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Fernando Gonalves Ferreira-Alves
Setembro de 2011
Universidade do MinhoInstituto de Letras e Cincias Humanas
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|201
1
As faces de Jano: Contributos para uma cartografia identitria e socioprofissional dos tradutores da regio norte de Portugal
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Tese de Doutoramento em Cincias da LinguagemEspecialidade Sociolingustica
Trabalho efectuado sob a orientao da Professora Doutora Eduarda Keating (Universidade do Minho)e doProfessor Doutor Jos Lambert
(CETRA ? Universidade de Leuven)
Fernando Gonalves Ferreira-Alves
Setembro de 2011
Universidade do MinhoInstituto de Letras e Cincias Humanas
As faces de Jano: Contributos para uma cartografia identitria e socioprofissional dos tradutores da regio norte de Portugal
ii
ANEXO 3
DECLARAO
Nome : Fernando Gonalves Ferreira Alves
Endereo electrnico: [email protected]
Ttulo dissertao /tese
As faces de Jano: Contributos para uma cartografia identitria e socioprofissional dos tradutores
da regio norte de Portugal
Orientador(es):
Professora Doutora Eduarda Keating (Universidade do Minho) Professor Doutor Jos Lambert (CETRA Universidade de Leuven)
Ano de concluso: 2011
Designao do Mestrado ou do Ramo de Conhecimento do Doutoramento:
Tese de Doutoramento em Cincias da Linguagem Especialidade Sociolingustica
1. DE ACORDO COM A LEGI SLAO EM VIGOR, NO PERMITIDA A
REPRODUO DE QUALQUER PARTE DESTA TESE/ TRABALHO Universidade do Minho, 20/09/2011 Assinatura: ________________________________________________
iii
- Pai, quando for grande quero ser profissional.
- Mas o que ser profissional para ti?
- ser bonita como a Bibi.
Para a Beatriz e a Ins, quando forem grandes
iv
v
Traduzir , primordialmente, um acto de amor. S quem for tocado na
mente e no corao pela singularidade radical de uma voz sente a necessidade
e o gosto de a alargar aos ouvidos do mundo.
E o pobre poeta de qualquer S. Martinho de Anta, que sonha com o
seu canto a ecoar para alm das fronteiras que o limitam, nessas almas
sintonizadas e medinicas que confia. So elas as difusoras mgicas das suas
palavras, que procuram entender em todos os recnditos sentidos e preservar
vivas e equivalentes na transplantao verbal.
Nunca ser por demais exaltado o servio que prestam humanidade
esses obreiros de uma outra comunicao dos santos, terrena, encarnada,
naturalmente oposta sobrenatural do Credo.
Se nos faltassem, ficariam sem respostas inimaginveis interrogaes,
apelos e desafios.
Miguel Torga
Hammer your thoughts into unity. W. B. Yeats
vi
vii
AGRADECIMENTOS
Ao longo deste trabalho muitos so aqueles a quem devemos a mais sincera gratido.
Apresento os meus maiores agradecimentos Professora Doutora Eduarda Keating e ao
Professor Doutor Jos Lambert, com quem tive o prazer e a honra de privar e por quem
tive o privilgio de ser orientado com sabedoria e rigor.
Ao Doutor Peter Flynn, cuja simpatia e inestimvel disponibilidade me permitiram o
acesso ao fascinante universo do trabalho de campo no domnio dos Estudos de
Traduo.
Doutora Ana Paula Marques, do ICS (UM), pelos conselhos e pela valiosa ajuda na
formulao dos questionrios.
Ao Doutor Orlando Petiz da EEG (UM), pela abertura partilha de conhecimentos.
Dr Elisabete Maciel, pelo inestimvel apoio ao nvel do tratamento dos dados
atravs da ferramenta SPSS.
Ao CEHUM, na pessoa da Professora Doutora Ana Gabriela Macedo, pelo importante
apoio prestado a este projecto de investigao ao longo dos ltimos anos.
Aos meus alunos, Sara Rocha, Diogo Cunha, Cristvo Soares, Andreia Silva e
Amandine Azevedo pelo apoio nas transcries das entrevistas e nas mltiplas questes
associadas profissionalizao do tradutor.
Aos tradutores por mim entrevistados, com quem convivi ao longo destes anos, e sem
os quais este trabalho jamais teria sido possvel. O meu bem-haja especial a essa
multido annima e invisvel, pela forma como se dedicam diariamente profisso.
s minhas colegas, Leitoras do DEINA, Salom Osrio e Ana Chaves, pela
cumplicidade.
Dr Isabel Ribeiro, pelo profissionalismo e amizade.
minha famlia pelo apoio e incentivos constantes e incondicionais.
Ao duo fantstico do Querido, Mudei a Tese pelas crticas construtivas e preciosa
ajuda na reviso formal da tese.
E, finalmente, Rita, pela resistncia, carinho e confiana e por permitir que tudo
acontea
viii
ix
RESUMO: As faces de Jano: Contributos para uma cartografia identitria e
socioprofissional dos tradutores da regio norte de Portugal
A traduo profissional uma actividade transversal e estratgica, e um fenmeno
marcadamente interdisciplinar e intercultural, desenvolvido no mbito da prestao de servios.
Para alm disso, a traduo ainda uma actividade social fortemente ancorada nos textos que
circulam num complexo sistema matricial, onde vrios actores e agentes convergem e
interagem, possuindo a aplicao comercial de um conjunto especializado e organizado de
conhecimentos do foro profissional.
Numa altura em que as componentes lingusticas, sociais e culturais esto consolidadas
nos discursos em torno da traduo, este projecto pretende reflectir sobre a construo de uma
identidade profissional entre os tradutores da regio norte de Portugal, procurando, ao mesmo
tempo, cartografar o mercado da traduo nacional, em confronto com o panorama da indstria
das lnguas no contexto da globalizao.
O estudo centra-se nos tradutores freelancer enquanto grupo profissional no seio do
qual ocorrem choques e tenses, e onde diferentes estratgias so desenvolvidas rumo
construo de uma identidade socioprofissional especfica. Com base numa abordagem
metodolgica interdisciplinar, conjugando elementos quantitativoss e qualitativos, tentaremos
traar os caminhos que conduzem construo do perfil identitrio profissional, apresentando,
em simultneo, algumas das concluses obtidas no decurso de vrios projectos direccionados
para circunscrever as dinmicas do mercado, bem como o perfil socioeconmico dos agentes
que operam nesta regio.
A anlise e os modelos propostos procuram identificar os mltiplos aspectos endgenos
e exgenos que so normalmente atribudos ao prestador de servios lingusticos enquadrando o
impacto destas variveis ao nvel da construo de uma cultura/identidade profissional
especfica. Espera-se que as concluses conduzam a uma melhor contextualizao da natureza
exacta da profissionalizao dos tradutores, permitindo o posicionamento no seu campo
profissional e fornecendo novas perspectivas sobre as expectativas profissionais Por ltimo,
pretende-se fornecer novas perspectivas sobre o posicionamento bipolar do prestador de
servios de traduo no mercado. As nossas concluses levar-nos-o a redefinir e reenquadrar o
perfil do tradutor, bem como a formao de tradutores de acordo com normas sociais e
profissionais claramente orientadas para o mercado.
Palavras-chave: Traduo, Prestador de Servios de Traduo, Estudos de Traduo,
Sociologia da Traduo, Economia das Lnguas, Indstria das Lnguas, Profissionalismo,
Ergonomia, Norte de Portugal
x
xi
ABSTRACT: The faces of Janus: Notes towards a self-defining and socioprofessional
cartography of freelance translators from Northern Portugal
Translation is a strategic and powerful profit-generating activity and an
interdisciplinary, intercultural social phenomenon, set within the scope of service provision,
marked by specific business-oriented goals and management-oriented procedures, associated
and built upon the concept of the production of texts as goods or commodities. Translation is
also a textual-linguistic, social-based, norm-driven activity, developed in a complex network
system, where several actors or agents converge and interact, holding the commercial
application of a specific set of organised professional knowledge.
In a time where the linguistic, the social and the cultural are consolidated issues in
translation discourses, this project aims at reflecting upon the construction of a professional
identity among translators from Northern Portugal, as a specific occupational group, while
mapping the Portuguese translation market in confrontation with a broader perspective of the
language industry landscape in globalized settings.
This project focuses on individual translators as a professional group in which tensions
and clashes occur, and where different strategies are formed towards building a specific
professional identity. Based on an interdisciplinary approach, mixing both qualitative and
quantitative variables, we will try to map the ways that lead to the construction of a professional
identity profile, while presenting some of the findings from different research projects designed
to outline the market dynamics and the socio-economic profile of the agents operating in this
region.
The proposed analysis and research models seek to identify multiple
endogenous/exogenous aspects that are normally ascribed to the language service provider by
framing the impact of these variables/perceptions on the construction of a specific professional
culture/identity. Hopefully, this approach will lead to a better contextualisation of the exact
nature of professionalisation, professional culture and socialising routines as applied to
translators, while positioning these professionals in the field and providing new insights into
professional expectations.
Ultimately it is our wish to provide new insights into market expectations and help to
build a picture of the ideal translation services provider. Our conclusions will eventually lead to
the reshaping of the translators profile as well as translators training according to prescriptive
social and professional standards and to new business-oriented settings.
Keywords: Translation, Translation Service Provider, Translation Studies, Sociology of
Translation, Economics of Language, Language Industry, Professionalism, Ergonomics,
Northern Portugal
xii
xiii
NDICE
Introduo 1
A propsito de cartas, mapas e outras representaes do real 3
Breves notas para uma cartografia da traduo em Portugal 7
A inscrio do projecto no seu espao geogrfico e contextual 17
Arquitectura da tese: Vectores estruturantes 22
Referenciais tericos e metodolgicos 27
Os Estudos de Traduo como matriz operacional 29
Normas, habitus e agncia 41
Hipteses preliminares 53
A imerso no terreno: Uma viso holstica 64
Trabalho de campo 66
Porqu uma abordagem etnogrfica de anlise do discurso/narrativas 73
Documentaao e corpus 78
As entrevistas 80
PARTE I 87
Captulo Um: Translation(s) around us / O social da traduo 89
As vrias manifestaes da traduo 91
Mltiplos olhares sobre a traduo 92
O peso real da traduo 95
As tradues que nos rodeiam 97
A profisso vista do exterior: primeiros movimentos 99
Uma profisso invisvel e subalterna 102
O estranho caso do memorando de entendimento da Troika 107
Os estigmas da traduo 113
Quando dizer mal o mote..: O caso Magalhes 117
A viso exgena da profisso 119
O Star System da Traduo: Um paradoxo? 122
Literrio versus No literrio: Uma imensa minoria esquecida 125
Imagens cruzadas 127
A subalternizao da traduo 131
O tradutor annimo e frgil 133
Uma realidade hbrida 135
Um mercado de contornos difusos 141
Uma actividade estratgica, negligenciada pelas lgicas empresariais 146
Uma profisso oculta... 148
... e institucionalmente no reconhecida 151
Captulo Dois: Traduo e profisso no mbito dos Estudos de Traduo:
o status quaestionis
153
Notas para a caracterizao de uma profisso 155
A Traduo como Profisso:
Um territrio precrio e de difcil sistematizao
162
Vrias perspectivas em torno de uma (mesma) profisso? 180
xiv
Proto-, para-, pseudo-: trs prefixos procura de uma profisso 182
Captulo Trs: Os Mercados e a Economia das Lnguas 189
Contexto macro 191
A Economia das Lnguas: breve enquadramento 191
O valor econmico das lnguas 198
Os mercados das lnguas 201
David contra Golias as empresas perante as lgicas fracturantes dos
mercados
209
Novas tendncias no domnio da indstria das lnguas 213
A indstria das lnguas em 2011 217
Contexto meso 225
O contexto europeu 225
Principais tendncias do mercado 227
Caracterizao das empresas 232
As PME e o mercado da traduo 234
Distribuio e anlise por pas 237
Principais tendncias subjacentes 242
Contexto micro 248
O mercado das lnguas em Portugal 248
A obrigatoriedade de traduo ao abrigo da legislao nacional 254
A traduo em Portugal: alguns nmeros 258
Um mercado pautado pela abundncia de PME 273
Dilogos ibricos: O carcter sui generis do mercado portugus 280
O mercado cinzento da traduo 283
Traduo e Economia No Registada 286
PARTE II 291
Captulo Quatro: Cartografias socioprofissionais 293
O Norte 295
Breve Radiografia 295
Descrio do espao geogrfico em estudo 296
Em resumo 304
A situao dos tradutores na regio norte de Portugal 306
O inqurito quantitativo 308
Anlise e discusso dos resultados 311
Ser ou no ser uma actividade principal (eis a questo) 326
Captulo Cinco: as palavras no se escrevem sozinhas: a construo da
identidade profissional dos tradutores da regio norte atravs da anlise das
suas narrativas
337
Brigith Guimares Retrato de uma profissional 340
Caracterizao 340
Principais traos distintivos 356
Mas a minha profisso com letra grande , sem dvida, tradutora:
percursos socioprofissionais dos tradutores da regio norte de Portugal
360
1. Apresentao 361
xv
2. Gnero 370
3. Idade 377
4. Lnguas e reas temticas (Domnios do saber) 381
5. Formao / Background 391
6. Esperincia profissional 400
7. Incio 410
8. Traos profissionais caractersticos 417
9. Marcas de profissionalismo 424
Eremitas modernos ou Escravos de J 438
10. Sentimentos e percepes associados profisso 441
Qualidade 454
11. Variveis econmico-financeiras e produtividade 458
12. Condies de trabalho 492
13. Redes relacionais 498
Relao com os empregadores e com o mercado 507
14. Conscincia de classe 526
Constataes finais: Um espao dicotmico 533
Sob o signo de Jano 535
A traduo profissional: cinco dinmicas subjacentes 552
O paradigma ergonmico: uma soluo? 555
Um novo homo transferens? 558
Algumas pistas para a formao de tradutores em contexto de trabalho 559
Referncias bibliogrficas 561
Anexos (disponveis em CD) 599
Anexo 1. Breve radiografia das empresas de traduo portuguesas (estudo de
caso)
Anexo 2. Questionrio. O perfil das empresas de traduo em Portugal - Estudo
Sociolgico
Anexo 3: Respondentes disponveis para entrevista e respectivas reas de
actividade
Anexo 4. Outras combinatrias lingusticas seleccionadas
Anexo 5. Palavras-chave obtidas aps as entrevistas
Anexo 6. Wordle: Anlise semntica das principais reas de actividade e lnguas
mais solicitadas
Anexo 7. Questionrio: A Profissionalizao da Traduo no Norte de Portugal
(tradutores freelancer)
Anexo 8. Resultados do questionrio: A Profissionalizao da Traduo no Norte
de Portugal (tradutores freelancer)
Anexo 9. Guio das entrevistas
Anexo 10. Apresentao de Brigith Guimares: Lnguas, reas de actividade e
amostras de tradues
Anexo 11. MindMap Brigith Guimares
Anexo 12. Notas manuscritas da entrevista Brigith Guimares
Anexo 13. Transcrio integral da entrevista Brigith Guimares
xvi
Anexo 14. Ficheiro udio da entrevista Brigith Guimares
Anexo 15. Transcrio integral entrevista A.C.
Anexo 16. Transcrio integral entrevista J.P.
Anexo 17. Retrato-rob de uma profisso
Anexo 18. Questionrio: A Prestao de Servios de Traduo na ptica do
Consumidor/Cliente
Anexo 19. Resultados do questionrio: A Prestao de Servios de Traduo na
ptica do Consumidor/Cliente
Anexo 20. Dados Pginas Amarelas
Anexo 21. Exemplos de tradues efectuadas por Brigith Guimares
Anexo 22. Declarao de autorizao Brigith Guimares
xvii
NDICE DAS FIGURAS
Breves notas para uma cartografia da traduo em Portugal
Figura 1. Matriz orgnica do projecto 14
Referenciais tericos e metodolgicos
Figura 1. Proposta de esquema para descrio das tradues (adaptado de
Lambert e van Gorp, 1985)
31
Figura 2. Esquema sinttico para descrio de tradues 33
Figura 3. Trs eixos fundamentais da Sociologia da Traduo segundo
Chesterman, 2006
38
Figura 4. Mapa de Holmes. Baseado em Holmes, 1988 39
Figura 5. Esboo dos Estudos do Tradutor (adaptado de Chesterman, 2006) 40
Captulo Um: Translations around us/O social da traduo
Figura 1. Jano 92
Figura 2. A traduo segundo Quino 99
Figura 3. Referncia a servios de traduo em embalagem 101
Figura 4. Indicao do nome dos tradutores com honras de destaque na capa da
obra
123
Figura 5. Marcas de originalidade do tradutor na obra traduzida 124
Figura 6. Vulnerabilidade do campo profissional 137
Figura 7. Contaminao do campo profissional 138
Figura 8. Exemplo de publicitao de servios de traduo (1) 141
Figura 9. Exemplo de publicitao de servios de traduo (2) 141
Figura 10. Exemplo de publicitao de servios de traduo (3) 142
Figuras 11 e 12. Exemplo de publicitao de servios de traduo (4) 143
Figuras 13 e 14. Exemplo de publicitao de servios de traduo (5) 143
Figura 15. Traduo e jet set 148
Figura 16. Obra traduzida por Rui Reininho 150
Captulo Dois: Traduo e profisso no mbito dos estudos de traduo O Status
quaestionis
Figura 1. Hierarquizao da profisso segundo Pym (2000) 159
Figura 2. Exemplo de oferta de servios de lngua e traduo (1) 183
Figura 3. Exemplo de oferta de servios de lngua e traduo (2) 184
Figura 4. Exemplo de oferta de servios de lngua e traduo (3) 184
Captulo Trs: Os Mercados e a Economia das Lnguas
Figura 1. A importncia estratgica da traduo e da aprendizagem de lnguas
como actividades de mediao em contextos gestionrios multilingues e
multiculturais (adaptado de Steyaert & Janssens 1997: 134)
192
Figura 2. Lnguas mais traduzidas no mbito das palestras TED Talks 200
Figura 3. O triunvirato condicionador da traduo profissional 202
Figura 4: Densidade populacional Prestadores de Servios Lingusticos
(Repartio por regio)
211
Figura 5: Percentagem do mercado global dos Prestadores de Servios 212
xviii
Lingusticos por regio
Figura 6. Principais sectores em termos de procura de servios lingusticos 214
Figura 7: Distribuio regional dos Prestadores de Servios Lingusticos em
2011
218
Figura 8: Percentagem / quota de mercado dos servios lingusticos por regio 219
Figura 9: Nmero de LSP (Prestadores de Servios Lingusticos) a nvel mundial
por dimenso das empresas/n de funcionrios
221
Figura 10. Nmero de anos de experincia do LSP 221
Figura 11. Localizao das sedes das empresas europeias de prestao de
servios lingusticos
233
Figura 12. Dimenso das empresas por nmero de funcionrios 233
Figura 13. Rendimento anual dos Prestadores de Servios Lingusticos (LSP) 235
Figura 14. Facturao em milhes de euros por Estado-Membro 237
Figura 15. Sectores mais importantes (Kelly 2009) 239
Figura 16: As cinco reas ou domnios de conhecimento mais solicitados 240
Figura 17. reas de especializao dos tradutores/fornecedores de servios de
traduo
245
Figura 18. Subreas das Cincias Tecnolgicas com maior volume de trabalho de
Ingls para Portugus europeu nos ltimos cinco anos
246
Figura 19. A ausncia de traduo em produtos de origem estrangeira 257
Figura 20. Nmero de empresas por Actividade econmica e Forma jurdica;
Anual
271
Figura 21. Caracterizao do tecido empresarial portugus, 2006 276
Figura 22. Grau de envolvimento na profisso (actividade principal, secundria,
part-time/temporria/ocasional)
284
Captulo Quatro: Cartografias socioprofissionais
Figura 1. Mapa de Portugal Continental NUTS III 297
Figura 2. NUTS (regio norte) 298
Figura 3. Identificao do local de origem dos respondentes 311
Figura 4. Grau acadmico 313
Figura 5. Lngua materna 315
Figura 6. Lnguas de trabalho 315
Figura 7. Percentagem traduo literria vs Traduo tcnica 316
Figura 8. Percepes dos respondentes acerca do reconhecimento da traduo 318
Figura 9. Grau de satisfao sobre o estatuto do tradutor em Portugal 319
Figura 10. Grau de satisfao sobre o mercado da traduo em Portugal 319
Figura 11. Grau de satisfao sobre o nvel tico e deontolgico da profisso 320
Figura 12. Considera que os tradutores tm uma formao adequada? 321
Figura 13. Percepes vocacionais 321
Figura 14. Percepes sobre auto-imagem/auto-estima 322
Figura 15. Grau de satisfao com as condies de exerccio da profisso 322
Figura 16. Percepes relativamente segurana da profisso 323
Figura 17. Grau de satisfao com a qualidade da vida profissional 324
Figura 18. Percepes acerca da imagem dos tradutores na sociedade 324
xix
Figura 19. Percepes acerca da qualidade da traduo 325
Captulo Cinco: as palavras no se escrevem sozinhas: a construo da
identidade profissional dos tradutores da regio norte atravs da anlise das suas
narrativas
Figura 1. Brigith Guimares Retrato de uma profissional (Mapa conceptual) 359
Figura 2. Tipo de regime de trabalho 362
Figura 3. Tipo de regime de trabalho (Prestador de servios) 364
Figura 4. Tipo de regime de trabalho (Empresrio em nome individual) 364
Figura 5. Tipo de regime de trabalho (scio de sociedade comercial/traduo) 365
Figura 6. Grau de envolvimento na profisso 368
Figura 7. Vocao 369
Figura 8. Satisfao com a qualidade de vida 369
Figura 9. Sexo 376
Figura 10. Taxa de actividade (%) do sexo feminino (56,1%) 376
Figura 11. Taxa de emprego (%) do sexo feminino (50,4%) 376
Figura 12. Idade 378
Figura 13. Percentagem traduo / retroverso nos servios prestados 385
Figura 14. Principal sentido de lngua 386
Figura 15. Lnguas de trabalho 386
Figura 16. Percentagem traduo literria vs Traduo tcnica 388
Figura 17. Grau acadmico 394
Figura 18. Formao especfica em traduo 395
Figura 19. Formao de carcter generalista ou especializado 396
Figura 20. Ano em que comeou a traduzir 401
Figura 21. Exemplo de oferta de trabalhos de traduo 402
Figura 22. A quem recorre quando necessita de servios de traduo? 404
Figura 23. A Lenda das Cruzes (edio bilingue) 404
Figura 24. Percentagem de tempo de trabalho dedicado traduo (por ms) 408
Figura 25. Aspectos mais relevantes para o exerccio da traduo (1) 425
Figura 26. Aspectos mais relevantes para o exerccio da profisso (2) 425
Figura 27. reas mais importantes para o exerccio profissional 428
Figura 28. Aspectos mais importantes para ser um tradutor 428
Figura 29. O que preciso para ser um tradutor? 429
Figura 30. Caractersticas mais relevantes para a subcontratao de um
colaborador/colega.
430
Figura 31. Considera-se um tradutor profissional? 445
Figura 32. Como avalia a sua prestao como tradutor profissional? 445
Figura 33. Como avalia a prestao dos tradutores profissionais a quem recorre? 446
Figura 34. Aspectos vocacionais 447
Figura 35. Considera que os tradutores tm formao adequada para a prtica
profissional?
450
Figura 36. Considera que os tradutores tm uma formao adequada para a
prtica da sua profisso?
451
Figura 37. Auto-imagem/auto-estima 452
xx
Figura 38. Percepes sobre a qualidade geral da traduo em Portugal 455
Figura 39. Percepes sobre a qualidade geral da traduo (clientes) 457
Figura 40. Acha que a traduo bem considerada e reconhecida enquanto
actividade profissional em Portugal?
457
Figura 41. Exemplo de oferta de servios de lngua e traduo (1) 467
Figura 42. Exemplo de oferta de servios de lngua e traduo (2) 467
Figura 43. Satisfao com as condies de exerccio da profisso 468
Figura 44. Sentimentos de segurana em relao profisso 469
Figura 45. Satisfao com a qualidade da vida profissional 470
Figura 46. Considera que a imagem dos tradutores na sociedade positiva? 473
Figura 47. Acha que a traduo bem considerada e reconhecida em Portugal? 474
Figura 48. Considera que a imagem dos tradutores positiva? 474
Figura 49. Percentagem que a traduo ocupa no rendimento global 475
Figura 50. Acha que conseguiria viver de forma confortvel nica e
exclusivamente dos rendimentos obtidos da traduo?
477
Figura 51. Avaliao da remunerao/honorrios praticados no mercado 478
Figura 52. Considera a traduo como algo estratgico e importante para a sua
empresa?
480
Figura 53. Considera a traduo como uma profisso legitimamente enquadrada,
tecnicamente estruturada e socialmente aceite?
481
Figura 54. Considera que a imagem dos tradutores na sociedade positiva? 482
Figura 55. Percentagem que a traduo ocupa no oramento global das empresas 483
Figura 56. Peso que a traduo ocupa no volume total de negcios 483
Figura 57. A quem recorre quando precisa de servios de traduo? 487
Figura 58. Cumpre normalmente o seu oramento? 489
Figura 59. Sente-se obrigado a baixar os preos devido concorrncia? 490
Figura 60. Aceita os pedidos dos clientes para baixar os preos? 490
Figura 61. Como classifica os preos praticados pelo mercado? 491
Figura 62. Sente-se obrigado a negociar preos, oramentos e condies com os
tradutores?
491
Figura 63. Local onde decorre o exerccio profissional (1) 492
Figura 64. Local onde decorre o exerccio profissional (2) 495
Figura 65. Como se desenvolve habitualmente o trabalho de traduo? 496
Figura 66. Costuma ser subcontratado por outros colegas ou agncias para a
realizao de trabalhos de traduo?
503
Figura 67. Com que frequncia? 505
Figura 68. Percentagem da subcontratao/outsourcing no volume de trabalho 506
Figura 69. Como caracteriza a actuao das agncias de traduo? 513
Figura 70. Cinco exigncias mais frequentes em termos de prestao de servios
lingusticos
530
Figura 71. Trs principais motivos pelos quais recorre a servios de traduo 531
Consideraes finais: Um espao dicotmico
Figura 1. Marcas de profissionalidade Brigith Guimares (1) 548
Figura 2. Marcas de profissionalidade Brigith Guimares (2) 549
xxi
Figura 3. Marcas de profissionalidade Brigith Guimares (3) 549
Figura 4. Marcas de profissionalidade M.M.C.U. (1) 550
Figura 5. Marcas de profissionalidade M.M.C.U. (2) 551
Figura 6. Marcas de profissionalidade M.M.C.U. (3) 551
xxii
NDICE DAS TABELAS
Referenciais tericos e metodolgicos
Tabela 1: Respondentes entrevistados, cargo, rea e durao da entrevista 81
Captulo Um: Translations around us/O social da traduo
Tabela 1. Evoluo das obras traduzidas numa editora desde 2000 96
Tabela 2. Repartio dos Empresrios em nome individual e das Sociedades,
Volume de Emprego, e Volume de Negcios das Sociedades
152
Captulo Trs: Os Mercados e a Economia das Lnguas
Tabela 1. Estimativa dos lucros projectados em termos de servios lingusticos e
distribuio regional
205
Tabela 2: Estimativa dos lucros em servios lingusticos para 2009-2013 em
milhes de dlares
206
Tabela 3: Estimativa dos lucros projectados em termos de servios lingusticos e
distribuio regional (previso at 2014)
220
Tabela 4: Servios com mais rpido crescimento entre 2010 e 2011 222
Tabela 5: Servios lingusticos e segmentao do mercado tecnolgico 222
Tabela 6. Excerto da tabela de correspondncias entre a NACE Rev. 1.1. classe
74.85 e a NACE Rev. 2 (Eurostat)
226
Tabela 7: Estimativas da LTC para 2008 e previses at 2015 do valor da
indstria das lnguas / Taxa de crescimento mdio anual: 10% / Facturao anual
em milhes de euros e Previses
236
Tabela 8. Estimativa das despesas em servios lingusticos por pas em 2009 (em
milhes de dlares)
238
Tabela 9. Lnguas mais solicitadas (Kelly 2009) 239
Tabela 10. Obras publicadas e traduzidas em Portugal (2000-2007) 250
Tabela 11. Dados sobre a importncia do portugus (obras traduzidas e
publicadas)
251
Tabela 12. Ttulos em lngua portuguesa: total, originais e traduzidos 251
Tabela 13. Nmero de empresas por actividade econmica e escalo de pessoal
ao servio
258
Tabela 14. Repartio dos Empresrios em nome individual e das Sociedades, de
acordo com o Volume de Emprego e o Volume de Negcios das Sociedades,
segundo os Distritos, para os cdigos 74830 e 74842 da CAE
262
Tabela 15. Empresas (N.) por Actividade econmica (CAE Rev. 3) e Escalo de
pessoal ao servio; Anual
266
Tabela 16. Volume de negcios () das empresas por Localizao geogrfica
(NUTS - 2002) e Actividade econmica (CAE Rev. 3); Anual
267
Tabela 17. Pessoal ao servio (N.) das empresas por Localizao geogrfica
(NUTS - 2002) e Actividade econmica (CAE Rev. 3); Anual / Volume de
negcios () das empresas por Localizao geogrfica (NUTS - 2002) e
Actividade econmica (CAE Rev. 3); Anual
269
Tabela 18. Volume de negcios () das empresas por Localizao geogrfica
(NUTS - 2002) e Actividade econmica (CAE Rev. 3); Anual
271
xxiii
Tabela 19. Quadro da Empresa e do Sector Banco de Portugal (Dados de 2008) 272
Tabela 20. Evoluo da populao portuguesa empregada por situao na
profisso (%)
274
Tabela 21. Evoluo do nmero de trabalhadores por conta prpria, segundo o
sexo (%)
274
Tabela 22. Localizao das empresas: Dados IAPMEI 276
Tabela 23. Nmero de empresas (INE) 277
Tabela 24. Empresas e localizao 277
Tabela 25. Empresas e subsectores 278
Tabela 26. Empresas e Tipo de Sociedade 278
Tabela 27. Empresas e ano de constituio 278
Tabela 28. Empresas no financeiras com menos de 10 pessoas ao servio em %
do total de empresas no financeiras: por sector de actividade econmica
279
Tabela 29. Evoluo do nmero de artigos traduzidos na UM 283
Captulo Quatro: Cartografias socioprofissionais
Tabela 1. Populao residente em 31/12/2009, segundo o gnero, por NUTS II 299
Tabela 2. Empregados por conta de outrem e por conta prpria no total de
empregados por NUTS II (2009)
300
Tabela 3. Volume de negcios: Actividade de servios prestados s empresas 301
Tabela 4. Anlise detalhada dos respondentes atravs do SPSS 309
Tabela 5. Considera-se um tradutor profissional? 327
Tabela 6. Idade 328
Tabela 7. Traduo tcnica vs Traduo literria 328
Tabela 8. Sexo 329
Tabela 9. Grau de satisfao com o estatuto do tradutor 329
Tabela 10. Grau de satisfao com o mercado 330
Tabela 11 Grau de satisfao com o nvel tico e deontolgico 330
Tabela 12. Vocao 331
Tabela 13. Satisfao com as condies de exerccio da profisso 331
Tabela 14. Segurana em relao profisso 332
Tabela 15. Identificao com a classe profissional 332
Tabela 16. Satisfao com a qualidade de vida 333
Tabela 17. Imagem dos tradutores na sociedade 333
Tabela 18. Qualidade geral da traduo em Portugal 334
Tabela 19. Quando comeou a traduzir? 334
Tabela 20. Percentagem de tempo de trabalho dedicado traduo por ms 335
Captulo Cinco: as palavras no se escrevem sozinhas: a construo da
identidade profissional dos tradutores da regio norte atravs da anlise das suas
narrativas
Tabela 1. Nmero de sociedades unipessoais ou empresas individuais, ligadas
prestao de servios de lnguas
363
Tabela 2. Taxas de variao do emprego nos escritrios, por sexo, segundo a
profisso
373
1
INTRODUO
2
3
A PROPSITO DE CARTAS, MAPAS E OUTRAS REPRESENTAES DO REAL
nothing is more delusive than the concept/idea of translation
Jos Lambert, Rcits du pouvoir et pouvoirs du rcit, 2006
Os ltimos cinquenta anos assistiram a uma proliferao das representaes
metafricas com recurso figura do mapa, enquanto instncia de fixao, no mbito do
discurso crtico, terico e ficcional. De facto, as mltiplas referncias s noes de
mapeamento e cartografia so endmicas da teoria ps-estruturalista, algo que explica a
razo pela qual, muitos dos autores do sculo XX, das mais variadas reas disciplinares
e quadrantes cientficos parecem nutrir uma especial atraco pelo conceito de mapa em
termos geogrficos, textuais, sociais, polticos e culturais.
Muito embora a metfora do mapa tenha sido utilizada ao longo dos sculos para
destacar instncias de representao textual e epistemolgica, a utilizao metafrica da
noo de mapa tem sofrido algumas alteraes na era ps-moderna (Mitchell 2008).
Paralelamente, a prpria metamorfose do conceito engloba ainda conceptualizaes ps-
estruturalistas no domnio da epistemologia, textualidade, cartografia e metfora, ao
mesmo tempo que sublinha uma mudana clara nas preocupaes modernistas em torno
da temporalidade e objectividade, rumo a um pragmatismo ps-moderno dos
referenciais de espacialidade e subjectividade.
O mapa enquanto momento de representao e conceptualizao do
conhecimento no mbito dos Estudos de Traduo tem sido uma ferramenta recorrente e
frequentemente utilizada por vrios autores. Desde o clebre mapa de Holmes,
desenhado por Toury (1995), fixando a taxonomia da, ento, recm-formada disciplina
dos Estudos de Traduo, at ao conhecido The Map, obra de referncia para qualquer
investigador neste domnio (Chesterman & Williams 2002), a verdade que o modelo
do mapa como elemento plstico e multiforme de consolidao espacial do real adquire
contornos de ferramenta indispensvel no domnio desta rea cientfica, definindo
claramente a sua geometria e contornos, como prova o constante recurso a termos como
fronteira, limites, sistemas (Hermans 1999), borders (Pym 1993), map (van
Doorslaer 2007), bem como a prpria definio de campo importada da sociologia de
Bourdieu, ou ainda o conceito de Polissistema (Even Zohar 1978).1
1 Ver Alternatives to Borders in Translation Theory (1993), in Susan Petrilli (ed.) Translation Translation. Amsterdam & New
York: Rodopi, 2003. 451-463.
4
O termo cartografias aplicado no contexto dos Estudos de Traduo no
novo, e tem a sua gnese nos vrios contributos de Jos Lambert no domnio dos
Estudos Culturais e Literatura Comparada, sobretudo em " la recherche de cartes
mondiales des littratures (Lambert 1990/19991) 2
, que encontramos na obra em sua
homenagem de 2006, sob o ttulo In quest of literary world maps, onde o autor
defende a criao de um mapa dos Estudos Comparatistas, a new world picture, face
necessidade de reordenao virtual e inclusiva das literaturas nacionais e regionais
numa poca em que a literatura, tal como a economia, surge como um fenmeno cada
vez mais homogeneizado e global (Lambert 1990).3
A interaco cultural e literria assente na circulao de textos e na anlise das
tradues um dado adquirido, necessrio para determinarmos as mltiplas relaes e
variveis que so estabelecidas e convocadas no terreno, decorrentes da abertura a
novos espaos interdisciplinares e criativos de miscigenao, como confirma Lambert:
Ni en termes de nations ni en termes de langues, les littratures ne constituent des systmes de
communication homognes ou clos, et linteraction avec dautres types de communication
(littraire), dorigine locale ou dorigine internationale, se produit tout moment. (Lambert
1990) 4
De facto, em pleno sculo XXI, e no contexto da globalizao, a traduo
revela-se uma actividade transversal integrada e disseminada a todos os nveis da
sociedade atravs de uma rede de contornos indefinidos e, como tal, indispensvel ao
seu funcionamento, mas que importa definir. Certos autores, como veremos, falam
claramente do seu carcter ubquo, visvel ou invisvel. Por outro lado, a traduo
encerra em si uma funo comunicativa, como reitera Jos Lambert, ou melhor ainda, o
princpio da internacionalizao da comunicao numa rede tentacular, enquanto acto
de comunicao que estabelece uma relao interactiva entre lnguas e culturas
(Lambert 1995: 20).5
2 Jos Lambert, la recherche de cartes mondiales des littratures , in Semper aliquid novi. Mlanges offerts A. Girard, J.
Riesz et A. Richard d., Gunter Narr Verlag, Tbingen, 1990, p. 109 3 Ver ainda Teresa Seruya, Marta Teixeira Anacleto , Maria Dos Anjos Guincho , Dionisio Martinez Soler , Maria Lin Moniz & Alexandra Lopes (2007). Notes for a cartography of literary translation history in Portugal In: Yves Gambier, Miriam Shlesinger,
Radegundis Stolze, Doubts and directions in Translation Studies: selected contributions from the EST Congress, Lisbon 2004, p. 59-
71, onde as autoras fornecem uma completa panormica sobre os esforos desenvolvidos para identificar o trabalho dos tradutores literrios em Portugal, partindo da metfora da excavao arqueolgica, como forma de detectar esses underground agents. 4 In Janos Riez e Alain Ricard (dir.) (2009), Semper Aliquid Novi, Tbingen, Narr.
5 Relativamente designao de cartografia aplicada traduo, ver ainda Lambert 1980, onde o autor analisa os textos
traduzidos como constructos de pleno direito, procedendo sua integrao numa perspectiva mais ampla no contexto da comunicao e interaco literrias, numa anlise que devedora da teoria dos polissistemas e no decurso do qual o autor destaca
trs categorias que se entrecruzam: produo, tradio e importao. E ainda Lambert 1983, onde proposta a noo de 'cartografia'
das literaturas europeias, como forma de permitir que as provncias literrias possam, de facto, ocupar o seu devido lugar de
5
Com efeito, a traduo, sobretudo, a traduo literria, ou melhor dizendo, a
literatura traduzida, no s tem uma funo comunicativa, como tambm encerra em si
uma funo essencialmente cultural ou intercultural que se sobrepe de forma dinmica,
como constata Pym (1998: 1991).
If we want to know how cultures interrelate, it is worth looking closely at who intermediaries are
and how they work in intercultures (overlaps of cultures, defined by criteria of professionalism
and 'secondness'). (Pym 1998) 6
Para alm da bvia analogia visual dos elementos cartogrficos, o mapa permite
ainda a exposio de modelos narrativos e, ao mesmo tempo, uma ferramenta valiosa
para intervir no mbito de realidades complexas, heterogneas e dinmicas, como as
resultantes da anlise dos fenmenos associados traduo. O mapa, neste contexto,
no apenas uma representao passiva da realidade, mas tambm, e sobretudo, uma
ferramenta que permite a produo de sentido, o avano do conhecimento e a gerao e
testagem de hipteses, porque associado noo de deriva e viagem, como nos mostram
Joo Barrento em O Judeu errante e a deriva moderna (1986) ou Maria Eduarda
Keating, em Escritas Nmadas e Subservo do Paradigma da Viagem (2001).
Por conseguinte, o mapa , antes de mais, um dispositivo comunicativo, um
artefacto de representao maduro, dotado de uma linguagem, identidade e plasticidade
prprias, e com uma retrica especfica, dotado das suas prprias ferramentas,
linguagens, tcnicas e mecanismos de apoio.
Trata-se, antes de mais, de um modelo que recupera ainda as capacidades
narrativas de sistematizao prprias dos mapas pr-cientficos e escolares e que, ao
mesmo tempo, se apresenta no apenas como um artefacto mimtico, mas como uma
ferramenta potica e poltica.
Assim sendo, o mapa como narrativa tambm a expresso de um objectivo
marcadamente comunicativo. Tal como um texto, o mapa selecciona, avalia e classifica
o real, distorce e molda os eventos, evolui dinamicamente, classifica e esclarece o
mundo de forma a melhor direccionar o olhar para um aspecto particular de um
determinado acontecimento, possibilitando ainda a construo de um discurso
destaque, paralelamente a um centralismo cannico. E, finalmente, Lambert 2004, onde o autor advoga um modelo cartogrfico
como forma de resistncia a modelos mais estticos, monolingues e uniculturais de forma a fixar o posicionamento das culturas e
literaturas em contextos dinmicos e multidisciplinares, revelando uma permanente hesitao e descentramento entre diferentes centros responsveis por uma difcil construo identitria. 6 Artigo em linha disponvel em http://usuaris.tinet.cat/apym/on-line/intercultures/studies/studies.html. (Data de acesso: 22 de
Setembro de 2011)
6
ideolgico. Neste contexto, mapa ainda sinnimo de narrativa visual do espao, um
artefacto cultural criado pelo autor para descrever o espao e o tempo de acordo com
objectivos predefinidos.
Por outro lado, o mapa como ferramenta afigura-se como um meio que permite
ao utilizador atingir um desgnio inalcanvel, assumindo-se como uma ferramenta
eficaz e objectiva. Como instrumento e elemento potenciador de sentidos, o mapa
permite que o utilizador defina metas, consolide posies e cumpra objectivos, ao
mesmo tempo que potencia a estruturao do real e a prossecuo das tarefas planeadas.
Como tal, o conceito de cartografia encerra tambm em si a noo de sistema de
representao conceptual do espao, como uma ferramenta de comunicao que visa a
representao de contextos complexos atravs do recurso a vrias narrativas parciais
que se sobrepem e conjugam num elemento final: no fundo, uma rede de mapas,
sistemas, diagramas, textos e peritextos, que se entrecruzam e moldam dinamicamente
para circunscrever os espaos e objectos da investigao nos seus aspectos mais
multifacetados.
Partindo da hiptese de Lambert, segundo a qual a traduo estabelece uma
relao interactiva entre culturas (ou interculturas, Pym 1998), procuraremos descrever
a posio dos tradutores profissionais no sistema social e cultural da regio norte de
Portugal.
Finalmente, no nosso caso, a figura do mapa assume particular relevncia pela
forma como, perante uma realidade to voltil e pluridisciplinar como a traduo
profissional, permite a fixao objectiva de um objecto de estudo concreto num espao e
tempo especficos, registando no terreno as diferentes configuraes captadas no
decurso de uma anlise em que textos, discursos e contextos, o textual, o lingustico e o
discursivo se entrecruzam.
7
BREVES NOTAS PARA UMA CARTOGRAFIA DA TRADUO EM PORTUGAL
Cartografia: cincia e arte de desenhar, segundo determinados sistemas de projeco e uma
escala, a totalidade ou parte da superfcie terrestre num plano, isto , traar cartas ou mapas
geogrficos em reproduo bidimensional e tridimensional.
Dicionrio da Lngua Portuguesa, Porto Editora, 8 edio
O crescente desenvolvimento do fenmeno da internacionalizao e o
consequente aumento da reciprocidade dos contactos internacionais em contextos
multilingues dentro das prprias organizaes so, de acordo com Steyaert e Janssens
(Steyaert & Janssens 1997: 131 e 132) e Shreve (Shreve 1999), uma das principais
caractersticas do mundo empresarial que emergiu sensivelmente a partir da dcada de
90 no sculo XX. A evoluo e a especificidade dos contactos e a prpria natureza e
perfil dos prestadores de servios no domnio das lnguas, primeiramente no rescaldo da
Segunda Guerra Mundial, posteriormente, durante a Guerra Fria e, sobretudo ao longo
das ltimas dcadas do sculo XX com os fenmenos de globalizao escala
planetria, implicaram de forma profunda a redefinio do papel e funo do tradutor
nas sociedades modernas, no isentos de problemas e dificuldades7.
De facto, o inimaginvel excesso de informao e o crescimento exponencial
daquilo a que a revista The Economist chama big data8, a abundncia da informao
digital e a rapidez com que os fluxos comunicacionais ocorrem so fenmenos que
acabam por condicionar seriamente as profisses das lnguas, em concreto perante a
necessidade de adaptao constante e em tempo real de contedos a novos locales (Pym
2003)9 e, ao mesmo tempo, implicar uma inegvel redefinio dos respectivos perfis
profissionais.
Epistemologically speaking, information is made up of a collection of data and knowledge is
made up of different strands of information. But this special report uses data and information
interchangeably because, as it will argue, the two are increasingly difficult to tell apart. Given
enough raw data, todays algorithms and powerful computers can reveal new insights that would
previously have remained hidden. () The business of information managementhelping
7 Cfr. com posicionamento crtico de Steyaert e Janssens 1997: 132. 8 Artigo Data, data everywhere. The Economist. Disponvel em linha em http://www.economist.com/node/15557443?story_id=15557443 [Data de acesso: 8 de Setembro de 2011] 9 Segundo Pym, localizao poder ser definida da seguinte forma: taking a product and tailoring it to an individual local market
(i.e. locale). Por locale, entendemos A collection of rules and data specific to a language and a geographic area. Locales include information on
sorting rules, date and time formatting, numeric and monetary conventions, and character classification.
(MS.NET Framework Glossary ), ou ainda A set of parameters that defines the user's language, country and any special variant preferences that the user wants to see in their user interface. Usually a locale identifier consists of at least a language identifier and a
region identifier. (Wikipedia)
http://www.economist.com/node/15557443?story_id=15557443
8
organisations to make sense of their proliferating datais growing by leaps and bounds. ().
This industry is estimated to be worth more than $100 billion and growing at almost 10% a year,
roughly twice as fast as the software business as a whole. () Chief information officers (CIOs)
have become somewhat more prominent in the executive suite, and a new kind of professional
has emerged, the data scientist, who combines the skills of software programmer, statistician and
storyteller/artist to extract the nuggets of gold hidden under mountains of data. (The Economist,
25 de Fevereiro de 2010)
J em 1998 Frank Austermhl publicara um pequeno texto sobre o panorama da
traduo na era da informao, convenientemente intitulado Between Babel and Bytes
- The Discipline of Translation in the Information Age, onde analisava o crescimento
exponencial da comunicao internacional e o efeito de bola de neve nos Estudos de
Traduo resultante do significativo aumento da circulao da informao a nvel
mundial, da imensido das redes de informao disponveis, do nmero crescente de
encontros interculturais e da contnua virtualizao da vida empresarial e privada.10
Como resultado, apontava o autor, a revoluo digital e a prpria globalizao dos
fenmenos econmicos, polticos, sociais e culturais teriam como consequncia o
aumento gradual das expectativas em termos das competncias esperadas pelos novos
profissionais das lnguas, cada vez mais expostos a um mercado movedio e dinmico,
sociologicamente marcado pela fluidez e pela ausncia de fronteiras.11
Por outro lado, o avano inexorvel das chamadas indstrias das lnguas
decorrente do surgimento do acrnimo GILT (G11n, I18n, L10n e Traduo) em finais
do sculo XX, fenmeno caracterizado pela contnua digitalizao e gesto de
contedos, pelo aumento da utilizao das ferramentas electrnicas para a transferncia
lingustica, emergncia da traduo digital e pelo desenvolvimento de complexas redes
de colaborao multilingue, acabou por afectar de forma decisiva o papel,
posicionamento e funo do tradutor contemporneo, com consequncias imprevisveis
que importa analisar.12
10 Austermhl, Frank (1998). Between Babel and Bytes - The Discipline of Translation in the Information Age. Artigo em linha disponvel em http://gandalf.aksis.uib.no/AcoHum/abs/Austermuehl.htm. [Data de acesso: 3 de Dezembro de 2008]
11 Ver, a propsito, Shreve (2000), para uma descrio mais aprofundada das razes subjacentes a esta transformao, como por
exemplo, o aumento brutal da actividade translatria, a crescente diferenciao das tipologias textuais e tipos de documentos em circulao, a exploso do domnio dos ecossistemas terminolgicos ou terminologias especializadas, bem como os respectivos usos,
resultantes da expanso e diversificao dos avanos cientficos e tecnolgicos, a par do significativo crescimento dos meios de
distribuio e da crescente digitalizao da informao.
12 Para uma definio mais completa dos conceitos em causa, ver Pym em "Globalization and Segmented Language Services"
(2000a), "Globalization and the Politics of Translation Studies" (2003), "Localization: On its nature, virtues and dangers" (2005) e o
mais recente "Localization, training and the threat of fragmentation" (2006).
9
Se a isto juntarmos os desmesurados investimentos em novas tecnologias
motivados por estratgias agressivas de globalizao, especializao, diversificao e
desenvolvimento internacionais, o fornecimento dos chamados servios integrados tipo
"chave na mo e, sobretudo, conforme sustentava Reinhard Schler, a transformao
dos servios de traduo num bem de consumo [ the commoditisation of translation
services]13
(Schler 2005), percebemos claramente o alcance da afirmao proferida por
este empresrio:
All of us who are involved in the translation and localization world know perfectly well that we
are in a deregulated industry, in which we institute our own standards, if they are not already
imposed for us by our direct or end customers. We also know that every business has its own
procedures, sometimes similar, and on other occasions absolutely the opposite. But all these
procedures seek the same purpose: to achieve the translation or localization of a product with the
highest possible quality.
Juan Jos Arevalillo Doval, Scio-gerente da Hermes Traducciones y Servicios Lingsticos e Presidente da
Comisso Tcnica espanhola para a Norma EN-15038, in The EN-15038 European Quality Standard for
Translation Services: Whats Behind It?14
Em simultneo, o progressivo protagonismo das tecnologias de informao e
comunicao, o desenvolvimento de solues informticas globais ao servio da
simplificao dos processos de anlise e produo textuais, a ubiquidade das
ferramentas de apoio traduo e a contaminao global decorrente do cruzamento
entre elementos de comunicao tcnica e intercultural no domnio da traduo acabam
por demonstrar uma ligao una e indivisvel, intimamente relacionada com o conceito
de metamorfose e transformao numa aldeia global ligada em rede, desprovida de
fronteiras estanques e lineares e com um elevado grau de imprevisibilidade.
Esta nova economia da produo de bens e servios, ligada actividade
intelectual e, ao mesmo tempo, produo e circulao da informao e consequente
mercantilizao do conhecimento (Caria 2005: 29), pode ser explicada luz das
recentes transformaes que implicaram uma profunda mudana no paradigma dos
modelos de produo e organizao do trabalho e a consequente transio para um
13
A propsito da comodificao da traduo ver ainda Apter, Emily (eds). (2001) Translation in a global market Chicago: Duke University Press. 251 pp. 14 Na gnese deste artigo encontra-se outro texto da autoria de Pierre Cadieux, Presidente da i18N Inc. e Bert Esselink, intitulado
"GILT: Globalization, Internationalization, Localization, Translation", com o qual se pretende estabelecer dilogo, e no qual os autores admitem um certo sentimento de culpa perante a incapacidade de definir correctamente os outros termos que, para alm do
prprio conceito de traduo em si, compem o acrnimo em causa (GILT), reconhecendo, tal como Donald DePalma e Hans
Fenstermacher, a impossibilidade de fixar convenientemente termos to dspares e, ao mesmo tempo, to volteis como globalizao, internacionalizao e localizao:
"we should perhaps feel a little GILTy that of the above four terms, only translation is generally well understood."
10
modelo ps-fordista de produo mais flexvel, caracterizado pela massificao da
produo, organizado escala global atravs de uma rede de ligaes entre os diferentes
agentes econmicos, capaz de conciliar uma elevada produtividade com unidades de
produo informatizadas e facilmente programveis, susceptvel de responder
rapidamente s constantes alteraes verificadas ao nvel da procura (flexibilidade do
produto) ou da tecnologia (flexibilidade do processo).
Inserida numa espcie de "vcuo social" e exposta ao turbilho ciclnico da
mudana", conforme descrevia Don Kiraly (Kiraly 2000: 20), a traduo, enquanto
modelo empresarial ou de gesto de redes de actores, evoluiu de forma impactante ao
longo dos ltimos anos, medida que a informtica e as novas tecnologias da
informao e comunicao foram entrando gradualmente nas fases de concepo e
desenvolvimento dos prprios processos e produtos, permitindo, dessa forma,
automatizar algumas rotinas de trabalho e oferecendo uma oportunidade clara e
inequvoca de melhorar a oferta, em termos de qualidade, coerncia, consistncia,
rapidez, tratamento e apresentao do produto final.
Porm, paralelamente sua crescente tecnificao e especializao, conforme
descrito por Miguel Nez Ferrer (2005)15
, evoluram tambm muitas das formas mais
diversificadas e complexas de prestao desse servio ao cliente. A traduo coloca-nos
hoje desafios totalmente novos e inesperados, assumindo-se cada vez mais como um
processo completamente tecnicizado e formatado, tendo adquirido uma nova dimenso
e contornos de difcil representao. 16
De facto, a actual cadeia de fornecimento de servios de traduo caracterizada
por uma estrutura em rede, na qual a cooperao uma parte essencial do trabalho no
sentido de permitir o cumprimento e a execuo dos servios fornecidos. Para alm de
uma rede funcional e profissional, esta tambm uma rede social e relacional marcada
pelo hibridismo de processos e mediaes individuais (Caria 2005: 37), caracterizada
por interdependncias estabelecidas a vrios nveis e estruturadas ou hierarquizadas em
diferentes patamares no mbito do trabalho tcnico-intelectual (Hermans & Lambert
1998: 118).
15 Nez-Ferrer, Miguel (2005) Translation Services Service Requirements (pr EN 15038). [Em linha] Comunicao apresentada durante a 1 conferncia da EUATC, Bruxelas, 2005. [Data de acesso: 17 de Julho de 2006]. Disponvel em
http://www.euatc.org/conferences/index.html.
16
Sublinhamos, neste caso, o carcter industrial da traduo, que Belinda Maia destaca em The Industrialisation of Translation Will it work? (2002), recorrendo a uma sugestiva metfora, ao associar a traduo s tarefas domsticas (e femininas),
nomeadamente ao processo da lavagem da roupa.
http://www.euatc.org/conferences/index.html
11
Perante o dinamismo e a mutabilidade de uma profisso poucas vezes estudada
do ponto de vista sociolgico, e tantas vezes negligenciada em termos de
enquadramento e contexto socioprofissionais, estudar a traduo, hoje, como acto
social, discursivo e intercultural, mostrar-se atento e receptivo a um mundo cada vez
mais diversificado em constante mutao, e tambm enfrentar e tentar solucionar os
desafios colocados, por um lado, pela globalizao e, por outro, pela omnipresena de
novos modelos de produo decorrentes da sofisticao dos processos associados
produo textual, sem dvida os ambientes privilegiados em que se desenvolve,
actualmente, a prtica da traduo. 17
A verdade que a traduo serve de forma engenhosa como metfora da
universalidade e ambivalncia da comunicao e das relaes interpessoais entre
culturas (interculturas), precisamente pela forma como encerra em si mltiplas
vertentes, valncias e categorias que podem ser facilmente preenchidas, de acordo com
motivaes especficas e conforme a sua utilidade, pelos mais diferentes actores que
partilham e participam, de forma passiva ou activa, neste fenmeno, transformando-se
num fenmeno social to marcadamente interdisciplinar. Traduzir hoje ser, porventura,
resolver o dilema entre o social, o tcnico e o humano.
Esta uma reflexo que nos levar a analisar as mltiplas facetas e
configuraes, em contexto nacional, mas sempre em confronto com um cenrio mais
lato e abrangente, de uma profisso tantas vezes esquecida e negligenciada e, em
simultneo, a detectar e a traar as redes de relaes e dinmicas que envolvem aquilo
que, actualmente, se designa como a Prestao de Servios de Traduo, conforme
especificao resultante da recm-adoptada Norma Europeia de Servios de Traduo -
EN15038.
Por outro lado, o nosso objectivo ser igualmente partilhar um testemunho
emprico marcado pelas reflexes pessoais e profissionais dos principais actores que
convergem no terreno, sobre a forma como decorre o processo de construo de uma
identidade profissional especfica, associada a uma profisso marcadamente sujeita a
constrangimentos internos e externos, onde tenses e conflitos ocorrem, em constante
jogo. E, ao mesmo tempo, pelo confronto discursivo, analisar a forma como esse
processo acompanha a definio e a construo de um mercado, ou melhor dizendo, a
17
Disto sintoma o ttulo da conferncia de Derek Coffey, da Welocalize The Future: Will we be the Walmart of Words or the FedEx of Words?, realizada na 16 Conferncia da LRC (2011).
12
disposio geogrfica de vrios mercados que se entrecruzam e moldam a sua
territorialidade.
Por conseguinte, serve esta instncia introdutria para tecer algumas das linhas
orientadoras que vo urdir o presente trabalho e que visam caracterizar os mltiplos
cenrios onde se inscreve a prtica da traduo no panorama portugus e, em concreto,
da regio norte do pas, face a um mercado movedio e dinmico, sociologicamente
marcado pela fluidez e pela ausncia de barreiras e fronteiras.
Trata-se de um trabalho feito de experincias, textos, discursos e linhas que se
cosem e entrelaam, ecos e reverberaes que nos revelam uma imensa teia de redes e
relaes onde a traduo se insere e constri o seu espao numa dinmica de mobilidade
e metamorfose. Trata-se ainda de um confronto frtil entre textos e contextos, um
dilogo que, esperamos, profcuo, estabelecido entre a traduo e os diferentes
ecossistemas onde ocorre, um confronto, simultaneamente tenso e complexo, que nos
leva a situar as dinmicas relacionais que so estabelecidas a montante e a jusante, e que
nos permite circunscrever os espaos geogrficos de um fenmeno to intrinsecamente
enraizado na sociedade como a traduo.
A nossa perspectiva parte de um modelo de anlise em que o tradutor assume
um lugar central pivotal (Simeoni 1998) num plano cartogrfico, plstico e multiforme,
de fronteiras tnues, marcado por vrios agentes e actores que se cruzam e interagem, e
que vo inscrevendo nesse mapa as marcas indelveis de uma identidade profissional,
tantas vezes difusa. Modelo esse que nos permitir, em ltima anlise, proceder ao seu
mapeamento, ou seja, anlise das correspondncias entre contextos e estruturas
favorveis prtica translatria como algo socialmente delimitado, mas tambm
cartografia das dinmicas emergentes nesse domnio, lanando as bases para uma
avaliao rigorosa de uma nova realidade socioprofissional, identificando perspectivas
de evoluo, factores crticos, bem como principais tendncias e orientaes de
mudana.
O modelo de anlise que propomos pretende encarar a profisso como uma rede
complexa de relaes, tenses e distenses, convergncias e divergncias entre os vrios
actores, e no interior da qual circula uma mesma matriz orgnica, caracterizada pelo
elemento humano em contexto social, e logicamente enquadrado por uma dimenso
textual e discursiva.
Para tal, servimo-nos de uma citao de Reine Meylaerts, onde surge sintetizada
a questo da necessidade de conceptualizao do actor humano como indivduo
13
socializado, integrado numa realidade social, simultaneamente como profissional
(Simeoni 1998, Inghilleri 2003 e 2005, Sela-Sheffy 2005, Gambier 2006), mas tambm,
e sobretudo, como actor capaz de interiorizar vrias estruturas sociais, culturais,
polticas e lingusticas, de carcter mais amplo, e de natureza institucional e discursiva:
Recent insights insist on habitus as a dynamic, plural concept, as the object of confrontations
with various field logics and thus of multiple definitions and discontinuities (Lahire 2001, 2003,
2004; Sela-Sheffy 2005). Every (inter)cultural actor appears as a complex product of multiple
processes of socialization disseminated in various institutions (family, schools, friends, work,
neighborhood, etc.). Attitudes, perceptions and practices are the result of an unstable interplay of
multiple kinds of habituses, questioning the uniqueness and permanence of the individual person.
The actors plural and dynamic (intercultural) habitus therefore forms a key concept for
understanding the modalities of intercultural relationships. It can reveal how (intercultural)
actors interiorize dynamically and variably (institutional and discursive) normative structures of
the source and target fields, and indeed of their mutual contacts and intersections. (Meylaerts
2008: 94)
Como tentaremos demonstrar, uma das nossas hipteses de trabalho ser
precisamente verificar se, de facto, existe uma mesma sintonia e coerncia ao nvel do
discurso identitrio e das manifestaes sociais e profissionais desta comunidade que
nos propomos estudar, ou se, pelo contrrio, essa similitude no se verifica, e antes
dspar e inconstante.
Pretendemos ainda verificar se a definio do profissionalismo uma constante
e ocorre, de facto, de forma homognea e natural, ou se uma construo ficcionada,
eventualmente motivada e orientada pelos discursos e prticas envolventes, bem como
pelos fenmenos textuais e contextos interculturais que circulam paralelamente
profisso.
No esquecendo a componente absolutamente central dos aspectos lingustico-
textuais e culturais associados aos fenmenos que envolvem a prtica da traduo, o
nosso mapa parte de um modelo essencialmente marcado por trs vectores estruturantes
que correspondem aos trs primeiros captulos da tese, ou seja, o social, o profissional e
o econmico, onde a traduo se assume como uma actividade social e historicamente
enquadrada, marcada por diferenas de percepo em termos de imagem pblica,
imagem individual e imagem colectiva profissional, mas tambm uma actividade
geradora de riqueza e com um valor econmico intrnseco e, como tal, estratgica e
vital, orientada por dinmicas empresariais e profissionais, aliceradas numa praxis
14
individual e grupal, enquanto actividade, processo e produto, desenvolvidos para
clientes e pblicos-alvo definidos.
Antecipando eventuais crticas de cegueira intelectual e ortodoxia unilateral na
forma como nos posicionamos no terreno enquanto investigadores no domnio dos
Estudos de Traduo, gostaramos, desde j, de sublinhar que no pretendemos descurar
de todo os aspectos lingusticos, textuais e discursivos dos fenmenos que envolvem a
traduo, tal como no renunciamos ao seu carcter tradicionalmente intercultural.
A matriz que assumimos como base do nosso trabalho prev, de facto, um
pentgono, onde as variveis sociais, profissionais e econmicas se encontram
intimamente ligadas aos aspectos textuais, lingusticos e culturais que configuram a
actividade no domnio dos Estudos de Traduo, e que no pretendemos renegar.
Figura 1. Matriz orgnica do projecto
Uma das justificaes para a escolha deste tema prende-se com o facto de,
enquanto tradutor profissional e formador de tradutores, nos confrontarmos diariamente
com a necessidade de definir e circunscrever campos de conhecimento e aco que
distingam e particularizem a Traduo enquanto objecto de estudo enquadrado numa
dinmica social e, ao mesmo tempo, estabeleam os limites do seu profissionalismo,
definam os seus objectivos e delimitem o seu objecto territorial. Ser desnecessrio
frisar que nos movemos por uma agenda marcadamente individual e claramente
enviesada, um desgnio pessoal e profissional decorrente da forma como este trabalho
Lingustico/Textual
Cultural
Profissional Econmico
Social
15
tem uma histria peculiar e nasce de uma motivao pessoal, fortemente marcada por
um desgnio particular. O resultado , esperamos, um objecto de estudo,
simultaneamente reflexivo e auto-reflexivo, j que a reflexividade se assume como um
instrumento potenciador do desenvolvimento de instrumentos analticos.
A heterogeneidade das tarefas desenvolvidas, a multidimensionalidade dos seus
problemas, a (in)visibilidade socioprofissional (tcita e implcita) do tradutor, bem
como a sua situao de desequilbrio, subservincia e subalternidade constantemente
invocada em contexto de interaco social potenciam a diluio das fronteiras do
conhecimento e aco, j de si caractersticas de contextos inter e multidisciplinares
marcados pelas dinmicas de mercado e empreendedorismo no mbito da indstria das
lnguas. Afectando de forma inequvoca a noo de identidade profissional, auto-
reflexividade e lgicas de socializao, bem como a complexidade das relaes geradas
socialmente no domnio profissional.
O objectivo central deste projecto , essencialmente, dar conta de um
testemunho individual, simultaneamente reflexivo e auto-reflexivo, marcado por um
desgnio pessoal e profissional, atravs da qual ser possvel partilhar um conjunto de
reflexes sobre o processo de construo de uma identidade associada a uma profisso
(eventualmente semiprofisso, segundo Monz 2006), num contexto social
geograficamente enquadrado, a regio norte de Portugal, sabendo de antemo que uma
das questes essenciais que se colocam a uma nova profisso a sua pertinncia social,
real e simblica (Bourdieu 1985), inata ou construda, ou seja, a sua utilidade social no
mbito do espao das profisses e ocupaes j existentes.
Este trabalho pretende constituir um contributo para a rea dos Estudos de
Traduo, via Cincias da Linguagem, atravs de um contacto permanente, observador e
atento com uma comunidade especfica, socorrendo-se, para tal, de uma abordagem
sociolingustica assente nas narrativas dos actores envolvidos, confrontando discursos e
contextos, de forma a descortinar saberes, sentidos e fazeres que enformam um
determinado campo profissional capaz de definir e assumir o espao e as lgicas de
interaco do tradutor.
Por conseguinte, este um trabalho sobre o processo de construo identitria
com base nas narrativas dos profissionais, cujo objectivo ltimo ser analisar o discurso
dos prestadores de servios de traduo desenvolvido sobre si prprios, sobre a sua
prpria actividade e sobre a realidade envolvente, com inegveis ramificaes e elos de
ligao a um universo mais lato, estabelecendo um dilogo com a sua dimenso
16
nacional e internacional.
Paralelamente s tradues e textos que circulam em torno da profisso,
interessa-nos, sobretudo, detectar as dinmicas subjacentes em termos de percepes
socioprofissionais, bem como as marcas discursivas subjacentes e subterrneas que
escondem estratgias de ocultao e dissimulao (van Leeuven 1997, Fairclough 1997,
2003 e 2005, van Dijk 1998 e Nogueira 2001), e que concorrem para a construo e
encenao de um discurso identitrio simblico, porventura desfasado do real (Goffman
1975).
17
A INSCRIO DO PROJECTO NO SEU ESPAO GEOGRFICO E CONTEXTUAL
Temos absoluta conscincia da necessidade e pertinncia de um estudo desta
natureza no mbito dos Estudos de Traduo, sobretudo no contexto portugus. Apesar
da vitalidade da disciplina em Portugal nos ltimos anos, consubstanciada na
considervel produo cientfica resultante e no largo predomnio da anlise da
literatura traduzida (Seruya 2006, 2007, 2008 e 2009; Ferreira Duarte, Assis Rosa e
Seruya 2006, Ferreira Duarte 2001 e 2008, Neves 2005, Almeida e Pinho 2006,
Barrento 2002, Maia 2002, Frei 2002, Keating 1992, 1995, 1996, 2000, 2001, 2005 e
2006, Almeida Flor 1983 e 2009, Zurbach 2003, Castilho Pais 1997, 2000, 2001 e 2005,
Horster 2007 e 2008, Jorge 1997, Carvalho Homem 2004 e 2009) so ainda escassos os
estudos descritivos aprofundados sobre a sua dimenso social, econmica e
profissional.18
Para alm de algumas publicaes avulsas sobre a profisso, muitas delas
oriundas de empresas, freelancers ou associaes profissionais, com uma agenda
claramente especfica, os contributos acadmicos e cientficos sobre o fenmeno tm
sido relativamente dispersos e pouco consistentes.
Para alm do enciclopdico trabalho de Gonalves Rodrigues (1992)19
, a nvel
nacional destacamos o importante contributo dado profisso pelo primeiro estudo
sociolgico desenvolvido por Francisco Magalhes, em 1996, sob o ttulo Da Traduo
Profissional em Portugal (1996), em que o autor dedica especial ateno a uma
tripartio das grandes reas da profisso em Portugal, nomeadamente o Mercado da
Traduo, o Trabalho do Tradutor e a Formao do Tradutor Profissional,
estabelecendo importantes pontos de convergncia entre esses trs vectores. Mais
recentemente, podemos ainda citar alguns dos trabalhos que desenvolvemos,
nomeadamente ao nvel do perfil das empresas de traduo portuguesas (Ferreira-Alves
2005 e 2006), com ramificaes no mbito da sociologia da traduo (Ferreira-Alves
2008), economia das lnguas (Ferreira-Alves 2009) e ainda ergonomia e traduo
(Ferreira-Alves 2011).
18 De realar ainda os vrios contributos dispersos em mltiplas revistas de especialidade, como a Gnesis, revista cientfica do
ISAI, ou ainda as actas das Jornadas de Traduo desta mesma instituio, a Polissema Revista de Letras do ISCAP, O Lngua
Revista Digital sobre Traduo, Babilnia - Revista Lusfona de Lnguas, Culturas e Traduo, Confluncias Revista de Traduo Cientfica e Tcnica, Relmpago, A Phala, entre outras. 19 Gonalves Rodrigues, A. A. (1992) A
Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.
http://revistas.ulusofona.pt/index.php/babilonia
18
Dentro deste domnio, podemos ainda citar outros estudos como o projecto
desenvolvido por Elena Galvo junto dos compradores de servios de traduo na zona
do Grande Porto (Galvo 2006)20
, a comunicao apresentada por Flix do Carmo em
2002 no V Seminrio de Traduo Cientfica e Tcnica em Lngua Portuguesa da Unio
Latina, onde o autor analisa os contornos socioprofissionais e formativos da actividade
(Carmo 2002)21
, o trabalho de Ftima Dias (2006) sobre a imagem dos tradutores nos
anncios de emprego22
, o estudo de Rosrio Duro intitulado Primeiro Relatrio de um
Inqurito a Fornecedores de Servios de Traduo Cientfica e Tcnica de Ingls para o
Portugus Europeu (2008) 23
, ou mesmo o projecto iniciado por Joslia Neves e Maria
Jos Veiga em 2002, na rea da Traduo para Legendagem que visava colher
informaes sobre a prtica da traduo profissional de traduo/legendagem em
Portugal (2002). Mais recentemente destacamos a pertinncia do trabalho de Susana
Valdez sobre a invisibilidade do tradutor no contexto portugus (2009).24
Em termos empresariais e associativos existem ainda algumas tentativas avulsas
de circunscrever o mercado profissional, com especial destaque para a APET
(Associao Portuguesa de Empresas de Traduo), o SNATTI (Sindicato Nacional de
Actividade Turstica, Tradutores e Intrpretes), a APIC (Associao Portuguesa de
Intrpretes de Conferncia), a AIIC (Associao Internacional de Intrpretes de
Conferncia), a APT (Associao Portuguesa de Tradutores) ou a j extinta AteLP
(Associao de Traduo em Lngua Portuguesa). Em paralelo, podemos igualmente
identificar as tentativas de sistematizao do mercado da Tradulnguas, a experincia
pouco consistente de Lus Almeida Espinosa, no seu Terminologias.com, com o texto
de 2003, A Formao do Tradutor e as Necessidades do Mercado de Traduo em
Portugal, apresentado no VI Seminrio de Traduo Cientfica e Tcnica em Lngua
Portuguesa, a impressionista Anlise do Mercado da Traduo em Portugal, que
encontrmos na revista, entretanto descontinuada, Translation Magazine, publicada pelo
20 Galvo, Elena (2006) Entre inovao e tradio: viagem ao mundo dos compradores de servios de traduo na zona do Grande
Porto. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Actas das 5as Jornadas de Traduo, ESTG, Leiria. 21 Carmo, Flix (2002) De formando a formador, passando por formado em traduo .. Actas do V Seminrio de Traduo Cientfica e Tcnica em Lngua Portuguesa. Lisboa: Unio Latina. 22 Tradutores Precisam-se: A imagem da Traduo Transmitida pelos Anncios de Emprego, in Confluncias Revista de Traduo Cientfica e Tcnica, N4 (2006).
23 Primeiro Relatrio de Um Inqurito a Fornecedores de Servios de Traduo Cientfica e Tcnica de Ingls para Portugus Europeu, in Confluncias - Revista de Traduo Cientfica e Tcnica: A Traduo Cientfica e Tcnica em Lngua Portuguesa no
Mundo, n. 3, 2005, pp. 29-61.
24 Valdez, Susana (2009) O Autor Annimo. A Invisibilidade do Tradutor no Contexto Portugus. Dissertao de mestrado.
Universidade de Lisboa.
http://www.linkedin.com/redirect?url=http%3A%2F%2Frepositorio%2Eul%2Ept%2Fbitstream%2F10451%2F1710%2F1%2F21664_ulfl071875_tm%2Epdf&urlhash=--LY
19
gabinete de traduo Jaba Translations (Setembro de 2007) ou o informativo Quase
tudo o que eu (sempre) quis saber sobre traduo: Guia de sobrevivncia, traduo e
adaptao da brochura Translation: Getting it Right (Ferreira-Alves et al 2006), guia
que, alegadamente, ter sido alvo de uma verso posterior da autoria da AteLP.25
De qualquer das formas, pela sua actualidade, pertinncia e transversalidade, a
reflexo em torno dos aspectos socioprofissionais associados traduo indispensvel
para a consolidao de uma actividade que teima em no se afirmar como uma profisso
autnoma, de direito prprio, muito por causa da forma como vista, interna e
externamente, como uma actividade menor, subalterna e pouco prestigiante.
A par da sua inegvel componente textual e lingustica, acreditamos que o
desenvolvimento e a aplicao de estudos rigorosos e consistentes sobre o papel
estratgico, do ponto de vista social e econmico, da traduo num mundo globalizado,
podero conduzir esta arte de negociao (Eco 2003) ao estatuto que realmente
merece na sociedade, atravs da sensibilizao dos principais actores envolvidos no
processo e, em especial, das instncias governativas responsveis pelo seu real
reconhecimento.
Estamos, no entanto, conscientes de que, apesar das vrias pretenses em
concurso, em torno de uma suposta necessidade de uniformizao e harmonizao de
uma cultura profissional, a verdade que a traduo, enquanto profisso em trabalho
tcnico-intelectual, tal como sustenta Telmo Caria (Caria 2005), cada vez menos
homognea e uniforme (Klein 1976). Nesse sentido, consideramos que precisamente a
sua diversidade e heterogeneidade que lhe conferem um carcter to especial e difcil de
apreender. Como tal, a forma como hoje os Estudos de Traduo concebem e
entendemos o fenmeno da traduo enquanto funo, processo e produto orientados e
condicionados por constrangimentos profissionais especficos e dspares, depende muito
do(s) prprio(s) segmento(s) onde nos encontramos inseridos.
Pour comprendre la traduction comme pratique sociale et comme vecteurs des changes culturels
internationaux, il est ncessaire de rintegrer dans lanalyse tous les acteurs individues et
institutions qui en sont partie prenante. Il faut tout dabord la resituer dans lespace
international de circulation des textes, espace hirachis dans lequel les changes sont inegaux.
Cette hirarchie rsulte de la structure des rapports de force selon trois principales logiques,
politique, conomique et culturelle (Heilbron & Sapiro 2008: 43)
Queremos, em concreto, convocar para o nosso estudo a posio defendida por
25 Como comprar uma boa traduo: Guia breve para compradores de servios de traduo (ATeLP 2006).
20
Hermans e Lambert, segundo a qual ser necessrio redefinir o papel daquilo a que
chamam "business translation" (traduo em contexto empresarial, diramos ns) no
domnio dos Estudos de Traduo e, nesse sentido, abordar este novo fenmeno a partir
da anlise da organizao social e dos processos de gesto em ambientes empresariais
caracterizados pela prestao de servios.
De facto, por vezes, o domnio eminentemente profissional e empresarial parece
ter sido esquecido no mbito do paradigma dos Estudos de Traduo e apagado de
eventuais apresentaes programticas ou categorizaes da traduo, ainda que
aflorado nos seus textos fundadores. Como veremos mais adiante, este carcter fugaz e
praticamente invisvel do fenmeno explica, em parte, a tendncia para uma disperso e
fragmentao, traduzidas na forma como o mundo profissional tende a gerar os seus
prprios grupos e subgrupos especficos e hermticos, preferindo um distanciamento
prudente face aos crculos acadmicos, como se estes fossem incapazes de adaptar e
integrar a componente empresarial aos seus curricula.
Esto, ento, criadas as condies para que nasa essa "terra de ningum"
(Hermans & Lambert 1998: 114) que pretendemos explorar atravs deste estudo, cientes
que estamos da necessidade de reenquadrar os vrios ngulos atravs dos quais a
traduo vista nesses domnios.
Por ltimo, gostaramos ainda de convocar o modelo tripartido definido por
Steyaert e Janssens, como suporte eficaz para conceptualizarmos esta aparente diviso
entre lngua, cultura e gesto. No seu artigo intitulado "Translation and Language
Learning as Mediating Activities in a Multi-Cultural and Multi-Lingual Management
Setting", os autores traam um tringulo estruturado em torno de trs eixos que, por sua
vez, integram os seguintes conceitos: cultura, lngua e gesto, e no centro do qual, em
perfeita articulao com os restantes vrtices, encontramos a traduo e a aprendizagem
de lnguas (Steyaert & Janssens 1997: 135), entidades que coexistem no seio das
organizaes, enquanto organismos multiculturais e multilngues.
Ou seja, embora a viso do fenmeno translatrio como um produto textual
cultural seja um facto amplamente aceite pelos Estudos de Traduo, a verdade que
esta perspectiva necessita ainda de ser integrada ao nvel da produo da prpria
organizao social, algo que implica uma abordagem essencialmente interdisciplinar,
isto , atravs da reconsiderao radical e extrema do papel da traduo e do estatuto do
tradutor dentro das organizaes empresariais (Steyaert & Janssens 1997: 144), do
reenquadramento do valor econmico das lnguas e, em ltima instncia, da redefinio
21
de uma viso mais pragmtica do prprio estudo da traduo profissional em contexto
social.
22
ARQUITECTURA DA TESE: VECTORES ESTRUTURANTES
Seguidamente, apresentaremos a estrutura que decidimos conferir ao nosso
trabalho.
A Introduo pretende dar conta das principais motivaes subjacentes ao
projecto de investigao em curso, apresentando as linhas gerais condutoras que
orientam a tese, do ponto de vista da organizao do trabalho, com especial destaque
para os objectivos gerais e especficos, breve contextualizao terica e enquadramento
temtico. Ser igualmente apresentado um captulo dedicado aos Referenciais Tericos
e Metodolgicos utilizados no mbito do nosso trabalho, no contexto dos Estudos de
Traduo.
Como referimos antes, o nosso modelo de anlise parte essencialmente de uma
perspectiva que prev a triangulao de trs componentes estruturais do fenmeno da
traduo que se encontram inexoravelmente ligadas entre si, e que complementam a sua
dimenso textual e cultural. Ou seja, o vector social, o vector profissional e o vector
econmico, que representam os trs primeiros captulos angulares do nosso trabalho e
constituem a primeira parte desta tese (Parte I). Prevendo eventuais problemas de
descompensao e desequilbrio da mesma, contamos apresentar nos Anexos o material
textual resultante de um pequeno corpus de tradues efectuadas por uma das nossas
entrevistadas, e que podero ser colocadas em dilogo com as narrativas que registmos.
Por isso mesmo, os captulos subsequentes seguem essa lgica e essa ordenao,
tentando analisar, no contexto da realidade portuguesa, mas sempre em dilogo com a
dimenso macro [internacional] e micro [regional], as mltiplas facetas de que a
actividade se reveste.
Por conseguinte, o primeiro captulo [da Parte I], que optmos por chamar
Translations around us/O social da traduo pretende dar conta do carcter
transversal e omnipresente do fenmeno, colocando o enfoque na sua dimenso social e
relacional, bem como nas percepes endgenas e exgenas associadas profisso no
contexto portugus. De igual forma, pretende-se, com este captulo, descrever
brevemente o carcter no-formal da actividade recorrendo a registos dispersos por
vrias fontes textuais e, ao mesmo tempo, analisar os cenrios e enquadramentos que
rodeiam a prestao de servios de traduo a nvel nacional, bem como a forma como
os diversos actores e agentes envolvidos no processo, amadores e profissionais, se
posicionam e relacionam em termos histricos, culturais e sociais.
23
O segundo captulo centrar-se- na noo de profissionalismo aplicada
traduo, analisando alguma da literatura existente neste domnio, e fazendo a
transposio para a realidade portuguesa de forma a caracterizarmos a profisso e o
estatuto do tradutor. Pretendemos, neste espao, analisar os conceitos de profisso e
profissionalismo associados traduo, procurando fazer o respectivo enquadramento
terico-conceptual em dilogo com alguma da recente literatura existente sobre o tema
no domnio dos Estudos de Traduo. Neste captulo iremos ainda apresentar um
enquadramento terico susceptvel de analisar a traduo sob o ponto de vista
profissional, recorrendo a exemplo de outras reas disciplinares, como a sociologia das
profisses, bem como estudos desenvolvidos sobre a profissionalizao dos tradutores e
intrpretes, com especial destaque para a situao profissional em Portugal. O objectivo
ser enquadrar a noo da prestao de servio no mbito dos principais actores
envolvidos na cadeia de produo e consumo de tradues, nomeadamente atravs da
tripartio do nosso objecto de estudo, respectivamente em tradutores, agncias e
clientes/consumidores finais.
Por ltimo, o terceiro captulo da Parte I direcciona o olhar para a dimenso
econmica das lnguas no contexto da globalizao e, em concreto para o valor
estratgico da traduo, caracter