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26 - AGOSTO 2019 Feno & Silagem Julia Abud Lima*, Danielle Brutti** e Júlio Barcellos*** FORRAGENS MALCONSERVADAS OFERECEM RISCOS AO REBANHO

Feno O Martelo Silagem Forragens malconservadas oFerecem ... · escassez de pasto, na garantia da estabi-lidade do sistema, sem a necessidade de redução da lotação animal ou,

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26 - AGOSTO 2019

O MarteloFeno&Silagem

Julia Abud Lima*, Danielle Brutti** e Júlio Barcellos***

Forragens malconservadas oFerecem riscos ao rebanho

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Nos sistemas de produção de bovinos de corte, é indispensável o uso da suplementação alimentar como al-

ternativa à baixa qualidade e disponibili-dade das pastagens em períodos especí-ficos do ano, sendo a utilização de feno ou silagem as estratégias mais eficazes para esse fim. A ensilagem e a fenação são métodos tradicionais de conservação de gramíneas e leguminosas que resul-tam em silagens e fenos de composição

o mais similar possível à planta original. Além desses materiais, outros como re-síduos de cultivos agrícolas ou palhadas também podem ser conservados por es-ses métodos. Assim, esses suplementos volumosos são utilizados para evitar a redução na produtividade em períodos de escassez de pasto, na garantia da estabi-lidade do sistema, sem a necessidade de redução da lotação animal ou, ainda, para intensificar a produção, pelo aumento de carga ou maior desempenho individual. No entanto, o produtor, ao escolher esses tipos de suplementação para seu rebanho, deve se ater a cuidados nos processos de elaboração e conservação para não propi-ciar uma contaminação por micro-orga-nismos ou deterioração física do alimento conservado, pois essas conduzem a uma perda do potencial nutricional da forra-gem e até mesmo às patologias nos ani-mais que a consumirem.

A capacidade de preservação de for-rageiras se dá pelos seguintes processos: quando se trata de fenação, ocorre devido à desidratação, não permitindo o desen-volvimento de micro-organismos e fer-mentações indesejáveis; e, referindo-se à silagem, a microbiota aeróbia presente na planta é praticamente eliminada na ausência de oxigênio, permitindo o cres-cimento de bactérias anaeróbias, as quais fermentam os açúcares, transformando--os em ácidos, baixando o pH rapidamen-te, impedindo a proliferação de bactérias indesejáveis “butíricas” (Clostridium) e, assim, conservam a forrageira e seus nu-trientes.

Os alimentos são naturalmente pro-pícios à contaminação por fungos prove-nientes do solo e das plantas, e em estado de má conservação, que consiste em uma alta umidade nos fenos e entrada de oxi-gênio e umidade nas silagens, ocorre uma proliferação de micro-organismos inde-sejáveis, causando prejuízos à produção. Nessas forragens conservadas, alguns fungos são capazes de produzir substân-cias que são tóxicas aos animais. Os mais importantes deles pertencem aos Asper-gillus, em especial, o flavus, glaucus e fu-migatus. Todos, juntamente com algumas leveduras, produzem micotoxinas, que são compostos altamente tóxicos que se desenvolvem em substratos e apresentam baixa disponibilidade de água, os quais são inadequados para o crescimento de

bactérias. As micotoxinas produzidas pelo Aspergillus flavus são quimicamen-te estáveis, ou seja, resistem à fervura, à pasteurização, ao congelamento, então a melhor maneira de combater às toxinas é controlando a proliferação do fungo com boas práticas de ensilagem e fenação. Portanto, tanto no feno como na silagem, um dos princípios básicos é a redução da umidade e, especialmente na silagem, a rápida acidificação lática.

Existem mais de 100 espécies de fungos toxigênicos que produzem en-domicotoxinas, cujas ações ocorrem no espaço intracelular da planta conservada, produzindo efeitos agudos e morte dos animais de produção, embora sejam raras na produção em zonas temperadas. As exomicotoxinas, mais comuns nas for-ragens, são liberadas no substrato, sendo as principais causadoras de problemas na pecuária de corte, com origem primária nos fungos do tipo Aspergillus, Fusarium e Penicillium.

Quando os animais ingerem alimen-tos contaminados pelas micotoxinas do Aspergillus manifestam sinais clínicos variados, podendo apresentar desde au-sência de apetite e redução do consumo até icterícia, devido a lesões no fígado e má absorção de nutrientes, causando gas-troenterites. Em consequência, um baixo crescimento e ganho de peso, reduzindo o potencial econômico da propriedade. Não obstante, a presença dos fungos em fenos e silagens não apenas causa prejuí-zo à saúde animal como também huma-na, quando entra em contato com esporos

Prejuízos na produção animal decorrentes da presença de

micotoxinas em fenos deteriorados

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de Aspergillus, a fase do ciclo de vida do fungo em que se encontra resistente no ambiente, pode ocorrer inalação desses esporos por via aérea e causar o que é chamado de febre do feno, uma doença respiratória. Além disso, sabe-se que as micotoxinas desse fungo são eliminadas no leite (com importância na produção de vacas leiteiras ou de corte com terneiro ao pé) e também na carne, causando ao consumidor os sintomas de intoxicação;

porém acredita-se que a atuação dessas toxinas sobre o código genético dos ani-mais e humanos seja o fator que as tor-nam mais perigosas, sendo considerado um importante agente cancerígeno.

A fermentação inadequada ou a seca-gem da forragem em condições desfavo-ráveis resultam em decréscimo nos con-teúdos de proteína verdadeira e aumento da porção nitrogenada associada à parede celular, levando à diminuição na digestibi-

Causas determinantes dos prejuízos na conservação e na qualidade de fenos e fenilagem

lidade e ingestão da forragem. Nos fenos e silagens, a presença desse componente ni-trogenado associada à fração fibrosa pode ser um indicador de aquecimento, o que provoca uma reação indesejável, que, por consequência, reduz o valor nutricional e o consumo de forra-gem. Estudos comen-tam que esse supera-quecimento em fenos promove redução na digestibilidade de pro-teína – nesse sentido menor absorção de aminoácidos no in-testino delgado e re-dução no crescimento dos animais.

Além dos distúr-bios sanitários causados pela má conserva-ção das forragens, outro aspecto que merece atenção do produtor é a perda de qualidade da forragem durante os processos de ensila-gem e fenação. Há modificações conside-ráveis na composição química do alimento que será conservado e, dependendo da in-tensidade dessas alterações, poderá ocorrer mudanças no valor nutritivo e na qualida-de do produto. No processo denominado haylage (destaque desta seção na edição

de julho da Revista AG), com mais de 70% de umidade, geralmente, as per-das ocorrem por infiltração e lixivia-ção da água, acar-retando queda de proteína e energia destinada aos ani-mais. Além disso, o consumo pode ser reduzido em mais da metade do feno.

Os problemas de silagens e fenos malconservados decorrem basica-mente de equívocos durante a produção e o armazenamento

Causas determinantes dos prejuízos na conservação e na qualidade de silagens

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dessas forragens. Portanto, como as prin-cipais causas são conhecidas, o essencial é realizar um bom planejamento na fenação e na ensilagem, e, uma vez concluídas es-sas operações, controlar de forma rigorosa o processo de armazenamento e distribui-ção. Geralmente, nessa última operação, ocorrem falhas involuntárias da equipe que distribui a forragem aos animais, pois existe a premissa de que o mais importante é for-necer o alimento, fato que não é totalmente verdadeiro. A vedação do silo e controle do ambiente anaeróbico são fundamentais para que não ocorram prejuízos na quali-dade da silagem que permanece no silo. Assim, a equipe deve receber orientações necessárias à operação.

Com relação à distribuição do feno, muitas vezes, em sistemas de autocon-sumo, é fundamental a observação do produto, toda vez que for alocado ao gado, porque a presença de mofo nem sempre é visível. Nos rolos de grande porte, a contaminação pode estar loca-lizada na porção mais interna. Portanto,

o operador deve abrir parcialmente o rolo, observar detalhadamente e per-ceber o seu odor característico de um feno normal. Enquanto isso não ocor-re, deve abrir o rolo para observar com mais cuidado antes de fornecer aos ani-mais.

É crível admitir que o produtor imagi-ne que, fornecendo qualquer silagem ou feno ao rebanho, solucione o problema nutricional e que os animais terão melhor desempenho. Isso é verdadeiro quando esse suplemento representa a qualidade da matéria-prima original e ainda não contém qualquer tipo de contaminan-te fúngico em particular. O ruminante é sensível à ingestão de fungos e suas mi-cotoxinas, podendo apresentar perda de desempenho ou até mesmo a morte dos animais. Assim, é de suma importância que as forragens conservadas, sejam elas quais forem, recebam a devida atenção na preparação, seguindo boas práticas de ensilagem e fenação, como o enchimento rápido do silo; a vedação correta; o mane-

jo adequado ao cortar o silo, para minimi-zar a deteriorização após a abertura; a se-cagem correta da forragem para fenação; e o armazenamento adequado do feno. Visto que não há tratamento para com-bater as micotoxinas no organismo dos animais, deve-se impedir a proliferação de fungos, para que não haja produção das toxinas, ou seja, é melhor prevenir do que remediar. Por fim, a silagem e o feno continuam sendo as grandes alternativas de alimentos volumosos para manter uniforme a produtividade ou intensificar os sistemas de produção de bovinos de corte, com a ressalva que esses materiais não devem oferecer riscos à saúde do re-banho.

* Julia é graduanda em Medicina Veterinária, BIC-CNPq – NESPro/UFRGS

**Danielle é zootecnista e doutoranda do PPG-Zootecnia – NESPro/UFRGS

***Júlio Barcellos é médico-veterinário e doutor – NESPro/UFRGS

[email protected]

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