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Macroeconomia Aberta em Contexto de Globalização Financeira: algumas notas em uma perspectiva pós-keynesiana Luiz Fernando de Paula * Introdução É fato conhecido que a teoria pós-keynesiana nos anos 1970 e 1980 foi originalmente formulada para descrever economias fechadas, procurando dar uma explicação coerente porque as economias de mercado tendem a ser falhas em alcançar prosperidade econômica com pleno emprego e distribuição de renda mais adequada. As transformações recentes da economia, no contexto do que é conhecido amplamente como globalização, levaram a novos desenvolvimentos teóricos na economia pós-keyenesiana que procurassem dar conta do novo contexto. De fato, vários desenvolvimentos importantes foram feitos a partir da década de 1990 (ver, entre outros, McCombie e Thirwall, 1994; Deprez e Harvey, 1999; Davidson, 2002), mas ainda assim reconhece-se a falta de um arcabouço teórico mais acabado para assuntos relacionados à economia internacional 1 . Em particular, economistas pós-keynesianos têm procurado avaliar criticamente as questões relacionadas à globalização e suas implicações 2 . Contudo, neste particular não há um consenso entre os autores pós-keynesianos, tal como mais ou menos havia quando se considerava uma economia fechada. Há, contudo, algumas concepções básicas que são comuns nas diferentes avaliações e proposições (cf Smithin, 2001). Em primeiro lugar, pós- keynesianos reafirmam a importância da noção de incerteza não-probabilística (em oposição a risco probabilístico) para entender o funcionamento de economias capitalistas em contexto de globalização. No contexto internacional, esta consideração tem implicações profundas para entender os movimentos especulativos imprevisíveis da capital financeiro e as fortes flutuações nas taxas de câmbio daí decorrentes. Neste particular, pós-keynesianos tendem a ser favoráveis a medidas que reduzam a incerteza e tornem o ambiente * Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FCE/UERJ e Pesquisador do CNPq. 1 Holt e Pressman (2001, p. 128), por exemplo, assinalam que “pós-keynesianos devem também explorar mais cuidadosamente as conseqüências de se mover de uma economia fechada para uma economia global”. 2 O leitor brasileiro tem a disposição uma coletânea abrangente sobre globalização financeira, com autores estrangeiros e nacionais (Ferrrari Filho e Paula, 2004).

Fernando de Paula (2006) - Macroeconomia Aberta Em Contexto de Globalização Financeira

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Macroeconomia Aberta em Contexto de Globalizao Financeira:algumas notas em uma perspectiva ps-keynesiana Luiz Fernando de Paula*

Introduo fatoconhecidoqueateoriaps-keynesiananosanos1970e1980foi originalmenteformuladaparadescrevereconomiasfechadas,procurandodaruma explicaocoerenteporqueaseconomiasdemercadotendemaserfalhasemalcanar prosperidade econmica com pleno emprego e distribuio de renda mais adequada. As transformaes recentes da economia, no contexto do que conhecido amplamente como globalizao,levaramanovosdesenvolvimentostericosnaeconomiaps-keyenesiana que procurassem dar conta do novo contexto. De fato, vrios desenvolvimentos importantes foram feitos a partir da dcada de 1990 (ver, entre outros, McCombie e Thirwall, 1994; DeprezeHarvey,1999;Davidson,2002),masaindaassimreconhece-seafaltadeum arcabouo terico mais acabado para assuntos relacionados economia internacional1.Em particular, economistas ps-keynesianos tm procurado avaliar criticamente as questes relacionadas globalizao e suas implicaes2. Contudo, neste particular no h um consenso entre os autores ps-keynesianos, tal como mais ou menos havia quando se consideravaumaeconomiafechada.H,contudo,algumasconcepesbsicasqueso comuns nas diferentes avaliaes e proposies (cf Smithin, 2001). Em primeiro lugar, ps-keynesianosreafirmamaimportnciadanoodeincertezano-probabilstica(em oposio a risco probabilstico) para entender o funcionamento de economias capitalistas em contexto de globalizao. No contexto internacional, esta considerao tem implicaes profundas para entender os movimentos especulativos imprevisveis da capital financeiro e as fortes flutuaes nas taxas de cmbio da decorrentes. Neste particular, ps-keynesianos tendemaserfavorveisamedidasquereduzamaincertezaetornemoambiente *Professor da Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro FCE/UERJe Pesquisador do CNPq. 1 Holt e Pressman (2001, p. 128), por exemplo, assinalam que ps-keynesianos devem tambm explorar mais cuidadosamente as conseqncias de se mover de uma economia fechada para uma economia global. 2 O leitor brasileiro tem a disposio uma coletnea abrangente sobre globalizao financeira, com autores estrangeiros e nacionais (Ferrrari Filho e Paula, 2004). internacionalmenosturbulento,podendoaincluircontrolesdecapitais,arranjos monetrios que resultem em uma maior estabilidade da taxa de cmbio, estabelecimento de umapoderosaentidadesupra-nacionalregulatria,reordenamentodosistemamonetrio internacional, etc.Em segundo lugar, e associado ao anterior, ps-keynesianos insistem na importncia de um gerenciamento macroeconmico que assegure pleno emprego e prosperidade geral.Isto requer - em contexto de globalizao financeira isto , de maior interdependncia econmica e maior intensidade no fluxo de capitais entre pases -que se crie condies para se adotar polticas econmicas autnomas.Neste particular dois tipos de respostas globalizaoemergemdaperspectivaps-keynesiana:umaquebuscaumasoluo internacional, incluindo instituies financeiras internacionais e maior regulao sobre as paridadesdataxadecmbioesobreosfluxosdecapitalquetomacomomodeloa propostadeKeynesnosanos1940decriaodeumaUniodeCompensao Internacional;umaoutra,emumalinhamaisdomstica,quesugereaadoodeuma polticadefensivafrenteaglobalizao,atravsdemedidasqueproporcionemaior autonomia para o pas adotar polticas keynesianas expansionistas. Este artigo tem como objetivo discutir a macroeconomia em uma economia aberta a partirdeumaperspectivaps-keynesiana.Estaperspectivaseapianoprincpiode incertezano-probabilstica,deno-neutralidadedamoeda,edetempohistrico unidirecional, e tem como conseqncia uma viso de que nas economias de mercado no h mecanismo que garanta a priori a estabilidade da economia via ao de mercados livres. Neste contexto, pretende-se resgatar e discutir algumas contribuies ps-keynesianas para a anlise de temas atuais da economia internacional: efeitos da liberalizao e integrao dosmercadosfinanceiros,crisescambiais,vulnerabilidadeexterna,restrioexternaao crescimento de pases em desenvolvimento, perda de autonomia das polticas econmicas domsticas, controle de capitais e reestruturao do sistema monetrio internacional. O artigo est dividido em trs sees, alm desta introduo. Na seo 2 analisa-se as caractersticas e evidncias empricas relacionadas globalizao financeira. A seo 3, por sua vez, faz uma breve anlise da viso ps-keynesiana de economia monetria. J a seo 4 avalia desenvolvimentos tericos ps-keynesianos relacionados macroeconomia aberta em contexto de globalizao. Por fim, a seo 5 conclui o artigo. 2 2. Globalizao financeira: caractersticas e evidncias empricas Nos anos 1970, devido crise econmica nas economias capitalistas avanadas e dascrticasfeitaspeloseconomistasnovo-clssicosteoriakeynesiana,tantoateoria quantoaspolticaskeynesianasdenaturezaintervencionistaforamconsideradasmortas, cedendolugaraconcepestericas(eideolgicas)maisprximasaoneoliberalismo. Nessesentindo,adesregulamentaodosmercadospassouaseratnicaprincipaldas reformas econmicas empreendidas tanto nos pases desenvolvidos quanto nos pases em desenvolvimento. Em particular, a livre mobilidade de capitais, que resulta do processo de liberalizao financeira, passou a ser defendida como capaz de aumentar a eficincia na alocao de capitais a nvel mundial, beneficiando especialmente os pases emergentes, que teriamescassezcrnicadepoupana3.Ademais,poderiaajudaraestabilizartais economias, seja atravs da maior diversificao de fontes de fundos, seja impondo uma disciplinademercadoaessespases.Nestecontexto,oprprioFundoMonetrio Internacional(FMI)nosanos1990passouasugerirreformasestruturaisliberalizantes, impondo condicionalidades aos pases que lhe solicitam ajuda, como um dos eixos centrais de seu receiturio poltico no mundo. Comoresultadodamaiorinstabilidademacroeconmicaqueresultoudofimdo sistema de Bretton Woods a partir do incio dos anos 1970, da liberalizao dos mercados financeiros,edasinovaestecnolgicasnareadeinformticaetelecomunicaes, observou-se ao longo das dcadas de 1970 e 1980um aumento no volume e na velocidade de recursos no mercado financeiro internacional, e uma maior integrao entre os mercados financeirosanvelglobal,nocontextodoqueficouconhecidocomoprocessode globalizaofinanceira.Umadasconseqnciasdesseprocessotemsidoumacerta tendncia criao de um nico mercado mundial de dinheiro e de crdito.A globalizao financeira tem colocado algumas questes importantes para a teoria econmica, como a perda de autonomia das polticas econmicas nacionais, a ausncia de um padro monetrio internacional estvel, a dificuldade de se alcanar um regime cambial 3 Segundo Fischer (1998, p. 3), a liberalizao da conta de capital pode trazer benefcios significativos para os pases. Residentes e governos so capazes de tomar emprestado em termos mais favorveis, e os mercados financeiros domsticos tornam-semais eficientes como resultado da introduo de tecnologias financeiras mais avanadas, resultando em uma melhor alocao de poupanas e investimentos.3timo(dopontodevistadaconjugaodeequilbrioexternocomestabilidade macroeconmicadomstica),amaiorinterdependnciaeconmicaentreospasese, conseqentemente, a maior propenso ao contgio das crises cambiais. As sucessivas crises cambial-financeiras que ocorreram em vrios pases ao longo dos anos 1990 (Mxico, Sudeste Asitico, Rssia, Brasil e Argentina, entre outros), e seus impactos deletrios para estas economias em termos de crescimento econmico, emprego etc., colocaram em xeque o processo de liberalizao dos mercados e a prpria adoo de polticasneoliberais.Estudosempricosqueprocuraramavaliarosefeitosdaintegrao financeira sobre o crescimento econmico e outras variveis macroeconmicas mostraram que: (i) no h uma correlao definida entre liberalizao financeira e variveis tais como crescimentoeconmico4,estabilidadeinflacionria,relaoinvestimento/PIB,etc.;(ii)a volatilidade da taxa de cmbio em pases emergentes- resultado dos movimentos de fluxos de capitais - afeta negativamente taxa de juros, dvida pblica, investimento, entre outras variveis5. Neste contexto, os benefcios concretos da globalizao financeira, com mercados desregulados, passaram recentemente a ser seriamente questionados, ao mesmo tempo em que se tem tornado imperativo a necessidade de se criar novas formas de regulao dos fluxos de capitais entre os pases, ou mesmo, como defendem alguns economistas, uma novaarquiteturafinanceiramundial.Crisesfinanceirasecambiaisnosanos1990 colocaram em xeque a adoo de polticas neoliberais. A experincia emprica mostra forte evidncias de que a liberalizao da conta capital aumenta a vulnerabilidade da economia a mudanasnosentimento.Amacroeconomiakeynesianavoltaaocentrodasatenes, destacando-se,entreoutros,economistascomoJ osephStiglitz(ex-Vice-Presidentedo BancoMundial),PaulDavidson(UniversidadedoTennessee)eJ anKregel (UNCTAD/ONU). 4 Um estudo feito por economistas do Fundo Monetrio Internacional (Prasad etal, 2003, p. 6) sintetiza os achadosempricosdaliteraturainternacional:umexamesistemticodasevidnciassugerequedifcil estabelecer uma relao causal robusta entre integrao financeira e desempenho do crescimento do produto. Os autores mostram, ainda que existe pouca evidncia de que a integrao financeira tem ajudado pases em desenvolvimento a melhor estabilizarem as flutuaes no crescimento do consumo e que a maior volatilidade macroeconmicaprovavelmenteaumentaasmedidasdepobrezaabsolutaerelativaemcasosdecrises financeiras j que essas resultam em grandes aumentos no desemprego. 5 Ver, entre, outros, Gurin e Lahrche-Rvil (2003) para uma avaliao emprica dos impactos das variaes cambiaisnasdecisesdeinvestimentoempasesdesenvolvidos,eIMF(2003)paraumaavaliaodos impactos da volatilidade cmbial sobre as finanas pblicas em pases em desenvolvimento. 4 3. Viso ps-keynesiana de economia monetria: uma breve anlise Aabordagemps-keyenesianadeeconomiamonetriapodeserresumida considerando alguns conceitos/idias bsicos que se diferenciam do mainstream, ao vir de encontro concepo de mercados auto-regulados, posto que se concebe que no h mecanismo de mercado que garanta a priori a estabilidade da economia6.Uma primeira noo central da teoria ps-keynesiana de que os agentes operam sobumambientedeincertezano-probabilstica.Aincerteza,comoassinalouKeynes (1973,p.114),refere-seafenmenosparaosquaisnoexistebasecientficaparase formarqualquerprobabilidadecalculvel,noqueresultanaimpossibilidadedese determinar apriorioquadrorelevantedeinflunciasque atuaro entre adecisodese implementar um determinado plano e a obteno efetiva de resultados. Incerteza significa queofuturodesconhecidonosentidodequeosdadosdopassadonoprovem necessariamente informao confivel com relao ao futuro.Eventos no podem ser completamente antecipados, poiso futuro no calculvel nem um reflexo estatstico do passado. Uma vez que as expectativas dos agentes so geralmente formadas sob incerteza, elas so inerentemente instveis. De fato, os agentes podem ajustar suas expectativas e freqentemente o fazem uma vez que suas percepes do ambiente econmica se alteram. Ps-keynesianos enfatizam, portanto, o papel das expectativas heterogneas dos agentes e a importncia de eventos no completamente antecipados. Uma segunda noo relacionada anterior a de no neutralidade da moeda. Ao contrrio da teoria neoclssica para quem todos os teoremas fundamentais so estabelecidos em termos reais, por considerao direta a bens, preferncias e constrangimentos tcnicos, na abordagem ps-keynesiana, seguindo Keynes, a moeda como representao geral da riqueza, um ativo que pode ser retido como poder de compra em sua forma mais pura a ser gastosemalgumadatafuturaindefinida-afetamotivosedecisesdosagentes,pois proporciona flexibilidade aos agentes em momento de maior incerteza. Portanto, a moeda, porseuatributoderepresentaodopoderdecompraemsuaformamaispuraesua capacidadedeliquidardvidas,influenciaasescolhasquesofeitascomoummeiode 6 Ver, entre outros, Carvalho (1992), Lavoie (1992) e Davidson (1994). 5conservar a riqueza. Por seu atributo de liquidez mxima, a moeda compete com outros ativos, afetando consequentemente as decises de produo e de acumulao de riqueza.Em terceiro lugar, ps-keynesianos acreditam que a economia melhor modelada como existindo um tempo histrico e unidirecional em vez do tempo lgico ou mecnico. Asdeciseseconmicassofreqentementeprocessosirreversveisjqueumavez iniciado s podem ser detidas s custas de grandes perdas e cujas condies iniciais no podem ser repostas que se desenrolam em um contexto de um futuro desconhecido. Uma vez que os resultados econmicos so realizados, os participantes do mercado levam-no em conta e seu prprio comportamento ento alterado, pois uma deciso crucial destri o contexto em que a deciso foi tomada, e, por isso, no pode ser repetida. Assim, a tomada de deciso em um determinado perodo de tempo o resultado de aes passadas, baseadas comfreqnciaemexpectativasnopreenchidas,combinadacomexpectativassobreo futuro.Taisexpectativas,comovistoacima,sosujeitasamudanasvolteis.Umdos corolriosdessaconcepo,queosmodelosdeequilbriogeralnoso,aprincpio, apropriados para analisar a dinmica da economia, uma vez que eles tipicamente partem do pressupostodequetudoacontecesimultaneamenteequeosprocessoseconmicosso reversveis,repetitivos,equeosagentescorrigemgradualmenteseuserros.Ademais,a economia tida como estvel nesses modelos, ao menos at que os parmetros do modelo sejam alterados, enquanto que na concepo ps-keynesiana no h mecanismo de mercado quegarantaaprioriaestabilidadedaeconomia.Defato,sobcondieshistrica, institucional e poltica, o comportamento dos ciclos econmicos pode ter maior ou menor amplitude, mas sempre carregam um potencial para crise. 4.Macroeconomiaabertaemcontextodeglobalizaosegundoaabordagemps-keynesiana 4.1. Fluxos de capitais, especulao financeira e crises cambiais Como ressaltado inicialmente, abordagem ps-keynesiana reafirma a importncia da noodeincertezano-probabilsticaparaentenderofuncionamentodeeconomias capitalistas em contexto de globalizao. Ps-keynesianos rejeitam a hiptese dos mercados eficientesedasexpectativasracionaisparaexplicarocomportamentodosmercados 6financeiros7.Emummundoincerto,emqueosfundamentosnofornecemumguia confivelsobreofuturo,umavezqueabaseinformacionalsobreoqualseapiamas deciseshumanassobreacumulaoderiquezaincompleta,asavaliaesfuturasdos mercadossosempresujeitasadesapontamentos.Seasexpectativasdosagentesso inseguras, face a sua percepo de incerteza, os preos nos mercados financeiros podem flutuar fortemente ou temporariamente repousar em qualquer valor. Isto porque o grau de confiana com que os agentes vem o futuro comum flutuar no tempo, em resposta s mudanasnasexpectativasformuladasporeles.Navisops-keynesianaovalor intrnseco de um ativo, relacionado a valores derivados do desconto apropriado do fluxo de retornos esperados dos ativos, no existe, j que a taxa de desconto varia de acordo com as percepes de risco que se alteram em respostas a eventos e, por isso, no so passveis de conhecimento. Em outras palavras, o valor intrnseco ou fundamental dos preos dos ativos no passvel de clculo num ambiente caracterizado pela incerteza no sentido Knight-Keynes8. No que se refere ao funcionamento dos mercados financeiros globais, o ponto de partida da anlise ps-keynesiana que no mundo ps-Bretton Woods a combinao entre taxas de cmbio volteis, liberalizao financeira e globalizao dos mercados financeiros 7Avisoconvencionaltemcomobenchmarkdesuaanlisesobreofuncionamentodosmercadosa hiptese dos mercados eficientes, que de acordo com Fama (1980) significa que os preos refletem toda a informao disponvel para os agentes econmicos. Ao adicionar-se a esta teoria a hiptese de expectativas racionais, est se pressupondo que os agentes econmicos fazem o melhor uso das informaes disponveis em suas previses dos preos futuros dos ativos. Destemodo, os sinais demercado provminformaes suficientes para a previso dos eventos futuros, permitindo, assim,que os agentes formem suas expectativas racionais como base para as decises maximizadoras das funes utilidades. Portanto, os agentes baseiam suas posies de mercado no processamento eficiente de toda informao disponvel que incide na presente rentabilidade do ativo. Em tal contexto, o tomador de decises acredita que uma distribuio de probabilidade objetiva governa os resultados presentes e futuros de mercado. Logo, toda informao relevante sobre os fundamentos econmicos existe e est disponvel aos participantes do mercado, sendo tais fundamentos o guia primrio quando estes formam suas expectativas. Esta informao, por sua vez, incorporada na base histricadedadosenossinaisdepreosdomercadopresente.Opreoformadonomercadoagrega instantaneamente todas as informaes disponveis existentes, assim como as expectativas dos operadores. Para uma avaliao crtica da hiptese de mercados eficientes, ver Glickman (1994) e Davidson (2002, cap. 11). 8 Da segue que o ponto de partida da abordagem ps-keynesiana com respeito a bolhas consiste em analisar a forma pela qual os agentes econmicos formam as suas expectativas a respeito dos dividendos futuros dos ativos financeiros, em um contexto de incerteza no-probabilstica, ou seja, em que o conhecimento que os agentespossuemnolhespermiteconstruirumadistribuiodeprobabilidadequesejanica,aditivae totalmente confivel para os resultados esperados de suas decises. Oreiro (2004) elabora uma abordagem ps-keynesiana de bolhas em que estas decorrem, ao mesmo tempo, de um processo endgeno de mudana do estado de confiana a respeito das firmas em honrar os seus compromissos contratuais junto aos bancos comerciais e de um aumento contnuo do nvel de fragilidade financeira da economia como um todo. 7tmaumentandosobremaneiraomovimentointernacionaldecapitais.Contudo,ao contrrio da perspectiva convencional da globalizao financeira que ressalta como os possveis benefcios da integrao financeira uma mais eficiente alocao internacional de recursos, aprimoramentos nas polticas macroeconmicas e instituies devido a presses competitivasouefeitodisciplinadordaglobalizao,desenvolvimentodosistema financeirodomsticoemfunodoaprimoramentodaestruturaregulatriadosetor bancrio, entre outros fatores (cf Prasad et al, 2003) a viso ps-keynesiana sustenta que a crescente mobilidade de capital mais instabilizadora do que estabilizadora, uma vez que aumentaaprobabilidadedecrisescambiais/financeirasetornaogerenciamento macroeconmico domstico mais difcil9.Em outras palavras, a globalizao financeira tem sido fonte de instabilidade ampliada no que se refere ocorrncia de crises cambiais e ataquesespeculativosediminuionograudeliberdadedepolticaseconmicas domsticas,comefeitosprofundossobreasvariveisreaisdaeconomia(produtoe emprego). Isto porque liberalizao e integrao dos mercados financeiros e a existncia de novos instrumentos financeiros (como derivativos) ampliaram possibilidade de realizao de atividades especulativas. Especulao, em uma economia global, tem carter disruptivo nosomenteemmercadosdomsticosmassobrepasescomoumtodo,criandouma espcie de cassino financeiro ampliado10. Portanto,osfluxosdecapitaissovistoscomotendoumpotencialtantode instabilidade econmica, como tambm de aumento na divergncia econmica entre pases. Aperspectivaps-keynesianaprocuraretomaraidiadeinstabilidadedosmercados financeiros de Keynes (1964, pp. 154-55), em que as prticas especulativas de curto prazo e no os fundamentos de longo prazo determinam os preos dos ativos: a maior parte dessas pessoasest,defato,fortementepreocupadanocomaelaboraodeumapreviso superior de longo termo quanto aos rendimentos provveis de um investimento ao longo de sua vida inteira, mas com mudanas previsveis na base convencional de valorizao num prazo mais curto do que o possa o pblico em geral. Eles esto preocupados no com o valor que o investimento tem para um homem que compra para mant-lo, mas como o 9 Uma boa avaliao dos custos e benefcios da globalizao feita em Eatwell e Taylor (2000, cap. 2). 10 conhecida a passagem da Teoria Geral, onde Keynes (1964, p. 159) estabelece uma conexo entre os setores financeiro e real da economia: a posio sria quando o empreendimento torna-se uma bolha sobre o redemoinho da especulao. Quando o desenvolvimento das atividades de um pas torna-se o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente ser malfeito.8mercado o avaliar, sob a influncia da psicologia de massas, daqui a trs meses ou um ano.Destemodo,asexpectativasformuladasnosmercadosfinanceirosnopodemse apoiar nos fundamentos do mercado, devido a falta de uma base objetiva de julgamento, sob condies de incerteza radical. Assim, para Keynes e ps-keynesianos, a especulao essencialmenteumaatividadedeanteciparapsicologiadomercado,jqueachavedo sucesso da aplicao em ativos financeiros no prever os fundamentos futuros dos ativos mas, sobretudo, o movimento dos outros investidores11.Economistas ps-keynesianos e tambm keynesianos de outras matrizes tericas12 procuram mostrar, neste particular, que com a liberalizao dos mercados e o surgimento e ampliao de novos instrumentos financeiros (como derivativos) aumentou a possibilidade de realizao de operaes especulativas em mercados financeiros globais. Em contraste com os mercados fechados do passado, os fluxos de capital no presente podem ter uma ao disruptivasobrepasesesetoreseconmicose,ainda,comprometeraautonomiadas polticas macroeconmicas domsticas. Como observam Eichengreen et al (1995, p. 164), volatilidade nas taxas de cmbio e nas taxas de juros induzidas pela especulao e pelos fluxosdecapitaispodemterconseqnciaseconmicasreais,devastadorasparasetores particulares e para economias inteiras.Umexemplodistoadeterminaodataxadecmbio,quesobcondiesde mobilidade de capitais passa a ser cada vez mais determinada de forma dominante pelas decises de portflio dos investidores internacionais no que se refere a fluxos de capitais, que so predominantemente de curto prazo.Assim, fluxos de capitais passam a ter uma forteinflunciasobreosmercadoscambiais,tornandoastaxasdecmbiobemmais volteisdoqueseriamseseusmovimentosfossemexplicadospelocomportamentodos fluxos de comrcio e servios produtivos da conta de transaes correntes do balano de pagamentos. As decises de portflio, por suas vez, so dependentes das mudanas nos sentimentosdemercado,isto,dasexpectativasformuladaspelosinvestidores.Tais expectativas so modeladas usando uma combinao entre instrumentos convencionais ps-keynesianoscomoaconvenodequeosagentesconsideramaopiniomdia 11 Um corolrio importante desta abordagem a ausncia do pressuposto de equilbrio de longo prazo como centrogravitacional.Emoutraspalavras,nohcondiesdeequilbrioindependentesdasexpectativas formadas pelos agentes econmicos. 12Ver,porexemplo,umvelhokeynesianocomoTobin(1978)eumnovokeynesianocomoStiglitz (2000), para avaliaes crticas ao processo de liberalizao financeira. 9quandoformamsuasexpectativasfrenteaumfuturoincerto-edeoutrosfatoresde natureza psicolgica. De acordo com Harvey (2003, p. 133), o quadro que emerge no deummercadocaracterizadopelaestabilidade,eficinciaeaootimizadora(todos guiados de forma benevolente pela mo invisvel dos fundamentos), mas de uma instituio onde asaes consideradas imperfeitas dos agentes criam os preos das moedas. Essas aes podem ser marcadas pela estabilidade por longos perodos de tempo (...) uma vez que os agentes confiam na conveno para ancorar [suas expectativas] em nveis estveis (...), mas porque eles esto sujeitos a comportamentos imitativos eles podem estar aptosa uma rpidarevisofaceaeventosimportantes(mesmoqueesseseventospossamparecer inconseqentes para mos mais frias). Assim, o comportamento dos especuladores pode estar associado a algum tipo de comportamento de manada, j que sob incerteza um investidor tem incentivo a imitar o comportamento mdio dos demais agentes, uma vez que esses podem ter informaes que ele no tem e, na pior das hipteses, melhor perder conjuntamente do que perder sozinho. Emoutraspalavras,ocomportamentoseguiramaioriapodeserumaconveno adequadaparasuperaraincertezasobreofuturo,sobretudoemcondiesquandoa incertezaaumentaodesconhecimentodasaesdeoutrosagentes.Estetipodecomportamentopodeinclusivegerarprofeciasauto-realizadas,oquefazcomqueas expectativas determinem as trajetrias de preos nos mercados financeiros e cambiais13. Deste modo, economistas ps-keynesianos chamam ateno para o crescimento da instabilidade e das crises na atual fase de globalizao. Instabilidade financeira e ataques especulativos no so vistas como anomalias, mas como resultantes da prpria forma de operaodosmercadosfinanceirosemumsistemanoqualnoexisteumaestruturade salvaguarda que exera o papel de um market marker global. Em outras palavras, o formato institucional especfico dos mercados financeiros determina as possibilidades de se ter um ambiente em que a especulao possa florescer. Crises cambiais no so apenas resultados decomportamentosirracionaisdosinvestidores,masresultamdaprpriaformade operaodosmercadosfinanceirosglobaisliberalizadossemumsistemaderegulao 13 interessante destacar que na viso convencional o comportamento de manada apresentado como uma explicao alternativa para a racionalidade das bolhas, sendo originada pelo custo de reunir informaes que faz com os investidores sejam estimulados a diversificar geograficamente seus portflios. Ver, a respeito, Andrade e Silva (1999). 10adequado14. A experincia internacional mostra que crises cambiais podem ocorrer mesmo quando os fundamentos econmicos de um pas esto em ordem como, por exemplo, a existncia de uma situao fiscal equilibrada. 4.2. Vulnerabilidade externa e sustentabilidade do balano de pagamentos No que se refere ao problema de vulnerabilidade externa e de sustentabilidade do balano de pagamentos em pases em desenvolvimento, economistas ps-keyenesianos tm dado uma contribuio importante. Duas vertentes despontam neste particular: uma linha inspirada na anlise do multiplicador de comrcio de Harrod, desenvolve um modelo de crescimento constrangido pelo balano de pagamentos, tomando como ponto de partida a LeideThirwall(McCombieeThirwall,1994;Thirwall,2002);umasegundalinha inspiradanahiptesedefragilidadefinanceiradoMinskydesenvolveoconceitode fragilidade financeira externa (Paula e Alves J r, 2000 e 2004) ou a emergncia de bolhas especulativasdecorrentesdesituaesemqueasposturasfinanceirasdosagentes,em contextodeintensamobilidadeglobaldecapitais,ultrapassamasfronteirasdospases (Dimsky, 1998 e 2004; Coutinho e Belluzzo, 2004). Omodelodecrescimentoconstrangidopelobalanodepagamentosprovuma explicaokeynesianaorientadapelademandadosmotivospelosquaisastaxasde crescimento entre pases diferem entre si. O ponto central do modelo que um pas no podeincorreremdficitsnobalanodepagamentosporumperododetempo suficientemente longo que tenha que ser financiado pelos fluxos de capitais de curto prazo e que resulte em um crescente aumento na razo dvida externa lquida sobre PIB. Se um pas tenta fazer isto, a operao dos mercados financeiros internacionais levar a um crescente presso para baixo sobre a moeda domstica, com o risco de colapso na taxa de cmbio e de umaconseqenteespiraldepreciao/inflao.Consequentemente,osaldobsicodo balano de pagamentos isto conta corrente mais fluxos de capitais de longo prazo tem que estar em equilbrio. TalmodelotemcomobaseachamadaLeideThirwall,queestabeleceuma relao entre a taxa de crescimento dos pases e a razo entre as elasticidades-renda de suas 14 Para um aprofundamento, ver Alves J r et al (2004). 11importaes e exportaes15. O crescimento da renda domstica funo do crescimento da rendamundial,dataxademudanadospreosrelativosedocrescimentodosfluxos lquidos de capitais externos, sendo que o impacto destas duas ltimas variveis sobre o crescimentoeconmicoquantitativamentenegligencivel,deacordocomestimativas empricas (cf McCombie, 2003). Assim, a anlise se concentra sobre os efeitos da renda.Consequentemente, a taxa de crescimento da renda consistente com o equilbrio do balano de pagamentos (YB) dada por B(1)YB = z/ = x/ Bonde a elasticidade-renda mundial de demanda por exportaes, a elasticidade-renda domstica da demanda por importaes, z o crescimento da renda mundial, e x o crescimento das exportaes. Da equao acima, pode-se concluir que o crescimento das exportaes de um pas dependeprimariamentedocrescimentodarendamundial(z)edaelasticidade-renda mundial de demanda por exportaes (), isto (2)x = z A taxa de crescimento sustentvel de um pas (YB), isto , aquela em que a nao podesustentarsemincorrernoproblemadobalanodepagamentos,dependedo crescimentodarendamundial(z)edaselasticidades-rendaporimportaes()epor exportaes (), como mostra YBBB = z/. O que a Lei de Thirwall indica que se a posio de pagamentos internacionais de um determinado pas no se deteriorar, ento a razo de crescimento do pas (YB) em relao ao crescimento do resto do mundo (z) deve ser igual a razo da elasticidade-renda mundial de demanda por exportaes do pas ()em relao a elasticidade-renda domstica da demanda por importaes (), ou seja B(3)YB/z =/B

Portanto,aLeideThirwallmostraqueparaconseguirumequilbrionos pagamentos internacionais, um pas deve ajustar o crescimento de sua renda ao seu padro decomrcio,talcomoexpressonarazodaselasticidades-rendaporexportaese importaes, conforme a equao 3. Se /