123

fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)
Page 2: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

Fernando Pessoa

MENSAGEM: HISTÓRIA. MITO. METÁFORA.

Page 3: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

Editora Arte & Ciência

1996

Elêusis M. Camocardi

Fernando Pessoa

MENSAGEM: HISTÓRIA. MITO. METÁFORA.

Page 4: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

Editora Arte & CiênciaR. Joaquim Antunes, 922 conj. 3Pinheiros, São Paulo – SPCEP 05415 - 001 Tel/fax: (011) 284-0272

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Biblioteca de F.C.L. - Assis - UNESP)

Índice para catálogo sistemático:

1. Poesia : Século XX : Literatura portuguesa :História e crítica. 869.109

2. Poesia portuguesa : História e crítica. 869.109

© 1996, by Autor

Editor: Henrique Villibor FloryDiretor Administrativo: Alexandre Villibor Flory

Editor de Arte : Gregor OsipoffCapa : Fernando Pessoa num óleo de Almeida Negreiros

Editoração Eletrônica: Ronaldo Ivan VerginioRogério Romão da SilvaNelson Miguel de Paula

Camocardi, Elêusis M. C185m Mensagem: História, Mito, Metáfora / Elêusis M.

Camocardi - São Paulo : Arte & Ciência, 1996.p. 124 (Universidade Aberta, v. 21)

ISBN : 85-86127-04-3

1. Pessoa, Fernando, 1888-1935. 2. Poesia portu- guesa - Crítica e interpretação. 3. Poesia e história - Século XX. I.Título. II.Série.

CDD 869.109

Page 5: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

Dedico este livro

à minha mãe, Mariinha, exemplo de luta e perseverança;à minha filha, Débora, motivo de realizações;aos meus alunos, estímulo profissional.

Page 6: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

Índice

Introdução ....................................................................................... 9

A Construção da História e da Trans-História de Portugal -Da Predestinação à Potencialidade.......................................... 10

1. A Dimensão Mítica: Da Formação do Território aosPrimórdios da Nacionalidade .................................................. 13

2. A Dimensão Épica: a Expansão do Território e osMitos da Conquista.................................................................. 24

3. A Dimensão Trágica: os heróis - símbolos do dever ser .......... 59

4. A dimensão profética:“a esperança de ressurreição” ............... 67

Conclusão ..................................................................................... 97

Notas ........................................................................................... 104

Bibliografia ..................................................................................113

Page 7: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

Introdução

Fernando Pessoa é um poeta que se exprime não só por con-ceitos, mas também por símbolos. Estes surgem na sua obra não comoartifícios literários ou estéticos, mas como captadores e transmissoresde sua cosmovisão.

Consciente de sua missão de captar a voz coletiva da reali-dade nacional, em Mensagem expressa os mitos que os descobrimentose as conquistas revelaram em forma de ação, erguendo-se como umpoeta solidário à sua pátria pelos múltiplos laços de umasupraconsciência coletiva.

Mensagem é construída pela valorização do invisível vistocomo realidade objetiva, pela predominância da imaginação comofaculdade de poder cognitivo, pela forma mitológica aliada a um espíritoanti-histórico, pela união do humano e do divino e pela nostalgia doinvisível, encerrando o infinito poder de evocar e de sugerir do Poeta.Por isso contém em si mesma múltiplas correlações e váriassignificações.

Assim, ao curvar-se sobre um ser em transformaçãoincessante que é Portugal na sua história, Fernando Pessoa nãodesenvolve uma visão puramente ou intencionalmente historicista efactual, mas, antes, toda a Mensagem, na sua formulação simbólica emitológica, implica numa concepção trans-histórica ou supra-histórica,contendo em si uma realidade que excede as coordenadas do tempo edo espaço.

Para a construção desta supra-história que é a de Mensageminterseccionam-se as raízes formadoras da espiritualidade de FernandoPessoa: a mitologia histórica dos romanos, a mitologia cósmica dosceltas e a mitologia judaica, com uma visão providencialista da história.

A obra oriunda dessa confluência pode ser considerada umaepopéia porque parte de um núcleo histórico. Porém a ação dos heróis

Page 8: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

10

somente adquire pleno significado dentro de uma referência mitológica:apenas foram eleitos pelo Poeta, com direito à imortalidade, aqueleshomens e feitos que manifestaram em si mitos significativos.

O presente estudo sôbre Mensagem, fruto de longos anos depesquisa e de reflexão compartilhada com professores e alunos em ati-vidades acadêmicas, privilegiará a re-construção da História de Portugal- passo determinante para que os alunos desenvolvam uma leitura com-preensiva da obra e a análise do discurso literário, para o qual concor-rem também formulações mitológicas e simbólicas.

A Construção da História e da Trans-História de Mensagemseguirá um percurso que podemos denominar da predestinação àpotencialidade e que presidirá a divisão do desenvolvimento do estudoem quatro dimensões: a dimensão mítica, a dimensão épica, a dimensãotrágica e a dimensão profética.

A Construção da História e da Trans-História de Portugal - DaPredestinação à Potencialidade

Embora Mensagem tenha vindo a lume apenas em 1934,por insistência de amigos, após concorrer a um prêmio instituído peloSecretariado de Propaganda Nacional,1 parece que a organização deuma obra de cunho nacionalista, inspirada no sentimento esotérico e“embebida em simbolismo templário e rosicruciano” 2 , nascera noespírito do Poeta ja em 1913, quando da elaboração do poema “Gládio” ,depois incluído em Mensagem com o título de “D. Fernando, Infantede Portugal”. Também é aventada a data de 1918, quando compôs“Padrão”e “Mostrengo”, publicados somente em 1922, no númeroquatro da revista Contemporânea, juntamente com os outros poemasque integram a segunda parte da obra, “Mar Português”. O projeto é,portanto, antigo no espírito de Fernando Pessoa, e, até pouco antes desua publicação denominava-se Portugal. O Poeta justificava asubstituição do título “por não achar a sua obra à altura do nome daPátria” e por considerar Mensagem “mais dentro da índole dotrabalho, e, ainda, por ter o mesmo número de letras” 3. Além disso,alega mais um motivo para a alteração do título: “Alterei o título porqueo meu velho amigo Da Cunha Dias me fez notar - a observação erapor igual patriótica e publicitária - que o nome de nosso pátria estavahoje prostituído a sapatos, como o hotéis na sua maior Dinastia”. 4

Page 9: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

11

Em vários planos de publicação futura de sua obra consta a deMensagem. Em carta dirigida a João Gaspar Simões (28 de Junho de1932), Pessoa explicita: “Era minha intenção começar as minhas publi-cações por três livros, na ordem seguinte: (1) Portugal, que é um livropequeno de poemas (tem 41 ao todo) de que o “Mar Português” é asegunda parte; (2) Livro do Desassossego (...); (3) Poemas Completosde Alberto Caeiro.” 5

Com Mensagem, o Poeta pretendia enaltecer a Pátria trans-mitindo uma mensagem de fé nos destinos da nação, por acreditá-lapredestinada. Como projeto de apologia, Fernando Pessoa tentava umempreendimento nos moldes da poesia épica moderna dos fatosenaltecidos. Diferentemente da epopéia camoniana, Pessoa faz o elogiodo povo lusitano não como reencarnação dos antigos, mas orientadopela idéia de que “A Nação é a escola presente para a Super-Naçãofutura” 6. Assim, concebeu Mensagem como um ritual de afirmaçãonacional, combinando elementos de espiritualidade, misticismo epatriotismo.

Ademais, o Poeta teve como função, ao celebrar o seu ritualde confiança, orientar o povo para a noção de que a decadência nacionalera mais um signo de esperança que de desespero, com profunda vocaçãotranscendental mais que de êxito terreno.

Muitos críticos e estudiosos da obra pessoana têm-se de-bruçado sobre a classificação de Mensagem quanto ao gênero literário.Poema épico? Poema épico-lírico? A maioria dos estudiosos analisa ogênero de Mensagem confrontando-a com Os Lusíadas, observandoas diferenças e os pontos de convergência das duas obras. AntonioCirurgião, na obra O Olhar Esfingico da Mensagem de FernandoPessoa chega a considerá-la uma composição hibrica em que semisturam matéria épica, matéria lírica e elegia. Já Massaud Moisés, nasua A criação Literária considera Mensagem como um poema épicode modelo moderno. Maria Helena Nery Garcez em “Mensagem:Profissão de Fé Poética” também a considera um poema épico dostempos modernos, demonstrando que “a essência do épico não está emapresentar uma proposição, invocação, dedicatória, narração econclusão, mas em apresentar uma interpretação da História do ho-mem e do sentido do mundo.7 Segundo Anazildo Vasconcelos da Silva,“o que distingue o modelo épico moderno dos outros (clássico erenascentista) é o centramento do relato na dimensão mítica da matéria

Page 10: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

12

épica, levando a epopéia moderna a estruturar-se a partir domaravilhoso” 8.

Centrado na dimensão mítica da matéria épica, o relato li-berta-se do tempo histórico tornando possível a utilização do discursono tempo presente e o uso da primeira pessoa. A condição mítica doherói épico moderno permite-lhe narrar seus próprios feitos, em primeirapessoa, o que não era possível ao herói clássico nem renascentista,devido à sua condição histórica.

Afirma, ainda, o crítico, que “a estruturação a partir do ma-ravilhoso acentua a consciência lírica que adere ao fio narrativoestruturante do relato”.9

Assim, com forte tensão lírica, Mensagem organiza-se comomatéria épica, sustentada na mistura das dimensões real e mítica, complanos histórico e maravilhoso bem estruturados. A dimensão real con-siste na estruturação do passado histórico de Portugal - desde os alvoresda nacionalidade até às conquistas ultramarinas e a decadência dostempos modernos - e a dimensão mítica estrutura um tempo presente(futuro) não realizado historicamente.

O fato histórico de Mensagem prende-se à dimensãotemporal da realidade objetiva - século XII ao XVI - enquanto o mito,sendo uma estrutura de afirmação do real, adere ao fato histórico,reduplicando sua estrutura de realidade. Assim Mensagem está centradanuma estrutura de realidade histórica miticamente duplicada, e partedela para a dimensão real.

Mensagem constitui-se de três grandes partes: “Brasão”,“Mar Português” e “O Encoberto”, e é marcada, desde o seu limiar,por inscrições latinas. Na frase de abertura - “Benedictus DominusDeus Noster qui dedit nobis signum” - (Bendito seja Deus NossoSenhor que nos deu o sinal), o Poeta fala de uma dádiva divina e nafrase de encerramento, a hipógrafe “Valete, Fratres!” (Saúde, Irmãos!)o Poeta faz votos para que os destinatários desse dom ou sinal saibamconvertê-lo em meio de salvação. As três grandes partes também sãoencabeçadas por epígrafes: “Bellum sine bello” (Guerra sem guerra),“Possessio Maris” (A posse do Mar) e “Pax in excelsis” (Paz nasAlturas).

Segundo Antonio Cirurgião, “o poeta dividiu muito apropri-adamente a obra em três partes (três é o número sagrado da divindade)

Page 11: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

13

fazendo corresponder, nas suas linhas gerais, a Primeira Parte aoPortugal da Europa, a Segunda Parte ao Portugal de Além-Mar, e aTerceira ao Portugal do futuro ou Quinto Império. Trata-se,evidentemente, de um discurso de configuração ascensional, um poucoà maneira, mutatis mutandis, do discurso da Divina Comédia deDante.”10

1. A Dimensão Mítica: Da Formação do Território aos Primórdiosda Nacionalidade

Desde a sua epígrafe, a Primeira Parte ou “Brasão” principiapor concentrar em si um oxímoro: “Guerra sem guerra”, como a sugeriraos destinatários de sua mensagem que a guerra proposta pelo Poeta édiferente daquela que será retratada nos campos dos Castelos - não seráum combate sangrento, mas um combate espiritual que caminhará emdireção a um império.

Embora na sua configuração exterior o Brasão descrito naMensagem seja o do Infante D. Henrique e não o de Portugalmonárquico, parece que no espírito do Poeta é do de Portugal que setrata. Aliás, a única diferença entre os dois reside no timbre: enquantono brasão de Portugal, a partir de D. João I, consta a serpe alada, nobrasão do Infante figura o grifo (metade águia e metade leão).

A apresentação do “Brasão”, no seu aspecto espacial, pro-cessa-se em movimento centrípeto e ascensional, evoluindo do ex-terior para o interior. No aspecto temporal processa-secronologicamente, desde os tempos míticos do antemanhã danacionalidade até ao tempo histórico.

Os 19 (dezenove) poemas que constituem o “Brasão” têmlevado muitos críticos a estabelecerem comparações entre o Poeta(que se anunciava em A Águia, precisamente no momento em quecomeçava a elaboração da futura Mensagem, como um super-Camões), e o grande autor do poema Os Lusíadas. Com efeito,Camões, no Canto III de sua epopéia, consagrou 13 (treze) estânciasao Milagre de Ourique (Batalha de Ourique) e às principais armasnacionais. É bem possível que Pessoa se tenha baseado no modelocamoniano para compor o “Brasão”. Camões evoca Afonso Henriques,ainda no campo de batalha, pintando sobre seu escudo (até entãobranco) as armas divinas:

Page 12: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

14

Aqui pinta no branco escudo ufano,Que agora esta vitória certifica,Cinco escudos azuis esclarecidos,Em sinal destes cinco Reis vencidos.

E nestes cinco escudos pinta os trintaDinheiros por que Deus fora vencido,Escrevendo a memória, em vária tinta,Daquelle de Quem foi favorecido.

Em cada um dos cinco, cinco pinta,Porque assim fica o número cumprido,Contando duas vezes o do meio,Dos cinco azuis que em cruz pintando veio.11

(III, 53-54)

O poeta renascentista português apresenta as armas com oscinco escudos pintados de cinco dinheiros, como eram as quinas na suaépoca, e não no tempo de Afonso Henriques. Mas não faz alusão aosCastelos, estes foram acrescidos ao escudo português sob o reinado deD. Afonso III (1248-1279).

A Primeira Parte de Mensagem, cronologicamente, não vaialém do reinado de D. Sebastião. Nessa época o brasão português eramais ou menos parecido com o de hoje:

De prata, cinco escudetes de azul postos em cruz, cadaum deles carregado de cinco besantes postos em aspa.Bordadura de vermelho, carregada de sete castelos de ouro.

Timbre: serpe alada nascente de ouro 12

Na comparação do “Brasão” elaborado por Pessoa com o bra-são português da atualidade, sobressaem algumas variantes: o sétimo Cas-telo é desmembrado por Pessoa em (I) e (II). Talvez se pudesse interpretarque esse desdobramento corresponda à variação dos nomes dos Castelossobre os brasões de reis sucessivos que iam diminuindo no curso dosséculos, até chegar ao sétimo. No começo do século XVI ainda se encon-tram brasões com oito castelos.13 Em Mensagem o castelo desdobradotrata de dois poemas, consagrados um a D. João I e outro a sua esposa,D. Fílipa de Lencastre, e mantêm-se unidos pelo número sete (númerosimbólico para Pessoa).

Outra variante, e esta é uma diferença notável, é a presençado “Grifo”ou Timbre no lugar da serpente alada - é uma insígnia apensa

Page 13: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

15

exteriormente ao Brasão: espécie de animal fabuloso, fantástico, mistode águia e leão:

O grifo da emblemática medieval participa do simbolismodo leão e da águia, o que parece ser uma duplicação da suanatureza solar. Na realidade, ela participa da terra e do céu, oque faz dele um símbolo das duas naturezas - humana e divina- do Cristo. Evoca, igualmente, a dupla qualidade divina deforça e de sabedoria. Quando se compara a simbologia própriada águia com a do leão, pode dizer-se que o grifo liga o poderterrestre do leão à energia celeste da águia. Inscreve-se, dessemodo, na simbólica geral das forças da salvação. 14

Formam o “Brasão da Mensagem cinco secções: ” I. Os Cam-pos”, “II. Os Castellos”, “III. As Quinas”, “IV. A Coroa”, “V. O Tim-bre”.

I. Os Campos

“ Os Campos”subdividem-se em dois: “Primeiro/OsCastellos”, “ Segundo/O Das Quinas”, sendo este interior àquele.

Como o país descrito no “Brasão” é Portugal da Idade Média,esses dois Campos associam-se aos campos de batalha onde os cavalei-ros demonstravam sua força bélica.

No Campo dos Castelos estão representados os fundadoresde Portugal, começando pelos mitos da origem e evoluindo para a di-mensão histórica. No campo das Quinas estão representados os cincomártires, correspondendo os dois primeiros ao corpo e os três últimos àalma da nação. Pode-se interpretar o Campo dos Castelos comocorrespondendo à vida ativa e o das quinas à vida contemplativa.

�Primeiro / Os Castellos�

O crítico Antonio Cirurgião considera esse primeiro poemacomo “a abertura de uma ópera” uma vez que ele contém os temasfundamentais de uma epopéia. 15

Com efeito, através de 04 (quatro) estrofes irregulares, numtotal de 12 (doze) versos decassilábicos heróicos (o que harmoniza com

Page 14: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

16

a natureza épica de Mensagem) o Poeta apresenta a Europa e a locali-zação geográfica de Portugal. A Europa é personificada numa figurafeminina, sentada na costa atlântica, fitando.

A Europa jaz, posta nos cotovellos:De Oriente a Occidente, jaz, fitando,E toldam-lhe romanticos cabellosOlhos gregos, lembrando

É a visualização pictórica de uma Europa deitada ou (ador-mecida?), cujos “romanticos cabellos” seriam os oceanos Atlântico ePacífico, os “cotovellos”, a Itália e a Inglaterra. Os “olhos gregos”estariam a refletir o pensamento clássico e a memória do mundohelênico. Metonimicamente, Portugal é caracterizado como o rosto dessafigura. É representado pela cabeça da Europa por ser a porta de entradapara o Velho Mundo (por via marítima) e, também, por estar fadado -por predestinação divina - a ser a cabeça do Quinto Império. Estrategi-camente, Portugal situa-se no extremo ocidental da Europa e “jaz,fitando” o mar, que foi o seu espaço de realizações passadas e quepretende o Poeta (profeticamente) venha a ser o de realizações futuras.(Ressalte-se que o verbo fitar é utilizado enfaticamente três vezes nopoema, como para sublinhar o caráter profético da obra). Os “romanticoscabellos” remetem, historicamente, aos povos nórdicos e germânicosque compareceram na miscigenação da raça, enquanto os “Olhos gregos,lembrando” aludem às heranças culturais da Grécia, associando-se aoespírito das ciências e das artes.

As referências à Itália e à Inglaterra sugerem os elementosromanos e celtas que, na proto-história, fizeram sentir a sua presençana Península e caldearam a alma portuguesa.

Nos versos “Fita, com olhar sphyngico e fatal / O Occidente,futuro no passado”, observa-se o olhar profundo, penetrante e misteri-oso de Portugal, tal como o de uma esfinge, a fitar o sol nascente. No-vamente o Poeta enfatiza no poema os dois mundos: o de descobertasdo passado, que fica a Oriente, e o de descobrimentos futuros, aOcidente, “o futuro do passado”. Esse mundo a descobrir seria umarealização “fatal”, escatológica, numa visão providencialista da história.

Para completar a visualização pictórica que Pessoa transmiteneste poema, cedemos a palavra a Antonio Cirurgião, que analisa odiscurso de PRIMEIRO/OS CASTELLOS Como “visivelmente conotativo e ora-cular, pois processa-se do geral para o particular, do gênero para a

Page 15: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

17

espécie, da diversidade para a unidade, da Europa para Portugal”16 .E o poeta consegue traduzir esses conceitos, primeiro, por meio doesquema estrófico: o poema começa por uma estância de quatro versose acaba por uma estância universal ou monóstico; segundo, por meioda presença da Europa no primeiro verso do poema e de Portugal noúltimo, a demonstrar a transubstanciação de uma Europa plurinacionalnuma Europa uninacional. Quanto à dualidade temporal de Portugal - odo passado e o do futuro - o poeta procurará resolvê-la numa síntese denatureza misticamente transcendente, em dois versos de ressonânciacósmica e sibilina:

Fita com olhar sphyngico e fatalO Occidente, futuro do passado

�Segundo / o das Quinas�

Este Poema apresenta-se em forma narrativa carregada desubjetivismo: o Poeta tece conceitos e reflexões até certo pontoestóicas, através de planos duais ambíguos, simbólicos e metafóricos,constatando que as glórias são conquistadas à custa dos sacrifícios.Logo de início percebe-se que o poema alude aos cinco mártireseleitos para as cinco Quinas, que se relacionam com as cinco chagasde Cristo.

De caráter aforístico, o poema é o desenvolvimento de um pa-radoxo: “Os deuses vendem quando dão / Compra-se a glória com des-graça.”

Facultando aos portugueses o dom de conquistar o mar, osdeuses exigiram como recompensa o sangue de seus mártires. Mas talcomo o sucedido com Cristo, o sofrimento é próprio do homempredestinado a realizar o seu destino superior, daí que, estoicamente,deva sofrer para transmudar-se: “ Ai dos felizes porque são / Só o quepassa!”

Os versos: “Basta a quem baste o que lhe basta / O bastantede lhe bastar” reiteram, com requinte barroco, a idéia exposta nos versosanteriores, enfatizando o viver hedonístico do instante como oposiçãoaos valores espirituais e eternos representados pelos mártires de Portu-gal. Esse sentido é reforçado pelas cinco vezes em que o verbo bastar érepetido, podendo-se associá-lo aos cinco sentidos, que é o programado epicurismo e do “carpe diem” horaciano.

Page 16: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

18

Os versos seguintes, estruturados de forma dialética, com-pletam a oposição matéria/espírito; temporalidade/eternidade; glória/desgraça; felicidade/infelicidade; Natureza/Dom; Paganismo/Cristianismo, constatando o Poeta, com exemplo em Cristo, anecessidade da purgação para se atingir a purificação:

Foi com desgraça e com vilezaQue Deus ao Christo definiu:Assim o oppoz à NaturezaE Filho o ungiu.

Neste poema assistimos à passagem da lei da natureza à leida graça, do politeísmo ao monoteísmo e do paganismo ao cristianismo:na primeira estrofe comparecem os deuses com a teologia do paganismo;a segunda estrofe, de cunho estóico e epicurista, faz a ponte ideológicaentre o Paganismo e o Cristianismo, e a terceira desenvolve a encarnaçãode Deus e a teologia do Cristianismo.

Após estes dois poemas iniciais, síntese temática dos quese seguirão, os “Campos” do “Brasão” vão ser preenchidos por setecastelos e cinco quinas.

II - Os Castellos

“Os Castellos” representam a ação criadora da nacionalidade- desde a origem mítico-lendária da formação do território com“Ulysses”, o alvorecer da nação em “Viriato”, a proto-história com o“Conde D. Henrique” e “D. Tareja”, até à história propriamente dita,iniciada com “D. Affonso Henriques”, prosseguida por “D. Dinis”, “D.João, o Primeiro” e “D. Philippa de Lencastre”. De modo geral osCastelos representam a conquista da terra e a preparação para a conquistado mar.

Na construção poética dos “Castellos” comparecemelementos de várias partes da Europa: Ulisses vem da Grécia; Viriato,da Ibéria; o Conde D. Henrique, da França; D. Tareja, de Castela; D.Afonso Henriques, do Condado Portucalense; D. Dinis e D. João I, dePortugal; D. Filipa de Lencastre, da Inglaterra e todos estão ligados poruma ação comum: foram fundadores. Ulisses foi o mito fundador deuma cidade - Lisboa, futura capital do reino e do Império; Viriatolendariamente fundou uma nação: Lusitânia; o conde D. Henrique

Page 17: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

19

fundou um condado: o Condado Portucalense; D. Afonso Henriquesfundou um reino e uma dinastia: o reino de Portugal e a dinastia deBorgonha; D. Dinis fundou uma cultura, simbolizada pela criação dosEstudos Gerais, de Lisboa; D. João I fundou uma dinastia - a de Avis -e lançou as sementes de um Império. As duas mulheres - D. Tareja e D.Filipa de Lencastre - colaboraram para a origem ou fundação dasdinastias.

�Primeiro / Ulysses�

Formado por 3 (três) quintilhas, o poema é construído emforma de silogismo dedutivo. Na primeira estrofe, correspondendo àpremissa maior, o Poeta apresenta sua definição geral de mito; a segundaestrofe encerra a premissa menor através do desenvolvimento elucidativodo mito português, e a conclusão está na terceira estrofe, em que sedepreende a significação desse mito para a história de Portugal.

O primeiro Castelo é dedicado a “Ulysses”, personagem len-dária e mítica cuja estória está preservada entre os segredos e lendas doterritório peninsular. De acordo com algumas lendas, teria sido Túbal,neto de Noé, quem primeiro chegara à Peninsula e fundara uma cidadena embocadura do rio Sado, que denominou Sathubalo ou Setúbal. Outraslendas contam que “ Baco, filho de Júpiter e Semele, desembarca na Pe-nínsula e convence os habitantes a aceitar como rei o seu compatriotaLysias. Mais tarde, Ulisses, soberano de Itaca, emigrado após a destrui-ção de Tróia, dá o nome de Ulissipo ou Olisipo à povoação já erguidanas margens do Tejo” . 17 Esta povoação não seria outra senão Lisboa. É aestes fatos que parece querer referir-se Pessoa neste poema elaboradoatravés de formas antitéticas entre o nada e o tudo: o nada que foi Ulissesenquanto lenda, mito, e o tudo em que se transformou com a fundação deLisboa - primeira capital do Reino, depois do Império - e, neste poema,metonímia de Portugal.

Em plano histórico, na dimensão temporal do passado,Ulisses foi apenas um mito de origem (Mito=Nada),mas no planoespiritual ou maravilhoso, Ulisses equivale a um símbolo divino(Mito=Tudo) , associando-se tal significado à filosofia essencial docristianismo. A figura lendária representaria para a Península e, maisprecisamente para Portugal, o que Cristo significa para a humanidade:a iluminação, o caminho.

Page 18: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

20

Após essa afirmação, o Poeta passa a exemplificar por meiode outros símbolos (símbolos mitológicos do deus Apolo que puxa ocarro do Sol), de metáforas e de comparações (Deus feito homem; vidae morte; noite e dia) a crença no eterno retorno. A comparação de Solcom Deus assenta na dialética metafórica da passagem da vida para amorte e da morte para a vida.

Nos versos seguintes: “Este, que aqui aportou, / Foi pornão ser existindo. / Sem existir nos bastou. / Por não ter vindo foi vindo/ E nos creou”, podemos observar o significado lendário de Ulisses,produto alquímico do ser ficcional (“Nada” ) e do não-ser real (“Tudo” ),utopia e realidade e a sua representação para Portugal.

Assim a lenda se escorreA entrar na realidadeE a fecundal-a decorre.Em baixo, a vida, metadeDe nada, morre.

Nesta estância, tomando o vocábulo lenda como sinônimode mito, o Poeta recorre ao símbolo da água corrente, mãe, matriz,origem e percurso da vida para, como um rio misterioso, explicar apresença de Ulisses na Península e a permanência de seu mito, enquantoelemento proveniente da Grécia, na história e na arte portuguesas.

Os dois últimos versos parecem encerrar a idéia de que avida (parte material) passa (“morre”) mas o mito (ou a lenda)transubstanciando-se, permanece.

�Segundo / Viriato�

Na economia de Mensagem Viriato representa o componenteIbérico de Portugal, e pode ser considerado a matéria, o corpo do paísembrionário, enquanto Ulisses é a forma, segundo a filosofia arístotélica.Porém, segundo a mesma concepção, a matéria não existe sem a forma,parece confirmar-nos Pessoa nos versos iniciais:

Se a Alma que sente e faz conheceSó porque lembra o que esqueceu,Vivemos, raça, porque houvesseMemória em nós do instincto teu

Esses versos remetem-nos também à alegoria platônica dacaverna, segundo a qual o homem, afastado da Perfeição, só por meio

Page 19: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

21

da reminiscência conseguirá recuperar parcialmente o mundo de Luz.

Historicamente, Viriato foi um caudilho que viveu no séculoII a.C., pastor serrano, espírito solitário e desinteressado, que se trans-formou em mito de resistência peninsular ao chefiar os lusitanos emcombate na Turdetânia, onde venceram as hostes de Vetílio, em 146a.C.. Por sua bravura heróica e magnanimidade, chega a receber o títulode “Amicus Populi Romanus”, mas, traiçoeiramente, foi assassinadopor três amigos comprados por Quinto Servílio Cipião.18

A personalidade de Viriato foi enaltecida até pelos própriosautores latinos, não apenas por suas qualidades de chefe militar, mastambém por suas raras características morais e políticas. “Forte, valente,decidido, hábil, dotado duma admirável visão estratégica e de magní-ficos recursos tácticos, ele possuía também faculdades excelentes desugestão, que revelou na acção exercida sobre os seus homens, e, aomesmo tempo, patenteava, através da sua rudeza nativa, os melhoressentimentos de justiça, generosidade e desinteresse”.19

A fama de caudilho perpetuou-se não só na história, mastambém na lenda e na poesia. Várias terras disputaram a honra de teremservido de berço a esse herói cujo nome verdadeiro nem mesmo conhe-ciam20, que provavelmente se deve imaginar nos Montes Hetmínios ounas imediações. “A fantasia erudita, a emoção poética e a imaginaçãopopular teceram em torno do herói lendas de viva devoção nacionalista.Viriato é um símbolo e um exemplo. Símbolo, expoente, do patriotismocastrejo, exemplo do que pode o valor indígena, devidamente orientado,contra as ambições dos mais fortes impérios”.21

No poema, Viriato é caracterizado como o mito da reencar-nação de Portugal, devendo entender-se por reencarnação a morte deum embrião (ou haste) para o alvorecer de uma nacionalidade. Viriatofoi o elemento ibérico que contribuiu para a formação inicial da “raça”através da fundação da Lusitania, e pode ser considerado a haste danação em que se transformou Portugal.

Nação porque reincarnaste,Povo porque resuscitouOu tu, ou o de que eras a haste -Assim se Portugal formou

Lembre-se aqui da parábola bíblica da semente que deve mor-rer para que brote nova planta. Essa nova planta é Portugal.

Page 20: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

22

Na última estrofe do poema, através de gradação progressivade metáforas, o Poeta caracteriza o herói como ser pré-destinado paraconduzir uma raça, pelos caminhos da caverna, atrás das résteas de luzaté encontrar o dia:

Teu ser é como aquela friaLuz que precede a madrugada,E é já o ir a haver o diaNa antemanhã, confuso nada.

Viriato é a metáfora do alvorecer da nacionalidade, e Portugalestá entre a potencialidade e o ato de transformar-se em nação.

�Terceiro / O Conde D. Henrique�

Em virtude de sua brevidade - composto por apenas oitoversos - o poema dedicado ao Conde D. Henrique pode ser consideradoepigramático. Nele o Poeta desenvolve um engenhoso processo parafazer a passagem progressiva de Portugal da potencialidade para a ação,do mito para a história. Nas três estrofes,consecutivamente o Poeta falado herói, põe o herói a falar e fala com o herói.

Da “antemanhã, confuso nada” com que termina o poemaanterior, o Poeta vai revelar o início acidental e predestinado do novodia, a primeira manhã de Portugal com o Conde D. Henrique. É umamanhã histórica que principia providencialmente quando o soberanode Leão e Castela, D. Afonso VI, em reconhecimento ao valordemonstrado por D. Henrique, Conde de Borgonha (neto de Roberto,Duque de Borgonha e bisneto de Roberto II, Rei da França) nas lutascontra os mouros, concede-lhe em casamento sua filha D. Tareja (1094)e com ela um governo delimitado entre os rios Tejo e Minho - o CondadoPortucalense.

Parece-nos que Pessoa não só alude a esses fatos históricosno poema dedicado ao Conde D. Henrique, como, na primeira estrofe,anuncia um princípio geral sobre a interação do homem e da divindade,contrapondo o poder limitado do homem ao providencialismo - o heróinão age, é paciente nas mãos de Deus; a predestinação divina dirigeseus atos:

Todo começo é involuntário.Deus é o agente.O herói a si assiste, várioE inconsciente.

Page 21: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

23

A involuntariedade e a inconsciência dos atos fazem comque o herói se interrogue, na segunda estância, sobre o caminho a seguir:“ ‘ Que farei eu com esta espada?’ ”

Na terceira estrofe, o Poeta relata-nos a ação executada peloherói e o resultado desse feito: “Ergueste-a, e fêz-se.”

Assim, o novo reino de Portugal teve uma origem providen-cial, segundo o Poeta.

Historicamente, com a morte de Afonso VI, em 1109, come-ça-se a sentir que Portugal vai nascer, porque estava livre dos laços devassalagem a Castela, liberdade perseguida árdua e sistematicamentepelo Conde D. Henrique. Com efeito, “fêz-se” Portugal, pois, com amorte do sogro, D. Henrique proclama-se Conde e Senhor de Portugal,alarga o território herdado e deixa já encaminhada a sua independência.

�Quarto / D. Tareja�

D. Tareja herdou o governo e a política do marido, mas quaselevou a perder a relativa independência do Condado Portucalense devido“à sua excessiva ligação com os elementos preponderantes da Galiza” 22, ao seu caso amoroso com Fernando Peres de Trava e ao seualheamento dos assuntos fundamentais da organização eclesiástica.

O Poema que lhe é dedicado apresenta caráter sentenciosocom invocação suplicativa. Em cada uma das quatro estrofes apareceum verso com tom de súplica: na primeira - “Vella por nós”, na segunda- “Por elle resa!”, na terceira - “Dê tua prece outro destino”, na quarta“De novo o cria!”. Através desse uso do imperativo, o Poeta implora oauxílio sobrenatural de D. Tareja, como se ela fosse uma entidade divina.

Após reflexões de forma enunciativa sobre a visãoprovidencialista da história “As Nações todas são mysterios. / Cadauma é todo o mundo a sós” - o Poeta invoca a celebrada, em forma deprece, apelando por seu auxílio:

Teu seio augusto amamentouCom bruta e natural certezaO que, imprevisto, Deus fadou.Por elle resa!

Através do adjetivo “augusto”constata-se que D. Tareja sereveste de dimensões divinas, pois êsse epíteto era aplicado aos

Page 22: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

24

imperadores romanos, considerados como detentores, não só do poderterreno, mas também do poder espiritual, uma vez que eram elevados àcondição de sumos sacerdotes.

A idéia de predestinação divina aparece no poema através dosintagma “Deus fadou” : assim como o Anjo anunciou a concepção divinaà Virgem, Deus predestinou D. Tareja a conceber o primeiro rei de Portugal,que, metonimicamente, se transforma, na terceira estrofe, no próprio país:

Dê tua prece outro destinoA quem fadou o instincto teu!O homem que foi o teu meninoEnvelheceu.

Nesta estrofe, o Poeta suplica pela prece em favor de umPortugal já envelhecido, mas que se mantém vivo e cheio de esperançasde ressurreição - “eterno infante”.

Elaborado lexicamente sobre o jogo dialético entre Deus e ohomem, a vontade e o instinto, a infância e a velhice, a vida e a morte,o tempo e a eternidade, no seu aspecto semântico “o poema gira àvolta de três conceitos fundamentais ou núcleos sêmicos: o damaternidade, o da intervenção do sobrenatural e o do renascimento.”23

Com o quarto Castelo, Pessoa completa a celebração daproto-história de Portugal.

É curioso observar como o Poeta insere, estrategicamente,aquela que gerou o primeiro rei, aquela por ele considerada “Mãe dereis e avó de Impérios”, bem no centro dos sete castelos: os trêsprimeiros são dedicados a figuras que fizeram parte da formação lendáriae/ou mítica da nacionalidade e os três últimos referem-se,cronologicamente, ao primeiro Rei do reino, fundador também da suaprimeira dinastia; o segundo, ao Rei Trovador e Lavrador, mecenas dasLetras e das Artes, primeiro responsável pela criação de um centrocultural no país e precursor inconsciente das futuras descobertas; oterceiro, ao rei (ou casal) predestinado, de onde, metaforicamente, seoriginaram as conquistas ultramarinas - D. João I.

2. A Dimensão Épica: a Expansão do Território e os Mitos daConquista

O período histórico propriamente dito tem início em Portugalcom o reinado de D. Afonso Henrique (1128), porque foi ele quem, na

Page 23: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

25

Batalha de Ourique (1139), vencendo os sarracenos, consumou a inde-pendência política do reino.

No lugar de Ourique trava-se a famosa batalha contra mourose espanhóis, e a ela se liga seu nome, bem como à fama da miraculosaaparição de Cristo crucificado com promessas de vitórias24 decorrendodesse fato maravilhoso a intenção de incrustrar nos emblemas nacionaisas cinco chagas de Cristo.

Pae, foste cavalleiro.Hoje a vigília é nossa.Dá-nos o exemplo inteiroE a tua inteira força!

No plano histórico, o apelo “Pae” ajusta-se perfeitamenteàquele que foi a origem da linhagem dos reis portugueses, bem como oatributo “cavalleiro”, pois, em 1125,” na catedral de Samora, a sipróprio se armara cavaleiro, como soíam os reis, para não aceitarema superioridade moral que o cavaleiro reconhecia naquele de quemrecebia as armas”. Aquele ato solene quando D. Afonso Henriquescontava apenas catorze anos de idade, foi apressado pelos nobres que opretendiam como chefe da luta contra D. Tareja e Fernando Peres deTrava. Também o atributo “cavalleiro” e o substantivo “vigília”parecem conjugar-se harmonicamente com a lenda de Ourique e com aoutorga das armas, pois, em ambos os casos, D. Afonso Henriques passaa noite recolhido em seus aposentos, em preces e lendo a Bíblia. Acerimonia da investidura das armas é considerada o mais alto grau dasarmaduras “pois que o padrinho é Deus, o cavaleiro o futuro rei dePortugal e suas armas as chagas da Crucificação com que resgatou ospecados do mundo”25

Tal como o poema anterior, este também se estrutura emforma de prece: naquele, o Poeta suplicou à mãe a ressurreição dePortugal, neste implora ao filho a benção e a graça da sua bravuraheróica.

Dá, contra a hora em que, errada,Novos infiéis vençam,A benção como espada,A espada como benção!

O quiasmo dos versos finais, além de evocar aexcepcionalidade da investidura de D. Afonso Henriques onde o

Page 24: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

26

divino se confunde com o cavaleiresco e o dom de Deus com as armasdo cavaleiro real, ainda reforça a súplica do Poeta pela bênção e pelacoragem do primeiro rei de Portugal. Enquanto o “Pae” daria a bençãoe a fé, o “cavalleiro” daria a espada e a ação, numa combinaçãoperfeita de vida contemplativa e espiritual e vida ativa e material paraa formação do povo português.

A espada é não só o símbolo do estado militar, símbolo debravura e poder material, mas apresenta também o significado de guerrasanta, entendida esta como guerra interior.26 A espada de D. AfonsoHenriques concentra as duas conotações e, remetendo-nos à lenda deOurique simbolizaria um fragmento da Cruz da Luz, da Cruz de Cristo.

�Sexto / D. Diniz�

O sexto castelo é dedicado a D. Dinis, homem de excepcionalformação, amante e mecenas das ciências e das artes, temperamento deintelectual e de poeta. O seu reinado é considerado uma grande era nahistória da marinha nacional, porque o rei administrador cuidou emfomentar a marinha mercante. Lembremos aqui a importância do Tratadodo Comércio feito com a Inglaterra, em 1308, e a melhoria do Porto deParedes, na costa ao norte do Cabo da Roca, para defendê-lo das dunas.Conduzido por propósitos de proteção da agricultura e expansão docomércio agrícola e industrial, D. Dinis teria mandado semear os pinhaisde Leiria, a que alude o Poeta.

Esses pinhais, a princípio atendendo à necessidade de impedira deslocação de grandes massas arenosas, vão, posteriormente, fornecera madeira com que serão construídas as caravelas dos descobrimentos.Daí o fato de D. Dinis ser considerado pelo Poeta “O plantador denaus a haver” e serem os pinhais “como um trigo de Império”.

Estimado tanto pela nobreza como pelo povo, recebe ostítulos de “Pai da Pátria” e de “Rei Lavrador” - “ Porque o lavradordesvelado, o homem da terra, o protector do Comércio e da Marinhaé, também, extraordinário animador da Cultura e das Letras. Não lhebastam as sementeiras lançadas à Terra; outras sementeiras, as doEspírito, constantemente lhe inspiraram e solicitaram o ânimo”. 27

É curioso observar que, dos nove reis da Dinastia deBorgonha, o Poeta apenas seleciona dois na ordem de sucessão: oprimeiro (D. Afonso Henrique) e o sexto (D. Dinis) e este ainda

Page 25: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

27

comparece na estrutura de Mensagem como herói do sexto castelo, oque nos possibilita considerá-lo como marcado pelo número 6, que éo número dos dons recíprocos e dos antagonismos e também dodestino místico 28. Com efeito, foi no reinado de D. Dinis que seinstituiu uma nova ordem militar - a Ordem de Cristo - (1319) emsubstituição à extinta Ordem dos Templários. Foi também sob o seugoverno que se organizavam os cultos e as festas do Divino EspíritoSanto.

No plano do discurso, o poema é todo elaborado por meiode comparações, de metáforas, metonímias e oxímoros, num processodialético de passado/presente/futuro; terra/mar; vida/morte, em perfeitainteraçào entre os primeiros tempos do reino como alicerce para asfuturas navegações e para a era dos descobrimentos, interseccionandoos planos do Rei trovador e do Rei Lavrador.

NA NOITE escreve um seu Cantar de AmigoO plantador de naus a haver,E ouve um silencio murmuro consigo:É o rumor dos pinhaes que, como um trigoDe império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,Busca o oceano por achar;E a falla dos pinhaes, marulho obscuro,É o som presente d’esse mar futuro,É a voz da terra anciando pelo mar.

No plano da heroicidade, D. Dinis configura-se como forçaconciliadora da predestinação divina e da vontade humana, pois como“plantador de naus a haver”, inconscientemente, mas de forma provi-dencial e com visão administrativa, realiza uma tarefa sem a qual nãoteriam sido possíveis as navegações e a transformação de Portugal deReino a Império.

Dentro da metafísica aristotélico-tomista que preside a ela-boração de grande parte do discurso de Mensagem, poderíamosconsiderar, tanto D. Afonso Henriques como D. Dinis, como duasmetáforas que traduzem, respectivamente, a matéria e a forma dessaentidade que se chama Portugal. D. Afonso Henriques concorre com aespada, que seria o emblema da matéria e, consequentemente, da açãoe da vida ativa. D. Dinis comparece com a sua obra trovadoresca oucom a sua sensibilidade artístico-cultural, que corresponderia à forma,

Page 26: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

28

e, por conseguinte, ao espírito, à sabedoria, à vida contemplativa, àalma da Nação.

Hernâni Cidade considera relevante D. Dinis sobretudo porter sido o promotor da cultura nacional. “E por vários modos a promoveu:determinando, por ordem expressa, ou ao menos estimulando, o empre-go da língua nacional em todos os diplomas notariais e escritos de pú-blico interesse, exemplificando com a mesma actividade de poeta o cul-tivo da respectiva forma de arte; criando os Estudos Gerais em Lisboa,que depois transferiu para Coimbra, e com a inserção da Teologia noquadro das disciplinas, elevou à categoria de Universidade”. 29

�Séptimo ( I ) / D. João O Primeiro�

O poema dedicado a D. João I estrutura-se em forma desilogismo dedutivo, onde os termos se processam metonimicamente,correspondendo a primeira estância à premissa maior, a segunda à pre-missa menor e a terceira à conclusão.

O HOMEM e a hora são um sóQuando Deus faz e a história é feita.O mais é carne, cujo póA terra espreita.

Os dois primeiros versos desta estância traduzem o mistérioque envolve a construção de um país e de um Império, enquanto os doisúltimos enfatizam a natureza humana “O homem é pó e em pó há detornar-se”. Os verbos conjugados na voz ativa e passiva enfatizam apredestinação divina do herói. De fato, historicamente, o Infante D. João,Grão-Mestre da Ordem de Avis, filho bastardo de D. Pedro I e D. Terezade Lourenço, granjeava as simpatias do povo português, que nele depo-sitava as esperanças para o governo do reino e para a defesa da indepen-dência, ameaçada pela regência de D. Leonor Teles. Após vencer a Batalhade Aljubarrota (1385), o Mestre de Avis foi proclamado Rei de Portugal;“mas rei de Portugal talvez menos por mérito seu do que por um conjun-to de circunstâncias favoráveis e pelo apoio de homens de coragem e devalor, como Nun’Alvares ou João das Regras”. 30 Isso se faz em côrtesconvocadas para Coimbra, libertando-se de outros dois pretendentes, D.João e D. Dinis, filhos ilegítimos do Rei D. Pedro e de Inês de Castro,com a ajuda de um famoso legista, João das Regras, que ele prontamentenomeou seu primeiro chanceler.31

Page 27: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

29

Segundo o relato do historiador Fernão Lopes, parece tersido também ato da Providência divina a eleição do Infante D. Joãocomo Mestre da Ordem de Avis.

... Depois da morte de D. Inês, el-rei sendo infante,nunca mais quis casar, nem depois que reinou quis recebermulher, mas teve um filho de uma dona, ao qual chamaramD. João.

Desde moço encarregou el-rei D. Nuno Freire, mestrede Cristo, que o criava e o tinha em seu poder. Entretanto,sendo D. João de idade até dez anos, veio a morrer o mestrede Avis, D. Martim do Avelal. Quando soube isto, o mestre deCristo foi logo a el-rei D. Pedro ( ... ) e pediu-lhe aquelemestrado para o dito seu filho, que levava na sua companhia.El-rei ficou contente com o requerimento e muito mais con-tente de lho conceder.

Então o Mestre tomou o moço nos braços e seguran-do-o com eles, cingiu-lhe el-rei a espada e o armou cavalei-ro, beijando-o na boca e dando-lhe a benção (...)

E disse então el-rei para o Mestre:

- Tenha este moço isto por agora, porque sei que maisalto há-de montar, se este é o meu filho João de que a mimme falaram algumas vezes, embora eu preferisse que fosse oinfante D. João, meu filho, pois me disseram que eu tenhoum filho João que há-de montar muito alto, e pelo qual oreino de Portugal há-de ganhar muita honra. E como eu nãosei qual destes Joões há-de ser (...) eu mandarei que semprese acompanhem ambos estes meus filhos, que têm o mesmonome, e escolha Deus para isso qual quiser embora eu tenhao palpite de que há-de ser este e ninguém mais.32

Na segunda estância conjugam-se a dimensão temporal his-tórica e a dimensão simbólica ou mística de D. João I, na sua evoluçãode Mestre de Avis a Mestre de Portugal erigido como Templo, comoespaço sagrado, simbólico, lugar da Presença Real. Segundo osensinamentos da maçonaria, “o Templo pode ser considerado comouma imagem simbólica do Homem e do Mundo” 33

Teu nome eleito em sua fama,É, na ara de nossa alma interna,

Page 28: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

30

A que repelle, eterna chamma,A sombra eterna.

Em sentido histórico, D. João I foi cognominado “Monarcade Boa Memória”, pelo muito que fêz e pelo grande amor quedemonstrou ao país. Em sentido latente ou simbólico, essa cascata demetáforas remete à idéia de que a simples evocação do nome de D.João I, tal como o de Cristo, seria suficiente para afastar as desgraças edesventuras, “a sombra eterna”. Por isso D. João I é considerado,metaforicamente, como a “eterna chamma” - símbolo da purificação edo amor espirituais - luz transcendental que ilumina os destinos dePortugal.

�Séptimo ( II ) / D. Philippa de Lencastre�

Num poema composto por oito versos, distribuídos em duasquadras, o Poeta fala com D. Filipa de Lencastre, dama de origem inglesaque se casou com D. João I. Quanto à estrutura formal, o poema divide-se em duas partes: na primeira estância o Poeta interroga a celebrada e,na segunda invoca-a, em forma de prece, tal como ocorre com D. Tareja.

Que ENIGMA havia em teu seioQue só genios concebia?Que archanjo teus sonhos veioVellar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,Princeza do Santo Gral,Humano ventre do Império,Madrinha de Portugal !

Na exaltação da heroína, o Poeta acena para diferentes di-mensões da realidade: na dimensão temporal histórica refere-se à D.Filipa como matriz geradora (“Humano ventre do Império”) de reis einfantes, considerados “gênios” por Pessoa e “inclita geração” porCamões, e ao fato de não ter sido considerada rainha e mãe de Portugal(como D. Tareja), porque ela era nascida na Inglaterra, filha do Duquede Lencastre, daí a metáfora “Madrinha de Portugal”. Na dimensãomítica e espiritual ela relaciona-se com a tradição cavaleiresca do ReiArtur e sua Távola Redonda, metaforizada em “Princeza do SantoGral” , e com a Virgem Santíssima no momento da Anunciação: “Quearchanjo teus sonhos veio / Vellar, maternos, um dia?”

Page 29: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

31

D. João I e D. Filipa de Lencastre formam o tronco de frondosaárvore que produz frutos de místico espírito de sacrifício, como D.Fernando; de estoicismo ilustrado, como D. Duarte; de inteligência ecoragem, como D. Pedro; e de gênio organizador e empreendedor, comoD. Henrique.

Enquanto os “Castellos” representam o plano temporal dorelato épico; “a afirmação da nacionalidade, o domínio da terra e apromessa do mar”34, as “Quinas” apontam para o plano espiritual,indicando a aceitação resignada dos desígnios divinos e das leishumanas, da sensação de inutilidade da própria vida, e o espírito desacrifício de reis e infantes que podem ser considerados os cinco mártiresde Mensagem. Porque eles representam o saldo negativo das conquistas,tomamos a liberdade de, na nossa leitura, romper com a estruturacronológica pré-estabelecida na obra, para deixar fluir a seqüência épicada história, e depois retomarmos o que se pode considerar como históriatrágica.

IV - A Coroa

�Nunalvares Pereira�

Na seqüência da história épica de Mensagem, encimando os“Castellos” e as “Quinas” do “Brasão” , o Poeta escolheu a figuraheróica de Nunalvares Pereira - na dualidade de santo e de guerreiro -que reúne em si as características dos “Castellos” e das “Quinas” :ação e resignação, matéria e espírito.

Como a nação portuguesa possuía regime monárquico noperíodo histórico coberto por Mensagem, e desde o “Brasão” pareciapredestinada a cumprir misteriosos e elevados destinos, “A Coroa”não só concorre para definir o tipo de regime, como também paratransmitir a ligação do poder terreno com o poder espiritual. Segundo oDicionário de Símbolos, “a coroa une, na pessoa do coroado, o queestá abaixo dele e o que está acima, mas fixando os limites que, emtudo que não é ele, separam o terrestre do celestial, o humano do divino.(...)35

Considerando “o último homem de Idade Média” por aliarao seu espírito de cavalaria, segundo o modelo arturiano, a inverossímil

Page 30: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

32

e lendária intrepidez, revelada através de um espírito prático e deinfalível tática militar, Nuno Alvares Pereira foi nomeado Condestáveldo Reino por D. João I. Após concluir o seu objetivo terreno, o grandebatalhador da independência nacional passou a dedicar-se aoespiritualismo cristão, ideal manifestado desde a juventude encerrando-se no Convento do Carmo para assumir votos como Frei Nuno de SantaMaria. Falece em novembro de 1431, mas a fama de santidade acendeua devoção dos fiéis que começaram a invocar a sua intercessão:levantaram-lhe altares, lavraram-lhe imagens e apresentavam-lhe culto.Já no século XVII tratou-se em côrtes de pedir a sua canonização, massó no século XX, com os trabalhos do processo concluídos, o PapaBento XV beatificou Frei Nuno de Santa Maria (1918), confirmando oculto que desde tempos imemoriais se lhe têm prestado em Portugal.

Num poema organizado em três quadras, em espécie dedialogísmo, o poeta fala com o santo e herói: em cada estrofe faz umapergunta e apresenta uma resposta. Na terceira estrofe o Poeta dirige-se-lhe em tom de prece litúrgica.

Que AUREOLA te cerca?É a espada que, volteando,Faz que o ar alto percaSeu azul negro e brando.

Embora, em termos canônicos tenha sido apenas beatificado,a crença popular considera-o Santo Condestável, celebrando sua festareligiosa no dia 6 de novembro. Nesta estrofe o Poeta alude à santidadede Nuno Álvares, e, numa espécie de transmutação (mais do que trans-formação alquímica) em que alia heroísmo e santidade, exalta a “auréola”do beato, a coroa elíptica, a luz espiritual que transmuda em espada lumi-nosa.

Mas que espada é que, erguida,Faz esse halo no céu?É Excalibur, a ungida,Que o Rei Arthur te deu.

A “espada” de Nuno Alvares é exaltada como instrumentode força material e espiritual; não seria uma espada qualquer, simplesarma de guerra, mas “ungida” ou abençoada por Deus, tal como a“Excalibur” do Rei Artur, daí a extensão de seu significado à espadamítica e sagrada.

Através da referência a “Excalibur, a ungida” pode-se inferir,

Page 31: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

33

metonimicamente, a herança inglesa na história de Portugal e, implici-tamente, o Santo Graal.

Sperança consumada,S. Portugal em Ser,Ergue a luz da tua espadaPara a estrada se ver.

Tal como ocorre nos poemas dedicados a D. Tareja, D.Afonso Henriques e D. Filipa de Lencastre, nesta estrofe, erigida emforma de prece, o Poeta suplica ao beato, metonimica e metaforicamenteconvertido em “S. Portugal em Ser”, que ilumine, com sua luz de SantoCondestável, o caminho da pátria.

V - O Timbre

Em sentido simbólico, em sentido heráldico e em sentidohermético, convergem, emblematicamente, na constituição do “grifo”do “Brasão” de Mensagem, o rei dos animais e a rainha das aves.Enquanto a figura do leão é a própria encarnação do poder, da sabedoriae da justiça, e, pois que “símbolo solar e luminoso ao extremo”36

relaciona-se ao mestre ou soberano, “a águia é a encarnação, substitutoou mensageiro da mais alta divindade uraniana e do fogo celeste (...)atributo de Zeus e do Cristo” 37, coroando o símbolismo dos estadosespirituais superiores e da percepcão direta da luz intelectiva, porquesó ela é capaz de fixar o sol sem ter os olhos queimados. Convémlembrar, também, que em certas obras de arte da Idade Média, a águiaera identificada ao Cristo, exprimindo, a um só tempo, a sua ascensão ea sua realeza.38

Por essas considerações gerais, podemos observar como foirigorosa e apropriada a seleção das figuras para a constituição do Grifo:para a cabeça, o Infante D. Henrique, para as duas asas, D. João II eAfonso de Albuquerque. É necessário constatar também que os trêspoemas do timbre são dedicados apenas ao componente águia (partesuperior do Grifo) e isso se justifica porque as figuras enaltecidas estãona base dos descobrimentos e das conquistas de novos horizontes.

�A Cabeça do Grypho / O Infante D. Henrique�

A cabeça expressa o ardor do princípio ativo, abrangendo aautoridade de governar, ordenar, instruir e, consequentemente, simboliza

Page 32: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

34

“o espírito manifestado, em relação ao corpo, que é a manifestação damatéria”. 39 Esses sentidos convergem para a representação do único,do sol, da divindade e da perfeição.

A “Cabeça do Grypho” é justamente reservada àquele quepensou, que raciocinou os descobrimentos, que concebeu o império ma-rítimo português: foi ele que, como a águia, conseguiu voar muito alto e,não temendo encarar a luz do sol, penetrou nos mistérios divinos, estabe-lecendo a interação entre Deus e os portugueses para a conquista e possedos mares.

Se a primeira geração de cronistas e historiadores retratou essequinto filho de D. João I como arquétipo de cruzado, ardente de fervorreligioso e indômito na luta contra os infiéis, as posteriores gerações acres-centaram a esse esboço todas aquelas qualidades que fizeram do Infante D.Henrique uma figura exemplar na história de Portugal. Foi um extraordi-nário chefe militar; um sábio interessado pela ciência do seu tempo; umpolítico clarividente que perseguindo seus objetivos conseguiu a ultrapas-sagem do Cabo Bojador; um homem que, dominado pelo espírito religioso(governador da Ordem de Cristo) foi um dos primeiros a entender o senti-do do ecumenismo missionário. Enfim, um homem de ação, sujeito a êxi-tos e fracassos (casos de Ceuta e Tânger) mas, sempre insistindo nos fins aque se propunha alcançar, tornou-se o símbolo das vontades e dos esforçosanônimos de navegadores, cosmógrafos, mercadores e aventureiros queajudaram o homem moderno a construir novas dimensões para a perspec-tiva do mundo.40

Assim como a cabeça é uma só, o poema também se estruturacom uma única estrofe de cinco versos, em forma de síntese: “o únicoimperador” que representa a posse do mar.

EM SEU THRONO entre o brilho das spheras,Com seu manto de noite e solidão,Tem aos pés o mar novo e as mortas erasO único imperador que tem, deveras,O globo mundo em sua mão.

E a posse do mar, expressa pelo verbo ter, é também a epígrafeda Segunda Parte de Mensagem (“Possessio Maris”), cujo poema deabertura é dedicado ao Infante.

Na descrição pictórica de D. Henrique, o Poeta faz-nosvisualizar a imagem de um imperador com uma esfera armilar na mão,

Page 33: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

35

o que, além de ser uma imagem é uma realidade; ele tem realmente omundo em suas mãos, um mundo que ninguém conhecia “o mar novo”por isso é “o único imperador” do qual se pode fazer tal afirmação.Esses versos nos remetem também à esfera armilar da doutrinaptolomaica do universo e à Escola de Sagres, onde o Imperador se nosapresenta como um visionário com os olhos fixos nos longes, nas suaslongas noites de estudo e contemplação - “manto de noite e solidão”

Como a “Cabeça do Grypho”, o Infante é um microcosmoque possui a visão da totalidade cósmica, do passado ao futuro, e porisso se justifica o Poeta tê-lo celebrado como “o único imperador quetem, deveras, / o globo mundo em sua mão”.

A estaticidade e o imobilismo da sua figura sugerem que osdescobrimentos teriam sido realização dos desígnios divinos. É inte-ressante observar, ainda, que, no poema, metonimicamente se enfatizamos pés e as mãos do Infante: aos seus pés tem o futuro e o passado - “Omar novo e as mortas eras” - e na mão traz o mundo todo. Com essaimagem, o Poeta refere que as caravelas portuguesas, sob o comandodo Infante de Sagres, estiveram na origem de todos os mares e de todasas terras que formam o mundo. Dai, por antonomásia, merecer do Poetao epíteto de “o único imperador” espécie de herói sobrenatural quedesfruta, com a impassibilidade dos deuses, a glória de ter vencido.

�Uma Asa do Grypho / D. João o Segundo�

Se compararmos o retrato de D. João II com o do Infante D.Henrique, observaremos semelhanças na descrição: o mesmo ar enig-mático de contemplação distante e misteriosa e a mesma atitude deimobilidade solitária dão um sentido de continuidade, no tempo e noespaço, dos sonhos de conquista do Infante a D. João II.

Com efeito, esta “Asa do Grypho” foi um dos continuadoresda obra idealizada pelo Infante D. Henrique, dando vigoroso impulso àexpansão ultramarina. Com seus conselheiros, chegou a arquitetar umplano coerente e bem estruturado para se chegar à antiga Ásia, por viamarítima, plano esse executado com sucesso no reinado de D. Manuel,o Venturoso.

D. João II foi cognominado “O príncipe perfeito”, não tantopelo significado moral do termo, senão por seu valor político, “pelaenergia com que defronta obstáculos e ciladas, pela ordem e minúcia

Page 34: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

36

com que se informa da marcha dos negócios públicos, pelainflexibilidade com que afirma o seu predomínio”41

BRAÇOS CRUZADOS, fita além do mar.Parece em promontório uma alta serra -O limite da terra a dominarO mar que possa haver além da terra.

A côrte de D. João II apresentava-se de maneira sisuda eaustera e sua figura também é assim descrita, a começar pela côr negraque punha em tudo. Tinha “hábito de coruja” e adotava como símboloa figura de um pelicano, representação de um rei mortificado pelasesmagadoras exigências do ofício duro, a disfarçar numa composturahirta as suas fraquezas e as suas humaníssimas angústias. Não seriainoportuno lembrar a lenda que diz que o pelicano rasga o peito paraalimentar seus filhos. Assim o sacrifício de um rei se faz em benefíciode seu povo.

Neste poema, novamente a presença de uma ave a marcar,simbolicamente, a vida heróica de D. João II que, num simples abrir debraços, poderia desvendar novos mundos.

Seu formidavel vulto solitarioEnche de estar presente o mar e o céu,E parece temer o mundo várioQue elle abra os braços e lhe rasgue o véu.

A dupla adjetivação do primeiro verso desta estrofe parecerelacionar-se com a idéia de que foi o único rei a conseguir a rendiçãohumilhada do Mostrengo, a partir da qual esse mundo diverso, aindapor conhecer, passou a ser descortinado (“mundo vário”) numa simplespassagem de um gesto: (“abra os braços e lhe rasgue o véu”), da vidacontemplativa para a força da ação. Assim, D. João II é apresentado nopoema como futuro senhor dos mares e dos céus.

�A outra Asa do Grypho / Affonso de Albuquerque�

Observa com muita perspicácia o crítico Antonio Cirurgiãoque os três poemas que estruturam “O Timbre” principiam,curiosamente, por adjuntos adverbiais de modo e de lugar (ou vice-versa):

Em seu throno entre o brilho das espheras(A Cabeça do Grypho / O Infante D. Henrique)

Page 35: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

37

Braços cruzados, fita além do mar.(Uma Asa do Grypho / D. João o Segundo)

De pé, sobre os países conquistados.(Outra Asa do Grypho / Affonso de Albuquerque)

O primeiro, emblematicamente, é a mente que concebe osdescobrimentos e conquistas, contemplando, das alturas do universo, ofuturo império; o segundo é o líder que ordenou a realização dos sonhos:fita o império que, por seu decreto, as naus irão descobrir; o terceiro,emblematicamente, é um dos conquistadores desse império42 . Daí, amente que projeta, o chefe que ordena e o comandado que realiza; daconcepção à concretização dos sonhos, da potencialidade à ação. Me-taforicamente, remete-nos ao verso primeiro de “Mar Português”:“Deus quere, o homem sonha, a obra nasce”.

Em poema formado por uma única estrofe de dez versos,Afonso de Albuquerque é apresentado como um estóico, resignado emseu espírito de fidelidade.

Foi um comandante da armada de Tristão da Cunha que, em1506, partiu de Lisboa com o objetivo de fundar um império portuguêsno Oriente. Em pouco tempo, orientado pelo ideal supremo de servir aseu rei e de engrandecer a sua pátria, organizou uma falange própria e,separando-se de Tristão da Cunha,“largou de Sokotra para a costa daArábia, ao longo da qual foi subindo vagarosamente assolando tudo”43,conquistando Ormuz, junto da Pérsia, Goa, no meio da India e Malaca,bem perto da China; tudo isso num breve espaço de cinco anos (de1507 a 1522), o que significa o domínio de todo o mar desde a PenínsulaArábica, passando pela Península do Industão até chegar à Penínsulada Malásia.

Em 1509, foi nomeado, pelo Rei, governador (ou vice-rei)das Indias, mas devido às invejas e intrigas da corte foi-lhe tirado ogoverno. Com a humildade própria dos estóicos, despido de ambiçõesmateriais, almejando tão só a amizade e a compreensão do Rei e doshomens, no que se viu frustrado por invejas e intrigas, teve aquelaexclamação célebre quando soube de sua substituição no cargo queocupara: “Mal com el-rei por amor dos homens, e mal com os homenspor amor de el-rei” 44 .

No poema em que é celebrado, o Poeta alude ao ato deinjustiça praticado contra o herói e também às suas conquistas,

Page 36: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

38

exaltando-lhe o espírito de superioridade estóica diante dos bensmateriais.

O grifo do “Brasão” começou a fazer parte do escudo portu-guês a partir do casamento da Infanta D. Isabel, filha de D. Manuel, oVenturoso, com Carlos V; como timbre do brasão, êsse é o emblema quelhe confere a marca distintiva. Para tal, era preciso que fôsse constituídopor figura que caracterizasse realmente Portugal. O Poeta o decompõeem três figuras que sintetizam a conquista do mar; do sonho-projeto(Infante D. Henrique), ao comando-ordem (D. João II) e à realização(Afonso de Albuquerque). Última parte do “Brasão” , o grifo ou timbreé a figura fantástica que o envolve, como o mar a Portugal, que defineo país como predestinado para o, até então, “impossível oceano”.

Há, nessa primeira parte de Mensagem um breve resumo dahistória portuguesa, desde o mítico Ulisses, que aí chegara por mar, atéos três personagens épicos que prepararam e efetivaram sua conquista.O caminho pela terra é apenas levemente assinalado, enquanto ocaminho pelo mar será destacado, nos seus principais passos, na SegundaParte da obra, “Mar Portuguez”

�Segunda Parte / Mar Portuguez�

Doze poemas constituem esta Segunda Parte, dos quais 04(quatro) têm por título heróis individuais; 01 (um) apresenta um heróicoletivo (“Os Colombos”); 01 (um) tem por título um fenômenoastrológico e geográfico (“Horizonte” ); 01 (um) refere-se a um pontocardeal (“Occidente”); 01 (um) encerra uma figura emblemática (“OMostrengo”); 02 (dois) enaltecem objetos (“Padrão” que se relacionacom Diogo Cão e “A Última Nau” que se refere a el-rei D. Sebastião);01 (um) constitui uma ação suplicativa (“Prece” ) e 01 (um) refere-seao território português (“Mar Portuguez”).

Na Primeira e Segunda Partes de Mensagem o percurso his-tórico se opera cronologicamente - com exceção feita, na primeira, àinserção de D. Sebastião, como a indicar a sua atemporalidade - seguindoo roteiro do mar conhecido para o mar por conhecer. Abre a SegundaParte o precursor ou a origem dos descobrimentos - o Infante D.Henrique - e a encerra o último navegador desse mar, D. Sebastião. Ofato de, na cronologia histórica da estrutura da obra, Vasco da Gamaaparecer posteriormente a Fernão de Magalhães, parece justificar-se

Page 37: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

39

pelo papel que ele desempenha na obra: o de representante simbólico,como herói coletivo, de todos os grandes descobridores de seu tempo.

Numa visão diacrônica, a conquista do “Mar Português”poderia sintetizar-se, como a organiza, didática e metaforicamente ocrítico Antonio Cirurgião, da seguinte forma:

O infante D. Henrique concebe a idéia de um império maríti-mo português; partem as suas naus para os altos mares embusca de novas terras; Diogo Cão toma oficialmente posse,em nome de Portugal, das terras descobertas; o Mostrengoquer pôr termo a essa aventura, mas é simbolicamente venci-do por Bartolomeu Dias, ousadia que virá a pagar com a vida;as outras nações européias, desejosas de emular Portugal, lan-çam-se também nessa aventura marítima, não passando,porém, os seus feitos, de uma sombra dos de Portugal; pros-seguem as caravelas do Infante de Sagres na sua empresa eencontram as terras do Occidente, especificamente o Brasil;descobertos todos os novos continentes e ilhas sem fim, re-solvem os nautas da escola do Infante fazer uma viagem decircum-navegação, proeza por que serão punidos pelas foçasadversas do universo; obreiros de gestas heróicas, os mari-nheiros do Infante são convertidos em semi-deuses, como osda antiguidade, e colocados, portanto, no panteão reservadoaos semi-deuses: o Olimpo; sujeito às leis inexoráveis dotempo, que tudo consome, morre o império marítimo portu-guês; mas, ansiosos por se perpetuar no tempo e no espaço eciente de que esse é o seu destino manifesto, os portuguesesimploram a Deus que lhes conceda a graça de um impérioque não morra.45

Mensagem estrutura-se de forma circular, sem saltos bruscosna sua cronologia histórica, de uma parte para outra. A transição de“Brasão” para “Mar Portuguez” e deste para “O Encoberto” verifica-se através de um encadeamento de poemas. Os últimos poemas daprimeira parte poderiam, sem dúvida, pertencer à segunda. O “InfanteD. Henrique”, (“A Cabeça do Grypho”) está presente no final daprimeira parte e inicia a série de poemas de “O Mar Portuguez”. Nofinal desta parte, sob o título de “A última Nau”, aparece a figura ale-górica de D. Sebastião, já invocado no “Brasão” e que vai ser o centropolarizador de “O Encoberto”. Tal encadeamento acentua a harmoniaestrutural desta epopéia.

Page 38: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

40

Em “O Mar Portuguez”, o Poeta apresenta-nos a fase maisgloriosa da história de Portugal. Seus doze poemas tratam dos grandesdescobrimentos, desde as origens da posse do mar até à morte dos seusheróis, enaltecendo o saldo positivo e lastimando o lado negativo daexpansão territorial, tentando despertar o país do estado de letargia emque se encontra no tempo presente:

E outra vez conquistemos a Distância -Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Histórica e metaforicamente a estrutura também é circular.Começa a segunda parte com o precursor das descobertas e acabacom o pós-Alcácer Quibir (a esperança na repetição das façanhas dosgrandes descobrimentos); o último poema de “Mar Portuguez”(“Prece”) comporta o mesmo apelo do poema de sua abertura (“OInfante”).

Quem te sagrou creou-te portuguez.Do mar e nós em ti nos deu signal.Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.Senhor, falta cumprir-se Portugal!

(“O Infante” )

Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ansia -,Com que a chamma do esforço se remoça,E outra vez conquistemos a Distância -Do mar ou outra, mas que seja nossa!

(“Prece” )

O artista plástico Paulo Cardoso, ao proceder a uma leituraastrológica do “Mar Portuguez”, observa que os doze poemas “são feitosà imagem e semelhança dos doze signos do Zodíaco, e se perfazem, sobaquele nome, o corpo central de Mensagem, eles são, por isso, de ummodo cifrado, a imagem do Cíclo da Totalidade, ou seja, doUniversalismo Luso, preconizado nas descobertas marítimas dos portu-gueses. Por outro lado, isto sugere que este segundo corpo da Mensa-gem constitui um todo autónomo, um organismo individualizado como éo próprio Zodíaco. Se relacionarmos as três partes desta obra pessoanacom as três pessoas da Santíssima Trindade, reconheceremos que à Se-gunda - O Filho, a manifestaçào terrena de Deus-pai, corresponde poisàquela a que o poeta pôs o título de ‘Mar Portuguez’. Fica pois suben-tendido que ‘O Mar Universal é Português’ de acordo com a manifesta-ção dos desígnios de Deus”.46

Page 39: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

41

�I - O Infante�

A abertura desta Segunda Parte da obra com o Infante é muitoapropriada, justificando-se por ser ele o pioneiro na empresa dos des-cobrimentos, quando, ao fundar a Escola de Sagres, objetivava aípreparar os navegadores.

DEUS QUERE, o homem sonha, a obra nasce.Deus quis que a terra fosse toda uma,Que o mar unisse, já não separasse.Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.

O primeiro verso já nos apresenta uma visão providencialistada história: as conquistas portuguesas resultaram, em primeiro lugar,da vontade divina e, em segundo lugar, do idealismo humano. O conceitode Deus como causa primeira e do homem, como causa segunda, apareceexplicitamente três vezes no decorrer da obra, correspondendo a trêsmomentos epifânicos da história de Portugal: na sua gênese, com opoema dedicado ao Conde D. Henrique - “Todo começo é involuntário/ Deus é o agente”; na sua defesa, com o poema dedicado a D. João I -“O homem e a obra são um só / Quando Deus faz e a história é feita”;na concepção do Império, com este poema de exaltação ao Infante D.Henrique: “Deus quere, o homem sonha, a obra nasce”.

É interessante observar o quanto este poema se apresentaestruturado sob o número três, que é um número fundamental, univer-salmente, pois exprime uma ordem intelectual e espiritual em Deus, nocosmo e no homem. De acordo com os chineses, o três é um númeroperfeito e expressão da totalidade, da conclusão, nada lhe podendo seracrescentado. Já para os cristãos, esse número significa a perfeição naUnidade Divina.

E a orla branca foi de ilha em continente,Clareou, correndo, até ao fim do mundo,E viu-se a terra inteira, de repente,Surgir, redonda, do azul profundo.

A estrutura ternária marca o poema tanto na suahorizontalidade, como na verticalidade. Construido por três quadras,em forma de silogismo dedutivo, a primeira estrofe corresponde àpremissa maior, a segunda à premissa menor e a terceira à conclusão.

Quem te sagrou creou-te portuguez.Do mar e nós em ti nos deu signal.

Page 40: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

42

Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.Senhor, falta cumprir-se Portugal!

O primeiro verso da primeira estrofe está elaborado sob oprocesso de trimembração numa espécie de comunicação espiritual dohomem com o Ser Superior divino (Deus) através do sonho (anunciação)e a conseqüente “fiat lux”. A vontade divina é enfatizada também portrês objetivos: pela unidade da terra “Deus quis que a terra fosse todauma” - pela unidade do mar: “Que o mar unisse, já não separasse” - epela predestinação do povo português para realizar a união da terracom o mar: “Sagrou-te e foste desvendando a espuma”. Como infante,D. Henrique era o quinto filho de D. João I e também, pela sagraçãocomo Grão-Mestre da Ordem de Cristo, o ungido pelo Pai: daí o duplosignificado de Filho e Verbo Divino. Além disso, o Infante é arepresentação metonímica do povo português com sua predestinação:

Quem te sagrou, creou-te portuguezDo mar e nós em ti nos deu signal

Todo o cariz divino da obra do Infante está disseminado nopoema através de palavras que indicam luminosidade, pureza, virgindade- “orla branca” , “espuma” - e de construções que transmitem asensação de movimento em direção a um fim - “E a orla branca foi deilha em continente, / Clareou, correndo, até ao fim do mundo, / E viu-se a terra inteira, de repente, / Surgir, redonda, do azul profundo”. -numa elaboração gradual que nos remete à seqüência cronológica dosacontecimentos: primeiro, as ilhas do Atlântico e, mais tarde, ocontinente africano.

O poema encerra-se com um verso que é, ao mesmo tempo,uma prece e um lamento sobre o Quinto Império. O verbo no tempopresente confere caráter de urgência à necessidade de realizaçào doSer da Pátria. É a necessidade de se reconstruir o Império feito de sonhose de anseios de Absoluto. O crítico Antonio Apolinário Lourenço analisaa Segunda Parte da Mensagem sob duas diferentes isotopias: a isotopiados descobrimentos marítimos e a isotopia da iniciação. Sob este se-gundo enfoque, ele observa que “O infante é manifestamente uminiciado pertencente a uma escola muito especial: ele não recebeu ainiciação da mão de ‘exotéricos Maiores’, mas directamente, e porcima deste todos, das mesmas mãos do que chamamos Deus.”’ 47

Pode-se considerar o Infante D. Henrique como o ponto ondeo projeto realizado pôs fim à diferenciação e à dualidade mar-terra para

Page 41: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

43

iniciar a totalidade individualizada. Ao anunciar-se o Verbo, na terceiraestrofe, “afirma-se a consciência da individualidade lusitana através da2ª pessoa do singular e do nome que lhe corresponde: PORTUGAL” . 48 Re-força-se assim, a identificação entre o Infante e o percurso da expansãoportuguesa.

�II - Horizonte�

Este poema, constituído por dezoito versos distribuídos emtrês sextilhas, é elaborado na dualidade histórica e esotérica.

No aspecto histórico, o Poeta exalta o alargamento do es-paço e a possessão efetiva do mar, antes povoado de temores e obstáculosgerados pela ignorância e pela imaginação.

Ó mar anterior a nós, teus medosTinham coral e praias e arvoredos.Desvendadas a noite e a cerração,As tormentas passadas e o mysterio,Abria em flor o Longe, e o Sul siderioSplendia sobre as naus da iniciação.

No aspecto esotérico, o poema remete ao sentido de“telestai” , de iniciação. Iniciar é, de certo modo, fazer morrer; mas éuma morte considerada uma saída, porque é a passagem de um lugar oude um estado para outro. Metaforicamente o iniciar exige umatransformação essencial para a ascensão a uma nova vida. E o mar,como água-mãe, matriz geradora e símbolo da dinâmica da vida, éjustamente o caminho para a iniciação ou metamorfose. Considerado olugar dos nascimentos, das transformações e dos renascimentos,simboliza, outrossim, um estado transitório entre as possibilidades aindainformes e as realidades configuradas: a imagem da vida e a imagem damorte.

Os navegadores portugueses, como “telestai” , desvendaram“a noite” e “a cerração”, “as tormentas” e “os mysterios” do martenebroso, e, nessa ultrapassagem de obstáculos, operaram atransformação para uma nova vida de conquistas: “Abria em flor oLonge, e o Sul sidério / Splendia sobre as naus da iniciação”. Odesvendar dos mares foi também uma autêntica gnose.

Na segunda estância o Poeta descreve as viagens portuguesas,a ação das descobertas. Cada terra descoberta é um festival de cores,

Page 42: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

44

formas e sons; o horizonte longínquo e abstrato cede lugar a um mundonovo, cheio de vida.

A terceira estância encerra a interpretação mística da açãodos navegantes portugueses:

O sonho é ver as fórmas invisíveisDa distancia imprecisa, e, com sensíveisMovimentos da esprança e da vontade,Buscar na linha fria do horizonteA arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -Os beijos merecidos da Verdade.

A partir do sonho, no processo gnoseológico do Poeta deMensagem, chega-se à Verdade, concorrendo para essa transformação,para essa iniciação, para essa nova vida, a esperança e a vontade.

Em seu aspecto formal, o poema é estruturado através doprocesso de disseminação e recolha: na primeira estância os vocábulosdisseminados referem-se ao mar desconhecido - “coral” , “praias” ,“arvoredos”, “tormentas”, “mysterio”; nas duas outras referem-seao mar transposto e à vida nova de esplendor e de Verdade - “terra emsons e cores”, “a arvore, a praia, a flor, a ave, a fonte” - num percursoque vai do sonho e da vontade para a realização e para uma nova vida.

�III - Padrão�

Em processo dialético entre presente e futuro, finito e infinito,matéria e espírito, vontade humana e desígnio divino, o poema consti-tui-se de quatro quadras e, iconicamente, apresenta-se elaborado emmovimento ascensional. Na primeira estrofe, Diogo Cão declara queergueu um padrão; na segunda explica o seu significado; na terceira,esclarece sobre o significado metafórico das Quinas, e na quarta, osignificado transcendental da Cruz do padrão.

O padrão representava a soberania de Portugal sobre os lu-gares descobertos. Foi Diogo Cão, escudeiro do Rei D. João II, quem,em 1482, partiu para levar mais longe o nome de Portugal, em expediçãoque atingiria a África (embocadura do Rio Zaire ou Congo). Por reco-mendação do rei, ele deveria assinalar os lugares conquistados, nãomais com inscrições em troncos de árvores ou com cruzes de madeira,como até então era o costume, mas colocando autênticos e duradourospadrões de soberania. O padrão passa a ter a forma de um cilindro,sobre o qual pousa um cubo e ao cimo deste uma cruz, a atestar a

Page 43: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

45

fidelidade a Cristo. Nas diversas facetas do cubo inscrevem-se as armasde Portugal, com as datas, nomes dos reis e dos navegadores.

O ESFORÇO é grande e o homem é pequeno.Eu, Diogo Cão, navegador, deixeiEste padrão ao pé do areal morenoE para deante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.Este padrão signala ao vento e aos céusQue, da obra ousada, é minha a parte feita:E por-fazer é só com Deus.

Na primeira quadra constata-se a dialética humana e divina,a obra terrena, finita e a obra celestial e infinita.

O limite entre essas duas naturezas é expresso na segundaquadra, num discurso em primeira pessoa: a parte dos homens é o queestá feito (presente-passado), a parte de Deus é o que está por fazer(presente-futuro). O padrão atesta apenas a ousadia da obra humana.

Na terceira quadra, num discurso pragmático, o Poeta refere-se ao processo de aprendizagem adquirido com os descobrimentos.

E ao imenso e possível oceanoEnsinam estas Quinas, que aqui vês,Que o mar com fim será grego ou romano:O mar sem fim é portuguez.

Podemos observar que, após o pretérito perfeito da primeiraestrofe “deixei” , o tempo presente “ensinam” e “vês” e mais o valordos demonstrativos “estes”, “estas” e do advérbio “aqui” reforçam aatualidade da visão das Quinas do padrão que é a concretização, empedra, material durável e resistente, do Brasão de Portugal: a marca daposse de Portugal, em nome de Deus. A superioridade dos portuguesesficou atestada, a partir de Diogo Cão, e por muito tempo, por essemonumento erigido pelos navegadores de Portugal.

E a cruz ao alto diz que o que me ha na almaE faz a febre em mim de navegarSó encontrará de Deus na eterna calmaO porto sempre por achar.

Se tomarmos o poema “Padrão” na linha interpretativa dasetapas da iniciação, numa progressão ascensional de valores, parece-nosque o Poeta quer confirmar a sua concepção rosacrucianista da hierarquia

Page 44: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

46

dos mundos e dos deuses, a que o próprio Pessoa se refere numa carta aCasais Monteiro, datada de 13 de janeiro de 1935 49 . O movimento ascen-dente vai do cubo, junto à terra, até a cruz, no alto, demonstrando a conju-gação do esforço humano e a predestinação divina para a realização daobra portuguesa.

�IV - O Mostrengo�

Elaborado com três estrofes de nove versos cada uma, este éum dos poemas mais longos de Mensagem. Através da estrutura externaparece o Poeta querer registrar o longo tempo cronológico e o intensotempo psicológico de esforços e sofrimentos dos navegadores até ul-trapassarem o Cabo das Tormentas, depois transformado em Cabo daBoa Esperança.

O poema se constrói em torno do número nove e do númerotrês. Sendo o último da série dos algarismos, o “nove anuncia ao mesmotempo um fim e um recomeço, isto é, uma transposição para um planonovo” 50 . O número três denota a idéia de uma nova fase dos descobri-mentos após a transposição do Cabo das Tormentas e também a idéiada morte, do passado.

O “Mostrengo” é, pois, a alegoria do passado de trevas, ig-norância e crendices vencido pela técnica, bravura e sonho de grandeza.

O número três sintetiza a união do céu e da Terra porqueexprime a ordem intelectual e espiritual em Deus, no cosmo e no homem.Segundo Oswald Wirth, na obra Le Tarot des Imagiers du MoyenAge (Paris, 1966, p. 70-72): “Os primeiros Sefirots (números, segundoa Cabala) são classificados em três ternários. O primeiro é de ordemintelectual e corresponde ao pensamento puro ou ao espírito (...). Osegundo ternário é de ordem moral e relativo ao sentimento e aoexercício da vontade, ou seja, à alma (...). O terceiro ternário é deordem dinâmica: relaciona-se com a ação realizadora, e, por isso, como corpo, engloba o princípio que dirige o progresso, a ordem corretade execução, as energias realizadores do plano”.51

Se nos recordarmos de que, aproximadamente dez por centodos cerca de vinte e sete mil fragmentos que se conservam no espóliode Fernando Pessoa dizem respeito à área esotérica, destacando-se temascomo Tarot, I Ching, Numerologia, Alquimia, Cartomancia, Cabala,Geometria Sagrada e principalmente Astrologia, quer dizer que o Poeta

Page 45: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

47

se apoiava em filosofias esotéricas para a elaboração do seu discursopoético. Portanto, os números nove e três participam do poema comointencional recurso poético para a mensagem a ser transmitida.

Vejamos como se processa, no poema, o esquema numérico:três estrofes de nove versos (vinte e sete equivalem a nove, porque2+7=9); sete vezes aparece a palavra “três” (7x3=21 que equivale a2+1=3); três vezes o timoneiro é inquirido pelo Mostrengo e três vezesapresenta a sua resposta; doze vezes o mostrengo voou em roda da nau(12 equivale a 1+2=3); na terceira estrofe, nove vezes o navegantehesitou, e três vezes tremeu, antes de responder ao Mostrengo. No planodo discurso, três vozes se alternam: a do narrador, a do mostrengo, a dotimoneiro.

Podemos observar também que, na tradição hermética, o po-ema corresponde ao terceiro ternário na classificação dos Sefirots,porque se relaciona com a energia realizadora das navegações.

No plano histórico, através da alegoria do Monstrengo oPoeta celebra os progressos substanciais da obra das navegações sob oreinado de D. João II. Era uma época em que dominavam o povo ascrendices e superstições: os obstáculos encontrados pelos navegantesao tentarem transpor os limites até então conhecidos eram logoconvertidos, na versão popular, na existência de terríveis monstrosmarinhos que destruíam as embarcações dos que ousavam invadir-lhesos territórios.

A passagem dos cabos Bojador e Tormentoso marcam doismomentos culminantes na história dos descobrimentos: sucederia aosegundo a exploração do comércio do Oriente, como sucedera aoprimeiro a exploração do comércio da Guiné.

“O Mostrengo” é um poema com evidentes relaçõesintertextuais com o episódio do “Gigante Adamastor” de Os Lusíadas:ambos são a ilustração simbólica dos obstáculos com que se defrontaramos navegadores portugueses.

No poema poderíamos destacar, associados à alegoria domostrengo, três elementos simbólicos: a água, a noite, a caverna:

O Mostrengo que está no fim do marNa noite de breu ergueu-se a voar;E disse, ‘Quem é que ousou entrarNas minhas cavernas que não desvendo,

Page 46: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

48

Meus tectos negros do fim do mundo?’

A água, como massa indiferenciada, no seu simbolismo defonte de vida, representa a infinidade dos possíveis e “contém todo ovirtual, todo o informal, o germe dos germes, todas as promessas dedesenvolvimento, mas também todas as ameaças de reabsorção. (...)fonte de todas as coisas, manifesta o transcendente e deve ser, emconseqüência, considerada como uma hierofania” 52

A noite simboliza “o tempo das gestações, das germinações,das conspirações que vão desabrochar em plena luz como manifestaçãoda vida” 53. Como todo símbolo, a noite apresenta um duplo aspecto, odas trevas, onde fermenta o vir-a-ser e o da preparação do dia, de ondebrotará o conhecimento racional:

Sou um Povo que quere o mar que é teu;E mais que o Mostrengo, que me a alma teme(...)Manda a vontade, que me ata ao leme,De El-rei D. João Segundo’!

A resposta do timoneiro, metonimicamente representando opovo português, revela-nos a atitude coletiva de um povo obediente, des-temido e persistente, capaz de grandes sacrifícios para atingir o seu ideal.

Também não nos parece forçada nem descabida a relação doMostrengo, habitante das “cavernas do fim do mundo” com os deusesque vestem o neófito (do poema “Iniciação” , do autor de “Cancionei-ro” ) na sua escalada da “funda caverna”54 para a Luz: assim como oiniciado se descobre igual aos deuses, o Mostrengo reconhece os nave-gadores portugueses como seus iguais. Por outro lado, remete-nostambém ao mito ou à alegoria da caverna, de Platão.

Na sua leitura astrológica de “O Mostrengo”, Paulo Cardosoobserva que o poema é construído sob o signo de Câncer, e por isso,corresponde àquilo que a astrologia chama fundo-do-céu, relacionandoo fundo-do-céu português, ao “fim do mar” . “Fundo esse do mar (doinconsciente) que guarda, que carrega, na sua gênese, o medo e o desejode transcender todos os mostrengos decantados ao longo das gerações”.55

�V - Epitaphio de Bartolomeu Dias�

Foi Bartolomeu Dias o último representante do tipo de des-cobridor criado pelo Infante D. Henrique, homem de condição modesta,

Page 47: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

49

dedicado às coisas do mar. Desde que passara a ponta meridional docontinente africano, o problema náutico e geográfico do caminho daÍndia estava resolvido.

Ao tomar parte na expedição de Pedro Alvares Cabral rumoa ocidente, sua caravela naufragou e o “Capitão do Fim” encontrou amorte junto ao Cabo que havia descoberto. É a esse fato histórico que oPoeta se refere no poema.

JAZ AQUI, na pequena praia extrema,O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro,O mar é o mesmo: já ninguém o tema!Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

No mais curto poema de Mensagem, o Poeta simboliza a lutaépica entre Portugal e as forças da natureza, com a conseqüente vitória dePortugal, e resume a vida heróica, a morte exemplar e a mensagem para aposteridade do mito Bartolomeu Dias: “Atlas, mostra alto o mundo no seuombro”.

�VI - Os Colombos�

Desde o tempo do Infante D. Henrique, conta-nos o histori-ador Fortunato de Almeida que por todo o século XV e ainda no séculoXVI, concorriam a Portugal numerosos estrangeiros: italianos,flamengos, alemães e outros, para tomarem conhecimento dosdescobrimentos marítimos, colaborarem com os portugueses naesperança de lucro e aprenderem na escola portuguesa de navegação,cuja fama se estendia aos quatro cantos do mundo. “Cabe assim, aosportugueses, a dupla glória de terem iniciado as navegações modernas,através dos mares até então desconhecidos, e de terem amestrado nossegredos da arte náutica todos os aventureiros que concorreram aPortugal, como à escola onde deviam conhecer os trilhos do oceano epor eles a carreira de glórias e interesses”.56

Como tantos outros, Cristóvão Colombo foi aperfeiçoar-senos conhecimentos da navegação com os portugueses: a partir de 1470,em companhia de marinheiros portugueses, começou as suas viagens(de que não há clara notícia) e, já em 1474, concebeu com algunsarrojados viajantes a idéia de procurar novas terras a ocidente. Comesse objetivo, procura D. João II, em 1481 ou 1482. Mas o fato deexpressar-se com prosápia e demonstrar superficialidade de

Page 48: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

50

conhecimentos, além de impor condições inaceitáveis, tal como aascensão social e a partilha de terras a descobrir, leva D. João II, ouvidosos homens de maior autoridade em assuntos cosmográficos do reino, arecusar sua proposta.

Obstinado e aventureiro, Colombo recorre aos reinos de Fran-ça e Inglaterra, com o mesmo insucesso. A sua proposta foi acolhidapelos reis castelhanos Fernando e Isabel. A partida do navegadorgenovês se efetua em 03 de agosto de 1492; meses depois, ajudadopela Sorte ou Acaso, toca um novo continente, a América, acreditando,porém, ter atingido a Índia pelo ocidente.

OUTROS haverão de terO que houvermos de perder.Outros poderão acharO que, no nosso encontrar,Foi achado, ou não achado,Segundo o destino dado.

Ao tomar conhecimento do fato, D. João II convenceu-sede que tal território se encontrava dentro da área ocidental já descobertapelos portugueses e determina a expedição de D. Francisco de Almeidapara o reconhecimento das terras e para a afirmação dos direitos dePortugal. Essa notícia alarmou os “reis católicos” que propuseramuma negociação, a fim de evitar a expedição portuguesa. Do acordoestabelecido entre Portugal e Castela surge o Tratado de Tordesilhas:uma linha demarcatória de polo Ártico a Antártico, que passa atrezentos e setenta e cinco léguas para poente e sul dos Açores e CaboVerde, a oeste da qual todas as terras e mares pertenceriam ao reinode Castela.

Desta forma, Portugal conseguiu preservar o verdadeiro ca-minho para a Índia e, mesmo no continente americano, abarcou vastazona territorial.

Daí o orgulho do Poeta em poder celebrar mais uma vitóriada gente portuguesa, que acolheu um navegador genovês em sua armadapara aprender a arte do ofício com os portugueses e deles extrair oexemplo, assim conseguindo a glória para os espanhóis.

Mas o que a elles não tocaÉ a Magia que evocaO longe e faz d’elle historia.E porisso a sua gloria

Page 49: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

51

É justa auréola dadaPor uma luz emprestada.

Com o título do poema no plural, Colombo seria apenasuma metonímia: na sua figura o Poeta representa, com ironia e desdém,todos os navegadores estrangeiros que fundaram os seus impérios àcusta de Portugal, mas a quem faltava o “quid” que sobejava aosportugueses; por outro lado, o uso da 1ª pessoa do plural no discursosignifica a voz coletiva de Portugal, orgulhosa por reconhecer-se umpaís predestinado.

�VII - Occidente�

É também através de uma voz coletiva - discurso em pri-meira pessoa do plural - que o Poeta explica a obra dos descobrimentosportugueses ter sido, ao mesmo tempo, uma aventura conjunta operadapelo “Destino” e pelo “Acto” : por Deus e pelos homens; novamente aproblemática da predestinação.

COM DUAS mãos - o Acto e o DestinoDesvendámos. No mesmo gesto, ao céuUma ergue o facho tremulo e divinoE a outra afasta o véu.

Metonimicamente, através do sintagma chave - “mão” -lexema mencionado cinco vezes de modo explícito e duas vezesimplícito, estabelece-se o diálogo entre a mão de Deus e a mão dohomem. Uma vez que a mão é o símbolo da atividade e do poder, osverbos decorrentes envolvem ação: “Desvendámos”, “ergue” ,“afasta” . Também a palavra “facho” , outro sintagma chave, significaluz e é de uma caminhada das trevas do desconhecido - “véu” - à luzdas descobertas que trata o poema.

Fosse a hora que haver ou a que haviaA mão que ao Occidente o véu rasgou,Foi alma a Sciencia e corpo a OusadiaDa mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou TemporalA mão que ergueu o facho que luziu,Foi Deus a alma e o corpo PortugalDa mão que o conduziu.

Na segunda e terceira quadras, o Poeta exalta, metafórica e

Page 50: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

52

metonimicamente, o heroísmo do povo português (implicitamente éenaltecida a figura de Pedro Alvares Cabral - “A mão que ao Occidenteo véu rasgou” - o descobridor das terras brasileiras - “Fosse Acaso, ouVontade, ou Temporal” - na sua ânsia desmedida de estender o olharaté aos confins da terra, contando com a potencialidade da raça “Acto” ,“corpo” , “Ousadia” e com a predestinação divina “Destino” , “alma” ,“Sciencia”, “Deus” .

Sem que o nome do Brasil seja citado, o Poeta refere-se,com expressão concisa, às possíveis causas de seu descobrimento:“Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal”. Essas três hipótesesapontadas pelo Poeta relacionam-se ou ao ato da Providência divina:“Acaso” , ou à intenção humana: “Vontade”, ou ao simples fenômenoda natureza: “temporal” .

�VIII - Fernão de Magalhães�

Foi em 1519 que o navegador português Fernão de Magalhães(1480 - 1521), com o propósito de chegar à fonte de certas especiarias,nas Ilhas Molucas, empreendeu o que viria a ser a primeira viagem decircunavegação do globo terrestre. E foi no decorrer dessa viagem his-tórica que o navegador foi assassinado pelos nativos das Ilhas Filipinas.

De quem é a dança que a noite aterra?São os Titans, os filhos da Terra,Que dançam da morte do marinheiroQue quiz cingir o materno vulto —Cingil-o, dos homens, o primeiro—,Na praia ao longe por fim sepulto.

A morte do marinheiro às mãos dos nativos, que o Poetacognomina “os Titans, os filhos da Terra” — aqueles que representamas transformações cósmicas, as forças selvagens e indomadas da natureza— simboliza, metonimicamente, a morte de todos os navegadores que,como ele, ousaram desafiar as forças elementares da natureza: os Titãssignificam as adversidades e obstáculos que os portugueses tiveramque enfrentar na terra, como o Mostrengo representa as forças adversasdo mar.

Além disso, quando o Poeta caracteriza Fernão deMagalhães como o navegador “Que quiz cingir o materno vulto — /Cingil-o, dos homens, o primeiro— ”, esse procedimento Edipiano de

Page 51: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

53

violação maternal é castigado com a própria morte — “Na praia, aolonge, por fim sepulto”.

O “valle” a que se refere o Poeta na primeira estância é olugar das transformações fecundantes, por isso simboliza o espaço “ondea alma humana e a graça de Deus se unem para dar as revelações e osêxtases místicos”57 , o que, metaforicamente, se esclarece na terceiraestância: “Dançam, nem sabem que a alma ousada / Do morto aindacommanda a armada” é o corpo trancendido, a parcela divina, a “almaousada” do herói que dirige, inspirando, a viagem prosseguida por seupiloto Elcano.

Objetivando seguir sempre em frente, Fernão de Magalhãesconseguiu atingir o fim (e o início) da Terra e também o fim (e o início)de si próprio.

Dançam, nem sabem que a alma ousadaDo morto ainda commanda a armada,Pulso sem corpo ao leme a guiarAs naus no resto do fim do espaço:Que até ausente soube cercarA terra inteira com seu abraço.

Violou a Terra. Mas elles nãoO sabem, e dançam na solidão;E sombras disformes e descompostasIndo perder-se nos horizontes,Galgam do valle pelas encostasDos mudos montes.

Simbolicamente a “Terra” significa a função maternal, en-quanto o “monte” participa do simbolismo da manifestação, sendo con-siderado também o encontro do céu e da terra, morada dos deuses eobjetivo de ascensão humana58 . Por isso, ao aludir à violação da“mater” - “Violou a Terra” - o Poeta refere-se à violação do segredodas navegações, ao conceito ptolomaico da Terra, conhecimentoignorado pelos gentios.

É interessante observar, do ponto de vista estrutural, que estepoema composto por vinte e quatro versos distribuídos em quatrosextilhas, organiza-se em forma de círculo, em forma arredondada, coma repetição paralelística da primeira e da última quadras, como a sugeriro início e o fim do mundo, o início e o fim das descobertas, o início e ofim da vida.

Page 52: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

54

�IX - Ascensão de Vasco da Gama�

Nos oito poemas anteriores de “Mar Portuguez” contam-seos feitos dos portugueses. No novo poema, o Poeta elege aquele quesintetiza a glorificação da gesta marítima de Portugal - Vasco da Gama- na sua ascensão mística. É um herói individual representando um heróicoletivo.

Como a aventura épica se realizou tanto na terra como nomar, esse nobre português é homenageado, no poema, tanto pelasdivindades terrenas - “os gigantes da terra” como pelas divindadesmarinhas - “os deuses da Tormenta”.

OS DEUSES da tormenta e os gigantes da terraSuspendem de repente o odio da sua guerraE pasmam. Pelo valle onde se ascende aos céusSurge um silencio, e vae, da nevoa ondeando os véus,

Primeiro um movimento e depois um assombro.Ladeiam-o, ao durar, os medos, hombro a hombro,E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flautaCahe-lhe, e em extase vê, à luz de mil trovões,O céu abrir o abysmo à alma do Argonauta.

Ao descrever a ascensão do herói “Pelo valle onde se ascendeaos céus” e a sua passagem pelo “Assombro” (em nítida relação com a“Estalagem do Assombro” do poema “Iniciação” , inserto no “Canci-oneiro”), o Poeta nos revela a morte como ascensão iniciática necessáriapara o conhecimento - vida. Na ordem seqüencial de “Mar Português”este é já o quarto poema, em que (com “Epitaphio a Bartolomeu Dias”,“Fernão de Magalhães” e “O Mostrengo”) podemos atestar o processode intertextualidade com os poemas de cunho esotérico e rosacrusista,insertos no “Cancioneiro” , especificamente “Iniciação” .

A dualidade vida/morte e a própria identificação da mortecomo início de nova vida (tendo a alma como mediadora) encerra aessência das tradições iniciáticas. Esse desnível entre o mundo sensívelou dos homens e o mundo inteligível ou dos deuses é o que reflete oterceto. Pela antonomásia do fecho do poema, Vasco da Gamatransmudando-se em “Argonauta” , acentua-se a ascensão do navegadorportuguês, que, da simples condição humana passa, com a morte, para onível de herói mitológico.

Page 53: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

55

Vasco da Gama representa, em Mensagem, o ápice da fasegloriosa de Portugal. Observaremos, mais adiante, que nova vertentese estabelece na estrutura da obra, forjada sempre, como se tem visto,por seus elementos históricos: a fase de decadência, a partir de D.Sebastião.

Massaud Moisés apresenta excelente síntese dessa transição,por isso utilizaremos as suas palavras:

Com efeito, a descoberta do caminho marítimo paraas Indias, empreendida em 1498 por Vasco da Gama, segui-da pelo ‘achamento’ do Brasil em 1500, cercou-se dumasérie de semelhantes e felizes comentimentos, que permiti-ram a Portugal gozar de momentânea mas intensa euforia,sobretudo enquanto reinou D. Manuel, entre 1495 e 1521:conquista de Ormuz, em 1507, de Safim, em 1508, de Goa,em 1510, de Azamor, em 1513, e a viagem de circunavega-ção realizada por Fernão de Magalhães em 1519-1520.

Sobrevém uma extraordinária prosperidade econômi-ca, Lisboa transforma-se em centro comercial de primeiraimportância; na Corte impera um luxo desmedido; a maioriaacreditava cegamente haver chegado Portugal a uma inalte-rável grandeza meterial. Enfim, enganador e iludidor otimismoufanista, que aos poucos se vai atenuando, até à derrocadafinal em Alcácer-Quibir, em 1578, quando morre D. Sebasti-ão, e o exército português se dobra, fragorosamente, à malí-cia e ao poderio da cavalaria sarracena.59

Embora a dimensão épica dos fatos históricos de Mensagempossa encerrar-se com a morte/iniciação de Vasco da Gama, completama estrutura da Segunda Parte da obra mais três poemas: “MarPortuguez”, “A Última Nau” e “Prece” .

Segundo a opção estrutural do nosso estudo, esses poemaspoderiam enquadrar-se na “dimensão profética”, mas procuraremosinterpretá-los dentro da “dimensão épica”, para não truncar a ordemseqüencial dos doze signos.

�X - Mar Portuguez�

O título dado a este poema é elucidativo acerca do veículoatravés do qual o povo “portuguez” cumpriu a missão para que estavapredestinado: o “mar” .

Page 54: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

56

Estruturado em duas sextilhas, o poema apresenta umdiscurso impregnado de subjetividade, com alternância de vozes dasegunda para a terceira pessoa do singular. Quanto à temporalidade, odiscurso alterna-se do presente para o passado e deste para o presente,num processo circular que reflete a continuidade entre a história e arepresentação literária.

Numa espécie de balanço reflexivo sobre os saldos negativoe positivo das conquistas, mostrando os dois lados de uma mesmamoeda, na primeira estância, em forma de apóstrofe ao mar, o Poetaquestiona a validade da epopéia marítima, e na segunda estância,justifica-a. Na primeira, em apenas doze versos, o Poeta resume ahistória trágico-marítima dos portugueses que, como em todo grandeato gerador, tiveram que descer aos infernos do sofrimento paramerecerem as glórias da ventura, ou, recordando versos do SegundoCampo do “Brasão” “Os deuses vendem quando dão / Compra-se aglória com desgraça”.

Ó MAR SALGADO, quanto de teu salSão lágrimas de Portugal !Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão resaram !Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar !

Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quere passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,Mas nelle é que espelhou o céu.

Na segunda estância, através da metáfora do “mar” , o Poetaenfatiza que a experiência do plano físico e material, cheio desacrifícios e perigos, é um mal necessário para se atingir a verdade doplano espiritual: “Quem quere passar além do Bojador / Tem quepassar além da dor”.

Entre o “mar” que abre o poema e o “céu” que o encerra,estão “o perigo e o abysmo” — uma forma engenhosamente poéticade mostrar ao homem que, para merecer o prêmio da vitória, precisa tercoragem para enfrentar a prova e vencê-la, pois “Deus ao mar o perigoe o abysmo deu, / Mas nelle é que espelhou o céu”.

Page 55: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

57

�XI - A Última Nau�

Organizado em quatro sextilhas, este poema estrutura-secomo uma viagem de ida e volta, da morte física (ida) para o regressoespiritual (volta).

Na primeira sextilha, o Poeta figura a nau, que leva D. Sebasti-ão e com ele o Império português, a caminho do exílio, da ausência, domistério.

LEVANDO a bordo El-Rei D. Sebastião,E erguendo, como um nome, alto o pendãoDo Imperio,Foi-se a ultima nau, ao sol aziagoErma, e entre choros de ancia e de presagoMysterio.

Geralmente as grandes catástrofes épicas são anunciadas porpressagos. Assim também aconteceu com Alcácer-Quibir: em váriosarquivos públicos, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, BibliotecaNacional de Lisboa, Biblioteca da Universidade de Coimbra, Bibliotecade Ajuda, entre outros, existem dezenas de poemas premonitórios, va-ticínios e profecias agourentas sobre a tragédia de 1578. O Poeta reforça-os com o título do Poema “A Última Nau” e com as construções “aosol aziago”, “choros de ancia e de presago”

Não voltou mais. A que ilha indescobertaAportou? Voltará da sorte incertaQue teve?Deus guarda o corpo e a forma do futuro,Mas Sua Luz projecta-o, sonho escuroE breve.

Nesta segunda sextilha, enfatizando a partida, está manifestoo sentimente da desagregação, do sonho, da dúvida, mas também o daesperança na sua ressurreição enquanto mito — “corpo e forma dofuturo” . A lenda apresenta a vinda de D. Sebastião, numa manhã denevoeiro, pelo Tejo: “sonho escuro e breve”.

Associando-se essa estrofe ao contexto geral da obra,podemos perceber que a dúvida do verso “A que ilha indescoberta /Aportou?” vai relacionar-se e ter resposta em “As Ilhas Afortunadas”(quarto poema de “Os Symbolos”) e o primeiro indício de que D.Sebastião, metaforizado como “forma do futuro”, foi encontrar-se com

Page 56: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

58

Deus, aparece no primeiro poema de “Os Simbolos”, intitulado “D.Sebastião”.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,Mais a minha alma atlantica se exaltaE entorna,E em mim, num mar que não tem tempo ou spaço,Vejo entre a cerração teu vulto baçoQue torna.

A terceira sextilha estrutura-se de forma dialética: no primeiroverso, o povo português sente-se desprovido de sua força essencial “aopovo a alma falta”; no segundo verso, metaforicamente transformadoem “alma atlantica” , o Poeta tem em excesso (“e entorna”) o quefalta ao povo, porque ele crê e confia no regresso de D. Sebastião.Assim, como um profeta, ele vislumbra, numa espécie de visãoprivilegiada, por “entre a cerração” o “vulto baço” do Rei a regressardentro de si - “num mar que não tem tempo ou spaço”. Essa crença navolta do mito sebástico que trará consigo o Quinto Império do mundo éa tônica e a dimensão profética de Mensagem.

Não sei a hora, mas sei que ha a hora,Demore-a Deus, chame-lhe a alma emboraMysterio.Surges ao sol em mim, e a nevoa finda:A mesma, e trazes o pendão aindaDo Império.

Nesta última sextilha o Poeta figura a nau, que transporta D.Sebastião e o Império, voltando de seu exílio e, tal como Cristo, ressurgin-do após a morte. É mais um ato de fé do Poeta, que reconhece estar próxi-ma a “hora” da ressurreição de Portugal enquanto império de cultura.

�XII - Prece�

O poema que encerra a Segunda Parte de Mensagem, talcomo o que fecha o “Brasão” , é uma “Prece” , em que o Poeta, fazendoum inventário da história das conquistas, apresenta o hoje cheio dedecadência e de saudade de um passado glorioso, e suplica esperançosoa Deus pelo “sopro, a aragem, - ou desgraça ou ancia”. Á semelhançada fantástica Fênix Portugal poderia ressurgir da decadência: esse é orasgo de idealismo presente na segunda quadra.

Page 57: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

59

Dá o sopro, a aragem, - ou desgraça ou ancia, -Com que a chamma do esforço se remoça,E outra vez conquistemos a Distância -Do mar ou outra, mas que seja nossa !

É a crença no Portugal do futuro: suplica-se pela luz -“cha-ma” - que traz perigos e sofrimentos - “desgraça ou ancia” - premiose recompensas - “o sopro, a aragem” - mas acima de tudo faculta-se apossibilidade de lutar e renascer: “E outra vez conquistemos a Distância/ Do mar ou outra, mas que seja nossa !”

Esclarecendo melhor o significado histórico destes últimospoemas, diz-nos Gilberto de Mello Kujawsky que “o Sebastianismofoi o único recurso cabível a uma nação tornada acéfala pela invasãoestrangeira, e reduzida a pasto de disputas imperialistas, para preservarilesa sua integridade espiritual. Tornada insuportável a idéia de quePortugal já não era nação soberana, prenunciou-se no horizonte osonho da supernação, encabeçada por um super príncipe, a despontarem breve. Foi esta a função histórica do sebastianismo: transportarpara o futuro a nação impossível no presente, à semelhança de umpaís invadido que prossegue livre e soberano no exílio”.60

3. A Dimensão Trágica: os heróis - símbolos do dever ser

A grande originalidade de Fernando Pessoa na elaboraçãoda Primeira Parte de Mensagem reside na distribuição de seus poemassegundo uma ordem que corresponde à composição do brasão português.Se pretendêssemos fazer uma leitura heráldica de “Brasão” , teríamosque, necessariamente, seguir a ordem disposta na obra; os campos, aenumeração dos objetos neles envolvidos; a coroa; o timbre; enfim,todos os ornamentos que organizam o escudo. Porém, como nesta partedo nosso estudo o objetivo é fazer uma leitura histórica e trans-históricade Mensagem, optamos por inverter a disposição estrutural dos poemasque constituem as “Quinas” do “Brasão” , para operacionalizar aseqüência interna da nossa pesquisa.

Como as cinco quinas do Brasão português remetem às cincochagas de Cristo e, historicamente, os heróis nelas dignificados não par-ticiparam diretamente da epopéia dos descobrimentos, mas representaramo sangue derramado para que a glória fôsse atingida, procuramos deno-minar esse anverso da medalha de dimensão trágica da história.

Page 58: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

60

�III - As Quinas�

N’“As Quinas” desenvolve-se uma série de cinco retratoscondensados, de heróis concluídos, sem movimento, estáticos como sefôssem figuras fixadas num brasão.

A tradição oral e escrita tem provado que “as quinas” dobrasão português simbolizam as cinco chagas de Cristo, as duas dasmãos, as duas dos pés e a do lado, lembrando, assim, o milagre deOurique, a intervenção divina no destino da batalha e da Pátria, e apromessa de Afonso Henriques.

As quinas representam, pois, as glórias portuguesas conquis-tadas com sacrifícios e penas infligidas pelo Destino ou Providência.Enquanto os “castelos” simbolizam a dimensão temporal épica (aafirmação da nacionalidade, o domínio da terra e a promessa do mar),as “quinas” apontam para a dimensão espiritual, caracterizando-se pelosentimento do dever cumprido, pelo sacrifício físico e moral em nomede um sonho, pela aceitação resignada dos desígnios divinos e pelasensação de inutilidade da própria vida, atitudes próprias dos estóicos.

As quatro primeiras “quinas” são constituídas por quatrodos filhos de D. João I e D. Filipa de Lencastre, geradores de grandesprole cognominada por Camões de “Inclita Geração, nobres infantes”.Segundo Pessoa, todos foram marcados pelo Destino, que os sagrou“em honra e em desgraça”.

A quinta quina é D. Sebastião, definido por sua loucura pe-culiar, aquela que faz com que um homem seja um semi-deus e não“besta sadia, / Cadáver adiado que procria”.

Enquanto n’“Os Castellos” o Poeta enaltece as figuras reais(reis), as cinco “Quinas” organizam-se dentro de uma hierarquia denobreza: D. Duarte e D. Sebastião foram Reis; D. Pedro, Regente, e osdemais Infantes - todos, porém, recebem títulos distintivos de nobrezae majestade, o que significa que por seus valores e méritos são dignosde reconhecimento semelhante.

Cinco quinas, cinco mártires, todos da Dinastia Avis, a únicadinastia portuguesa que celebra, no próprio nome, uma ordem de cava-leiros de Cristo:61 quatro irmãos e um parente longínquo.

A distribuição dos poemas nas “quinas” obedece a umaordem formal em que, nos extremos, ficam dois reis - “Q UINTA / D.

Page 59: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

61

SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL” - no meio, um regente: “T ERCEIRA / D. PEDRO,REGENTE DE PORTUGAL” - e entre os reis e o regente, dois infantes:“SEGUNDA / D. FERNANDO, INFANTE DE PORTUGAL” ; “Q UARTA / D. JOÃO,INFANTE DE PORTUGAL” . Os reis e os infantes sofreram e morreram, diretaou indiretamente, vítimas das Cruzadas ou das lutas para o triunfo doCristianismo, simbolizando, assim, as chagas dos pés e das mãos deCristo. Já o Regente, devido à sua posição central, simbolizaria a chagado lado de Cristo.

�Primeira / D. Duarte, Rei de Portugal�

Constituído por seis versos distribuídos em duas estrofes,este poema curto parece refletir a brevidade do reinado de D. Duarte:de 1433 a 1438.

MEU DEVER fez-me, como Deus ao mundo.A regra de ser Rei almou meu ser,Em dia e letra escrupuloso e fundo.Firme em minha tristeza, tal vivi.Cumpri contra o Destino o meu dever.Inutilmente? Não, porque o cumpri.

Desde a construção do primeiro verso observa-se que oprimogênito de D. João I, embora fôsse filósofo, pensador erudito eamante das Letras, da lógica e da pesquisa reflexiva da Verdade, nãodeixou de ser o Rei que Portugal exigia na fase histórica que atravessava:tal como Cristo, cumpria sua missão.

Durante a longa fase de reconquista do território e da suaformação, o comando pertencia aos “homens da espada”. Mas, umavez firmada a independência política e organizada a sociedade emmoldes estáveis, as diretrizes do governo passam para as mãos doshomens de saber e da ciência que, “através do conhecimento e daaplicação dos grandes monumentos filosóficos e doutrinários,codificam o Direito e cimentam a sólida estrutura do Estado na suatendência para a consolidação”. 62

No segundo e terceiro versos da primeira estrofe o Poetarefere-se, não só à “Lei Mental”, promulgada por D. Duarte em 8 deabril de 1438 (mas já posta em prática por D. João I), segundo a qual sóera admitido nos bens da Coroa o filho varão legítimo mais velho - “Aregra de ser Rei” - mas ainda, através do significado do verbo “almar”

Page 60: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

62

- “almou meu ser” - pode-se observar a união entre o Ser e a sua função:o homem D. Duarte (matéria) exerceu função de Rei (forma) “ Em diae letra escrupuloso e fundo” por imposição de desígnios divinos (Deus)e vontade humana (D. João I).

Segundo a História, os cinco anos do reinado de D. Duarteforam cheios de amargura e discórdias familiares. Durante algum tempohesitou o rei em aderir às campanhas guerreiras e, pesado revés, Portugalfoi duplamente vencido: perdeu a batalha e o Infante D. Fernando,Mestre de Avis, acabou seus dias no cativeiro. Para coroar os infortúniosde seu reinado, D. Duarte vê o país assolado pela peste, em 1438.

Enquanto o Conde D. Henrique foi um herói inconsciente,segundo o Poeta, D. Duarte assumiu os destinos da nação conscientede seus deveres, embora não fosse essa a sua vocação. O adjetivo“firme” reforça a idéia do dever cumprido: “Firme em minha tristeza,tal vivi” . Das páginas do seu Leal Conselheiro depreende-se ainclinação do Rei para a melancolia, para a depressão, para o ceticismo,não só próprias de um filósofo estóico - “Cumpri contra o Destino omeu dever” - mas também devido ao remorso pelo sofrimento e martíriode seu irmão D. Fernando, cativo em Fez.

Tanto D. Duarte, como seu irmão, o Infante D. Fernando,foram heróis que cumpriram uma missão: o primeiro foi moldado paraser Rei; o segundo foi predestinado para servir a Deus, como cavaleiroda Cruz e para a Guerra Santa.

�Segunda / D. Fernando, Infante de Portugal�

Num poema organizado em três quintilhas, num discurso emprimeira pessoa, D. Fernando se retrata como herói ungido para cumpriruma tarefa: tal com Cristo, com sua cruz, ele recebeu de Deus umaespada um e outro fadados ou ungidos por Deus para serem sacrificados.

DEU-ME DEUS o seu gladio, porque eu façaA sua santa guerra.Sagrou-me seu em honra e em desgraça,Às horas em que um frio vento passaPor sobre a fria terra.

D. Fernando é, na Mensagem, exemplo de caráter emblemáticoe tipológico: como cavaleiro de Cristo e Mestre de Avis ocupava umlugar de honra, porque significava ser o escolhido de Deus “Sagrou-me

Page 61: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

63

seu em honra e em desgraça” para uma vida devota, mas também parauma vida de infortúnios e de desgraças. Como o próprio Cristo e emnome de Cristo, a sua morte foi um sacrifício para a salvação seu povo.

Nos versos “Às horas em que um frio vento passa / Porsobre a fria terra” D. Fernando alude ao momento da investidura deCavaleiro de Cristo como um momento de presságios, de mau agouro:“frio vento passa”, “fria terra” .

Na segunda quintilha, no sentido patente, há reproduçãofiel de uma das fases do ritual da investidura: as bênçãos espirituais.

Poz-me as mãos sobre os hombros e doirou-meA fronte com o olhar;E esta febre de Além que me consome,E este querer grandeza são seu nomeDentro em mim a vibrar.

É interessante observar que a bênção divina sobre o InfanteSanto é relatada em sentido pleno, ou seja, abrangendo as três pessoasda Santíssima Trindade: Deus dá-lhe a espada, Cristo fá-lo seucolaborador na obra da salvação e o Espírito Santo ilumina-o com suagraça, impulsionando-o a prosseguir na sua missão: “doirou-me / Afronte ...”, “E esta febre de Além que me consome”.

D. Fernando oferece-se a D. Duarte para seguir com a expe-dição a Tânger, assumindo o lugar de seu irmão D. Henrique,pretextando ser este indispensável para o prosseguimento dasnavegações. Sacrifica-se sem vacilações, com a vocação de mártir aserviço da fé cristã:

Cheio de Deus, não temo o que virá,Pois, venha o que vier, nunca será,Maior do que a minha alma.

Servindo com zelo e com presteza, cumpriu o seu dever:missionário de Cristo, impulsionado pela “febre de Além” e com sedede “grandeza”, partiu para as terras africanas a serviço da cristianizaçãoe aí terminou os seus dias em grande sofrimento.

�Terceira / D. Pedro, Regente de Portugal�

À terceira quina corresponde D. Pedro, figura estranha equase lendária que correu “as sete partidas do mundo”.

Page 62: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

64

D. Pedro era um príncipe ilustrado, de cuja inteligência esaber origina-se o Tratado de Virtuosa Benfeitoria. Governou comoregente de Portugal por sete anos (1441 a 1448), durante a minoridadede Afonso V, herdeiro de D. Duarte. Conta a História que D. Pedro nãoprocedia com lisura, era ambicioso em extremo e vingativo. “Indifferenteao que ha em conseguir / Que seja só obter”. Depois de tirar a regênciaa D. Leonor, privou-a da educação do filho, pretextando osinconvenientes de dar a um rei educação feminina.

Embora não tivesse chegado a ser rei de Portugal, porquenão era o filho primogênito de D. João I “Não me podia a Sorte darguarida / Por não ser eu dos seus” - D. Pedro tentou um golpe políticopara, indiretamente, poder dirigir os destinos da pátria. Enquanto regenteda Coroa, já orientava o futuro D. João V, ao mesmo tempo que lhepreparava o casamento com sua filha D. Isabel. Daí os versos: “Duplicedono, sem me dividir / De dever e de ser”.

Como filósofo estóico, tudo o que D. Pedro conseguiu foifruto de seu trabalho - “dever” - e de sua vontade - “ser” .

Não me podia a Sorte dar guaridaPor não ser eu dos seus.Assim vivi, assim morri, a vida,Calmo sob mudos céus,Fiel à palavra dada e à idéia tida.Tudo o mais é com Deus.

O historiador Oliveira Marques relata que quando Afonso Vsubiu ao poder dispensou os serviços de seu tio D. Pedro, passando areceber conselhos e influências de seu tio Afonso. Quando D. Pedro seviu rejeitado, preterido e injuriado, pegou em armas e lançou-se naBatalha de Alfarrobeira para defender sua honra e a de Portugal, e aímorreu proclamando-se inocente das acusações de que teria conspiradocontra o seu rei e sobrinho. Talvez, devido à natureza de sua morte, sejaesse o motivo de Fernando Pessoa tê-lo escolhido para participar desua Mensagem: mais um inocente sacrificado estoicamente em nomeda honra da pátria.

�Quarta / D. João, Infante de Portugal�

Estruturado em duas quadras, em termos antitéticos, esteti-camente o poema traduz o drama interior do Infante D. João: entre o

Page 63: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

65

não-ser que abre o primeiro verso e o “nada” que fecha o último; entreo “ninguém” que D. João significou historicamente e o “pae de amplosmares” que seus irmãos simbolizaram, à vastidão das almas de seusirmãos, opunha-se a sua estreiteza e pequenez.63

NÃO FUI alguém. Minha alma estava estreitaEntre tam grandes almas minhas pares,Inutilmente eleita,Virgemmente parada;

Por que é do portuguez, pae de amplos mares,Querer, poder só isto:O inteiro mar, ou a orla vã desfeita —O todo ou o seu nada.

O Infante D. João foi Condestável de Portugal após a morte deNuno Alvares Pereira e veio a falecer, por asfixia e inanição, numa prisão.

Ainda hoje é o grande desconhecido dos infantes da InclitaGeração. Devido à sua pouca idade, não tomou parte na expedição aCeuta, mas, com dezoito anos, foi nomeado, pelo Papa Martinho, Ad-ministrador da Ordem de Santiago da Espada e, posteriormente,Condestável do Reino. O seu prestígio impunha-se no consenso dafamília real, que o consultava para dar parecer sobre a guerra da África.Embora não se declarasse contrário às Cruzadas, pelo que de vantagensa guerra poderia conceder, parecia mais determinado a aceitá-la pelaconversão dos infiéis: “no fundo, o infante balança entre a obediênciaà vontade do irmão D. Duarte - ‘en todo o que mandardes vos heisempre de obedecer e servir lealmente’ - e uma velada discordânciada guerra de Marrocos (...) ora discordando de novas conquistas emÁfrica, ora exaltando a glória de morrer ao serviço de Deus (...)”64

O martírio do Infante D. João, tal como de D. Fernando,consistiu em ser “alma estreita” - “Não fui alguém” - entre os seusirmãos, “grandes almas minhas pares”; enquanto os irmãos conquis-taram “o inteiro mar” , o “todo”, a ele coube “a orla vã desfeita”, “oseu nada”.

�Quinta / D. Sebastião, Rei de Portugal�

D. Sebastião desempenha um papel muito importante naMensagem: aparece cinco vezes explicitamente e duas vezesimplicitamente, nos poemas “Calma” e “Antemanhã”. Também foi

Page 64: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

66

escolhido para dar o título metafórico da terceira parte da obra: “OEncoberto”. Por isso, poderíamos dizer que a Primeira Parte - “Brasão” ,e a Segunda Parte “Mar Portuguez” correspondem à preparação parao regresso de D. Sebastião. Na Primeira Parte, D. Sebastião aparececomo um mártir; na Segunda Parte comparece na qualidade dedescobridor, a bordo d' “A Ultima Nau” . Na Terceira Parte, tal comoCristo, aparece morto (“D. Sebastião”), sepultado (“O Desejado”) eressuscitado (“O Encoberto”).

LOUCO sim, louco, porque quiz grandezaQual a Sorte a não dá.Não coube em mim minha certeza;Porisso onde o areal estáFicou meu ser que houve, não o que ha.

Minha loucura, outros que me a tomemCom o que nella ia.Sem a loucura que é o homemMais que a besta sadia,Cadaver addiado que procria?

Este poema estrutura-se, em forma de monólogo, em torno daLoucura épica portuguesa, metonimicamente centrada em D. Sebastião.O adjetivo “louco” aparece duas vezes e o substantivo “loucura” outrasduas. D. Sebastião enaltece a febre interior que impulsiona o homem,diferenciando-o da “besta sadia, /Cadáver addiado que procria”. Nasua “febre de Além” pode ser dividido em dois: o homem, o que ficousepultado nas areias africanas, o passado morto - “meu ser que houve” -o corpo; a loucura, o futuro - “ser que ha” - a forma, o que permanecevivo através dos tempos e dos espaços histórico-míticos de Portugal. OSebastianismo, a febre de conquista foi a loucura, o sonho de um impériode grandezas deixado por D. Sebastião.65

D. Sebastião encarna toda a loucura positiva do povo, contrao misticismo exagerado de D. João III. “Quando ele assume os destinosde Portugal, a dureza das infelicidades da pátria levava o povo aoestado de loucura coletiva, devido às supertições, aos temores, etc.Portugal estava em crise: a Inquisição, a Índia e as pestes concorriampara perverter a moral, aguçando nos espíritos os desejos orgíacos,irritando cóleras fúnebres, terrores extravagantes. Todo o século foraaçoutado por epidemias: em 1506, em 1530 e (...) nas vésperas dajornada de África eram vivas as lembranças da peste grande de 1569”. 66

Page 65: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

67

A África seduzia-o, mas não tinha planos políticos, nem pru-dência, nem paciência, nem se deixava aconselhar quanto à sua jornada- alma autêntica de Cruzado -, místico desapegado da própria vida,entregava-se inteiramente ao ideal de transmitir a fé cristã aos sarracenos,como uma missão apostólica.

4. A dimensão profética: a esperança de ressurreição

Partindo do conceito de profecia como predição do futuro feitapor um profeta, místico ou adivinho, bem como anúncios, avisos, pressá-gios, procuraremos desenvolver o estudo dos treze poemas que estruturama Terceira Parte de Mensagem, intitulada “O Encoberto”, inserindo-osnuma dimensão mítico-profética da história, justamente porque o temacentral é o mito do vir-a-ser: Portugal como Quinto Império.

Assim como os conhecimentos do passado se baseiam emfatos históricos, as esperanças messiânicas se fundam em profecias.Mas, enquanto o documento histórico é apenas a base dos conhecimentosdo passado, a profecia é a base e, ao mesmo tempo, o produto dasesperanças messiânicas e uma tentativa de penetrar nos mistérios daDivina Providência67 .

José Augusto Seabra afirma que “ao profeta cabe antes demais receber e transmitir através de uma traditio, de uma tradição, avisão - mensagem que lhe é dado inteligir, por ininteligível queesotericamente seja, para os não iniciados no código simbólico”.68

Segundo o crítico Alfredo Antunes, Fernando Pessoa desdecedo se sentiu chamado ao centro das profecias nacionais e essechamamento leva a marca de uma missão incoercível, para lá de toda aempostação ou atitude meramente estética ou comportamental “Émissão, a um tempo sacral e patriótica”. Mas o profetismo de Pessoanão se limita à antevisão dum Desejado para a restauração dum possívelQuinto Império, porque essa era uma crença ou sonho estéril em festasreais. “Para o poeta de Mensagem, empreende-se agora uma novaleitura dos sinais e dos sonhos messiânico-sebásticos do sentir lusíada,para sobre eles anunciar o verdadeiro sentido de Portugal”.69

�Terceira Parte / O Encoberto�

A “Terceira Parte / O Encoberto”, que tem como epígrafe“Pax in Excelsis”, é constituída por treze poemas distribuídos em três

Page 66: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

68

seções: “I. Os Symbolos” (“Primeiro / D. Sebastião”; “Segundo / OQuinto Império”; “Terceiro / O Desejado”; “Quarto / As IlhasAfortunadas”; “Quinto / O Encoberto”); “II. Os Avisos” (“Primeiro /O Bandarra”; “Segundo / Antonio Vieira”; “Terceiro” ); “III. Ostempos” (“Primeiro / Noite” ; “Segundo / Tormenta”; “Terceiro /Calma”; “Quarto / Antemanhã”; “Quinto / Nevoeiro”).

Se na “Primeira Parte/Brasão”, Portugal conquista a terrae consolida-se como nação, numa “guerra sem guerra” (“Belum sinebello” ) e na “Segunda Parte/Mar Português” alarga suas fronteiras,dominando o mar (“Possessio Maris”), na “Terceira Parte/OEncoberto”, Portugal procura conquistar a paz nos céus (“Pax inExcelsis”). Assim, os quatro elementos tradicionais - terra, água, ar efogo - conjugam-se e transformam-se na composição de Mensagem70

reforçando a sua estrutura circular: o mítico Ulisses, como ar, veio pelaságuas, fecundou a terra e transformou o nada em tudo; o míticoEncoberto, da terra e água transformou-se ascensionalmente em ar efogo para trazer o renascimento espiritual ao país: o Quinto Império.

A “Paz nas Alturas” é mais um claro indício de que o QuintoImpério português será essencialmente um império espiritual e cultural,como já preconizava Fernando Pessoa n’A Águia.

�I. Os Symbolos�

Como representação metafórica da Loucura épica, da “febrede além”, “Os Symbolos” desenvolvem-se em cinco poemas. O númerocinco é emblemático em toda a construção de Mensagem, notadamentenesta Terceira Parte, comparecendo tanto n’”Os Symbolos” como n’”OsTempos”. Segundo os pitagóricos, esse número representa o centro daharmonia e do equilíbrio porque está no meio dos nove primeiros nú-meros. É a representação icônica do homem (de braços abertos, em pé,forma uma cruz) e, por extensão de significado, da ordem e perfeiçãodivinas. Além disso, simboliza a terra e o universo manifestado, comoponto de intersecção dos quatros pontos cardeais.

Nos cinco poemas de “Os Symbolos” a figura de D. Sebastiãoaparece três vezes, sob três nomes diferentes, em processo gradativo eascensional: como homem transformado em mito - “D. Sebastião; comoo Messias prometido e esperado - “O Desejado”; e como sonho, crençaou fé - “O Encoberto”. Os outros dois poemas: “O Quinto Império” e

Page 67: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

69

“As Ilhas Afortunadas” também a ele se referem - o primeiro, comorealização futura da potencialidade espiritual da raça, metonimica emetaforicamente representada por D. Sebastião; o segundo, como olugar sagrado “Onde o Rei mora”, à espera do momento certo para asua ressurreição.

�Primeiro / D. Sebastião�

Neste poema de oito versos distribuídos em duas quadrasretoma-se o problema do mito sebástico e o seu regresso como Dom,Graça, aludindo à atitude sobre-humana do jovem rei sacrificado noideal de levar a fé cristã aos mouros.

SPERAE! Cahi no areal e na hora adversaQue Deus concede aos seusPara o intervallo em que esteja a alma immersaEm sonhos que são Deus.

O discurso apresenta-se em primeira pessoa: D. Sebastião éo emissor e os portugueses são os interlocutores. Na primeira estrofe,D. Sebastião aconselha o povo a aguardar com esperança o seu regresso,explicando a sua morte como imposição da vontade divina. Os versossugerem também que o Rei, ungido e escolhido por Deus, estaria cum-prindo um destino pré-determinado “Que Deus concede aos seus” e asua morte representaria apenas “o intervallo” necessário para a almaembeber-se dos dons e graças divinas - “ ... a alma immersa / Em sonhosque são Deus” - antes de regressar.

Que importa o areal e a morte e a desventuraSe com Deus me guardei?É O que eu me sonhei que eterno dura,É Esse que regressarei.

A segunda estrofe enfatiza a intersecção do homem predes-tinado com a divindade, através do sonho.

Mas o que é o mito sebástico? Qual é a sua origem? O mitovem de longe. Por volta de 1520 já circulavam estranhas profecias evaticínios derivados de textos religiosos e, até mesmo, de textosprofanos, em todos aludindo-se ao aparecimento de um ser misteriosoe cheio de prodígios que haveria de construir um grandioso impériocristão.

Page 68: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

70

Também no tempo de D. João III interpretavam-se como re-ferindo-se ao destino de D. Sebastião as trovas proféticas do sapateiroGonçalo Anes de Trancoso, o famoso Bandarra, e de Simão Gomes.“Cantavam a epopéia do herói e as condições em que viria a aparecerpara redimir o seu povo: como na Judéia, o Cristo fôra um salvadorda nação, antes de ser redentor das almas, também o Cristo portuguêshavia de alargar o seu império por longes terras, e a sua idéia seria aera da redenção”72

Porque a nação inteira aguardava ansiosa a vinda de um mes-sias, quando, a 20 de Janeiro de 1554, nasce o filho do Infante D. João,ele vem a receber o expressivo cognome de “O Desejado”.

�Segundo / O Quinto Império�

Construído por cinco estrofes de cinco versos cada, eintitulado “O Quinto Império”, este poema é, do ponto de vista formal,a mais fiel concretização poética do escudo português, na representaçãosimbólica das suas “quinas” : cinco escudos, portando cinco besantescada, configuram vinte e cinco besantes, distribuídos de cinco em cinco.Com efeito, no seu aspecto estrutural, este poema de vinte e cinco versoscompõe-se de cinco estrofes de cinco versos (quintilhas). Deste modoa correlação elemento heráldico-elemento poético é perfeita: para cadadas cinco “quinas” uma quintilha; para cada dos cinco besantes, umverso; totalizando, para vinte e cinco besantes, vinte e cinco versos.73

TRISTE de quem vive em casa,Contente com o seu lar,Sem que um sonho, no erguer de asa,Faça até mais rubra a brasaDa lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!Vive porque a vida dura.Nada na alma lhe dizMais que a lição da raizTer por vida a sepultura.

Eras sobre eras se somemNo tempo em que eras vem.Ser descontente é ser homem.Que as forças cegas se domemPela visão que a alma tem!

Page 69: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

71

E assim passados os quatroTempos do ser que sonhou,A terra será theatroDo dia claro, que no atroDa erma noite começou.

Grecia, Roma, CristandadeEuropa - os quatro se vãoPara onde vae toda edade.Quem vem viver a verdadeQue morreu D. Sebastião?

Em todo o poema é ressaltado o contraste entre o homemque vegeta e o homem que vive: o primeiro, um infeliz por contentar-seapenas com os bens materiais e morrer sem ter-se realizado; o segundo,o feliz, porque se realiza através do sonho e da febre de além ou daloucura. O primeiro tem “por vida a sepultura”, o segundo é existenciale metafisicamente um insatisfeito.

A terceira quintilha trata dos “quatro/Tempos do ser que so-nhou” que seriam, metaforicamente, as quatro estações do anoassociadas às quatro fases da vida: primavera ou infância, verão oujuventude, outono ou maturidade e inverno ou velhice. Convém aindarecordar que o número quatro é o que representa o universo na suatotalidade, tratando, mais freqüentemente, do mundo material e sensível.Liga-se, também, às significações simbólicas do quadrado e da cruz eaos quatro graus ou portas de aperfeiçoamento que o adepto da viamística deve transpor - terra, água, ar e fogo - para realizar a sua evoluçãoespiritual: (evolução quaternária da “anima” segundo as teorias de Jung;os quatro evangelistas, segundo a doutrina cristã; as quatro portas deaperfeiçoamento espiritual, segundo a tradição dos sufia e das antigascongregações dos dervixes).74

Com efeito, as quatro primeiras quintilhas tratam da evoluçãodo homem na terra - “os quatro tempos” - enquanto a quinta e últimadestaca o quinto tempo, que transcorrerá num mundo de natureza espi-ritual, para além da morte. O numeral ordinal quinto é explícito desde otítulo - “O Quinto Império” - como uma evidência de que este viráapós os quatro que o precedem.

Grecia, Roma, CristandadeEuropa - os quatro se vãoPara onde vae toda edade

Page 70: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

72

Parece-nos importante correlacionar os quatro tempos comquatro poemas de “Os Castellos”, quando o Poeta dedica umacomposição para cada um dos impérios desaparecidos. Para o PrimeiroCastelo destaca Ulisses, o Grego fundador da capital portuguesa(Grécia); para o Segundo Castelo, Viriato, que, sob o domínio romanofoi o símbolo de independência de Portugal (Roma); para o QuintoCastelo, D. Afonso Henriques, erigido rei de Portugal por Cristo(Cristandade) e o Sétimo, D. Filipa de Lencastre, representante daInglaterra, que dominara os mares (Europa).

Consumados os tempos, uma nova ordem se inaugurará nouniverso Quem vem viver a verdade / Que morreu D. Sebastião? aconsolidação do Quinto Império, crença de Pessoa proveniente do seu”intenso sentimento patriótico”.

Quando Pessoa regressa definitivamente para Portugal, em1908, encontra um país sem grandeza, em plena monarquia, e, sentindo-se imbuído por um sentimento de missão que o acompanhou ao longoda vida, passa a elaborar ”projetos patrióticos” para combater a Igno-rância, a Tirania e o Fanatismo. A necessidade de readaptar-se à patriaportuguesa levou-o também a rever muitos autores e, dentre eles, oPadre Antonio Vieira, em cuja obra Pessoa encontraria convergênciade pensamento. A este respeito diz o crítico João Gaspar Simões: “LendoVieira, acordaram no poeta as suas fibras portuguesas, acordou aemoção patriótica que o fez adoptar a lingua de Camões como sualingua literária, e atribui à mesma lingua pátria uma importânciaprimária na formação do instinto que veio a considerar o instintosocial fundamental - o patriotismo”75

A exegeta e estudiosa do espólio pessoano Teresa Rita Lopes,na obra Pessoa Inédito, colige documentos em que se observam que osentimento patriótico de Pessoa e a sua concepção de Quinto Impériovão além do “velho anseio sebastianista” de base popular. “OEncoberto é o representante máximo do Quinto Império; é o emissáriomáximo das forças espirituais que hão de crear tal Império. Comopodemos esperar que elle venha se não creamos primeiro as forçasque, por sua vez, a elle o hão de crear? E essas forças são a ansia dedomínio, e a tensão de todas as potencias da alma em torno d’essaansia. Deve cada um de nós fazer por em si realizar o máximo quepode de similhante ao Desejado. A somma, a confluencia, a synthesepor assim dizer carnal d’essas ansias será a pessoa do Encoberto”76

Page 71: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

73

Comenta a referida estudiosa e pesquisadora que “apelarpara o sebastianismo latente nos portugueses era apenas assoprar umabrasa ainda viva no esmorecido braseiro da consciência nacional comose depreende doutros textos. Parece-nos, assim, que o Quinto Impériode que tanto se fala a respeito, seria esse ‘Império portuguezsubordinado ao espírito definido pela lingua portuguesa’, que não seorientava ( ... ) por nenhuma ‘formula política nem idea religiosa’”77

Esse documento de que trata a ilustre estudiosa* apresenta uma notamanuscrita, em que Pessoa enumera, como figuras emblemáticas do“Grémio da Cultura Portugueza”, “O Senhor D. Henrique, Infante dePortugal”; “Affonso de Albuquerque “O Imperador”; “O SapateiroBandarra”; “El-Rei D. Sebastião”; “O Santo Antonio Vieira”.

Em outro documento - [“Um Paiz Atlantico”] 125 A - 43,Fernando Pessoa afirma: “ ... Portugal, neste caso, quere dizer o Brasiltambém. Como o império, neste schema, é espiritual, não há misterque seja imposto ou construído por uma só nação: pode sel-o por maisque uma, desde que espiritualmente sejam a mesma, que o são sefallarem a mesma lingua”. (p.233)

Mas, o que mais chamaria a atenção de Pessoa na obra deVieira, além da emoção estética que a leitura de suas obras despertava,era o dom da profecia, além das interpretações de natureza cabalísticaque dava a algumas passagens do Velho Testamento e a alguns fatosda vida nacional.

A partir de Vieira, o poeta de Mensagem empreende umanova leitura dos sinais e dos sonhos messiânico-sebásticos do sentimentolusíada para anunciar o verdadeiro significado de Portugal como nação.Na sua leitura existe uma dupla profecia: a grandeza futura de Portugalatravés do advento do Quinto Império e o papel messiânico que elemesmo, Fernando Pessoa, como “Supra-Camões”, é chamado a de-sempenhar nessa construção futura.

O Quinto Império profetizado por Fernando Pessoa tambémdifere do profetizado por Bandarra e do sonhado por Vieira. Nas Trovasde Bandarra e na tradição judaizante lusitana de seu tempo, o QuintoImpério anunciado era um império político; o Quinto Império sonhadopor Vieira na sua História do Futuro tinha mais um caráter religioso,como revivescência do teocentrismo. O Quinto Império profetizado porPessoa e reservado para Portugal é de natureza espiritual, cultural euniversal.

Page 72: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

74

No Prefácio ao livro de Augusto Ferreira Gomes, intituladoQuinto Império, Fernando Pessoa analisa a interpretação de Daniel sobreo sonho de Nabucodonosor:

A esperança do Quinto Império, tal qual em Portugala sonhamos, e concebemos, não se ajusta, por natureza, aoque a tradição figura como o sentido da interpretação dadapor Daniel ao sonho de Nabucodonosor.

Nessa figuração tradicional, é este o seguimento dosimpérios: o Primeiro é o da Babilonia, o Segundo o Medo-Persa, o Terceiro o da Grécia e o quarto o de Roma, ficandoo Quinto, como sempre, duvidoso. Nesse esquema, porém,que é de impérios materiais, o último é plausivelmente en-tendido como sendo o Império da Inglaterra. Desse modo seinterpreta naquele país; e creio que, nesse nível, se interpretabem.

Não é assim no esquema português. Este, sendo espi-ritual, em vez de partir, como naquela tradição, do Impériomaterial da Babilonia, parte, antes, com a civilização em quevivemos, do império espiritual da Grécia, origem do que es-piritualmente somos. E sendo esse o Primeiro Império, o Se-gundo é o de Roma, o Terceiro o da Cristandade e o Quarto oda Europa - isto é, da Europa laica de depois da Renascença.Aqui o Quinto Império terá que ser outro que o inglês, porqueterá que ser de outra ordem. Nós o atribuímos a Portugal,para quem o esperamos.78

O augúrio para Portugal desse império novo e,nomeadamente a nota de universalidade que o seu caráter civilizacionalnaturalmente supõe, foi uma constante de toda a vida, nas referênciasproféticas de Fernando Pessoa.

�Terceiro / O Desejado�

Toda a obra Mensagem encerra o diálogo constante doPoeta com a religião judaico cristã, com as religiões orientais, com amitologia, com o neoplatonismo, com o Teosofismo, com oRosacrucianismo, com o Sebastianismo, com Camões, com a lenda ecom o História de Portugal.

Neste poema, organizado em três quadras, num discurso desegunda pessoa, formulado à maneira de prece, o Poeta dirige-se ao

Page 73: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

75

“Desejado” suplicando o seu regresso como Messias e redentor daPátria.

Para a caracterização do herói, o Poeta faz confluirem fatoshistóricos e lendários com referências bíblicas e de mitologia cristã.

ONDE QUER que, entre sombras e dizeres,Jazas, remoto, sente-se sonhado,E ergue-te do fundo de não seresPara teu novo fado!

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,Mas já no auge da suprema prova,A alma penitente do teu povoÀ Eucharistia Nova.

Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido,Excalibur do Fim, em geito talQue sua Luz ao mundo divididoRevele o Santo Gral!

Na primeira estrofe, observa-se o paralelismo entre o rei D.Sebastião, mártir celebrado nas “Quinas” que morreu devido à loucurade sua empresa humana e o novo D. Sebastião, “O Desejado”, que,divinizado, deverá renascer como prometido fundador do Quinto Im-pério - “E ergue-te do fundo de não seres/Para teu novo fado!”

Na segunda quadra, o Poeta o compara ao herói bretão dasnovelas de cavalaria - “Galaaz com patria” - que, como ele, partia emdemanda do corpo místico de Cristo - “Eucharistia Nova”.

Na terceira quadra, é invocado como o “Mestre da Paz”,identificando-o a Cristo, na sua natureza dual de homem e divindade, emetonimicamente ao cavaleiro ungido do Rei Artur, através de seu“gladio ungido”, “Excalibur” da derrocada final de Alcácer Quibir.

O crítico António Cirurgião observa, com muita pertinência,que o verbo “erguer” , presente nas três quadras, é o fio condutor queamarra logicamente os significados do poema. Na primeira estância, o poetaintima “O Desejado” a erguer-se a si mesmo para o cumprimento de Novamissão - “E ergue-te do fundo de não-seres/Para teu novo fado!”; nasegunda estância, o Poeta suplica-lhe a erguer o seu povo do pecado e aconduzí-lo a Deus - “Vem, Galaaz, com patria, erguer de novo/ ... /A almapenitente do teu povo/À Eucharistia Nova”; na terceira estância, intima-oa erguer o gládio ungido e a conduzir o povo à fonte da graça de Deus79.

Page 74: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

76

Os últimos versos das três quadras relacionam-se intimamenteem forma de crescente espiritualização e mistério, de tal modo que pare-ce o Poeta querer comprovar que D. Sebastião, enquanto “O Desejado”é o próprio Messias, é o Cristo em nova vinda -“Para teu novo fado!” -e para nova missão; é o Divino sacrificado e transmudado “À EucharistiaNova” e simboliza, também, o corpo e o sangue místicos de Cristo - “oSanto Gral”.

�Quarto / As Ilhas Afortunadas�

O período que decorre de 1630 a 1670 representa o apogeudo messianismo português, tanto pela quantidade de textos que naqueletempo foram redigidos, quanto pela qualidade das pessoas que tomaramparte na discussão. Após a Restauração, o messianismo deixou de serum fenômeno sub-cultural para tornar-se um elemento da culturanacional. A partir de 1670, afirma José Van den Besselaar, que o“sebastianismo foi-se tornando cada vez mais um assunto de pequenosburgueses, tanto no sentido social, como cultural da palavra”80 , mas,sobretudo no reinado de D. João V houve nova eclosão da seita sebástica.

Os sebastianistas do século XVIII compraziam-se em ima-ginar o seu idoso Rei a viver numa Ilha Encoberta, situada numa parteremota e pouco definível do Atlântico. Os navegantes de alguns naviospretendiam tê-lo avistado. “Era uma ilha maravilhosa: entremostrava-se durante curto prazo aos marinheiros, para depois sumir no nevoeiro,sendo impossível redescobrí-la. Muitas vezes era identificada comouma das ‘Ilhas Afortunadas’, já mencionadas pelos Antigos, ou com a’Ilha de São Brandão’ da lenda medieval. Mais freqüente ainda era asua identificação com a ‘Ilha das Sete Cidades’, colonizada por setebispos das Espanhas que, na época da invasão árabe, tinham fugidoda península com muitos dos seus fiéis, preferindo uma aventuramarítima ao jugo dos Mouros.”81

Em resumo, esse parece ser o significado histórico das “IlhasAfortunadas”.

Elaborado com três quintilhas, este poema estrutura-se emforma de dialogismo. No plano do discurso, uma voz coletiva fala naprimeira pessoa do plural, indicando o povo português que, em estadoonírico, parece escutar as respostas dadas por uma interlocutora eenigmática voz de magia que apresenta, não só as ressonâncias dagrandeza heróica do passado, mas também as esperanças de futuro.

Page 75: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

77

QUE VOZ VEM no som das ondasQue não é a voz do mar?É a voz de alguém que nos falla,Mas que, se escutarmos, cala,Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,Sem saber de ouvir ouvimos,Que ella nos diz a esperançaA que, como uma criançaDormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,São terras sem ter logar,Onde o Rei mora esperando.Mas, se vamos dispertando,Cala a voz, e há só o mar.

A mensagem transmitida por essa voz supra-terrena só poderáser apreendida em estado onírico (ou de vigília), voz de anunciação àscriaturas de pureza interior.

Essa voz de esperança futura se afirma e constitui o motorda força criadora da Mensagem. O Poeta sonha uma utopia e, na medidaem que a anuncia, antevê um paraíso futuro imaginado como um estadode pureza e de perfeição, não sujeito já à evolução do tempo. Esseparaíso futuro é o regresso de D. Sebastião, como dom, como Graça,mensagem de Mensagem. É uma visão em que, ultrapassada a situaçãode decadência, se recupera a grandeza, antevendo-se um destino trans-cendente. Ao ideal sebastianista liga-se o do Quinto Império, promessade novo apogeu, fora das injunções de tempo e de espaço.

Esse “Rei” que “mora esperando” nas “ilhas afortunadas”foi uma figura histórica estranha e trágica (1554-1578). Atrofiado nasua vida afetiva, treinava-se, desde cedo, em exercícios físicos eascéticos: era ótimo cavaleiro e caçador, piedoso e casto. Destituído dequalquer realismo, vivia extraviado na Idade Média, sonhando com atosde bravura cavaleiresca e com louros militares. Marcado pela grandezae pelo idealismo, esta qualidade ficava comprometida, contudo, peloexcesso de teimosia, fanatismo e egocentrismo.

As conseqüências da grande ambição do jovem monarca sãoconhecidas: a 04 de setembro de 1578, o seu exército foi destruído nos

Page 76: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

78

campos de Alcácer-Quibir. D. Sebastião deixou aí a vida, com 8.000dos seus homens; outros 15.000 tornaram-se reféns dos mouros. Foiprovavelmente a maior catástrofe da história de Portugal: além dosmilhares de mortos, os milhares de cativos impuseram pesadossacrifícios à nação pelo seu resgate, além de a coroa ficar sem herdeiro.Depois de um breve interregno de D. Henrique, oscilando entre a revoltae a submissão, o país cedeu finalmente às ameaças militares da Espanha,prometendo obediência absoluta a Felipe II (1581): seria uma uniãopessoal, e Portugal ficava no gozo de seus privilégios.

Durante algum tempo, o país parecia resignado com a situa-ção, mas o povo, apoiado por grande parte dos frades e do baixo clero,sentia saudades da independência nacional.

Ninguém sabia ao certo o destino de D. Sebastião: se morrera,realmente, não o viram morrer. De fato, os mouros entregaram o corpodo rei morto a Felipe II e este providenciou a seu sepultamento no Mos-teiro dos Jerônimos (1582). Muitos, porém, tinham dúvidas acerca daidentidade do corpo e viam-nas confirmadas pelas palavras do epitáfio:“si vera est fama ... “. Segundo as profecias e vaticínios correntes, orei deveria voltar “Encoberto” e muitos “encobertos” apareceram, denorte a sul do país, tentando identificar-se com aquele que desapareceraem Alcácer-Quibir. Notícias corriam que D. Sebastião estaria vivendocomo um eremita, solitariamente, em ilhas do Atlântico. “Maria deMacedo, filha dum violeiro de Lisboa, por esse mesmo tempo (Séc.XVII) ‘dizia ir certas noites à Ilha Encoberta, onde falava a D. Sebastiãoe via o rei Artur, os profetas Enoch e Elias e S. João Evangelista’. D.Francisco Manuel de Mello escreve numa carta: ‘Seja Deus Benditoque não nos declarou ainda as Ilhas Empoadas como ilhas N., quandopara lá seja, lá dizem que está El. Rei D. Sebastião, que não deixaráde nos fazer mil honras.”82

Testemunhos de ex-cativos da Batalha também davam contadesses casos. Com efeito, D. Sebastião era o “Encoberto”: encobrindoa sua identidade, andaria por lugares santos ou vivia numa ilhamisteriosa, donde haveria de sair, um dia, purificado pelo sofrimento epela penitência.

Assim, “D. Sebastião, que durante a sua vida nunca fôrauma figura muito popular, foi aos poucos reabilitado, apesar de ser ogrande responsável pela perda da independência do país. Durante asua vida não conseguira realizar o grande sonho de se ver coroado

Page 77: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

79

Imperador da África. Depois da sua morte, a imaginação do povometamorfoseou-o no Monarca mítico de um Império não menosmítico.” 83

�Quinto / O Encoberto�

O poema é construído em três quadras. Os dois primeirosversos das quadras encerram uma pergunta que é respondida pelos doisversos subsequentes, em forma de dialogismo.

QUE SYMBOLO fecundoVem na aurora anciosa?Na Cruz Morta do MundoA Vida, que é a Rosa.

Que Symbolo divinoTraz o dia já visto?Na Cruz que é o Destino,A Rosa, que é o Christo.

Que symbolo finalMostra o sol já disperto?Na Cruz morta e fatal,A Rosa do Encoberto.

Neste poema a comparação de D. Sebastião, o Encoberto,com Cristo é patente desde as profecias, na sua missão de vida e mortee na ressurreição. Todo o poema está marcado pela simbologia donúmero três: três estrofes, três símbolos, três cruzes, três rosas, trêsfases do dia e metaforicamente, três fases da vida, três fases históricasou três idades de Portugal.

Como já vimos anteriormente, o número três simbolicamentesintetiza o triunidade do ser vivo, resulta da união dos números um edois, que representam o céu (1) e a terra (2), e encerra o mistério daSantíssima Trindade. O poema todo está também imbuído de figuraçõese símbolos das doutrinas cristã e rosacruz: a rosa, além de designaruma realização perfeita, na iconografia cristã representa o signo daschagas de Cristo. De modo similar, na doutrina rosacrucianista, as cincorosas dispostas nas extremidades e no centro da cruz evocam o SantoGraal e o orvalho celeste da Redenção. A cruz, segundo o emblema daA.M.O.R.C. apresenta uma rosa incrustrada no seu ponto central, istoé, no lugar do coração de Cristo. Por sua relação com o sangue

Page 78: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

80

derramado, a rosa é o símbolo do renascimento místico, enquanto aCruz é a síntese do céu e da terra, ponto de fusão do tempo e do espaço.84

As três quadras constituem-se por versos paralelísticos, numagradação de significações místico-esotéricas:

Que Symbolo fecundo ... ... ... ...Vem na aurora anciosa? ... ... ... ...... ... ... ... Na Cruz Morta do Mundo... ... ... ... A vida, que é a Rosa

Que symbolo divino ... ... ... ...Traz o dia já visto ... ... ... ...... ... ... ... Na Cruz, que é o Destino,... ... ... ... A Rosa, que é Cristo

Que symbolo final ... ... ... ...Mostra o sol já disperto? ... ... ... ...... ... ... ... Na Cruz morta e fatal... ... ... ... A rosa do Encoberto

Nos dois primeiros versos de cada quadra, como o Cristo, o Encobertoé um “symbolo” criador - “fecundo”, proveniente de Deus - “divino”,com destino pré-determinado - “final” , que surge profeticamente naMadrugada das conquistas Portuguesas - “vem na aurora anciosa” -trazendo consigo, na sua trajetória terrena, a esperança da grandezapátria -“traz o dia já visto” - e que deverá ressuscitar como Monarcade um Novo Império místico -“mostra o sol já disperto”. Como afirmaFernando Mendonça, metaforicamente “esse símbolo fecundo, divinoe final vai surgindo da bruma dos significantes: vem na aurora, é o diaque traz, é o sol que mostra. Anciosa, visto e disperto observamigualmente a lei interna da progressividade. O poema inteiro, aliás,(...) observa uma taxa crescente de intensidade: uma cortina que se vaiabrindo e revelando a presença do mito - o espiritual e o carnalconfundem-se no cumprimento do destino.”.85

O mito do “sol já disperto” remete ao mito de Ulisses - “Omesmo sol que abre os céus”. Neste poema, na evolução gradativa daaurora até o despertar, eleva-se um símbolo (“fecundo”, “divino”, “fi-nal” ), numa cruz (“Morta”, “Destino”, “morta e fatal” ), isto é, o sím-bolo da rosacruz.

Nos dois primeiros versos das três quadras, o jôgo semânticose estabelece entre os sintagmas Rosa, Cruz, Cristo e Encoberto, numa

Page 79: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

81

gradação metafórica: “Vida” = “Rosa”, “Rosa” = “Christo, “Rosa”= “Encoberto” portanto, “Encoberto” = “Christo”.

Assim como Cristo foi enviado de Deus para a salvação dahumanidade, através de seu sacrifício anunciado antecipadamente, D.Sebastião, o herói nacional, foi também um ser enviado pela Providênciapara a redenção de Portugal - símbolo fecundo, divino, final, com afatalidade, preconizada em profecias, a marcar o seu destino - “Na CruzMorta do Mundo”, “Na Cruz, que é o Destino”, “Na Cruz morta efatal” .

É altamente sincrética a visão de mundo do Poeta: cristia-nismo, gnosticismo, joaquimismo, cabalismo, rosicrucianismo,astrologia, tudo nele conflui para a idéia de um novo Império, de umanova Igreja, não de Roma, mas de Cristo e do Espírito Santo, idéia deum Império em que D. Sebastião seria o símbolo. Mas para Pessoatambém ele é um símbolo altamente complexo, como se depreende deum apontamento do seu espólio coletado por Y. K. Centeno:

(1) King Sebastian, the man(2) King Sebastian, the hope(3) King Sebastian, the symbol(4) King Sebastian, the Master(5) King Sebastian, the Christ

D. Sebastião, o Cristo do Quinto Império. Homem,esperança, símbolo, Mestre, Cristo - serpente do Quinto Império, ouseja, veiculador de um outro conhecimento, que não o ortodoxo. 86

�II. Os Avisos�

Segundo o estudioso José Van den Besselaar, no seu livro OSebastianismo - História Sumária, o sebastianismo é uma espécie demessianismo, ou seja, uma crença obstinada na vinda de um imperadorcarismático que pudesse estabelecer uma nova ordem política e social.O tipo de messianismo a que pertence o sebastianismo português épróprio de uma sociedade “sacral” : crença mais ou menos generalizadana vinda de um enviado de Deus que não só livrará seu povo oprimidodas forças internas e externas, como lhe trará a salvação, ou seja, asaúde, a paz, a prosperidade. “O povo oprimido pode ser uma naçãointeira, ou uma determinada classe da sociedade: existe não só ummessianismo nacional, como também um messianismo social. Aquele

Page 80: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

82

foi, quase sem excepção, o caso do sebastianismo português, ao passoque este marcou os movimentos messiânicos que no século XIXocorreram no Brasil.”87

O messianismo nacional, como é o caso português, evoluiu,porém, para um certo ecumenismo. O povo eleito não só reivindicavapara si um lugar privilegiado, como se julgava detentor de uma missãohistórica e de uma mensagem universal.

A base e, ao mesmo tempo, o produto das esperançasmessiânicas é a profecia, que tem sempre um núcleo mítico. Mas comoo mito é um poderoso motor do processo histórico, as profecias que sevinham forjando em Portugal desde a Idade Média, alcançaram o seuapogeu nos séculos XVI, XVII e XVIII.

As mensagens proféticas eram escritas numa linguagem obs-cura e enigmática, prestando-se a múltiplas interpretações. Como osdocumentos históricos, também as profecias davam margem a constantesdiscussões entre os seus intérpretes, criando uma classe de exegetasque disputavam entre si o seu verdadeiro significado.

Para ilustrar o isolamento cultural em que Portugal se encontra-va, lembra José Van den Besselaar que aos eruditos e inteligentes polemistasfaltava a noção da crítica histórica (em voga desde o Renascimento daItália e aperfeiçoado no século XVII nas universidades holandesas e nasacademias e abadias francesas), pois nenhum questionava o problema desua autencidade, embora se empenhassem em colecioná-las.

Assim, sem qualquer critério científico, os cartapácios che-garam aos nossos dias, alguns feitos por copistas ignorantes e cheiosde erros crassos, outros organizadores com certo esmero e método.88

Observa ainda o estudioso que, se nos cartapácios não foram encontradasprofecias bíblicas (talvez porque sejam citadas por tratadistas econsideradas de conhecimento geral), os tratadistas apresentam contudo,alguns textos dos profetas Isaías e Ezequiel - que se referem à paz eharmonia universal no reino messiânico - e textos apocalípticos daBíblia. Entre o gênero apocalíptico destaca-se o sonho deNabucodonosor, interpretado por Daniel (cap. 2 e 7 ), referente aosquatro grandes Impérios que se sucederam no Oriente: o dos Assírios,o dos Persas e Medos, o dos Gregos e o dos Romanos.

Inúmeras profecias não-canônicas ocorrem nos cartapáciosdos sebastianistas. Dentre elas, cumpre salientar a dos oráculos sibilinos,

Page 81: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

83

redigida em forma de coplas, em castelhano, português ou latim, contémelementos que parecem relacionar-se com D. Sebastião. Segundo a pro-fecia da sibila Cassandra, filha de Príamo, rei de Tróia (que apresentasemelhanças com a de Santo Isidoro), “um rei novo, nos últimos tem-pos, na Espanha Maior, duas vezes dado por piedade do céu, nascendopóstumo, reinará por uma mulher, cujo nome começará em I e acabaráem L. E o dito rei virá das partes orientais. Reinará na sua mocidade,e alimpará a Espanha dos vícios imundos, e o que não queimar o fogo,devastará a espada. Reinará sobre a Casa de Agar, conquistará Jeru-salém, fixará a imagem do Crucificado sobre o Santo Sepulcro, e seráo maior de todos os monarcas. (COD. BN9442; f. 328’; COD. TT1172,p. 13)”. 89

Com efeito, esta profecia apresenta elementos que parecemtalhados para a pessoa do Desejado: duas vezes dado, nascendo póstumo,reinando na sua mocidade, vindo das partes orientais e destruidor dossarracenos. Pe. Antonio Vieira, não reconhecendo a autenticidade daspalavras “nascendo postumo”, aplicou a profecia, primeiramente, a D.João IV (em 1659) e, mais tarde, a um filho de D. Pedro II.

A Santo Isidoro, famoso arcebispo de Servilha e grandeorganizador da Igreja visigótica, se atribuíam muitas profecias que ocartucho castelhano Pedro de Frias colocou em versos, no fim do séculoXV, e que foi uma fonte muito explorada pelos sebastianistas. Além deter profetizado também que o Encoberto seria duas vezes dado, o arce-bispo teria predito que ele traria em seu nome “letra de hierro” , inter-pretada pelos sebastianistas como “S” , inicial do vocábulo latino“servus”, letra que os romanos costumavam imprimir no rosto dos es-cravos. Obviamente o profeta tinha em mente o nome de D. Sebastião.

De São Metódio, bispo de Olimpo, que morreu mártir sobDioclesiano, citava-se outro texto profético, segundo o qual um Reitido por morto, haveria de despertar como de um sono de vinho.90

Também os santos portugueses mostravam interesse pelos des-tinos de Portugal. Assim, tornou-se muito popular uma profecia de SãoFrei Gil (1265), um dos primeiros dominicanos de Portugal, segundo aqual, “Portugal por parte dos seus reis, gemerá por muito tempo e pade-cerá de muitas maneiras. Mas Deus te será propício e, nãoesperadamente, será remido por um não Esperado. A Africa será sub-metida. O Império Otomano desmoronar-se-á. A casa de Deus será re-cuperada. Tudo será transformado. (...) Reviverá a Idade do Ouro. Por

Page 82: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

84

toda a parte reinará a Paz. (...) (COD. TT1172, p. 95-96)” 91 . Segundoos intérpretes , o “Não Esperado” tanto podia ser D. João IV como D.Sebastião; o que não oferecia dúvida era que o redentor de Portugal seriaImperador de uma Monarquia Universal.

Disseminaram-se profecias em Portugal provindas de religi-osas, através de visões ou revelações - Madre Leocádia da Conceição,no Porto; Freira Leonor Roís, em Belém - e de profetas leigos - Bandarra(sapateiro de Trancoso), Simão Gomes; Simão Nunes (ourives emBraga), entre inúmeros outros.

Bandarra, Pe. Vieira e Fernando Pessoa também estãoelencados entre os profetas nacionais e são eles as figuras celebradasnos três poemas de “Os Avisos”.

O “Primeiro/Bandarra” é um poeta popular do século XVI,“plebeu como Jesus Cristo”, representante do povo; o “Segundo/AntonioVieira” é o orador e historiador do século XVII, representante do clero; o“Terceiro” é um poeta e filósofo do século XX, Fernando Pessoa, repre-sentante da classe intelectual. Representados pelas três classes sociaisem três tempos diferentes da história nacional, os “Avisos” são sinais eprofecias de que a Portugal está reservado o lugar de edificação do QuintoImpério.

Bandarra profetiza na época em que as nuvens da decadên-cia do império ultramarino e da fraqueza do reino começavam aadensar-se sobre os céus de Portugal; é o profeta de Portugal à beirado abismo; Vieira profetiza na época em que Portugal acaba de fazera travessia do deserto, simbolizada pelos sessenta anos da monarquiadual, durante as primeiras décadas da quarta dinastia: é o profeta dePortugal que tenta refazer-se do cativeiro de Babilónia; Pessoa faz aexperiência republicana, ensaia os primeiros passos no caminho doEstado Novo e procura reencontrar a sua alma e o seu destino: é oprofeta da pátria em busca de si mesma.92

�Primeiro/Bandarra�

Em poema curto, formalmente organizado em duas quadras,narrado na segunda pessoa do singular, o Poeta exalta aquele queFernando Pessoa considera “o verdadeiro patrono do nosso país (...) aVoz do Povo português, gritando, por cima da defecção dos nobres e

Page 83: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

85

dos clérigos, por cima da indiferença dos cautos e dos incautos, aexistência sagrada de Portugal”. 93

SONHAVA, anonymo e disperso,O Império por Deus mesmo visto,Confuso como o UniversoE plebeu como Jesus Christo.

Não foi nem santo nem heroe,Mas Deus sagrou com Seu signalEste, cujo coração foiNão portuguez mas Portugal.

Quase tudo o que se conhece sobre a vida de Gonçalo AnesBandarra é o que consta do seu processo inquisitorial: deve ter nascidopor volta de 1500, na Vila de Trancoso, onde sempre viveu, exercendo oofício de sapateiro. Segundo informações colhidas no seu processoinquisitorial, publicado por Teófilo Braga na segunda metade do séculoXIX, Gonçalo Anes Bandarra era rico e abastado e sabia ler e escrever,pois trocava correspondência com várias pessoas ilustres do Reino. Osapateiro de Trancoso conhecia também as profecias de Santo Isidoro,através das coplas castelhanas de Pedro de Frias, e teriam sido elas aconvencerem-no da vinda de um Rei Encoberto, predestinado a estabele-cer a Monarquia Universal.94

As profecias de Bandarra, também resultantes de três sonhosconstruídos em trovas rimadas, de natureza bíblica e patriótica, difun-diram-se rapidamente pelo país e os cristãos-novos, que já antes o con-sultavam como rabi, passaram a venerá-lo como um profeta solidáriocom eles nas esperanças messiânicas. O alvoroço que suas prediçõescausavam despertou suspeitas da Inquisição recém estabelecida; em 1540,o poeta foi preso e, em 03 de outubro de 1541, a Mesa Inquisitorial impôs-lhe como castigo o de abjurar solenemente as suas trovas na procissão doauto-da-fé no dia 23 do mesmo mês. A partir desse ano, não mais seouviu falar dele. 95

A primeira edição (parcial) das suas Trovas saiu publicadaem 1603, em Paris, por instâncias de D. João de Castro. Quarenta anosdepois (1644) saiu em Nantes uma edição completa, sob o patrocíniodo Conde de Vidigueira, então Embaixador de D. João IV, em Paris.

A coleção de Trovas do vate de Trancoso vem precedida deDedicatória a D. João de Portugal: compõe-se de dezesseis quadras em

Page 84: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

86

que o poeta compara as suas profecias com os produtos de seu ofício desapateiro. A estes versos se segue um conjunto de outras dezesseis qua-dras numeradas que o editor rubricou com a epígrafe “Sente Bandarraas maldades do mundo, e particularmente as de Portugal”. Em seguida,vem a matéria profética propriamente dita: reparte-se em 143 trovasvariáveis na sua extensão, que constituem, na edição de Nantes (1644),três sonhos. Neles, Portugal dará ao mundo o Grande Encoberto, quehá-de desbaratar os exércitos dos Turcos na África, na Terra Santa e naÁsia Menor. Ele será coroado Imperador e inaugurará, juntamente como Papa, a Monarquia Universal, sob a Lei de Cristo. 96

O Poeta atribui a Bandarra um certo grau de anonimato -“Sonhava, anonymo e disperso”. Nas palavras do próprio FernandoPessoa “anonymo é um epíteto que designa Bandarra como um nomecoletivo, metonímia do povo místico português.

É Bandarra um nome colectivo, e designa, não só um ho-mem, o primeiro que teve a visão profética dos destinos do País, senãotambém aqueles outros, que se lhe seguiram, e que, servindo-se do seutipo de visão e da forma literária, buscaram legitimamente o anonimatodesignando as suas trovas como sendo de Bandarra também.97

O epíteto “disperso” parece relacionar-se com a variedadede predições e vaticínios contidos na Trovas do sapateiro de Trancoso.

Nos versos “Confuso como o Universo/E plebeu como JesusChristo”, o Poeta acentua a natureza das profecias e do profeta: as profe-cias são de complexa leitura e passíveis de múltiplas interpretações, e oprofeta foi um homem do povo, de condição humilde como a de JesusCristo.

Tal como Nuno Álvares Pereira, Bandarra também é consi-derado pelo Poeta um homem eleito por Deus - “Mas Deus sagrou comseu Signal” - e por Ele metamorfoseado na própria essência de Portugal.Em Sobre Portugal, o próprio Fernando Pessoa considera Bandarra “osímbolo do que o povo pensa de Portugal” 98

�Segundo/Antonio Vieira�

Nesse poema, constituido por três quadras, o Poeta selecionauma constelação semântica adequada à natureza do profeta: enquantoBandarra foi um profeta popular e suas predições tinham caráter político,

Page 85: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

87

Vieira foi um membro do clero e suas profecias encerram caráter religi-oso. Como missionário em terras estrangeiras, Antonio Vieira, homemdas letras e orador famoso, recebeu a missão de colocar o homem emcontato com Deus. Por isso, a constelação semântica em torno da qualse estrutura o poema é organizada por vocábulos como: “céu” (trêsvezes), “strella” (duas vezes), “azul” (duas vezes), “constellado” (duasvezes), “luar” , “ethereo”, “madrugada irreal”, “doira”.

O CÉU STRELLA o azul e tem grandeza.Este, que teve a fama e a glória tem,Imperador da língua portuguesa,Foi-nos um céu também.

No imenso espaço seu de meditar,Constellado de fórma e de visão,Surge, prenuncio claro de luarEl-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do ethereo.É um dia; e, no céu amplo de desejo,A madrugada irreal do Quinto ImpérioDoira as margens do Tejo.

Além de ser considerado o mestre da língua portuguesa, foium sinal dos desígnios de Deus para Portugal - “Foi-nos um céutambém” - porque, na sua HISTÓRIA DO FUTURO99 , acreditava pertencerà Portugal a glória do Quinto Império. Segundo João Gaspar Simões,“esperava o padre Antonio Vieira ver cumprida em 1666 a profeciasegundo a qual se estabeleceria no mundo o Império Universal, impérioeste ao mesmo tempo de Cristo e do Rei de Portugal, o qual rei, segundoo louco jesuíta seria D. João, filho de D. Pedro II. Ao tempo, porém,em que o insigne pregador celebra na Baía-de-todos-os-Santos onascimento do predestinado Príncipe em cuja cabeça viria a assentara coroa do Quinto Império, já o profético monarca, em Portugal, deraa alma a Deus. E o Quinto Império esperado para breve mal caísse oimpério otomano não o veria o grande sermonário.” 100

No poema que lhe é dedicado, o Poeta exalta o estilista ver-náculo - “Imperador da língua portuguesa” - o profeta místico esebastianista - “No immenso espaço seu de meditar, / Constellado deforma e de visão, / Surge, prenúncio claro do luar, / El-Rei D. Sebastião”e, principalmente, o mentor espiritual da crença do Quinto Império quenão viu realizado, um Quinto Império messiânico e estético.

Page 86: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

88

Mas é interessante recordar que Antonio Vieira, ao entrarna questão do sebastianismo, era partidário dos que defendiam a teseda ressurreição de D. João IV, e não de D. Sebastião, como quer oPoeta de Mensagem. Essa sua intervenção a favor de D. João IV écomprovada por uma famosa carta do jesuita ao bispo eleito do Japão,André Fernandes, datada de 29 de abril de 1659, cuja cópia se conservana Torre do Tombo, constituindo documento básico do seu processoinquisitorial. Nela o autor defende a tese do regresso de D. João IVbaseando-se no seguinte silogismo:

O Bandarra é o verdadeiro profeta.

O Bandarra profetizou que el-Rei D. João IV há-de obrarmuitas cousas que ainda não obrou, nem pode obrar senão ressuscitando.

Logo, el-Rei D. João IV há-de ressuscitar.101

�Terceiro�

Neste poema é enigmática a ausência de um nome concretoa completar o ordinal “Terceiro”. Com efeito, após os poemas “OBandarra” e “António Vieira”, proféticos avisos da restauração dumQuinto Império respectivamente político e religioso, aparece o terceiroque, na lógica interna, corresponde ao último da série dos profetas na-cionais. Fernando Pessoa não lhe atribuiu o próprio nome, confiandoque o futuro lhe conferisse o lugar.

É ele, pois, o último profeta português, o Super-Camões,anunciando com a sua Mensagem o Império definitivo da Super-Civilização.

Curiosamente o poema é datado de 10/12/28, tal como o enig-mático fecho da obra, o poema “Nevoeiro” . E da mesma forma que mui-tos dos profetas escreviam suas profecias em momentos de tribulação, oúltimo profeta lusíada escreve seu aviso “à beira - mágua”, uma cons-trução poética cheia de tristeza, distante daquele estado confiante queproclamava n’A Águia a vinda iminente de um Super-Camões.

O poema é constituído por vinte versos, distribuídos em cindoquadras, e apresenta, na sua estrutura externa, um discurso marcadopor afirmações e interrogações: os seis primeiros versos contêm cincoafirmações e os catorze outros encerram interrogações. A tônica dopoema é a dor e a esperança.

Page 87: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

89

SCREVO meu livro à beira magua.Meu coração não tem que ter.Tenho meus olhos quentes de água.Só tu, Senhor, me dás viver.

Só te sentir e te pensarMeus dias vacuos enche e doura.Mas quando quererás voltar?Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virás a ser o ChristoDe a quem morreu o falso Deus,E a dispertar do mal que existoA Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virás, ó Encoberto,Sonho das eras portuguez,Tornar-me mais que um sopro incertoDe um grande anceio que Deus fez?

Ah, quando quererás, voltando,Fazer minha esperança amor?Da névoa e da saudade quando?Quando, meu Sonho e meu Senhor?

O poeta fala em seu próprio nome, na primeira pessoa dosingular e constrói um poema cheio de ressonâncias bíblicas - “Só tu,Senhor, me dás viver”. A ambivalência semântica da forma “Senhor”(Deus? Cristo? D. Sebastião? O Encoberto?) já passa a indicar umsignificado transpessoal. A partir da segunda estância a forma vaiassumindo sucessivamente os títulos de “Rei”, “Hora”, “Christo”,“Encoberto”, Sonho”, “Senhor”. Não é já apenas a sua consciêncialírica, mas a voz coletiva de um povo e de toda uma aspiração secularque vai ganhando corpo neste profeta simbolicamente ausente, semnome, que vai despertar “A Nova Terra e os Novos Céus” e dar sentidoà longa espera iniciada.

“Portugal adormecido e sepultado desde que o Rei D. Se-bastião desapareceu nos areais de Alcácer-Quibir, em 1578, eapresentado a dormir no poema de abertura da Mensagem, está àespera de que alguém o desperte e o leve a gozar das delícias da Terrade Promissão - “A Nova Terra e os Novos Céus”. E esse alguém o seuCristo, que quer dizer Messias ou Ungido do Senhor.”102

O sentido polivalente da forma “Sonho”, sinônimo de “Se-

Page 88: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

90

nhor”, “Rei”, “Christo”, “Encoberto” serve para reiterar a naturezaoracular do poema.

Constata-se no poema também a constelação semântica dapotencialidade através dos sintagmas: “Encoberto”, “dias vácuos”,“sonhos das eras português”, “névoa”, “saudade”, “meu Sonho”,“esperança”.

O crítico José Augusto Seabra agudamente observa emsíntese, que “Vieira e Pessoa identificam-se, (...) na sua alteridade,através de um poeta-profeta popular de que são ambos glosadores,pois as suas ‘trovas’ constituem para eles o texto matriz: Gonçalo AnnesBandarra (...) que os precede, no primeiro ‘Aviso’ da Mensagempessoana, com as profecias do Encoberto. Se ele, como diz esse ‘Aviso’‘Sonhava anonymo e disperso / O Imperio por Deus mesmo visto’,seria Vieira quem, interpretando-lhe as palavras crípticas, ‘No imensoespaço seu de meditar / Constelado de forma e de visão’, daria melhora ler, a reler ‘A madrugada irreal do Quinto Império’ que Pessoa (re)escreve no seu ‘livro à beira-magua’, anunciando a ‘Hora!’ . 103

O profetismo de Vieira e de Pessoa é, pois, o resultado ama-durecido de um messianismo cujas raízes mais profundas mergulhamnuma confluência de várias correntes ideológicas antigas, encontrandonelas uma voz profética que se revela como expressão universal deesperança em oposição a um sentimento nacional de crise.

�III - Os Tempos�

Nesta terceira seção de “O Encoberto” o Poeta trata dos“tempos”: dois períodos do dia “Primeiro/Noite” , “Segundo/Antemanhã” e três fenômenos meteorológicos “Terceiro/Tormenta”,“Quarto/Calma”, “Quinto/Nevoeiro”.

Na estrutura externa da Terceira Parte de Mensagem há umaintencional reiteração do número cinco: cinco “símbolos” e cinco “tem-pos”, separados por três avisos. Além disso há correspondências entreos “Símbolos” e os “Tempos”: a “Noite” de “Os Tempos” corresponde“D. Sebastião” de “Os Symbolos”; à “Tormenta”, o “Quinto Impé-rio” ; à “Calma” , “O Desejado”; à “Antemanhã”, as “Ilhas Afortuna-das”; ao “Nevoeiro” , o “Encoberto”. De maneira didática, AntónioCirurgião, sintetiza: “na noite dos tempos encontra-se envolto o Rei D.Sebastião, da tormenta há-de nascer o Quinto Império, que todo o actode nascimento é acompanhado de dor; no meio de calma antever-se-á o

Page 89: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

91

Desejado; à meia luz da antemanhã hão-de vislumbrar as Ilhas Afortu-nadas; do meio do nevoeiro irromperá um dia a silhueta do Encoberto.É como se os cinco símbolos fossem figuras ou prefigurações do AntigoTestamento de Portugal, predictos pelos três profetas.”104

Primeiro/Noite

Este poema de trinta versos distribuidos em cinco estrofesde seis versos (sextilhas) é o mais longo de Mensagem simbolizandotodos os séculos de espera pelo advento do Desejado.

No plano do discurso, duas vozes comparecem no poema: ade uma figura que narra para o leitor um fato histórico e a de umafigura que fala com Deus - personagens distintos.

Nas três primeiras estrofes, o poema reveste forma narrativae nas duas últimas, forma invocativa.

A NAU de um d’elles tinha-se perdidoNo mar indefinido.O segundo pediu licença ao ReiDe, na fé e na leiDa descoberta ir em procuraDo irmão no mar sem fim e a nevoa escura.

Tempo foi. Nem primeiro nem segundoVolveu do fim profundoDo mar ignoto à patria por quem deraO enigma que fizera.Então o terceiro a El-Rei rogouLicença de os buscar, e El-Rei negou

Como a um captivo, o ouvem a passarOs servos do solar.E, quando o vêem, vêem a figuraDa febre e da amarguraCom fixos olhos rasos de anciaFitando a prohibida azul distancia.

Na primeira e segunda sextilhas o Poeta narra a história detrês irmãos, sem, no entanto, nomeá-los: Gaspar, Miguel e Vasco, filhosdo navegador português João Vaz Côrte-Real. Gaspar e Miguel, filhosmais novos de João Vaz, ficaram célebres pelas viagens que empreen-deram para o Ocidente. Gaspar Corte-Real, além da viagem que, segundosuposições, fizera com o pai antes de 1488, empreendeu outras duas:

Page 90: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

92

por volta de 1500, teria atingido a Terra Nova, a Groenlândia, a Costada América do Norte, os rios Hudson e São Lourenço, o Canadá e aPenínsula do Labrador; na segunda, iniciada em Lisboa por volta de1501, desapareceu no mar - “A nau de um d’elles tinha-se perdido / Nomar indefinido”.

O segundo irmão, Miguel, receando que viessem a faltar vi-veres à segunda exposição de seu irmão, foi em sua procura e, na segundaexpedição, veio a perder-se no mar “Tempo foi. Nem primeiro nemsegundo / Volveu do fim profundo”.

O irmão mais velho dos dois desaventurados navegadores,Vasco Anes, e sucessor de seu pai nas capitanias de Angra e de S.Jorge, pretendeu ir, à sua custa, em busca dos irmãos Gaspar e Miguel,mas não recebeu autorização do Rei105 “Então o terceiro a El-Reirogou / Licença de os buscar, e El-Rei negou”. As dificuldades dasviagens dos dois irmãos é enfatizada pelas repetições “mar idefinido”,“mar sem fim e a névoa escura”, “fim profundo”, “mar ignoto”.

Na terceira sextilha (formalmente destacada das duas pri-meiras por um asterisco) surge o drama do terceiro irmão a quem o Reinão permitiu a viagem, em toda a sua dimensão existencial: prisioneiro,impossibilitado de demonstrar sua bravura e de desenvolver as poten-cialidades que fariam dele um herói, como os irmãos: “E, quando ovêem, vêem a figura / Da febre e da amargura”.

Nas duas últimas sextilhas, o triste e inconformado “captivo”explica a Deus o insucesso dos irmãos e o significado profundo dabusca que ele pretendia empreender.

Senhor, os dois irmãos do nosso NomeO Poder e o Renome -Ambos se foram pelo mar da edadeÀ tua eternidade;E com elles de nós se foiO que faz a alma poder ser de heroe.

Tal como os irmãos, metaforicamente considerados “O Podere o Renome”, o terceiro sentia-se predestinado a cumprir missão deherói, uma vez que sua alma estava inflada de sonhos de ventura, comoa de todos os navegadores portugueses. As viagens dos dois irmãosrepresentam, metonimicamente, todas as expedições mal sucedidas, asviagens sem regresso - a história trágico-marítima. “E com elles de nósse foi / O que faz a alma poder ser de heroe”.

Page 91: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

93

Assim, a busca que o terceiro irmão pretendeu empreender émais que uma simples questão de honra, significa a busca de si mesmo“É a busca de quem somos, na distancia / De nós...” numa espécie deviagem em que a identidade do ser se funde com a identidade da Pátria.Mas, como o Rei da terra, também o Rei do céu impossibilitou-lhe arealização do sonho “Mas Deus não dá licença que partamos”.

Neste poema Fernando Pessoa expõe, com toda aprofundidade possível, o drama existencial do homem que encarna,por extensão, o da sua nação. Metafórica e metonimicamente é Portugalquem, na parte narrativa do poema, se sente impedido pelo Fado derealizar a sua missão terrena; na parte invocativa, é impedido tambémde realizar-se na eternidade. “Preso no solar enquanto ser-para-a-história, preso está também no mundo enquanto ser-para-a-vida-eterna” 106 , enfatiza António Cirurgião.

Em linguagem metafórica o primeiro poema d’Os Tempossignifica um limite na duração e a distinção mais sentida com o mundoda eternidade. Não havendo entre o tempo humano e o tempo divinonenhuma medida comum possível, o homem sente-se impossibilitadode desenvolver suas potencialidades enquanto ser.

�Segundo / Tormenta�

O poema compõe-se de duas quadras: a primeira, construídaem forma de dialogismo encerra o percurso que Portugal deve seguir parasair do marasmo do tempo presente e realizar-se como Império Mundial.

QUE JAZ no abysmo sob o mar que se ergue?Nós, Portugal, o poder ser.Que inquietação do fundo nos soergue?O desejar poder querer.

Nos dois primeiros versos está implícita a associação com oinfortúnio de D. Sebastião e a consequente perda da independência eda prosperidade de Portugal - “O poder ser” - a potencialidade temporalda nação “jaz no abysmo sob o mar que se ergue”. Mas “a febre dealém”, a “loucura” que impulsiona o português, distinguindo-o do”cadáver adiado que procria”, a sua “inquietação” levam-no, nos doisúltimos versos da primeira quadra, em forma ascensional a “desejarpoder querer”. Essa locução verbal com três verbos na forma infinitaindica a prospecção dos atos de desejo, de poder e de vontade - a

Page 92: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

94

renovação do que apenas está adormecido: a potencialidade da raça edo ser da Pátria, que se “soergue”, que se eleva do âmago do ser.

Isto e o mysterio de que a noite é o fausto ...Mas subito, onde o vento ruge,O relampago, pharol de Deus, um haustoBrilha, e o mar scuro struge.

Na segunda quadra, através do deítico “isto” o Poeta resumeos dois versos anteriores e, como se já visualizasse nova era de realizaçõespara o país, muda a tonalidade do poema. O primeiro verso funciona,metaforicamente, como uma reflexão “e o mysterio de que a noite é ofausto ...” a noite da decadência e do marasmo, (associada ao mito daCaverna de Platão) serviu para a conscientização de que tudo é possívelquando há vontade e crença. A “inquietação do fundo” iconicamenteirrompe das profundezas do mar transformando-o em mar agitado, tem-pestuoso, “onde o vento ruge e o mar scuro struge”, mas onde tambémse reflete o brilho o céu: “O relampago, pharol de Deus, um hausto /Brilha” . A conjugação tempestuosa do mar e do céu parecem prenunci-ar uma catástrofe, mas o relâmpago pode ser visto metaforicamente, comoo elemento de ligação entre o mundo do presente, de decadência terrena,que vem do abismo do mar, e o mundo do futuro, de prosperidade espiri-tual quando se refere ao céu. Entre o Império material e político do pas-sado e o Império espiritual e cultural do futuro está Portugal.

�Terceiro / Calma�

No seu aspecto intertextual, este poema é a continuaçãológica do poema anterior, porque da tempestade irrompe a paz -“tormenta” e “calma” . Tematicamente apresenta pontos de semelhançacom “As Ilhas Afortunadas” (quarto poema da I Seção da TerceiraParte): em ambos há a mesma nota de esperança na ressurreição doDesejado.

O poema é constituido por duas estrofes de sete versos(sétima) e uma estrofe de oito versos (oitava), e estrutura-se,retoricamente, sobre cinco interrogações: três na primeira estrofe, umana segunda e uma na terceira, em forma de di0scurso dialógico. Noaspecto fônico, o Poeta se utiliza do processo sinestésico eonomatopéico, em que sensações auditivas e visuais se interseccionamno seu mundo anímico, como se ele estivesse diante de uma visãomística, sobrenatural.

Page 93: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

95

QUE COSTA é que as ondas contamE se não pode encontrarPor mais naus que haja no mar?O que é que as ondas encontramE nunca se vê surgindo?Este som de o mar praiarOnde é que está existindo?

Ilha próxima e remota,Que nos ouvidos persiste,Para a vista não existe.Que nau, que armada, que frotaPode encontrar o caminhoÀ praia onde o mar insiste,Se à vista o mar é sósinho?

Haverá rasgões no espaçoQue dêem para o outro lado,E que, um d’elles encontrado,Aqui, onde ha só sargaço,Surja uma ilha velada,O paiz afortunadoQue guarda o Rei desterradoEm sua vida encantada?

O barulho das ondas na praia, através da aliteração de gutu-rais, nasais e sibilantes denota a existência de uma ilha visível e próxima,no plano material, mas longínqua, invisível e inalcançável, no planoespiritual: “Ilha próxima e remota”; “ilha velada”; “paiz afortunado”.O poema desenvolve a dialética entre o espaço visível e o espaçoinvisível, com a supremacia deste. Novamente está presente a dualidademar e céu. O mar comparece com a constelação semântica de “costa”,“onda”, “naus”, “praia”, “ilha”, “armada”, “frota”, sargaço” ,imagens diluídas em símbolos mítico-poéticos de tempo e espaço, emcombinação com imagens do ar e do fogo - “som” e “rasgões noespaço” - referindo-se ao campo semântico do sonho e do mistério:“outro lado”, “ilha velada”, “vida encantada”.

�Quarto / Antemanhã�

Este poema mantém estreita intertextualidade com o poema“O Mostrengo”, quarto poema da Segunda Parte de Mensagem. O

Page 94: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

96

primeiro verso de ambos é exatamente igual. Porém em “Antemanhã” oPoeta nos apresenta o herói português ensurdecido aos apelos do Mostrengo,anteriormente vencido pelos navegadores e pela vontade de D. João II.

Entre os poemas “O Mostrengo” e “Antemanhã” reside umagrande diferença no tocante à atitude da heróica raça portuguesa: noprimeiro, os navegadores agem guiados pela febre de conquista e pelavontade enérgica de El-Rei D. João II; no segundo, deixam-se vencerpela fatalidade e tornam-se passivos, quedando-se a sonhar com as açõespassadas. Em um, o monstro marinho inquire o timoneiro sobre a audáciadas navegações - “Quem é que ousou entrar / Nas minhas cavernasque não desvendo” - e obtém uma resposta imediata e incisiva: “El-ReiD. João Segundo!”; no outro, o mostrengo tenta despertar Portugal doestado de letargia em que se encontra, interrogando-o sobre a identidadede quem está adormecido, esquecido dos feitos heróicos do passado:“‘(....) Quem é que dorme a lembrar / Que desvendou o Segundo Mundo,/ Nem o Terceiro quere desvendar?’”. Mas nem os apelos do marparecem diminuir a abulia d’ “Aquelle que está dormindo / E foi outroraSenhor do Mar”, até mesmo para uma resposta. O povo que conquistarao mundo nos séculos XV e XVI parecia não acreditar na possibilidadede conquistar o Quinto Império?

Numa re-leitura da primeira estrofe, infere-se que oMostrengo sai das trevas a procurar “A madrugada do novo dia, / Donovo dia sem acabar”. O “novo dia” significaria uma nova fase deconquistas, agora não mais no mundo material, mas na esfera espiritual,o Império Universal - o “Terceiro” mundo.

�Quinto / Nevoeiro�

Este poema que se constitui por uma sextilha, uma sétima eum verso isolado, num total de catorze versos, lembra os catorze “Passosda Cruz” do autor de “Cancioneiro” (e estes os catorze passos da Cruzde Cristo) no seu cunho simbólico e ocultista.

Desde o título, “Nevoeiro” simboliza o indeterminado, asformas imprecisas, por isso a atmosfera do poema é de ambiguidade,de indecisão, de indefinição.

Na primeira estrofe, o Poeta tenta definir o “perfil” e o “ser”de um Portugal antropomorfizado, através de repetições anafóricas eantitéticas.

Page 95: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

97

NEM REI, nem lei, nem paz nem guerra,Define com perfil e serEste fulgor baço de terraQue é Portugal a entristecer -Brilho sem luz e sem arderComo o que o fogo - fatuo encerra.

Para figurar Portugal em crise, o Poeta apresenta um paísindefinido politicamente na sua configuração físico-geográfica e emestado de total abulia. Os oxímoros “fulgor baço”, “brilho sem luz esem arder” enfatizam os traços negativos que caracterizam o país.

Na segunda estrofe, partindo do perfil coletivo para o indi-vidual, o Poeta define os componentes humanos que caracterizam oSer da nação: o amorfismo moral e mental em que Portugal está imersopelas antíteses, oxímoros e anáforas. Nos três primeiros versos, o Poetaconstata que Portugal, enquanto coletividade, não se (re)conhece:“Ninguém conhece que alma tem”; está indiferente, apático, abúlico:“Ninguém sabe que cousa quer”; não sabe discernir: “Nem o que é omal nem o que é o bem”. Na fragmentação e na incerteza, porém, oPoeta confia na transformação, na ressurreição da Pátria: o brado deesperança e de alento do verso final do poema - “É a Hora!” -arrematando com o apelo solidário da hipógrafe “Valete, Fratres”reforça a idéia de que “é do abismo e das sombras que precisamente aluz poderá surgir. Do hoje nevoento nascerá a Hora sagrada e iniciática,a Hora profetizada, a Hora da redenção”. 107

Conclusão

A estrutura de Mensagem revela a planificação da essênciade uma pátria e de sua missão espiritual à frente dos povos. Toda a obracaminha num crescimento até “Mar Portuguez”, para, em ritmo menor,até o final, retratar a decadência e o marasmo que definem, na opiniãodo Poeta, a nação do “desejar poder querer”.

Desse modo, as partes que compõem a obra estão dispostasa percorrer essa trajetória: em “Brasão” caracteriza-se a pátria, comseus heróis predestinados a fazer dela o alicerce de uma nova era; em“Mar Portuguez” configura-se essa grandeza contada no primeiromomento, quando se justificam todas as esperanças nela depositadas,pelo domínio glorioso do mar; na terceira parte, sob a figura onírica de

Page 96: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

98

“O Encoberto”, reside o ideal supremo da redenção de Portugal, quehá de acontecer, à revelia dos que não sabem “que coisa quere”. Háum nítido encadeamento entre as partes, pela retomada de temas, pelopredomínio da metáfora da água e pelos símbolos mítico-proféticos D.Sebastião e Quinto Império.

Mensagem organiza-se como matéria épica com forte tensãolírica, sustentada na fusão das dimensões real e mítica, com planos his-tórico e maravilhoso bem estruturados. A dimensão real consiste naestruturação do passado histórico de Portugal (dos primórdios da naci-onalidade a 1578) e a dimensão mítica na estruturação de um presentenão realizado historicamente.

O factual histórico prende-se à dimensão temporal da reali-dade objetiva dos séculos XII a XVI, enquanto o mito, aderindo ao fatohistórico, por ser uma afirmação do real, reduplica a sua estrutura derealidade. Mensagem centra-se, pois, na dimensão mítica e parte delapara dimensão real.

O relato histórico de Mensagem é a viagem de regresso deD. Sebastião para a realização do presente (futuro) de Portugal - o QuintoImpério. D. Sebastião constitui a representação simbólica do herói co-letivo, de Portugal enquanto Ser, enquanto Alma.

Os heróis da obra são construídos de forma a agirem porimpulsos e pela loucura, guiados por força superior; são instrumentosda predestinação divina. Pessoa concebe a história humana inteiramentesujeita à história divina e o tempo humano subordinado ao tempo sa-grado e cíclico. Por isso se justifica a escolha dos feitos heróicos emMensagem.

Constatam-se na elaboração do Poema, duas esferas ou rea-lidades - a sensorial ou terrena e a espiritual ou supra-real. A primeira écaracterizada pela factualidade e a segunda pelas abstrações gradativasdo Poeta, que parte do real histórico do império terreno português paraa esfera do ideal, do mítico, do simbólico, exaltando, sobretudo, o quetranscende o mundo sensorial - a quimera, o sonho, a febre de Além, acrença no advento de D. Sebastião e do Quinto Império.

A mensagem transmitida pela obra não é apenas a exaltaçãode glórias passadas, mas, partindo das conquistas, o Poeta buscadespertar a nação para uma supra-realidade, ucrônica e utópica, quereside na Vontade e na Esperança. É a crença na “regeneração” da

Page 97: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

99

nacionalidade, através de um Império Cultural e espiritual sob a égidedo Espírito Santo. Além das facetas do poeta e do místico, Mensagemconta, na sua elaboração, com a do profeta Fernando Pessoa, que, naesteira de Bandarra e de Vieira, anima e colore o universo da obra como seu fatalismo histórico, sugestionando os espíritos, fornecendo-lhesmatéria, não já para o conhecimento do passado, mas, acima de tudo,para a ação modeladora do futuro. Como profeta do Império Universal,o “Terceiro” de “Os Avisos” não alude simplesmente à realização doQuinto Império português, mas anuncia-o. Ao miticizar a paixão, mortee ressurreição de D. Sebastião, transforma o advento bíblico do reinode Deus no advento do Quinto Império português, aproximando, assim,a história de Deus da história dos homens. Nesse sentido, os mitos doEncoberto e do Quinto Império se relacionam com a teoria do EspíritoSanto. Consideradas “mais aristocrático-iniciáticas do queantropológicas”108 as teses dos símbolos proféticos pessoanos seguem amesma linha de Sampaio Bruno. A originalidade do sebastianismopreconizado por Pessoa reside no fato de ser, ao mesmo tempo, cristão,esotérico e mítico: é cristão porque o Poeta não nega que Cristo, “sagradoem honra e em desgraça”, tenha sido um Messias encarnado de um ciclotemporal; é esotérica, porque Pessoa atribui a D. Sebastião, o Cristoportuguês, os atributos paracléticos e redentoristas do Cristo da Trindadecristã; e é mítico, porque está integrado num tempo circular e teofânico.

Como quer que seja, porém, o autor de Mensagem é maisPoeta do que teorizador da História de Portugal.

O par da galeria de heróis e seus feitos está a emoção doPoeta, extravasada em versos incontidos, no resgate da memória que seperdeu, na esperança do retorno messiânico, na paixão pelo ideal defraternidade, no sonho de conquista de “qualquer Distância”. O amorpela pátria transubstanciou-se em busca metafísica, em ânsia incessantepela perfeição e pelo Absoluto.

A mensagem de Mensagem é a busca daquele “projectoáureo português” interrompido, mas cifrado nos sinais e nos símbolosque dele subsistem desde os campos de Ourique, que não está fixadoem nenhuma época histórica porque é um projeto de uma “pátria emseu destino supratemporal”.109

Perseguindo esse objetivo, o desenvolvimento histórico-cul-tural de Portugal, obedece, na estruturação de Mensagem, aos sete ciclosde evolução apontados por Antonio Quadros em Portugal, Razão e

Page 98: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

100

Mistério: 110 O primeiro, ciclo solar ou atlante, corresponde ao alvorecerda civilização fundadora, “assentado numa religião astral, com predo-minância solar e num culto escatológico orientado para a idéia daimortalidade”.111 E sendo um ciclo criativo, gerou lendas e alegorias,de onde brotou a figura mítica de Ulisses. No segundo ciclo — ciclolusitano — convergência de culturas autóctones e imigradas, deaculturações e miscigenação, avultam as qualidades da raça: a bravura,o heroísmo, o telurismo, a consciência de Ser de um povo; foi um períodode resistência e de coragem que culminou com a saga de Viriato. Essesdois períodos configuram a proto-história e a pré-história de Portugal,o “antemanhã” e o alvorecer da nacionalidade.

O terceiro ciclo, denominado ciclo templário, iniciando-secom a fundação da nacionalidade, com o Templário Afonso Henriquese, prosseguindo até o reinado de D. Afonso III, caracterizou-se peloespírito cavalheiresco e idealismo cristão das Cruzadas e pelas regrascistercienses. É o período que deixou marcas profundas na história e nacultura portuguesas até os nossos dias.

O quarto ciclo define-se com D. Dinis, adquirindo o apogeuem seu reinado e obscurecendo-se com a morte do rei Trovador. Ociclo dionisíaco é o período em que o país dá os primeiros passos naagricultura e no comércio, além de iniciar a sua independência culturale espiritual. Sob o reinado de D. Dinis têm raízes todos os grandestemas que serão desenvolvidos e concretizados pelos Príncipes deAvis. Com a criação da Ordem de Cristo, com a instauração do Cultoe das Festas do Espírito Santo, com a dedicação do monarca e dopovo ao ideal franciscano, Portugal passou a ter uma teleologia própria,desenvolvendo uma nova sensibilidade com a formação de elitesculturais a partir da fundação da Universidade portuguesa.

Através das Ordens de Cristo (ex-Templários) e de Avis ar-ticula-se o ciclo dionisíaco com o ciclo imperial, que se situa no períodoentre D. João I e D. Manuel I. Preparado por D. Dinis — “o plantadorde naus a haver” — foi a grande época das conquistas e das navegações,e onde, além do alargamento territorial, ocorreu a ampliação doshorizontes culturais e espirituais, que culminou com o Renascimento.Na estrutura interna de Mensagem esse período corresponde ao “MarPortuguez”, ou Segunda Grande Parte da obra.

O sexto período, conhecido como ciclo sebastianista, teminício durante o reinado dos Filipes, com a historiografia dos

Page 99: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

101

alcobacenses. A este se segue o ciclo saudosista, que apresenta duasvertentes opostas: a primeira é marcada pelo predomínio da frustração,da desesperança, do complexo de inferioridade de um país saudoso doperíodo áureo desaparecido desde a sangrenta batalha de África. Nasegunda vertente, ocorre a consciência da necessidade de reassumir atradição perdida, com cambiantes culturais que vão desde o nacionalismoliberal e romântico de Garrett e Herculano, até o saudosismo nacionalistade Pascoaes e o grupo de A Aguia atingindo o mitogenismo renovado eo “nacionalismo místico e sebastianismo racional” de Fernando Pessoa.

Através dos sete ciclos da evolução histórico-cultural portu-guesa pode-se constatar que o projeto áureo português, enquanto afir-mação da nacionalidade, vai-se firmando progressivamente, tendo comoeixo propulsor o ciclo templário e o pensamento místico e teleológicode S. Bernardo de Claraval. Este passou a ser o patrono espiritual doreino quando intercedeu junto ao Papa Anacleto II para oreconhecimento do título de Rei a D. Afonso Henriques.

Como o rei fundador da nacionalidade era um Cavaleiro Un-gido, os portugueses cultivaram uma “transcendental confiança nosdestinos superiores da pátria, garantidos pelas divinas promessas”112

(convicção fortemente influenciada pelos Templários, que formavamuma sociedade iniciática, com espiritualidade própria) procurandorealizar um projeto que ultrapassasse o lado exterior e visível da suaação. Daí que se pode estabelecer estreita correlação entre os Templáriose a Ordem de Cristo, a simbologia do Graal e Mensagem.

Iniciando-se em Portugal no reinado de D. Dinis, tornando-se incisiva e determinante na época de D. João I e dos Príncipes deAvis, a simbólica do Graal relaciona-se com a demanda do Preste João,e, mais tarde, com a bravura de D. Sebastião e com o sonho de regressodo “Encoberto”.

Em Mensagem, o Graal é aludido explicitamente nos poemasdedicados a “D. Philippa de Lencastre”, “Nunalvares Pereira” e “ODesejado”. No primeiro, através da expressão “Princesa do SantoGral” , Fernando Pessoa destaca a tradição céltica bretã da mulher,guardiã do sagrado, e, ao cognominá-la “Madrinha de Portugal” situaa pátria portuguesa na linhagem da mística arturiana. Além da visãohistórica de uma aliança de estratégia militar, parece que umprovidencialismo superior foi determinante na união de D. João I e D.

Page 100: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

102

Filipa de Lencastre, pois, com a vinda da representante bretã, a naçãoportuguesa foi batizada com o signo do Graal, amplificando a açãocultural e espiritual já existentes com matizes esotéricas e místicas.

A retomada da tradição mística da cavalaria arturiana é umdos suportes utilizados por Pessoa para expressar o cavaleiresco e ograalismo enquanto “mito condutor” 113 de Mensagem. Significadode mito predestinado a conduzir à salvação toda a coletividade éexplicitado no poema a D. Afonso Henriques: “Dá, contra a hora emque, errada, / Novos infiéis vençam / A benção como espada, / A espadacomo benção”.

Também Nunalvares Pereira é celebrado como um cavaleiroungido, herdeiro do Rei Artur — “Mas que espada é que, erguida, /Faz esse halo no céu? / É Excalibur, a ungida, / Que o Rei Arthur tedeu.” No final do poema, opera-se a transmudação do guerreiro-santoem símbolo místico de Portugal — “S. Portugal em ser”.

Erige-se Portugal como um país predestinado, país das po-tencialidades, lugar de encontro de duas concepções históricas: dahistória humana, material, factual e da história oculta, ominosa, virtual.O própria Fernando Pessoa, elegendo os três profetas de “Os Avisos”insere a obra nessa faceta.

Para além de exemplificar a coexistência das três dimensõesreferenciais do tempo — o histórico, representado pela narração dosfeitos passados; o psicológico, pelas intrusões do Poeta no fio dospoemas; o mítico, integrado pela ação divina no plano terreno,Mensagem remete ainda a uma quarta dimensão, de ordem metafísicae ontológica, de caráter trans-histórico, ou seja, a dimensão temporalda nostalgia platônica.

A nostalgia platônica que envolve Mensagem conduz o poetapara o refazer de um percurso em direção a um passado não situado naesfera sensível, mas pelo processo de reminiscência o poeta reporta-seao que já anteviu numa pátria primordial, anterior, transcendental.

“Se a alma que sente e faz conheceSó porque lembra o que esqueceu ... “

O tempo e a história, na sua linearidade e irreversibilidadecronológicas são substituídos por outro tempo, um tempo circular, quepossibilita a imagem dinâmica do eterno retorno.

Page 101: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

103

Os históricos descobrimentos foram para o poeta - profetaum processo iniciático da pátria. A realização do sonho — “Nós,Portugal, o poder ser / ... / O desejar poder querer” — a salvação doSer e da Pátria só se efetivará a partir do conhecimento da Verdade.

Toda a Mensagem surge como a exaltação da intuição deum projeto áureo plausível de realizar-se, realizando-se o Ser da pátria.“Não são as motivações conscientes, explícitas, aquelas que surgemcomo realistas e práticas, as profanas, as últimas que levam e conduzemos homens e uma nação nas grandes aventuras da vida e da história.Mas sim outras, vindas duma zona mais profunda, conscientementeintangível. Escondidas e de valor sagrado”.114 Com efeito, desde osseus primórdios, essa demanda da nação, tal como de Fernando Pessoa,é a busca de uma identidade absoluta : os heróis da Mensagem assumem,na sua vida humana efêmera, a missão de procurar e revelar umarealidade que os transcende. Não se caracterizam por grandes feitosbélicos ou como conquistadores de espaços terrenos, mas pelo espíritode doação, sacrifício, pela resignação, pela predestinação.

Para os heróis de Mensagem, tanto quanto para o poeta-profeta, a busca da realidade última e absoluta faz-se por um movimentodirecionado ao ser essencial e eterno: “É O que me sonhei que eternodura / É Esse que regressarei.” Essa realidade seria atingida, em planoterreno, pela Obra, a cumprir, juntamente com os heróis e o Poeta, amissão de anunciar a mensagem da parusia, que se efetivará num tempotranshistórico ou supra-histórico.

Em Mensagem, coube a Fernando Pessoa, como poeta-profeta da pátria, não apenas constatar a perda da alma nacional, masapelar para a sua redenção. A sua voz traduziu a expressão coletivanacional, baseada na crença tradicional e milenarista: a do Encoberto.

Como poeta-profeta da pátria decadente, Pessoa assumiu umaatitude de recusa da história, porque a época a ser recuperada, a idadeáurea da nação, achava-se fora das convenções espácio-temporais. Omessianismo simboliza a restauração de uma idade primordial e a vindado Encoberto marcará o fim da história e do tempo, porque um novociclo, de valor cultural e espiritual terá início com o seu retorno: o QuintoImpério.

“O Quinto Império. O futuro de Portugal — que não cal-culo, mas sei — está escrito já, para quem saiba lê-lo, nastrovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus.

Page 102: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

104

Esse futuro é sermos tudo. ( ... ) Conquistámos já o Mar,resta que conquistemos o Céu, ficando a Terra para os Ou-tros ...”115

Fernando Pessoa estava consciente da sua missão como obrei-ro da regeneração de Portugal, como se depreende da carta que escreveua Adolfo Casais Monteiro, em 1935. Essa consciência missional tãoinsistentemente revelada em muitos de seus escritos em prosa, conformeassevera o crítico Alfredo Antunes, deve ser entendida em dupla direção:a da profecia e a do messianismo. Ou seja, “Fernando Pessoa julga-sesuficientemente vocacionado, não só para anunciar a chegada iminentedo Quinto Império Cultural para Portugal, como para ser ele o seuprincipal realizador.”116

E essa hipótese poderá ser confirmada numa leitura atentade Mensagem, porque esta obra assenta a sua estrutura em símbolose mitos, referindo-se a Portugal do vir-a-ser e não a Portugal históricodo passado.

Mensagem é o canto de um Portugal indefinido, atemporal,inacabado, mas um país com potencialidades criadoras do Quinto Im-pério Cultural.

Notas1 Afirma Massaud Moisés que Fernando Pessoa amargou a frustração de rece-ber o prêmio de segunda categoria porque, embora a obra “ressuma de nacio-nalismo, a sua mensagem não coincidiu com as expectativas políticas da hora,ou transcendia, pela sutil visão poética que nela se continha, o entendimentodos juízes”. O GUARDADOR DE REBANHOS E OUTROS POEMAS. Seleção e Introdu-ção de Massaud Moisés. São Paulo: Cultrix, Edusp, 1988.2 Fernando Pessoa. “O Eu Profundo”. In: OBRAS EM PROSA. 6. reimp. da 1ª. ed.Org. Intr. e notas de Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. 1986,p. 70.3 Fernando Pessoa - MENSAGEM. Introdução, notas explicativas e bibliográficasde Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Difel, 1986, p. IV.4 Idem. “Fragmento 125A-25”, texto nº 53 de SOBRE PORTUGAL. Introdução aoProblema Nacional. Recolha de textos: Dra. Maria Isabel Rocheta, Dra. MariaPaula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão. Lisboa: Ática, 1978, p.179.5 Fernando Pessoa - CARTAS A JOÃO GASPAR SIMÕES. Lisboa: Europa-América,1957, p. 117.

Page 103: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

105

11 Luis de Camões. OS LUSÍADAS. 5. ed. Edição organizada por Emanuel PauloRamos. Porto: Porto Editora, s/d. p. 12412 F. P. de Almeida Langhans. HERÁLDICA, CIÊNCIA DE TEMAS VIVOS. Lisboa:Gabinete de Heráldica Corporativa. 1966, vol. II, p. 40.13 Cf. Adrien, ROIG. “Mensagem: Heraldique et Poesie”. In: HOMENAGEM A

EDUARDO LOURENÇO. Organização das Secções de Português e Espanhol da Uni-versidade de Nice. Lisboa: Ministério da Educação. Instituto de Cultura e LínguaPortuguesa. Nice: Universidade de Nice. 1992, p. 19.14 Jean Chevallier e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. Coordenaçãode Carlos Sussekind; tradução de Vera da Costa e Silva et alii, 5 ed. Rio deJaneiro: José Olympio, 1991, p. 478.15 Cf. “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. Lisboa: Min. Ed. Inst.Cult. e Lingua Port. 1990, p. 39.16 Idem. Ibidem. P. 48.17 João Ameal - HISTÓRIA DE PORTUGAL. DA ORIGENS ATÉ 1940. Porto: TavaresMartins, 1949. p. 1.18 Cf. Fortunato de Almeida - CURSO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL, 9 ed. Coimbra:1933, pp. 10 e 11; Fortunato de Almeida - HISTÓRIA DE PORTUGAL. TOMO I. Desdeos tempos prehistóricos até à aclamação de D. João I (1385). Coimbra: Impren-sa da Universidade. 1922, pp. 48-49.19 Vários. HISTÓRIA DE PORTUGAL. EDIÇÃO MONUMENTAL COMEMORATIVA DO 8º CEN-TENÁRIO DA FUNDAÇÃO DA NACIONALIDADE PROFUSAMENTE ILUSTRADA E COLABORA-DA PELOS MAIS EMINENTES HISTORIADORES E ARTISTAS PORTUGUESES. Direção Lite-rária de Damião Peres, Direção Artística de Eleutério Cerdeira, Barcelos:Portugalense, MCMXXVIII, vol. I, p. 210.20 “Viriato é simples adjectivo qualificativo, para designar homem que por dis-tinção usa bracelete (viriae)” afirma Fortunato de Almeida em sua HISTÓRIA DE

PORTUGAL. TOMO I, p. 49.21 HISTÓRIA DE PORTUGAL. EDIÇÃO COMEMORATIVA DO 8º CENTENÁRIO DA FUNDAÇÃO

DA NACIONALIDADE p. 213.22 João Ameal - HISTÓRIA DE PORTUGAL. Das Origens até 1940, p. 45.23 Antonio Cirurgião.“O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. p. 63.24 Para dar crédito à tradição lendária, Frei Bernardo de Brito afirma, em 1596,haver encontrado, no Mosteiro de Alcobaça, um documento em latim sobre a“Visão” do primeiro soberano, que transcrevemos a título de ilustração. NaAparição, Cristo teria dito a Afonso Henriques:

“ ...Eu sou o fundador & Destruidor dos Reynos, & Impérios, & quero em ti, &teus descendentes fundar para mim hum Império, por cujo meio seja meu nomepublicado entre as Nações mais estranhas. E para q teus descendentes conhe-çam quem lhe dá o Reyno, comporás o escudo de tuas armas do preço com q eu

Page 104: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

106

remi o género humano, & daquelle por q fui comprado aos Judeus, & sermelhaReyno sanctificado, puro na fé, & armado por minha piedade.” Apud AdrienRoig. “M ENSAGEM: Héraldique et Poesie.” In: HOMENAGEM A EDUARDO LOURENÇO.p. 15.25 Adrien Roig. “Mensagem: Héraldique et Poésie”. In: HOMENAGEM A EDUAR-DO LOURENÇO. p. 16. (tradução nossa)26 Cf. Jean Chevalier e Alain Gheerbrant. DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 392.27 João Ameal. HISTÓRIA DE PORTUGAL. p. 100.28 Cf. Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt. DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 809.29 PORTUGAL HISTÓRICO-CULTURAL. 2 ed. ref. e ampl. Lisboa: Arcádia, 1968, p.26.30 DICIONÁRIO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL. Direcção de Joel Serrão. Porto:Figueirinhas. Vol II. p. 611.31 A. H. de Oliveira Marques - HISTÓRIA DE PORTUGAL. Desde os Tempos maisAntigos até o Governo do Senhor Marcelo Caetano. 5 ed., Lisboa: Palas, vol I,p. 187.32 “Cronica de El Rei D. Pedro”.In: AS CRONICAS DE FERNÃO LOPES. Selecionadase transpostas em português moderno por Antonio José Saraiva. 2 ed. Lisboa:Portugália, 1969, p. 55.33 Jean Chevallier e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 87634 Cleonice Berardinelli - “M ENSAGEM”. In : REVISTA DE LETRAS. U. F. C. Fortale-za: Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades. vol. 9/10, 1986. p.6.35 Jean Chevallier e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 289.36 Idem. Ibidem. p. 538.37 Idem. Ibidem. p. 32.38 op. cit. loc. cit.39 Idem. ibidem. p. 151.40 Cf. Joel Serrão. DICIONÁRIO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL. p. 420 a 422.41 João Ameal. HISTÓRIA DE PORTUGAL. DAS ORIGENS ATÉ 1940. P. 205.42 Cf. “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA.43 Oliveira Martins - HISTÓRIA DE PORTUGAL. tomo I p. 263.44 Fortunato de Almeida - HISTÓRIA DE PORTUGAL. tomo II. p. 272.45 “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. p. 145.46 MAR PORTUGUEZ E A MENSAGEM ASTROLÓGICA DA MENSAGEM. Lisboa: EditorialEstampa, 1990, p. 19.47 “Mar Português: Aventura e Iniciação”. In: COLÓQUIO/LETRAS. Lisboa: Funda-ção Calouste Gulbenkian. nº 113/114; jan-abr. 1990 p. 125.

Page 105: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

107

48 Paulo Cardoso - MAR PORTUGUÊS E A MENSAGEM ASTROLÓGICA DA MENSAGEM,1990, p. 26.49 Essa carta contém alguns parágrafos sobre a posição de Pessoa perante oocultismo, os quais se mantiveram em segredo, por desejo expresso do Poeta,até a sua inclusão no volume II de Vida e Obra e Fernando Pessoa, de JoãoGaspar Simões (4 ed., Lisboa: Bertrand, 1954. p. 564): “Creio na existência demundos superiores ao nosso e de habitantes desse mundo, em experiências dediversos graus de espiritualidade, subtilizando-se até se chegar a um enteSupremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outrosEntes, igualmente supremos, que hajam criado outros universos, e que estesuniversos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não [...]. Dadasessas escalas de seres, não creio na comunicação directa com Deus, mas,segundo a nossa afinação espiritual podemos ir comunicando com seres cadavez mais altos”. apud Antonio Apolinário Lourenço. “Mar Portugues”: Aven-tura e Iniciação. In COLÓQUIO/LETRAS. nº 113/114, p. 135.50 Jean Chevallier e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 644.51 Apud Jean Chevallier e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 901.52 Jean Chevallien e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 15-17.53 Idem. ibidem. p. 640.54 “(...)

Por fim, na funda caverna

Os Deuses despem-te mais.

Teu corpo cessa, alma externa,

Não vês que são teus iguais.

(...)”

In: Fernando Pessoa. OBRA POÉTICA.55 MAR PORTUGUÊS E A MENSAGEM ASTROLÓGICA DA MENSAGEM. p. 43.56 HISTÓRIA DE PORTUGAL. Tomo II. Desde a aclamação de D. João I (1385) até àmorte do Cardeal Rei D. Henrique (1580). p. 174-175.57 Jean Chevallier e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. p. 929.58 Idem Ibidem. p. 616.59 A LITERATURA PORTUGUESA. 16 ed., São Paulo: Cultrix, 1980, p. 62.60 Mensagem e o Mito Lusíada. In: FERNANDO PESSOA, O OUTRO. 2 ed., Rio deJaneiro: Transbrasil, 1973. p. 16.61 Cf. acêrca do assunto, Antonio Cirurgião - “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM

DE PESSOA.62 Cf. João Ameal - HISTÓRIA DE PORTUGAL. p. 163.63 Cf. Antonio Cirurgião - “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. p. 113.

Page 106: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

108

64 DICIONÁRIO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL. Vol. II Direção de Joel Serrão. p. 604.65 O historiador João Ameal considera Alcácer Quibir o “grandioso fecho daLoucura portuguesa. Fecho genuinamente medieval, suicídio épico da lusacavalaria, com o ‘Capitão de Deus’ a comandá-la. De tudo podemos orgulhar-nos: de tantas vitórias, de tantas proezas, de tantos descobrimentos, de tantostroféus - e até, no final, do esplendor lúcido e sangrento desse belo holocausto!”HISTÓRIA DE PORTUGAL. p. 305.66 Oliveira Martins - HISTÓRIA DE PORTUGAL. Tomo II. p. 46.67 Cf. José Van Den Besselaar - O SEBASTIANISMO - HISTÓRIA SUMÁRIA . Lisboa:Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. Ministério da Edução e Cultura. 1987,pp. 32-33.68 O HETEROTEXTO PESSOANO. São Paulo: Perspectiva. EDUSP. 1988, p. 82.69 SAUDADE E PROFETISMO EM FERNANDO PESSOA. Elementos para uma Antropolo-gia Filosófica. Braga: Publ. da Faculdade de Filosofia, 1983, p. 430.70 Cf. Antonio Cirurgião - “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA,p. 198. Maria de Lourdes Belchior. “Fernando Pessoa e Luis de Camões: Heróise Mitos n’Os Lusíadas e na Mensagem”.In: PERSONA.5. Porto: Centro de EstudosPessoanos, abril de 1981, p. 5.72 Oliveira Martins - HISTÓRIA DE PORTUGAL p. 77.73 Cf. Adrien Roig. “Mensagem. Héraldique et Poesie”. In: HOMENAGEM A EDUAR-DO LOURENÇO. p. 26.74 Estudo detalhado da representação simbólica do número quatro se encontrano DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS, de Jean Chevallier e Alain Gheerbrandt, p. 758-764e na obra O UNIVERSO DOS NÚMENROS. Coor. e supervisão de Sharles VegaParucker.75 VIDA E OBRA DE FERNANDO PESSOA. HISTÓRIA DE UMA GERAÇÃO. 2 ed. rev. eacomp. de novo prefácio. Amadora: Bertrand, s/d. p. 61676 Documento 125B-19 “A Fraqueza do Sebastianismo Tradicional”. Misto s/d, PESSOA INÉDITO. Coordenação de Tereza Rita Lopes. Livros Horizonte. 1993,p. 228.77 PESSOA INÉDITO. p. 33.* O documento a que alude Teresa Rita Lopes está inserido na parte 3. “A PátriaLíngua Portuguesa”, com o número 110, sob o título [“O IMPÉRIO PORTUGUEZ” E

“FIXAÇÃO DA LINGUAGEM” 123-43 [Misto] [s/d] e diz o seguinte: “O Gremio daCultura Portuguesa assenta os seus intuitos nos seguintes fundamentos:

( 1 ) Não ha separação essencial entre os povos que fallam a lingua portugueza.Embora Portugal e Brasil sejam politicamente nações differentes, não são na-ções differentes, conteem por systema ( ? ) uma direção imperial comum, a queé mister que obedeçam.

( 2 ) A Missão imperial a que teem que obedecer as duas nações que formam o

Page 107: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

109

Império Portuguez encontra-se estabelecida nas seguintes origens: ( a ) comomemória e tradição, a fundação da civilização universal moderna pelo InfanteD. Henrique, ( b ) como proposito e utopia, a creação, pelos Sebastianistas, daidéia de um Império Portuguez, designado como o Quinto Império, e formadoem bases diversas das de todos os impérios passados, ( c ) como typo de acção,a concentração em uma unidade espiritual, a crear progressivamente, da tradi-ção em que assenta a razão historica do Quinto Império, e da esperança em quereside a razão religiosa d’elle.

( 3 ) Acima da idéa do Imperio Portuguez, subordinado ao espirito definido pelalingua portugueza, não ha formula politica nem idéa religiosa.

( 4 ) Para fixação dos meios materiais do Imperio, ha que adaptar a fixação dalinguagem, e, antes de mais nada, a ortographia etymologica, excluindo asextravagancias simpliflicadoras creadas pela influencia da politicaextrangeira”.p. 240.78 Apud João Gaspar Simões. VIDA E OBRA DE FERNANDO PESSOA.p. 625.79 Cf. “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA.80 O SEBASTIANISMO. HISTÓRIA SUMÁRIA . Lisboa: Instituto de Cultura e LínguaPortuguesa. Ministério de Educação e Cultura. 1987. p. 139.81 Idem Ibidem.82 Lúcio de Azevedo. A EVOLUÇÃO DO SEBASTIANISMO. pp. 96-97.83 José Van den Besselaar. O SEBASTIANISMO. HISTÓRIA SUMÁRIA . p. 7584 Cf. Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt - DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. pp. 788-789.85 “Simulacro da Organização Poética de ‘O Encoberto’. In: REVISTA DE CULTU-RA VOZES.. Petrópolis: Vozes. maio de 1974. nº 4, vol. LXVIII, p. 271.86 FERNANDO PESSOA E A FILOSOFIA HERMÉTICA. Fragmentos do Espólio. Lisboa:Editorial Presença, 1985. p. 15.87 pp. 14-1588 Segundo José Van Besselaar, dois desses “cartapácios” merecem atençãoespecial: o Jardim Amoeno (cod. TT774) e o Catálogo das Profecias (cod.BN8627). O primeiro, “deve ter por base uma compilação de profecias, orga-nizada por um certo Pedreanes de Alvelos e dedicado por ele a D. Sebastião nodia 20 de abril de 1636. Mas o copista ampliou a colecção, enriquecendo-a dealgumas alusões à aclamação de D. João IV. ( ... ) O cartapácio transmitequase todas as profecias básicas da seita, se não sem defeitos, ao menos, demaneira satisfatória. O Catálogo das Profecias (...) foi organizado em 1809por pessoa que nos é desconhecida. É uma colecção riquíssima que abrangemais de 475 páginas (...). Este códice também conserva muito material quedata da época de Napoleão”. O SEBASTIANISMO - HISTÓRIA SUMÁRIA . pp. 36-37.89 Apud José Van den Besselaar - O SEBASTIANISMO - HISTÓRIA SUMÁRIA . p. 42

Page 108: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

110

90 Idem Ibidem.91 Apud José Van Den Besselaar. O SEBASTIANISMO - HISTÓRIA SUMÁRIA . p. 43.92 Antonio Cirurgião. “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. p. 227.93 SOBRE PORTUGAL. Introdução ao problema nacional. p. 17794 Cf. José Van den Besselaar. O SEBASTIANISMO - HISTÓRIA SUMÁRIA . p. 50-5195 Cf. Idem Ibidem.96 Idem Ibidem p. 63-64.97 SOBRE PORTUGAL. p. 175.98 p. 177.99 “Estão os profetas e profecias sobre as gentes e sobre os reinos, ou comoastros benignos que influem e prometem felicidades, ou como cometas tristes efunestos, que influem e ameaçam suas ruínas. Levantem pois os reinos e os reisos olhos, olhem para estes sinais do céu, e, se os virem estrelas, esperem; se osvirem cometas, temam.” (PADRE ANTONIO VIEIRA. HISTÓRIA DO FUTURO. (I). In:OBRAS ESCOLHIDAS. Prefácio e notas de Antonio Sergio e Hernâni Cidade. Lisboa:Clássicos Sá da Costa. vol. VIII. 1953, p. 90.100 VIDA E OBRA DE FERNANDO PESSOA. HISTÓRIA DE UMA GERAÇÃO. p.628101 Padre Antonio Vieira. OBRAS ESCOLHIDAS. Vol. VI, p. 66. Apud José Van denBesselaar - O SEBASTIANISMO. HISTÓRIA SUMÁRIA . p. 161.102 António Cirurgião - “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. p. 242.103 O HETEROTEXTO PESSOANO. pp. 83-84.104 “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. p. 246.105 Cf. OLIVEIRA MARQUES, A. H. de - HISTÓRIA DE PORTUGAL. vol. I, p. 316 eDICIONÁRIO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL. Dirigido por Joel Serrão. vol II. p.106 “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEM DE PESSOA. p. 250.107 Antonio Quadros. FERNANDO PESSOA. 2ª. ed. Lisboa: Arcádia. Coleção A Obrae o Homem. p. 321108 A TEORIA DA HISTÓRIA EM PORTUGAL. II. A DINÂMICA DA HISTÓRIA. Advertência,introdução, seleção e notas de Antonio Quadros. Notas biobibliográficas dePinharanda Gomes. Lisboa: Espiral. s/d. p. 74.109 Antonio Quadros. PORTUGAL, RAZÃO E MISTÉRIO. LIVRO I. p. 20.110 pp. 23-27.111 Op. cit. p. 23.112 Sampaio Bruno. O ENCOBERTO. Porto: Livraria Moreira, 1904, p. 285.113 Haquira Osakabe. “Fernando Pessoa e a Tradição do Graal”. In: REMATE DE

MALES. Campinas: 8, 1988, p. 8.114 Dalila L. Pereira da Costa. O ESOTERISMO DE FERNANDO PESSOA. 2ª ed. Porto:

Page 109: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

111

Lello & Irmãos. 1978. pp. 180-181.115 Fernando Pessoa. SOBRE PORTUGAL. pp. 245-246.116 SAUDADE E PROFETISMO EM FERNANDO PESSOA. p. 461

Page 110: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)
Page 111: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

113

BIBLIOGRAFIA

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1 Bibliografia de Fernando Pessoa

PESSOA, Fernando. OBRA POÉTICA. 2ª ed. Organização, introduçãoe notas de Maria Aliete Galhoz. Rio de Janeiro: Aguilar, 1965.

PESSOA, Fernando. OBRAS EM PROSA. 6 reimp. da 1ª ed.Organização, Introdução e Notas de Cleonice Berardinelli. Rio deJaneiro: Nova Aguilar, 1986.

PESSOA, Fernando. SOBRE PORTUGAL. Introdução ao Problemanacional. Recolha de textos: Maria Isabel Rocheta e Maria PaulaMorão. Introdução e organização. Joel Serrão. Lisboa: Atica, 1978.

PESSOA, Fernando. ROSEA CRUZ. Textos em grande parte inéditos,estabelecidos, coordenados e apresentados por Pedro Teixeira daMota. Lisboa, Edições Manuel Lencastre, 1989.

PESSOA, Fernando. MORAL, REGRAS DE VIDA, CONDIÇÕES DEINICIAÇÃO. Textos estabelecidos e comentados por Pedro Teixeirada Mota. Lisboa: Manuel Lencastre. 1988.

PESSOA, Fernando. O GUARDADOR DE REBANHOS E OUTROSPOEMAS. Seleção e Introdução de Massaud Moisés. São Paulo:Cultrix, Edusp, 1988.

PESSOA, Fernando. PÁGINAS DE DOUTRINA ESTÉTICA. 2ª ed.Seleção, Prefácio e Notas de Jorge de Sena. Lisboa: EditorialInquérito.

PESSOA, Fernando. MENSAGEM. Introdução, Notas explicativas ebibliográficas de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Difel, 1986.

PESSOA, Fernando CARTAS A JOÃO GASPAR SIMÕES. Lisboa:Europa-América, 1957.

Page 112: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

114

2 Bibliografia sobre Fernando Pessoa

ALMEIDA, Onésimo Teotonio. MENSAGEM. Uma tentativa dereinterpretação. Angra do Heroísmo: Secretaria Regional deEducação e Cultura. Direcção Regional dos Assuntos Culturais,1987.

ANTUNES, Alfredo. SAUDADE E PROFETISMO EM FERNANDOPESSOA. Elementos para uma Antropologia Filosófica. Braga:Publ. da Universidade de Filosofia, 1983

ANTUNES, Manuel. “O Platonismo de Fernando Pessoa”. In:BROTERIA. Lisboa.

AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. “A linguagem poética deFernando Pessoa”. In: ACTAS DO 1º. CONGRESSOINTERNACIONAL DE ESTUDOS PESSOANOS. Porto: Centrode Estudos Pessoanos e Brasília Editores, 1979.

AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. “A linguagem poética deFernando Pessoa”. In: Suplemento Literário de MINAS GERAIS.no. 11, 17 jun. 78, p. 6.

BARCELLO, José Carlos. “Alguns aspectos de MENSAGEM”. In:Caleidoscópio. Estudos Literários 8. São Gonçalo (RJ): AssociaçãoSalgado de Oliveira Educação e Cultura ASOEC, FaculdadesIntegradas de São Gonçalo. Faculdade de Educação, Ciências eLetras. Departamento de Letras. 1988, pp. 44-51.

BARREIROS, António José. “Fernando Pessoa”.. In HISTÓRIA DALITERATURA PORTUGUESA. 2ª. ed. Braga: Pax, vol II, s/d., p.598-614.

BELCHIOR, Maria de Lourdes. “Fernando Pessoa e Luis de Camões:Heróis e Mitos n´Os Lusíadas e na Mensagem”. In: PERSONA.Porto: Centro de Estudos Pessoanos, 1981, p. 3-8.

BERARDINELLI, Cleonice. “Mensagem”. In: CADERNOS DA PUC.Rio de Janeiro: PUC, no. 1, ago. 1969, Série Letras e Artes.

BERARDINELLI, Cleonice. “Mensagem”. In: REVISTA DE LETRAS.U.F.C. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará. Centro deHumanidades. vol. 9/10. 1985-1986.

BERARDINELLI, Cleonice. “Pessoa e os seus ́ fantasmas´”. In: ACTASDO 1º. CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS

Page 113: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

115

PESSOANOS. Porto: Centro de Estudos Portugueses e BrasíliaEditores, 1979.

CARDOSO, Paulo. MAR PORTUGUEZ E A MENSAGEMASTROLÓGICA DA MENSAGEM. Lisboa: Editorial Estampa,1990.

CARVALHO, Carlos Castro da Silva “Aspectos formais doNacionalismo místico da Mensagem”. In: COLÓQUIO/LETRAS.no. 62, julho 1981, p.26-33.

CENTENO, Yvette K. FERNANDO PESSOA E A FILOSOFIAHERMÉTICA. Fragmentos do Espólio. Lisboa: Presença, 1985.

CENTENO, Yvette K. FERNANDO PESSOA. O AMOR. A MORTE. AINICIAÇÃO. Lisboa: A Regra do Jogo. 1985.

CENTENO, Yvette K. e RECKERT, Stephen. FERNANDO PESSOA.TEMPO. SOLIDÃO. HERMETISMO. Lisboa: Livraria Moraes,1978.

CHANG, Linda S. and ISHIMATSU, Lorie. “The Poet as Celebrant:Epic Ritual in Mensagem. In: ACTAS DO 2º. CONGRESSOINTERANCIONAL DE ESTUDOS PESSOANOS. (Nashville, 31de março de 1983). Porto: Centro de Estudos Pessoanos. InstitutoPortuguês do Livro e Fundação Calouste Gulbenkian. p. 113-131.

CIRURGIÃO, António. “O Infante D. Henrique da Mensagem deFernando Pessoa”. In: Letras & Letras. Porto. Ano V, no. 64, 5 fev.1992, p. 3-4.

CIRURGIÃO, António. “O OLHAR ESFÍNGICO” DA MENSAGEMDE FERNANDO PESSOA. Lisboa: Ministério da Educação,Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. 1990.

COELHO, Antonio Pina. OS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DAOBRA DE FERNANDO PESSOA. Lisboa: Verbo. 2º vol. 1968.

COELHO, Eduardo Prado “Pessoa, Texto, Sujeito”. In: A LETRALITORAL. ENSAIOS SOBRE A LITERATURA E SEU ENSINO.Lisboa; Moares, 1979, pp.169-135.

COELHO, Jacinto do Prado. DIVERSIDADE E UNIDADE EMFERNANDO PESSOA. Lisboa: Verbo, 1980.

COELHO, Jacinto do Prado. “Fernando Pessoa, pensador múltiplo.”In: PESSOA, Fernando PÁGINAS INTIMAS E DE AUTO-

Page 114: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

116

INTERPRETAÇÃO. Lisboa: Verbo. 1966.

COELHO, Jacinto do Prado.“D´Os Lusíadas a Mensagem. In: ACTASDO 1º.CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOSPESSOANOS. Porto: Centro de Estudos Portugueses e BrasiliaEditores, 1979.

COELHO, Jacinto do Prado. “O nacionalismo utópico de FernandoPessoa”. In: A LETRA E O LEITOR. Lisboa: Portugalia, 1969,p.53-57.

COELHO, Jacinto do Prado. “A obsessão temática em FernandoPessoa”. In: ESTRADA LARGA. 1. Porto: Porto Ed. 1958.

COELHO, Jacinto do Prado. “Fernando Pessoa e Teixeira de Pascoaes”.In: A LETRA E O LEITOR. Lisboa: Portugalia, 1969. p.239-270.

COELHO, Jacinto do Prado. “O relativismo criador de FernandoPessoa”. In: PESSOA, Fernando. PÁGINAS INTIMAS E DEAUTO-INTERPRETAÇÃO. Lisboa: Atica, 1966, p. IX-XXXVII.

COELHO, Jacinto do Prado. CAMÕES E PESSOA. POETAS DAUTOPIA. Lisboa: Europa-América. 1985.

COSTA, Dalila Pereira da. O ESOTERISMO DE FERNANDOPESSOA. 2ª. ed. Porto: Lello & Irmão. 1978.

COSTA, Dalila Pereira da. “O mar português”. In: ACTAS DO 1º.CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS PESSOANOS.Porto; Centro de Estudos Pessoanos e Brasilia Editores, 1979.

COSTA, Lígia Militz da. “O Mar, o Céu e outros Hierofanias Cósmicasna Poesia de Fernando Pessoa”. In: Revista de Letras Hoje. RioGrande do Sul: Pontifícia Universidade Católica. 15(1): 125-132,mar. 1982.

DUARTE, Osvaldo Cupertino. Persuasão à Beira Mágoa. (Breveestudo do discurso persuasivo na Mensagem de Fernando Pessoa).Monografia policopiada do Curso de Pós-Graduação Mestrado.Assis: Faculdade de Ciências e Letras, 1991.

EMINESCU, Roxana. “Incursão no Eixo Semântico VER/OUVIR daMENSAGEM pessoana”. In: ACTAS DO 1º. CONGRESSOINTERNACIONAL DE ESTUDOS PESSOANOS. Porto; Centrode Estudos Pessoanos e Brasilia Editores, 1979.

Page 115: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

117

FERREIRA, Vera Maria de Mattos. “Pessoa na Luz de Cristo”. In:CALEIDOSCÓPIO. Estudos Literários 8. São Gonçalo (RJ):Associação Salgado de Oliveira Educação e Cultura. ASOEC.Faculdades Integradas de São Gonçalo. Faculdade de Educação,Ciências e Letras. Dep. de Letras. 1988. p.15-30.

GALHOZ, Maria Aliete. “Fernando Pessoa, encontro de Poesia.” In:PESSOA, Fernando OBRA POÉTICA. 2ª. ed. Rio de Janeiro:Aguilar, 1965, p.

GARCEZ, Maria Helena Nery. TRILHAS EM FERNANDO PESSOAE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO. São Paulo: Moraes. EDUSP, 1989.

GARCEZ, Maria Helena Nery. “MENSAGEM: Profissão de FéPoética”. In: ANAIS DO XV ENCONTRO DE PROFESSORESUNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS DE LITERATURAPORTUGUESA e IV SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS.São Paulo: Editora Arte & Cultura: Assis, FCL UNESP 1994. 1ºvol. p. 45-55.

GUNTERT, Georges. FERNANDO PESSOA, O EU ESTRANHO.Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982.

GUYER, Leland Robert. IMAGÍSTICA DO ESPAÇO FECHADO NAPOESIA DE FERNANDO PESSOA. Tradução de Ana Hatherly.Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda/Centro de EstudosPessoanos. 1979. (Temas Portugueses)

HESS, Rainer. “As metáforas cênicas na obra de Fernando Pessoa”. In:OCCIDENTE. Revista Portuguesa Mensal. Lisboa: no. 321, vol.LXVIII, 1965, pp. 10-24.

IGLÉSIAS, Francisco. “Pensamento Político de Fernando Pessoa”. In:HISTÓRIA E IDEOLOGIA. São Paulo: Perspectiva, 1971, p.235-298.

JAKOBSON, Roman. “Os oxímoros dialéticos de Fernando Pessoa”.In: LINGUÍSTICA. POÉTICA. CINEMA. Tradução de Haroldo deCampos, Cláudia Guimarães de Lemos, Francisco Hachcar, J.Guinsburg e George Bernard Sperber. São Paulo: Perspectiva, 1970,pp.93-118.

JAKOBSON, Roman e PICCHIO, Luciana Stegagno. “Les oxymoresdialectiques de Fernando Pessoa”. In: LANGAGE LINGUISTIQUE

Page 116: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

118

ET LITTÉRATURE. Paris: Seuil, no. 12, Dez. 1968, p. 9-27.

KUJAWSKI, Gilberto de Melo. FERNANDO PESSOA, O OUTRO.São Paulo: Centro Estadual de Cultura, 1967.

LANCASTRE, Maria José de. FERNANDO PESSOA, UMAFOTOBIOGRAFIA. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.Centro de Estudos Pessoanos, 1981.

LIND, Georg Rudolf. TEORIA POÉTICA DE FERNANDO PESSOA.Porto: Inova, 1970 (Coleção Civilização Portuguesa 8)

LIND, Georg Rudolf .“Elementos ocultistas na poesia de FernandoPessoa.” In: COLÓQUIO. Revista de Artes e Letras. Lisboa:Neogravura. nº 37, fev 1966, p. 60 a 63.

LOPES, Oscar e SARAIVA, A. José. HISTÓRIA DA LITERATURAPORTUGUESA. 12ª ed. Porto: Porto Editora, 1983.

LOPES, Tereza Rita (coor.) PESSOA INEDITO. Lisboa: LivrosHorizonte, 1993.

LOURENÇO, António Apolinário. “Mar Português: Aventura eIniciação”. In: COLÓQUIO/LETRAS. Lisboa: nº 113/114, jan-abr.1990, p. 126-136.

LOURENÇO, Eduardo. PESSOA REVISITADO LEITURAESTRUTURANTE DO DRAMA EM GENTE. Porto: Inova, 1973.

MENDONÇA, Fernando. “Simulacro da Organização Poemática de´O Encoberto´. In: REVISTA DE CULTURA VOZES. Petrópolis:Vozes. ano 68. vol LXVIII, mai. 1974, nº 4, p. 17-20

MENDONÇA, Fernando. “Os Lusíadas e Mensagem”. In: ANAIS DOVI CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGUA E LITERATURA.Rio de Janeiro: Edições Gernasa.

MOISÉS, Carlos Felipe. “Fernando Pessoa: Sonho e Realidade”. In:PERSONA. Porto: Centro de Estudos Pessoanos. nº 3, 1979, p.61-68.

MOISÉS, Leyla Perrone. FERNANDO PESSOA AQUÉM DO EUALÉM DO OUTRO. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

MONGELLI, Lênia Márcia de Medeiros. “Mensagem: o nacionalismo

Page 117: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

119

crítico”. In: Suplemento Literário de O ESTADO DE SÃO PAULO.21/5/78, ano II, nº 82, p. 4-5.

MONTEIRO, Adolfo Casais. “Dedução Biográfica e Verdade Poéticaa propósito de Fernando Pessoa.” In: ESTRADA LARGA. I. Porto:Porto Ed. 1958. p. 172-177.

MONTEIRO, Adolfo Casais. “Fernando Pessoa, entre o Passado e oPresente.” In: ESTRADA LARGA. I. Porto: Porto Ed., 1958, p. 183-186.

OSAKABE, Akira. “Fernando Pessoa e a Tradição do Graal.” In:REMATE DE MALES. Campinas: (8) 95-103, 1988.

PADRÃO, Maria da Glória A METÁFORA EM FERNANDOPESSOA. Porto: Inova, 1973.

PADRÃO, Maria da Glória. “Pessoa e o Quinto Império”. In;PERSONA, 9. Porto: Centro de Estudos Pessoanos, 1983.

PIRES, Antonio Manuel Machado. “Os Lusíadas de Camões e aMensagem de Pessoa. In: PERSONA. Porto: Centro de EstudosPessoanos. nº 4, jan. 1981. p. 43-51

QUADROS, António. FERNANDO PESSOA, 2ª ed. Lisboa: Arcádia.1968 (Coleção “A Obra e o Homem”)

QUADROS, António. PORTUGAL RAZÃO E MISTÉRIO. LIVRO I.Uma Arqueologia da Tradição Portuguesa. Lisboa: GuimarãesEditores, 1986.

QUADROS, Antonio. PORTUGAL RAZÃO E MISTÉRIO. LIVRO II.O Projecto Áureo ou o Império do Espírito Santo. Lisboa:Guimarães Editores, 1987.

QUESADO, José Clécio Basilio. O CONSTELADO FERNANDOPESSOA. Rio de Janeiro: 1976.

RAMALHO, Américo da Costa. “O Globo mundo em sua mão.” In:COLÓQUIO/LETRAS. Lisboa: nº 17, fev. 1962, p. 60-62.

ROIG, Adrien. “Mensagem: Heraldique et Poesie”. In: HOMENAGEMA EDUARDO LOURENÇO. Organização das Secções dePortuguês e Espanhol da Universidade de Nice. Lisboa: MEC.ICALP. Nice: Universidade de Nice, 1922, p. 13-37.

Page 118: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

120

SACRAMENTO, Mário. FERNANDO PESSOA, POETA DA HORAABSURDA. 2ª ed. Porto: Inova, 1970/

SARAIVA, António José e LOPES, Oscar. “Fernando Pessoa”. In:HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA. 12ª ed. Porto: PortoEditora, s/d.

SCHERNER, Leopoldo. “Mensagem e Numerologia”. In: O Estado doParaná. Curitiba: 22 mai 1988, p. 11-13.

SEABRA, José Augusto. FERNANDO PESSOA OU OPOETODRAMA. São Paulo: Perspectiva, 1974.

SEABRA, José Augusto. O HETEROTEXTO PESSOANO. São Paulo:Perspectiva. Editora da USP. 1988 (Debates, 204).

SERRÃO, Joel. “Notas sobre a experiência do tédio na vida e na poesiade Fernando pessoa.” In: TEMAS DE CULTURA PORTUGUESA.II . Lisboa: Portugalia, 1965.

SILVA, Agostinho F. UM FERNANDO PESSOA. Porto Alegre: Globo,1959.

SIMÕES, João Gaspar. HETEROPSICOGRAFIA DE FERNANDOPESSOA. Porto: Inova, 1973.

SIMÕES, João Gaspar. VIDA E OBRA DE FERNANDO PESSOA.HISTÓRIA DE UMA GERAÇÃO. Lisboa: Bertrand, 1950.

SIMÕES, João Gaspar. “Fernando Pessoa e o mito do Quinto Império”.In: VÉRTICE. Coimbra: (79): 139-152, 1950.

3 Bibliografia Geral

ALMEIDA, Fortunato de. CURSO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL. 9ªed. Coimbra, 1933.

ALMEIDA, Fortunato de. HISTÓRIA DE PORTUGAL. TOMO I. Desdeos tempos prehistóricos até à aclamação de D. João I. (1385).Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.

AMEAL, João. HISTÓRIA DE PORTUGAL. DAS ORIGENS ATÉ 1940.Porto: Tavares Martins, 1949.

ARISTÓTELES. ARTE RETÓRICA E ARTE POÉTICA. Tradução deAntonio Pinto de Carvalho. Introdução e Notas por Jean Voilquime Jean Capelle. Estudo introdutivo por Goffredo Teles Júnior. Riode Janeiro: Technoprint, s/d.

Page 119: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

121

AS CRONICAS DE FERNÃO LOPES. Selecionadas e transpostas emportuguês moderno por Antonio José Saraiva. 2ª. ed. Lisboa:Portugália, 1969.

AZEVEDO, J. Lúcio. A EVOLUÇÃO DO SEBASTIANISMO. 2ª ed.Lisboa: Livraria Clássica, 1947.

BESSELAAR, José Van den. O SEBASTIANISMO. HISTÓRIASUMÁRIA. Lisboa: MEC. ICALP. 1987 (Biblioteca Breve. SérieHistórica)

BLACK, Max. MODELOS Y METÁFORAS. Traducción por VictorSanchez de Zavalla. Madrid: Editorial Tecnos, 1966.

BLOOM, Harold . CABALA E CRÍTICA. Tradução de MoniqueBalbuena. Apresentação de Monique Balbuena e ArthurNestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

BOSI, Alfredo. O SER E O TEMPO NA POESIA. São Paulo: Cultrix,1977.

BURGUIÈRE, André. “O refúgio de D. Sebastião é a alma portuguesa”.In: JORNAL DE LETRAS, ARTES e IDÉIAS. Lisboa: Ano XII,no. 547, de 29 de Dez. a 04 Jan. 1993, p. 15.

CAMINADE, Pierre. IMAGE ET MÉTAPHORE. Nancy: Bordas. 1970.

CHEVALLIER, Jean e GHEERBRANDT, Alain. DICIONÁRIO DESÍMBOLOS. 5ª. ed. Coordenação de Carlos Sussekind; traduçãode Vera da Costa e Silva et alii. Rio de Janeiro: José Olympio,1991.

CIDADE, Hernâni. PORTUGAL HISTÓRICO-CULTURAL. 2ª. ed. ref.e ampl. Lisboa: Arcádia, 1968.

COELHO, Eduardo Prado. “Pessoa, Texto, Sujeito”. In: A LETRALITORAL. Ensaios sobre a literatura e seu ensino. Lisboa: Moraes,1979. pp. 109-135

COELHO, Jacinto do Prado. (dir.) DICIONÁRIO DAS LITERATURASPORTUGUESA, BRASILEIRA E GALEGA. Porto: Figueirinhas,1965.

COHEN, Jean et alii. PESQUISAS DE RETÓRICA. Petrópolis: Vozes,1975.

DICIONÁRIO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL. Direcção de JoelSerrão. Porto: Figueirinhas. vol II.

Page 120: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

122

DOMINGUES, Mário. D. SEBASTIÃO, O HOMEM E A SUA OBRA.Evocação Histórica. Lisboa: Livraria Romano Torres, 1963.

D´ONOFRIO, Salvatore. “Concepção retórica e concepção semânticada metáfora”. In: ALFA. São Paulo; EDUNESP, 24: 149-56, 1980.

DUBOIS, J. et alii. RETÓRICA GERAL. Tradução de Carlos FelipeMoisés, Duílio Colombini e Elenir de Barros. Coordenação erevisão geral da tradução de Massaud Moisés. São Paulo: Cultrix.Edusp, 1974.

ELIADE, Mircea. MITO E REALIDADE. Tradução de Pola Civelli.São Paulo: Perspectiva, 1972.

ELIADE, Mircea. IMAGENS E SÍMBOLOS. Ensaios sobre osimbolismo mágico-religioso. Tradução de Sonia Cristina Tamer.Prefácio de Georges Dumézil. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

FONSECA, A. Monteiro. (ed.) SOBRE O SEBASTIANISMO. UMCURIOSO DOCUMENTO DO COMEÇO DO SÉCULO XVIII.Coimbra: Coimbra Ed., 1959.

FONTANIER, Pierre. LES FIGURES DU DISCOURS. Paris:Flammarion, 1968.

FRIEDRICH, Hugo. ESTRUTURA DA LÍRICA MODERNA (da metadedo século XIX e meados do século XX). Tradução de Marise M.Carioni; tradução das poesias por Dora F. da Silva. São Paulo:Duas Cidades. 1978.

GRAMMONT, Maurice. “La Phonétique Impressive”. In: TRAITÉ DEPHONETIQUE. Paris: Librairie Delagrave, 1933.

JAKOBSON, Roman. LINGUÍSTICA E COMUNICAÇÃO. Traduçãode Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. Pref. de Izidoro Blikstein.7ª ed. São Paulo: Cultrix, 1974.

KAYSER, Wolfgang. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DA OBRALITERÁRIA. (Introdução à Ciência da Literatura) 2ª. ed.portuguesa totalmente revista pela 4. alemã por Paulo Quintela.Coimbra: Ammenio-Amado; vol I e II. 1958.

KONRAD, Hedwig. ÉTUDE SUR LA MÉTAPHORE. Préface de RenéPoirier. Deuxiéme édition. Paris: Livrairie Philoaophique J. Vrin,1958.

Page 121: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

123

LANGHANS, F. P. de Almeida. HERÁLDICA, CIÊNCIA DE TEMASVIVOS. Lisboa: Gabinete de Heráldica Corporativa. Vol. II. 1966.

LEFEBVRE, Maurice-Jean. ESTRUTURA DO DISCURSO DAPOESIA E DA NARRATIVA. Coimbra: Almedina. 1975.

LIND, Georg Rudolf. TEORIA POÉTICA DE FERNANDO PESSOA.Porto: Inova, 1970.

LOURENÇO, Eduardo. PESSOA REVISITADO. LEITURAESTRUTURANTE DO DRAMA EM GENTE. Porto: Invoa, 1974.

MAROUZEAU, J. PRÉCIS DE STYLISTIQUE FRANÇAISE. Paris:Masson et Cie. 1969.

MASSA, Jean Michel e MACIEL, C. A. Antunes. “L´Edition des Trovasde Bandarra. In: LA BRETAGNE, LE PORTUGAL, LE BRÉSIL.ÉCHANGES ET RAPPORTS. Actes du Cinquantenaire de lacreátion em Bretagne de l´enseignement du porugais. Universitéde haute Bretagne. Université de Bretagne Occidentale. Universitéde nantes. Paria. Presses du Palais Royal, 1977, pp. 39-115.

MELO E CASTRO, E. M. de. O PRÓPRIO POÉTICO. (Ensaios derevisão da poesia portuguesa atual). São Paulo: Quíron, 1973.

MOISÉS, Massaud. A LITERATURA PORTUGUESA. 16ª ed. SãoPaulo: Cultrix, 1980.

MOISÉS, Massaud. A ANÁLISE LITERÁRIA. 5ª ed. São Paulo: Cultrix,1977.

MOISÉS, Massaud. DICIONÁRIO DE TERMOS LITERÁRIOS. SãoPaulo: Cultrix, 1979.

MOISÉS, Massaud. A CRIAÇÃO LITERÁRIA. Introdução àProblemática da Literatura. 8ª. ed. São Paulo: Melhoramentos. s/d.

MORIER, Henri. DICTIONNAIRE DE POÉTIQUE ET DERHÉTORIQUE. Paris: Presses Universitaires de France, 1961.

O UNIVERSO DOS NÚMEROS. Coordenação e supervisão de CharlesVega Parucker, Grande Mestre. 5ª ed. em Língua Portuguesa.Traduzido, composto, impresso e revisado na Grande Loja doBrasil. Curitiba: Ordem Rosacruz. AMORC, 1990.

OLIVEIRA MARQUES, A. H. HISTÓRIA DE PORTUGAL. Desde osTempos mais Antigos até o Governo do Senhor Marcelo Caetano.5ª ed. Lisboa: Palas, vol. I e II.

Page 122: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

124

OLIVEIRA MARTINS, A. M. de. HISTÓRIA DE PORTUGAL. 12ªed. Lisboa: Parceria Antonio M. Pereira Livraria Ed., Tomos I e II,1942.

QUADROS, António. A TEORIA DA HISTÓRIA EM PORTUGAL. Ivol. Notas bibliográficas de Pinharanda Gomes. Lisboa: Espiral,1967.

QUADROS, António. A TEORIA DA HISTÓRIA EM PORTUGAL. IIvol. Notas bibliográficas de Pinharanda Gomes. Lisboa: Espiral,1968.

QUADROS, António. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA HISTÓRIA.Lisboa: Verbo, 1982.

ROSA, Antonio Ramos. “A metáfora e o pretensionismo realista”.Jornal de Letras, Artes e Idéias. Lisboa. Ano XII, no. 546, de 22 a28/dez/1992. p. 15.

ROSENFELD, Anatol. “A teoria dos gêneros”. In: O TEATRO ÉPICO.São Paulo: Perspectiva. 1986.

SERRÃO, Joel. CRONOLOGIA GERAL DA HISTÓRIA DEPORTUGAL. 2ª ed. Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1973.

SILVA, Anazildo Vasconcelos da. SEMIOTIZAÇÃO LITERÁRIA DODISCURSO. Rio de Janeiro: Elo, 1984.

STAIGER, Emil. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA POÉTICA.Tradução de Celeste Aída Galeão. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 1972.

TRINGALI, Dante. INTRODUÇÃO À RETÓRICA (A Retórica comoCrítica literária) São Paulo: Duas Cidades, 1988.

Vários HISTÓRIA DE PORTUGAL. Edição Comemorativa do 8ºCentenário da Fundação da Nacionalidade. Profusamente Ilustradae Colaborada pelos mais eminentes historiadores e artistasportugueses. Direcção Literária de Damião Peres. DirecçãoArtística de Eleutério Cerdeira. Barcelos: Portucalense,MCMXXVIII, vol. I.

TODOROV, Tzvetan. OS GÊNEROS DO DISCURSO. São Paulo:Martins Fontes, 1980.

Page 123: fernando_pessoa_-_mensagem_história,_mito,_metáfora_(00597)_(literatura_portuguesa)

125

Mensagem é um poema danacionalidade portuguesa, emcuja estruturação podem-seconstatar duas esferas ou realida-des: a sensorial ou terrena e aespiritual ou supra-real. Aprimeira caracteriza-se pelafactualidade e a segunda pelasabstrações gradativas do Poeta,que parte do real histórico doimpério português para a esferado mito, da alegoria e dosímbolo, exaltando sobretudo oque transcende o mundo sensí-vel: a quimera, o sonho, a febrede além, a crença no advento deD. Sebastião, o Cristo português,para a redenção do país.

Toda a obra é a exaltação desseprojeto áureo plausível derealizar-se enquanto Ser dapátria. Coube a Fernando Pessoanão apenas constatar a perda daalma, mas traduzir a expressãocoletiva nacional, baseada natradicional crença do Encoberto.

Mensagem é a busca desseprojeto áureo interrompido, mascifrado nos sinais e nos símbolosque dele subsistem desde aformação da nacionalidade.