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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X FEMINISMOS ADOLESCENTES: O PAPEL DOS GAROTOS E LUGAR DE PARTICIPAÇÃO Aline Cardoso 1 Resumo: O “empoderamento” feminista das meninas adolescentes é cada vez mais perceptível, seja através da liderança feminina em ocupações escolares e protestos civis, em redes sociais, através de canais de vídeos e da recente onda de campanhas nas redes usando hashtags para abordar situações de abuso.Assim, as meninas adolescentes têm se destacado como importante voz nas militâncias feministas. Junto a elas temos, também, alguns meninos que apoiam os movimentos ativamente, mesmo que em menor número, tampouco são menos importantes. A partir dessas insurgências recentes, e da pauta do feminismo em alta, este trabalho procura investigar como os meninos se veem neste processo, quais trajetórias destes garotos que dialogam com as ativistas das pautas, quais as dificuldades de entendimento que porventura possam ter, como isto está afetando no comportamento dentro de sua vida social, seja com seus familiares e amigos e, acima de tudo, debater caminhos onde eles mesmos percebam como podem se beneficiar do feminismo. Palavras-chave: Feminismos. Masculinidades.Adolescência. Militância. O Brasil enfrenta forte onda conservadora e retrógrada nos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A desigualdade de direitos civis, ligadas a gênero, ainda são atuais e a violência ligada à misoginia é uma realidade brutal encarada e temida diariamente pelas mulheres. Resultado disso é a Lei do Feminicídio, sancionada em 2015, que tipifica um crime específico: homicídio qualificado de mulheres. Diversas outras iniciativas de cerceamento aos direitos de escolha sobre o corpo da mulher também têm ganhado destaque no cenário político e movimentando as lutas feministas, como a descriminalização do aborto. Vale lembrar, ainda, que caso o PL 5069/13 seja sancionado, o atendimento a vítimas de violência sexual ficará dificultado e limitado. Tramita, também, o PL Escola sem Partido que tem como objetivo a restrição da liberdade de professores de ensinar múltiplos conhecimentos e ideias na tentativa de combater o que é intitulado por “ideologia de gênero” pela bancada “evangélica” do Legislativo. A história dos movimentos feministas é diversa, acompanha e deve ser analisada a partir de uma perspectiva temporal e de poder, que incentiva, permite ou facilita expressões, criando campos discursivos de ação (ALVAREZ, 2014). Desse modo se dá a construção da “história” do feminismo; em cada onda ou interesses que a época propicia. São muitas as conquistas dos movimentos feministas construídas em cima de repressões, violência e morte de milhares de mulheres. A história feminista é plural e cada lugar e cultura possui suas diferentes trajetórias e multiplicidades. 1 Produtora cultural, feminista e especialista em Gênero e Sexualidade pelo Centrol Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos do Instituo de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CLAM/IMS/UERJ).

FEMINISMOS ADOLESCENTES: O PAPEL DOS GAROTOS E … · encabeçam discussões sobre gênero a partir do feminismo. Se, por um lado, verificam-se movimentos de resistência, há que

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

FEMINISMOS ADOLESCENTES: O PAPEL DOS GAROTOS E LUGAR DE

PARTICIPAÇÃO

Aline Cardoso1

Resumo: O “empoderamento” feminista das meninas adolescentes é cada vez mais perceptível, seja através da

liderança feminina em ocupações escolares e protestos civis, em redes sociais, através de canais de vídeos e da recente

onda de campanhas nas redes usando hashtags para abordar situações de abuso.Assim, as meninas adolescentes têm se

destacado como importante voz nas militâncias feministas. Junto a elas temos, também, alguns meninos que apoiam os

movimentos ativamente, mesmo que em menor número, tampouco são menos importantes. A partir dessas insurgências

recentes, e da pauta do feminismo em alta, este trabalho procura investigar como os meninos se veem neste processo,

quais trajetórias destes garotos que dialogam com as ativistas das pautas, quais as dificuldades de entendimento que

porventura possam ter, como isto está afetando no comportamento dentro de sua vida social, seja com seus familiares e

amigos e, acima de tudo, debater caminhos onde eles mesmos percebam como podem se beneficiar do feminismo.

Palavras-chave: Feminismos. Masculinidades.Adolescência. Militância.

O Brasil enfrenta forte onda conservadora e retrógrada nos direitos sexuais e reprodutivos

das mulheres. A desigualdade de direitos civis, ligadas a gênero, ainda são atuais e a violência

ligada à misoginia é uma realidade brutal encarada e temida diariamente pelas mulheres. Resultado

disso é a Lei do Feminicídio, sancionada em 2015, que tipifica um crime específico: homicídio

qualificado de mulheres. Diversas outras iniciativas de cerceamento aos direitos de escolha sobre o

corpo da mulher também têm ganhado destaque no cenário político e movimentando as lutas

feministas, como a descriminalização do aborto. Vale lembrar, ainda, que caso o PL 5069/13 seja

sancionado, o atendimento a vítimas de violência sexual ficará dificultado e limitado. Tramita,

também, o PL Escola sem Partido que tem como objetivo a restrição da liberdade de professores de

ensinar múltiplos conhecimentos e ideias na tentativa de combater o que é intitulado por “ideologia

de gênero” pela bancada “evangélica” do Legislativo.

A história dos movimentos feministas é diversa, acompanha e deve ser analisada a partir de

uma perspectiva temporal e de poder, que incentiva, permite ou facilita expressões, criando campos

discursivos de ação (ALVAREZ, 2014). Desse modo se dá a construção da “história” do

feminismo; em cada onda ou interesses que a época propicia. São muitas as conquistas dos

movimentos feministas construídas em cima de repressões, violência e morte de milhares de

mulheres. A história feminista é plural e cada lugar e cultura possui suas diferentes trajetórias e

multiplicidades.

1Produtora cultural, feminista e especialista em Gênero e Sexualidade pelo Centrol Latino-Americano em Sexualidade e

Direitos Humanos do Instituo de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CLAM/IMS/UERJ).

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

A internet ganha destaque no campo das lutas feministas como espaço de encontro e

discussão. E é neste lugar que encontramos muitas adolescentes que hoje já se dizem feministas.

Ferramentas contemporâneas, as redes sociais e blogs disseminam grandes quantidades de

informações e conteúdos com alta velocidade de distribuição e compartilhamento. Segundo Ferreira

(2015:223), “essas teias político-comunicacionais com origem nas redes digitais são elementos

importantes para entender e investigar convenções ligadas à violência e às corporalidades no

cenário feminista atual”.

O ambiente da internet é, inclusive, lugar onde as garotas se comunicam, criando

comunidades virtuais de seus engajamentos e revistas eletrônicas delas para elas, como a bem

sucedida Revista Capitolina2. Logo, é perceptível como tais mecanismos colaboram para a

conscientização política e ajudam no engajamento, cada vez mais cedo, para o movimento

feminista.

Como as reivindicações feministas são pautadas dentro de um cenário patriarcal perpetuado

pela sociedade, temos duas figuras de análise: as moças e os rapazes. Quando investigamos

movimentos feministas, por várias vezes a figura masculina é vista como o maior perpetuador de

opressões, violências e desigualdades de gênero. É com base nesse personagem que se clamam e

são propostas diversas reivindicações.

As assimetrias de gênero perpetuadas desde o nascimento de uma criança são extremamente

danosas. Para Falquet (2014), foi a divisão sexual do trabalho e sua lógica de exploração – e não os

aspectos biológicos – que criou duas classes sociais de sexo: feminino e masculino. Bourdieu

(1997), sociólogo atuante nos anos 1990, parte do princípio que nas relações de gênero as vantagens

masculinas se dão especialmente no campo de forças simbólicas, indo além das questões

relacionadas à força física. Neste sentido, reproduziram-se, historicamente, relações entre

dominantes (homens) e dominados (mulheres). Assim, percebe-se uma desvantagem das mulheres

que são percebidas como objetos de trocas simbólicas pelos homens3.

A sociedade patriarcal se construiu, em parte, dentro deste contexto que Falquet (2014) e

Bourdieu (1997) desenham e tal reprodução ainda se dá no cotidiano. É claro que as mulheres são

as “vítimas” diretas deste sistema. Porém, é fato que os questionamentos sobre o lugar do homem

enquanto sujeito que sofre com consequências do patriarcado devem ser levados em conta. Alguns

2 Ver: <http://www.revistacapitolina.com.br/>.

3 BOURDIEU, 1997.

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Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

aspectos que, a meu ver, trariam benefícios a homens e mulheres se superássemos alguns destes

fortes resquícios:

Não obrigatoriedade do alistamento militar, permitindo a liberdade de escolha que

não cerceie ou interfira em escolhas individuais de vida;

Igualdade salarial que permitiria aos homens, em relações heterossexuais, trabalhar

“menos” para “sustentar” uma casa, já que as mulheres receberiam salários justos,

promovendo relações mais saudáveis e divisões de trabalhos domésticos igualitários;

Equivalência no tempo de licença paternidade, sendo esta estendida ao mesmo tempo

que o da mãe, beneficiando-a pela divisão de tarefas com o bebê e beneficiando filhos e pais

por terem mais tempo juntos neste importante momento de criação de laços afetivos;

Benefícios para a saúde e sexualidade do homem;

Educação mais acolhedora com os meninos, sem cerceamento de afetos e sem

reforço de estereótipos, criando homens mais confiantes e menos propensos a perpetuar

características opressoras e machistas, diminuindo, inclusive, a incidência de mortalidade de

homens jovens e adultos no espaço público; dentre outros benefícios4.

Algumas fundamentações

A adolescência é um período da vida que compreende um “estágio” entre a infância e vida

adulta, construído, interpretado e significado pelo homem, não é um período natural, mas sim,

construído por meio de relações sociais, mesmo que o destacado sejam as mudanças corporais e

psíquicas (OZELLA, 2002:21). A adolescência é conhecida popularmente por ser um período de

maturação sexual do corpo físico e de busca e afirmação da própria identidade em diversos aspectos

sociais, é inclusive nesta fase que muitos dos conhecimentos acerca de gênero, ensinados desde a

infância são assimilados e reproduzidos socialmente. A idade específica sobre quem são os

adolescentes varia de cultura para cultura, de geração a geração. No Brasil, segundo um dos

principais documentos orientadores de políticas públicas para essa população, o Estatuto da Criança

4 A violência que atinge homens jovens, assim como a taxa de mortalidade masculina, devem ser analisadas em

relação a diversos marcadores sociais, como raça e classe socioeconômica. Dados estatísticos indicam que a

mortalidade de jovens negros e pobres é bem superior a de brancos. Isso se deve muito ao contexto racista em que

vivemos, de extrema desigualdade social e de oportunidades. Este assunto merece um estudo a parte e será levado

em consideração durante o desenvolvimento de uma pesquisa mais ampla.

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e do Adolescente, esta fase está compreendida entre os 12 e 18 anos de idade. Tal faixa etária

corresponde, normalmente, ao período escolar que vai entre o Ensino Fundamental e o Ensino

Médio.

No Brasil contemporâneo, assistimos a uma intensa polêmica sobre a relevância do diálogo

sobre gênero e sexualidade no sistema de educação formal. Entre os setores que defendem a

necessidade de ampliar o debate no sistema educativo a escola é o lugar de maior socialização dos

adolescentes, contexto em que ocorrem espontaneamente muitas discussões informais sobre essas

questões. Além disso, alguns trabalhos têm demonstrado que as meninas formam seus grupos e

encabeçam discussões sobre gênero a partir do feminismo.

Se, por um lado, verificam-se movimentos de resistência, há que sublinhar contextos em que

a importância dos adolescentes de dominarem e discutirem o assunto é enaltecida. No ano de 2015,

a pauta sobre o gênero na escola recebeu intensa atenção midiática, o que de certo modo colaborou

com a discussão do assunto em muitas escolas. Outro exemplo nesse mesmo sentido foi o Exame

Nacional do Ensino Médio (ENEM) que abordou, em dois momentos, temas sobre feminismo entre

as questões apresentadas aos candidatos: em uma trazia a célebre frase “Não se nasce mulher,

torna-se mulher”, da filósofa Simone de Beauvoir, e no tema da redação “A persistência da

violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Tal escolha, feita na maior prova de avaliação

para inserção de jovens na universidade, causou bastante impacto e, como já era de se esperar, o

“ENEM feminista” causou grande reboliço, ora sendo elogiado como um grande avanço, ora

duramente criticado e visto como perigo que a “ideologia feminista” representaria nos jovens.

Para Saffioti (2004), adolescentes são umas das principais vítimas do patriarcado, além,

obviamente, das mulheres e crianças. Para esta socióloga feminista a lógica do patriarcado autoriza

a violência física e simbólica dos homens contra as mulheres, sustentada na lógica da submissão

doméstica e privada a que são delegadas desde o nascimento.

Outra face importante do tema do gênero na escola no Brasil, e que é pouco considerado no

debate público em curso, é o da presença de iniciativas feministas espontâneas entre estudantes.

Seja pela liderança feminina em algumas ocupações escolares e protestos dentro deste ambiente em

prol de discussões contra o machismo5; em redes sociais, como Facebook, por duras críticas a

5 Alguns exemplos podem ser achados no links: <http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/contra-a-

reorganizacao-escolar-a-forca-dos-estudantes/>; <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-e-o-shortinho-e-o-

que-o-shortinho-representa?>.

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Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

reportagens de tradicionais revistas femininas direcionadas ao público adolescente6; por meio de

canais de vídeos no YouTube7 que vão desde beleza e maquiagem ao modo como as meninas

querem – e não como os meninos dizem gostar – a vídeos de aceitação de belezas “fora do padrão”,

como aceitação do corpo gordo e cabelos crespos naturais. Há, ainda, a recente onda de campanhas

para abordar situações de abuso como as campanhas #meuprimeiroassédio, #meuamigosecreto,

#mexeucomumamexeucomtodas veiculadas, também, por intermédio das redes sociais como

Facebook e Twitter. Essas campanhas não necessariamente eram direcionadas ao público

adolescente, mas tiveram boa adesão por parte dessa faixa etária.

A adesão de mulheres cada vez mais cedo aos movimentos feministas é um fenômeno

contemporâneo. Entre as razões para seu florescimento está o uso das ferramentas tecnológicas que

agilizam e facilitam o trânsito de informações sobre ativismos sociais diversos. Segundo pesquisa

da Fundação Perseu Abramo, realizada em 2010, cerca de 40% das mulheres entre 15 e 17 anos já

se consideram feministas (contra 37% das mulheres entre 25 e 34 anos) e começam, a passos largos,

a se integrarem nessa jornada histórica, promovendo discussões e embates construtivos em prol da

equidade de gênero, de direitos, de desmistificação do espaço privado e liberdade de mobilidade

segura em espaços públicos, além de inserirem pautas ligadas à diversidade sexual.

Uma revisão preliminar sobre esses movimentos liderados por adolescentes permite refletir

sobre quais agendas feministas são incorporadas ou propostas por essas jovens. Um dos tópicos que

mais chama a atenção é a que trata sobre a autonomia do corpo, largamente defendida e debatida. O

tema é evocado seja pela liberdade sexual de fazer escolhas de parceiros/as sem coerção ou sem

serem julgadas por suas próprias escolhas, seja por usarem a vestimenta que bem entendem em

locais e horários sem serem julgadas ou “cantadas” no espaço público. O assédio é debatido no

sentido de apontar os verdadeiros culpados disso: o assediador/estuprador. Essas adolescentes

engrossam a análise de que a culpa nunca é da vítima e lutam contra essa culpabilização feita pela

justiça e pela mídia. Formam um senso crítico que desperta a atenção de mulheres ligadas – ou não

– aos diversos movimentos feministas existentes, contribuindo na soma de agentes e de pautas para

estas militâncias.

6 Ver: <https://www.facebook.com/Vai-ter-shortinhos-sim-579551658849480/?ref=ts&fref=ts>; <>;

<http://www.revistaforum.com.br/2015/05/04/o-dia-em-que-as-adolescentes-se-rebelaram-contra-uma-linha-

editorial/>.

7 Alguns exemplos: Canal da JoutJout Prazer <https://www.youtube.com/user/joutjoutprazer>; Canal das Bee

<https://www.youtube.com/user/CanalDasBee>; Canal da Babi

<https://www.youtube.com/channel/UCbIFy4iwfZ9u3UReA0449Yw>; e Canal Mais Magenta

<https://www.youtube.com/user/BlogMaisMagenta>, entre outros.

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Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X

Ao entender o modelo patriarcal da sociedade e da educação sabemos o quanto é

desbravadora e corajosa a trajetória que seus movimentos têm traçado. Seus resultados e lutas

ganham cada vez mais espaço de divulgação, análise e até certa consideração e respeito8.

Joan Scott em seu famoso artigo “Gênero: uma categoria útil para análise histórica”

discorre sobre gênero como categoria que permeia as relações humanas e sociais, sobre a

importância da força e da necessidade da presença política das mulheres em espaços públicos. Passa

também sobre a presença de mulheres nos movimentos anarquistas e socialistas que, analisando o

panorama sobre teorias feministas, seriam os modelos políticos onde as mulheres e as forças

feministas encontrariam lugar ideal para o desenvolvimento de suas ideias.

O “empoderamento” feminista de meninas adolescentes é um fenômeno social recente. Com

isso percebemos, também, que a atuação dos meninos como perpetuadores de opressores deve ser

investigado. O ENEM 2015, como citado anteriormente, trouxe deboches e chacotas por parte de

alunos por meio das redes sociais e na própria escola. É necessário investigar o papel dos meninos

adolescentes, se ajudam, como se sentem, como podem contribuir e se entendem que, como

homens, detêm privilégios e como estes são maléficos para a saúde mental e social deles e das

mulheres em geral. Dialogar com estes meninos, debater temas importantes como violência e

preconceito sexual e de gênero, maioridade penal, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez e

equidade de direitos é essencial para a ressignificação das masculinidades e na formação de adultos

e cidadãos mais justos e, porque não, felizes.

Uma primeira amostragem – as meninas feministas

Neste artigo apresento uma primeira amostragem desta pesquisa que pretende ser maior, em

um possível programa de mestrado, com mais participantes e tempo de duração para

desenvolvimento e experimentações. Neste primeiro momento realizei, em abril de 2017, duas

conversas no Centro de Ensino Médio 09 de Ceilândia, no Distrito Federal (CEM 09). Resido em

Brasília e a escolha da escola levou em conta algumas considerações: a busca por uma Região

8 Relativizo tal “consideração” e “respeito” por perceber que, em diversas circunstâncias, o diálogo vem por meio da

insistência por parte das feministas com pessoas que detêm privilégios e poderes acima delas. Por exemplo,

coordenadores pedagógicos e professores que têm que lidar com movimentos organizados destas jovens, não

bastando mais as negativas por suas propostas, afinal, estas meninas estão prontas para debates acima do esperado.

Mais que um short, trata-se de discutir o machismo perante a normatização que coloca meninas como objetos

sexuais, muitas vezes a partir da pré-puberdade. Assim, tal “consideração” e “respeito” não vêm por serem direitos

e afetos inerentes ao ser humano mulher, mas sim por imposição muito suada e batalhada por estas jovens.

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Administrativa (RA)9 com índices socioeconômicos mais baixos e com maiores índices de violência

e vulnerabilidade social, ser uma escola pública do Ensino Médio e ser uma escola com a presença

de algum tipo de movimento feminista por parte das alunas. Meu primeiro contato foi com a

Coordenação Regional de Ensino de Ceilândia, onde questionei ao coordenador se ele saberia me

dizer qual escola desta RA se destacava tal movimento, o que me foi respondido prontamente, CEM

09.

Lá fui recebida pela vice-diretora Maria José Passos, historiadora de formação e feminista

por autoreconhecimento. Nas quatro vezes em que estive na escola, batemos longos papos que

variavam entre sistema de ensino, sucesso pontual de alunos no vestibular ou em esportes e

olimpíadas escolares, cenário político atual e claro, sobre feminismos e violências. Relatou por

diversos momentos que os professores homens são todos machistas, mesmo os que não eram

claramente, se omitiam em momentos em que poderiam fazer algo seja defender uma professora ou

aluna. Quando questionei sobre as alunas e alunos e as interações observadas por ela no pátio, nas

salas de aula e na direção, ela me contou casos de estupro de alunas, gravidez, caso de violência

doméstica de pais de alunos e o que mais queria ouvir, meninas adolescentes feministas exemplares

com destaque de dois nomes: Maria Eduarda, uma espécie de líder desse grupo, e Luísa, uma jovem

negra empoderada de seus cabelos.

Para a pesquisa maior e mais detalhado deste projeto, pretendo utilizar três grupos focais,

primeiro com meninas, depois com meninos e, em seguida, grupo misto, além de entrevistas

individuais. Neste momento realizei um bate papo de quase duas horas com um grupo das meninas,

colocando algumas questões provocativas e outras para levantar dados, tais como: “Como se

descobriram feministas?”; “Como são vistas pelos familiares, professores e colegas de escola?”

dentre outras. Estiveram presentes 07 meninas, de 16 ou 17 anos – dentre elas Maria Eduarda e

Luísa -, delas 02 se consideram brancas, 01 negra e as outras 04 pardas; apenas 02 se consideram

heterossexuais, as demais ainda não sabem dizer. As formações familiares são diversas e variam de

meninas que foram criadas apenas pela mãe, pelos avós, por mães quetiveram a gestação na

adolescência, por mãe e padastro e apenas uma menina – branca – que fora criada no tradicional pai

e mãe biológicos casados. Listo, brevemente, algumas impressões e relatos:

9 O Distrito Federal não possui cidades com prefeituras como em outros estados, possui Regiões Administrativas

(RA). DF possui um governador, não há prefeitos mas sim administrações regionais em cada RA.

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Elas não se lembram exatamente quando começaram a se considerar feministas, mas

disseram que a internet ajudou bastente. Maria Eduarda foi a única que disse que a mãe

foi fundamental para isso. Neste momento todas as garotas bradaram em como a mãe

dela era legal com todas elas e que aprendiam muito frequentando a casa delas.

Luísa ressaltou, como mulher negra, a importância de “um feminismo interseccional que

desse visibilidade às questões específicas das mulheres negras.”(sic)

Conhecem ou já conheceram uma colega que fez aborto ou que esteve grávida e teve de

se afastar dos estudos.

Segundo todas elas, professores fazem piadas machistas em sala de aula, já houve caso

de assédio sexual verbal grave por parte de um coordenador, além da não defesa das

meninas quando claramente são vítimas de piadas machistas.

São chamadas de grupo de lésbicas chatas apenas por serem feministas.

Em alguns momentos colegas deixaram de fazer piadas para não terem que ouvir

“sermão das chatas das feministas”, como disse Maria Eduarda.

Em um resumo bruto, o que me pareceu é que, apesar do cenário nada favorável onde não

podiam contar nem com os próprios professores homens, o simples fato delas existirem e se

assumirem como feministas e entrarem no embate direto quando confrontadas, gerava um certo

respeito – ainda que torto e não total – dos seus colegas meninos.

Os meninos e o início de um entendimento

Conseguir reunir os meninos foi extremanente complicado. Parti de indicações das meninas

que indicaram os garotos que elas consideravam legais e abertos enquanto Maria José me indicou e

convidou os meninos “machistas e piadistas” para um bate-papo comigo. Conseguir reuní-los para

falar sobre feminismo foi algo bem difícil. Atribuo parte disso ao pouco tempo em que desenvolvi

esta amostragem, outra à dificuldade que os meninos têm de se sentiremà vontade sobre esse

assunto. Sendo assim, depois de muitas tentativas consegui realizar uma conversa com 03 garotos,

que se consideram heterossexuais, pardos, moram com pai e mãe biológicos, são católicos

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praticantes, 02 deles namoram “meninas feministas” e o outro tem um desejo, ainda não tão

concreto, de se tornar um padre da ordem franciscana.

Uma das grandes diferenças entre as conversas das meninas e dos meninos é que com eles

ouvi muitas perguntas, dúvidas, pedidos de confirmação de pensamentos e de esclarecimentos de

questões. Com elas, o bate-papo foi um momento de desabafo e alívio por poder falar tudo o que

elas queriam sem serem julgadas mas, respeitadas e ouvidas.Por parte deles, senti muita curiosidade

e vontade de entender mais sobre feminismo ainda que eu considere que eles estejam muito a frente

de outros garotos.Para evitar mudar o foco da minha proposta e falar mais do que eles, jogava as

questões de volta para reflexão própria.

Quando perguntados sobre como tomaram noção ou contato sobre feminismo tive como

resposta a mídia, as redes sociais e as colegas de escola.Eles não souberam dizer exatamente em que

momento começaram a entender a importância da pauta, mas disseram que as informações que

chegavam por estes meios foi um início. Questionados sobre seus relacionamentos familiares, todos

relataram uma relação afetiva física com seus pais e mães, e disseram que ver algo machista

acontecendo com a mãe ou irmã os afetaram a pensar mais sobre as questões de feminismo. Todos

disseram que têm questionamentos com algumas questões abordadas na missa, acham machista e

entendem que nem tudo tem de ser absorvido como verdade.

Os 03 meninos pareavam bem sobre as questões levantadas, assim destaco alguns pontos:

Homossexualidade: relatam que na infância praticaram bullying contra meninos que

aparentavam serem homossexuais e hoje pensam no absurdo que isso significa. Gustavo,

que deseja ser padre, disse que ele segue o que a Igreja diz, ele diz amar os gays porque

“o amor é uma coisa linda, o amor não é pecado.”(sic)

Paternidade na adolescência: questionaram a contradição dos meninos que serão pais

serem vistos como um passo pra vida adulta e as meninas grávidas como “burras e

coitadas que acabaram com a vida.” (sic)

Aborto: todos se consideram contra por ser agressivo ao corpo e saúde da mulher mas

disseram não se sentirem confortáveis em dizer se uma mulher deve ou não abortar já

que não sabem o que é estar na pele delas, especialmente quando se trata de gravidez

fruto de estupro.

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Importância do feminismo para os meninos: para eles a equidade de gênero tiraria um

pouco da pressão que se tem sobre o homem sustentar uma família, a pressão por uma

vida sexual ativa intensa, a pressão por um corpo dentro dos padrões másculos, pela

vontade de criar laços afetivos mais profundos com seus futuros filhos a partir do

nascimento e para se sentirem mais à vontade com as meninas em todas as formas de

relacionamento sem medo de serem machistas ainda que sem querer.

Conversar com Gustavo, Lucas e Rafael foi um alívio. Tive o prazer de conhecer meninos

que já estão pensando feminismo e dialogando com as meninas. Mas sabemos que estas são

exceções, especialmente se notar a formação familiar e afetiva no qual estao inseridos. Os dados

reais são outros, no entanto, concluo que ainda preciso realizar o trabalho com meninos menos

preparados e brutos no assunto para ter uma panorama mais real do que está acontecendo. Finalizo

este artigo enaltecendo as jovens meninas que fazem a diferença e entendendo que o trabalho com

os meninos ainda é árduo visto que, com os que mais precisava conversar, não se disponibilizaram.

Referências

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Pagu, Campinas, SP, n. 43, p. 13-56, abr. 2016. ISSN 1809-4449. Disponível em:

<http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645074>. Acesso

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/7984>. Acesso em: 12 set.

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Sites acessados:

Facebook: <https://www.facebook.com/>.

Revista Capitolina <http://www.revistacapitolina.com.br/>.

YouTube: <https://www.youtube.com/>.

Adolescent feminisms: the role of the boys and place of participation.

Astract: The feminist "empowerment" of adolescent girls is increasingly apparent, whether through

female leadership in school occupations and civil protests, in social networks, through video

channels and the recent wave of campaigns on the networks using hashtags to address situations of

abuse. Thus, adolescent girls have stood out as important voices in feminist activism. Along with

them we also have some boys who actively support the movements, even though in a smaller

number, nor are they less important. From these recent insurgencies, and from the feminist agenda

on the rise, this work seeks to investigate how boys see themselves in this process, what trajectories

of these boys that dialogue with the activists of the guidelines, what difficulties of understanding

they may have, such as this Is affecting behavior within their social life, be it with their family and

friends and, above all, discuss ways in which they themselves realize how they can benefit from

feminism.

Keywords: Feminisms. Masculinities. Adolescence.Militancy.