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CONSIDERAÇÕES SOBRE A CICATRIZAÇÃO E O TRATAMENTO DE FERIDAS CUTÂNEAS EM EQÜÍNOS José Corrêa de Lacerda Neto INTRODUÇÃO A natureza do cavalo, caracterizada por comportamento ativo e respostas rápidas, associado à realização de atividades atléticas, o predispõem à injúrias traumáticas, especialmente em membros. Problemas relacionados ao manejo, como pastagens sujas e instalações precárias também constituem causas importantes destes processos. Os cavalos entram em pânico em muitas situações e fazem tentativas violentas de fuga em situações de restrição ao movimento. Barulhos e ruídos estranhos, tais como os causados por trovões, estrondos de motores ou bombas e disparos de armas de fogo, assustam os eqüinos e fazem com que estes se atirem cegamente contra cercas e objetos sólidos, sem qualquer preservação de sua integridade física. Arames farpados constituem a causa mais comum de feridas, embora muitos outros objetos possam ser incriminados 11 . Desta forma, a abordagem de feridas em eqüinos é um procedimento de rotina para os profissionais que trabalham com esta espécie. As feridas localizadas nas extremidades distais são geralmente complicadas pela falta de tecido de revestimento, má circulação, movimento articular, maior oportunidade para contaminação e conseqüente infecção 9 . Esses fatores, assim como o lapso de tempo anterior ao tratamento, as facilidades disponíveis, o temperamento do cavalo, sua utilização e o tamanho e localização das lesões são determinantes para o progresso da terapia. São necessários inúmeros outros fatores para concluir-se que a abordagem da lesão foi correta, como praticidade e exeqüibilidade do tratamento, efetivação da cicatrização, restabelecimento da função e uma aceitável aparência da cicatriz. Ainda que muitas alternativas diferentes sejam reconhecidamente satisfatórias para abordar-se determinada ferida, o método selecionado deve fornecer um ambiente favorável, permitindo progressão natural para completar-se o processo de reparação sem demora 33 .

Feridas Em Cavalos

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A CICATRIZAÇÃO E O

TRATAMENTO DE FERIDAS CUTÂNEAS EM EQÜÍNOS

José Corrêa de Lacerda Neto

INTRODUÇÃO A natureza do cavalo, caracterizada por comportamento ativo e respostas rápidas,

associado à realização de atividades atléticas, o predispõem à injúrias traumáticas,

especialmente em membros. Problemas relacionados ao manejo, como pastagens sujas e

instalações precárias também constituem causas importantes destes processos. Os cavalos

entram em pânico em muitas situações e fazem tentativas violentas de fuga em situações de

restrição ao movimento. Barulhos e ruídos estranhos, tais como os causados por trovões,

estrondos de motores ou bombas e disparos de armas de fogo, assustam os eqüinos e fazem

com que estes se atirem cegamente contra cercas e objetos sólidos, sem qualquer preservação

de sua integridade física. Arames farpados constituem a causa mais comum de feridas, embora

muitos outros objetos possam ser incriminados11. Desta forma, a abordagem de feridas em

eqüinos é um procedimento de rotina para os profissionais que trabalham com esta espécie.

As feridas localizadas nas extremidades distais são geralmente complicadas pela falta

de tecido de revestimento, má circulação, movimento articular, maior oportunidade para

contaminação e conseqüente infecção9. Esses fatores, assim como o lapso de tempo anterior ao

tratamento, as facilidades disponíveis, o temperamento do cavalo, sua utilização e o tamanho e

localização das lesões são determinantes para o progresso da terapia. São necessários

inúmeros outros fatores para concluir-se que a abordagem da lesão foi correta, como

praticidade e exeqüibilidade do tratamento, efetivação da cicatrização, restabelecimento da

função e uma aceitável aparência da cicatriz. Ainda que muitas alternativas diferentes sejam

reconhecidamente satisfatórias para abordar-se determinada ferida, o método selecionado deve

fornecer um ambiente favorável, permitindo progressão natural para completar-se o processo

de reparação sem demora33.

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MORFOLOGIA DO TECIDO TEGUMENTAR A pele é constituída de três camadas: epitélio, derme e subcutâneo (tecido subcutâneo).

O epitélio é subdividido em cinco camadas: stratum basale, stratum espinosum, stratum

granulosum, stratum lucidum e stratum corneum. Estes estratos refletem a progressão das

células germinativas, encontradas na base, para as células corneificadas diferenciadas

presentes na superfície. A camada epitelial é nitidamente demarcada na derme entre as quais

está interposta a membrana basal. Projeções dérmicas de altura e comprimento variáveis,

denominadas papilas, estendem-se superficialmente para a epiderme. A epiderme que se

interdigita com as papilas dérmicas forma uma prega epidérmica. As camadas mais profundas

da derme se misturam com o tecido subcutâneo, o qual por sua vez está frouxamente ligado à

fáscia subjacente. Elementos epiteliais denominados glândulas e folículos pilosos, estendem-

se para a derme e tecido subcutâneo. A arquitetura padrão da pele aqui descrita é a mesma de

muitas superfícies corpóreas, embora a espessura relativa das camadas e densidade das

estruturas anexas possa variar. O stratum corneum da pele é continuamente reconstituído,

através da multiplicação e diferenciação das células das camadas mais profundas da epiderme

imediatamente subjacente, recompondo o stratum corneum à medida que este se esfolia22.

CLASSIFICAÇÃO DAS FERIDAS Os esquemas de classificação de feridas levam em consideração três aspectos básicos:

contaminação, grau de exposição tecidual e localização. Todos estes fatores devem ser

considerados na abordagem destas lesões em eqüinos. A classificação das feridas é útil na

seleção do tratamento apropriado, assim como na previsão da recuperação final.

As classificações que se baseiam no grau de contaminação microbiana incluem lesões

limpas, limpas-contaminadas, contaminadas e sujas ou infectadas. Este sistema de

classificação foi desenvolvido para humanos e classifica o nível de contaminação potencial

tanto em feridas eletivas como traumáticas26. Muitas feridas abertas em cavalos estão

contaminadas ou sujas no momento inicial do exame devido a natureza do animal e seu

ambiente. Feridas contaminadas são lesões traumáticas com menos de quatro a seis horas de

evolução, na qual pêlo e outros fragmentos teciduais estão presentes7. Feridas sujas são

caracterizadas pela presença de edema e supuração. Entretanto, o tempo entre a ocorrência de

exposição, aderência e subsequente multiplicação e invasão bacteriana do tecido varia

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dependendo do tipo e número de organismos presentes. Muitas feridas podem ser elevadas à

categoria de limpa-contaminada e fechadas após meticulosa limpeza e debridamento completo

ou radical. Portanto, este critério serve apenas como orientação. A decisão final de como

uma ferida deve ser conduzida baseia-se na avaliação clínica dos sinais de inflamação

(coloração, calor, inchaço e dor), graus de comprometimento vascular e traumatismo tecidual

local e tipo/intensidade de contaminação.

As feridas podem ser classificadas como abertas ou fechadas dependendo do grau de

penetração na pele11. Feridas fechadas são aquelas que não atingem a espessura total da pele e

incluem abrasões, contusões e hematomas. Feridas abertas penetram a derme e comumente

envolvem estruturas mais profundas, estando incluídas neste caso as incisões, lacerações,

avulsões e perfurações12.

Abrasões

Também denominadas de erosões, são caracterizadas por perda superficial do epitélio

de revestimento cutâneo sem exposição das camadas mais profundas, derme e submucosa. Os

abrasões são caracterizados por perda de pêlo e exsudação de soro da derme exposta, com

ocorrência mínima de hemorragia. Dentre as causas, incluem-se escorregões e quedas sobre

superfícies duras, cascalho, concreto ou asfalto, assaduras de cordas ou cercas, arranhões ou

raspadelas em paredes de "trailers" ou objetos imóveis.

Contusões

Resultam de danos primários aos tecidos subepiteliais, podendo estar associado ao

desenvolvimento de hematoma característico; o epitélio pode ser perdido secundariamente

como conseqüência de anóxia e necrose após danos à vasculatura subcutânea.

Hematomas

São lesões semelhantes às contusões, exceto por serem elas mais pronunciadas2 e

caracterizarem-se pelo derrame sangüíneo e formação de cavidade.

Incisões

São feridas abertas criadas acidental ou intencionalmente com objetos cortantes tais

como lâminas, vidros ou chapas de metal. As margens cutâneas do corte estão perfeitamente

delimitadas e com muito pouco tecido danificado.

Lacerações

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Essas lesões são provavelmente as mais comuns entre os eqüinos. São geralmente

produzidas por objetos angulares, tais como cercas de arame farpado e por mordidas. Os

bordos deste tipo de lesão, são geralmente irregulares e o dano se estende aos tecidos

subjacentes. Constituem uma combinação de dano e perda tecidual, estendendo-se a qualquer

profundidade abaixo da epitélio.

Perfurações

Essas feridas são produzidas por objetos cortantes e se caracterizam por perfurações

superficiais de tamanho pequeno, de profundidade variável. São tipos especiais de ferida,

porque embora a perda tecidual seja mínima, a injúria das estruturas mais profundas após

penetração pode resultar em debilidade. As perfurações tendem a ser episódios importantes

por afetarem camadas teciduais múltiplas, órgãos cavitários ou cavidades corpóreas, além de

possibilitar a penetração de corpos estranhos, fontes de contaminação e difícil localização.

REPARAÇÃO TECIDUAL A reparação dos tecidos lesados, que se inicia com os primeiros mecanismos de

retração vascular e culminam com a reconstituição da superfície cutânea, pode ser dividida em

várias fases. Entretanto, isto não significa que haja, verdadeiramente, uma seqüência de

acontecimentos, pois várias destas fases ocorrem concomitantemente, sobrepondo-se temporal

e espacialmente.

Feridas Superficiais As abrasões e erosões cicatrizam primariamente por divisão mitótica e migração das

camadas intactas e confluentes do epitélio basal, epitélio folicular e epitélio de outras

estruturas anexas. As células epiteliais preenchem o defeito sem a participação de células

inflamatórias, capilares ou elementos contráteis.

Feridas Profundas Fase Vascular

A lesões capazes de atingir profundamente o tecido cutâneo desencadeiam um reflexo

axônio que leva a vasoconstricção transitória com oclusão dos vasos injuriados. Passados

alguns minutos, ocorre vasodilatação e exsudação de componentes plasmáticos não celulares

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através dos espaços entre as células endoteliais venosas. O principal componente deste fluído é

a fibrina, que tem a função de preencher os espaços teciduais, formando um tampão na

tentativa de controlar a hemorragia23. Juntamente com a fibrinonectina, uma glicoproteína

produzida pelos fibrobastos e células epiteliais e endoteliais, a fibrina forma um anteparo entre

o meio externo e o tecido exposto. Estes compostos, fibrina e fibronectina, constituem a base

fundamental da matriz que se forma na ferida. A fibronectina participa do processo de

cicatrização, atuando como um adesivo fisiológico entre fibrina, células e outros componentes

da matriz, formando uma malha constituída por fibrina e fibronectina.

Entretanto, estes mecanismos isoladamente não são suficientes para conter a

hemorragia. A perda de sangue é controlada pela interação entre plaquetas e endotélio

vascular14. Os receptores de membrana e fibronectinas tornam possível às plaquetas aderir ao

colágeno subendotelial exposto e formar agregados. Uma vez ativadas, as plaquetas liberam

vários quimioatraentes importantes (ex. difosfato de adenosina), fatores de coagulação

solúveis, substâncias vasoativas (serotonina, histamina, tromboxane A2), fatores de

crescimento (fator de crescimento derivado de plaquetas) e proteases que ativam

alternadamente as vias do complemento, como C3a e C5a. A cascata intrínseca da coagulação

é ativada pelo fator de Hageman, que também dispara as cininas e vias clássicas do

complemento. A interação destes fatores é crucial para a cicatrização da ferida, para obter-se

adequada hemostasia e sustentação temporária para a migração centrípeta de fibroblastos e

células epiteliais; sem esta interação a cicatrização da ferida será mais demorada18.

Fase Inflamatória

A fase inflamatória da cicatrização é caracterizada basicamente pela presença de

células inflamatórias no tecido cicatricial. Os principais componentes celulares de uma ferida

são os leucócitos polimorfonucleares (PMN) e os macrófagos derivados de monócitos, os

quais aparecem proporcionalmente aos seus números na circulação. Inicialmente, o tipo de

célula predominante, o PMN, tem vida breve e atua principalmente como função micro

fagocítica. Na ausência de infecção, os PMN não são essenciais para a qualidade e taxa de

cicatrização28.

O macrófago é essencial para a cicatrização normal de feridas contaminadas ou

infectadas; por volta do terceiro a quinto dias após a injúria, os macrófagos tornam-se as

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células predominantes. Os macrófagos são removedores macro fagocíticos que sintetizam e

liberam proteases, fazendo a remoção de colágeno desvitalizado e coágulos de fibrina da

ferida. Os macrófagos também expressam uma larga variedade de fatores mitogênicos e

citocinas. O fator alfa de crescimento transformante (TGF-alfa), TGF-beta, e o fator-1 de

crescimento insulina-like são sintetizados pelos macrófagos e podem influenciar as fases

tardias da cicatrização, como neovascularização, granulação, fibroplasia e epitelização.

O papel dos linfócitos na cicatrização não está bem definido e permanece controverso.

Aproximadamente seis a sete dias após a injúria, o número de linfócitos que aparece na ferida

é desproporcionalmente menor que na circulação. Os linfócitos secretam linfocinas

importantes, incluindo o fator de inibição da migração (MIF), interleucina-2, fator de ativação

de macrófago (MAF) e fatores quimiotáticos, além de aumentar o estágio inicial da

cicatrização através da estimulação de macrófagos, células endoteliais e fibroblastos.

Entretanto, sugere-se que os linfócitos T podem regular a atividade fibroblástica exuberante a

qual poderia, caso esta regulação não existisse, ocorrer tardiamente na reparação cicatricial.

A participação de eosinófilos no processo cicatricial está, aparentemente, associado a

produção da Proteína Básica Principal (MBP) a qual age na degradação do tecido19.

Fase de Reepitelização

As células epiteliais localizadas na margem da ferida migram através da malha de

fibrina-fibronectina cerca de 24 horas após a ocorrência da ferida. Tanto o desencadeamento

do estímulo como o mecanismo de migração epitelial são desconhecidos, mas acredita-se que

envolva mediadores peptidérgicos solúveis, como epibolina, e diferenciação para um fenótipo

mais primitivo em seguida ao desprendimento das células vizinhas e dissolução das conecções

desmossômicas. Proteínas citoplasmáticas contráteis semelhantes à actina tornam possível a

estas "novas" células epiteliais migrar através da rede de fibrina, elastina e fibras colágenas

dos tipos I e III até o leito da ferida. O conteúdo aquoso da matriz da ferida abaixo da crosta

influencia a migração epitelial, pois as células preferem um ambiente mais úmido do que seco.

A taxa de migração epitelial é, nas melhores condições, de 12 a 21 µm por hora, mas isto pode

ser influenciado por muitos fatores, incluindo o tipo de matriz provisional, tensão local de

oxigênio e infecção.

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Uma vez que uma superfície provisória de células epiteliais é formada, a migração

epitelial é interrompida devido a inibição por contato. A proliferação de células epiteliais

inicia-se na borda marginal da ferida e atinge a condição de proliferação máxima

aproximadamente 48 a 72 horas após a lesão. Embora muitos estímulos estejam comumente

envolvidos nesta resposta proliferativa, alguns dos mais importantes mitógenos peptidérgicos

são fatores de crescimento epidérmicos derivados de macrófagos e plaquetas. Os fatores de

crescimento epidermais também constituem estímulos para a proliferação de fibroblastos e

formação de tecido de granulação. A reepitelização depende inicialmente da matriz.

Posteriormente, as células epiteliais são auto-estimuladas pela secreção de fibronectina,

colagenase ativadora de plasminogênio, proteases neutras e colágeno do tipo IV21.

Granulação e Fibroplasia

O tecido de granulação consiste primariamente em vasos sangüíneos invasores,

fibroblastos e produtos de fibroblastos, incluindo o colágeno fibrilar, elastina, fibronectina,

glicosaminoglicanas sulfatadas e não sulfatadas e proteases. O tecido de granulação é

produzido três a quatro dias após a lesão como um passo intermediário entre o

desenvolvimento da malha formada por fibrina e fibronectina e a síntese posterior e

reestruturação de colágeno16.

Os fibroblastos têm uma participação fundamental no desenvolvimento do tecido de

granulação saudável. Foi proposto que os fibroblastos originam-se de células mesenquimais

não diferenciadas (células X) encontradas na margem da ferida. Acredita-se que a baixa tensão

de oxigênio (30 a 40 mm Hg) próximo ao centro da lesão e a presença de fibrina atraiam e

estimulem a multiplicação e migração centrípeta de fibroblastos para a lesão ao longo do

sustentáculo formado por fibrina e fibrinonectina, capacitando-os a se transformarem em

fibroblastos maduros. A proliferação de fibroblastos é, aparentemente, modulada pelos

macrófagos num complexo modelo contra-regulatório, com uma fase de retardamento que

precede a estimulação direta pelo fator de crescimento derivado do macrófago e interleucina-1.

Acredita-se que o fator de crescimento ligado a heparina tem um impacto potente sobre a

proliferação e diferenciação de fibroblastos assim como a neovascularização. A secreção de

colagenase torna possível aos fibroblastos remover o material fibrilar. Alguns dias após

penetrarem na ferida, os fibroblastos começam a sintetizar e recobrir a cavidade da ferida com

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fibras de colágeno do tipo III. Entretanto, a distribuição e orientação destas fibras é feita ao

acaso, não seguindo um padrão definido.

Contração da Ferida

Nas feridas que cicatrizam por granulação e fibroplasia, o fechamento ocorre por contração

das paredes marginais da lesão. Esta ação é realizada pelos fibroblastos ativados, os quais se

diferenciam para miofibroblastos. Os miofibroblastos contém fibras intracelulares de

actinomiosina e formam conecções especializadas, ou fibronexus, com fibras extracelulares e

outras células dentro da cavidade da lesão. Estas propriedades possibilitam aos

miofibroblastos contrair ativamente e gerar a tensão necessária para fechar o defeito. Os

miofibroblastos aproximam as margens da ferida, forçando as fibras de colágeno a se

sobreporem e se interlaçarem e desta maneira dando o suporte para o menor tamanho da

lesão6. Dependendo do tamanho da ferida, formato, espessura dos tecidos circunvizinhos e

forças externas, como movimento, a contração máxima ocorre uma a duas semanas após

ocorrência da lesão. Se o volume ou integridade tecidual é reduzida, a contração pode ser

insuficiente para fechar o defeito, resultando em granulação exuberante ou superfície epitelial

prematura. Mais adiante, a eventual superação da contração lesional pode ser modulada

através de estiramento ou compressão dos bordos da ferida e pela implantação de enxertos de

pele e retalhos pedunculados.

Neovascularização

Neovascularização fornece nutrientes e oxigênio para nutrir o crescente tecido de

reparação na cavidade lesional. O centro da cavidade da ferida é hipóxico, o que

provavelmente inicia a angiogênese tão precocemente como os primeiros dias após o

desenvolvimento da ferida. Os macrófagos liberam o fator de angiogênese derivado de

macrófago, o qual incita brotamento capilar oriundo dos vasos circunvizinhos. Antes que

qualquer proliferação prossiga, as células endoteliais migram ativamente através de fendas na

membrana basal e cruzam a malha de fibronectina em direção à cavidade da lesão. A nova

rede vascular expande-se para o centro da lesão, dando à cavidade lesional uma aparência

rosada e textura, semelhante ao tecido de granulação. À medida que o fluxo sangüíneo e a

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oxigenação são restabelecidos, o principal fator desencadeador da angiogênese é reduzido e os

vasos neoformados começam a diminuir.

Remodelação da Matriz e Colágeno

Ao contrário das outras fases de cicatrização, a remodelação dos componentes do

colágeno e matriz, como ácido hialurônico e proteoglicanas, persistem por longo tempo após o

ferimento e é o período no qual os elementos reparativos da cicatrização são transformados

para tecido maduro de características bem diferenciadas. Durante esta fase, o número de

células diminui, mas aumenta a síntese e a produção de colágeno do tipo I. As fibras de

colágeno, as quais estão dispostas paralelamente às linhas de tensão, formam feixes de várias

unidades, preferencialmente intercruzadas, enquanto as fibras orientadas aleatoriamente são

digeridas pela colagenase. O conteúdo aquoso da matriz diminui, aumentando a agregação das

fibras de colágeno. A resistência da ferida aumenta lentamente durante as primeiras duas

semanas após a injúria, aumentando drasticamente durante o pico de remodelação da matriz e

colágeno. Portanto, ganhos na resistência da lesão progridem assintomaticamente, embora

nunca chegando à resistência original do tecido íntegro.

É possível manipular a cicatrização superando-se os problemas de tensão tecidual. As

técnicas de expansão tecidual em animais têm sido descritas em locais anatômicos onde há

escassez natural de pele para cicatrização, tais como extremidades e face. Devido a falta

relativa de tensão cutânea, o retorno à função e aparência original do tecido cicatricial são

melhores do que aquele alcançado em defeitos cicatriciais naturais.

MANEJO DE FERIDAS

Avaliação do Paciente A avaliação apropriada de uma lesão em paciente que sofreu injúria traumática inicia-

se pela realização de um exame físico completo e avaliação geral. Emergências onde há risco

de vida, tais como hemorragia descontrolada, ventilação inadequada, descompensação

circulatória e reações de dor intensa, devem ser manejadas primeiramente. Uma lesão, mesmo

pequena, não pode tirar a atenção de problemas mais sérios como traumatismos cranianos e

fraturas. Após estabilização, atenção especial deve ser prestada à lesão e à integridade dos

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tecidos circunvizinhos. A habilidade dos tecidos resistirem à infecção e as decisões do

tratamento dependerão do tempo e mecanismo de injúria, contaminação ambiental e a

presença de corpos estranhos. Em cavalos, a quantificação de bactérias em feridas induzidas

experimentalmente indica que além de um número crítico de bactérias (105 a 106 bactéria) por

grama de tecido, as injúrias traumáticas contaminadas devem ser consideradas infectadas. A

necessidade de antibióticos ou imunização contra tétano deve ser determinada e administrada

se necessário. A história relativa a injúria também deve ser levantada5.

Eqüinos apresentando injúrias com perdas agudas de sangue podem necessitar de

reposição hídrica imediata. Perdas agudas de volume sangüíneo de 30% ou mais podem

resultar em sinais de choque20.

Avaliação da Ferida

Procedimentos do exame

Inicialmente, deve-se fazer distinção entre contaminação e infecção. Na contaminação

tem-se a presença de microrganismos, especialmente bactérias, porém somente se considera a

existência de infecção quando esses microrganismos vencem as barreiras criadas pelo

processo cicatricial e encontram condições favoráveis à multiplicação, agredindo o tecido

lesado. Embora todas as lesões de ocorrência natural sejam consideradas contaminadas, nem

todas se tornam infectadas. A manipulação dos tecidos afetados não deve, portanto, promover

contaminação bacteriana. Além da utilização de técnicas de limpeza e assepsia, o exame inclui

uma avaliação das complicações sensitivas, motoras e vasculares; palpação profunda para

evidências de instabilidades associadas com fraturas subjacentes, danos a tendões ou

ligamentos e determinações de rupturas articulares e penetrações em órgãos cavitários, como

bexiga, ou órgãos parenquimais ou suas estruturas associadas, como uretra ou cavidades

corporais. A aplicação de um torniquete para controlar exsudações pode ser útil para

completar o exame e confirmar o diagnóstico. O exame radiográfico é indicado no momento

da avaliação clínica para se avaliar a integridade dos tecidos subjacentes e indicar o tratamento

subseqüente.

Biomecânica da ferida

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As propriedades biomecânicas de uma lesão influenciam as decisões cirúrgicas

relativamente ao manejo da ferida. Por exemplo, debridamento cuidadoso do tecido de

granulação exuberante será necessário para a cicatrização de feridas abertas localizadas nas

extremidades distais. Concomitantemente, a orientação de uma lesão localizada em uma área

de flexão, como o jarrete, ou de extensão, como o joelho, ou superfície de tensão, como o

tórax, influenciam a qualidade, duração e funcionalidade da cicatrização.

Preparação do Paciente e da Ferida

Ao abordar feridas abertas, o veterinário deve instruir o cliente sobre os cuidados

apropriados da lesão, antes do transporte do animal até a clínica ou a chegada do profissional

ao haras. As instruções resumem-se a não fazer nada mais que aplicar uma atadura de algodão

ou improvisar uma faixa de tecido, as quais devem estar perfeitamente limpas; firmemente no

local. A utilização de fraldas descartáveis é ideal para pequenas lesões. A aplicação de

bandagens ajuda na proteção da ferida, prevenção de contaminações e contenção de

hemorragias. A aplicação de antissépticos, pomadas e pós deve ser evitada desde que eles

podem aumentar a possibilidade de contaminação adicional e provocar irritação química da

lesão, além de tornar a limpeza e o debridamento difíceis se houver condições de fechamento

primário.

Contenção

A escolha do tipo de contenção é ditada pela situação. Muitas feridas podem ser

suturadas com o cavalo em estação, utilizando-se sedação e anestésico local. Entretanto, há

circunstâncias nas quais a anestesia geral deve ser utilizada, tais como lacerações severas em

regiões inacessíveis do corpo e animais intratáveis.

A anestesia de feridas em cavalos em estação pode ser conseguida com bloqueios

nervosos ou infiltração massivas de anestésicos locais. Preferentemente, de algum que não

contenha vasoconstrictor. Os vasoconstrictores podem causar necrose de pele em animais de

derme fina e podem interferir com a cicatrização próxima ao bordo da ferida. O agente

anestésico deve ser infiltrado ao redor da ferida, mas não próximo às margens livres de uma

laceração. Este procedimento minimiza o inchaço e permite uma melhor visualização dos

tecidos durante cirurgia. Se necessário, é possível anestesiar-se a área pretendida acessando-a

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por dentro da ferida, desde que se tenha o cuidado de limpar a lesão antes da infiltração

minimizando o perigo de contaminação para os tecidos subjacentes.

Assepsia

A remoção de pêlos na área da lesão reduz a contaminação superficial das lesões

durante o fechamento. Embora a tricotomia seja um procedimento vantajoso, não exime o

tecido de infecções, tendo sido descrito na espécie humana, uma taxa de infecção em pacientes

após tricotomia 5,6% maior quando comparada com 0,6% após depilação. Além deste fato,

infecções significativamente maiores foram encontradas em pacientes cujos pêlos foram

cortados na manhã da cirurgia, do que naqueles na qual o corte se deu na noite anterior à

cirurgia. O aumento da taxa de infecção associado com a tricotomia está relacionado a danos

aos folículos pilosos, que propiciam uma porta de entrada para a contaminação bacteriana e

conseqüente infecção.

Agentes antimicrobianos ou antissépticos podem ser adicionados às soluções para

lavagem da ferida e redução da contaminação bacteriana local. Embora haja vários agentes

que possam ser adicionados, os mais populares são as soluções diluídas de Iodopovidine (PI) e

clorhexidina, que não causam efeitos deletérios significantes ao tecido traumatizado.

O iodo livre é o ingrediente ativo da solução de PI, na qual se encontra à concentração

de 1% na solução de estoque. A diluição desta solução libera o iodo, aumentando sua

atividade bactericida. Atualmente, as concentrações de iodo recomendadas para lavagem dos

tecidos moles é de 0,1%, ou seja, 1,0 ml da solução de estoque em 100 ml do diluente,

maximizando seu espectro antimicrobiano e minimizando os efeitos citotóxicos. As principais

desvantagens do iodopovidine quando comparado ao clorexidine são a reduzida atividade

residual e a diminuição do efeito na presença de material orgânico.

Debridamento

De forma isolada, provavelmente o fator mais importante no manejo eficaz de uma

lesão contaminada ou infectada é o debridamento. Potencialmente, as defesas do organismo

possuem capacidade para resistir às infecções mais intensas, removendo todo o tecido

desvitalizado, como músculo, gordura e pele, além de ossos, os quais podem amparar o

crescimento bacteriano e inibir a atividade fagocitária dos PMN.

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Uma importante questão quanto ao debridamento é sobre seu limite. A junção entre os

tecidos normais e desvitalizadas não é clara, especialmente logo após a ocorrência da lesão. Os

melhores indicadores da vitalidade dos bordos excisados da lesão são calor, cor e habilidade

para sangrar. A contração muscular após estimulação elétrica e coloração da pele pela

administração sistêmica de corantes fluoroscentes e azul de metileno podem também ajudar na

diferenciação entre os tecidos desvitalizados e os viáveis17.

Embora todos os tecidos necrosados ou em vias de necrose possam ser removidos, o

debridamento conservativo das feridas sobre estruturas vasculares e neurais, articulações e

órgãos especiais é essencial. È importante lembrar que para realização desses procedimentos

podem ser necessários métodos de contenção.

Antimicrobianos

A necessidade de terapia antimicrobiana deve se justificar antes de ser iniciada, uma

vez que os antibióticos podem não ser necessários na terapêutica de todas as feridas. O uso

destes medicamentos é dirigido à prevenção de infecções ou para eliminar infecções já

estabelecidas. A utilização isolada de antibióticos em feridas contaminadas ou infectadas não é

garantia de sucesso no processo cicatricial. Vários fatores determinam se a terapia

antimicrobiana terá ou não sucesso no tratamento de infecções: 1) o tempo e mecanismo de

injúria, 2) o organismo infectante e 3) a integridade fisiológica do tecido lesado. Em estudos

clínicos e laboratoriais, a terapia antibiótica é significativamente mais efetiva quando as

concentrações da droga estão presentes no local da ferida e em concentrações que excedam a

concentração mínima inibitória do organismo.

O exsudato proteináceo oriundo dos vasos interrompidos e do desprendimento

endotelial tem aparentemente uma dupla função em prevenir a efetividade antibiótica e

potencializar as defesas do organismo contra infecções. Por exemplo, o coágulo de fibrina

pode envolver e proteger as bactérias do contato com antibióticos. Simultaneamente, este

coágulo pode vedar os vasos linfáticos e bloquear o fluxo linfático, prevenindo, deste modo, a

disseminação de bactérias.

É essencial a determinação da necessidade de antibióticos em pacientes com elevada

probabilidade de infecção. Vários fatores que determinam a probabilidade de infecção

incluem: 1) sítio anatômico da ferida, 2) aparência da lesão (feridas contendo material

Page 14: Feridas Em Cavalos

14

purulento), 3) feridas consideradas sujas ou contaminadas, 4) dimensões físicas da ferida, 5)

demora na limpeza da ferida e reparo de mais de três ou mais horas, 6) magnitude e

mecanismo de injúria tecidual. Deve-se enfatizar que a terapia antibiótica é um método

auxiliar, antes que uma substituição, para o debridamento.

Drenagem

A drenagem tem tanto vantagens como desvantagens que devem ser consideradas na

avaliação de seus benefícios potenciais no manejo de feridas. A drenagem fornece uma rota

direta para remoção contínua de pus, sangue e outros detritos exsudativos da ferida, deste

modo minimizando os efeitos adversos no controle de infecções e taxa de cicatrização.

O risco potencial dos drenos deve ser considerado todas as vezes, especialmente em

situações quando utilizados profilaticamente ou quando exsudação contínua é antecipada.

Tipos de Reparação de Feridas Os fatores acima mencionados influenciam profundamente a escolha do tipo de

abordagem da ferida, seja por reparação primária, secundária ou primária tardia.

Fechamento por primeira intenção

O fechamento primário é indicado após incisões cirúrgicas não complicadas e após

feridas naturalmente induzidas nas quais a cicatrização não está correndo riscos de sofrer

tensão excessiva e infecção. O fechamento primário possibilita que a cicatrização tecidual

prossiga com redução da quantidade de colágeno requerido para a remodelação,

neovascularização, contração e repitelização. Entretanto, o fechamento primário das lesões

suprime os mecanismos naturais de defesa do paciente. Desde que muitas injúrias sofridas

pelos eqüinos são caracterizadas por dilacerações e impactos, o fechamento primário pode não

ser garantido devido à freqüentemente substancial quantidade de dano aos tecidos subjacentes,

cutâneo, vascular, músculos e ossos, má definição das margens viáveis da lesão e

contaminações profundamente encarceradas com patógenos bacterianos oriundos do ambiente,

como solo e fezes.

Cicatrização por segunda intenção

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15

A escolha da cicatrização por segunda intenção é definida quando o fechamento

primário não pode ser utilizado. O fechamento secundário depende inteiramente da

neovascularização e remodelação da matriz para restabelecer o volume tecidual, contração da

lesão para restabelecer a tensão tecidual normal e reduzir o tamanho da cicatriz e repitelização

para fornecer uma superfície de revestimento normal. Os fatores que contribuem para a

decisão de se abandonar o fechamento primário e permitir o fechamento secundário são: 1)

grau de contaminação, 2) perda significativa de tecido e 3) situações nas quais houve falhas no

fechamento primário.

Fechamento tardio por primeira intenção

O fechamento primário tardio de feridas incorpora as vantagens tanto do fechamento

primário como do secundário. O tempo ideal para o fechamento primário tardio de uma lesão

inicialmente contaminada ou infectada deve ocorrer antes do aparecimento de tecido de

granulação, geralmente quatro a sete dias após a injúria. Por este tempo, um bom manejo da

lesão terá diminuído a probabilidade de infecção. O momento para o fechamento primário

tardio correlaciona-se com o final da fase de debridamento e o início da fase proliferativa de

cicatrização da ferida. A justaposição das margens da lesão reduz a necessidade de contração e

repitelização da lesão, minimizando-se o tamanho da cicatriz e aumentando a resistência da

lesão cicatrizada.

Feridas dos membros distais dos eqüinos, as quais freqüentemente se permite a

cicatrização por segunda intenção, podem ser manuseadas com maior sucesso por segunda

intenção (após o aparecimento de tecido de granulação) e imobilização rígida temporária.

FATORES QUE INFLUENCIAM A REPARAÇÃO DE FERIDAS Embora não se possa definitivamente acelerar o processo de cicatrização, vários fatores

afetam adversamente a taxa de cicatrização das feridas. Entre estes fatores estão a má nutrição,

hipovolemia e hipotensão, hipóxia, hipotermia, infecção, trauma e o uso de medicamentos de

ação anti-inflamatória. A adequada manipulação destes fatores contribui para a manutenção

das condições ideais para ocorrer a cicatrização normal.

Page 16: Feridas Em Cavalos

16

Nutrição

A condição nutricional do paciente influencia profundamente a taxa e qualidade da

cicatrização. As necessidades calóricas aumentam após uma ferida traumática. As dietas

devem incluir proteínas e aminoácidos que são utilizados anabolicamente. A má nutrição

protéica contribui para uma cicatrização defeituosa. Estudos têm demonstrado que a falta de

proteínas antes da ocorrência do ferimento propicia a formação de reações teciduais menos

exuberantes do quando a depleção ocorre após o ferimento; assim organismos com diminutos

níveis de albumina apresentam geralmente ferimentos ou lesões menores.

As vitaminas têm uma função positiva no auxílio da cicatrização normal. A vitamina C

é necessária para o desenvolvimento de fibroblastos e para a hidroxilação de prolina e lisina.

Deficiências de vitamina C produzem diminuição da resistência da ferida à tensão e atrasam a

cicatrização da lesão.

Em eqüinos, os traços de minerais podem participar da cicatrização das feridas. Entre

esses inclui-se o magnésio, o qual é necessário para a síntese de proteínas, e o zinco, os quais

participam de todas as fases da cicatrização. Entretanto, faltam evidências definitivas que

indiquem aumento ou melhora da cicatrização em animais normais cujas dietas sejam

suplementados com aditivos nutricionais12.

Anemia

A anemia não pode, per si, atrasar a cicatrização das lesões, uma vez que as demandas

teciduais do volume de sangue total e as necessidades de oxigênio para o metabolismo celular

são os fatores mais importantes. Se a anemia é secundária à perda de sangue, então o fluxo

sangüíneo na microcirculação da ferida se deteriorará causando deposição de sedimento

intravascular e coagulação, interferindo com a oxigenação e nutrição tecidual.

Oxigênio

Embora as células metabolicamente ativas como leucócitos e fibroblastos requeiram

concentrações normais de oxigênio, a ocorrência de hipóxia no centro da lesão constitui uma

condição essencial para o estímulo da angiogênese e início da síntese de colágeno. Entretanto,

a presença intracitoplasmática de oxigênio nos fibroblastos é necessária para o processo de

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17

pós-translação de colágeno, essencial para as ligações entre prolina e lisina, secreção e

polimerização de fibras maduras de colágeno.

Estudos com oxigênio hiperbárico não sugerem melhorias na cicatrização de feridas.

Ao contrário, aumentos no conteúdo de oxigênio na lesão podem elevar a pressão do dióxido

de carbono e reduzir a deposição de colágeno. Anormalidades ácido-básicas sistêmicas,

entretanto, podem provavelmente ter pouco efeito na cicatrização de feridas12.

Temperatura

O efeito da temperatura na cicatrização de lesões está aparentemente relacionado ao

seu efeito no tônus vasomotor periférico. Diminuições na temperatura ambiental exercem uma

vasoconstricção reflexa autonômica que reduz a microcirculação local, diminuindo portanto a

microcirculação local através da diminuição da oxigenação e nutrição tecidual.

Agentes anti-inflamatórios

Esteróides

Pela restrição da fase inflamatória da cicatrização, os esteróides possuem efeito

inibitório na taxa e qualidade da cicatrização. Ocorrem, desta forma, atrasos na formação de

tecido de granulação, proliferação de fibroblastos e brotamento capilar na presença de

esteróides. Entretanto, o efeito de uma única dose de esteróides em cavalos pode não criar um

impacto nas diferentes fases de cicatrização.

Anti-inflamatórios não hormonais

Doses elevadas de aspirina diminuem a resistência à tensão de feridas em ratos. A

aspirina não tem nenhum efeito sobre a cicatrização quando administrada em doses

terapêuticas.

Em ratos, o flunixin meglumine diminui significativamente a resistência a tensão de

feridas da pele e linha branca mas não afeta a resistência visceral cinco dias após cirurgia. No

décimo quarto dia, não houveram diferenças histológicas entre animais tratados e controle.

Embora afetando adversamente a fase inflamatória, o flunixin meglumine qualitativamente

não parece influenciar a fase proliferativa ou as fases subsequentes da cicatrização de feridas8.

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18

Infecção

As infecções afetam adversamente todas as fases da cicatrização. A secreção de

hialuronidase, colagenases, hemolisinas e outros proteases são responsáveis pela ocorrência de

inibição bacteriana durante a cicatrização. As bactérias também inibem a cicatrização através

do prolongamento da fase inflamatória. A presença de um número maior que 105 bactérias por

grama de tecido lesional significa que, se a ferida não tiver assistência, não cicatrizará por

primeira ou segunda intenção10.

O tempo é um fator importante no diagnóstico potencial de contaminação de feridas. O

período de ouro não é simplesmente um tempo que possa ser contado; ele é a quantidade de

tempo antes de um inóculo atingir um nível crítico de 105 bactérias por grama de tecido. Além

disto, este período depende de vários fatores, incluindo o tempo de patogenicidade e

replicação da bactéria e a integridade fisiológica do tecido ao redor da lesão24.

Vários fatores também influenciam a ocorrência de infecção e/ou deiscência, incluindo

corpos estranhos, hematomas, seromas, espaço morto, movimento e edema. Os corpos

estranhos, tais como pêlos, madeira e solo mantém a inflamação e resistem às tentativas de

controlar a infecção. Hematomas e seromas influenciam a infecção através da potencialização

do crescimento bacteriano e interferindo com a oxigenação e nutrição tecidual através da

separação das camadas de tecido. O espaço morto atua “coletando” o material liqüefeito que

recebe a infecção. O movimento interrompe os frágeis leitos capilares e o epitélio cicatricial.

O edema aumenta lentamente a tensão na ferida e interfere com a oxigenação e nutrição

tecidual.

Antissépticos e Pensos

O clorexidine é citotóxico, em meio de cultura, para fibroblastos, mas não interfere

com a cicatrização tecidual in vivo. A cicatrização de lesões e contração são semelhantes em

feridas tratadas com clorexidine e iodopovidine. Entretanto, contaminação e isolamento

bacteriano pode ser menor em feridas tratadas com clorexidine do que naquelas que receberam

povidine-iodine. Em cobaias, o tratamento de feridas cutâneas com clorexidine resulta em

aumento da resistência 14 dias após a injúria. A principal diferença entre as feridas foi a

quantidade de colágeno formado.

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19

Queimaduras demonstram melhora da epitelização e menor contração e granulação

após tratamento tópico com cremes à 1% de sulfadiazina de prata do que após tratamento com

gel de aloé vera, produzido a partir da planta do mesmo nome, conhecida popularmente pelo

nome de babosa.

As funções dos pensos são: 1) proteger a ferida de contaminação e trauma posteriores,

2) fornecer compressão, 3) aplicar medicações à superfície da ferida e 4) absorver tecido

necrótico drenado e detritos.

Os pensos gessados podem aumentar a cicatrização por segunda intenção em áreas

sujeitas a movimento excessivo, incluindo os bulbos dos talões, quartelas, boletos, joelhos e

jarretes4. Com a formação de um tecido de granulação maduro no leito da ferida, o gesso pode

ser removido e a área injuriada mantida sob bandagem simples ou contida com bandagens

biológicas, adesivos teciduais, cirurgias reconstrutivas ou enxertos de pele.

TERAPIA TÓPICA Em eqüinos são reconhecidas as dificuldades decorrentes da formação excessiva de

tecido de granulação em feridas cutâneas localizadas em extremidades. Este aspecto, constitui

um desafio para o médico veterinário que elege, para determinados casos, a cicatrização por

segunda intenção como método de tratamento, seja pelas condições locais e tempo decorrente

da lesão ou pela falta de tecido para recobrimento. O profissional vê-se premido pela

necessidade de combater uma possível contaminação e/ou infecção, remover o tecido

desvitalizado e estimular a formação de tecido de granulação para preenchimento do espaço

morto, o que requer a utilização de antissépticos e/ou antibióticos para evitar a proliferação de

germes, assim como de substâncias que estimulem granulação. De outro lado, deve impedir

que o tecido de granulação desenvolva-se excessivamente e acabe dificultando a epitelização e

retração dos bordos cutâneos da ferida.

Se de um lado alguns autores preconizam que o uso de pomadas antibióticas tópicas

não são imprescindíveis para o fechamento de feridas30, por outro lado, inúmeros relatos

referem a importância do emprego de algum tipo de antibiótico ou antissépticos tópicos para

controlar processos bacterianos superficiais quando se manuseia uma lesão antes de fechá-la

ou quando a cicatrização por segunda intenção é elegida11, 2, 29. Têm-se como ideal a utilização

de pomadas que não tenham propriedades irritantes e sejam solúveis em água e,

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20

conseqüentemente, de fácil remoção. Em que pese a citotoxicidade de alguns antissépticos,

como o iodopividine e o clorexidine (anteriormente comentados), esta é de baixa intensidade

e, nos casos, onde ocorre contaminação, sua atividade bactericida supera seus efeitos

deletérios ao tecido. Algumas pesquisas foram realizadas, em nossas condições, com o

objetivo de comparar a eficiência na cicatrização de feridas de alguns antissépticos13. Esse

trabalho, que teve um grupo tratado com solução fisiológica como controle, avaliou o efeito de

três substâncias: glicerina iodada 5%, timerosal e iodo povinilpirrolidona com açúcar, refere

uma melhor efetividade da primeira solução. Embora esta não tenha sido significativamente

melhor que o timerosal, o qual demonstrou discreta desvantagem quando avaliado macro e

microscopicamente.

Os antibióticos e antibacterianos utilizados diretamente na cicatrização de feridas, na

forma de pomadas, incluem, entre outros a sulfadiazina de prata25, a nitrofurazona e

associações de bacitracina, neomicina e polimixina B. Embora tenha-se constatado sua

eficácia na cicatrização de feridas, esta não diferiu significativamente de tratamentos

realizados com placebos, exceto para a nitrofurazona34. Muita pesquisa clínica é necessária

antes que recomendações, como estas, sejam feitas. Se antibacterianos tópicos são utilizados, a

duração do tratamento deve ser mínima para prevenir o desenvolvimento de resistência

bacteriana. Por enquanto, a utilização de agentes antimicrobianos tópicos é rara, mas confia-se

no uso de bandagens úmidas e/ou secas, combinadas com lavagem antisséptica durante a

mudança de bandagens, para controlar infecção bacteriana5.

O tecido de granulação exuberante formado no início da cicatrização pode ser

controlado tanto pela aplicação tópica de derivados amnióticos como de preparações tópicas à

base de corticosteróides. As combinações de esteróides e antibióticos tópicos diminuem

marcantemente à produção de líquidos, permitindo trocas menos freqüentes de bandagens. A

superfície da ferida torna-se mais lisa, facilitando a migração epitelial e aparentemente, a

associação de antibióticos com esteróides ativa a granulação de retração da lesão9 e ocorre

diminuição do tamanho da lesão logo após sua aplicação3. Em estudo realizado com um

pequeno grupo de animais, as lesões tratadas com esteróides tópicos cicatrizaram mais rápido

do que aquelas nas quais não se utilizou esteróides1. Histologicamente, não se observou

nenhuma diferença entre feridas tratadas com combinação de esteróides e antibióticos e

aqueles tratados de outra maneira3.

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21

Feridas crônicas, com tecido de granulação exuberante que se projetam acima da

margem cutânea, respondem melhor ao tratamento pela remoção cirúrgica do excesso de

tecido11, 2. A excisão pode ser realizada com o cavalo em estação, pois o tecido de granulação

não é inervado. O excesso de tecido é removido até que sua superfície fique abaixo das

margens teciduais cutâneas. Após excisão, uma bandagem deve ser aplicada com certa pressão

para controlar a hemorragia. Uma vez que a hemorragia esteja controlada, a colocação de uma

outra bandagem contendo corticosteróides é útil para secar e alisar a superfície da ferida.

Outras substâncias têm sido referidas no tratamento de feridas por segunda intenção

com objetivo de auxiliar o processo cicatricial e modular o crescimento do tecido cicatricial,

sem apresentar as desvantagens dos glicocorticóides. A ketanserina, um antagonista do

receptor S2 de serotonina, têm sido eficientemente utilizada na forma de gel com resultados

bastante promissores tanto em eqüinos como em outras espécies domésticas (bovinos e cães),

assim como na espécie humana. Em cães, o uso da ketanserina promoveu o desenvolvimento

mais rápido de tecido de granulação maturo e o fechamento de feridas quando comparado ao

tratamento convencional15, assim como mostrou efeito benéfico na formação de tecido de

granulação e epitelização no tratamento de úlceras de decúbito em pacientes humanos, com

aumento significativo da cicatrização, na fase inicial, quando comparado aos pacientes que

receberam placebo31. Aparentemente, a ketanserina tem um efeito paradoxal na cicatrização de

feridas, pois de um lado estimula a proliferação e síntese de colágeno do fibroblastos da

derme, mas por outro lado inibe a síntese de serotonina e miofibroblastos27. Em eqüinos, são

relatados resultados positivos da aplicação tópica de ketanserina na cicatrização de feridas

cutâneas32.

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