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DÁ§Eà,BOTICô-';. i:. ,

Actas: I Colóquio Luso-Espanhol. Il Colóquio Luso-Brasileiro

de SemióticaColecção : Vega UniversidadeAutores: YáriosOVega e Associação Portuguesa de Semiótica

Direitos reservados em língua porluguesopor Vega, LimitadaRua João Saraiva, 36, 3.'1700 LISBOA - Telef. 809579

Sem autorização expressa do editor, não é permi-lida a reproduçõo parcial ou total desta obradesde que tal reprodução não decorra das fínalídades específicas da divulgação e da crítica.

Eátor.' Assírio BacelarCapa: Ltis Pinto e Panchita

com base num Poster do pintor Francisco Laranjosiç@ q -Mqnrggem:NêIo i'GaÜ: ilê Fotocomposição. Lda.

I.ütpipq@\g;,,ass\E&eratq+',.,:, \ I ,r,! i:x.ui.*tlEu,en!ç:f;,},lr*ir+,- 1 i irelef , $3plpr; 9á6qqsrARR EJ^.

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A SEMIOSIS NO CONTOíí{ORGADO'(BrcHos, MIGUEL TORGA)

Henrique Barroso Eeí*a*Universidade do Minho

RESUMO

Partindo do pressuposto de que "o semema é um texto virtual e o textoé a expansão de um semema" (Umberto Eco), vamos tentar mostrar, atravésde um percurso semiótico, como os sememas Morgado e almocreve (as duaspersonagens principais do conto), polissémicos - daí o discurso/texto -orquestram o tema e conferem coesão a toda esta narrativa discursiva.

Umberto Eco, na pág1na 96 do seu Conceito de Texto (traduçã.o),fazaseguinte afirmação: "Uma boa represmtação enciclopédica, potencialmenteinJinita, jd é um lexto in nvce, um texto incoativo, um texto pronto poraexpandir-se. Um texto nada mais é que aquele mecanismo que prescrevequais propriedades, na representação enciclopédica dos termos que o com-põem, devem ser narcotizados e quais devem ser enfatizados, de modo a sepoderem dar amálgamas e, assim, estabelecer níveis de sentido ou isotopiasno interior do texto. A maneira pela qual o texto estabelece quais as pro-priedades que devem ser abandonadas e quais as propriedades que, aocontrário, devem ser consideradas, não f.az parte da representação semân-tica dos termos, mas de algumas estratégias pelas quais o texto prescreve otema do próprio texto, ou topic, e o conjunto de pressuposições pretextuaise intertextuais que vão entrar emjogo e postas em função, a Íim de que esta

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operação de narcotização e de enfatizaSo dos semas seja possível e a coe-rência textuâl seja estabelecida na amâlgama dos semas escolhidos e torna-dos pertinentes".

Começámos esta comunicação com uma citagão que nos remete para otipo de análise que fizemos do conto Morgado. De facto, os sememas Mor-gado e almocreve (as duas personagens principais do conto) são textospotenciais, textos incoativos, textos em gxpansão, exactamente porque pos-suem uma (boa) representação enciclopédica, que não vamos conqiderar jáde seguida, mas que será tida em atenção ao longo deste estudo e, sobre-tudo, porque permitiu a facluro, isto é, a expressão deste discurso.

Este nosso percurso semiótico consta,,de três (3) etapas, a-vaber:/6^ I ))-'*' 1'I. Levantamento dos feixes deproposições básicas que cons-tituem, por assim dizer, á- ó§41qíiu=do àir"u.ro;

II. Determinação das principais isotopias;il. A semiosis desta narrativa discursiva.

/ . t''r ,' '.' L'r'---» , &C Q,Pr l

As duas primeiras etapas pretendem mostrar a selecção que o texto fezdas propriedades pertinentes ou enfatizadas, em detrimento das não perti-nentes, estabelecendo as isotopias no interior do texto; e, ainda, os dispositi-vos textuais pelos quais o texto orquestra o tema ou topic e, juntamente compressuposições pretextuais e intertextuais, conferem coesão textual aomesmo.

A última etapa mostra um resultado, um produto, ou um ponto dechegada cujo ponto de partida são as duas primeiras etapas. Noutrostermos: as duas primeiras etapas, partindo das expressões ov representa-mina, constituem os interpretantes (em termos de filosoÍia peirciana) e inter-pretantes de interpretantes que nos permitem chegar ao objecto imediato: asemiose desta narrativa. Deste modo, estaremos aptos para agir sobre oobjecto dinômico ou continuurz (Hjelmslev) que é, afinal de contas, o pró-prio mundo da realidade.

I. A partir do conto Morgado, conseguimos determinar, a nível dasestruíuras narrativas, os seguintes feixes de proposições básicas ou macro-proposições centrados nas personagens principais:

l. Macroproposição de natureza transformotiva intencional comMorgado como protagonisto, desejando alcançar a felicidade.

Morgado pertence a Preguiças, um moleiro que não lhefaza vida fácil.Vive infeliz em casa de Preguiças, sobretudo porque come mal e recebemaus tratos. Verificamos, depois, que o moleiro quer vender o Morgado eeste deseja ser vendido (para alcançar a felicidade). O moleiro vende o

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Morgado a um almocreve que é o actual patrão; todavia, Morgado sóalcança a felicidade parcialmente: nos primeiros dias é bem tratado, mas eisque de repente o almocreve, o seu patrío, "lhe recusara as festas destamaneira:

- Deixa-te ld de brincadeiras e enclrc-me esse bandulho, que amanhãde madrugada, nem que chovam picaretas..."

Tomamos conhecimento desta macroproposição através de umaanalepse.

2. Macroproposição de natureza transformativa intencional comMorgado como prolqgonista, prelendmdo ser tratado como gente e, conse-quentemente, alcançar a felicidade (porque não a alcançara).

Verificamos, nesta macroproposição, que Morgado pertence ao almo-creve, o seu patrão, e que este não lhe f.azavida fácil. Recebe maus tratos.Morgado deseja ser tratado com boas palavras ("A gente também vive deboas palavras"(49». Não há nenhuma transformação no sentido de alcançara felicidade. Há, sim, uma transformação para pior: o almocreve empreendeuma viagem que Morgado não vê com bons olhos. Então, emyez de alcan-çar a felicidade, Morgado atinge uma situação trágica: é comido peloslobos.

3. Macroproposição de nalureza transÍormaliva intencional comMorgado como personagem principal, pressentindo a morte e querendosalvar a vida.

Morgado encontra-se em casa do almocreve. Há uma causa que fazgerar esta macroproposição transformativa: Morgado viaja de madrugada.Morgado ouve uivos. Morgado pensa salvar a vida. Há uma ajuda (almo-creve), mas é involuntária, porque ele pretende salvar-se a si próprio. Hávários oponentes: Morgado é atacado pelos lobos; viagem longa; Morgadocaminha de noite; viagem no inverno; silêncio enigmático de ambos (almo-creve e Morgado caminham calados) e Morgado sente-se cansado. Nãoatinge uma situação 2 (.a salvação), mas, sim, uma situação 3t (trágica:morre abandonado pelo seu patrão).

Verificamos que, desde o primeiro momento, Morgado pressente a suamorte. E nós, leitores desta narrativa, apercebemo-nos disso porque há todauma série de signos premonitórios.

4. Macroproposição de nalureza lransformativa intencionol comalmocreve como personagem principal, pretendendo salvar a vida e os bensmateriais.

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O almocreve anuncia uma longa viagem. Morgado pressente algo.Almocreve, já em plena viagem e no coração da noite, ouve uivos e pensaregressar a casa. Para isso, descarrega Morgado e monta-o, cavalgandodesatinadamente. Almocreve atinge esta situação, porque é ajudado porMorgado. Há, todavia, um oponente que é a velhice de Morgado. Mas,apesar de tudo, e apesar de toda a desumanidade, o almocreve conseguesalvar a vida e os bens materiais ("salvar a vida com a vida dele"; "Sóquando viu o dono a caminhar pela seria fora de albarda às costas..." (58).

5. Macroproposiçõo de natureza sucessiva com Morgado como per-sonqgem principal, mostrando a proveniência e o fim de Morgado.

Morgado pertence a Preguiças. É vendido. Um almocreve compra-o e,de início, faz-lhe a vida fácil. A certa altura, o patrão (o almocreve) dizJheque têm que fazer uma viagem longa. Morgado vê nessa viagem um agoiro.Para corroborar este pressentimento terrível, em plena viagem, Morgadoouve uivos. Todavia, pensa que está ali o seu patrão para o salvar. Morgadofica só: é abandonado pelo seu patrão. Morgado é apanhado pelos lobos.Morgado é comido por estes ("... e sentiu os dentes do primeiro lobo crava-dos no pescoço,,," (58).

6. Macroproposição de naturezo argumentativa: fdbula com Mor-gado e almocreve como personqgens exemplificativas: o medo e a ganônciatransÍormam o homem em animal.

- Se o homem for ganancioso, torna-se animal;

- Se o homem não for ganancioso, não se torna animal;

- O almocreve é ganancioso, por isso se torna animal;

- Se quisermos ser homens, não devemos ser gananciosos.Esta macroproposição argumentativa foi construída com base no

seguinte extracto discursivo:

- "Minhas ricas dezassete librqs... A estas digo-lhes adeus... Mas ape-nas, o almocreve desmontou, e num relâmpago lhe tirou os aparelhos,(ganância) acabou por compreender que o iq abandonar ali, esfalfado,coberto de suor, indefeso, à fome do inimigo. Salvava a vida com a vidadele... E lamentava as suqs dezassete librqs! (ganância).

E, afinal, a manhã vinha a romper!... Só quando yiu o dono caminharpela serra fora de albarda às costas (ganância que o torna animal) - não seenvergonharl (intromissão do narrador, a nível do discurso, para nos situarno mundo possível e construir o seu leitor modelo) - e sentiu os dentes doprimeiro lobo cravados no pesçoço, é que reparou que a luz do dia come-çava a desenhar as coisas e ffignt/icação a tudo" (58).

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Destas seis macroproposições, há uma (a número 6) que pode ser consi-derada como a macroproposição das macroproposições, ort arquimacropro-posição, porque é, através dela, que chegamos mais directamente à semiosedeste texto. Podemos chamar-lhe a macroproposição primdna. As restantessão secunddrl'as, porque estão em função daquela primeira.

Isto é o que se passa a nível das estruturas nqrrativas.

II. Passemos agora ao nível das estruturas discursivas e tentemosescolher as isotopias que nos levam à individualização do topic, pelo pro-cesso da magnificação e narcotização de propriedades.

Greimas define isotopia como "a redundância de classemas na mesmamanifestação textual". Partindo deste pressuposto, vejamos quais as isoto-pias que podemos escolher neste texto:

FelicidadeVidaAlegriaClaridadeFomeGanância

InfelicidadeMorteTristezaEscuridãoFarturaDignidade

v§v§vsvsYJy§

Estas isotopias desenvolvem-se, regra geral, ou por repetição sinoní-mica ou tautológica e por associação de ideias conforme se depreende dosexemplos que se seguem:

a. Felicidade:

"Mas logo que viu contor as dezassete moedas..." (50); "quando viuocontrato fechado" (5 I); "uma manta a resguardd-lo dum resfriado" (51);"cantou aleluias 1t1" (50); "sentiu-se redimido" (51); "tão feliz" (5i,).

b. Infelicidade:

"Com cara de poucos amigos" (49); "meteu a viola no saco" (49);"andava de coraçõo apertado" (49); "aqueles modos do dono alé porece queendureciam o feno" (49); "vida negra" (51); "a ceia correra mql... e os bonsdiasforam este consolo, pouco mqis ou menos: Vamos ld! Vamos ld, que sãoseis léguas de serra" (51).

c. Vida:

"agora pusera-se a petiscor lume num seixo com a folho de aço danavalha" (55); "... preÍenderia o palrão tentar a fuga? Nem mais" (56);

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,,depois de o aliviar da carga, o dono safuara-lhe para cima, dera-lhe meiavolta e metera-se a toda a brida a caminho de casa" (56); 'Ah, o patrão nãoter um trabuco dos tais!" (57); "Aguenta, Morgado! Não esmoreças, peloamor de quem fui tens!" (57); " salvava a vida com a vida dele" (58),'(Repare--se que a própria aliteração em v sugere a ideia de vida).

d. Morte:

"de maneira que recebeu o carga apeteado, minho a

malucar no pior" (51); '.., Nunca lhe acontecera, c os cincosentidos num alarme constante" (52); "Morgado o corpo

primeiro lobo cravados no pescoço" (58)'Estes recortes textuais, um pouco extensos, exemplificam bem, através

de semas aparentados, a isotopia da morle'

e. Alegrio:

"Mas logo que o ouviu contsr as dezsssete moedas e pegar'lhe àqrreata, cantãu aleluias" (50); '.., parecia-lhe que tinha asas de táo feliz"(51); ,,Mas, bem comido e bebido, um homem trabàlha com alegria" (51).

f. Tristeza:

"Vida negra' (5 I); "Mas o inverno corria daquela maneira: ou nevões

de caiar a alma de tristeza, ou enlão um tempo assim, ftio, húmido, corladopor lania" çncher a alma de esPe-

rsnç 62); ' ância da ceia' o acordarsobr umas coroar tudo, o sikncioenigmdtico e desacostumado do dono..-" (54)'

g. Fome:

" Comida - carqueja, palha cevada estreme, e sQ lá de tempos a temposuma pitada de grão" (50-51).

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h. Fartura:

"À chegada... milhão branco e graúdo na manjedoura" (51); "bemcomido e bebido..." (54). :

Esta bipolaridade isotópica, pouco relevante Íta estrutura do conto,lraduz, todavia, a diferença de alimentação em casa do Preguiças e em casado actual patrão. Podemos dizer que uma boa alimehtação é já uma condi-ção de felicidade.

i. Claridade:

"... diqs..." (50); "... luz da manhl' (52); "... o sol alumiasse" (52); "e,afinal, a manhã vinha a romper!... Só quando viu... é que reparou que a luzdo dia começava a desenhar as coisas" (58).

j. Escuridão:

"noite" (52); "noite" (53); "noite" (55); "escuriflão" (52); "escuridão"(55); "negrura" (53); "Ah, mas sabe Deus onde virlha ainda o diq!" (55);"negrura cerrada" (53); "... coração da noite" (55);'e manhã sem romper!"(57); "... e nem ao menos um sinal de alvorecer" (57).

Esta bipolaridade isotópica ajuda a corroborar as isotopias de vida(claridade) e morte (escuridão) que perpassam todo o texto.

k. Ganância:

"Deixq-te ld de brincadeiras e enclrc-me esse bandulho, que amanhã demodrugada, nem que chovam picaretas..." (49); "Nõo é estampa para tontodinheiro" (50); "Deixe o garrano por dezqsseis eid é caro comofogo..," (50);"Voct quer que lho carregue de oiro!" (50); '... e num relômpago lhe ,irou osaparellws..." (58); "... e viu o dono a caminhar pela serrafora de albarda àscostas..." (58).

l. Dignidade:

" Meteu a viola no saco" (49); " Em todo o coso n:ão pensasse o amo quese negava. Não. Galopava à sobreposse, e assim havia de continuar alérebentar os peitos. Se discordava da resolução, é porque estavo convencidode que nada se resolvia com panos quentes" (56); "quem dá o que tem..."(s8).

Esta última bipolaridade isotópica é a mais importante de todas,porque é ela a principal portadora do topic ou tetna deste texto.

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Vejamos agora alguns dispositivos textuais que relevam e revelam asbipolaridades isotópicas atrás estudadas e que conferem coesão textual aoconto. São eles:

A marcaçãoA conotaçãoPressuposições pretextuais e inrertextuais.

l. Estratégias de marcação:

- São marcados por repetição os semas de felicidade/infelicidade,morte / vida, tristeza/ alegria, claridade / escuridão, dignidade f ganància,como pode ver-se pela escolha das isotopias;

- São marcados por simbolismo a ganànaa do almocreve e a digni-dade de Morgado;

- São marcados poÍ conlrasre os comportamentos do almocreve(ganancioso) e de Morgado (humilde e cumpridor dos seus deveres);

- A semiose do conto está marcada posicionalmente: os semas deganância marcados no princípio e no Íim do conto. Vejamos: "À ceia, opatrão, com cora de poucos amigos, recusara-lhe as Íestas desta maneira:

- Deixa-te ld de brincadeiras e enche-me esse bandulho, que amanhãde madrugada, nem que chovam picaretas... (começo do conto)... §dquondo viu o dono a caminhar pela serrafora de albarda às costas - não seenvergonharl..." (fim do conto);

- A personagem principal é marcada por título: Morgado é o titulodo conto. Morgado era o nome dado ao Íilho primogénito, herdeiro dosbens da família. Daí o significado de'uma pessoa estimada por todos'e'pessoa de vida fácil e agradáxel'.É, precisamente o contrário desta narrativadiscursiva: foi por antífrase que o nome lhe foi atribuído.

2. A conotação:

Alguns sememas deste conto, para além do seu significado denotativo(que não importa agora considerar), veiculam informações sobre a mundivi-dência do narrador - o mundo no qual nos devemos movimentar: o mundodos gananciosos e hipócritas.

Entre outras, podemos e devemos salientar as conotações de esperançade vida: "a luz da manhd' (52); "Ah, mas sabe Deus ande viria ainda o dia"

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l.2.3.

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(52); "msnhã sem romper" (57); "... sinal de alvorecer" (57); "luz do dia"(58); de morte.' "coraçiío apertado" (49); "as horas mortas da noite" (52);"Morgado começou a sentir o corpo arrepiado" (52); "negrura cerrado" (5 j);"... terror" (53); "noite" (53); "bioco da noite" (54); "coração da noite" (55);"prgssentimento negro" (54); de ganância.' "Deixe o garrano por dezasseis ejâ#aro como fogo" (45); "Minhas ricas dezassete libras... a essas digo-lhesadeus" (58); "... de albarda às costas" (58).

3. Pressuposições pretextuais e intertextuais:

O conto Morgado encontra-se na esteira das fábulas de Esopo, Fedro eLa Fontaine. Estando na posse destesframes ou encênações, nós consegui-mos reconstituir o percurso que nos leva à descoberta da semiose: conheci-mento dos frames + escolha das isotopias + individualizaçãodo topic.

Considerando todos estes tonhecimentos aceÍca deste texto, é-nosmuito fácil verificar a coesão texlual que se processa do seguinte modo:

- repetição de macroproposições semelhantes;

- repetição de semas que nos permitem escolher as isotopias, e, porsua vez, o lema;

- marcação e conotação de sememas.

IIL Resta-nos, por último, apresentar a semiose, que é, afinal, oponto de chegada deste percurso semiótico.

Como disse atrás, a bipolarif,ade isotópica ganâncialdignidade é aportadora da semiose deste texto: crítica à ganância e lo-uvor à dignidade.

Em síntese, podeúmos representar, através de um quadrado semióticoque articulasse os termos / humanidade I g I animalidade/.e respectivos con-tiaditórios, o conteúdo do texto em análise: v

L,,\ '

Jrumanidade

> animalidade,

não animali dade/ \não humanidade

4t'l

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..Pelo seu comportamento ignóbil, o almocreve 'assume o estatuto deanimal ("de albarda às costas" - símbolo da aniraaüdade), enquanto Mor-gado, pelo seu comportamento digno, se humaniza

Quem revela este significado é a luz do dia: " E, afinal, a manhã vinhq aromper!;.- Só quando viu o dono a caminhar pela serra fora de albarda àscostas - não se envergonhar! - e sentiu os denles do primeiro lobocravados no pescoço, é que reparou que a luz do dia eomeçara a desenhar ascoisas e a dar significação a tudo".

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BIBLIOGRAFIA

TEXTA Miguel Torga, Brcáos (Contos), ll." edição. Coimbra, 1981.

De entre outras leituras que Íizemos e que estão na oriçm deste trabalho, destacamos asseguintes:

ECO, Umberto -- O Conceito de Texto (Tradução de Carla Queiroz) - São Paulo: T. A.Queiroz Editor: Editora da Universidade de São Paulo (Editora Portuguesa de livrostécnicos e científicos), 1984.

BARTHES, Roland - Elementos de Semiologio (publicação conjunta com O Grou Zero doEscrito). Tradução de Maria Margarida Barahona. Ediçõcs 70: Lisboa, l98l (Co-lecção Signos).

METZELTIN, Michael - O Signo, O Comunicodo, O Código. Introdução à LinguístioaTeórica. Livraria Almedina, Coimbra, 1978.

SOUZA, Luiz Marques de - Roteiros de Semântica e Pragmdtica: Teoria e Prática: Ediçãodo Autor. Rio de Janeiro - Brasil - 1984.

NOTA

(t) O sublinhado é nosso.

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A difusáo e o estudo da Semiótica em Poúugal,como área de investigaçáo interdisciplinar, conheceunos últimos anos, graças à iniciativa da Associaçáo

Portuguesa de Semiótica, desenvolümentosimportantes, no quadro de uma cooperaçáo

científica internacional.Das relaçóes entre especialistas portugues€s,

brasileiros e espanhóisr [l€ss€ eampo de pesquisas,dáo conta as actas do I Colóquio Luso-Espanhole do II Colóquio Luso-Brasileiro de Semiótica,

realizado no PoÉo em Noyembro de Í)85,que aqui se publicam.

Esta edição foi apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkiane pelo Instituto Nacional de Investigação Científica

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