitado, demonstrado, sugere a des- necessária continuidade de um movimento tornado obso- leto diante das “evidentes” conquistas das mulheres: no plano político, já podem votar e ser votadas, qual a quei- xa? São minoria nos altos postos legislativos e judiciá- rios? Questão de tempo. No campo profissional as portas se abrem, para algumas eleitas. Questão de competência. Salários desiguais para tarefas idênticas? Os ajustes se fazem aos poucos… Decreta-se assim no senso comum e na análise teórica o fim do feminismo: afinal, os gêneros não são igualmen- te construídos socialmente? Entretanto, colocando-se no mesmo assujeitamento ao social a constituição do femini- no e do masculino, esquece-se facilmente o caráter hie- rárquico da generização do humano. De fato, o ufanismo discursivo da igualdade de opor- tunidades não consegue encobrir a profunda polarização da sociedade ocidental em imagens esculpidas em forma- tos binários – mulher e homem –, cujos contornos assimétricos delimitam, autorizam, definem os papéis, a ação, o ser no mundo. Na prática social, a violência direta e indireta que povoa o cotidiano das mulheres com agres-

FEMINISMO E RECORTES DO TEMPO PRESENTE … · conotativo do que é dito e do dizível indica a recuperação e/ou atualização de representações binárias, ... se as teorias feministas

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FEMINISMO E RECORTES DO TEMPO PRESENTE: MULHERES EM ...

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FEMINISMO E RECORTES DOTEMPO PRESENTE

mulheres em revistas “femininas”

TANIA NAVARRO SWAIN

Professora do Departamento de História da Universidade de Brasília

Resumo: Ouve-se dizer que o feminismo acabou. Que tudo já foi conseguido pelas mulheres, conquistas emtodos os campos sociais. Apesar de evidentes modificações nas relações de gênero em alguns países do Oci-dente, o que aqui se pretende analisar é a dimensão das representações sociais do feminino, constitutivas dasconfigurações identitárias e corpóreas, já que presentes na apreensão do real. A mídia e as revistas femininascompõem um locus especial de análise da ação do discurso e das imagens modelando corpos e assujeitando-osa uma certa representação do feminino.Palavras-chave: feminismo; revistas femininas; representações sociais; corpo e identidade sexual.

ue rumor é este, “trocas verbais no interior deuma sociedade”,1 que se ouve nas esquinas, nosbares, nas salas de jantar e nas de aula, nos ôni-bus superlotados e nos carros de luxo? O femi-

sões físicas, humilhações, palavras, gestos, é apenas ummarco de imagens e representações que instauram umcorpo genitalmente definido e reduzido a um sexo bioló-gico.

A noção de “gênero” criada pelos estudos feministasdesmascara a ação do social contida nos discursos sobrea “natureza” humana e seu valor heurístico é incontornável;entretanto, a força compreendida nas análises da gene-rização humana tende a se diluir nos aspectos demonstra-tivo e relacional como se o diagnóstico pudesse por si sócurar o mal.

As composições de gênero determinam os valores emodelos desse corpo sexuado, suas aptidões e possibili-dades, e criam paradigmas físicos, morais, mentais, cujasassociações tendem a homogeneizar o “ser mulher”, de-senhando em múltiplos registros o perfil da “verdadeiramulher”. Se o masculino também é submetido a modelosde performance e comportamento, a hierarquia que fundasua instituição no social desnuda o solo sobre o qual seapóia a construção dos estereótipos: o exercício de umpoder que se exprime em todos os níveis sociais.

A análise dos mecanismos de condensação discursivae representacional da carne em corpos sexuados permitedetectar agentes estratégicos na reprodução, reatualização,ressemantização de formas, valores e normas definidorasde um certo feminino naturalizado, travestido em slogansmodernos, em imagens de “liberação”, cujos sentidos,

nismo acabou? O infinito e insidioso ruído do discursosocial sussurrado, explicitado, demonstrado, sugere a des-necessária continuidade de um movimento tornado obso-leto diante das “evidentes” conquistas das mulheres: noplano político, já podem votar e ser votadas, qual a quei-xa? São minoria nos altos postos legislativos e judiciá-rios? Questão de tempo. No campo profissional as portasse abrem, para algumas eleitas. Questão de competência.Salários desiguais para tarefas idênticas? Os ajustes sefazem aos poucos…

Decreta-se assim no senso comum e na análise teóricao fim do feminismo: afinal, os gêneros não são igualmen-te construídos socialmente? Entretanto, colocando-se nomesmo assujeitamento ao social a constituição do femini-no e do masculino, esquece-se facilmente o caráter hie-rárquico da generização do humano.

De fato, o ufanismo discursivo da igualdade de opor-tunidades não consegue encobrir a profunda polarizaçãoda sociedade ocidental em imagens esculpidas em forma-tos binários – mulher e homem –, cujos contornosassimétricos delimitam, autorizam, definem os papéis, aação, o ser no mundo. Na prática social, a violência diretae indireta que povoa o cotidiano das mulheres com agres-

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constituídos em redes significativas, são expressão de umassujeitamento à norma instituída.

Algumas transformações formais, de fato, realizaram-se em alguns países ocidentais em níveis legais e/ou jurí-dicos, graças justamente aos movimentos feministas, ca-racterizados pela sua multiplicidade, táticas e estratégiasdiversificadas diante de realidades. Mas o dinamismo e oalcance das mudanças – maiores ou menores de acordocom o país – têm-se reduzido ou mesmo regredido (Faludi,1991), na medida em que as transformações não atingemas representações de gênero que constituem os corposhumanos em modelos de ser.

O que aqui se pretende argumentar é que, além do pa-pel social definido em feminino e masculino, as represen-tações e imagens de gênero constroem e esculpem os cor-pos biológicos, não só como sexo genital mas igualmentemoldando-os e assujeitando-os às práticas normativas quehoje se encontram disseminadas no Ocidente.

Nessa perspectiva, as representações sociais são con-sideradas uma forma de construção social da realidade cujamediação atravessa e constitui as práticas pelas quais seexpressam. Para Denise Jodelet (1994:46), um pressupostofundamental do estudo das representações sociais é o da“(…) inter-relação de uma correspondência entre as for-mas de organização e de comunicação sociais e as moda-lidades de pensamento social, vistas sob o ângulo de suascategorias, de suas operações e de sua lógica”.

Assim, seja no rumor das conversas que fundamentamo senso comum, na literatura, no discurso científico, ouem tudo que é impresso ou falado, podemos encontrarrepresentações sociais que instituem o mundo em suasclivagens valorativas, nos recortes significativos que de-finem as categorias de percepção, análise e definição dosocial.

A comunicação expõe assim sua própria constituiçãode categoria ao se expressar e as matrizes de inteligibi-lidade do discurso social podem ser apreendidas em suaanálise; o discurso social é aqui entendido como “(…) tudoo que é dito e escrito em uma determinada sociedade; tudoque se imprime, tudo que se diz publicamente ou se re-presenta hoje na mídia eletrônica. Tudo que se narra ouargumenta, se consideramos que narrar e argumentar sãoas duas maneiras principais de elaboração discursiva.”(Angenot, 1989:13). Assim, a televisão, as novelas, osromances, as revistas em quadrinhos, as revistas em ge-ral, os jornais, a internet, etc., em seu espaço de recepçãoe interação, veiculam representações sobre as mulheres,os homens, a sociedade. Imagens e textos compõem um

mosaico que integra a maneira de se perceber o mundo eo desenho de sua positividade.

Dessa forma, se o discurso da mídia em seu dialogismocom o rumor social decreta o fim do feminismo, o campoconotativo do que é dito e do dizível indica a recuperaçãoe/ou atualização de representações binárias, excludentese hierarquizadas sob novas roupagens. Mulheres e homenscontinuam a ocupar lugares tradicionalmente traçadossegundo sua “natureza” feminina ou masculina, esta mes-ma “natureza” desconstruída pelo feminismo contempo-râneo. Longo é o caminho trilhado pelos feminismos plu-rais em suas estratégias e argumentações desde Simonede Beauvoir, quando a pretensa essência da mulher édesconstruída em uma simples frase que vincula o “sermulher” ao “ser” social.2

Se a história das mulheres restitui de alguma forma apresença, a ação e a resistência das mulheres ao imaginá-rio ocidental em narrações pontuais, o feminismo argu-menta e analisa a construção, os mecanismos que produ-zem poder e reproduzem as desigualdades de gênero.

Entretanto, se as teorias feministas não cessam de ex-pandir seu acervo de categorias e seu horizonte de análi-se, os movimentos feministas em sua prática social se vêemdesautorizados e desmotivados diante da afirmação gene-ralizada de que “o feminismo acabou” e que, sobretudo, ofeminismo é uma prática anacrônica uma vez que, final-mente, “a igualdade já não foi alcançada?”

Jane Flax (1991) observa que a análise das relações degênero, como são constituídas, pensadas e experimenta-das, é uma meta básica do feminismo; sublinha, entretan-to, a necessidade de apontarmos o domínio do pensável,ou seja: como reproduzimos estas relações em torno devalores e significados cuja aparência anódina não permi-te uma imediata apreensão das hierarquias implícitas?Como são representadas, em que constelações de sentidose inserem as imagens de gênero que são veiculadas noespaço midiático, locus privilegiado de um imaginárioinstituinte de relações sociais?

Nunca é demais destacar a démarche proposta porFoucault (1991) de inversão das evidências na análise dodiscurso social: buscar a vontade de verdade e os recortesdiscursivos que, no caso, constroem a naturalização depapéis. O discurso de verdade apóia-se na tradição, na ciên-cia, na religião para definir a essência dos seres: uma iden-tidade baseada em critérios arbitrários que se apresentacom um caráter atemporal, negação de toda historicidade,em asserções do tipo “eterno feminino”, “prostituição, amais antiga profissão do mundo”. Para Foucault (1991:22),

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esta “(…) vontade de verdade que se impôs a nós há tantotempo é tal que a verdade assim proposta não pode senãoescondê-la”, pois a evidência esconde em suas dobras avontade de poder que a anima.

De fato, as representações sociais, estudadas em umtempo e local determinados sobre um corpus específico,são também reatualizações de imagens que permanecemalojadas nos nichos do interdiscurso, “(…) processo dereconfiguração incessante no qual uma formação discursivaé levada (…) a incorporar elementos pré-construídos, pro-duzidos fora dela, com eles provocando sua redefinição eredirecionamento (…)” (Maingueneau, 1989:113).

Assim, no Ocidente, as representações das mulheresvêm sendo diabolizadas ou santificadas, e essas expres-sões compõem a noção de uma natureza sexuada selva-gem, rebelde, má, cuja domesticação resultaria na ima-gem da “boa”, da “verdadeira” mulher. Os discursosfundadores dessas “certezas” em torno do feminino vãode Aristóteles a Paulo de Tarso, passando por inumerá-veis caminhos discursivos e temporalidades diversas, en-tre o medievo e a modernidade. (Swain, s.d.)

No saber instituído pela filosofia e pela história, a pa-lavra dos “grandes homens” esclarece sobre a “verdadei-ra” natureza da mulher, repondo sem cessar, nos espaçosinterdiscursivos, representações pejorativas sobre o femi-nino que delimitam seu lugar no mundo, suas possibilida-des e as práticas às quais ela deve se restringir.3

Alguns exemplos: Jean de Marconville, em 1564, in-voca os gregos, os romanos, os textos bíblicos, os padresda Igreja para demonstrar a maldade das mulheres. Se-gundo ele, Adão, “(…) o mais dotado de todas as perfei-ções que todos os outros homens, foi entretanto vencidono primeiro assalto que lhe fez sua mulher”. Ainda asse-gura que as mulheres não têm aptidões “(…) para mane-jar e conduzir coisas grandes e difíceis como costumes,religião, república e família, pois parecem ter sido feitasmais para a volúpia e o ócio que para tratar negócios deimportância.” (Marconville, 1991:97 e 101).

Montaigne (apud Groult, 1993:83): “A mais útil e hon-rada ciência e ocupação para uma mulher é a ciência dalimpeza”; Diderot (apud Groult, 1993:89): “A mulher temem seu interior um órgão sucetível de espasmos terríveisque dela dispõem e suscitam em sua imaginação fantasmasde toda espécie” Schopenhauer (apud Groult, 1993:93):“Não deveriam existir no mundo senão mulheres de inte-rior, dedicadas à casa, e jovens aspirando a isto e que for-maríamos não à arrogância, mas ao trabalho e à submis-são.” E ainda: “A mulher (…) permanece toda sua vida uma

criança grande, uma espécie de intermediária entre a crian-ça e o homem, este o verdadeiro ser humano”.

Proudhon (apud Groult, 1993:96-97), o “pai do anar-quismo moderno” explicita seis casos em que o maridopode matar sua mulher, entre eles “a insubmissão obsti-nada, o impudor e o adultério”, e acrescenta: “Uma mu-lher que usa sua inteligência torna-se feia, louca, (…) amulher que se afasta de seu sexo, não somente perde asgraças que a natureza lhe deu (…) mas recai no estado defêmea, faladeira, sem pudor, preguiçosa, suja, pérfida,agente de devassidão, envenenadora pública, uma pestepara sua família e para a sociedade”. Nietzsche (apudGroult, 1993:102): “O homem inteligente deve conside-rar a mulher como uma propriedade, um bem conservadosob chave, um ser feito para a domesticidade e que só chegaà sua perfeição em situação subalterna”.

E isso sem citar a autoridade dos Rousseau, Freud,Hegel, Comte, Lutero, Lombroso, dos tratados médicos edos manuais de confissão, da literatura e do teatro, dapoesia, veiculando essas imagens que desqualificam e atre-lam a mulher a um destino biológico e criam “(…) umcampo de elementos antecedentes em relação aos quaisse situa, mas que tem o poder de reorganizar e deredistribuir segundo relações novas” (Foucault, 1987:143).Assim a sedução perversa, a inferioridade física e social,a incapacidade intelectual, a dependência de seu corpo ede seu sexo, a passividade, vêm sendo reafirmadas emimagens e palavras que povoam o imaginário ocidental.

Essas imagens do feminino ancoradas na memóriadiscursiva4 se incorporam às representações de mulheresatuais, transformadas, mas guardando as nuanças que fa-zem das práticas sociais um espaço binário assimétrico,cujas polarizações reforçam e justificam a divisãogenerizada do mundo. Ao feminino, o mundo do senti-mento, da intuição, da domesticidade, da inaptidão, doparticular; ao masculino, a racionalidade, a praticidade, agerência do universo e do universal.

Apenas os discursos religiosos integristas ou de extre-ma direita se permitem na atualidade declarações de umtal teor pejorativo sobre as mulheres; entretanto, os ditospopulares, as piadas, as letras de música e as representa-ções sociais que encontramos em imagens e textosmidiáticos reformulam o atrelamento da mulher a seu corpoe à natureza “feminina”.

Os produtos culturais destinados ao público femininodesenham, em sua construção, o perfil de suas receptorasem torno de assuntos relacionados à sua esfera específi-ca: sedução e sexo, família, casamento, maternidade e fu-

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tilidades. A ausência, nas revistas femininas, de debatepolítico, de assuntos econômico-finaceiros, das estratégiase objetivos sociais, das questões jurídicas e opinativas éextremamente expressiva quanto à participação presumi-da, à capacidade de discussão e criação, ao próprio nívelintelectual das mulheres que as compram. O femininoaparece reduzido a sua expressão mais simples e simpló-ria: consumidoras, fazendo funcionar poderosos setoresindustriais ligados às suas características “naturais”:domesticidade (eletrodomésticos, produtos de limpeza,móveis), sedução (moda, cosméticos, o mercado do sexo,do romance, do amor) e reprodução (produtos para ma-ternidade/crianças em todos os registros, da vestimenta/alimentação aos brinquedos).

Mulheres e homens, a “evidência” da diferença bioló-gica seria o argumento último da necessária separação deesferas sociais baseada na diferença de sexos. Acompa-nha-se, entretanto, Judith Butler (1990) e Nicole ClaudeMathieu (1991) quando questionam essa nova naturaliza-ção: a primeira afirma que o gênero só existe quando sematerializa na prática do social, heterogênea em suahistoricidade:

“O gênero pode também ser designado como o verda-deiro aparato de produção através do qual os sexos são es-tabelecidos. Assim, o gênero não está para a cultura comoo sexo para a natureza; o gênero é também o significadodiscursivo/cultural pelo qual a ‘natureza sexuada’ ou o ‘sexonatural’ é produzido e estabelecido como uma forma ‘pré-discursiva’ anterior à cultura, uma superfície politicamen-te neutra sobre a qual a cultura age” (Butler, 1990:7).

Mathieu (1991:256) acrescenta que é esse gênero insti-tuído que cria o sexo biológico, pois a heterogeneidade cul-tural de relações sexo/gênero “(…) nos leva a pensar nãomais que a diferença dos sexos é ‘traduzida’ ou ‘expressa’ou ‘simbolizada’ pelo gênero, mas que o gênero constrói osexo. Entre sexo e gênero é estabelecida uma correspondên-cia ‘socio-lógica’ e política”.5 Ou seja, a importância dadaao sexo, ao aparelho genital, na positividade e divisão da so-ciedade, é ela mesma uma criação histórica e social.

Isso nos leva à questão dos corpos que se transformamem feminino e masculino num processo significativo querestitui, no discurso e na matéria, as representaçõesvalorativas que dão sentido às relações sociais. Assim, asexualidade torna-se o eixo principal da identidade e doser no mundo, fundamentando-se em valores institucio-nais tais como procriação, casamento, família; a hegemoniada heterossexualidade, prática sexual entre outras, comoatesta a multiplicidade de culturas, torna-se naturalizada.

Essa montagem complexa compreende todo um siste-ma de representações e auto-representações sociais codi-ficada em normas, regras, paradigmas morais e modeloscorpóreos, que delimita os campos do aceitável, do dizível,do compreensível. Teresa de Laurentis (1987:5) chamaessa engrenagem de sex gender system que seria “umconstruto sociocultural e um aparatus semiótico, um sis-tema de representação que confere sentido (identidade,valor, prestígio, localização no parentesco, status na hie-rarquia social, etc.) aos indivíduos na sociedade”.

Na perspectiva feminista de detectar os mecanismos deprodução e atualização deste quadro representacionalLaurentis (1987:19) aponta para “as tecnologias do gêne-ro” que de forma discursiva ou imagética “(…) têm o po-der de controlar o campo do sentido social e então produ-zir, promover ou implantar as representações de gênero”.

Essas tecnologias no mundo contemporâneo possuemsua expressão paroxística no discurso mídiático. Comocomenta Foucault (1988:180), “(…) Afinal, somos julga-dos, condenados, classificados, obrigados a desempenhartarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrerem função dos discursos verdadeiros que trazem consigoefeitos específicos de poder.”

Apesar da proliferação dos textos e imagens no mur-múrio contínuo e inesgotável do cotidiano ocidental, aapropriação social do discurso se dá em diferentes instân-cias discursivas, lugares de fala, posições de autoridadeque legitimam ou excluem, delimitam ou expandem ashierarquias e os valores definidores de sentido e de luga-res sociais, na Ordem do Discurso, na economia de umimaginário em que se pode detectar a hegemonia das re-presentações tradicionais e naturalizadas de gênero.

Regularmente o discurso social retoma a medicalizaçãodo homossexualismo, a dependência psíquica incontornávelda mulher em relação a seu corpo sexuado na incapacitaçãoque resulta da TPM (tensão pré-menstrual) ou na univer-salização dos “males” da menopausa, como veremos adiante.Esses tipos de asserções reduzem a multiplicidade da ex-periência à imagem da mulher, essencializada, partilhandoigualmente a fragilidade de uma natureza que finalmentejustifica e reitera seu lugar subordinado. A questão que seimpõe é: como se pode confiar no julgamento, na palavra eno raciocínio de um ser subjugado periodicamente por ner-vosismos ou calores? Isso não seria apenas uma reformula-ção da imagem da “mulher histérica”?6 O assujeitamentodas mulheres e das próprias feministas a esse tipo de dis-curso revela a força de autoridade do discurso médico, di-vulgado e reafirmado pela mídia.

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Foucault (1991:110) afirma que “(…) em toda socie-dade a produção do discurso é ao mesmo tempo controla-da, selecionada, organizada e redistribuída por um certonúmero de procedimentos (…)” e as tecnologias de pro-dução de gênero fazem parte integrante desta démarche,conjurando e ao mesmo tempo assimilando as transfor-mações sociais conseguidas pelos movimentos feministas.Sob novas roupagens, quais as representações do femini-no veiculadas pela mídia atualmente, nas propaladas re-formulações das relações de gênero?

A análise de revistas “femininas” recorta, no universodiscursivo, este “(…) conjunto de discursos que interagemnum dado momento (…)” (Maingueneau, 1996:14) umlugar de fala que nos traz textos e imagens como objetossociais e históricos, elaborados no social segundo códi-gos e significados pré-construídos; por outro lado são,também, produtores/ressematizadores das representaçõesinstituidoras da socialidade. Disputando um mercado mi-lionário, entre publicidades, reportagens, conselhos, di-cas, moda, receitas culinárias e de vida, procuram in-terpelar e conduzir as receptoras para um espaço designificações cuja proximidade da dóxa assegura sua pos-sibilidade de leitura; existiria talvez um projeto pedagó-gico que urde a trama dos sentidos assim veiculados, numaretórica que busca “(…) convencer os outros de que, defato, apesar de tudo, ainda se vive no melhor dos modospossíveis (…)”(Eco, 1993:174).

Os sentidos do mundo, assentados em valores e nor-mas, expectativas e barreiras, definições e identidades, sãoassim constituídos em opinião pública, ciência, religião,lei, nas instâncias discursivas que regem e regulam asocialidade.

O mundo da comunicação contemporâneo é hoje tal-vez o único espaço sem fronteiras e a circulação de ima-gens e representações sociais é virtualmente sem limites;as matrizes de inteligibilidade partilhadas e veiculadas pelamídia atualizam, das profundezas da memória discursiva,imagens estereotipadas do feminino e do masculino, masnão apenas em um espaço cultural definido.

Assim, podemos sugerir a hipótese de que se o femi-nismo se desdobra hoje em teorias e estratégias pluraisque apontam para a multiplicidade das situações e dascondições materiais das mulheres, a mídia, em temposde globalização, pretende a homogeneização da condi-ção feminina e a recuperação da imagem da “verdadei-ra mulher” feita para o amor, a maternidade, a sedu-ção, a complementação do homem, costela de Adãoreinventada.

Com efeito, a mídia se localiza na noção de dispositi-vo, aventado por Foucault (1979:244) como “(…) umconjunto decididamente heterogêneo que engloba discur-sos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões re-gulamentares, leis, medidas administrativas, enunciadoscientíficos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas”.Assim, as tecnologias do gênero descritas por Laurentisaprofundam essa noção verticalizando-a na constituiçãodas representações generizadas do humano.

Para transitar nesse universo globalizado da atualida-de, em que a troca cultural é parte do mercado mundial,foram escolhidas para análise quatro revistas em dois paí-ses: Nova (jun, 1999) e Marie Claire (maio, 1999), revis-tas brasileiras, e Elle-Québec (janvier, 1999) e LaChatelaîne (décembre, 1998) da província francesa doQuébec-Canadá.

Línguas latinas, matrizes culturais imbricadas, numaeconomia de trocas representacionais da América do Nortee América do Sul. A intenção é tentar observar como asrepresentações de gênero constroem os corpos sexuadose as práticas femininas são assim homogeneizadas.7

O tom geral das revistas é de alegria, de confiança nofuturo, certeza de poder conciliar tarefas, assumir os no-vos espaços abertos às mulheres sem perder um só gramade sua “feminilidade”, perspectiva que “(…) em nada sedistingue daquela ética da felicidade barata pela qual serege uma civilização do lucro e dos consumos” (Eco,1993:174). De fato, o que se nota é uma certa condescen-dência em relação à mulher profissional, cuja atividadeseria apenas um acréscimo às suas tarefas habituais, nun-ca uma modificação da divisão “natural” do trabalho. Opúblico-alvo é a mulher de classe média, jovem, com umcerto nível de instrução e renda, cujas preocupações e in-teresses são presumidos nos apelos publicitários e nos te-mas desenvolvidos.

As capas das revistas brasileiras Nova e Marie Claireapresentam chamadas que indicam as matrizes de sentidosobre as quais se apóiam o corpo e seus contornos, a se-xualidade heterossexual, a sedução, o casamento e a ma-ternidade. O corpo tecnológico, refeito, remodelado paraseguir o modelo de mulher cujas imagens povoam a re-vista aparece em ambas: plástica na barriga e transplantesem Marie Claire (MC); em Nova, aumento dos seios comsilicone. Na rede discursiva texto/imagens dessas revis-tas, as publicidades vêm reforçar os sentidos e as repre-sentações propostas nas capas, como veremos mais adiante.

Em MC, as três primeiras chamadas discutem a sexua-lidade e o casamento: “As fases da separação: da dor ao

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alívio”; “Lua-de-mel: como era e como ficou”; “Orgas-mo, a ginástica sexual que aumenta o poder feminino”.Um depoimento – lugar de fala da leitora – anuncia amaternidade: “um milagre de amor salvou meu filho”. Umbelo rosto de mulher compõe a capa, moreno, olhos cas-tanhos, cujo sorriso anuncia o bem-estar da mulher brasi-leira.

A capa da revista Nova é mais provocante: uma exube-rante loura de olhos azuis, seminua, apenas envolta emgaze azul: mulher versão Barbie, o retorno infindável? Aschamadas estão todas voltadas para a sexualidade e a se-dução: “14 histórias inconfessáveis de ousadias sexuais”;“O que você faz para engatar ou destruir o namoro”; “Te-rapia sexual é uma saída para casamentos na corda bam-ba?”; “50 homens charmosos e solteiríssimos que queremreceber sua mensagem”. De fato, as duas revistas são cons-truídas em função de um personagem cuja presença éincontornável e em torno do qual giram as mulheres in-cansavelmente: o homem.

Em ambas as revistas o corpo é central, pois é a partirde sua capacidade de sedução que os demais elementosda rede discursiva se integram. O cyborg analisado porDonna Haraway, o corpo tecnológico, é evocado pelo dis-curso sobre o transplante, do qual se trocam as peças naluta contra a morte; a plástica na barriga e as publicida-des de cosméticos e cremes rejuvenescedores apelam àeterna juventude, ao corpo produzido: o modelo corporalestá finalmente ao alcance de todas, na luta contra o tem-po e as imperfeições. Com a cosmetologia, nenhuma mu-lher precisa ser feia, uma vez que a beleza é condição sinequa non para o romance e a felicidade.

As publicidades referentes ao corpo em MC apontampara a beleza possível, mostrando às mulheres como elasPODEM ser. “Livrei-me da barriga e das recordações tris-tes” diz uma leitora em MC: o excesso no corpo remete àtristeza e à infelicidade.

O sumário de MC transita entre reportagens que arti-culam valores tradicionais (entrevista com Adélia Pradoe comunidade tradicional no Rio Grande do Sul) e maté-rias sobre duas personalidades masculinas, decoração einterior (interesse principal e locus específico da mulher),problemas de relacionamento de casais e é claro, Moda,Beleza, Saúde e dicas para uma Boa vida).

A única matéria de cunho político strictu sensu refere-se às “viúvas e órfãs de Pinochet”, na qual aparecem comoguardiãs de uma memória – de um pai ou marido, cujasimagens são predominantes. “Até hoje muitas mulherescontinuam procurando saber o que aconteceu com seus

parentes desaparecidos”. Apesar do corpo da matéria apon-tar para mulheres que foram torturadas, violadas e assas-sinadas, a construção do texto e as imagens as tornamespectadoras e auxiliares das verdadeiras vítimas – os ho-mens, que perderam a vida pela liberdade. A resistênciadas mulheres à ditadura não aparece senão como a dor daperda, mote das chamadas e das fotos: a corda sensível éa quebra familiar, o registro da emoção e do individual,único aparentemente capaz de motivar as mulheres e fazê-las respeitadas nesta “invasão” do espaço público.

A sexualidade aparece explícita nas três primeiras re-portagens: na matéria sobre a lua-de-mel, a superfíciediscursiva da chamada mostra um caminho evolutivo demudanças no comportamento sexual. Podem-se destacaralgumas palavras que sustentam o texto nas palavras daavó: ingênua, choque, dor, medo, vergonha, ansiedade.Mas “meu marido era um lorde (…) eu tinha de deixar (..)afinal o casamento tinha de ser consumado, era nossa obri-gação”. Para a filha, a lembrança da noite de núpcias in-vocava “ansiedade, nervosismo, dor, vergonha; “a virgin-dade era um bem a ser preservado. Na verdade a gentefalava muito, mas sabia pouco”. Prazer? “(…) senti pra-zer, um prazer de estarmos juntos (..) tinha de ser e ele foisupercarinhoso e paciente”. Em comum as matrizes desentido: medo, vergonha, obrigação, falta de prazer e aidealização de um marido gentil e compreensivo.

Quanto à terceira geração, na primeira relação sexual“Eu não tinha vergonha, (…) não doeu, não sangrou, masnão senti prazer”. O casamento, feito “(…) porque as famí-lias queriam” mostra uma opção moderna, que dispensariao institucional; seu relato, entretanto, é o único que enfati-za os rituais realizados nos mínimos detalhes, o que é sig-nificativo sobre a importância da cerimônia para os pró-prios noivos. O relato é finalizado com a ênfase dada àtransmissão da experiência para a filha “(…) passando paraela o máximo que puder do que é a relação com um ho-mem, os sentimentos, a beleza, sem tabus (…) inspirar nanossa filha esse sentimento de algo muito natural e bom.”

Esses depoimentos, numa linha de progresso, apóiam ocaminho inexorável de um relacionamento cada vez me-lhor entre os gêneros, exemplificado no artigo pelo discur-so da atualidade. Locus de gentileza, afeto, estabilidade, afamília é exaltada na transmissão dos valores mais tradicio-nais e a sexualidade no casamento, vestida de modernida-de, afirma a boa ordem do mundo. Essa é, portanto, a se-xualidade correta, ligada ao que é “natural e bom”.

Essa matéria se atrela à naturalização do institucionale ao obscurecimento de sua historicidade; como sublinha

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FEMINISMO E RECORTES DO TEMPO PRESENTE: MULHERES EM ...

Adrienne Rich (1981:17), “Em nenhum dos livros que tra-tam da maternidade, dos papéis e relações sexuais, dasnormas sociais para as mulheres, leva-se em considera-ção a heterossexualidade obrigatória como instituiçãocapaz de afetar profundamente todos os fatos sociais; e aidéia de ‘preferência’ ou de ‘orientação inata’ não é, damesma forma, posta em questão”.

Na mesma linha da tradição e família, encontra-se umalonga entrevista com Adélia Prado, para quem o lugar defala e de autoridade é logo estabelecido: “a maior poetabrasileira viva”, que “(…) defende valores cada vez maiscontestados e escreve textos cada vez mais admiráveis.”Com 41 anos de casada, fé no “sacramento do matrimô-nio”, mãe, avó, católica, dona de casa, o perfil traçadofundamenta o discurso em torno de alguns eixos: fé, esta-bilidade, valor espiritual do casamento. Adélia Prado afir-ma que “(…) as feministas me acham antiga demais daconta” e a revista apressa-se em afirmar: “Mas os críticossão quase unânimes em reconhecer o talento e a força destateologia poético-pessoal e feminina”.

A oposição feminino/feminista reforça a percepção dosenso comum: o feminismo é desqualificado pela afirma-ção do feminino, ligado aos valores das “verdadeirasmulheres” assegurados pelos críticos, pelo mundo mas-culino.

Adélia Prado tem sua definição de feminino: “capaci-dade de dizer sim, de se dobrar, de aceitar a condição deperdão radical.” Da mesma forma indica que: “Uma coisaque me aflige é o direito da mulher. Eu fico com uma ver-gonha na hora que dizem isso. Porque me inferioriza, souofendida enquanto ser humano (…) acho que já está tudolá nos direitos humanos.” A palavra “vergonha” sugere ainadequação total de reivindicações que desestabilizariamo natural das posições definidas para mulheres e homens– humanos, cada qual em seu lugar, decisão divina.

O discurso de Adélia Prado nessa revista nega a condi-ção subordinada da mulher, nega a violência social e ins-titucional que hierarquiza e marca os indivíduos sexual-mente. Esses comentários seriam apenas desprezíveis senão estivessem inseridos em uma rede discursiva que osrevestem de legitimidade para o senso comum, adensandoa dóxa da inscrição corporal.

Por outro lado, para ela, escrever é um ato masculino:“(…) vergonha de fazer poesia nunca tive, mas era do ofí-cio que tinha vergonha”. Usurpação do lugar do homem,opróbio do deslocamento da ordem das coisas, da ordemdo Pai: aos homens o intelecto, às mulheres o sentimento,a intuição. “Cada macaco no seu galho” diz o ditado.

Adélia Prado continua: “(…) qualquer ato criativo eu sin-to como um ato masculino. De fato eu sou um homem nestesentido, quando estou escrevendo.” Assim, ser agente nomundo é privilégio do ser masculino; anulação total, ne-gação do ser feminino que se procura afirmar: a criaçãopara a mulher é apenas ligada à reprodução. “Virgindade,casamento, é necessário passá-los para os filhos”, conclui.

A repórter marca o lugar da recepção esperada: “Saí desua casa com uma inveja boa, querendo ser um pouco comoela (não fosse eu estragada de nascença) só para acreditarno que e como ela acredita.” O desalento, a descrença mar-cam essa fala que aponta para a retomada de valores e cren-ças tradicionais. Quem sabe não éramos mais felizes?

A revista MC continua a discursar sobre a sexualidadee a chamada agora é: “Ginástica íntima: técnicas milenarese aparelhos que aumentam o prazer da mulher”. No corpodo texto a matéria versa sobre a “contração voluntária dosmúsculos circunvaginais, a fim de induzir sensações eró-ticas no pênis durante o ato sexual”. Prazer de quem?

Uma citação de Jorge Amado completa o texto em umquadro, em destaque: “uma mulher pode ser feia de apa-rência, pior de formas, mas se a boca do corpo for de chu-peta, trata-se de diamante puro”. A grosseria da frase te-ria foros libertários? O fato é que aqui a mulher é apenasuma vagina, não importa seu aspecto físico.

O deslocamento entre o título e o texto marca o própriodeslizamento da sexualidade da mulher para a do homem,a que se torna central na matéria. A jornalista afirma aindaque “idolatradas pelos homens, muitas ‘pompoaristas’ nãodivulgam a técnica para não aumentar a concorrência”: as-sim, aquelas que compraram a revista esperando conselhospara um maior prazer pessoal, se vêem conduzidas a umuniverso de concorrência e sedução, em que seu corpo éum simples aparelho masturbatório.

Por outro lado, na seção de cartas, um comentário so-bre um bordel para mulheres: “Em algum lugar deste mun-do as mulheres podem exercer suas vontades, fantasias edesejos sem o menor problema ou constrangimento.” Aprostituição, expressão paroxística da violência social,torna-se aqui o locus naturalizado de expressão livre dodesejo: a liberação sexual é equiparada à prostituição,estratégia discursiva comum tomada como justificativa daobjetificação e mercantilização humanas.

As publicidades compõem a rede que estabelece o lu-gar, a conduta adequada, o perfil psicológico da mulher:numa delas, o amor da mãe pelo filho torna-se admiraçãosem limites da mulher pelo homem, pois ele ensina-lhe ausar Nescafé.

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Os anúncios de carro revelam a relação das mulherescom a máquina: aparência e segurança são os motes. Numadelas a família feliz, duas crianças, o pai dirige, a mãeolha-o com adoração e põe a mão em sua perna. O carropara as mulheres é uma extensão de sua casa, extensão deseu papel e de suas obrigações.

Além da moda e da cosmetologia, cujas publicidadescompõem cerca de um terço da revista, anúncios de sabãoem pó: “todo o mundo tem de escolher entre o que precisafazer e o que gostaria de fazer (…) enquanto Ariel traba-lha, você tem todo o tempo livre para dedicar a sua famí-lia, a sua casa, a você mesma”. “Dia das mães. Se depen-der da gente pode-se chamar Dia da Independência –assinado: produtos Maggi.”

A divisão de trabalho é aqui naturalizada ao máximo:entre precisar/querer, a opção é obrigatória, e facilitar otrabalho de casa permite uma dedicação ainda maior à …casa. Por último, eventualmente, a si mesma. De toda for-ma, a mulher foi destinada à resignação e ao sacrifício,como diria Adélia Prado. A independência, para as mu-lheres, se resume a fazer comida com maior facilidade.Em SEU lugar: a cozinha.

A revista Nova já em sua denominação apela para aidéia de transformação, de modernidade: a “nova mulher”deve aí encontrar a sua imagem. As chamadas da capareferem-se a práticas sexuais, possíveis transgressões, ca-samento, namoro, remodelagem do corpo: “14 históriasinconfessáveis de ousadias sexuais, a gente nem imaginado que as mulheres são capazes!” (O lugar de fala aqui éexterno e na perspectiva binária da revista, só pode sermasculino – seria um convite a seus olhares?) “Negra evitoriosa: volta por cima do preconceito” “50 homenscharmosos e solteiríssimos querem sua mensagem”; “Te-rapia sexual para casamentos”; “Engatar ou destruir umnamoro – os homens revelam”; “Idéias espertas para tra-balho extra”; “Aumento do seio com silicone”. Dessaschamadas, quatro são relativas ao relacionamento com umhomem e uma refere-se à busca da perfeição corpórea,marco de sedução.

Nos artigos e reportagens, uma personalidade em des-taque, pondo em relevo sua carreira, expectativas de tra-balho: um homem. Duas mulheres aparecem também comotema de reportagem: uma é a mulher mais elegante doBrasil e outra é Betty Faria, atriz, mas a ênfase aqui é dadaà sua vida particular e sobretudo amorosa. Os domíniosde atuação são assim claramente demarcados.

Outras duas matérias se debruçam sobre as fantasiassexuais e problemas amorosos, uma sobre o casamento e

dentre as “21 coisas a fazer antes do ano 2000”, a primei-ra é “fazer as pazes com o corpo” e a segunda, “honrar apalavra” da qual o exemplo dado é “fazer dieta”.

A reportagem especial é sobre “paquera”. Seguem-semoda e beleza (ao alcance de todas), cartas, horóscopo,dicas, novidades, nudez, mulher liberada. As categoriasaxiais permanecem as mesmas: corpo, sedução, amor.

As publicidades de moda, culinária, perfumaria e be-leza, com ênfase para o rejuvenescimento, compõem quasemetade da revista. “Quero ser seu par”: 14 páginas sobeste título mostram em grande formato casais em posiçõesclaramente sexuais ou de apropriação. Os seios voltam àbaila, explicitando que a perfeição está ali, próxima: “Au-menta o volume! Se você não nasceu com seios perfeitospode optar pelas moderníssimas próteses de silicone. Le-vantamos tudo sobre o assunto!”, em seis páginas. O cor-po da mulher desenha-se assim sob o olhar do outro, aquelea ser seduzido, aquele que faz de mim um sujeito dotadode significação social.

Que corpo é este, construído em todas suas linhas edesenhos; que corpo é este contra o qual devem se erigiro mundo feminino e a indústria de cosméticos/perfuma-ria/ginástica/produtos dietéticos/medicina/pesquisa? Paramelhor domesticá-lo, para controlá-lo e mostrar que, nes-te caso, a natureza pode e deve ser contornada, pois todasas mulheres têm ao seu alcance a BELEZA, caminho parao amor, o casamento, o jogo da sedução e da felicidade.

Tomadas ao acaso, as superfícies discursivas de pro-dutos de beleza: “… o mais revolucionário tratamento debeleza contra o processo de envelhecimento e combate aosradicais livres”; “…aparelho especialmente desenvolvi-do para modelar o seu corpo, quando você não tem tempopara fazer exercícios” (ao lado de uma dançarina do ven-tre com o rosto velado e seminua). “Segredos da naturezapara renovar sua pele, cabelos e sentidos”; “Novo Chic…não pense no custo. Pense no benefício. (mulher decalcinha e sutiã sobre um fundo azul de um rosto em closede um homem); “Agarre seu homem pelos cabelos”. Defato, as mulheres se vêem pelo olhar “panóptico” mascu-lino, que as constrói em seu reflexo no espelho e em suarepresentação mental.

Num metadiscurso, a revista faz um anúncio dela mes-ma – Nova Beleza – com a chamada principal: “Todas asrespostas para você ter um bumbum perfeito: exercícios,óleos, dietas…” e outras compondo a próxima capa: “aprimeira noite com ele: como deixar seu corpo macio,cheiroso, gostoso de pegar”; “cabelos ondulados, cachea-dos, crespíssimos”; “os 22 melhores cremes… para você

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começar já!”; “Decidi mudar radicalmente meu visual. Econsegui!”; “Seios que parecem maiores, barriga quaseinvisível. As lingeries que modelam seu corpo”. Mulher-corpo?

Para Susan Bordo (1997:19-20), o corpo funciona comouma metáfora da cultura e esta densa rede discursiva teceas malhas simbólicas e normativas da definição do femi-nino. Afirma a autora que “Por meio de disciplinas rigo-rosas e reguladoras de dieta, maquiagem, e vestuário –princípios organizadores centrais do tempo e do espaçonos dias de muitas mulheres – somos convertidas em pes-soas menos orientadas para o social e mais centradas naautomodificação”. E esse combate cotidiano é incitado,conduzido e levado aos extremos pelo dispositivo da se-xualidade definido por Foucault (1976), no qual as tecno-logias de gênero afunilam a performance na construçãode corpos sexuados, no esquema binário e valorativo quefunciona e oscila nos registros da sedução, posse, roman-tismo, apropriação.

Ainda no “ramo publicitário” os anúncios de carro ex-pressam em suas superfícies discursivas uma certa repre-sentação da mulher: “conforto e segurança” (antes de tudo,pensar no transporte das crianças); “novo design, novo con-junto ótico: faróis e pisca numa única peça de policar-bonato transparente” (alta tecnologia para o mundo femi-nino); “pára-choques envolventes na cor do veículo quesuporta pequenos choques” (mulher dirige mal e só co-nhece do carro a cor), novo revestimento com toque sua-ve”, (próprio das damas); “novo quadro de instrumentoscom conta-giros de série e iluminação por leds azuis dealta intensidade e filetes em vermelho” (cores e luzes, atra-tivos maiores) “computador de bordo … nova regulagemno comando de válvulas e injeção, deixando o carro ain-da mais gostoso de dirigir” (detalhe apenas: computador,injeção eletrônica – não se assustem, é agradável para di-rigir). Poderia ser a descrição de um carrinho de brinque-do mas “combina com seu estilo de ser” e como é um anún-cio para a “Nova Mulher” conclui: “irreverência nas ruas.”

O capítulo “sexualidade” nessa revista tem três partes:terapia, fantasias e entrevistas com homens sobre comovêem as mulheres, nas quais a questão é vê-las moldes“para casar” ou “para outras coisas”. As respostas se di-videm em partes iguais: a primeira metade acha um ab-surdo essa divisão, mas suas afirmações ainda constroemum mundo separado para homens e mulheres. Assim, aafirmação “o que faço com outras mulheres posso muitobem fazer com minha namorada” supõe a multiplicidadede parceiras. Estaria sua namorada no mesmo registro, seria

isto aceitável? Ou apenas uma reafirmação da dupla mo-ral, a sexualidade múltipla para os homens e a monogamiapara as mulheres? “Adora badalação … e nem por isso éuma vagabunda”. O que é ser uma vagabunda? Quais oslimites, quais as margens? “Cheguei à conclusão que so-mos iguais”, pensamento profundo, solitário, inovador emoderno, nada a ver com as transformações conseguidasa duras penas pelos movimentos feministas.

A outra metade dos entrevistados afirma claramentesuas expectativas: “… por mais que um homem seja mo-derno ele não consegue pensar em casamento quando serelaciona com uma mulher que faz questão de sua pró-pria liberdade… mesmo que isto não a comprometa emnada”; “prefiro uma mais quietinha, que confie em mim enão me dê dor-de-cabeça com mania de independência”;“para casamento com certeza prefiro uma garota serena,caseira e natural”.

As palavras destacadas acima compõem por si só umtexto de advertência às mulheres: o espaço de domes-ticidade, a reserva própria ao feminino, a volta à “nature-za” são condições sine qua non para o casamento. Nosanos 70, Germaine Greer (1971:295) apontava essa duplaface do casamento: “Cada esposa deve se contentar de seular e de sua vida familiar enquanto que para o homem tra-ta-se apenas de um lugar de refúgio para onde se retiracomo um guerreiro cansado (…).”

Esses homens, que assim se expressam, são jovens en-tre 25 e 35 anos, nos anos 90, nascidos já em meio aodebate engendrado pelo feminismo; suas representaçõessociais, entretanto, continuam presas aos esquemas biná-rios do mundo, de dupla moral e do binarismo implícitonas práticas sociais, sejam elas econômicas, morais,relacionais, sexuais, instituidoras de um mundo cindido“naturalmente”, em masculino e feminino.

A revista constrói sutilmente sua rede de representa-ções em outras reportagens: uma leitora queixa-se que seunoivo a subestima, suas opiniões, ações, “não me consi-dera capaz. Perguntei se acha que sou burra, ele apenassorriu, como se estivesse dizendo mais uma bobagem.”Essa superior condescendência é atenuada pela revista queafirma: “Ele é uma vítima do mecanismo que o obriga aser assim (…) mas para dominar, precisa de uma cúmpli-ce, dê-se ao respeito.”

Esse ato retórico de inversão constrói um campo designificação e persuasão em que a vítima é transformadaem ré ou cúmplice: de um lado explica socialmente a ati-tude do homem e de outro acusa a mulher. Nos casos deestupro, agressão, assédio, violência conjugal, de quem é

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afinal a culpa? Já diz o ditado: “se você não sabe porqueestá batendo, ela sabe porque está apanhando”.

Logo em seguida, uma entrevista com um músico mui-to liberal, que adora as mulheres com uma “saudável re-beldia”. Entretanto afirma que “garotas doces, meigas ecertinhas, tímidas e passivas exercem um grande fascíniosobre os homens”. Não chega nem a ser uma retórica pa-radoxal: de um lado, uma certa rebeldia, moderna, masdentro de limites precisos, pois no jogo da sedução é opapel tradicional, “natural” da mulher que vai atrair e “fis-gar” os homens.

Outra reportagem refere-se às “dez fantasias sexuaismais quentes”: nas dos homens encontram-se o voyerismoe o homossexualismo. Mas a revista previne, para deixarclaras as fronteiras sexuais: “não, ele não é gay, é só umacuriosidade positiva”. Sadomasoquismo é outra fantasiamasculina mas a relação natural entre os gêneros aí ficaexplícita: dominador/dominada”.

Ser amarrada é uma das fantasias femininas favoritas;amarrar, um sonho tipicamente masculino. “Tem a ver coma obtenção do poder ou a renúncia a ele”. Ou seja, mesmono nível da fantasia não há disputa de lugares: as mulhe-res renunciam ao poder (passividade, submissão, aceita-ção) e os homens exercem-no.

A simulação do estupro é outra fantasia masculina ediz a revista: “(…) forçar uma mulher não está relaciona-do à violência mas com a vontade que o sujeito tem desubmeter a parceira por meio de uma técnica fantástica.Ela começa dizendo não depois muda de idéia, porque éincapaz de resistir ao gostosão. Para ele é uma viagem doego. Ninguém se machuca e a vítima também se diverte.”Essa “fantasia” nega a violência do corpo usado, da hu-milhação, do desprezo e da negação da individualidade;diminuída, banalizada, apresentada como um jogo, lúdicoe prazeroso – uma técnica fantástica. “Viagem do ego,incapaz de resistir ao gostosão.” Como negar a força daspalavras, a força dessas imagens que saltam do texto einterpelam as emoções? Como negar que essa retóricapersuade e estimula a agressão, reafirmando antigas fór-mulas como: “ela começa dizendo não”?

Assim, vemos a mídia atuando na tessitura da rederepresentacional reafirmando e fazendo funcionar o po-der generizado em “(…) nível do processo de sujeição oudos processos contínuos e ininterruptos que sujeitam oscorpos, dirigem os gestos, regem os comportamentos, etc.”como explicita Foucault (1979:182).

O homossexualismo está entre as fantasias e ousadiassexuais das mulheres mas a revista desculpabiliza “(…)

só porque tem a idéia não quer dizer que vai ser obrigadaa cortar o cabelo e pôr um terno”. O estereótipo indicaque uma passagem rápida pelo desejo sáfico não podedesviar do caminho correto, o que reforça no campo dasrepresentações sociais “(…) a convicção das mulheres deque o casamento e a orientação sexual para os homens sãocomponentes inevitáveis de sua existência”, como afirmaAdrienne Rich (1981:23).

Por outro lado, sexo oral, sexo romântico, ser conside-rada irresistível aparecem como fantasias sexuais ousa-das. Que tipo de relação sexual têm as mulheres “moder-nas” que lêem Nova? Que tipo de relação podem considerarsatisfatória se nessas fantasias “ousadas” a sedução é maisimportante que o sexo?

Nas fantasias aparece, é claro, como contraponto, o“sexo contra sua vontade” e a revista explicita: “elemen-tos de conquista à força, não de dor e violência”. Agir comoprostituta é também uma fantasia das mulheres “sexual-mente inibidas”, pois informa a revista Nova, “o pagamentoé confirmação do poder de atração, você tem uma coisatão almejada que ele está disposto a desembolsar dinhei-ro por ela.” A mulher reaparece aqui como a representa-ção de seu corpo ou uma parte dele e a prostituição, exa-cerbação da violência social, é tratada como um estágiosuperior da sedução.

Essas são estratégias discursivas de construção de gêneroe seu efeito de poder é a construção de um corpo biológicogenerizado que traz, como sublinha Foucault (1979:22) “(…)em sua vida e sua morte, em sua força e sua fraqueza, a san-ção de todo erro e de toda verdade (…)”. Verdades construí-das, datadas, que circulam no social com a força da evidên-cia, com o selo do natural e do inquestionável quando se tratade corpos sexuados feitos mulheres.

Outra cultura, outro espaço, outra materialidade: a pro-víncia canadense de Québec, de língua francesa. O mo-mento: Natal. A revista, La Chatelaîne, que logo marcaseu lugar de fala: “a revista mais lida do Québec”. As cha-madas da capa enquadram um belo e jovem rosto de mu-lher, sorridente: “Viagra: a vingança dos homens”; “Edu-cação, quando os pais não sabem dizer não”; “MichelRivard: a felicidade reencontrada”; “Natal: seja bela paraas festas”; “Não procure mais: 15 páginas de presentesfabulosos”. A trama discursiva se organiza em torno doconsumo, da beleza, da família, da sexualidade e dos ho-mens. A capa sinaliza assim o conteúdo significativo darevista.

Abrindo a revista, em duas páginas uma publicidadede perfume na qual um homem beija uma mulher. Consu-

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mo, sedução, amor, o tríptico das revistas femininas. Apublicidade tem um papel notável nessa revista, na recu-peração e reafirmação de estereótipos: numa delas (quese repete na revista Elle) uma mulher executiva, sobran-celha levantada, lábios estreitos, braços cruzados, tailleurestrito, cabelo preso, sentada em uma cadeira de espaldaralto e reto, atrás de uma mesa sobre a qual repousam ca-neta, óculos, agenda. Na placa em que deveria estar seunome, que em francês se escreve NOM, está escrito, po-rém, NON, ou seja, a negação: não.

Essa imagem negativa, de dureza e severidade para umaexecutiva, imagem rígida de uma mulher no exercício deuma profissão de comando, é colocada em um campo sig-nificativo e polissêmico com a simples palavra instaladaem sua frente: Não. Não à profissional? Não à mulhersevera? À mulher em posição de poder? À mulher que nãose adapta ao modelo? À mulher sem os atributos “natu-rais” da feminilidade? “No Natal, ofereça algo doce a quemmais precisa” diz o texto. E sublinha: “para as que preci-sam se dar prazer”. Imagem e texto, ato retórico descons-trutivo da representação da mulher que trabalha, que de-cide, que manda, pois perde sua doçura, sua suavidade, esobretudo, seu prazer – de ser mulher.

As publicidades nessa revista concentram-se em pro-dutos de beleza (35 páginas) que asseguram a juventude,a perfeição em detalhes do corpo: maquiagem, cabelos,unhas, pele, lábios, cílios, apontando para as possibilida-des infinitas de correção de imperfeições e da passagemdo tempo. A “arte” da maquiagem é a arte do disfarce,mas isto supõe que o rosto da mulher sem pintura sejadefeituoso. “(…) As tecnologias da feminilidade são pra-ticadas pelas mulheres contra este pano de fundo da per-cepção de um corpo deficiente; isto explica seu carátermuitas vezes compulsivo e ritualístico”, sublinha SandraBartky (1988).

Por outro lado, 32 páginas e publicidades sobre cozi-nha e comida trazem conotações sexuais, familiares, se-dutoras. A mulher é a provedora ou a que “pega o homempelo estômago”. Uma delas é uma receita para a sedução,a respeito de trufas com chocolate branco: “depois de uma,seu homem lhe dá a lua; depois de três, renega a cozinhada mãe; depois de cinco, começa a compreender o quesignifica “preliminares.”

O grande número de apelos à degustação de receitasou as fotos de doces suculentos é uma contradição cons-tante com as imagens oferecidas como modelos de bele-za, diáfanas, magras, magras, magras. Essa contradiçãoimpregna a vida das mulheres ocidentais pois, como

explicita Susan Bordo (1997:25), “As regras dessa cons-trução de feminilidade (…) exigem que as mulheres apren-dam como alimentar outras pessoas, não a si próprias, eque considerem como voraz e excessivo qualquer desejode auto-alimentação e cuidado consigo mesmas. Assim,exige-se das mulheres que desenvolvam uma economiaemocional totalmente voltada para os outros.”

Outras fontes de representações sobre as mulheres sãoas publicidades de carros: nestas, os textos são longos eretomam o senso comum. Na descrição do automóvel en-fatiza-se o espaço e as “portas com duplas fechaduras”,ideal para transportar as crianças; por outro lado, “os ins-trumentos fáceis de ler”, ajudam a pobre mulher a com-preender uma máquina misteriosa para sua mente limita-da. Ou então, o que importa são as linhas e a aparência:“top model: elegância, raça, grife, conforto,”; “todas assuas esperanças alcançadas: espaço, conforto, rádio, re-gulador de velocidade e ah! 150 cavalos!” De fato, aperformance do motor é secundária, todos sabem que asmulheres só conhecem dos carros as cores. Facilidade,conforto, segurança, espaço; adjetivos: elegância, beleza,grife. A venda de carros retoma como eixos a aparência, autilidade familiar, a futilidade, o acessório em lugar do es-sencial, e sobretudo a relação “natural” da mulher com amáquina: a incapacidade de compreendê-la, de avaliá-la.

A diferença entre homens e mulheres é tomada comotema de uma das reportagens da revista e o subtítulo su-gere uma modificação representacional: “os geneticistasexageram!” Da Université Laval, única universidade noQuébec que tem um programa de “Estudos Feministas”com diplomação específica, vem o interlocutor que res-ponde às questões da revista: é um homem, antropólogo-biologista. Nessa escolha, a revista reforça a idéia da au-toridade masculina, voz que pode esclarecer as dúvidasde todas as leitoras “modernas”, ávidas de aprendizado.

Segundo ele, os antropólogos contestam que as dife-renças sejam naturais mas em nenhum momento fala dopapel do feminismo nessa contestação do papel “natural”atribuído ao feminino e ao masculino. Afirma que “namaior parte das sociedades de caçadores-colhedores queexistiam antes da agricultura, as mulheres se dedicavam àcolheita e os homens à caça”. Essa universalização é to-talmente desprovida de fundamento, na medida em queos dados a respeito dessas sociedades – indícios – estãosujeitos à interpretação dos analistas impregnados de suasrepresentações sociais. Nada pode provar essa divisão detrabalho, a não ser as pressuposições contidas em suaspróprias concepções de papéis de gênero. As generaliza-

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ções históricas a respeito das relações mulheres/homenssão fruto de um positivismo anacrônico que se fundamen-ta apenas na afirmação de suas premissas: é natural por-que é, e sendo assim sempre foi.

E ele continua: “Seria porque as mulheres são menoshábeis na caça? Isso está longe de ser provado!” Mas suaafirmação anterior solidificou a universalização das rela-ções sociais generizadas desde o início dos tempos, arti-fício discursivo em que a força da representação tradicio-nal apaga a afirmação contrária.

E apesar de afirmar que o cultural tem mais força queo biológico, continua dizendo que “naturalmente creio queexiste uma parte de explicação biológica (…) em milha-res de sociedades estudadas pelos antropólogos não en-contramos nenhum exemplo em que as mulheres exer-cessem o poder como os homens o fazem em nossassociedades antes do feminismo”. Seu discurso recortadopode significar totalmente o contrário do que anuncia otítulo da matéria e se apóia na rede de sentidos estabele-cida pela revista.

A última pergunta: “Para resumir, podemos dizer quea diferenciação dos papéis de homem e mulher é o resul-tado de um caminho cultural e de uma predisposição bio-lógica?” Resposta: “Indubitavelmente. E esse caminharcultural não acabou. Nada nos permite afirmar que emalguns séculos as mulheres não ocuparão mais espaço doque os homens na cena pública.”. Ficamos todas felizescom essa perspectiva secular, tempo necessário para trans-formar a biologia rebelde das mulheres em seres aptos aopoder público.

Em outra matéria, chamada da capa “Viagra: vingançados machos contra as feministas”, o feminismo é coloca-do CONTRA os homens, reafirmação do senso comum:feministas = mal-amadas, viragos, lésbicas. O depoimen-to do editor de Penthouse atualiza o discurso do séculoXV sobre as feiticeiras que castravam os homens: “O fe-minismo emasculou o macho americano e esta emasculaçãoengendrou problemas orgânicos”. O Malleus Maleficarum,manual dos confessores de 1486 se inquieta sobre essaquestão: “(…) pergunta-se se as feiticeiras, pelo poder dodemônio, podem verdadeiramente e realmente cortar omembro ou somente dar a impressão ilusória disto? (…)Ninguém duvida que certas feiticeiras façam coisas espan-tosas em torno dos órgãos viris; muitos o viram, muitosouviram falar.” (Institoris e Sprenzer, 1990).

O sentimento de castração adviria da perda ou doquestionamento do poder sobre as mulheres, com seu dis-curso de igualdade? A retomada do vigor sexual – sinôni-

mo e símbolo do poder – seria a recuperação do podersexual/social?

Mas a riqueza significativa dessa reportagem não seexaure facilmente: “para as mulheres de uma certa idade,sobretudo se estão na menopausa e não seguem a hormo-noterapia (que luta contra a secura vaginal), não têm ne-cessariamente vontade de ser solicitadas novamente”. Opapel passivo da mulher na prática sexual é aqui reafir-mado; a sexualidade destina-se apenas àquelas leitoras darevista, jovens e em idade de reprodução, que cuidam desua beleza e seu corpo, são sedutoras dentro dos padrõesestabelecidos e consomem os produtos adequados. O fan-tasma da velhice aparece como uma advertência para asmulheres que não seguem os recursos médico-cosme-tologistas.

Pode-se ver, assim, nessas superfícies discursivas, amedicalização dos corpos, a criação de um novo invólu-cro, de uma nova categoria: as mulheres na menopausa.Vaginas desérticas, ossos quebradiços, desejo esquecido,o discurso médico generaliza e cria a menopausa comoum castigo, num corpo envelhecido, caminho de todas,se… não seguirem a hormonoterapia, os cuidados com apele e os cabelos, a ginástica, a dieta.

O corpo tecnológico é o corpo moderno da mulher e oenvelhecimento pode ser driblado em novos estágios desedução, renovação do dispositivo da sexualidade emnovas práticas, em desdobramentos da indústria da bele-za e da juventude eterna: médica, cirúrgica, farmacêuti-ca, cosmética.

Essa construção discursiva dos corpos, fraturados emhierarquias de idade, volume, altura e classificados peloolhar paradigmático que define as possibilidades de se-dução, performance, realização pessoal, cristaliza-se empráticas delimitadoras de um sexo biológico atreladas àsrepresentações do gênero feminino. Assim o sexo é dese-nhado não como uma superfície neutra de inscrição depráticas generizadas mas é igualmente un constructo quese erige em dado natural. Para Donna Haraway (1991:357-58), “(…) não se nasce organismo. (…) os corpos comoobjeto de conhecimento são nódulos generativos materiaise semióticos. Seus limites se materializam na interaçãosocial. (…) Os vários corpos em questão emergem da in-teração da investigação científica, da escrita e da publi-cação, do exercício da medicina e de outros negócios, dasproduções culturais de todas as classes, incluídas as me-táforas e as narrativas disponíveis (…)”.

Outro artigo fala das mulheres que exercem profissõesmasculinas, “não-tradicionais”, vencedoras de um concur-

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so promovido pelo Estado para estimular as mulheres aabrirem o leque de suas atividades. No Québec os movi-mentos feministas, tanto acadêmicos quanto sociopolíticos,abriram um espaço excepcional para a atuação das mu-lheres. As discriminações são atenuadas mas existem emtermos de representatividade política e de desigualdadede salários, nas manifestações da violência social contraas mulheres em todas suas dimensões, da conjugal à pros-tituição. Assim, em níveis representacionais, igualmenteas mulheres encontram-se em patamares assimétricos. Dequatro entrevistadas, três têm nível médio e todas desvia-ram-se para uma carreira masculina, após um início emcozinha, contabilidade e moda. Se o texto demonstra acompetência das mulheres, na pesca, na topografia e emtecnologias de elaboração de papel, são apresentadas, noentanto, como minoria, como casos excepcionais e umadelas se destaca como “diferente”: aparência esportiva,medalha de bronze no campeonato canadense de futebol.Mulheres, mas nem tanto.

A única entrevistada de nível superior, vice-presidentede um banco, teve um início profissional clássico para asmulheres, transitando indecisa, entre o teatro, assistênciasocial, literatura, história, etc. Mesmo tendo chegado a esseposto, continua em dúvida se não irá se dedicar ao servi-ço de desenvolvimento na África. A dúvida, a dedicaçãoaos outros… traços marcantes do feminino. Com 36 anospara um homem esse posto seria o resultado de uma belae rápida carreira; ela, entretanto, sublinha que “não digoque minha vida profissional teve precedência sobre mi-nha vida pessoal, mas eu gostaria que as duas tivessemtido o mesmo sucesso.” A imagem publicitária da execu-tiva dura e sem prazer forma rede com esta representaçãoda mulher de sucesso, porém triste. A escolha é óbvia: oua profissão e a carreira ou a felicidade. Mesmo com o es-paço institucional aberto, o campo representacional res-tringe a atuação das mulheres, sancionando-as em sua vidapessoal.

A revista Elle-Québec, que completa o corpus destaanálise, traz em sua capa chamadas em torno do “Sexo,rendez-vous para o amor!”; “Moda, a magia da meia-noi-te”; Metamorfose, três mulheres se prestam a este jogo”;“As mulheres do ano: heroínas, militantes, estrelas…” efinalmente “Todo o seu ano em nosso especial Astro”.

A moda nessa publicação ocupa 40 páginas e produtosde beleza, apenas 34; na La Chatelaîne seu espaço é me-nor, 9 páginas, e nas revistas brasileiras, 28 em MarieClaire e 48 em Nova. Uma vez construído o corpo é pre-ciso vesti-lo e a indústria da moda, assim como a

cosmetologia e os perfumes, é o pilar das revistas femini-nas. Barthes (1981:262-63) comenta: “Assim é a Mulherordinariamente significada pela retórica da Moda: femi-nina imperativamente, jovem absolutamente, dotada deuma identidade forte e entretanto de uma personalidadecontraditória (…) seu trabalho não a impede de estar pre-sente em todas as festas do ano e do dia; ela sai todo fimde semana e viaja todo o tempo (…) a mulher da Moda éao mesmo tempo o que a leitora é e o que sonha ser”.Analisa ainda que a Moda seleciona os corpos aos quaisse aplica, excluindo outros, ou então cria os corpos “namoda”, de acordo com o modelo ideal: “(…) alonga, in-cha, reduz, aumenta, diminui, afina e por estes artifícios aModa afirma que pode submeter não importa que aconte-cimento (não importa o corpo real) à estrutura que elapostula”. A tirania da moda não é uma palavra vã: os cor-pos se espremem e se contorcem para se ajustar aos con-tornos da moda.

Se nos ativermos às reportagens anunciadas pela capa,as mulheres do ano, que marcaram o Québec em 1998,são cineastas, artistas, modelos, escritoras, designers,comunicadoras, pequenas empresárias, mas ao lado dasprofissões o destaque para certas mulheres é também dadopor suas qualidades “naturais”: altruísmo (freira) e ma-ternidade (25 filhos). Profissões tradicionais ou ligadasao representacional feminino; por outro lado, a astronau-ta que aparece no fim da reportagem “é do calibre dasestrelas”; a diretora-geral da Banque Royale no Québec“está engajada em muitas causas humanitárias e é a mãede Anne-Sophie”.

Na reportagem seguinte, “o encontro com o amor” éum homem que detém o poder da palavra: na introduçãoele afirma que a liberação de uma moral repressiva emrelação à sexualidade trouxe “solidão e sofrimento”. Sa-lienta que as conquistas modernas foram: a desculpa-bilização do prazer, a emancipação das mulheres e o fimdo ostracismo dos homossexuais, o que localiza seu dis-curso na atualidade. Mas indica tabus fundadores: inces-to, pedofilia e violência conjugal colocando na mesmacategorização práticas sociais correntes que longe de re-presentarem um tabu são elementos de disseminação dopoder generizado.

Continua incentivando a reapropriação da “verdadeiradimensão da sexualidade” – que naturalmente ele sabe qualé – e recusa “a acomodação com um mundo sem valoresnem finalidade”. Mas o melhor de seu discurso é sobre ofeminismo, marcando bem sua distinção em relação aofeminino, pois mostra à “nova” mulher moderna, a mu-

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lher que lê a revista, sua verdadeira dimensão: “A eman-cipação das mulheres já estando adquirida (ou quase) ve-mos aparecer intelectuais que chamarei de pós-feminis-tas. Elas aceitam a herança da emancipação, mas rompemcom o feminismo de ontem – o de Simone de Beauvoir –que designava à mulher um projeto de masculinização (tor-nar-se igual ao homem). Essas novas mulheres se queremliberadas mas mulheres no pleno sentido do termo, capa-zes de pôr em relevo sua especificidade feminina, entreelas a maternidade, que Beauvoir recusava.” Esse é umtípico discurso didático: “liberadas, mas…” a verdadeiramulher sabe seu lugar, que não é igual ao do homem.

Quem é ela? A de Rousseau? A de Proudhon? Assim,tudo o que era possível já foi conseguido e o feminismoacabou?, interrogação com a qual se deu início a esta aná-lise. Sua esperança é a família “célula necessária a toda so-ciedade”, cuja fundamentação está em sua afirmação apoia-da na teia representacional sobre a qual se constitui. Essessão axiomas explicativos baseados nos contratos veri-dictórios entre o emissor e o receptor, em que a autoridadede quem fala se encontra com a crença de quem ouve. Comosublinha Angenot (1989:33), “(…) lugares comuns do jor-nalismo (…) que repelem os enunciados incompatíveis ese constroem uns em relação aos outros como co-inteligí-veis (…) permitindo dissertar sobre todas as coisas e domi-nando em ‘baixo contínuo’ o rumor social”.

Tereza de Laurentis (1987:3) afirma que “a representa-ção do gênero é sua construção”, mas podemos igualmenterefletir o corpo como uma construção representacional emmodelos de gênero, pois passa-se da idéia de diferença se-xual à observação dos mecanismos, do processo de cons-trução cultural dos corpos sexuados, definidos em práticasnormativas de sexualidade (Mathieu, 1991:133).

As tecnologias da mídia e especialmente as revistasfemininas elaboram, em torno do aparelho genital, os con-tornos e limites de um corpo sexuado impregnado de va-lores, crenças, atualizando e reafirmando representaçõesque passam a existir nas práticas que as elaboram. Assim,o corpo construído em feminino exprime as modalidadesculturais que o confinam a um gênero que se torna inteli-gível “(…) na medida em que mantém relações de coe-rência entre sexo, gênero, prática sexual e desejo” (Butler,1990:17).

As matrizes de inteligibilidade que constróem essecorpo naturalizado em sexo feminino podem ser identifi-cadas em torno da família heterossexual e de atributosessencializados na “verdadeira mulher”: sedução, mater-nidade, submissão, altruísmo, abnegação.

Para Foucault (1987:126), o corpo está sempre inseri-do em uma teia de poderes que lhe ditam proibições eobrigações, coerções que determinam seus gestos e atitu-des e que delimitam e investem seu exercício e suas práti-cas, mecanismos de se construir o corpo inteligível numcampo político de utilidade-docilidade. Essa é a “disci-plina”, um sistema de sujeição que cria um ‘saber’ sobreo corpo “(…) que não é exatamente a ciência de seu fun-cionamento, e um controle de suas forças que não é maisque a capacidade de vencê-las: esse saber e este controleconstituem o que se poderia chamar a tecnologia políticado corpo” (Foucault, 1987:26).

No discurso da mídia vimos em funcionamento uma dastecnologias de produção do corpo sexuado, o aparato daprodução do corpo feminino útil e dócil dentro das nor-mas heterossexuais, que instituem o binário inquestionáveldo sexo biológico no social fazendo funcionar, no jogoda linguagem e da imagem, os mecanismos de assujei-tamento à norma. Feminismo? Mais do que nunca neces-sário, pois lendo-se as revistas “femininas” percebe-se queas representações instrumentadoras das práticas sociaishierarquizadoras apenas modificaram os trajes que reves-tem os mesmos corpos definidos em sexo.

NOTAS

E-mail da autora: [email protected]

Publicado em francês, no Cahiers d’Etudes Féministes. Montreal, Université deQuébec à Montréal – UQAM, n.6, 2000.

1. As citações de obras em língua estrangeira são traduzidas livremente pela au-tora. (Maingueneau, 1993).

2. “On ne naît pas femme, on le devient”, frase que se tornou clássica na literatu-ra feminista.

3. Ver por exemplo a satanização da mulher no Ocidente em Delumeau, (1978).Ver igualmente o livro de Groult (1993), que compila citações masculinas dota-das de autoridade sobre a mulher na história.

4. “(…) De forma geral, a toda formação discursiva é associada uma memóriadiscursiva constituída de formulações que repetem, recusam e transformam ou-tras formulações.” (Foucault, 1987:115).

5. Nesta mesma obra a autora faz uma tipologia das relações sexo/gênero levandoem conta sua pluralidade.

6. A palavra histérica vem do grego Husteriko, de Hustera (útero), definida como“atitude de doentes, considerada antigamente como um acesso de erotismo mór-bido feminino” (Rey e Rey, 1995).

7. A escolha dos números das revistas foi totalmente arbitrária e a baliza tempo-ral vai de dezembro de 1998 a maio de 1999.

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