39

Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

  • Upload
    ngodang

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia
Page 2: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Fernando Henrique CardosoPRESIDENTE DA REPÚBLICA

Marcus Vinícios Pratini de MoraesMINISTRO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO

Benedito Rosa do Espírito SantoSECRETÁRIO DE POLÍTICA AGRÍCOLA

CONSELHO EDITORIAL

Carlos Nayro Coelho (Coordenador)Amilcar GramachoAngelo Bressan FilhoElisio ContiniPaulo Nicola Venturelli

ISSN nº 1413 - 4969

Endereço Internet

Ministério da Agricultura e do Abastecimentohttp: // www. Agricultura. gov. brCompanhia Nacional de Abastecimentohttp: // www. conab.gov.br

Page 3: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Nesta Edição

SEÇÃO I

Carta da Agricultura- A CPR e o Financiamento à Agricultura

(Carlos Nayro Coelho e Wilson Araújo)................................................................................ 03

SEÇÃO IIArtigos de Política Agrícola- O Mercosul e os Mercados Asiáticos de Produtos Agropecuários

(Pedro Tejo).........................................................................................................................

- “Novas Estratégicas Competitivas para o Setor Sucro-Alcooleiro: O Caso deAlagoas”(Cícero Péricles de Carvalho)................................................................................................

- O “Agribusiness” Brasileiro e as Macrotendências Mundiais(Carlos Nayro Coelho)..........................................................................................................

- Panorana da Agricultura em 1999 (Amilcar Gramacho).............................................................................................................

07

14

27

37

SEÇÃO III

Ponto de Vista- Automação na Agricultura do Século XXI

(Paulo E. Cruvinel e Elísio Contini)...................................................................................... 43

Page 4: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

REVISTA TRIMESTRAL, EDITADA PELO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E DO ABASTECIMENTO - Secretaria Nacional de PolíticaAgrícola e Companhia Nacional de Abastecimento - Capa: AELDO LUNA (PIAU) - Responsável/Setor Gráfico : ROZIMAR PEREIRA DELUCENA - Copy-desk/Revisão : VICENTE ALVES DE LIMA - Diagramação/Arte-Final : WEBER DIAS SANTOS, IVANILDOALEXANDRE- Computação Gráfica : CARLOS ALBERTO SALES, JOSÉ ADELINO DE MATOS.

As matérias assinadas por colaboradores, mesmo do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, não refletem necessariamente aposição do Ministério nem de seus Editores, sendo as idéias de sua própria responsabilidade.

É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos e dados desta Revista desde que seja citada a fonte.

Revista de informação sobre política agrícola, destinada a técnicos, empresários, pesquisadores e professores que trabalham com ocomplexo agroindustrial. Distribuição gratuita.

Interessados em receber a Revista de Política Agrícola comunicar-se com:MARKE - Companhia Nacional de Abastecimento - SGAS Quadra 901 - Conj. A - Ed. CONAB - 3º andar - 70390-010 - Brasília-DF.Composta e impressa na Gráfica da Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB.

Page 5: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

A CPR E O FINANCIAMENTOÀ AGRICULTURA

SEÇÃO I

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 3

Carta da Agricultura

O crédito rural patrocinado pelo Estado continuasendo mundialmente um forte instrumento de estímulo e apoioà atividade agrícola. No Brasil, apesar das fortes mudançasocorridas na década de noventa, ele continua sendo a espi-nha dorsal do sistema de financiamento à agricultura co-mercial.

Todavia, a tendência é que cada vez mais os recur-sos oficiais sejam canalizados para a pequena agriculturadefinida em termos de política pública como agricultura fa-miliar.

Como se sabe, o atual Sistema Nacional de CréditoRural (SNCR) foi criado em 1965 com o objetivo de fortale-cer e sistematizar o apoio governamental ao setor agrícolabrasileiro, como parte da estratégia de utilizar a imensa baseagrícola brasileira na produção de grãos e em conseqüên-cia do desenvolvimento, em alta escala, do agronegócio na-cional, a exemplo de alguns países, como os EUA, Austrália,Nova Zelândia e França.

Até 1973, o subsídio embutido no crédito (medidopela diferença entre a taxa cobrada e a taxa da inflação) erapequeno (em torno de -2,6% naquele ano). Com o aumentoda inflação, contudo, ele foi crescendo gradativamente, jáque a taxa de juros era fixa, até atingir o ponto máximo em1980 (-38,8%).

Tomando a relação volume total de crédito oficial/produção de grãos como uma medida de eficiência, pode-sedizer que o crescimento geométrico do volume de crédito edo subsídio na década de setenta se fez acompanhar da per-da de eficiência do crédito oficial. Em 1970, por exemplo,quando se aplicou US$ 3,9 bilhões, foram necessários US$132,9(1998=100) para gerar uma tonelada de grãos, enquan-to em 1979, quando se atingiu o máximo histórico nas apli-cações, foram necessários US$ 494,2.

Além disso, devido ao formato administrativo eoperacional dos empréstimos, poucos agricultores tinhamacesso ao crédito (portanto, poucos se apropriavam do sub-sídio), o que, sem dúvida, contribuiu para aumentar asdisparidades regionais e a concentração de renda no cam-po.

Com o recrudescimento do processo inflacionáriono final da década de 70, e que persistiu durante toda a dé-cada seguinte, os depósitos a vista tornaram-se cada vezmais escassos e esgotou-se a principal fonte de financia-mento subsidiado à produção. Com isso, o SNCR entrou emfase de turbulência e mudanças, observando-se a partir des-se período uma redução gradativa do volume de crédito ofi-cial e dos níveis de subsídios à produção agrícola.

A partir de 1990, com o agravamento da crise fiscaldo Estado brasileiro, a estrutura de financiamento daagricultura passou a sofrer transformações importantes, como estímulo ao autofinanciamento, e ao uso de fontesalternativas de crédito, ligadas ao setor privado.

Nesse ano o volume total financiado pelo SNCR caiupara US$ 8,4 bilhões, cerca de 38,9% a menos que no anoanterior. Nos anos seguintes, com exceção de 1994 (quandoo total financiado pelo sistema chegou a US$ 9,9 bilhões), atendência de queda continuou, tendo, em 1996, atingido ape-

Page 6: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

4 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

nas US$ 4,9 bilhões, o menor valor desde 1972.

A mudança na estrutura de aplicações, permitiu quea queda nos desembolsos oficiais não fosse acompanhadade quedas proporcionais na produção de grãos. Em 1996,por exemplo, quando apenas US$ 4,9 bilhões foram utiliza-dos para financiar a safra colhida em 1997(78,4 milhões detoneladas), essa cresceu 6,3% em relação à safra anterior.Com relação à produção de 1990 ( 56,5 milhões de tonela-das), que foi financiada com US$ 13,4 bilhões em 1989, asafra colhida em 1997 superou os 39%.

Para financiar a safra 1999/2000, estimada em 82,6milhões de toneladas de grãos, calcula-se que foram neces-sários RS 15,6 bilhões.

Tomando esse número como base, o volume neces-sário para financiar por exemplo uma produção de 93 mi-lhões de toneladas de grãos em 2000/2001 e 102 milhões em2001/2002, seriam necessários, R$ 17,6 bilhões em 2000 eR$ 19,3 bilhões em 2001.

Atualmente existem três grandes “constraints” àexpansão da escala de financiamento ao setor rural (tantodas fontes privadas como das oficiais) para atingir essasmetas acima: a) o endividamento do setor rural como umtodo; b)excesso de centralização dos financiamentos ruraisno Banco do Brasil e c)variância muito grande nos encar-gos financeiros do crédito rural.

O problema do endividamento talvez seja, de lon-ge, o mais sério, devido aos seus desdobramentos e às suasimplicações de curto e longo prazos. Estima-se que mais deR$ 17,3 bilhões do total de R$ 21,2 bilhões das principaisfontes oficiais potenciais do crédito rural (poupança rural,exigibilidades etc.) estejam engessados pelo programa derefinanciamento da dívida. Além disso, um largo segmentodo setor com elevado potencial produtivo em termos de es-trutura, conhecimento técnico e empresarial etc., está semcondições de acesso a novos financiamentos e, portanto, semcondições de operar com plena capacidade, de modo a aten-der um programa amplo de expansão da produção nos mol-des delineados pelo Governo, devido a problemas cadastraise a indisponibilidade de garantias para contrair novos em-préstimos.

Sinteticamente, pode-se dizer que o endividamentoé um “imbróglio” financeiro de difícil solução que está im-pedindo a agricultura brasileira de deslanchar e aproveitarde forma mais eficiente o seu amplo potencial produtivo etudo que isso representa em termos de agronegócio no con-texto internacional. E o pior é que, dentro do atual modelode renegociação, o impasse do “encontro de contas” nãofoi resolvido, o que certamente levará à situação anterior,na época dos vencimentos.

A exemplo de situações semelhantes observadas emoutros países, o tratamento do endividamento deixou de seruma questão meramente financeira, para tornar-se uma ques-tão política. Na verdade, o prejuízo econômico-financeiro

para o País, causado pela demora em se encontrar uma so-lução definitiva para o problema, talvez já extrapole em muitoo próprio valor total da dívida, pois a produção brasileirade grãos já poderia estar em patamares bem mais elevados.

Depois de alcançar 72,2 milhões de toneladas degrãos em 1989(onze anos atrás), logo nos anos seguintes aprodução caiu em função, largamente, de queda na área plan-tada, para a casa dos 50 milhões e 60 milhões. Somente apartir de 1994 ela voltou novamente para o patamar dos se-tenta milhões, onde permaneceu até a safra colhida em 1998(75,4 milhões de toneladas). A barreira dos oitenta milhõessó foi rompida na atual safra, cujas estimativas do IBGE in-dicam perto de 83 milhões.

Com isso o Brasil deixou, por exemplo, de aprovei-tar a conjuntura altamente favorável (que, por sinal, foi inte-gralmente aproveitada pelos EUA e Argentina) do mercadode commodities agrícolas, que vigorou em meados da déca-da de noventa e, de forma mais marcante, da própria deabertura do comércio mundial de produtos agrícolas obtidaapós a Rodada Uruguai. Entre 1993 e 1997 (anos em que oefeito sinérgico da Rodada foi mais notável), esse comérciocresceu US$ 126,6 bilhões. O Brasil contribuiu com US$ 9,3bilhões.

No momento em que os principais analistas do mer-cado de commodities apontam uma conjuntura bastante fa-vorável para os próximos anos, devido principalmente à rá-pida recuperação das economias do sudeste da Ásia, à situ-ação climática dos EUA e à entrada da China na OMC, oBrasil corre novamente o risco de não tirar maior proveitodevido aos entraves causados pelo endividamento.

Para reforçar a conotação política do processo,basta observar que o grosso da dívida é resultado de medi-das macroeconômicas tomadas fora do setor agrícola, comoa elevação significativa da taxa real de juros, como parteda estratégia de combate à inflação. Nas regiões mais dis-tantes, a situação foi agravada mais ainda pelo retirada dosubsídio ao transporte via política de preços mínimos.

Além disso, houve alguns anos em que um grandevolume de recursos foi colocado à disposição do setor ru-ral, o que de certa forma induziu os agricultores a aumentara escala de endividamento, apesar do juro real crescente(em 1989 ultrapassou 12% ao ano).

A partir de 1990, com a manutenção da política dejuros reais elevados e com as mudanças nos mecanismos deindexação das dívidas rurais adotadas no Plano Collor, osetor começou a entrar em ebulição até entrar em colapsoem 1995.

O colapso acabou trazendo à tona algumas “ma-zelas” do sistema como um todo, como o elevado grau deconcentração, o excesso de interferência política tanto narotina de concessão de alguns empréstimos como na pró-

Page 7: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 5

pria administração do crédito oficial (principalmente noque se refere à anistia de dívidas e prorrogações).

Existem várias propostas para a solução do pro-blema. A maioria defende descontos percentuais “flat” so-bre o total da dívida, sendo que a vertente mais radical de-fende anistia de 100%. O problema dessas propostas é quenenhuma mostra de forma consistente como chegar aospercentuais.

No atual contexto o importante é uma solução de“compromise”em que cada um dos participantes (Governo,agentes financeiros e produtores) contribuiria com uma par-cela de sacrifício, já que o importante é encontrar um meioque represente um rompimento definitivo com o passadoaltamente problemático de inflação elevada, de improvisosfinanceiros e de desarranjos macroeconômicos de diferen-tes naturezas, que estão em sua raiz.

Nos meios técnicos e acadêmicos circulam atual-mente três propostas, todas praticamente em processo degestação e, portanto, sem detalhamento operacional. O im-portante, todavia, é que todas apresentam um critério bási-co para solucionar o impasse do “encontro das contas” semcolocar toda a carga em cima do Tesouro, ou seja, sem aca-bar com a dívida, já que o sistema precisa, de alguma for-ma, ser realimentado. Sinteticamente, as propostas são asseguintes:

a) Transformação da dívida em dólar com basena taxa de câmbio vigente no dia da liberação decada parcela, acrescida dos juros internacionaise, posteriormente, parcelada. A grande vantagemé que seriam eliminadas todas as polêmicas comrelação ao valor real da dívida, já que aparafernália de índices, taxas, multas etc. que vi-goraram no período de superinflação impedemisso. A desvantagem seria o risco cambial.

b) Criação de um fundo formado de títulos públi-cos, que “compraria” dos agentes financeiros oestoque da dívida rural pelo seu valor de merca-do, ou seja, com uma taxa de desconto calculadaem cima dos prazos dos contratos. O “valor pre-sente”, que seria transferido para os bancos pelofundo, incluiria também um componente de mer-cado. Os produtores passariam a dever ao gover-no. A proposta também prevê que esse mecanismoseria apenas parte da transição para um novomodelo de crédito rural. A grande vantagem é queos produtores ficariam zerados e que os agentesfinanceiros limpariam suas respectivas carteiras.Em princípio, a principal desvantagem seria oexcessivo envolvimento do Governo (com os inte-resses políticos inerentes), na administração dofundo, e o próprio processo de definição do “va-lor presente”, que ao que tudo indica será o novoestoque da dívida.

c) Fixar o saldo devedor de cada mutuário combase no valor atual de mercado dos bens dados emgarantia. A principal vantagem é que além de re-solver o impasse do encontro de contas, se o mutu-ário não pagar a dívida, o agente financeiro vaireceber, de qualquer maneira, apenas o valor demercado do colateral, só que por meio de longa ecustosa disputa judicial. E, se o mutuário não acei-tar pagar o novo valor proposto, pelo menos teráo incentivo de limpar o seu cadastro, entregandode imediato a garantia ao agente financeiro, semas custosas demandas judiciais que envolvem osprocessos dessa natureza. A desvantagem é a defi-nição do valor de mercado dos bens, com os ban-cos tentando aumentar e os produtores diminuir,ao contrário do que normalmente acontece.

O segundo “constraint” refere-se ao virtual mo-nopólio que o Banco do Brasil exerce nas aplicações docrédito. Esse fato ocorre em função do pouco interesse queos bancos privados têm nos financiamentos agrícolas, devi-do ao elevado coeficiente de risco e aos altos custos admi-nistrativos envolvidos. Como qualquer esquema monopolistaisto tem implicações bastante negativas para o sistema, quevão desde o atendimento até as exigências absurdas decontrapartidas.

Embora sejam obrigados a aplicar no crédito ru-ral, os bancos privados têm sempre atuado como organis-mos periféricos, evitando na maioria das vezes atuar de for-ma mais dispersa e menos concentrada como a natureza daatividade agrícola exige.

Uma maneira de tornar o crédito agrícola maisatraente para esses bancos seria ampliar e fortalecer o pro-grama de seguro rural privado, com o Governo entrandocomo co-participante, para manter o valor do premium,compatível com a capacidade de pagamento dos produto-res. A cobertura dos principais riscos que afetam a ativida-de agrícola será, sem dúvida, o grande passo na direção doaumento no fluxo de recursos privados para o setor.

Com relação ao terceiro “constraint”, no seu atu-al formato o sistema de financiamento à agricultura tem uma“variância” muito grande nos custos financeiros ao produ-tor, com as taxas variando entre 8,75% no crédito oficial,mais 15% nas CPR do Banco do Brasil e mais de 24% naschamadas CPR “de gaveta”.

O racionamento do crédito oficial conjugado comos problemas cadastrais mencionados antes estão fazendocom que uma grande massa de produtores esteja cada vezmais dependentes das fontes privadas (empresas do“agribusiness”), que cobram as taxas mais elevadas do mer-cado, além de muitas vezes vincular o financiamento à com-pra de insumos, com preços administrados.

O grande desafio para o Governo é então reduzir

Page 8: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

a variância nos custos dos financiamentos à agricultura co-mercial, trazendo os juros de todo o sistema para um nívelmais próximo possível dos níveis do crédito oficial, tendoem vista que o sistema tem que operar basicamente com re-cursos do setor privado, já que a política governamental éde cada vez mais utilizar recursos oficiais apenas na agri-cultura “social” ou familiar e um juro de mais de 20% aoano inviabiliza totalmente a atividade agrícola. Os agricul-tores dos grandes blocos agrícolas mundiais pagam em tor-no de 4%.

Para que isso ocorra torna-se necessária umareformulação geral no sistema de apoio à agricultura, coma utilização de recursos oficiais, na alavancagem da CPR.A grande vantagem da CPR é que ela reúne dois instrumen-tos em sua operacionalização: fornece liquidez e um segurode preços. Com a CPR Financeira, o seguro de preços ficouainda mais amplo, pois o produtor não deixa de ganhar seos preços na época do vencimento estiverem acima dos con-tratados.

Portanto ao alavancar a CPR, o Governo podeabrir mão (ou reduzir significativamente o espetro) de ou-tros mecanismos de seguro de preços e concentrar o esforçofinanceiro na CPR e no Seguro Agrícola, para garantir aprodutividade.

Em princípio, uma sugestão seria o governo “atu-ar na margem” e lançar mão de um mecanismo que, semdúvida, teria um grande poder de alavancagem em termosda “atração” de recursos privados para financiar a agri-cultura via CPR: a criação de um “Bônus CPR” que serialeiloado em períodos e locais predeterminados, sendo ovencedor dos “lotes” oferecidos aquele que no intervalo de8,75% a 25%, por exemplo, oferecesse a menor taxa de ju-ros ao produtor e pagasse o maior preço pelo “bônus”. Ouseja, aquele que representasse o menor custo para o Gover-no e o menor juro ao produtor.

É evidente que na definição de suas taxas de equi-líbrio, as empresas irão distribuir no seu “spread” o “cus-

to” de todos os riscos inerentes. Em princípio esse “custo”seria em grande parte coberto pelo “bônus”, mas, na re-alidade, o seu impacto nas operações só poderá ser avali-ado, em termos de mercado, nos leilões.

Embora seja extremamente difícil estimar-se exa-tamente o poder de alavancagem do “Bônus CPR”, pode-sefazer alguns exercícios. Supondo, por exemplo, que a de-manda por crédito rural seja infinitamente elástica a umataxa, digamos de 10%, próxima da atual taxa de juros docrédito oficial(1) e que a necessidade total de crédito seja deR$ 20 bilhões, se o Governo desejar reduzir o juro médio de20% para 10%, cerca de R$ 1 bilhão em “bônus”alavancariam R$ 10 bilhões em recursos do setor privado.

É importante notar três pontos: a) essa relação po-deria ser bem menor em função da competitividade dos lei-lões; b) os desembolsos com o “bônus” cobririam tambémo custo do seguro de preço e c)não existiria mais a necessi-dade do crédito rural oficial para a agricultura comercialno desenho atual, pois os recursos oficiais seriam usadosapenas no sistema de transferências, via “bônus”, paraalavancar recursos privados para financiar totalmente osetor.

Os leilões dos “Bônus CPR” seriam feitos dentrodo mesmo universo e dentro dos mesmos parâmetros, emtermos produtos,volumes, prazos, administração de riscoetc. que regulam as emissões de CPR física. Ou seja, mesmocom a liquidação financeira, a CPR e, portanto, o “bônus”continuam vinculados à produção.

Paralelamente, o Governo continuaria a adotarmedidas para reduzir alguns custos administrativos, comoo custo de registro, simplificações burocráticas etc.

Carlos Nayro Coelho

Wilson Araújo

Secretaria de Política Agrícola

_________________________

(1) Trata-se de uma hipótese razoável porque o mercado estima que existem mais de R$ 5 bilhões de CPR “de gaveta” emitidas as taxas de até 28% ao ano.

6 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 9: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

O MERCOSUL E OS MERCADOSASIÁTICOS DE PRODUTOS

Pedro Tejo(1)

______________(1) Pesquisador da Unidade Agrícola da CEPAL.

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 7

1.Introdução

Existem muitas dúvidas no mun-do do “agribusiness” quando se diz queas economias do Mercosul estão irreme-diavelmente vinculadas aos mercadosdos países asiáticos. Essa questão podeser colocada nos seguintes termos:quaissão as possibilidades reais e potenciaisde complementaridade que têm nossosprodutos nestes mercados com a ofertainterna de cada um e com as preferênci-as de seus consumidores e que panora-ma internacional enfrentariam estes pro-dutos se decidíssemos no futuro ampli-ar estes mercados?

No transcurso das últimas dé-cadas, o MERCOSUL, e em particularo Brasil, alcançou uma posição pratica-mente inexistente no passado com pro-dutos agroflorestais nos mercados asiá-

ticos. A participação ainda não é signi-ficativa, mas o volume de compras des-ses produtos, realizado pelo países asi-áticos no mercado internacional indicamque o MERCOSUL e o Brasil têm gran-de um espaço para competir com o ou-tros fornecedores desses mercados, queem princípio parecem muito distantes.

Porém, alguns produtos têmperdido importância dentro do total dascompras realizadas pelos asiáticos. Domesmo modo existem produtos que se-guem uma trajetória muito ativa e as-cendente nesses mercados. É portantode importância estratégica ter com cla-reza o posicionamento que nossos pro-dutos nestes mercados.

Por outro lado, o cenário paraa agricultura, tanto em termos mundiaiscomo para o mercado o asiático, não

está isento de dificuldades. Predominaum protecionismo disfarçado, tornando-se portanto necessário dar passos parauma maior transparência, especialmen-te levando em conta os parcos resulta-dos alcançados pela Rodada do Milê-nio celebrada em Sattle.

Tudo indica que os diversosatores estão em um processo de ganhartempo dentro de uma trajetória a longoprazo que, inevitavelmente, vai condu-zir à globalização dos mercados. Forta-lecer nossa capacidade negociadora enossas alianças comerciais regionaiscom o resto do mundo são as conclu-sões mais evidentes que surgem quan-do se analisam esses temas.

2. Importância dos Merca-dos Asiá-ticos

Uma forma de melhorar o co-nhecimento dos mercados asiáticos everificar o papel que desempenhamnossos produtos agroflorestais é anali-sar as compras que os países dessa re-gião efetuam destes produtos nos mer-cados do mundo, e dentro das comprasqual é a participação do Mercosul. Essaé uma metodologia desenvolvida pelaCepal e que tem resultado em uma in-

Artigos de Política AgrícolaSEÇÃO II

Page 10: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

8 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

teressante alternativa aos propósitos deuma melhor identificação dos merca-dos asiáticos e do posição nelealcançada.

A primeira observação é quenosso comércio agroflorestais com essaregião não é substantivo. O Mercosulabastece não mais que 20% do total dasimportações realizadas pelos países asi-áticos.

Os quatro quintos restantes sãofornecidos por outros países. Em teo-ria, essa é a margem a ser disputada comos países que competem conosco, sequisermos ampliar nossa participação naÁsia.

Em outras palavras, isso signi-fica que existe um grande potencial paraaumentar a participação das exportaçõesagrícolas do Mercosul nesses merca-dos.

Todavia, nem todos os produ-tos que chegam a esse mercado têm asmesmas características. Existem produ-tos com mercados muito dinâmicos, nosentido que os países asiáticos têm au-mentado suas compras no exterior e nosquais, por sua vez, o Mercosul tem au-mentado a sua participação como ocor-re com frutas, legumes e carnes, entreos principais alimentos, e tabaco, ma-deiras e papel, entre os demais produ-tos agroindustriais.

Mas com outros produtos queigualmente estão aumentando sua par-ticipação nos mercados asiáticos, temosdiminuído nossa presença, como temocorrido com as exportações de lácte-os, com produtos para a alimentaçãoanimal e com as bebidas alcoólicas.

Por outro lado, existem pro-dutos que os mercados asiáticos estãoimportando menos. Nesses as vendas doMercosul estão diminuindo sua parti-cipação, como tem ocorrido com os ce-reais, açúcar, café, cacau, couros e azei-tes. Mas também há produtos, onde ape-sar da redução dos compras efetuadaspelos asiáticos, mantemos uma presen-ça crescente, como tem ocorrido com

as sementes oleaginosas, com as fibrastêxteis e com a polpa de papel.

Se buscarmos uma representa-ção que ordene essa informação, pode-mos construir uma matriz de quatroquadrantes diferenciados cada um emfunção do comportamento dinâmico ouestático do mercado em estudo, comoilustrado no quadro 1.

No primeiro quadrante estão in-

cluídos os produtos cujas vendas doMercosul estão crescendo, em merca-dos que são dinâmicos; isto é, onde ascompras asiáticas no exterior estão au-mentando. Podemos dizer que eles secomportam como estrelas nascentes. No2º quadrante aparecem os produtos cujasvendas estão diminuindo e quecorrespondem a produtos com os quaisestamos perdendo oportunidades. No 3ºquadrante estão os produtos que nosmercados asiáticos estão diminuindosua presença e dos quais, por sua vez,temos cada vez menos participação, istoé, produtos que são classificados comoem retrocesso. Finalmente, no quartoquadrante estão os produtos dos quais,apesar de estarem em retrocesso, oMercosul mantém uma presença cres-

cente. São produtos que se denominamestrelas minguantes.

3.O Brasil nos Mercados Asiáticos

As informações disponíveis per-mitem separar o Japão dos demais paí-ses asiáticos. Entre 1986 e 1996, o Bra-sil manteve um comércio relativamen-te dinâmico no mercado japonês e um

retrocesso nos outros mercados asiáti-cos.

As características já descritas re-fletem em termos gerais o que tem sidoo comércio do Brasil no mercado japo-nês. Seguindo os quadros 2 e 3, é pos-sível identificar e qualificar os produ-tos brasileiros que participam no comér-cio com o Japão, e representar o pesode cada um.

Os produtos mais dinâmicos (es-trelas nascentes) são os legumes, frutas,carnes e tabaco entre os agropecuáriose madeira e papel entre os florestais. Aparticipação do Brasil, neste caso, au-mentou de 0,8% para 1,6% das comprasque o Japão realizou nos mercados in-ternacionais. Eles foram muito dinâmi-

Quadro 1 MATRIZ DE COMPETITIVIDADE(Participação no Mercado Agropecuário)

ESTRELAMINGUANTE

ESTRELANASCENTE

RETROCESSOS OPORTUNIDADESPERDIDAS

(+)

(-)Produtos Estacionáriosno Mercado Asiático

Produtos Dinâmicos noMercado Asiático

Grau dePartici-

pação doMER-

COSULcom osPaíses

Asiáticos

Page 11: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Quadro 2BRASIL: PRODUTOS E COMÉRCIO COM O JAPÃO - 1986-1996

ESTRELAS MINGUANTES

Sementes oleaginosasPolpa de papel

Algodão e Fibras Têxteis

ESTRELAS NASCENTES

Carnes e PreparadosLegumes e Frutas

FumoMadeira Serrada

Madeira ElaboradaPapel e Pasta de Papel

RETROCESSO

Cereais e PreparadosAçúcar

Café e CacauAzeites oleaginosos

OPORTUNIDADES PERDIDAS

LácteosFarelo para animaisBebidas alcóolicas

Fonte: Unidad de Desarrollo Agrícola, CEPAL, Segundo dados de TadeCan. Eclac/World Bank 1999.

Quadro 3IMPORTÂNCIA DO BRASIL NO COMÉRCIO AGROPECUÁRIO COM O JAPÃO

ESTRELAS MINGUANTES

Participação do Brasil:1985: 3.3%1996: 6.9%

Contribuição para o Japão

1985: 2.9%1996: 1.9%

ESTRELAS NASCENTES

Participação do Brasil1985: 0.8%1996: 1.6%

Contribuição para o Japão

1985: 5.5%1996: 8.5%

RETROCESSOS

Participação do Brasil:1985: 4.3%1996: 2.8%

Contribuição para o Japão

1985: 5.2%1996: 3.3%

OPORTUNIDADES PERDIDAS

Participação do Brasil:1985: 1.3%1996: 0.7%

Contribuição para o Japão

1985: 3.9%1996: 5.7%

Fonte: Unidad de Desarrollo Agrícola, CEPAL, Segundo dados de TadeCan. Eclac/World Bank 1999.

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 9

Page 12: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Quadro 4O BRASIL NO COMÉRCIO AGROPECUÁRIO DOS DEMAIS PAÍSES ASIÁTICOS(a)ESTRELAS MINGUANTES

Cereais e PreparadosLegumes e Frutas

Café , CacauSementes Oleaginosas

Azeites OleaginososMadeira Serrada

ESTRELAS NASCENTES

ForragensPolpa de Papel

RETROCESSO

Carnes e PreparadosProdutos Lácteos

AçúcarFumo e Manufaturas

Algodão e FibrasManufaturados de caucho

OPORTUNIDADES PERDIDAS

Bebidas alcóolicasPapel, Pasta de Papel

(a): Hong Kong, Indonésia, Coréia, Filipinas, Singapura, China, Índia, Malásia e TailândiaFonte: Unidade de Desenvolvimento Agrícola, CEPAL, Segundo dados de TadeCan. Eclac/World Bank 1999.

Quadro 5IMPORTAÇÕES DO BRASIL PARA O COMÉRCIO AGROPECUÁRIO DOS

DEMAIS PAÍSES ASIÁTICOS (a)

ESTRELAS MINGUANTES

Participação do Brasil:1985: 2.0%1996: 3.8%

Contribuição para o Japão

1985: 5.2%1996: 2.9%

ESTRELAS NASCENTES

Participação do Brasil1985: 2.2%1996: 4.8%

Contribuição para o Japão

1985: 1.6%1996: 2.1%

RETROCESSOS

Participação do Brasil:1985: 2.7%1996: 2.3%

Contribuição para o Japão

1985: 4.4%1996: 2.7%

OPORTUNIDADES PERDIDAS

Participação do Brasil:1985: 1.3%1996: 0.7%

Contribuição para o Japão

1985: 2.0%1996: 2.3%

(a): Hong Kong, Indonésia, Coréia, Filipinas, Singapura, China, Índia, Malásia e TailândiaFonte: Unid. de Desenvolvimento Agrícola, CEPAL, Segundo dados de TadeCan. Eclac/World Bank 1999.

10 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 13: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 11

cos no sentido que representam 5,5%das importações totais do Japão e agorarepresentam 8,5% desse total. Nas opor-tunidades perdidas estão os produtoslácteos, forragem animal e bebidas al-coólicas cujas compras do Japão no Bra-sil diminuíram de 1,3% para 0,7%, ape-sar das compras japonesas desses pro-dutos nos mercados internacionais teremaumentado de 3,9% para 5,7%. Os pro-dutos em retrocesso estão no grupo doscereais, açúcar, café e cacau, e mais asoleaginosas, onde o Brasil, decresceude 4,3% para 2,8%.

Ao mesmo tempo, o Japão di-minuiu as compras desses produtos noexterior de 5,2% obtidos em anos an-teriores para 3,3% nos anos mais recen-tes. No grupo dos produtos em queda(estrelas minguantes), o Brasil segue au-mentando sua participação no mercadojaponês em produtos como sementesoleaginosas, algodão e fibras têxteis epolpa de papel, passando de 3,3% para6,9%, apesar de, no total das importa-ções do Japão, esses produtos terem di-minuído em importância, caindo de2,9% no passado para somente 1,9% naatualidade.

Considerando os demais paísesasiáticos, isto é, Hong Kong, Indonésia,Coréia, Filipina, Singapura, China, Ín-dia e Tailândia, as experiências bemsucedidas nas exportações do Brasil aesse mercados, foram limitadas duranteesses anos.

Efetivamente, os produtos di-nâmicos (estrelas nascentes) nesses mer-cados são muito poucos e se limitam àração animal e polpa de papel, que re-presentaram os 2,2% das importaçõesdesses produtos nos mercados asiáticosprocedentes do Brasil e, agora, repre-sentam 4,8%.

Esses mercados vêm ampliandoas importações desses produtos no totaldas compras externas, passando de 1,6%a 2,1%. As oportunidades perdidas nes-te caso se limitam às bebidas alcoóli-cas, ao papel e pasta de madeira, dado

que o Brasil participava com 1,3% dasimportações desses países e agora sóvende o equivalente a 0,6%, sendo quea participação desses produtos no totalde suas compras no exterior aumenta-vam de 2,0% para 2,2%.

No quadro de retrocesso, há umgrupo importante de produtos exporta-dos pelo Brasil para esses mercados.Entre eles estão carnes, produtos lácte-os, açúcar, tabaco, algodão e manufatu-rados de couro. Chegaram a significar2,7% das compras dos demais paísesasiáticos e diminuíram a 2,3%. Essascompras, dentro do total das importa-ções desses países, reduziram-se de4,4% a 2,7%.

A relação de produtos brasileiros diri-gidos a mercados em declínio (estrelasminguantes) é também numerosa. Es-tão nesta condição os cereais, legumese frutas, café, cacau, sementes oleagi-nosas, azeites e madeiras. O Brasil au-mentou sua presença nos últimos anosde 2% para 3,8% das importações asiá-ticas desses produtos. Por outro lado,esses países que chegaram a gastar comtais produtos o equivalente a 5,2% dototal de suas importações, na atualidadegastam somente 2,9%.

4. Condicionantes do Comércio

As oportunidades de comércionos mercados asiáticos não estão livresdas barreiras que afetam, na atualidade,o resto do mercado internacional de pro-dutos agropecuários.

Uma análise do estado atual dosmercados mundiais requer, antes demais nada, não esquecer a existência detemas de grande envergadura para ocomércio futuro, surgidos na Rodada doMilênio em Seattle,onde predominouum grau elevado de desacertos focadosoutra vez na agricultura, com as posi-ções divergentes dos Estados Unidos, daUnião Européia, do Grupo de Cairns edo Japão.

A idéia de multifuncionalidade,como também o protecionismo perver-so, e a importância do meio ambiente,

assim como a dos assuntos de trabalhosão os quatro temas mais críticos nosmercados agrícolas da atualidade.

Alguns membros da OMC têm postula-do a necessidade de que as políticas agrí-colas sejam consideradas como políti-cas multifuncionais, ou seja, que cum-pram outros propósitos, além dos eco-nômicos. Em tal postura estão a uniãoEuropéia, Suíça, Noruega, Japão eCoréia. Como exemplo, eles alegam queas políticas para o setor também estãoextremamente ligadas à preservação davida rural, ao bem-estar animal e à pai-sagem.

Por outro lado, a experiência, nos últi-mos anos, dos países em desenvolvimen-to revela que o instrumento mais prote-cionista e discriminatório aplicado nocomércio tem sido o uso abusivo dosdireitos antidumping. As autoridades depaíses como os Estados Unidos mani-festam sua cerrada oposição à conside-ração do tema.

Também ocorre que as fronteiras entreo sistema multilateral de comércio e osesforços para proteger a vida e saúdeanimal e vegetal não são claras, acirran-do as disputas em torno de um tema po-liticamente tão sensível como este. Porúltimo, em vários países, particularmen-te os industrializados, tem sido crescen-te a pressão política para incorporar àOMC obrigações sobre o cumprimentodas normas trabalhistas básicas da or-ganização Internacional do Trabalho(OIT). O sistema de solução de contro-vérsias da OMC é muito atrativo, poispermite a aplicação de sanções comer-ciais nos casos de não cumprimento dosfatos que são examinados nos “painéis”.Esta opção é combatida pela maioriados países, principalmente pelos paísesem desenvolvimento, que vêem nelauma nova desculpa protecionista de par-te dos países desenvolvidos. Osopositores consideram que se deve for-talecer a OIT e não atribuir à OMC ob-jetivos alheios ao comércio.

Uma segunda aproximação develevar em conta o estado do comércio emcinco aspectos, que na atualidade são

Page 14: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

12 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

centrais para as reais opções que podeter um país como o Brasil no comérciomundial. Esses aspectos, igualmentesujeitos a debate, como os anterioressão: a situação tarifária nos mercadosasiáticos, o panorama de ajuda internaao comércio, o nível de proteção, o ní-vel das barreiras técnicas e as condiçõesprevalecentes nas solicitações no siste-ma de solução de controvérsias.

Apesar da grande redução dasmesmas, os produtos agrícolas operamcom tarifas negociadas em relação a umamédia geral, que ainda são maiores nosprodutos elaborados com matéria-primaagropecuárias. Ou seja, são gravados deforma crescente à medida que aumentao valor agregado dos produtos.

Nos países desenvolvidos, osprodutos agropecuários são gravados aovalor de 3,5 vezes sobre o gravame queafeta o resto das importações dessespaises. E os produtos elaborados da agri-cultura têm escala de gravame de 3 ve-zes para os semi-elaborados, e 5 vezespara os produtos elaborados com rela-ção ao gravame que suportam os pro-dutos agropecuários não elaborados.Veja os quadros 6 e 7.

No tocante às medidas de aju-da interna, existe um conjunto de acor-dos sobre a agricultura na OMC que re-

gula a produção interna e a oferta ex-portável. Principalmente o Japão temadotado nas negociações sobre este temauma das posições mais conservadoras,sustentando que se deve manter semmodificações os ditos acordos e opon-do-se a sua revisão e atualização comosolicitam outros países asiáticos comoa Indonésia, Malásia, Filipinas eTailândia. Conservar os acordos signi-fica manter o conteúdo do que se deno-mina as caixas verde, azul e âmbar. Oacordo contempla formas permitidas deajuda que se traduzem em apoio, masfora do âmbito da produção, como, porexemplo, em infra-estrutura, informa-ções e desenvolvimento rural (caixaverde).

Também os pagamentos a pro-dutores no âmbito da pequena e médiaempresas, para o desenvolvimento ru-ral, para tecnologia de proteção do meioambiente, pagamentos diretos aos pro-dutores destinados a reduzir a produçãoe os subsídios para a redução de culti-vos ilegais (caixa azul). Esses apoios quecontemplam o acordo seriam válidosnos países se operarem em contexto glo-bal e definidos na políticamacroeconômica, que inclui revisão deaspectos como as taxas de interesse pre-ferencial que tem predominado na agri-cultura ou nos mecanismos de subsídi-os gerais dirigidos ao setor (caixaâmbar).

As medidas de proteção ao co-mércio (anti-dumping, salvaguardas,direitos compensatórios) se aplicam aossetores mais tradicionais das economi-as e afetam majoritariamente os paísesem desenvolvimento. Os países maisativos na aplicação de medidasantidumping são os Estados Unidos, aUnião Européia, Austrália e Canadá.Cabe assinalar, sem embargo, que a agri-cultura tem sido o setor menos afetado.Na aplicação de salvaguardas os produ-tos da agricultura mais expostos têmsido os alimentos e, em particular, ascarnes. Os países mais ativos têm sidoos Estados Unidos, Índia e Coréia. Nosdireitos compensatórios nas linhastarifárias vale ressaltar que o Japão éum dos países que mais freqüentemente

recorrem a este tipo de mecanismo.Nas barreiras técnicas, a sua

aplicação tornou-se uma discrepânciapara os países em desenvolvimento de-vido à grande facilidade com que ospaíses de destino de suas exportaçõesas utilizam. A falta de definição no âm-bito multilateral gera grandes compli-cações na certificação dos produtoscomo, por exemplo, dos controles dequalidade, sujeitos às divergências quesurgem entre os padrões obrigatórios evoluntários. Só se conta com uma regu-lamentação mais completa das medidassanitárias e fitossanitárias, pois existemnessa área medidas baseadas em princí-pios mais técnicos e o compromisso daaplicação das normas internacionais(Codex Alimentarius).

O sistema de solução de con-trovérsia, nem sempre vem sendo bemconsiderado e aceito pelos países me-nos desenvolvidos, de vez que geral-mente as consultas se transformam, nofinal, em mais uma desvantagem paraestes no momento em que as reclama-ções contra os países desenvolvidosatravessam esse mecanismo.

O Quadro 8 apresenta uma re-lação dos países que lançaram mão des-se mecanismo. A maioria das reclama-ções são provenientes de países desen-volvidos, e a agricultura é o setor maisatingido.

Quadro 6 Tarifas Segundo Tipos de Produtos

TarifasSim-ples

Tarifaspara

produtosAgrícolas

Estados Unidos 3.9% 10.7%Japão 4.7% 26.0%União Européia 7.2% 20.8%

Fonte: Staff paper TPRD-98-02 OMC maio 1998.

Quadro 7 JAPÃO Escala Tarifária para Produtos da Agropecuária e da Pesca

Produtos PrimáriosAgropecuários 12.2%Silvicultura 3.3%Pesca 5.8%Produtos AgroindustriaisPrimeira fase de elaboração 35.0%Produtos Acabados 64.5%Fonte:OMC.

Quadro 8 Consultas ao Órgão de Soluções e Controvérsias da Rodada Uruguaia, 1995-Julho de 1999

PaísesMaisRecorrentes

Núme-ro decasos

Temasconsiderados

Núme-ro decasos

EstadosUnidos

32 Agricultura 21

Canadá 6 Têxteis 10UniãoEuropéia

29 Serviços 4

Japão 7 Indústriaautomotiva

6

Coréia 7 Subsídios/Dumping

32

India 8 Propriedadeintelectual

16

Austrália 5 BarreiraTécnica

9

Argentina 8 Salvaguardas 5Brasil 6 Outros 31México 3Outros 23

Page 15: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

BIBLIOGRAFIA

Banco Mundial/CEPALCEPAL

Análises de Competitividade dos países, TradeCan, 1999.Panorama de la inserción Internacional de América Latina y el Caribe, LC/G.2038-P,1998El Desafio de las Nuevas Negociaciones Comerciales Multilaterales para América Latina u elCaribe, División de Comercio Internacional y Financiamiento, 1998

Fukasaku, Kuchiro Economic Regionalization and Intra-industry Trade: Pacific-Asian Perspectives, Paris,OCDE,1992.

Kawayama, Mikio Perspectivas del Comercio entre América Latina y Asia y el Pacífico, Cepal, LC/L. 1082,1998

OMC Informe Anual, Ginebra, 1996, 1997 y 1998

Tradução deCarlos Nayro Coelho e Elisabeth AlvesSecretaria de Política Agrícola

Revista de Política Agrícola - Ano VIII - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 13

Page 16: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

“NOVAS ESTRATÉGIAS OMPETITIVASPARA O SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO: O

CASO DE ALAGOAS”

____________________________(1) PhD em Economia pela Universidade de Missouri-Columbia(EUA) e Pesquisador da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e do

1. Introdução

Este artigo pretende analisar astransformações recentes do setor sucro-alcooleiro de Alagoas que, estruturadono período colonial, atravessou os anosdo Império e da República sob um mo-delo fortemente amparado pelo Estado,transformando-se, desde os anos 80, nosegundo maior produtor e exportadornacional de açúcar e, até 1992, de álco-ol. O novo ambiente institucional cria-do a partir de 1990 com a extinção doInstituto do Açúcar e do Álcool/IAA, adesativação do Proálcool e doPlanalsucar e a subseqüentedesregulamentação setorial, obrigou aagroindústria sucro-alcooleira a adotarnovas estratégias, diferentes das queeram praticadas no período de regulaçãoestatal.

Defendemos, neste trabalho,que a partir de 1990 deu-se início a umprocesso de restruturação produtiva queatingiu em cheio as 27 usinas e 33 desti-larias então existentes no estado, e que,nesse período, empregavam mais de 100mil trabalhadores e representavam aprincipal atividade agro-industrial de 57dos 102 municípios alagoanos. Esse pro-cesso levou à desativação das indústriasmenos competitivas e à concentração daprodução de cana, álcool e açúcar nasmãos de um conjunto reduzido de gru-pos empresariais, conjunto que levouadiante o processo de modernizaçãosetorial. A mudança de perfil daagroindústria sucro-alcooleira, por umlado, está capacitando o setor para en-frentar o novo ambiente de adversida-

des, mas, por outro, exige o afastamen-to dos fornecedores e usineiros menoscompetitivos e a eliminação de muitospostos de trabalho, tanto na área agrí-cola como industrial. Ainda assim, esteperíodo de reestruturação não configu-ra uma situação de crise econômico-fi-nanceira do setor. Este artigo, que busca analisaras razões e as conseqüências destareestruturação, está composto, em pri-meiro lugar, por exposições breves domodelo colonial e da passagem do en-genho para a moderna usina. A essaretrospectiva histórica segue-se umaanálise da intervenção estatal, por meiodo IAA e do papel desempenhado peloProálcool na região e, por fim, o estudodo período pós-Proálcool e pós-IAAonde, ao constatar e caracterizar o perí-odo de reestruturação produtiva queocorre até hoje, identificam-se e des-crevem-se, à luz de uma perspectiva deanálise econômica, as modernas estra-tégias competitivas das empresas dosetor sucro-alcooleiro alagoano. Asconsiderações finais, sem caráter con-clusivo, buscam registrar que, apesar daadoção dessas modernas estratégias, osetor ainda não incorporou as necessá-rias transformações ambientais e soci-ais capazes de colocá-lo em condiçõesfavoráveis na disputa com as regiõesdesenvolvidas do Sudeste brasileiro.

2. O Passado Distante

‘Para os economistas e soció-logos, tratar da agroindústria canavieirafoi sempre uma tarefa tensa pela impor-

tância deste complexo na história denossa sociedade e por sua continuada in-fluência nos destinos do Estado. Umapresença tão forte que cunhou o“slogan” “Alagoas, terra para açúcar”(LOUREIRO, 1970). A explicação paraesse fenômeno é simples. O povoamentode Alagoas foi determinado pelos en-genhos de açúcar que, junto às fazen-das de criação de gado, formaram umasociedade profundamentehierarquizada. O aproveitamento, des-de o século XVI, dos férteis massapêspara o cultivo da cana-de-açúcar,complementada pela pecuária extensi-va nas áreas menos produtivas, moldoua economia alagoana, influenciou suapolítica e soldou os principais traços desua sociedade (DIÉGUES JR., 1980). A economia colonial encon-trou no Nordeste, por suas condiçõesedafoclimáticas e sua proximidade como principal centro consumidor, o mer-cado europeu, a área de expansão idealpara esta empresa agro-industrial. A for-mação econômico-social que produziao açúcar para exportação só pode sercompreendida na empresa colonial, re-presentada pela economia nordestinaentre os séculos XVI e XVIII. A canafoi a primeira cultura comercial do Bra-sil e, na sua época, o engenho era omaior e mais complexo empreendimen-to econômico existente no mundo, e oaçúcar era, desde o final do século XVI,o produto de maior valor no comérciomundial. A produção rotineira da econo-mia colonial, concentrada basicamenteno Nordeste, estava baseada no baixocusto da mão-de-obra escrava, na abun-dância de terras que gerava os latifún-dios e na exportação de uma única mer-cadoria. Esta combinação estimulavauma atitude conservadora que não ofe-recia as condições para que, no campoestritamente empresarial, as inovaçõestecnológicas e os novos métodos de pro-dução fossem incorporados e, para quena área social, acontecessem as mudan-ças em direção a uma melhoria da qua-lidade de vida da população. Para Celso Furtado, nos trêsprimeiros séculos de formação da eco-nomia brasileira, a produção de açúcarteve sempre a marca do crescimentoextensivo “mediante a incorporação de

Cícero Péricles de Carvalho(1)

14 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 17: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

terra e mão-de-obra, não implicando

modificações estruturais que repercutis-sem nos custos de produção e portantona produtividade” (FURTADO,1998:61). A área plantada alastrava-sehorizontalmente, sem introduzir outravariedade que não a cana crioula trazidapara os primeiros engenhos nosprimórdios da colonização e, na parteindustrial, a produção crescia de formaextensiva pelo aumento de unidades fa-bris – os bangüês – que utilizavam asmesmas tecnologias e elaboravam o açú-car ou mel de baixa qualidade.

No mesmo período, a produ-ção de açúcar das Antilhas, introduzidano Caribe pelos holandeses que haviamsido expulsos do Nordeste no séculoXVII, sofria um processo de moderni-zação com a introdução de novas varie-dades vegetais, nova maquinaria indus-trial, novos métodos de produção, apro-veitamento do bagaço para produção deenergia, além da criação de novos pro-dutos (o rum, por exemplo), gerando umdiferencial de qualidade e preço que per-mitiu à região caribenha suplantar a pro-dução nordestina. No Brasil, o proces-so rotineiro, mesmo perdendo espaçospara o produto elaborado nas colôniaseuropéias do Caribe, resistia à introdu-ção das inovações capazes de superarsua forma atrasada de produzir o açú-car.

O ritmo de modernização eratão lento que uma nova variedade im-portante de cana-de-açúcar - a caiana -chegou quase três séculos depois de ini-ciado o ciclo do açúcar. O engenho avapor, a adoção do arado, a ‘clarifica-ção’ do açúcar, as novas máquinas, osnovos processos de produção e as no-vas relações de trabalho chegaram bemdepois. A queima do bagaço para mo-vimentar as caldeiras é de introduçãoainda mais recente. O transporte do açú-car era feito em barcaças aproveitandoos trechos dos rios navegáveis perto dolitoral e nas águas das lagoas Manguabae Mundaú. As estradas eram simplesveredas por onde passavam os animaisque serviam de meio de transporte.

As usinas instaladas emAlagoas a partir do final do século pas-sado levaram trinta anos para ultrapas-sar, em quantidade, a produção de açú-car dos velhos bangüês. Em 1922, anoem que é superada a produção dos en-genhos bangüês, o rendimento agrícolaera de somente 20 toneladas de cana porhectare. Não existiam tratores e não se

fazia a seleção de variedades. Inexistiama adubação e a irrigação por gravidadeou aspersão que somente surgem na se-gunda metade da década seguinte (AZE-VEDO, 1982). Essa lentidão, a incapa-cidade de reagir com velocidade para asolução dos problemas, é uma marca daagroindústria canavieira nordestina que,em muitas unidades, se mantém nos diasde hoje.

3. Do Bangüê à Usina

A produção de açúcar no Nor-deste surgiu por uma decisão do Estadoportuguês, centro do poder político co-lonial, que estabelecia as regras básicas,doava terras, controlava as exportações,estimulava o tráfico negreiro e manti-nha a escravidão. A Metrópole proibiatodas as atividades que concorressemcom a produção do açúcar, em sintoniae estreita colaboração com os senhoresde engenho e os comerciantes instala-dos nas cidades do litoral. A Indepen-dência do Brasil, a Abolição da Escra-vidão e a Proclamação da República nãoalteraram os laços que uniam a repre-sentação política do complexo do açú-car e o Estado, desde a era escravista,na Colônia e no Império.

Em Alagoas, no período colo-nial, o número de bangüês e a área plan-tada com cana-de-açúcar crescem exten-sivamente. Em 1590 já existiam algunsengenhos, número que aumentou paradez em 1630, quarenta em 1700, centoe oitenta em 1800 e quase um milharem 1930. A cana instala-se, inicialmen-te, no litoral norte próximo a Porto Cal-vo e Camaragibe e vai ocupando terras,na sua marcha lenta rumo ao Sul deAlagoas, passando pelos vales úmidosdos rios Manguaba, Camaragibe, SantoAntônio, Mundaú, Paraíba, São Miguele Coruripe, nas áreas que antes estavamcobertas pela Mata Atlântica, perto dolitoral, reduzindo o tempo e os custosde transporte (ANDRADE, 1997).

Com o nome de Brasileiro, em1892, é inaugurada a primeira usina deAlagoas. Seguem-lhe Central Leão, Ser-ra Grande e Cansanção Sinimbu, em1894. Em 1902, serão seis unidades in-dustriais: Apolinário, Brasileiro, Leão,Serra Grande, Sinimbu e Uruba. Foramestas usinas que tomaram as primeirasiniciativas de modernização da produ-ção açucareira. Em 1908, a Sinimbu in-troduziu a análise química do solo e a

adubação verde. Em 1925, a CentralLeão foi a primeira usina brasileira a sereletrificada e, pouco depois, a SerraGrande inovou com a fertirrigação e airrigação por aspersão (LOUREIRO,1970).

A usina substituiu o projeto doengenho central e superou a produçãodos bangüês a partir da safra de 1922/23. Por ter mais capital e maiores con-dições de incorporar os avançostecnológicos, oferecia maior rendimen-to industrial e capacidade para introdu-zir algumas inovações como a irrigação,seleção de mudas e novos processos detrabalho. Esse progresso tecnológico semanifestava: “a) na qualidade do açú-car, com o surgimento dos tiposcentrifugados; b) na produtividade in-dustrial, com maior percentagem de ex-tração do açúcar contido na cana, e c)no tamanho das unidades industriais,com fábricas de capacidade dezenas devezes maior do que os antigos engenhosou bangüês” (MELO, 1975:40).

4. A Intervenção do Estado: o IAA

A intervenção estatal dá, em1933, um salto de qualidade com a cri-ação do Instituto do Açúcar e do Álco-ol/IAA a partir da Comissão de Defesada Produção Açucareira, criada em 1931pelo governo federal com a missão de,por um lado, mediar os conflitos de in-teresses entre o Sudeste e Nordeste e,por outro, regular as relações entre pro-dutores de cana e usineiros. Dentro danova lógica intervencionista, responden-do também à crise mundial e nacionalde superprodução, essa autarquia esta-belece quotas de produção por estado,por usina e por fornecedor, define re-gras para exportação e administra ospreços para o açúcar. A partir de então“eliminou-se praticamente o risco de seproduzir cana e açúcar no Brasil e, con-seqüentemente, reforçou-se a caracterís-tica estrutural da integração dessas ati-vidades. Junto com o risco, eliminaram-se os mecanismos inerentes à concor-rência intercapitalista, um elemento fun-damental na dinâmica econômica do sis-tema” (RAMOS, 1999:185-86).

É a afirmação do modelointervencionista, no qual o Estado au-xilia na solução dos problemas econô-micos, ficando o processo produtivo ain-da mais determinado pelo protecionis-mo da instituição governamental. Atra

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 15

Page 18: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

vés do IAA, ele exercia influência so-bre o mercado interno, fixando preços emonopolizando as compras. Regula-mentava, também, o transporte, o ma-nuseio e a armazenagem do açúcar(REZENDE, 1993).

A presença do Estado é abso-luta. A reserva de mercado e a comprada safra garantiam a própria produção.A fixação de preço para a cana, álcool eaçúcar garante a margem de lucro. Aconcessão de subsídios, especialmentena sua forma creditícia, viabiliza a pro-dução por meio do mecanismo daequalização de custos em que, a dife-rença de custo entre os produtores doNordeste e do Centro-Sul seria cobertapelos subsídios originários da contribui-ção sobre a produção nacional de açú-car, transferidos pelo governo com oobjetivo de proteger as regiões potenci-almente menos competitivas, como anordestina.

A intervenção governamental,no período de existência do IAA, podeser dividida em duas etapas distintascorrespondentes ao desempenho do se-tor sucro-alcooleiro: 1) entre 1933 e1960 é o período de crescimento regu-lar, representado pelo processo deinstitucionalização setorial, quando secriam os mecanismos de regulação e dedefesa permanente como os Planos Anu-ais de Defesa de Safra sem, no entanto,dinamizar a expansão da produção atra-vés de mecanismos de financiamentodireto e, 2) entre 1960 e 1990 é a fasede crescimento acelerado, quando ocor-

re o processo de modernização agríco-la-industrial induzido pelo Estado.

5. O Programa Nacional do Álcool/Proálcool.

Até 1975, quase não se moíacana diretamente para a produção deálcool que era elaborado nas destilariasanexas de forma secundária neste com-plexo agroindustrial. Muitas vezes erapreferível produzir melaço ecomercializá-lo, em vez de produzir ál-cool. A importância do etanol nesta ca-deia produtiva cresce com o ProgramaNacional do Álcool/Proálcool, que lhegarante preço e mercado. O Proálcoolsurge, para a economia nacional, comouma alternativa energética aos deriva-dos de petróleo e, no plano setorial,como uma alternativa para os empresá-rios que haviam aumentado as unidadesprodutivas, estimulados que foram pe-los programas federais entre 1970/75,para vender açúcar no mercado inter-nacional.

O Programa teve três períodosclaros: 1) a expansão moderada (1975-79), no qual, através do financiamentoda montagem e ampliação das destilari-as anexas às usinas existentes, aumen-taram significativamente a área tradici-onal de açúcar e a destilação de álcoolanidro para ser misturado com a gasoli-na; 2) a expansão acelerada (1980-85),no qual aumentou-se a produção de ál-cool hidratado, para uso em motores aálcool, baseando-se na montagem de

destilarias autônomas localizadas nasnovas plantações de cana, em regiõesanteriormente ocupadas por outras cul-turas e, 3) a desaceleração e crise (1986-90).

O financiamento, a garantia depreços e a compra da produção ajuda-ram a concentrar a produção nos gru-pos maiores através das destilarias ane-xas, estimulando, também, a construçãode unidades com capacidade real acimada declarada, para depois conseguir aaprovação do aumento das quotas deprodução. Em termos relativos, Alagoasfoi um dos estados que mais se benefi-ciou com o Proálcool, recebendo 7% dosprojetos aprovados e 8.1% dos recursosdestinados ao programa. Entre os anos1975 e 1990, o setor alcooleiro alagoanoampliou sua capacidade produtiva pormeio de 20 novas destilarias anexas e 9autônomas, multiplicou a produção deálcool em 25 vezes e quase duplicou suaprodução de açúcar e, para tudo isto,triplicou sua área plantada com cana-de-açúcar. O GRÁFICO 1 mostra o notá-vel crescimento que foi possível graçasàs amplas subvenções governamentais,numa transferência de recursos públi-cos para o setor privado alagoano naordem de, aproximadamente, 700 mi-lhões de dólares (SHIKIDA, 1997).

Gráfico 1

ALAGOAS: PERÍODOS DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO DE ÁLCOOL. 1975-98 (EM 1000M3)

FONTE: Sindicato do Açúcar

0100

200

300

400500

600

700800

900

1000

75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98

moderado acelerado des acelerado

16 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 19: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

6. A Desregulamentação

A desregulamentação do setorsucro-alcooleiro, ainda que mantendoantigas práticas, como a fixação de quo-tas e planejamento de safras, tornou li-vres os preços do açúcar cristal, do ál-cool e da cana, liberalizou o mercadonacional eliminando a reserva de mer-cado para o açúcar no Nordeste, até en-tão monopolizado pelos produtores re-gionais e privatizou as exportações, quepassaram a ser feitas diretamente pelasusinas ou por tradings, colocando osprincipais e assimétricos centros produ-tores de açúcar em pé de igualdade for-mal na disputa pelos mercados nordes-tino e externo. O resultado está regis-trado na tabela abaixo: enquanto o Bra-sil aumentou sua produção e suas ex-portações de açúcar e São Paulo acom-panhou este crescimento de forma di-nâmica na produção e agressiva nas ex-portações, Alagoas e Pernambuco foramperdendo espaço.

Esse quadro é uma conseqüên-cia lógica do novo ambienteinstitucional derivado da postura ado-tada pelo governo federal. O açúcarsempre foi o mais regulamentado pro-duto brasileiro e o setor açucareiro es-teve sempre sob controle de uma redede instituições e normas estatais(REZENDE, 1993). Desenvolvido sobo guarda-chuva estatal, o setor sucro-alcooleiro nordestino não estava prepa-rado para enfrentar a produção paulista,depois do “choque de capitalismo” de-sencadeado a partir de 1990.

Neste período, o setor sucro-alcooleiro alagoano tinha as mesmas ca-racterísticas do complexo canavieirobrasileiro: “produção agrícola e fabrilsob controle dos mesmos agentes soci-ais (os usineiros); heterogeneidade pro-dutiva, especialmente na atividade fa-bril; baixo aproveitamento desubprodutos; competitividade funda-mentada em grande medida nos baixossalários da economia brasileira e expan-são assentada nas incorporações exten-sivas de novas terras”(RAMOS,1999b:10).

Movendo-se num novo ambi-ente institucional marcado peladesregulamentação estatal, com gravesproblemas de endividamento ecompetitividade, com uma média derendimento industrial menor que a deSão Paulo e com a média de produtivi-dade agrícola significativamente mais

baixa que a do Centro-Sul, o setor sucro-alcooleiro nordestino passou a enfren-tar uma situação nova. Esse novo mo-delo adotado é o responsável maior peloprocesso de reestruturação produtivaque ora acontece no complexo sucro-alcooleiro alagoano, com a desativaçãode algumas usinas e destilarias e a con-centração da produção nas mãos de umgrupo menor de unidades industriais.

Nesta etapa de competiçãoaberta, a produção no Sudeste conta comas condições edafoclimáticas favorá-veis: solos férteis e planos, clima propí-cio, maior produtividade industrial eagrícola, proximidade com o mercadoconsumidor nacional, manutenção dapesquisa agronômica por meio dos tra-balhos intensos de pesquisa e assistên-cia técnica prestados pelas cooperativas,com destaque para o Centro deTecnologia da Copersucar emPiracicaba, contando com 600 profissi-onais e um orçamento anual de R$ 35milhões, injetados por 35 empresassucro-alcooleiras paulistas associadas.

O Nordeste, por seu lado, con-ta com a seca intermitente e grandes áre-as que foram ocupadas sem levar emconta as aptidões agrícolas dos solospouco propícios ao cultivo da cana-de-açúcar, áreas com declive acima de 15%e, portanto, com baixos índices de me-canização. Desvantagens comparativasque foram deslocando sua produçãopara a posição atual.

Particularmente, o setor açuca-reiro alagoano, sem o suporte da estru-tura de pesquisa agronômica da magni-tude do Planalsucar, contrasta e perdeespaço para a produção do Sudeste. Aausência deste aparato de pesquisa afe-ta, principalmente, o desempenho dosfornecedores, uma vez que os usineiros,de alguma forma, conseguem importarvariedades dos centros de pesquisapaulistas ou utilizar as variedades pro-duzidas ou melhoradas em Alagoas. AAssociação dos Plantadores de Cana/Asplana, o único centro de extensão eapoio técnico aos fornecedores de cana,encontra-se em franca decadência, man-tendo a dura penas as suas duas peque-nas estações de multiplicação de varie-dades, uma em Maceió (Ipioca) e outraem Anadia. O Núcleo de Adaptação eTransferência de Tecnologia/NATT, ór-gão da Cooperativa dos Usineiros, vemsendo, progressivamente, desativado.

Situação um pouco diferentevive a antiga Estação Experimental de

Cana-de-açúcar de Alagoas que, com aextinção do Planalsucar, foi incorpora-da pelo Centro de Ciências Agrárias daUniversidade Federal de Alagoas/UFAL, que participa da RedeInterinstitucional de Desenvolvimentodo Setor Sucroalcooleiro/RIDESA emconjunto com outras seis universidadesfederais: de Pernambuco, São Carlos-SP, Paraná, Rural do Rio de Janeiro,Viçosa/MG e Sergipe. A rede, apesardas muitas limitações financeiras, desen-volve o Programa de MelhoramentoGenético da Cana-de-Açúcar emAlagoas com o apoio do Sindicato doAçúcar e outras empresas do setor sucro-alcooleiro, mantendo subestações nasusinas Caeté, Coruripe, Santo Antônio,Santa Clotilde e Serra Grande.

A extinção do IAA, adesregulamentação do setor sucro-alcooleiro e a desativação do Proálcoolcoincidem com a desilusão das possibi-lidades de demanda a partir do PoloCloroalcoolquímico de Alagoas/PCA. Aperspectiva de que o PCA absorveriaparte considerável do álcool alagoanopara a produção do eteno esvaiu-se coma construção de um etenoduto ligandoCamaçari, na Bahia, à empresa Salgema(hoje Trikem) em Maceió, em 1990, e,por outro lado, esvaiu-se também a pers-pectiva de utilização do bagaço da cana-de-açúcar na produção de energia paramovimentar as indústrias do Pólo Quí-mico, tanto pela não implantação dosprojetos industriais anunciados comopela concorrência de um insumoenergético mais barato que o bagaço: ogás do vizinho município de Pilar.

No período de crescimentoacelerado, as já estreitas relações da re-presentação política da agroindústriacanavieira com o governo federal foramainda mais aprofundadas no âmbito es-tadual. Nas suas relações com a admi-nistração pública alagoana, o setorsucro-alcooleiro teve o apoio político nointerior do aparelho de Estado, ondesempre foi um dos segmentos mais bemrepresentados, ao lado dos pecuaristasinterioranos. O setor público de Alagoasatendia prioritariamente às demandas docomplexo açucareiro, dirigindo grandeparte de seus investimentos para a zonado açúcar e, desde os anos cinqüenta atéos anos setenta, implantou uma malhaviária pavimentada para atender a todasas unidades industriais, resolvendo umantigo problema logístico, ao tempo emque colocava energia elétrica nestas fá

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 17

Page 20: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

bricas.Com a desaceleração do

Proálcool a partir de 1986 e a crescente

dificuldade de apoio e financiamento, osetor açucareiro alagoano foi buscaruma compensação na estrutura do Esta-do, com o intuito de complementar osmecanismos paternalistas de que dispu-nha no plano federal.

Com isto, o setor sucro-alcoleiro transformou-se no elementoprincipal da crise alagoana e o respon-sável pela desorganização do Estado. Acompanhia estadual de eletricidade,CEAL, passou a sofrer com ainadimplência do setor que atingia, em1996, R$ 40 milhões. O banco estadu-al, Produban, não recebeu dos empre-sários do açúcar, uma soma calculadaem torno de R$ 76 milhões de emprés-timos vencidos e, para cúmulo, um acor-do fiscal assinado em 1989 entre o Go-verno do Estado e as indústrias do açú-car transferiu para estas últimas, duran-te os oito anos em que durou o acordo,aproximadamente 800 milhões de reais,segundo cálculos da Secretaria da Fa-zenda (LIMA, 1998). O GRÁFICO 2mostra que, com a perda de seu princi-pal contribuinte, rapidamente o Estadode Alagoas esgotou suas possibilidadesde apoio e um novo cenário surgiu anteeste setor agro-industrial. A partir de1996, o Estado de Alagoas entra embancarrota, fechando-se, assim, a segun-da porta onde o setor sucro-alcooleiro

havia ido buscar protecionismo estatal.Essa relação de claro

favorecimento estatal combinava com

o discurso reivindicatório bem articula-do dos plantadores e industriais, orga-nizados na Asplana, Sindicato da Indús-tria do Açúcar, Cooperativa dosUsineiros e Assucal, publicado, semcontestação, nos jornais de Maceió ereproduzido por parlamentares estadu-ais e federais que, invariavelmente, de-fendiam mais recursos e atenção paraestes problemas, em nome do “setor quemais emprega e cria riquezas para o Es-tado”. O complexo sucro-alcooleiro é,desde sempre, no plano regional, o se-tor econômico mais articulado politica-mente, e são antigos os vínculos entreas estruturas do estado em Alagoas e arepresentação política do açúcar. Foiesta relação diferenciada com o setor pú-blico que gerou uma capacidade deendividamento muito acima da realida-de financeira e econômica de suas em-presas.

O GRÁFICO 3 mostra queapesar de todos estes fenômenos adver-sos – extinção do IAA e do Planalsucar,desregulamentação do setor,desativação do Próalcool, bancarrota doEstado de Alagoas e o fechamento dealgumas usinas e destilarias– não hou-ve diminuição no nível de crescimento

e de expansão da agroindústria sucro-alcooleira estadual, conforme demons-tram os resultados das safras na década

de noventa.Esta expansão, no entanto, não

se dá de forma homogênea entre as

empresas. Algumas unidades se capa-citaram e seguem na produção, outras,menos competitivas, foramdesativadas. Para analisar o períodopós-Proálcool, e estudar a evolução daprodução de cada uma das usinas e des-tilarias alagoanas entre os anos 1975 e1999, dividimos as empresas produto-ras de álcool e açúcar em dois gruposdiferenciados: 1) segundo a capacida-de de adaptação às mudanças do ambi-ente e, 2) o volume da produção nestemesmo período.

No setor açucareiro, optamospela classificação, a grosso modo, emdois blocos: o Grupo I, composto pe-las 16 usinas que têm adotado as mo-dernas estratégias competitivas de di-ferenciação de produtos, de diversifi-cação produtiva e aumento da especia-lização na produção de álcool e açúcare, nos últimos cinco anos, produziramregularmente mais de um milhão desacos de açúcar e o Grupo II, formadopelas empresas que não tiveram estaperformance. Em relação às destilari-as, a divisão em dois blocos seguiu osseguintes critérios: Grupo I, com as des-tilarias que se mantiveram produzindoregularmente nos cinco últimos anos eGrupo II com as destilarias criadas des-de o Proálcool, mas que foramdesativadas ou fechadas neste mesmo

Gráfico 2ALAGOAS: PARTICIPAÇÃO DO SETOR SUCRO-ALCOOLEIRO NO ICMS ARRECADADO (1972/91)

FONTE: Fiplan/Sefaz

0

10

20

30

40

50

60

70

72 73 74 75 76 77 78 79 80 83 84 85 86 87 88 89 90 91

18 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 21: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

período.O dinamismo das atividades do

setor sucroalcooleiro alagoano continuavindo basicamente do mercado externo.A queda dos preços internacionais doaçúcar e do preço interno do álcool de-termina que, apenas as unidades indus-triais muito eficientes nas quais se con-segue uma diferença positiva entre ocusto de produção do açúcar e álcool eo preço de venda, tanto no mercado na-cional como no mercado externo, po-dem permanecer em atividade. Nestequadro, pressionadas pelas estreitasmargens de lucro e pela diminuição dossubsídios estatais, as empresas

sucroalcooleiras foram compelidas aadotar modernas estratégias empresari-ais e ampliar a escala de produção, numprocesso que favoreceu as grandes em-presas.

O GRÁFICO 4 mostra o de-sempenho das usinas alagoanas. Os da-dos deste processo de “darwinismo em-presarial” indicam que há uma claratendência de concentração da produçãonas 16 maiores unidades (Grupo I: Ca-choeira, Caeté, Camaragibe, Coruripe,Guaxuma, Leão, Porto Rico,Roçadinho, Santa Clotilde, Santo An-tônio, Seresta, Serra Grande, Sinimbu,Sumaúma, Triunfo e Uruba), que vêm

aumentando suas presenças no período1990-99, representando mais de 90% daprodução na safra 1998/99. As seis usi-nas menores (Grupo II: Capricho, Joãode Deus, Laginha, Marituba, Santana eTaquara), estabilizaram suas produçõesem quantidades menores que um milhãode sacos/ano e continuaram suas ativi-dades. As outras seis unidades que sus-penderam suas atividades (também noGrupo II: Alegria, Bititinga, SãoSimeão, Terra Nova, Ouricuri e Peixe),são empresas que por razões diversas –reduzida escala de produção, grandevolume de dívidas acumuladas, defasa-gem tecnológica, região agrícola irregu

Gráfico 4

ALAGOAS: PRODUÇÃO DAS USINAS. 1975/99 (% DE CADA GRUPO)

Fonte: Sindicato do Açúcar

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

75/76 80/81 85/86 90/91 94/95 95/96 96/97 97/98 98/99

Gupo I Grupo II

Gráfico 3

ALAGOAS: PRODUÇÃO DE AÇÚCAR E ÁLCOOL . 1990-98 (em mil ton./m3)

FONTE: Sindicato do Açúcar

0

2 0 0

4 0 0

6 0 0

8 0 0

1 0 0 0

1 2 0 0

1 4 0 0

1 6 0 0

1 8 0 0

2 0 0 0

9 0 9 1 9 2 9 3 9 4 9 5 9 6 9 7 9 8

açú car á l co o lT e n dê n c ia T e n dê n c ia

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 19

Page 22: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

lar – não conseguiram acompanhar oritmo exigido pelos novos padrões decompetição.

O GRÁFICO 5 mostra o de-sempenho das destilarias alagoanas. As21 destilarias que permanecem em ati-vidade e respondem por 100% da pro-dução de álcool (Grupo I: Cachoeira,Caeté, Coruripe, Guaxuma, Laginha,Leão, Marituba, Penedo, Pindorama,Porto Alegre, Porto Rico, Roçadinho,Santana, São Gonçalo, Santa Clotilde,Santo Antônio, Seresta, Serra Grande,Sinimbu, Sumaúma e Triunfo) perten-cem, em sua quase totalidade, aos mes-mos grupos econômicos das grandesusinas sobreviventes e, por outro lado,as destilarias desativadas (Grupo II: Ale-gria, Bititinga, Camaçari, Maciape,Massagueira, Ouricuri, Peixe, Roteiro,São Simeão, Serrana, e Terra Nova)pertencem, em grande parte, ao grupodas usinas que encerraram suas ativida-des no período estudado. Três peque-nas destilarias (Vale do Catangy, PortoNovo e Porto Calvo) estão instaladas noNorte de Alagoas, pertencem a empre-sários pernambucanos, não estão asso-ciadas a nenhuma entidade setorialalagoana e não moeram na safra 1999/2000.

Neste processo dereestruturação, a centralização da pro-dução de cana, álcool e açúcar fica evi-

denciada quando é somada a produçãodos grandes grupos agro-industriais que,neste trabalho e para efeito de demons-tração, são representados pelas empre-sas com mais de uma usina ou destila-ria: Carlos Lyra (usinas e destilariasCachoeira, Caeté e Marituba), CorrêaMaranhão (usina Camaragibe e usina edestilaria Santo Antônio), João Lyra(usinas e destilarias Guaxuma e Laginhae usina Uruba), Toledo (usina Capricho,destilaria autônoma Penedo e usina edestilaria Sumaúma), Tércio Wanderley(destilaria autônoma Camaçari e usinae destilaria Coruripe), Olival Tenório(destilaria autônoma Porto Alegre e des-tilaria e usina Porto Rico) e AndradeBezerra (usina e destilaria Serra Gran-de e a usina Trapiche, em Pernambuco).

A produção total destes setegrupos passou de pouco mais da meta-de do total alagoano em 1990, para oequivalente a dois terços de todo o ál-cool e açúcar elaborados em Alagoas naúltima safra, como se demonstra no qua-dro a seguir. Um fenômeno semelhanteao de São Paulo, onde há uma clara ten-dência à centralização da produção nas“empresas mais fortes, com elevada tra-dição no setor, sendo produtoras histó-ricas de açúcar e álcool, com capitaisaplicados em outros setores de ativida-de, mas ainda com interesses em crista-lizar as posições alcançadas no setor

sucro-alcooleiro”(NEA/IE, 1999).

7. As Alternativas

Com as mudançasinstitucionais ocorridas a partir dadesregulamentação estatal, a queda doconsumo de álcool hidratado, conseqü-ência da desativação do Proálcool e osurgimento da nova legislaçãoambiental, os produtores nordestinospassaram a enfrentar dificuldades novasno setor sucro-alcooleiro, decorrentes daconstatação de sua ineficiência ante osconcorrentes externos e internos, tantopelo atraso tecnológico e gerencial,como pela conjuntura de limitação decréditos e altos custos financeiros paracusteio e investimentos. O fim da polí-tica oficial de defesa da produção doaçúcar e álcool, o novo ambiente eco-nômico marcado pela forte concorrên-cia paulista, os problemas deendividamento e de falta decompetitividade implicaram na adoçãode novas estratégias empresariais e nadiminuição do número de empresas doramo.

Tal como o complexocanavieiro brasileiro, o setor sucro-alcooleiro alagoano estava caracteriza-do pela diversidade de suas empresas,que variavam de porte, localização, per-fil financeiro, administrativo etecnológico e, como conseqüência, nos

Gráfico 5

ALAGOAS: PRODUÇÃO DAS DESTILARIAS . 1975/98 (% DE CADA GRUPO)

FONTE: Sindicato do Açúcar

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

75 80 85 90 94 95 96 97 98

Grupo I Grupo II

20 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 23: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

custos finais da produção e nos níveisde eficiência. As usinas e destilarias quesobreviveram, demonstram, hoje, suacapacidade de liderar o processo demodernização do setor sucro-alcooleiroe trabalham melhor os critérios de efi-ciência financeira-econômica, enquan-to as usinas desativadas caracterizaram-se por manterem alto grau deinadimplência bancária, fiscal e traba-lhista, ademais do atraso tecnológico. Adiferenciação entre unidades modernase atrasadas refletiu-se na afirmação dasprimeiras e na estagnação ou desapare-cimento das segundas.

O debate sobre as alternativasque se apresentam para o setor sucro-alcooleiro no período pós-desregulamentação, está concentradoem dois níveis distintos: omacroeconômico, através daimplementação de um conjunto de me-didas que permitiria a criação de umambiente econômico favorável a avan-ços em direção à competitividade dosetor como um todo e, omicroeconômico, no qual as empresasadotariam novas estratégias competiti-vas permitindo a sobrevivência das uni-dades mais fortes.

No plano macroeconômico aelaboração da SUDENE (1997) sinteti-za as várias contribuições nesta direção.Na visão da autarquia federal, aagroindústria canavieira nordestina con-corre com o maior e mais eficiente cen-tro produtor de cana-de-açúcar e deri-vados do mundo: o setor sucro-alcooleiro do Sudeste. A produtividademédia agrícola em Alagoas situa-se emtorno de 50 ton./ha, enquanto no Sudestese atingem médias acima de 80 ton./ha.O rendimento industrial em Alagoasoscila em torno de 100 kg. de açúcarpor tonelada de cana esmagada, enquan-to a média no Sudeste é de 110 kg./ton.Essa diferença industrial pode estar re-lacionada a fatores como a qualidade dacana moída, medida pelo baixo teor desacarose decorrente do fraco desempe-nho agrícola. Juntos, estes dois indica-dores representam uma enorme diferen-ça no custo final do produto, favorávelà produção paulista. A permanência dasdiferenças de produtividade agrícola ede rendimento industrial, inviabilizam,a longo prazo, as atividades deste im-portante setor econômico nordestino.

Em seu documento sobre aZona da Mata regional, a Superinten-dência de Desenvolvimento do Nordeste

defende, para enfrentar estes desníveis,uma série de medidas econômicas, taiscomo: “a adoção e manutenção de polí-ticas públicas setoriais, a exemplo doProálcool, além de política de preços,de quotas de produção, e de formaçãode estoque, entre outras, visando prin-cipalmente a garantir estabilidade darenda dos produtores e à garantia doabastecimento interno” (SUDENE,1997:128). Nesta mesma direção estãoas medidas do Ministério do Desenvol-vimento, Indústria e Comércio no sen-tido de reativar, parcialmente, oProálcool, aumentando de 24% para26% a parcela de álcool anidro adicio-nado à gasolina, comprando álcool parao estoque regulador do Governo e man-tendo a isenção do Imposto sobre Pro-dutos Industrializados/IPI para a frotade táxis a álcool.

Estas políticas públicasobjetivam facultar ao setor sucro-alcooleiro o tempo necessário para aracionalização da área plantada, o au-mento do investimento em tecnologias,tanto fabril como agrícola, a criação deaparato de pesquisa que se adeqüe à re-alidade sub-regional, revertendo as di-ficuldades de mecanização no corte dacana em razão da topografia, a baixautilização de maquinaria e equipamen-tos, a baixa produtividade da mão-de-obra, a ausência de pesquisas de novastecnologias da produção industrial e,principalmente, de cultivo, que resultamem custos de produção mais elevados.Este pacote reverteria, como conseqü-ência, a baixa remuneração dos produ-tores, tanto rurais como industriais(SUDENE, 1997).

O corolário desta posição é oPrograma de Equalização da Cana-de-açúcar que, financiado pelo governofederal e coordenado pela própriaSUDENE, transferiu os subsídios ante-riormente repassados aos produtoresindustriais de álcool para os plantadoresnordestinos de cana-de-açúcar. Na sa-fra 1998/99 foram repassados um totalde R$186,7 milhões aos fornecedores decana em forma de subsídios. No entan-to, o Programa de Equalização é de in-cidência mínima, se comparado com asiniciativas anteriores e tem um carátertransitório. Em Alagoas, 3.000plantadores de cana vêm recebendo osubsídio de R$ 5,07 por tonelada de canaproduzida como forma de viabilizar suasplantações.

No plano microeconômico, a

mudança da política federal levou à cri-ação de um outro ambiente institucional,obrigando as empresas que antes esta-vam subordinadas a uma estritaregulação estatal a adotarem estratégiasdiferenciadas, buscando acompetitividade nacional e internacio-nal. Há uma percepção no meio empre-sarial de que a sobrevivência passa peloaumento da produtividade, somado aoaproveitamento econômico dos recursossubutilizados, mudanças na estrutura ad-ministrativa-gerencial, alterações noperfil de financiamento e na basetecnológica.

Neste plano é importante estu-dar a realidade regional nordestina, ori-entando-nos pelas pesquisas do que jáestá sendo realizado pela agroindústriasucro-alcooleira paulista, vanguarda damoderna produção nacional. Para oseconomistas e estudiosos daquela reali-dade, as novas estratégias competitivas,adotadas no setor sucro-alcooleiropaulista podem ser divididas em trêsblocos distintos: a) diferenciação de pro-duto, b) diversificação produtiva e, c)aprofundamento e especialização naprodução de açúcar e álcool (BELIK,RAMOS e VIAN,1998). A partir destesestudos, estas estratégias podem ser as-sim descritas:

a) a estratégia competitiva pordiferenciação de produto está baseadana busca contínua de diferenciação doproduto pela qualidade, marca, preço,entrega, embalagem entre outros atribu-tos, aumentando assim a pauta de pro-dutos com elevado valor agregado. Asempresas paulistas criaram novas mar-cas de açúcar, utilizam embalagensdiversificadas (vários tamanhos e tipos),fazem diversos tipos de refino, produ-zem açúcar líquido, açúcar light, numamistura de açúcar refinada com adoçanteartificial, e diferenciam marcas por re-gião e estado, etc. As dificuldades destaestratégia têm origem na pouca experi-ência comercial das empresas, principal-mente com os atacadistas e supermer-cados. Outra barreira é a exigência decapital para investimentos em embala-gens, em novos tipos de refino e emnovas formas de distribuição.

Em Alagoas, investindo naprodução intensiva, elaborando merca-dorias em quantidades menores, a bai-xo custo e com maior valor agregadopara disputar os mercados mais compe-titivos, várias empresas – Caeté,Marituba, Serra Grande, Triunfo e

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 21

Page 24: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Sinimbu – têm produzido açúcar cristalsuperior obtido pelo aperfeiçoamentotecnológico, pelo manejo da colheita epela qualidade da cana. Algumas uni-dades – Coruripe, Caeté, Sinimbu, Tri-unfo e Leão – produzem açúcar refina-do granulado que comercializam emnovas embalagens para o mercado in-terno. Outras unidades produtivas –Capricho e Leão – têm se dedicado àelaboração de mel rico invertido, pro-duto que é exportado para os EstadosUnidos onde é aproveitado na indústriafarmacêutica e na substituição daglucose.

b) a estratégia de diversifica-ção produtiva está baseada na entradaem mercados completamente diferentesdo açucareiro, com a obtenção de mai-ores lucros e com a manutenção do cres-cimento a longo prazo. Essa estratégia,em São Paulo, pode ser vista na elabo-ração de subprodutos, na co-geração deenergia elétrica, na produção de suco delaranja pasteurizado e confinamento degado bovino.

Em Alagoas, o aproveitamen-to dos sub-produtos da indústria é ge-neralizado através da utilização da tortade filtro na adubação, da fertirrigaçãocom o vinhoto, da venda de bagaço decana para fabricação de pasta de papel,etc. A geração de energia a partir dobagaço é, também, um processo gene-ralizado que, em algumas usinas, comoa Triunfo, chega a superar suas necessi-dades permitindo seu aproveitamentoem outras atividades. A usina Sumaúmaproduz o “briquete”, pequenos cilindroselaborados a partir do bagaço que subs-titui a madeira na produção de energiaem pequenas empresas como padariase pizzarias. A Santa Clotilde reativouuma pequena hidroelétrica em Rio Lar-go para o uso industrial.

Os grupos empresariais maisimportantes diversificam radicalmenteseus interesses, expandindo suas inter-venções econômicas em várias direções,transformando-se em holdings com pre-senças em ramos e regiões diferentes.São vários os exemplos. Criação de gadoleiteiro e beneficiamento do leite:Seresta (Leite Boa Sorte), Roçadinho(Ilpisa), Grupo Olival Tenório(Agropecuária Porto Rico); empresas detáxis aéreos: João Lyra (Lug Táxi Aé-reo) e Carlos Lyra (Sotam Táxi Aéreo);indústria têxtil: Grupo Carlos Lyra (Fá-brica da Pedra, em Delmiro Gouveia);fábricas de fertilizantes: Grupo Tércio

Wanderley (Usi-Fertil), Grupo JoãoLyra (Adubos JL), Grupo Carlos Lyra(Agrofertil), Seresta (Adubos Boa Sor-te) e Maranhão (Adubos Sanfertil); ma-deireira: Grupo Toledo (Amadeu Bar-bosa); beneficiamento do coco: Serestae Triunfo (Socôco); construção civil:Grupo Tércio Wanderley (Cipesa) eGrupo Toledo (Epasa); engarrafamen-to de água mineral: Usina Sta. Clotilde;venda de automóveis: Grupo OlivalTenório (Importadora Comercial),Nivaldo Jatobá (Toyota) e Grupo JoãoLyra (Mapel); meios de comunicação:João Tenório/Triunfo (TV Pajuçara);criação de cavalos de raça: Seresta eGrupo Olival Tenório (Haras PortoRico).

As empresas mais rentáveisvêm há mais tempo investindo em no-vas tecnologias, reduzindo custos, au-mentando a produtividade e as vanta-gens comparativas. Destacadas, elaspassam a operar em outras regiões e vêmtransferindo parte de seus capitais paraoutros estados. Em Minas Gerais trêsgrupos alagoanos realizaram grandes in-vestimentos: o Grupo Tércio Wanderleyassumiu a Usina Iturama, no municípiodo mesmo nome, o Grupo João Lyrainvestiu US$ 50 milhões na UsinaTriálcool, em Ituiutaba, e o GrupoCarlos Lyra adquiriu a Usina VoltaGrande, em Conceição das Alagoas e,por R$ 70 milhões comprou a UsinaDelta, no município do mesmo nome,também em Minas Gerais. O empresá-rio Ricardo Mendo Sampaio(Roçadinho) adquiriu, na Bahia e emMinas, duas fábricas de leite do GrupoGlória e, em Pernambuco, o empresá-rio João Tenório (Triunfo) adquiriu otradicional grupo industrial de produtosalimentares Alimonda Irmãos.

c) a estratégia deaprofundamento e especialização naprodução de açúcar e álcool está basea-da na busca de novos meios para garan-tir a remuneração do capital investido.Essa estratégia está ligada à especiali-zação na produção de açúcar e álcool eaumento da produtividade das unidadesindustriais e agrícolas, buscando a re-dução dos custos de transação e da com-plexidade de coordenação da cadeia pro-dutiva.

Essa via exige investimentosna automatização da produção industri-al, mecanização da agricultura, princi-palmente na colheita da cana, melhoriasna logística do transporte e produção da

cana, transferência das plantações paraáreas agrícolas mecanizáveis e de me-lhor qualidade, abandonando tanto asáreas irregulares no Norte do Estado,como os tabuleiros planos com solossecos e arenosos que exigem aplicaçõescrescentes de adubos e irrigação. Estasmedidas permitem que a empresa secapacite para investimentos nas outrasestratégias em seu devido momento.

Em Alagoas, as empresas maiscompetitivas investem na parte indus-trial para superar as desigualdadestecnológicas existentes em relação àsunidades paulistas e têm adotado medi-das para a otimização do sistemalogístico, aumentado os mecanismos deautomação do controle de processos,objetivando o aumento da capacidadeinstalada e a qualidade do produto fi-nal.

Na parte agrícola, ante o pro-blema da baixa produtividade causada,em parte, pela irregularidade climática,algumas empresas têm trabalhado a ir-rigação como o mais importante inves-timento capaz de reverter a difícil situa-ção. A maioria das unidades faz“molhação”, uma irrigação incompletadestinada à sobrevivência do canaviale, uma pequena parte – Seresta, Caeté,Marituba, Triunfo e Coruripe – vemdesenvolvendo experimentos de irriga-ção com técnicas avançadas, algumasdelas importadas de outros países. To-das elas fazem a fertirrigação com oaproveitamento do vinhoto. Nestes úl-timos anos, o crescimento da áreairrigada é expressivo. Segundo dados doNATT/Cooperativa dos Usineiros, dos455.952 hectares plantados na safra1997/98, 172.862 foram irrigados: comvinhaça (29.063), água de lavagem(38.038) e água limpa (105.759). Umprocesso que vem sendo realizado qua-se exclusivamente nas áreas de plantiodas usinas e destilarias, na medida emque apenas 8.734 hectares irrigados comágua de manancial pertencem a terrasde fornecedores.

O combate biológico às pragasé realizado por todas as empresas, sen-do que algumas delas mantêm labora-tórios em suas instalações outerceirizaram estas atividades. A incor-poração de novas variedades é feita pelaimportação de canas paulistas daCopersucar, por cuja utilização se pa-gam royalties e, por variedades desen-volvidas pelo Programa de Melhora-mento Genético da Cana-de-Açúcar, da

22 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 25: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

RIDESA, da qual participa a UFAL. Aincorporação de canas mais resistentese produtivas na última década, tanto asde São Paulo (as SP) como as doPMGCA (as RB - República do Brasil),transformou completamente o perfil dasvariedades plantadas em Alagoas, con-forme os dados levantados pelo NATT/Cooperativa dos Usineiros em vinte usi-nas alagoanas, nas últimas nove safras.

O plantio e a colheita mecani-zados que substituem as tarefas manu-ais estão sendo testados em algumas uni-dades – Sumaúma, Porto Rico, Triunfoe Santa Clotilde –, estando o processonum estágio mais avançado nestas duasúltimas usinas. O aumento regular deprodutividade agrícola ocorre na maio-ria das usinas dos grandes grupos em-presariais, alcançando-se médias supe-riores a 60 ton/ha, destacando-se asmédias atingidas pelas usinasCamaragibe (70 kg/ha) e Coruripe(76kg/ha) (JORNALCANA, 1998). Osnovos métodos de gestão empresarialestão sendo incorporados mais rapida-mente pelos grandes grupos do setor,como Usina Leão, Grupo Carlos Lyra,Grupo João Lyra, encontrando, no en-tanto, resistência nas empresas meno-res e de direção familiar.

A associação de empresas egrupos também é outra estratégia desobrevivência. A Cooperativa Regionaldos Produtores de Açúcar e Álcool deAlagoas, conhecida como “Cooperati-va dos Usineiros” e a Associação dosProdutores Independentes de Açúcar eÁlcool no Estado de Alagoas/Assucal(os usineiros não-cooperados)representamduas associações distintasde empresários do açúcar. A Cooperati-va dos Usineiros é um pool de 10 em-presas que adota uma estratégia que re-age às sinalizações do mercado atravésde ações negociadas na produção, trans-ferindo ou concentrando a moagemnuma determinada unidade, diminuin-do os custos logísticos de transportes,coordenando a aquisição de insumos,aproveitando as economias de escala eos benefícios de um maior market sharepara as ações comerciais. Para isso, con-ta com uma infra-estrutura que permitearmazenamento próprio, uma rede dedistribuição comercial em todos os es-tados do Norte/Nordeste e escritóriopara a exportação. A Assucal atua tãosomente no apoio logístico às iniciati-vas das empresas associadas. Outro gru-po de empresas atua de forma individu-

alizada. Situação extraordinária é a doGrupo Nivaldo Jatobá, detentor datitulação de quatro empresas desativadasou fechadas: Alegria, Serrana, Roteiroe Peixe. Aplicadas ao Nordeste, estasestratégias teriam como eixo comple-mentar o apoio à centralização de capi-tais e sua conseqüente concentração téc-nica por meio de fusões e incorporaçõespara enfrentar a competitividade do Su-deste. O fechamento ou desativação dasusinas Alegria, Bititinga, Conceição doPeixe, Ouricuri, São Simeão e TerraNova e de suas respectivas destilariasanexas e a desativação das destilariasautônomas Camaçari, Maciape,Massagueira, Roteiro e Serrana, refle-tem tanto as dificuldades empresariaisdestas unidades como a necessidade deconcentração e centralização da produ-ção para enfrentar o novo quadro com-petitivo.

A diminuição no número deindústrias não implicou numa retraçãoda produção de cana e de açúcar, masna transferência dessa produção paraunidades maiores. As canas que erammoídas na usina Bititinga estão destina-das, atualmente, às moendas da SantaClotilde, as da usina Peixe sãoesmagadas na Cachoeira, as da usinaTerra Nova são moídas pela Triunfo epela Sumaúma, as da destilaria Roteiro,pela Roçadinho, as da Ouricuri pelasTriunfo e Capricho, as da destilariaMaciape, na destilaria São Gonçalo, asda São Simeão na Capricho e Santa Clo-tilde e as da destilaria Camaçari, na usi-na Coruripe.

8. Considerações Finais

O setor sucro-alcooleiro deAlagoas, na atual conjuntura, não atra-vessa uma situação de crise, fenômenoque seria caracterizado, entre outros fa-tores, pela retração da atividade produ-tiva, com a conseqüente diminuição dosvolumes de produção e exportação, es-tagnação no rendimento industrial e naprodutividade agrícola, falta de investi-mentos em novas tecnologias e infra-estrutura, imobilidade empresarial einadimplência financeira generalizada.Mesmo levando em conta a diminuiçãode postos de trabalho nas áreas indus-trial e agrícola e a diminuição do núme-ro de plantadores de cana, principalmen-te os pequenos e médios fornecedores,fenômenos decorrentes do aumento daprodutividade e concentração da produ-

ção, não se pode caracterizar uma “cri-se” setorial no período 1990/99.

A Carta de Conjuntura daSUDENE (abril de 1999) aponta o cres-cimento de 15.4% do setor sucro-alcooleiro alagoano como o principalresponsável pelo bom desempenho daeconomia alagoana em 1998. Compa-rando os dados da safra 1997/98, utili-zados pela SUDENE, com os de 1990/91, observa-se que houve um forte cres-cimento de 24.6% na produção de açú-car (mais 6 milhões de sacos), e umaleve retração de 1.5% na produção deálcool (menos 11 mil metros cúbicos).Números que negam o discurso de es-tagnação e decadência setorial.

O setor apresenta, isto sim,outras características que configuramum período de reestruturação produti-va, liderado por alguns grupos empre-sariais. A partir de 1990, a nova dinâ-mica da concorrência aberta com regi-ões mais competitivas obrigou a modi-ficações estruturais e à adoção de estra-tégias competitivas que substituíram asantigas formas de atuação subordinadasà regulação estatal, feita através do IAA.Estas modificações alteraram a lógicade acumulação, que deixa de ser exten-siva, com aumentos na produção decana, açúcar e álcool, para se tornar in-tensiva, com o aumento da produtivi-dade setorial, redução da área plantadae flexibilidade na produção. Estas trans-formações trazem como conseqüênciasa redução do número de trabalhadorese a inviabilização de um considerávelnúmero de pequenos e médios fornece-dores.

A mudança de modelo, no en-tanto, não configura uma crise econô-mico-financeira do setor. Desde 1990,ano da extinção do IAA e da desativaçãodo Proálcool, o setor sucro-alcooleiroalagoano tem respondido com um au-mento da produção de álcool, açúcar,assim como nos níveis gerais de produ-tividade. As incorporações tecnológicase a diversificação produtiva estão ocor-rendo num ritmo bastante mais rápidoque nas décadas anteriores. Se estivés-semos vivendo um período de crise nãoassistiríamos à expansão da produçãosucro-alcooleira, com crescimento novolume das exportações e aumentos,ainda que pequenos, da produtividadeagrícola e do rendimento industrial.

O antigo discurso produzidopela “indústria da crise” teve sempreduas funções básicas. Por um lado, ser

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 23

Page 26: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

via como argumento nas negociaçõescom o setor público, tanto o federalcomo o estadual, de onde retiravam par-te do apoio necessário a sua dinâmicaeconômica e, por outro, servia comojustificativa para não realizar concessõesnas negociações salariais, tanto com arepresentação dos trabalhadores agríco-las quanto com o sindicato dos traba-lhadores industriais.

Os dados registrados neste tra-balho indicam que, liderado por seusgrandes grupos empresariais, o setorsucro-alcooleiro está revelando estraté-gias de sobrevivência perante o novoambiente institucional adotado depoisde 1990. A concentração da produçãode cana, álcool e açúcar vem acompa-nhada pela diversificação produtiva,pela diferenciação de produtos e pelaincorporação de inovações tecnológicase novos métodos de gestão. Estas estra-tégias vão aumentado lentamente o seunível de competitividade, modificandoo perfil do setor, capacitando-o a enfren-tar o novo ambiente de adversidades euma conjuntura econômica desfavorá-vel.

Esse processo dereestruturação produtiva centrado noprivilégio das inovações tecnológicas ediversificação de produtos e empresastem, no entanto, dois aspectos proble-máticos e negativos: a questão ambientale a manutenção do antigo padrão soci-al. A relação entre a cultura da cana e omeio ambiente sempre foi de dificulda-des. A necessidade de madeira paraconstruções e para as fornalhas dos en-genhos e usinas foi a principal respon-sável pela derrubada da Mata Atlânticaem Alagoas; a expansão dos canaviaisnos tabuleiros planos, a partir dos anos50, realizou-se às custas de derrubadasde matas e ocupação de áreas de outraslavouras; a queima dos canaviais parafacilitar o corte e a monocultura da canaresultam na perda de qualidade dos so-los e na diminuição da biodiversidadena Zona da Mata; o despejo do vinhoto(tiborna) e de águas usadas no processode lavagem de canas foi o responsávelpelo declínio dos rios daquela região.Estes elementos marcaram, ao longo deséculos, a relação entre a cana e o meioambiente da Zona da Mata.

Atualmente, a questãoambiental na Zona da Mata alagoana,assim como a questão dacompetitividade, estão sendo enfrenta-das dentro da lógica empresarial. O tra-

tamento de resíduos industriais antes dolançamento nos efluentes, a utilizaçãodo vinhoto na ferti-irrigação com o apro-veitamento de seus componentes quími-cos para enriquecer os solos, a utiliza-ção do bagaço como combustível nascaldeiras para gerar energia, a utiliza-ção da água de lavagem para a irriga-ção de canaviais e, até mesmo, algunspequenos projetos de reflorestamento dealgumas usinas, têm modificado a vi-são da cana-de-açúcar como um grandeagressor do equilíbrio ecológico.

Por outro lado, a superação domodelo anterior e a sustentabilidade donovo modelo não podem resultar ape-nas de um (re)ajuste empresarial com aincorporação de novas tecnologias e mé-todos de produção no campo agrícola eagro-industrial, mas terão que respon-der também ao absoluto atraso de umapopulação condenada pelo modelo queora agoniza. As alternativas possíveispassam, obrigatoriamente, pela introdu-ção da agenda social da Zona da Mata.

Às portas do século XXI, per-sistem na Zona da Mata, principal re-gião produtora de cana-de-açúcar emAlagoas, os indicadores de desenvolvi-mento humano e de qualidade de vidanegativos que demonstram a permanên-cia da característica concentradora derenda, terra e poder deste setor produti-vo, situação que parece fechar-se sobresi mesma e bloquear qualquer possibi-lidade de superação de um quadro deinjustiças que vem dos tempos coloni-ais. Os indicadores sociais – analfabe-tismo, endemias, déficit habitacional,mortalidade infantil, violência, etc. –todos gravosos para a região, nãocorrespondem à riqueza produzida, nemaos investimentos públicos realizados nosetor sucro-alcooleiro nas últimas déca-das. É o paradoxo: às portas do 3? Mi-lênio, na era da globalização e do capi-talismo pós-industrial, no competitivoparque produtivo sucro-alcooleiro, ins-talado no quarto mundo rural, sobrevi-vem as relações de trabalho servis.

Este setor historicamente bene-ficiado pelo Estado, que nunca conhe-ceu a etapa concorrencial do capitalis-mo ou a via evolutiva de desenvolvi-mento industrial, manteve um compor-tamento político e um descompromissosocial aos quais corresponde o seu atra-so empresarial. A oligarquia do açúcarsempre foi anti-abolicionista e anti-re-publicana. Adaptou-se bem aos novostempos sem, no entanto, apresentar tra-

ços de modernidade, seja no campo em-presarial ou nas relações sociais. Sua re-presentação política esteve – e continua– marcada pelos traços conservadores.Atrasado, este setor nunca permitiu osurgimento de uma estrutura produtivademocrática, como possibilitou em seutempo a cafeicultura no Sudeste, man-tendo, pelo contrário, o mais alto graude desigualdade e estagnação social en-tre as regiões brasileiras. Neste novoperíodo de transformações, este déficithistórico terá que ser enfrentado.

Partícipes ativos da construçãodessa produção, mas excluídos dos be-nefícios dessa riqueza, o numeroso con-tingente de trabalhadores agro-industri-ais do setor sucro-alcooleiro deve estarno centro do debate sobre qualquer ini-ciativa pública ou privada dirigida à re-gião. O que necessita ser superado, noplano social, está estampado nas condi-ções de vida da população da Zona daMata alagoana, que influencia e man-tém todo um universo de problemas re-gionais, que vai desde a emigraçãodesordenada para as cidades vizinhas atéa baixa produtividade de um trabalha-dor canavieiro alagoano que corta, emmédia, 6 toneladas de cana por dia con-tra 12 em São Paulo (SUDENE,1997:63).

A última Convenção Coletivade Trabalho, negociada e aprovada emnovembro do ano passado pela repre-sentação patronal (Asplana, Sindicato daIndústria do Açúcar e Federação daAgricultura) e pela Federação dos Tra-balhadores na Agricultura, representan-do os 52 sindicatos rurais da Zona daMata, mesmo reconhecendo os baixosrendimentos dos assalariados rurais,aprovou um aumento salarial de apenas1% em relação à Convenção do ano an-terior. Pelo Acordo, a tonelada de canaqueimada paga R$ 1,42 quando cortadaaté 4 toneladas e R$ 1,50 no corte aci-ma de 4 e até 8 toneladas. Ainda que ajornada de trabalho legalmente reconhe-cida seja de 44 horas semanais, oscortadores de cana passam sempre maisde 10 horas diárias na produção, soman-do-se a esta jornada o tempo gasto notransporte entre a moradia e o campo,em média de duas horas diárias. O mo-vimento sindical vem constantementeafirmando que, mesmo homologadapelo Ministério do Trabalho, a Conven-ção Coletiva não é respeitada na maio-ria das suas cláusulas, principalmente as

24 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 27: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

sociais.Estas relações salariais na área

canavieira estão profundamentemarcadas pelo trabalho servil que semanteve por quase quatro séculos nahistória da região. Atualmente, com asfacilidades de transporte, as usinas efornecedores utilizam massivamente amão-de-obra vinda do Agreste e do Ser-tão composta de moradores, meeiros epequenos agricultores não sindicaliza-dos. Estes trabalhadores vão para a Zonada Mata na época da seca (setembro/fe-vereiro) e voltam no final da safra dacana, quando coincidem, nas suas regi-ões, a época chuvosa e a de plantio. Poroutro lado, na entressafra, parcela con-siderável dos trabalhadores temporári-os da própria região é cooptada pelos“gatos”, empreiteiros de mão-de-obraassalariada, e vai trabalhar nas lavourasdo Sul-Sudeste.

O universo dos trabalhadorese de suas famílias voltam a aparecer –anual e regularmente - como “questãosocial” quando os setores patronais, nosmomentos de negociação com o gover-no, anunciam em forma de ameaça apossibilidade de um grande número dedesempregados invadir a Capital, casonão sejam atendidas as reivindicaçõessetoriais. Essa mesma preocupação coma “questão social” desaparece no perío-do de negociações com o movimentosindical, seja no setor industrial (em se-tembro) seja no setor rural (em outubro).

O Núcleo de Estudos Agríco-las do Instituto de Economia da Univer-sidade Estadual de Campinas/Unicamp,São Paulo, elaborou, em julho deste ano,o estudo “Política para o setor sucro-alcooleiro...” no qual sistematiza as pro-postas alternativas de políticas públicasvisando à reconversão produtiva do se-tor. O estudo propõe, ao lado de políti-cas setoriais de curto prazo, uma agen-da para o desenvolvimento sustentávelda zona canavieira: a execução da re-forma agrária nas terras das usinasdesativadas, frentes de trabalho, proibi-ção do plantio de cana na periferia dascidades, financiamento nos moldes doPronaf para a diversificação de ativida-des rurais agrícolas e não-agrícolas, in-centivo ao associativismo, arrendamen-to de terras liberadas e o processamentodos produtos agropecuários. Iniciativas

que seriam combinadas com as políti-cas de reorganização dos trabalhadores,políticas regionais e políticasemergenciais para o atendimento às fa-mílias desempregadas de canavieiros.

Ante estas alternativas, as en-tidades da classe empresarial não podemficar paradas no tempo nem comprome-tidas em ações retrógradas como o “Mo-vimento Contra as Invasões de Terra emAlagoas”, liderado pela Federação daAgricultura, com a participação daAsplana e do Sindicato do Açúcar.

As experiências políticas acu-muladas em mais de meio século daAsplana (fundada em 1942) e da Coo-perativa dos Usineiros (fundada em1930) devem apontar para a inocuidadedestas ações e a possibilidade de assu-mirem uma parceria no processo nego-ciado da criação de alternativas produ-tivas e de modernização social atravésdos programas de políticas públicas, aexemplo da reestruturação fundiária,que já é uma realidade em terras aban-donadas pertencentes às usinas e desti-larias, principalmente no Norte deAlagoas (LAGES e RAMOS, 1999).

A consolidação de um novomodelo de produção e de desenvolvi-mento regional na Zona da Mata teráque, necessariamente, transformar oquadro social na área sucro-alcooleira.O debate sobre esse novo modelo, dife-rentemente dos anteriores, exige a arti-culação dos diferentes agentes sociaise, inovando, a participação ativa e or-ganizada dos novos atores, os trabalha-dores agrícolas e industriais. Esse de-bate terá que propor, simultaneamente,por um lado, alternativas às altas taxasde juro, à atual política de crédito e fi-nanciamento para o custeio e investi-mentos agrícolas e, por outro, um novomodelo de desenvolvimento regional,no qual se criem alternativas concretasde emprego e renda, tanto para os tra-balhadores canavieiros que sofrem como desemprego, com rebaixamento sa-larial, com a perda dos direitos histori-camente conquistados e com o aumen-to da precarização das relações de tra-balho, como para os pequenos e médiosfornecedores deslocados pela moderni-zação da cadeia produtiva.

Essa modernização, até agora,está centrada no aumento da produti-

vidade do trabalho, no aumento da pro-dução e na competitividade do setor nomercado, por meio da tecnificação daprodução que, por sua vez, redunda emnovos índices de produtividade e requermenos trabalhadores. Amotomecanização desloca um grandevolume de trabalhadores. A diminuiçãodos custos de produção implica aterceirização administrada pelos “em-preiteiros” e a precarização ainda mai-or do trabalho, num mercado onde aoferta de mão-de-obra supera a deman-da (FASE, 1999). É um modelo que pre-cisa, urgentemente, ser revisto e modi-ficado.

A expressiva representaçãopolítica do setor sucro-alcooleiroalagoano, presente em várias tendênci-as partidárias, no Congresso Nacional,na Assembléia Legislativa, nas Prefei-turas e Câmaras Municipais, tem a res-ponsabilidade histórica de participar naconstrução de um novo modelo de de-senvolvimento. A Associação dos Mu-nicípios de Alagoas/AMA é outro es-paço privilegiado para o debate sobre onovo modelo de desenvolvimento, namedida em que o maior impacto do pro-cesso reestruturador no setor sucro-alcooleiro recai sobre a dinâmica das ati-vidades econômicas municipais.

A Federação dos Trabalhado-res na Agricultura de Alagoas/Fetag-Al,o Sindicato dos Trabalhadores na Indús-tria do Açúcar e do Álcool, o Movimen-to dos Sem Terra, a Comissão Pastoralda Terra, as Organizações Não-Gover-namentais localizadas na região e ou-tros movimentos sociais poderão atuarneste mesmo sentido. O Governo deAlagoas, através das Secretarias do Tra-balho e da Agricultura, Emater, Iteral eEpeal, diferentemente do tradicionalmecanismo de atendimento automáticodas reivindicações de medidas proteto-ras por parte dos usineiros e fornecedo-res, deverá compor o quadroinstitucional de forma inovadora, pres-sionando a representação empresarial dosetor sucro-alcooleiro para que estenovo modelo de desenvolvimento incor-pore o mundo do trabalho em todas assuas dimensões: política, social e eco-nômica, para que a saída, outra vez, nãoseja a da modernização conservadora.

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 25

Page 28: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Manuel Correia. Usinas e destilarias das Alagoas. Maceió: Edufal, 1997ASPLANA/Associação dos Plantadores de Cana de Alagoas. Informe Safra de Cana-de-açúcar. 1974/75, 1980/81 e 1986/

87. Maceió: AsplanaAZEVEDO, João. O vale do comendador, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1982BELIK, Walter; RAMOS, Pedro; VIAN, Carlos E.F. Mudanças institucionais e seus impactos nas estratégias dos capitais do

complexo agro-industrial canavieiro no Centro-Sul do Brasil. Anais do XXXVII Encontro da Sober, Poço de Caldas,MG, 1998

CNI/Confederação Nacional da Indústria. Avaliação do Proálcool II, Brasília, 1987CUT/Central Única dos Trabalhadores; CONTAG/Confederação dos Trabalhadores na Agricultura. Campanhas Salariais.

Série Experiências. São Paulo: CUT/CONTAG, 1999DIÉGUES JR., Manuel. Bangüê nas Alagoas. Maceió: Edufal, 1980

EISENBERG, Peter. Modernização sem mudança: a indústria açucareira em Pernambuco. 1840-1910. Rio de Janeiro: Paze Terra, 1977

FASE/Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional. A queminteressam as campanhas salariais doscanavieiros em Alagoas? Maceió: Fase, 1996

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, (27a ed.), 1998GOVERNO DE ALAGOAS. Perfil sócio-econômico do Estado de Alagoas. Maceió: Seplan/Fiplan, 1989––––––––. Evolução da agropecuária de Alagoas. Produção, área e rendimento –1973 a 1994. Maceió: SEAG/FCEPA,

1996GRAZIANO DA SILVA, José. De bóias-frias a empregados rurais. Maceió: Edufal, 1997HEREDIA, Beatriz A. Formas de dominação e espaço social. A modernização da agroindústria canavieira em

Alagoas. São Paulo: Marco Zero/ MCT/CNPq, 1988IAA/PLANALSUCAR. Relatório Anual. Rio de Janeiro: MIC/IAA, 1981 e 1986JORNALCANA. Anuário JornalCana, Safra 97/98. Volume Norte-Nordeste. Ribeirão Preto/SP, 1998LAGES, Vinícius Nobre; RAMOS, Vanda Ávila. Além da conquista da terra. A sustentabilidade dos assentamentos em

Alagoas. Maceió:UFAL, 1999LIMA, João Policarpo. Estado e grupos não hegemônicos: o lobby sucro-alcooleiro do Nordeste. Texto para discussão

nº196. (mimeo.) Recife: UFPE, 1988 –––––––– O Estado e a acumulação canavieira no Nordeste: a acumulação administrada, in Revista Econômica do Nordes-

te. v.19, n.4, out/dez. Fortaleza: BNB, 1988aLIMA, João Policarpo; SICSÚ, Abraham Benzaquem. Revisitando o setor sucroalcooleiro do Nordeste: o novo contexto e a

reestruturação possível, in Revista Econômica do Nordeste, v.29, julho, Fortaleza: BNB, 1998LIMA, Arakem Alves. A crise que vem do verde da cana. Uma interpretação da crise financeira do Estado de Alagoas no

período 1988-96. Maceió: Edufal, 1998LOPES, João Gualberto A. A atividade agro-industrial açucareira alagoana. Maceió: FIPLAN/SEPLAN, 1978LOUREIRO, Osman. Açúcar. Notas e comentários. Maceió: s/ed., 1970MELO, Mário Lacerda. O açúcar e o homem: problemas sociais e econômicos do Nordeste canavieiro. Recife: IJNPS, 1975NEA/IE/Núcleo de Economia Agrícola/Instituto de Economia. Política para o setor sucro-alcooleiro frente à crise: uma

proposta alternativa. (mimeo.) Campinas: Unicamp, 1999RAMOS, Pedro. Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1999––––––––Situação atual, problemas e perspectivas da agroindústria canavieira de São Paulo, in Informações econômicas,

vol.29, n.10, 1999b. São Paulo:IEA, 1999REZENDE, Gervásio Castro; GOLDIN, Ian. A agricultura brasileira na década de 80. Crescimento numa economia em crise.

Rio de Janeiro:IPEA,1993SINDICATO DA INDUSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL NO ESTADO DE ALAGOAS. Boletim da Safra. 1975/

1999. (mimeo), MaceióSHIKIDA, Pery Francisco. A evolução diferenciada da agricultura canavieira no Brasil de 1975 a 1995. Tese de doutorado

(mimeo.) Piracicaba, São Paulo: USP, 1997SUDENE. Programa de ação para o desenvolvimento da Zona da Mata do Nordeste. Recife: SUDENE, 1997–––––––– Carta de conjuntura. Nordeste do Brasil. No.01. Jan/Abril. Recife: SUDENE, 1999SZMRECSÁNYI, Tamás. O planejamento da agroindústria canavieira do Brasil (1930-1975). São Paulo: Hucitec/Unicamp,

1979UFAL. Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar/PMGCA. Relatório Técnico. Safra 98/99. Maceió: UFAL,

1999

Page 29: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

O “AGRIBUSINESS” BRASILEIRO E ASMACROTENDÊNCIAS MUNDIAIS

Carlos Nayro Coelho(1)

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 27

1. Antecedentes

Quando o mundo se preparapara entrar no século XXI, no próximoano, é importante verificar como algu-mas macrotendências econômicas, so-ciais e ambientais, em nível mundial,podem afetar o “agribusiness” brasilei-ro.

Em termos de evolução da so-ciedade, ressalte-se que as últimas dé-cadas foram notáveis no sentido de se-pultar velhas idéias e teorias acerca dodesenvolvimento econômico das na-ções, e a década de noventa, particular-mente importante no sentido de definiras tendências que sem dúvida domina-rão o processo de formulação de políti-cas macroeconômicas nos anos vindou-ros, com reflexos poderosos em todo o“agribusiness”.

Nos três campos mencionadosestão praticamente cristalizadas as se-guintes tendências: redução do nível deintervenção do Estado na economia,integração cada vez maior dos merca-dos mundiais e maior peso das variá-veis sociais e ambientais no cálculo eco-nômico.

Com relação ao primeiro as-pecto, como se sabe, os fundamentosteóricos por trás dos mecanismos de in-tervenção do Estado na atividade eco-nômica têm duas variantes. A primeira,que constitui a essência do pensamentode Keynes, defende um envolvimentomaior do Estado na economia, por meiodo aumento nos gastos públicos, para

evitar as fases depressivas dos cicloseconômicos, provocadas pelosubconsumo e pelo excesso de poupan-ça.

A segunda, com uma cargaideológica tipicamente terceiro-mundista, defende a tese de que um Es-tado ativo e empreendedor é a formaideal de preservar a riqueza nacionalcontra a exploração predatória do capi-tal internacional, garantir a segurançanacional e, acima de tudo, fomentar oprogresso econômico.

Em seu livro The Work ofNations, Robert Reich observou que “na vida de uma nação, poucas coisassão mais perigosas de que uma boa so-lução para o problema errado”. Issoparece ter sido o caso da febre deestatização que dominou a maioria daseconomias no século XX.

As experiências de desenvol-vimento postas em prática nesse sécu-lo, se por um lado representaram e ain-da representam enormes doses de sa-crifício para grande parte da populaçãomundial, por outro, serviram claramen-te para reduzir as expectativas com re-lação ao papel do Estado na atividadeeconômica.

O fracasso das economias so-cialistas, do qual a grave crise vividaatualmente pela Rússia é a síntese, os

problemas que ainda hoje afligem eco-nomias, em que o Estado controlavauma vasta gama de atividades, como oBrasil e a Argentina, e a própria crisedos países asiáticos, cujo modelo eco-nômico (conhecido como “cronycapitalism”) é baseado na participaçãointensa do setor público no planejamen-to e financiamento da atividade econô-mica, mostraram que a presença do Es-tado na economia cria novos problemassem resolver os antigos. E que a dinâ-mica keynesiana é assimétrica, isto é,funciona bem no combate à recessão eao desemprego, mas deixa muito dese-jar no combate à inflação.

Na agricultura, o processo deintervenção do Estado, em nível global,talvez tenha ocorrido de forma maisampla e persistente do que em outrossetores, porque ocorreu em larga esca-la, tanto nos países desenvolvidos comonos países em desenvolvimento. Nosprimeiros, na forma de transferências ousubsídios para proteger o setor contraoscilações nos preços, renda, geralmentedentro da ótica da segurança alimentar.Nos demais via taxação, confisco cam-bial etc., para extrair os excedentes ne-cessários ao financiamento do proces-so de industrialização.

Entre os estudiosos dos proble-mas agrícolas, existe uma quase unani-midade de que, em nível mundial, tantoos produtores agrícolas como os consu-midores foram prejudicados com o ex-cesso de intervenção. A conclusão bá-sica é que o excesso de intervenção pre-judicou o esforço global de desenvolvi-mento, trazendo crescentes doses de sa-crifícios para as populações envolvidase provocando uma redução considerá-vel no nível de consumo de alimentosem função da manutenção de preçosartificialmente elevados nos mercadosdomésticos.

Na União Européia, por exem-plo, os contribuintes eram obrigados a

(1) PhD em Economia pela Universidade de Missouri-Columbia(EUA) e Pesquisador da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. E-mail: [email protected]

Page 30: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

28 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

pagar a conta dos subsídios às exporta-ções, o valor das transferências internaspara os produtores, o alto custo de ma-nutenção dos estoques retirados do mer-cado para sustentar preços e, como con-sumidores, comprar alimentos a preçosmuito acima da paridade internacional.

Dessa forma, a primeiramacrotendência para os próximos anosé uma redução ainda maior da presençado Estado nas relações econômicas e aconsolidação de um modelo de econo-mia mais orientado para o mercado.

Antes de entrar na discussãodas demais, é importante dar uma rápi-da visão do potencial, da importância eda evolução do “agribusiness” nacio-nal, para situá-lo melhor no contextomundial e para facilitar a definição deestratégias para o futuro.

2. A Importância e o Potencial do“Agribusiness” Brasileiro

O “agribusiness”, ouagronegócio - em português, envolve asatividades de produção agrícola propri-amente dita (lavouras, pecuária, extra-ção vegetal), aquelas ligadas ao forne-cimento de insumos nas ligações paratrás (“backward linkages”), as relacio-nadas com o processo agroindustrial eas que dão suporte ao fluxo de produtosaté a mesa do consumidor final, nas li-gações para a frente (“forwardlinkages”).

Nesse sentido, no suporte àprodução vinculam-se com o setor agrí-cola as indústrias de fertilizantes, defen-

sivos, máquinas e equipamentos agríco-las, financiamentos (crédito rural parainvestimento e custeio), pesquisaagropecuária e os transportes dessesinsumos. Na fase de distribuição eprocessamento vinculam-se os transpor-tadores das produtos agrícolas, aagroindústria, os agentes financeiros queapoiam a comercialização, osarmazenadores e o comércio (atacado evarejo), neste último encaixando-se in-clusive o importante subsetor de alimen-tação comercial (restaurantes, lanchone-tes, bares etc.).

Esse conceito de“agribusiness” tem implicações profun-das na organização econômica das na-ções, particularmente do Brasil, poismostra a dimensão estratégica da agri-cultura. Dentro desse conceito, o setoragrícola não é visto como uma ativida-de estanque, cujo valor adicionado re-presenta apenas uma pequena parcela doProduto Interno Bruto (PIB), que decres-ce com o desenvolvimento econômico.

Nele, o setor agrícola é vistocomo o centro dinâmico de um conjun-to de atividades que presentemente re-presenta mais ou menos 35% do PIBtotal do País (Quadro 1) e é responsávelpelo emprego da maior parte da Popu-lação Economicamente Ativa (PEA) doBrasil.

No período 1989/98, em dólarreal, o PIB total do Brasil cresceu 16,6%e o PIB agrícola apresentou o índice decrescimento de 27,6%. O PIB industri-al cresceu 40,9% e o de serviços cres-ceu apenas 2,1%. A explicação é que osetor industrial permaneceu estagnadoou com crescimento negativo por todaa década de 80 e partiu, portanto, de umapequena base no início dos anos 90.

Estima-se que só a produçãoagrícola propriamente dita empregamais de 18,2 milhões de pessoas (26%da PEA). Alguns estudos sugerem quepara cada ocupação na produção agrí-cola corresponde uma ocupação no res-tante do “agribusiness”(2), o que signifi-ca que no “agribusiness” são emprega-das mais de 36,4 milhões de pessoas ou52% da PEA.

Embora não se disponha dedados precisos, tudo indica que essasestatísticas são bastante conservadoras,considerando que o PIB da Agriculturaé de US$ 81,4 bilhões (1998) e o do restodo “agribusiness”, onde existem váriasatividades intensivas de trabalho (comotransportes, restaurantes, mercearias,feiras, açougues, padarias e o própriosupermercado) chega a mais de US$ 200bilhões.

Além disso, pode-se argumen-tar que médias e pequenas cidades vi-vem em função das atividades agríco-las, que delas extraem a renda e os em-pregos de suas populações. Suas peque-nas e médias indústrias são, via de re-gra, transformadoras e processadoras deprodutos agrícolas; as demais indústri-as, quando existentes (cerâmicas, mate-riais de trasnsportes, movelarias etc.),produzem para uma população que alise encontra em decorrência das ativida-des agrícolas; o comércio, da mesmaforma, ou intermedia produtos originá-rios da agricultura ou bens para abaste-cer pessoas que ali se encontram tam-bém em função da agricultura; finalmen-te, os serviços - públicos e privados -existem para satisfazer uma demandaque se originou da renda direta da agri-cultura ou das atividades dela derivadas.

O desenvolvimento do

Quadro 1Produto Interno Bruto por Setores

US$ Bilhões(¹)

1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1998 1998

PIB TOTAL 689.353 660.933 662.916 657.655 685.277 726.393 756.902 779.380 802.995 804.199

Agropecuária 63.871 65.472 66.651 70.834 73.064 88.357 76.452 80.868 81.119 81.411

Industria 216.756 235.930 222.176 222.700 223.073 224.107 288.451 305.039 308.486 305.463

Serviços 408.726 359.531 374.089 364.121 389.141 413.929 371.911 393.472 414.248 417.355

Agropecuário/PIB 9,27% 9,91% 10,05% 10,77% 10,66% 12,16% 10,10% 10,38% 10,10% 10,12

Fonte: IBGE/BACEN(1) A preços correntes (1998)

Page 31: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

“agribusiness” no Brasil, como era dese esperar, acompanhou o desenvolvi-mento da produção de grãos, iniciadoem larga escala a partir de meados dadécada de sessenta. Antes, a economiaagrícola brasileira era caracterizada pelopredomínio do café e pela pouca im-portância que se dava ao projeto de seutilizar a imensa base territorial brasi-leira na produção de grãos. A produçãode alimentos básicos, como milho, ar-roz e feijão era voltada para a subsis-tência e realizada de forma rudimentar,sem as “backward linkages”, e os pou-cos excedentes dirigidos eram insufici-entes para formar uma forte cadeia de“agribusiness” com as “forwardlinkages” conhecidas hoje.

Na realidade, durante muitosanos, a obsessão pela industrializaçãopura inibiu a diversificação e expansãodas exportações agrícolas, aumentoumais ainda a dependência no café (e, emmenor escala, no açúcar) para a gera-ção de divisas e tolheu o desenvolvimen-to do “agribusiness” no País, como ocor-reu em outras nações com forte voca-ção agrícola, como a Austrália, NovaZelândia, França e Estados Unidos.

O grande crescimento da pro-dução de grãos (principalmente da soja)foi a força motriz no processo de trans-formação da agricultura brasileira e,portanto, de expansão e fortalecimentodo “agribusiness”. Entre 1965 e 1998 aprodução de grãos passou de 25,10 mi-lhões de toneladas para 79,8 milhõesde toneladas, um crescimento de 216%.O melhor desempenho ficou por contada soja, cuja produção em 1965 era pra-ticamente inexistente, em 1970, atin-

giu mais de 5 milhões de toneladas; em1980, passou para 15,16 milhões e, em1998, para 30,9milhões.

Quanto aos demais grãos,cabe ressaltar que, até recentemente, otrigo estava sujeito a forte intervençãogovernamental. Por muito tempo, osincentivos dados ao trigo foram tão ele-vados que, no início, a notável expan-são da soja foi um efeito direto (e, decerta forma, inesperado) da produção detrigo, devido ao sistema de rotação en-tre as duas culturas (“double cropping”).Entre 1965 e 1980, a produção passoude 580 mil toneladas para 2,70 milhõesde toneladas (365% de acréscimo).Após atingir mais de 6 milhões de tone-ladas em meados dos anos oitenta, de-cresceu para apenas 2,87 milhões em1997.

Dos chamados produtos deconsumo interno, apenas o milho apre-sentou um desempenho razoável, comnítida tendência de crescimento. A pro-dução evoluiu de 12,11 milhões de to-neladas em 1965, para 32,5 milhões em1998 (168,4% de aumento).

Os efeitos dinâmicos da pro-dução de grãos foram logo sentidos emtoda a economia. Inicialmente surgiu,gradativamente, um imenso parque in-dustrial para o esmagamento da soja eoutros grãos, para a extração do óleo edo farelo. A disponibilidade de grandequantidade de farelo de soja e milhopermitiu o desenvolvimento de umamoderna e sofisticada estrutura para aprodução de suínos, aves e leite, bemcomo a instalação de grandes frigorífi-cos fábricas para a sua industrialização.Foi criado também um sistema eficien-

te de suprimento de insumos modernos(fertilizantes, defensivos, maquináriosagrícolas etc.) e um sistema de distri-buição que inclui desde as grandes ca-deias de supermercados até os peque-nos varejistas locais.

Embora a produção de grãosem larga escala tenha sido o carro che-fe, outros setores da agricultura tiveramtambém um papel importante na expan-são e fortalecimento do agronegócionacional. Entre eles pode-se destacar apecuária bovina tradicional, a produçãode açúcar e álcool, a produção de sucode laranja, a produção de frutas e legu-mes. A produção de couros e peles, per-mitiu o surgimento de um sofisticadoparque industrial para a fabricação desapatos, bolsas e outros artefatos de cou-ro.

Em termos de potencial pro-dutivo da agricultura brasileira na áreacultivável, os números são surpreenden-tes.

A área total do território brasi-leiro corresponde, aproximadamente a851 milhões de hectares. Dessa área, 700milhões são ocupados da seguinte for-ma: floresta amazônica (350 milhões),pastagens (220 milhões), reflorestamen-to (5 milhões), centros urbanos, estra-das lagos e pântanos (20 milhões) e re-servas legais (55 milhões) e lavouras 50milhões. Desses, 36 milhõescorrespondem à área cultivada comgrãos (Quadro 2).

Os 151 milhões restantes estãona região dos cerrados, cuja área totalatinge mais de 200 milhões de hectares(24% do território nacional), equivalente

Quadro 2Área Disponível para a Produção Agrícola

1. Área Total do Brasil----------------------------------------- 850.000.000 ha2. Cerrados------------------------------------------------------- 200.000.000 ha3. Outras --------------------------------------------------------- 650.000.000 ha

4.Áreas Ocupadas, Reservas e Florestas Naturais 700.000.000 haFloresta Amazônica ---------------------------------------------- 350.000.000 haLavouras Perenes ------------------------------------------------- 9.000.000 haLavourasTemporárias (ciclo anual)----------------------------- 41.000.000 haPastagens Naturais e Plantadas---------------------------------- 220.000.000 haReflorestamento--------------------------------------------------- 5.000.000 haCentros Urbanos, Estradas, Lagos, Pântanos ----------------- 20.000.000 haReservas Legais---------------------------------------------------- 55.000.000 ha

5.Áreas Agricultáveis Ainda não Utilizadas----------------- 150.000.000 haApropriadas Para Grãos nos cerrados--------------------------- 90.000.000 haAptas para Outras Atividades Agrícolas------------------------ 30.000.000 haReservas------------------------------------------------------------- 30.000.000 ha

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 29

Page 32: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

à metade da área total do México, loca-lizada nos estados de Mato Grosso,Mato Grosso do Sul, Minas Gerais,Goiás, Tocantins, Maranhão, Piauí,Bahia, , Pará, Rondônia, Roraima, SãoPaulo e no Distrito Federal.

Da área total dos cerrados, 137milhões de hectares são terras com po-tencial agrícola, dos quais apenas 47milhões são atualmente ocupados ( 35milhões com pastagem plantada, 10milhões com culturas anuais e 2 milhõescom culturas perenes e reflorestamen-to).

O Brasil dispõe de 90 milhõesde hectares agricultáveis nos cerrados,ainda virgens e por serem explorados,que representam um potencial paraaumentar em nove vezes a produção desoja e milho (mais de 230 milhões detoneladas de soja e 320 milhões de to-neladas de milho). Dentro de uma pers-pectiva internacional, essa áreacorresponde a quase toda a toda aárea cultivada com milho, soja e trigo,nos EUA, e a toda a área cultivada comarroz, milho, trigo e soja, na China.

3. A Segunda Macrotendência: Mai-or Integração dos Mercados Mun-diais

Os grandes avanços nas áreasde transportes, comunicações einformática e a derrocada das economi-as socialistas fechadas da ex-União So-viética e do leste europeu já vinham al-

terando a configuração das relações eco-nômicas mundiais, no processo daglobalização. Com a assinatura dos acor-dos da Rodada Uruguai, esse processoadquiriu um novo ímpeto, e, atualmen-te, de uma forma ou de outra, todos ospaíses do mundo estão sendo afetadospela crescente liberalização dos merca-dos e pelo que isso representa em ter-mos de aumento no fluxo mundial debens e serviços e no movimento inter-nacional de capitais.

A Rodada Uruguai pode serconsiderada a mais ampla e mais ambi-ciosa negociação multilateral já ocorri-da no mundo. A consolidação de todosos tipos de barreiras protecionistas emequivalentes tarifários (com umcronograma de redução), a criação denormas bem definidas para manter asrelações comerciais entre os países, li-vres de práticas distorcivas, e principal-mente a definição de se realizar novasrodadas de negociações para reduzirmais ainda as barreiras alfandegáriasirão trazer grandes mudanças na estru-tura e organização do comércio mundi-al de bens e serviços.

Talvez pela primeira vez nahistória esteja surgindo um sistema decomércio mundial cada vez mais distan-te dos princípios mercantilistas que do-minaram as políticas de comércio exte-rior da maioria dos países nas últimasdécadas e cada vez mais próximo dosideais clássicos de Adam Smith e

Ricardo.

Apesar dos resultados serem ain-da bastante tímidos com relação ao quepode ser alcançado no futuro, principal-mente no comércio agrícola, os avan-ços são remarcáveis. Observando-se, ocomércio dos países membros do Fun-do Monetário Internacional (FMI) e daFAO, nos quatro anos logo após a assi-natura dos acordos da OMC (1993/1997) quando o efeito sinérgico da Ro-dada foi mais concentrado (antes dosefeitos da crise financeira internacional),o valor global das exportações cresceu41,5% (US$1,56 trilhões) comparadocom o crescimento de apenas 12,9%(US$ 428 bilhões) nos quatro anos ime-diatamente anteriores (1990/1993).

Como no comércio agrícola asregras restritivas ao comércio eram maispesadas e mais complexas, os avançosconseguidos na Rodada em termos deredução das barreiras alfandegárias ti-veram também um impacto significati-vo.

O quadro 3 mostra que, entre1990 e 1993, as exportações agrícolasmundiais cresceram apenas 3,9%, pas-sando de US$ 326,2 bilhões para US$339,0 bilhões. Após a assinatura dosacordos em final de 1993, aumentaram34,3%, atingindo US$ 455,5 bilhões em1997.

Individualmente, no período

Quadro 3Exportações Agrícolas Mundiais: Principais Produtos

US$ bilhões

PRODUTOS 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998Comp. Leite 19,6 20,3 23,7 22,7 23,1 27,8 27,6 26,4 26,1Tabaco 18,3 19,5 21,6 19,6 21,5 22,3 25,8 25,5 24,1Frutas1 14,1 16,0 16,2 15,6 18,1 20,4 21,6 21,7 21,6Comp. Soja 13,0 13,2 14,2 14,5 14,9 16,1 20,5 24,1 21,5Trigo 17,7 16,1 19,0 16,5 15,3 17,4 19,8 17,7 15,1Carne Suína 11,6 12,0 13,0 11,3 13,2 15,0 17,0 15,5 16,4Carne Bovina 14,5 15,7 16,9 15,6 16,7 17,2 14,5 18,3 14,7Açúcar 13,6 10,5 10,0 8,9 10,0 11,2 12,9 12,8 11,9Milho 9,8 8,9 9,8 8,7 8,5 9,3 12,7 10,2 9,1C. de Frango 3,7 4,1 4,7 5,0 5,1 7,3 8,8 8,1 8,2Café 7,7 7,6 6,2 6,7 12,0 9,2 10,5 13,1 12,1Algodão(fibra) 8,4 7,8 7,5 5,9 8,4 10,8 10,1 9,1 8,2Vinho 8,5 8,5 8,9 8,0 8,9 9,3 11,5 12,4 13,9Comp. Cacau 8,3 8,2 8,9 9,2 10,9 12,6 13,6 12,8 13,0Couros 6,7 5,2 5,4 5,1 6,5 7,1 7,6 7,4 6,3Arroz 4,1 4,3 5,3 5,0 6,0 5,8 7,1 6,9 9,9Óleo de Palma 2,5 2,8 3,2 3,5 5,2 7,1 5,7 6,6 6,4Outros 144,1 148,4 163,5 157,2 183,9 216,6 218,2 210,1 199,5Total 326,2 329,4 358,0 339,0 388,2 442,5 465,5 455,5 437,9

FONTE: FAODados Preliminares(1) Inclui laranja, tangerina, mexerica, limão, lima, outras frutas cítricas, banana, uvas, passas, coco seco e castanha, pêra, pêssego e

abacaxi.

30 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 33: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 31

1990/1993, o maior crescimento foi ve-rificado no óleo de palma, cujas expor-tações cresceram 40% (passaram deUS$ 2,5 para US$ 3,5 bilhões). Em se-gundo lugar vem a carne de frango, com35%. Em terceiro lugar vem o arroz,com 21,9%. Em quarto lugar vem ocomplexo leite, com 15,8%. As expor-tações do complexo soja vêm em se-guida: no período, cresceram 11,1%(passaram de US$ 13,0 bilhões para US$14,5 bilhões), devido principalmente aocrescimento do consumo de óleos ve-getais e da produção de carnes nos paí-ses asiáticos. Em seguida vem o cacau(10,8%), frutas (10,6%) e vinho (9,4%).Os demais produtos permaneceram es-tagnados.

Como pôde ser observado, nosgrandes complexos do “agribusiness”,o crescimento significativo nas expor-tações ocorreu a partir de 1993. No casoda soja, por exemplo, entre este ano e1997 a taxa foi de 39,1%. Da mesmaforma no complexo frutas – que, comofoi visto, o aumento entre 1990 e 1993foi de apenas 9,1% − entre esse ano e1997, o aumento foi de 39,1%. No vi-nho, o crescimento foi de 55%; no al-godão, 54,2%; no óleo de palma,54,2%; no açúcar, 43,8%; na carnesuína, 37,1% e no cacau, 39,1%. Mes-mo o milho “in natura” cresceu 17,2%.

No caso do café, a elevada taxade crescimento observada entre 1993 e1997 (95,5%) foi em grande parte devi-do à grande elevação de preços ocorri-da em 1997. Em termos de carne bovi-na a grande limitação à expansão emlarga escala do consumo mundial (e,portanto, do comércio) são os elevadospreços relativos, causados principal-mente por grandes restrições sanitáriasainda existentes no países industrializa-dos.

A composição do comércioagrícola também sofreu alterações nasúltimas décadas. O gráfico 1 mostracomo esse aspecto se comportou entre1972 e 1998, considerando os produtosprocessados e “in natura”.

Em 1972, a participação doprodutos processados, com maior valoragregado, foi de 58% do volume totalde US$ 65 bilhões. Nos dez anos se-

guintes, em que o comércio mundial decommodities praticamente triplicou (em1982 chegou a US$ 201 bilhões) essaparticipação cresceu cinco pontospercentuais. Em 1997, quando as expor-tações mundiais atingiram US$ 480,8bilhões, os produtos agrícolas proces-sados representaram mais 71% dovolume total.

No comércio mundial de pro-dutos agrícolas (Quadro 4), os EUA são,de longe, os maiores exportadores. Em1996, chegaram a exportar US$ 66,3bilhões ( 14,2% do total) e, em 1998,

US$ 57,4 bilhões (13,1% do total).

Em seguida vem a França, comUS$ 38,4 bilhões em 1998, e os PaísesBaixos, US$ 30,2 bilhões, devido a suaposição de entreposto da Europa. OBrasil, que chegou a alcançar o sextolugar em 1997, com US$ 16,0 bilhões,em 1998 foi ultrapassado pela Itália econtribuiu com apenas 3,47% das ex-portações agrícolas mundiais.

Vale destacar que, com seuimenso potencial agrícola, o País temcondições técnicas de aproveitar a ten

Gráfico 1

0

50

100

200

250

300

400

450

US$ Bilhões

1972 1982 1990 1993 1998

Processados In Natura

Composição do ComércioAgrícola Mundial

Fonte: USDA/ERS

Quadro 4Principais Exportadores de Produtos Agrícolas

US$ bilhõesPaíses 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Eua 45,2 44,6 48,2 47,7 52,3 62,3 66,3 62,5 57,4França 33,4 32,7 36,2 33,3 34,7 40,7 40,4 38,5 38,2P.Baixos 30,9 30,9 33,7 29,3 35,8 36,9 37,3 32,1 30,2Alemanha 20,3 21,9 24,1 21,3 23,0 24,7 26,5 24,6 25,3R.Unido 12,7 13,5 15,1 13,1 12,9 14,6 15,4 17,4 16,5Itália 11,1 11,9 13,0 11,9 13,1 14,7 16,9 15,7 16,0Brasil 8,8 8,0 9,1 9,7 12,6 13,4 14,3 16,0 15,2Espanha 7,8 8,9 9,5 9,7 10,9 13,2 15,0 15,1 14,8Austrália 11,7 10,4 11,0 11,1 11,9 12,7 16,1 16,9 14,3Argentina 7,0 7,1 7,1 6,7 7,8 10,1 9,8 12,3 12,4China 10,2 11,6 12,0 12,1 12.,3 14,3 14,1 13,4 12,2Dinamarca 8,2 8,5 9,1 8,2 8,9 9,8 10,4 10,4 9,7Malásia 4,4 4,4 4,9 5,0 6,6 8,2 7,8 7,3 7,7Tailândia 5,4 5,8 6,7 6,0 7,1 9,0 9,5 7,7 7,3N.Zelândia 4,7 4,7 5,1 4,9 5,4 6,1 6,6 7,0 5,7Hong Kong 3,6 4,3 4,8 4,6 5,4 5,7 6,2 5,6 4,7Outros 101,1 100,2 105,2 101,2 117,5 216,6 218,2 210,1 199,5Total 326,4 329,3 354,8 335,8 380,3 442,5 465,5 455,5 437,9

FONTE: FAOELABORAÇÃO: DEPLAN/SPA/MA.

Page 34: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

32 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

dência cada vez mais forte deliberalização do comércio mundial, au-mentando significativamente as expor-tações agrícolas e firmando novas posi-ções no mercado internacional, paratornar-se em um prazo relativamentecurto o segundo maior bloco exporta-dor de produtos agrícolas do mundo,logo depois dos Estados Unidos.

Os fatores decisivos são esca-la e eficiência. Como será visto em se-guida, o Brasil tem condições de operarem larga escala no “agribusiness” inter-nacional, pois é o único país no mundo,com uma infra-estrutura razoável, quedispões em abundância do fator de pro-dução mais escasso em escala mundial:terra agricultável. É preciso que se bus-que o máximo de eficiência em todosos elos da cadeia produtiva, que o SetorPúblico crie um ambiente econômicofavorável para que o “agribusiness”nacional possa operar com segurança ecompetitividade na conquista de novosmercados e que as distorções que aindaafetam o comércio internacional sejamminimizadas.

A criação desse ambiente eco-nômico favorável, envolve basicamen-te a rápida modernização da infra-es-trutura (sistema viário e portos), mu-dança na estrutura tributária e nas leistrabalhistas.

Os problemas de infra-estrutura estão sendo resolvidos atra-vés da privatização da malha ferroviá-ria e de projetos para a utilização dashidrovias e da privatização dos portos.No entanto, dada a rapidez e a formacom que os fatos que afetam o comér-cio exterior estão acontecendo, e a im-portância que a logística tem nos cus-tos de transação dos produtos brasilei-ros (notadamente agrícolas), o proces-so está sendo conduzido de forma ain-da lenta. Para dar uma idéia do peso dainfra-estrutura, basta dizer que o custopara se embarcar uma tonelada de sojaem Nova Orleans é apenas 25% do cus-to do embarque do mesmo produto noporto de Paranaguá e o custo para setransportar esse produto entre as regi-ões produtoras dos EUA e o porto deembarque (média de 2000km) porhidrovias é de apenas US$ 16,00 a to-nelada, enquanto no Brasil chega a US$80,00/t.

Na área tributária, a elimina-ção do ICMS nas exportações, sem dú-

vida, foi um passo positivo para melho-rar a posição competitiva dos produtosbrasileiros. Na realidade, até o momen-to, foi o único fato efetivamente rele-vante nesse sentido.

São também conhecidosos problemas e os entraves causadospela legislação que regula as relaçõesde trabalho, antiquada, complexa epaternalista. No Brasil, a legislação tra-balhista é o maior fator de estímulo àproliferação da economia informal emnível nacional e talvez um dos maisimportantes fatores de entrave ao cres-cimento e modernização da economiabrasileira e, portanto, do nível de em-prego e das exportações. Na China, ape-sar do regime socialista, uma amplareforma das leis trabalhistas foi parte daestratégia de implantação do novo mo-delo de desenvolvimento chinês. Portan-to, para melhorar a competitividade dosprodutos brasileiros e atrair investimen-tos diretos em áreas voltadas para o co-mércio exterior é necessário consideraruma profunda reforma das leis trabalhis-tas.

Na área externa, as medidaspodem ser divididas em duas categori-as. A primeira envolve a implantaçãode um eficiente sistema de promoçãocomercial e a segunda, de uma diplo-macia comercial mais dinâmica e agres-siva.

O sistema de promoção comer-cial já é utilizado em larga escala pelosgrandes exportadores mundiais e envol-ve duas variantes: financiamento dasexportações e “marketing”. Na primei-ra, o papel do governo brasileiro seriacriar mecanismos apropriados de finan-ciamento às exportações, considerandoa mesma sistemática adotada pelos ou-tros países exportadores. Nas exporta-ções agrícolas, devido às característicascíclicas da agricultura e ao elevado graude competitividade dos mercados agrí-colas, esses mecanismos são cruciais. Nasegunda (“marketing”), a política envol-veria, em primeiro lugar, a alocação derecursos destinados exclusivamente àpromoção dos produtos brasileiros noexterior, com base em dois objetivos:ampliação dos mercados tradicionais ecriação de novos mercados.

A outra categoria envolve o es-tabelecimento de uma diplomacia co-mercial mais agressiva, atuando concre-tamente para eliminar as barreiras co-merciais existentes contra produtos agrí-colas brasileiros em alguns países.

É verdade que as novas regras deliberalização não atingiram, com a in-tensidade desejável, os produtos do“agribusiness”, que são a base de sus-tentação das exportações da maioria dospaíses em desenvolvimento, inclusive oBrasil.

Todavia, o fraco desempenho dasexportações totais do País deve-se tam-bém à morosidade com que estão sendoatacados os principais entraves às ex-portações, conhecidos como “CustoBrasil”, notadamente no tocante à infra-estrutura, e no próprio desenvolvimen-to de uma cultura exportadora compatí-vel com a posição da economia brasi-leira no contexto internacional.

Como resultado, entre 1994 e1998, as importações cresceram 73,7%e as exportações, apenas 17,8%. Comisso, o País, que tem a oitava economiado mundo e um PIB de US$ 820 bilhões,obtido em 1998, passou a ocupar o 25°lugar na lista dos maiores exportadoresmundiais, bem abaixo de países como oMéxico que, apesar de ter um PIB beminferior ao brasileiro, exportou mais deUS$ 110 bilhões em 1998 (nesse ano oBrasil exportou US$ 51,1 bilhões).

Com, isso, o Brasil passou a apre-sentar a menor relação Exportação/PIB(em torno de 6%) e o único a nãomanter uma relação direta entre a posi-ção do PIB e a posição nas exportações.Os EUA, por exemplo, que tem o maiorPIB do mundo, também tem o maiorvolume de exportações. O Japão, como segundo maior PIB, tem obtido o se-gundo maior volume de exportações. Omesmo acontece, com pequenas varia-ções, com a Alemanha, França e demaispaíses importantes.

No momento, como foi dito, é vi-tal que o Brasil formule uma estratégiade longo alcance, que considere todosos aspectos discutidos antes, e que nãoseja excessivamente centrada em nego-ciações diplomático-comerciais. Existeum amplo leque de alternativas, aindapouco explorado pelo governo e pelosempresários brasileiros na área externa,

Page 35: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

como o uso em escala compatível como tamanho da economia brasileira dosmodernos mecanismos de promoçãocomercial. Na área doméstica, não cus-ta repetir a necessidade urgente de eli-minar rapidamente os entraves existen-tes na infra-estrutura e na burocracia.Segundo informações colhidas na im-prensa, em uma operação normal deexportação são exigidos mais de umadezena de documentos oficiais. NosEUA exige-se apenas um.

O Brasil tem condições de ti-rar proveito imediato da expansão mun-dial da demanda de alimentos, princi-palmente de alimentos com elasticida-de-renda elevada. Como se sabe, essaexpansão vem ocorrendo principalmen-te em função do efeito-preço, que sur-giu em função de um certo grau deliberalização obtido na Rodada Uruguaiem algumas áreas como lácteos, bebi-das, frutas e carnes em grandes merca-dos (como a União Européia e o Japão),antes dominados por rígidos esquemasprotecionistas, e do efeito-renda, ampli-ado em função do elevado índice decrescimento econômico de alguns paí-ses em desenvolvimento, principalmen-te os asiáticos.

Quais seriam então os setoresmais dinâmicos do comércio agrícolamundial e os países onde o Brasil teriacondições de explorar com maior van-tagem e penetrar com escala e seguran-ça nos próximos anos?

De acordo com os dados daFAO, dos grandes complexos exporta-dores mundiais os que apresentarammaior dinamismo, ou seja, maior índicede crescimento no mercado internacio-nal na década de noventa, e que, por-tanto, oferecem melhores perspectivasno novo contexto do comércio mundialcom maior liberalização e maior cresci-mento da renda per capita são: vinho,lácteos, óleo de palma, frutas, carnes esoja.

Em todos esses produtos osesforços de exportação devem ser con-centrados, sem esquecer logicamente osprodutos em que o País já é grande etradicional exportador, como o café, oaçúcar, o suco de laranja, couros etc.

Além disso, o Brasil dispõe das

condições ideais para aproveitar umnovo segmento do mercado agrícolamundial, que está crescendo de formaacelerada, principalmente nos paísesdesenvolvidos, e que já movimenta maisde US$ 10 bilhões ao ano: a agriculturanatural ou biológica. Essa cadeia pro-dutiva envolve produtos que vão do caféaos diversos tipos de cereais e carnes.Dependendo do produto e do país, osconsumidores estão dispostos a pagarpremium de até 200% sobre o preço doproduto comum. O Brasil dispõe domaior rebanho bovino “verde” do mun-do e vários locais já produzindo produ-tos naturais.

Na definição dos paísesprioritários, vale primeiramente notarquais são atualmente os principais com-pradores de produtos do “agribusiness”brasileiro. Pela ordem de importância ospaíses são os seguintes: Países Baixos,com 14,84% (US$ 2,8 bilhões); Alema-nha, com 5,11% (US$ 963,0 milhões);Bélgica, com 4,58% (US$ 863,6 mi-lhões); Japão, com 4,53% (US$ 854,2milhões); Itália, com 3,70% (US$ 697,7milhões); Federação Russa, com 3,60%(US$ 678,2 milhões); China, com 4,48%(US$ 656,0 milhões) e a Espanha, com3,37% (US$ 514,7 milhões). Os demaispaíses, nos quais se incluem os tigresasiáticos, responderam por 54,05%(US$ 10,2 bilhões).

Como pode serobservado,somente os principais impor-tadores da União Européia absorvemmais de 31% das exportações agrícolasbrasileiras. A reunião de Seattle, toda-via, mostrou que o mercado da UE ain-da vai continuar por bastante tempocomo um mercado de difícil acesso,notadamente para produtos não tradici-onais e na escala que o Brasil deseja.De qualquer maneira, as perspectivassão boas para a expansão das exporta-ções de frutas via promoção comerciale uma negociação eficiente com base nalei da reciprocidade pode melhorar oacesso no setor de carnes e produtosnaturais.

Os EUA são competidores doBrasil, mas, por se tratar do maior mer-cado individual do mundo, existe aindamuito espaço para a expansão das ven-das de café, com base numa estratégiaagressiva de promoção comercial, e a

pressão negociadora do Brasil podemelhorar o acesso no açúcar, no sucode laranja e no tabaco. Na linha dos pro-dutos não tradicionais, as frutas são osque oferecem as melhores perspectivas.

No contexto atual, no entan-to, o mercado asiático é o que ofereceas melhores perspectivas, em termos deuma expansão em alta escala das expor-tações do “agribusiness” brasileiro, emfunção de três fatores importantes: a)entrada da China na OMC; b) o Gover-no japonês aparentemente se convenceude que a recuperação da economia ja-ponesa depende de maior abertura parao comércio exterior; c) a rápida recupe-ração dos tigres asiáticos; d) os paísesda Ásia continuarão sendo os maioresimportadores de alimentos do mundo ed) são países que detêm uma posiçãofinanceira externa invejável em termosde reservas, saldos em conta correnteetc.

Devido às condições saudáveis dascontas públicas, da relativa folga nastransações correntes e da inexistência deum passado de indexação, os países docinturão do Pacífico mais atingidos pelacrise já estão dando sinais nítidos de re-cuperação, com reflexo positivo no câm-bio e sem inflação. O won (moedacoreana), que no auge da crise chegou acair 81,6%, apresenta hoje uma desva-lorização de apenas 19%. Na Tailândia,onde nos momentos mais turbulentos odólar subiu mais de 117% em relaçãoao baht, a desvalorização hoje não che-ga a 20%. No Japão, onde o dólar che-gou a 146 yens, hoje a cotação gira emtorno de 104 yens.

Com relação à China, que pratica-mente não foi atingida pela crise asiáti-ca, o fato econômico mais importantefoi a sua recente entrada na OMC. Em1998, o PIB chinês deve ter crescidomais de 7% e o saldo em conta corren-te, mais de US$ 28 bilhões(com umsaldo comercial de US$ 27 bilhões).Atualmente, o nível de reservas inter-nacionais da China é o maior entre ospaíses emergentes (US$ 152,3 bilhões)seguido de Taiwan (US$ 98,6 bilhões),Hong Kong (US$ 89,2 bilhões),Singapura (US$ 75,1 bilhões) e Coréiado Sul (64,7 bilhões).

Esses fatores, abrem uma amplaperspectiva de ampliação das exporta-

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 33

Page 36: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

ções de alguns produtos-chave do“agribusiness” nacional, como bebidas(vinhos finos e cervejas), carnes, café,suco de laranja, frutas e grãos. A ten-dência depois da entrada na OMC é es-pecializar-se cada vez mais em seusprincipais itens de exportação comobrinquedos, confecções, produtos eacessórios eletrônicos pouco sofistica-dos, produtos esportivos e miudezas epassar a importar (em função da redu-ção nas barreiras tarifárias e nãotarifárias) produtos alimentícios maisnobres, como carnes, frutas, óleos ve-getais, grãos, açúcar e algodão paraabastecer o seu parque têxtil.

Dessa forma, uma atenção espe-cial deve ser dada a esse país, tanto emtermos de negociações como em termosde estratégia comercial. Com isso emmente é que os EUA continuam conce-dendo à China o status de nação maisfavorecida, apesar do imenso déficit nabalança comercial (mais de US$ 40 bi-lhões no ano passado), dos problemasna implantação da lei de propriedadeintelectual e das constantes violaçõesaos direitos humanos. E, por questõesde geopolítica, os chineses querem di-versificar as fontes de suprimento dealimentos, atualmente muito concentra-das nos Estados Unidos. O grau de pre-sença da China no comércio internacio-nal de alimentos, hoje, é um dos fatoresque mais influem no comportamentodos mercados.

Os chineses já importam do Bra-sil vários produtos, destacando-se o óleode soja. Qualquer tipo de negociaçãocom esse país deve levar em conta doisfatores: a China continua tendo um re-gime político fechado com característi-cas bem definidas e as decisões econô-micas, principalmente as relativas aocomércio exterior, são tomadas de for-ma centralizada, levando em conta prin-cipalmente a possibilidade da criação deparcerias duradouras e confiáveis.

Quanto ao Japão, as medidasmacroeconômicas baseadas no aumen-to dos gastos públicos e na redução dataxa de juros não surtiram o efeito de-sejado. Aliás, esse país é o único nomundo em que os títulos do tesouro es-tão com taxa de juros negativa. Apesarde algum resultado positivo, tudo indi-ca que a saída do processo recessivo(que já dura mais de 8 anos), induzidoprincipalmente pelo subconsumo, está

na maior abertura do mercado japonêspara o resto do mundo.

O consumidor japonês estásaturado de produtos domésticos e de-seja avidamente consumir produtos im-portados, de categoria superior. O go-verno aparentemente já está tomandoconsciência disso, haja vista o esforçoda Japan External Trade Organization(JETRO) para aumentar as importaçõesde alimentos e bebidas nobres.

Para o Brasil, esse aspecto é im-portante pois abre uma ampla perspec-tiva para aumentar significativamente asexportações de vinho, cerveja, carnes(principalmente bovina) e frutas para asegunda economia do mundo. Entre1996 e 1998, por exemplo, as importa-ções japonesas de vinho fino triplicaram,passando de US$ 420 milhões para US$1,4 bilhão. As de cerveja duplicaram nosúltimos dois anos. As exportações to-tais do Brasil para o Japão (incluindominério de ferro, alumínio e soja) che-garam a apenas US$ 2,2 bilhões em1998,ou seja, menos que o dobro dasimportações japonesas de vinho.

Apesar de grandes importadoresmundiais de alimentos, apenas a Chinae o Japão estão entre os principais im-portadores de produtos agrícolas brasi-leiros, o que demonstra a necessidadedo Governo brasileiro, junto com a ini-ciativa privada, desenvolver um amplotrabalho de penetração nos mercadosasiáticos. Se isso não ocorrer, a recupe-ração das economias da Ásia será im-portante para o Brasil apenas pelo seuimpacto positivo nos preços dascommodities no mercado internacional.

4. A Terceira Macrotendência: Ên-fase nos Programas Sociais eAmbientais

Na parte social, a nova tendên-cia na agricultura é a ênfase em progra-mas de desenvolvimento rural, direta-mente relacionados com a melhoria naqualidade de vida da população rural.

Como se sabe, no tocante àspolíticas domésticas de suporte à agri-cultura, os acordos da OMC dividiramessas políticas em dois grupos: políti-cas permitidas, como as de apoio direto

ao desenvolvimento rural (estradas, ele-trificação, educação, capacitação demão-de-obra e alguns tipos de transfe-rências diretas e financiamentos) e ou-tras políticas, que afetam os preços demercado e, portanto, são sujeitas a re-dução, como as políticas de suporte depreços.

Nesse ponto vale chamar aatenção para a experiência brasileira nautilização de instrumentos de apoio àagricultura.

Como se sabe, o modelo deapoio à agricultura brasileira sempre foiexcessivamente concentrado em ins-trumentos financeiros, de curto prazo.

Em sua essência, esse mode-lo é baseado no modelo americano deapoio à agricultura, adotado na épocado “New Deal”, na década de trinta, quebuscava a paridade entre renda rural ea renda urbana, por meio da criação do“support price” e da ampliação do“farm credit system”.

Sua aplicação se dava atravésde aquisições diretas e de empréstimosde comercialização (“marketingloans”), e o crédito rural era executa-do por um sistema de bancos agrícolasde natureza privada, mas operandocom forte patrocínio do setor público.

No decorrer dos anos, essesinstrumentos foram se ajustando e aper-feiçoando. Entre as modificações maisimportantes pode-se citar a introduçãodo “target price”, que embutia o con-trole da área plantada, as mudanças nosmecanismos de crédito para estimulara participação dos bancos comerciais ea introdução de um subsídio (diferençaentre o preço suporte e o preço de mer-cado) para se evitar aquisições gover-namentais. O crédito patrocinado pelogoverno, que na década de trinta eraresponsável pela quase totalidade daoferta de crédito formal à produção,atualmente contribui com menos de17%.

Devido aos acordos da OMCe a alguns problemas de natureza orça-mentária (ligados à dificuldade de pre-visão dos desembolsos), a lei agrícolade 1996 (Fair Act) passou a dar maiorênfase ao seguro agrícola e praticamen-te “congelou” os programas oficiais

34 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 37: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

baseados no suporte de preços, substi-tuindo-os por pagamentos diretos aoprodutor. Somente com a recente criseno mercado de commodities agrícolasos pagamentos através do“loandeficiency” voltaram a ser usados emgrande escala.

A diferença fundamental en-tre o modelo americano e o brasileiro éque o modelo americano deu uma ên-fase muito grande aos programas dedesenvolvimento rural, principalmen-te no tocante à infra-estrutura (estradasrurais, armazéns e eletrificação rural),à educação, à pesquisa e paralelamen-te estimulou a criação de um amplo esofisticado sistema multimodal detransportes para o escoamento das sa-fras.

Por outro lado, o forte viés decurto prazo do modelo de política agrí-cola brasileiro contribuiu para piorar acurva de distribuição de renda no País,para, de certa forma, justificar a ausên-cia de investimentos governamentaisem infra-estrutura de apoio à produçãoe comercialização, tornando o setorrural extremamente vulnerável aos“swings” da política macroeconômica,que certamente são os principais res-ponsáveis pela escala deendividamento.

A política crédito remonta aoséculo passado, envolvendo basica-mente o café e o açúcar, mas somenteforam sistematizadas na década de trin-ta, com a criação da Carteira de Crédi-to Rural e Industrial do Banco do Bra-sil (CREAI).

O sistema de preço suportefoi criado na década de quarenta, massó começou a operar em escala razoá-vel a partir de meados da década desessenta, quando o Governo promoveuuma ampla mudança na política agrí-cola para aumentar a produção de grãose diversificar e aumentar as exporta-ções agrícolas.

As principais medidasadotadas naquela época foram areformulação da Política de Garantia dePreços Mínimos (PGPM) e a criação doSistema Nacional de Crédito Rural(SNCR). No início da década de setentatambém foi criada uma empresa estatalde pesquisa agropecuária (aEMBRAPA), para dar suporte

tecnológico ao sistema produtivo.

Os resultados da nova políticaforam imediatos. Entre 1965 e 1980ocorreu o grande salto na direção de umanova economia agrícola, baseada na pro-dução de grãos, na agroindústria a elarelacionada e nas exportações, até atin-gir a sua atual configuração.

Nesse período, a produção degrãos dobrou, passando de 25,1 milhõesde toneladas para 49,9 milhões de to-neladas. O melhor desempenho ficoupor conta da soja, cuja produção, em1965, era praticamente inexistente e, em1980, atingiu 15,1 milhões toneladas.

A estratégia de aumentar e di-versificar as exportações agrícolas tam-bém deu resultados. Entre 1965 e 1980,as exportações agrícolas cresceram, emtermos reais, mais de 273% e a partici-pação do café e do açúcar, que era de99% no primeiro ano, caiu para 39,1%.Atualmente, é inferior a 26%.

Embora a PGPM em algunsmomentos tenha desempenhado um pa-pel fundamental, principalmente na re-gião de fronteira agrícola, o pilar desustentação do novo modelo foi o cré-dito agrícola.

Entre 1965 e 1998, foram apli-cados, em valores de 1997, cerca de US$340 bilhões em todas as modalidades.No primeiro ano de operação do SNCR(1966), as aplicações totalizaram ape-nas US$ 773,3 milhões. Nos quinze anosseguintes, a tendência foi de crescimentoacentuado, tendo o volume máximo sidoalcançado em 1979 ( US$ 20,4 bilhões).Em 1975 o total de crédito concedido (US$ 17,5 bilhões) chegou a um valorequivalente a 58,9% do PIB líquido detodo o setor agropecuário (US$ 26,9bilhões).

Durante o período 1970 a 1985( último ano de taxa real negativa), fo-ram transferidos, a preços de 1997, cer-ca de US$ 31,5 bilhões para a agricul-tura na forma de subsídios (medido peladiferença entre a inflação e a taxa dejuros). A concentração dos subsídiosconcedidos ocorreu entre 1974 e 1983.Em 1976, 1979 e 1980, foram concedi-dos 43,8% do total.

O agravamento da crise fiscaldo Estado brasileiro e a abertura da eco-

nomia no início dos anos noventa e aestabilização da moeda em meados dadécada trouxeram duas mudanças im-portantes na política agrícola: a reduçãodrástica na oferta de crédito oficial e aintrodução de dois instrumentos menosonerosos e menos intervencionistas parasubstituir os instrumentos tradicionaisda Política de Garantia de Preços Míni-mos: o Prêmio de Escoamento da Pro-dução (PEP) e o Contrato de Opções.

O Prêmio de Escoamento daProdução (PEP) foi baseado no novomecanismo do “deficiency loan”, quetransfere para o produtor ou comerci-ante um subsídio correspondente à di-ferença entre o preço de mercado e opreço mínimo, evitando as problemá-ticas aquisições governamentais queocorriam quando o preço de mercadoficava abaixo do preço mínimo. Comoefeito do PEP, os estoques públicos, queno final da década de oitenta chegarama atingir perto de 20 milhões de tonela-das de grãos, nos últimos anos não têmultrapassado a dois milhões de tonela-das.

Em resumo, durante todo oprocesso de desenvolvimento daagricultura brasileira, a ênfase daspolíticas governamentais foi em cimados chamados instrumentos de mercado(crédito rural e política de garantia depreços mínimos) e pouca atenção foidada à transferência dos chamados benspúblicos ( infra-estrutura, educaçãorural, pesquisa, informações etc.) parao setor agrícola.

Apesar dessas políticasgovernamentais terem promovido comsucesso a expansão da fronteira agrícolae a utilização da imensa base territorialbrasileira na produção de grãos, isso foiconseguido com imenso custo social, naforma de desperdícios de recursos dosistema oficial de crédito (comprovadopela análise da relação entre o volumede crédito e a produção de grãos),estímulo à inflação (uso de fontesinflacionárias), concentração de renda(poucos tinham acesso ao créditooficial), e principalmente na falta devisão estratégica com relação ao futuro.

Na verdade, a falta de ênfasena construção de boas estradas, esco-las, hospitais, sistemas de comunica-ções, eletrificação rural e equipamentos

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 35

Page 38: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

de apoio ao funcionamento dos merca-dos teve dois efeitos negativos, que con-tribuíram para a aceleração do fluxomigratório do campo para a cidade ecujos reflexos são sentidos atualmentecom grande intensidade pela sociedadebrasileira: o primeiro foi ampliar a di-ferença entre o padrão de vida rural eurbano, e o segundo foi elevar consi-deravelmente os custos de transação dosprodutos agrícolas, dificultando comisso a ampliação dos mercados (domés-tico e internacional) e portantoinviabilizando, na prática, o aproveita-mento em maior escala do imenso po-tencial agrícola do País (e o que issorepresenta em termos de geração deempregos, divisas etc.).

Com relação ao meio ambien-te, tudo indica que a conjugação do novomodelo de atuação do Estado na econo-mia, com a crescente inserção do Brasilno mercado internacional, ao contráriodo que muitos imaginam, vai acelerar ouso de métodos e formas de produçãoque utilizam cada vez mais tecnologiascompatíveis com a preservaçãoambiental, dentro do sistema conheci-do como “agricultura sustentável”.

Na definição mais comum,sustentabilidade é “o uso de recursosnaturais e humanos de forma a garantiras necessidades presentes, sem compro-meter a capacidade de produção para asgerações futuras”. O seu princípio bá-sico é o equilíbrio entre as variáveis eco-nômicas e as variáveis ambientais. Numconceito mais amplo, são também in-cluídas as varáveis sociais. Dessa for-

ma, a sustentabilidade pressupõe a ob-tenção do desenvolvimento econômicosem depredação dos recursos naturais ea inclusão da preservação ambiental nocálculo econômico.

Evidentemente, mesmo no lon-go prazo, ainda continuará sendo neces-sária a transferência, em larga escala,para o setor agrícola de energia na for-ma de combustíveis e nutrientes mine-rais e de produtos químicos ( para con-trole de pragas), para atender às neces-sidades de crescimento da demandamundial de alimentos.

Todavia, o surgimento de téc-nicas de produção que atendem às exi-gências de um meio ambiente mais sau-dável (e que podem ser usadas na pro-dução de alimentos em larga escala), aconsciência cada vez maior da socieda-de de que mesmo em países com baixocoeficiente de utilização da terraagricultável como o Brasil, existem li-mites claros ao uso desordenado dosrecursos naturais, e a pressão crescentedos consumidores por alimentos maissaudáveis, estão contribuindo decisiva-mente para que esse sistema de explo-ração (logicamente com grandes dife-renças regionais ou locais) já atingiu oseu ponto de saturação.

Um exemplo disso é a utiliza-ção crescente do “plantio direto”, umatecnologia que carrega fortes elemen-tos de sustentabilidade, introduzida noBrasil no início da década de setenta e

somente levada a sério, como alternati-va ecológica viável, em anos recentes.Em 1973, as áreas com plantio diretonão chegavam a 200.000 hectares. Para1998, a previsão é de que 7 milhões dehectares serão cultivado no sistema deplantio direto (Gráfico 2).

Ressalte-se que a aplicaçãocrescente dos princípios dasustentabilidade está sendoconseqüência direta da crescentepreocupação da sociedade com aspráticas conservacionistas e da própriaabertura comercial, já que osconsumidores, principalmente os dospaíses mais avançados, estão dando umgrau de atenção cada vez maior aocontrole de qualidade dos produtos,notadamente em termos de poluição(usode agrotóxicos).

As principais característicasda agricultura sustentável tendem a ser:a) utilização mais racional eparcimoniosa de instrumentos de curtoprazo, como o crédito rural no apoiooficial à agricultura; b) agricultura maisorientada para o mercado, com a retiradacrescente do governo do processo decomercialização; c) maior ênfase nosprogramas de desenvolvimento rural,principalmente os relacionados cominfra-estrutura e educação; d)crescimento acelerado da chamadaagricultura natural; e) preocupaçãomaior com o meio ambiente e f) maiorinfluência das variáveis que comandamo comércio internacional, nas decisõesdo produtor rural.

Gráfico 2

1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1994 1995 1996 1997 19980

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

Mil

Hec

tare

s

1973 1975 1977 1979 1981 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1994 1995 1996 1997 1998

ÁREA CULTIVADA COM PLANTIO DIRETO

Fonte: FABRABDP e APDC * 1998 Estimativa

36 Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000

Page 39: Fernando Henrique Cardoso - agricultura.gov.br · ISSN nº 1413 - 4969 Endereço Internet Ministério da Agricultura e do Abastecimento http: // www. Agricultura. gov. br Companhia

PANORAMA DA AGRICULTURA EM1999

Amilcar Gramacho(1)

Revista de Política Agrícola - Ano IX - No 01 - Jan - Fev - Mar - 2000 37

1. Introdução

A agropecuária foi o setor queacabou proporcionando sustentação àeconomia brasileira, num ano que ficoumarcado, desde seus primeiros dias, pe-los impactos resultantes dos ajustes pro-movidos para retomar a credibilidadeinternacional da nossa moeda e preser-var a estabilidade interna.

Ainda que os resultados dasmedidas adotadas pelo governo tenhamsacrificado a retomada do crescimentoeconômico, grande parte dos analistasaprovou o programa de ajuste e sua efi-cácia em impedir a retomada do proces-so inflacionário que havia caracterizadoo panorama da economia brasileira du-rante várias décadas.

Para a agricultura, não há qual-quer dúvida de que o programa de ajus-te contribuiu para melhorar acompetitividade do setor a longo prazo,favorecendo primordialmente os produ-tos de exportação e, também, a parcelada produção interna de itens dos quais oBrasil é importador. Para os produtos nãotransacionáveis com o exterior, contu-do, os efeitos de curto prazo foram emparte negativos, uma vez que tiveramseus custos impactados pela elevação dospreços dos insumos importados, ao mes-mo tempo em que se defrontaram comuma demanda sob efeito da retração nonível de renda. A médio prazo, contudo,esses efeitos tendem a ser compensados

pela recuperação do nível de empregoe renda no País.

No campo das negociações in-ternacionais, espaço esse cada vez maisintegrado ao contexto da política agrí-cola e do agronegócio brasileiros, ocu-param destaque as fortes reações dosparceiros comerciais do Brasil noMercosul, como decorrência da novataxa de equilíbrio cambial que afetou acompetitividade de boa parte das im-portações que vinham desses países. Aonível das negociações globais, o encer-ramento do ano ficou assinalado pelofracasso, em Seattle (EUA), das tenta-tivas de retomar as discussões sobre ocomércio agrícola, no que se haviaconvencionado chamar de “rodada domilênio”.

O ano foi, ainda, marcado porsignificativas mudanças na estrutura do

Ministério da Agricultura e do Abaste-cimento, tendo sido incorporados osassuntos do café e da cana-de-açúcar àspreocupações da pasta. Ao mesmo tem-po decidiu o governo concentrar as uni-dades de atendimento a produtores as-sentados em projetos de reforma agrá-ria no ministério responsável por essaimportante questão social.

2. Produção

O PIB do setor, medido peloIBGE (Quadro 1), cresceu expressivos8,99% ao longo do ano e acumulou umaevolução de 34,5 % na última década.Recuperando-se do mau desempenho de1998, o nível de atividade do subsetorlavouras expandiu-se em 11,26%, en-quanto o de Produção Animal fechou oano com crescimento de 5,73%, mais doque dobrando a taxa de crescimento doperíodo anterior. Com menor peso naconstrução desse indicador, as ativida-des extrativas vegetais tiveram evolu-ção de 1,45 % sobre 1998.

De um modo geral, mesmo nãotendo sido influenciada pelo novo pa-drão cambial, uma vez que o plantio dosprodutos da safra de verão ocorreu ain-da em 1998, a produção obtida no anode 1999 foi significativamente superiorà da temporada precedente. Pelo ladodas lavouras (Quadro 2) os maiores gan-hos ocorreram no arroz (+52,1%), fei-jão (+31,3%), fumo (+22,9%) e algo