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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 179

O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIROMarcos Abrao Fernandes Ribeiro Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro Mestrando em sociologia poltica [email protected] Resumo Este artigo analisa a recepo do conceito de patrimonialismo feita por Fernando Henrique Cardoso em trs momentos de sua produo intelectual: durante os estudos sobre as relaes raciais; nos estudos sobre o desenvolvimento e a dependncia; e nas anlises sobre o autoritarismo e as condies de democratizao da sociedade brasileira. Com isso defenderemos, contra a interpretao hegemnica de Cardoso, que o conceito de patrimonialismo possui um peso central em sua sociologia, sendo elemento fundamental para as medidas tomadas por ele na presidncia da Repblica com o objetivo de superar o atraso brasileiro. Palavras chave: Patrimonialismo, Fernando Henrique Cardoso, atraso brasileiro.

A sociologia de Fernando Henrique Cardoso hegemonicamente caracterizada pelos temas do desenvolvimento e da dependncia, os quais possuiriam para autores como Srgio Tavolaro um papel de varivel independente em seu pensamento. Isto faria com que temas como o patrimonialismo no fizessem parte da obra de Cardoso. Ao assumir a presidncia de Repblica, Fernando Henrique Cardoso teve como questo fundamental acabar com a chamada Era Vargas. Esta seria a responsvel pelo enfeudamento de interesses privados no seio do Estado. Em virtude disso, Cardoso teria incorporado nos anos 1990 a interpretao do Brasil de Raymundo Faoro como defende, por exemplo, Luiz Werneck Vianna. A interpretao faoriana afirma que os males brasileiros seriam resultantes da cultura patrimonialista que teramos supostamente herdado de Portugal com a transmigrao da Corte portuguesa para o Brasil em 1808. Em virtude do peso excessivo de tal Estado privatizado, haveria a necessidade no plano poltico de uma reforma que pudesse abrir o Estado diversidade dos interesses existentes na sociedade civil. Neste CSOnline Revista Eletrnica de Cincias Sociais, ano 4, ed. 9, jan./abr. 2010

O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 180 sentido, as aes engendradas por Cardoso no sentido da liberalizao econmica e da reforma do Estado seriam mostras de que h uma forte dicotomia entre o intelectual e o poltico como defende, por exemplo, Bernardo Sorj (2001). Diversamente do que defende a interpretao hegemnica sobre a abrangente das medidas efetuadas por Cardoso na presidncia da Repblica com o intuito de superar o atraso brasileiro, pois constitumos uma

alternativa interpretao de tais medidas como resultantes de fatores meramente conjunturais. Para a constituio desta interpretao alternativa dividimos a obra de Cardoso em trs momentos especficos. Esta diviso foi feita com o intuito de enfocar a centralidade do conceito de patrimonialismo para o autor. O

sociologia de Cardoso, procuraremos demonstrar neste artigo que sua

sociologia no se resume apenas aos temas do desenvolvimento e da

dependncia, pois tem no conceito de patrimonialismo um outro pilar

primeiro momento representado pela publicao de Capitalismo e Escravido no Brasil Meridional em 1962(2003), envolto engedrado no contexto do debate uspiana

fundamental.Como argumenta Werneck Vianna (1999), Max Weber foi

recepcionado no Brasil para pensar o atrasoi da sociedade brasileira. Neste sentido, Weber possui uma importncia fundamental na sociologia de Cardoso. Para Cardoso, assim Faoro como e para Simon

pela

sociologia

liderada por Florestan Fernandes sobre as relaes raciais no Brasil, fruto do projeto financiado pela UNESCOii. Tal estudo tinha como objetivo demonstrar como o Brasil se constitua em um exemplo de relaes raciais

Raymundo

Schwartzman, o atraso brasileiro tem suas bases na herana do

positivamente constitudas. Tnhamos naquele momento a tese da democracia racial como lxico lingstico

patrimonialismo ibrico herdado de Portugal com o este uma processo de

colonizao.Com conseguimos

desiderato, importante

hegemnico. Ao contrrio da tese da democracia racial, o grupo liderado por Florestan Fernandes procurava

ferramenta para a compreenso mais

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 181 demonstrar como a escravido foi marcada por relaes de grande argumento para defender em

Autoritarismo e Democratizao a tese do patrimonialismo estatal herdado de Portugal, sendo o atraso brasileiro a partir de ento circunscrito ao universo institucional. A INTERPRETAO HEGEMNICA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

violncia e arbtrio, inclusive em locais onde ela havia sido menos intensa, como no Rio Grande do Sul estudado por Cardoso. O segundo momento refere-se publicao de Empresrio Industrial e Desenvolvimento Econmico em 1964, obra produzida no mbito do CESIT (Centro de Sociologia do Trabalho), a qual estava inserida siii

Como dissemos no incio deste artigo, nosso objetivo de propor uma leitura alternativa da sociologia de Fernando Henrique Cardoso com o intuito de demonstrar como o conceito de patrimonialismo central para o autor. Antes de engendramos tal

no

contexto do

referente

questes

desenvolvimentismo e do nacionalismo no Brasil . E o terceiro momento refere-se publicao de Autoritarismo e

Democratizao em 1975, obra inserida no contexto no qual eram discutidas primordialmente as causas doiv

empreitada, gostaramos de expor a interpretao da sociologia de Cardoso proposta por Srgio Tavolaro. Tal exposio mostra-se fundamental na medida em que a interpretao de Tavolaro representa exemplarmente a interpretao hoje hegemnica do autor engendrada em nosso pensamento

autoritarismo ento vigente no Brasil e as possibilidades de democratizao . Atravs da anlise estruturada nos seus contextos especficos, conseguimos o

compreender precisamente como

autor inicia sua produo intelectual em Capitalismo e Escravido no Brasil Meridional argumentando sobre um patrimonialismo brasileiro de origem societal, at o ponto de inflexionar seu

social e poltico. Sergio Tavolaro (2005) tem como objetivo principal romper com duas vertentes de anlise consideradas

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 182 por ele como hegemnicas entre ns: a sociologia da herana patriarcaldimenses.Para a sociologia da dependncia, os processos de modernizao experenciados nos ltimos dois sculos tiveram intensidade e profundidade suficientes para varrerem de nossa gramtica social elementos de ordem tradicional (Tavolaro, 2005, p.11).

patrimonial e a sociologia brasileira da dependncia, na qual estaria Cardoso. Esta construo feita com o intuito de demonstrar como no h ligao entre autores (herana Henrique como Raymundo e Faoro Fernando da de

patrimonial) Cardoso O

(sociologia nico ponto

dependncia).

Isto faria com que a condio de dependncia funcionasse como uma varivel independente supostamente

similitude que haveria entre os autores da herana patriarcal-patrimonial e da sociologia da dependncia seria a idia de desvio em relao modernidade existente nos pases centrais (Tavolaro, 2005). Tavolaro (2005) argumenta que Cardoso refutaria a tese segundo a qual tendncias culturais profundas teriam mantido a sociedade brasileira em formas de sociabilidade de tipo

capaz de explicar os padres de sociabilidade engendrados entre ns (Tavolaro, 2005).Portanto, no seriam os resqucios tradicionais que

explicariam o no enquadramento ordem moderna central, mas sim a posio ocupada perifrica pelo e subordinada no sistema

Brasil

capitalista mundial que explicaria o porqu de as principais instituies, os valores e as formas de sociabilidade

patrimonial:

J para a abordagem em que Prado Jr, Fernandes, Ianni e Cardoso ocupam posies nodais, no se trata mais de acentuar resqucios ibricos sejam eles patriarcais ou patrimoniais na dinmica da sociedade brasileira contempornea em seus vrios mbitos e

especificamente

tpica

dos

pases

centrais jamais terem entre ns com a mesma extenso e solidez (Tavolaro, 2005, p.11) Neste contexto, os grupos civis, as outras formas de sociabilidade existentes nos pases centrais e a democracia representativa seriam

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 183 duramente dificultadas em virtude de tal situao de dependncia. Esta condio de dependncia, todavia, no faria com que o pas fosse caracterizado como pr-moderno, mas sim como uma modernidade 2005). Como vimos acima, a Brasil perifrica (Tavolaro, Em Capitalismo e escravido no meridional: o negro na ESCRAVIDO E PATRIMONIALISMO SOCIETAL. central para as medidas engendradas pelo presidente FHC com o intuito de superar o atraso brasileiro.

interpretao engendrada por Tavolaro afirma que o conceito de

sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul, Cardoso tem o objetivo claro de refutar a tese defendida pela

patrimonialismo no possui qualquer importncia para a sociologia de

historiografia riograndense de que o Rio Grande do Sul teve uma formao social democrtica. Ao contrrio da tese da democracia riograndense, Cardoso afirma que a sociedade gacha se organizou nos moldes de uma estrutura patrimonialista, com a constituio de posies assimtricas na estrutura

Fernando Henrique Cardoso. Com isso, a proposio de Bernardo Sorj (idem) segundo a qual existe uma dicotomia entre o intelectual e o presidente da Repblica, e a tese de Luiz Werneck Vianna, que afirma que Cardoso

incorpora a interpretao de Raymundo Faoro na presidncia da Repblica, estariam plenamente corretas.Como

social. Estas correspondiam a formas de comportamento reguladas por rgidas expectativas subordinao de dominao e

procuraremos evidenciar, o conceito de patrimonialismo possui uma

(Cardoso,

2003).Nesta

importncia central para a interpretao do Brasil engendrada por Fernando Henrique Cardoso, demonstrando

estrutura, as formas autocrticas de dominao, com apelo ao arbtrio e fora bruta, tinham peso fundamental para a manuteno do controle

sobejamente como no existe dicotomia entre o intelectual e o poltico e que tambm sua interpretao do Brasil iniciada nos anos 1970 teve um peso

social.Isto fazia com que as normas formalmente estatudas pelo Estado patrimonialista portugus fossem

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 184 plenamente desrespeitadas. Tal Esta prevalncia do

desiderato ocorria porque tanto a ordem militar estabelecida quanto a prpria sociedade gacha no possuam as condies necessrias para manterem o respeito ordem jurdica estabelecida (Cardoso,idem). Devido a esta constituio social do Rio Grande do Sul, o Estado patrimonialista portugus, que para autores como Raymundo Faoro (2008) teriam um domnio inconteste sobre o pas durante o perodo colonial, sofreria uma regresso importante para um sistema mais prximo do patriarcalv.Cardoso

patrimonialismo patriarcal no se deu de forma imediata. Na fase de conquista da regio, a atividade econmica e social subordinava-se de forma ampla e totalizadora aos interesses e ao poder da Coroa e do Estado portugus. Neste sentido, podemos dividir a formao da sociedade riograndense em dois

momentos especficos. O primeiro, como vimos acima, refere-se

subordinao das atividades econmicas e sociais aos interesses da Coroa e do Estado patrimonialista portugus. J no segundo momento, quando a rotinizao da vida econmica e poltica permitiu, no primeiro quartel do sculo XIX, a estabilizao proprietrios da de camada terras, gados de e

patrimonialismo

afirma que tal regresso do domnio portugus ocorria precisamente devido aos benefcios e s prebendas

concedidas pelo Estado patrimonialista portugus com o objetivo de manter-se operante. Com isso, a fazenda real fortalecia o poder domstico

escravos, comeou a haver a exigncia por partes destes por maior participao no poder visando o aumento da riqueza pessoal do que atender aos interesses do Estado patrimonialista portugus

(Cardoso, idem). Isto fazia com que o patrimonialismo patriarcal pudesse

(Cardoso, idem). Isto resultou em uma

dominar de maneira soberana, na medida em que a ordem patriarcal e o favoritismo familiar contrapunham-se como foras vivas letra morta das ordenaes estatais (Cardoso, idem).

apropriao estamental das posies burocrticas pelos senhores locais, com o objetivo de fortalecer o prestgio pessoal e de consolidar a riqueza

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 185 familiar (Cardoso, idem).Com isso, a lgica original da dominao amplo A escravido possua um carter e totalizador na sociedade

patrimonialista-estatal era derruda no Rio Grande do Sul. Cardoso (idem) afirma que esta inverso da lgica patrimonialista foi fundamental para a constituio das bases da para o

gacha, na medida em que ela impunha uma srie de avaliaes sobre o papel do empreendedor, sobre o trabalho, sobre os homens livres, sobre a sociedade e sobre o destino humano (Cardoso, idem). Alm destes pontos centrais, a escravido ainda legava aos escravos um processo de no

desenvolvimento

sociedade

escravocrata, latifundiria e pastoril do Rio Grande do Sul. O regime instaurado no Rio Grande do Sul tinha como fatores estruturantes o sistema escravocrata, o latifndio, o patrimonialismo patriarcal aliado ao arbtrio e a violncia, que faziam com que o domnio da Coroa portuguesa fosse corrigido em nvel local.Alm do patrimonialismo societal, o sistema escravocrata constitua o grande obstculo para o

reconhecimento social, que fazia com que eles no fossem considerados como pessoas humanas, mas sim como coisas. Para Cardoso (idem), o regime escravocrata era o grande responsvel pelos malogros econmicos sofridos pelo Rio Grande na concorrncia com os pases da regio do Prata. A ordem escravocrata constitua-se no principal obstculo para a formao do

desenvolvimento de foras produtivas que viessem a implantar de maneira plena o sistema capitalista no Rio Grande do Sul, constituindo-se no grande fator de atraso da regio. Cardoso (idem) afirma que da

capitalismo no Rio Grande do Sul, pois era relegado ao malogro quando

competia com o trabalho livre dos pases da regio do Prata. Tal desiderato ocorria precisamente porque o regime escravocrata agia com fator limitador das possibilidades de racionalizao da vida econmica, sobretudo quando eram requeridos a intensificao de meios

escravido derivaria uma concepo alienadora do trabalho, responsvel por impedir a constituio de formas mais complexas de trabalho humano.

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 186 tcnicos de produo e do apelo a calculabilidade para a economia dos fatores de produo (Cardoso,idem). O malogro do regime etapa representou uma resignificao do preconceito sobre o negro. Ele passou a ser caracterizado como ocioso e a agir desta forma (Cardoso, idem). Como podemos perceber, a escravido deixa como grande ndoa para a nova sociedade nascente no Rio Grande do Sul um processo profundo de no reconhecimento social, o que fazia com que os negros no fossem reconhecidos como cidados na nova sociedade. O que havia, de fato, era a sua

escravocrata no sul deu-se precisamente em virtude de dois fatores

fundamentais: a abolio da escravatura e a imigrao.Estes no movimentos, a

todavia,

representaram

constituio de uma nova ordem para os ex-escravos, bem como de uma nova representao destes estratos frentes aos brancos.De acordo com Cardoso (idem) os movimentos de abolio e imigrao foram apropriados pelas camadas

desestruturao psicossocial, que fazia com que a excluso da antiga ordem escravocrata pudesse se perpetuar na nova sociedade.Cardoso (idem) afirma que os negros acabaram aceitando a representao feita pelos brancos sobre eles e tambm a legitimidade da ideologia preconceitos da sociedade que havia sem sido

dominantes, as quais reorientaram a reintegrao do negro na nova ordem de acordo com seus interesses. Esta ao dos homens brancos fazia com que os escravos tivessem como nicas opes continuar

trabalhando nas mesmas condies em que viviam no regime escravocrata, tendo o estatuto formal de homens livres, ou se rebelarem contra tudo que o trabalho desqualificado pela

imposta.Com isso, o negro, grande vtima da estrutura social do Rio Grande do Sul, se transformava no responsvel pela situao to precria em que vivia. Os canais de ascenso do negro foram regulados pelas camadas

escravido significava, o que fazia com que os negros vivessem na ociosidade e no desregramento (Cardoso,

dominantes. Isto fazia com que a democracia brasileira e sua matriz

idem).Cardoso afirma que esta nova

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 187 social classista se limitassem, de acordo com Cardoso, a um verdadeiro medida em que teve importncia social, poltica, econmica e moral.

simulacro, bastante deformado pelo antigo regime escravocrata. Havia a continuidade da fidelidade aos chefes de parentela. Alm disso, o DESENVOLVIMENTO ECONMICO PATRIMONIALISMO SOCIETAL E

patrimonialismo societal prevalecente seria a marca da nova sociedade. Em sntese, a sociedade Esta viso do patrimonialismo como resultante do sistema escravocrata ainda estar presente em Cardoso na publicao de Empresrio Industrial e Desenvolvimento Econmicovi em

escravocrata analisada por Cardoso tinha como caractersticas fundamentais os grandes domnios rurais, a

escravido estruturada pela violncia e o arbtrio e o patrimonialismo societal, responsveis por explicar o atraso da sociedade riograndense.Como vimos tambm, o patrimonialismo brasileiro para Fernando Henrique Cardoso no era resultante ainda da herana do sistema poltico portugus, mas sim resultante das condies de ocupao do solo como no caso do Rio Grande do Sul. Com esta obra, Cardoso nos fornece o caminho preciso para o entendimento do nosso

1964, obra inserida no contexto do debate sobre o desenvolvimentismo e o nacionalismo. Nesta obra, Cardoso

analisa o processo de modernizao brasileiro tendo como base a ao da burguesia. Para tanto, ele constitui dois tipos ideais para caracterizar o

comportamento burgus no Brasil: o capito de indstria e o homem de empresa. Isto para demonstrar como nossa burguesia nunca teve um projeto autnomo de desenvolvimento, ou seja, nunca possuiu uma conscincia de classe, e tambm como esta sempre agiu com relaes de compromisso com a poltica patrimonialista ento dominante para o autor. Ou seja, a burguesia brasileira teria a tendncia de se

patrimonialismo, alm de nos mostrar como a escravido para a teve efeitos da

deletrios

constituio

sociedade de classes entre ns, na

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 188 acomodar ordem tradicional. Isto se daria por razes histrico-culturais, como a prevalncia do patrimonialismo nas reas de forte presena da economia agrria: profundamente modificada nos anos 1970 em Autoritarismo em

Democratizao, obra na qual Cardoso afirma que o patrimonialismo estaria enraizado no Brasil como resultado da herana do sistema poltico portugus e

Est claro que a persistncia destas crenas e prticas ligase falta de presses modernizadoras na sociedade capazes de alterar os padres vigentes desde o passado. No Nordeste, por exemplo, onde o patrimonialismo foi mais vigoroso que no Sul, o xito das prticas patrimonialistas dentro das fbricas encontra condies favorveis no excesso de oferta de mo-deobra desqualificada e, portanto, na baixa capacidade de barganha dos operrios. (Cardoso, 1964, p.130)

do catolicismo, como veremos a seguir. A TRADIO BUROCRTICOPATRIMONIALISTA BRASILEIRA

Analisaremos

nesta

seo

a

interpretao do Brasil engendrada por Cardoso nos anos 1970, quando este defende a tese da herana patrimonial e tambm inflexiona seu pensamento para o universo eminentemente institucional. A partir desta interpretao, podemos precisamente refutar a tese sobre

Para Cardoso, o patrimonialismo ainda era prevalecente no Brasil como herana cultural do passado agrrio e escravocrata. Este, todavia, estaria

Cardoso defendida por Sergio Tavolaro, alm de podermos afirma que existem afinidades eletivas entre a

interpretao de Cardoso neste perodo e a de autores como Raymundo Faoro e Simon Schwartzman que argumentam, assim como o autor, que o atraso brasileiro decorrente da herana patrimonialista que supostamente

sendo pressionado pelas tendncias modernizadoras ento em voga, como era o caso do Nordeste. Como podemos ver, tal viso do patrimonialismo no Brasil ainda estava muito prxima da viso constituda em Capitalismo e Escravido. Esta, todavia, ser

teramos recebido de Portugal, alm de

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 189 verem os problemas brasileiros Diversamente do que defende Srgio Tavolaro, a tese da herana patrimonial central para Cardoso, alm do fato de que os processos de modernizao experenciados pelo Brasil no foram capazes de romper com os elementos tradicionais de nossa

circunscritos dimenso institucional. Cardoso afirma que nosso

desenvolvimento econmico ancorado a uma estrutura poltica no

democrtica que foi plasmada em solo ibrico, sendo transplantada para o Brasil sem possuir trao efetivamente europeu, pois o desenvolvimento

gramtica poltica. A tese da herana patrimonial teria o papel de um dos elementos explicativos dos vrios

capitalista e a revoluo burguesa no conseguiram modifica-la plenamente (Cardoso, 1975, p.12). Cardoso afirma que:

momentos de autoritarismo existentes no pas como paternalismo autocrtico do imprio, a democracia de elites da Repblica Velha, e o o populismo autoritarismo

que o Estado nacional independente no Brasil nasceu depois da transferncia do Estado imperial portugus para este pas. Foi a nica situao na Amrica Latina em que o Estado da Metrpole se deslocou, com D. Joo VI e toda a sua burocracia, para uma colnia. Por isso, o aparelho estatal brasileiro extremamente complexo desde o sculo XIX. E quando se efetua o processo da independncia o Estado nacional herda esse aparelho estatal do Imprio portugus.(Cardoso: 1977, p.84).

autoritrio

tecnocrtico (Cardoso, 1975, p.13). Um outro ponto a ser notado a afirmao de Cardoso de que no Brasil o liberalismo funcionou como algo de fachada, no possuindo autnticos

liberais e tambm porque era fortemente derrudo pela desigualdade.(Cardoso, idem) Houve um idealismo nas

constituies, o utopismo como estilo de anlise, a prevaricao cotidiana dos ideais para a manuteno de uma parcela do poder como caractersticas de nosso liberalismo (Cardoso, 1975, p.177). Tal proposio do liberalismo de fachada vai ao encontro da

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 190 caracterizao feita por Raymundo Faoro sobre o liberalismo no Brasil. Werneck Vianna (2006), ao reproduzir uma entrevista do ento presidente Fernando Henrique Cardoso, quando este afirmou que nunca houve interpretao de Cardoso engendrada a partir dos anos 1970. Cardoso inicia sua anlise com o processo de formao das cidades na Amrica Ibrica, as quais teriam como funo atender as necessidades do mercantilismo ibrico e do Estado patrimonial portugus. Haveria uma dialtica entre a vila agro-industrial e o Estado patrimonial, ou seja, entre os interesses dos senhores territoriais e os funcionrios da Coroa, constituindo o pano de fundo da vida colonial

liberalismo no Brasil e que nossos males haviam sido originados pela herana patrimonial recebida do sistema colonial portugus ligou (como

hegemonicamente feito) as palavras de Cardoso interpretao do Brasil feita por Raymundo Faoro:

(Cardoso, idem). Para demonstrar oO argumento, reconhecidamente, no novo e procede da obra clssica de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, cuja primeira edio de 1958, e que parece, entre seus muitos mritos, ter a m sorte de exercer inspirao sobre os presidentes deste perodo de vida republicana.(Werneck Vianna, 2006, p.44)

peso da burocracia no Brasil, Cardoso afirma que nas cidades coloniais os dois tipos sociais que estruturavam as

relaes sociais eram o funcionrio e o senhor de terras. Esta relao comeou a ser modificada alguns anos antes do processo de independncia atravs da reativao das cidades como foco de deciso poltica, com o fortalecimento

Ao contrrio do que argumenta Werneck Vianna e a viso hegemnica sobre Cardoso no Brasil, esta viso no precede de uma simples incorporao da interpretao engendrada por

dos mercados existentes nas cidades e tambm com a crescente influncia das classes dominantes na vida poltica da regio (Cardoso, idem). Com o processo de

Raymundo Faoro, mas da prpria

independncia constituda a fase de dependncia nacional.Cardoso afirma

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 191 que este processo de independncia levou prosperidade para vrias partes da Amrica Latina, mas sem romper com o antigo regime patrimonialista: plano administrativo o sistema de patronato (Cardoso, idem).Cardoso

(1994), fazendo referncia direta a Raymundo Faoro, fala sobre a

existncia de estamentos burocrticos durante o Imprio. Inclusive, a queda doAlm disso, amide sua luta poltica imediata ser contra aqueles que, na Colnia, constituram a base da vida propriamente urbana: os comerciantes. Estes continuaram sendo estrangeiros. Para fazer a ponte entre o mercado exterior e o interior, nas duas direes, a qualidade do estrangeiro era estratgica. Assim, o patrimonialismo pr-independentista persistiu depois da autonomia nacional.(Cardoso, 1975, p.148).

Imprio ser capitaneada, assim como para Raymundo Faoro, por um

estamento burocrtico militar que havia sido deixado de lado durante o Imprio. Cardoso (1994) afirma que a mudana para a Repblica foi bastante

significativa no sistema de dominao e no nvel das instituies.Todavia, no foi suficiente para romper com o domnio burocrtico e patrimonialista. Aps este primeiro momento de domnio do foi estamento institudo burocrtico o domnio

Dentro

deste

contexto

militar

patrimonialista no qual nasceram nossas instituies polticas, havia a

oligrquico, o qual seria vigente at a instituio do golpe militar em 1964.As relaes se constituam numa base patrimonialista entre Estado e

importncia da oligarquia. Esta recebia por um lado uma expresso cartorial do Estado patrimonialista, mas por outro era responsvel por posturas ilustradas, tendo grande importncia para o

sociedade, entre poder central e poder local, reforando as caractersticas do Estado patrimonial (Cardoso, 1975). Haveria um entrelaamento constitudo durante entre este

processo de modernizao levado a cabo no sculo XIX. O Estado

tradicionalmente sociedade e

patrimonialista brasileiro era regido por um rei-senhor, que derivava para o

Estado

perodo. Neste sentido, Cardoso diverge

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 192 de Raymundo Faoro ao considerar simplista caracterizao controlado e do insatisfatria Estado por a como um Ainda assim teramos a mesma viso do Estado, da Igreja e das organizaes burocrticas. Em virtude do domnio do patrimonialismo um estilo de

unicamente

estamento burocrtico pairando sobre a nao. Cardoso afirma que o

catlico,

teramos

participao fortemente dependente do Estado, tendo pouco a ver com o sistema de representao e voto herdado do liberalismo individualista europeu (Cardoso, idem). Como podemos

patrimonialismo estaria enraizado na Amrica Latina seu Para e que suporte tanto, o teria no

catolicismo fundamental.

cultural autor

perceber, ao contrrio do que defende Tavolaro, o patrimonialismo estava enraizado em nossa realidade social para Cardoso, tendo peso decisivo para a interpretao do Brasil e da Amrica Latina levadas a cabo por ele. Cardoso (idem) argumenta que o passado

constri uma relao dicotmica entre o catolicismo e o individualismo

protestante para demonstrar como a religio seria do responsvel pela

constituio

patrimonialismo

catlico. Este seria coletivista, menos responsvel individualmente, sendo o Estado visto como pai benevolente (Cardoso, idem). teria Nosso uma Estado feio

colonial e o patrimonialismo contnuo deixaram uma pesada herana na

sociedade brasileira e latino-americana. Teramos ainda um sempre reiterado domnio da burocracia no Brasil

patrimonialista

catlica, o qual seria reforado pelo processo de mobilizao das massas urbanas. Interessante a ser ressaltado que a viso do patrimonialismo

(Sobrinho, 2003).

At o populismo teramos o domnio do Estado patrimonial

brasileiro como catlico similar interpretao Faoro, que feita por Raymundo liga o

estruturado por um sistema poltico eminentemente tradicional. Este

tambm

patrimonialismo ao catolicismo (Santos JR, 2001).

desiderato, todavia, seria modificado com o regime instaurado em 1964.

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 193 Segundo Cardoso (1994) este teve conseqncias revolucionrias em nossa realidade social, pois colocou aCorrelatamente, o antigo patrimonialismo refez-se no setor produtivo estatal, a burocracia modernizou-se, sem perder a fora, as classes trabalhadoras urbanas e as classes mdias modernas (cujos componentes so empregados das grandes corporaes privadas e pblicas, ou exercem profisses de base tcnica e no tercirio moderno educao, sade, comunicao social, administrao, etc.) passaram a viver ao compasso das sociedades de massa. (Cardoso, 1984, p.49).

do aparelho estatal e com o moderno desenvolvimento econmico:

burguesia junto ao desenvolvimento do capitalismo internacional e tambm porque subordinou a economia nacional a formas mais modernas de dominao econmica. Alm destes fatores, ainda possibilitou a modernizao da mquina estatal e tambm lanou as bases para a implantao de um setor pblico da economia, chamado pelo autor de burguesia de Estado, o qual tornou integrado ao capitalismo internacional (Cardoso, teramos a 1975, p.98).Com do isso, sistema para o

passagem

patrimonialista regime

tradicional

autoritrio

corporativo,

No incio deste regime havia o apoio de setores tradicionais da classe mdia, os quais estavam organizados na Igreja e nos partidos, alm dos

estruturado em termos civis e militar, o qual teria no capitalismo oligoplico seu ponto central(Cardoso, com as idem).

Mesmo

importantes no Estado

agrolatifundistas

(Cardoso,

1975).

modificaes

efetuados

Todavia, estes foram progressivamente alijados do novo regime em virtude do privilgio concedido a setores mais modernos.Neste sentido, a tecnocracia ter um papel fundamental.A partir do protagonismo deste setor houve um processo importante de modernizao do aparelho do Estado (aliado

brasileiro, a tradio de estado forte aliada a um controle poltico elitista fez com que o patrimonialismo fosse refeito nesse perodo.O atraso representado pelo patrimonialismo coexistira na nova ordem entrelaado com a modernizao

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 194 represso social), bem como a adoo de medidas econmicas favorveis ao empresarial (Cardoso, idem).Este processo foi se intensificando at o ponto da constituio do regime regime processo o de qual do burocrtico-autoritriovii, estruturado dependncia permitia um em um hbrido, que fortalecia os interesses das multinacionais e tambm fortalecia a empresa pblica e ampliava a

capacidade de controle do governo sobre a sociedade (Cardoso, idem). Este se estruturava na aliana entre a tecnocracia pblica (civil e militar) e as burguesias nacional e

internacional, certo

dinamismo

internacional.Cardoso (idem) argumenta que este processo de deslocamento do poder dos grupos nacionais-burgueses populistas para o domnio da burguesia internacionalizada e do tecnocratismo civil e militar seria a nos revoluo pases

crescimento econmico e mobilidade social, mesmo que apenas no mbito urbano (Cardoso, idem).De acordo com Cardoso (1994) o regime burocrticoautoritrio, todavia, apenas se constituiu de forma consciente em 1968, ano de instituio entretanto, do AI-5. no Este seria regime, mais

burguesa dependentes.

possvel

Mesmo com as significativas aes modernizadoras ocorridas em relao ordem tradicional anterior, o patrimonialismo no conseguiu ser

economicamente apenas dependente, mas possuiria como caracterstica

fundamental o seu carter dependente e associado.Neste sentido, teramos como dois fatores importantes do regime burocrtico-autoritrio o carter

derrudo do seio do Estado, mas sim reabilitado, como vimos acima. As relaes travadas entre os componentes do regime burocrtico-autoritrio e a sociedade civil se davam atravs de anis burocrticos, mecanismo de

dependente de nossa economia aliado tradio centralizadora e burocratizante (patrimonialista) do Estado brasileiro, os quais foram responsveis pela

cooptao dos membros das classes dominantes nas cpulas decisrias

redefinio do quadro institucional (Cardoso, idem). Esta redefinio se deu com a gestao de um sistema

(Cardoso, idem). Cardoso afirma que utilizou o termo burocrtico

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 195 precisamente para demarcar a anis foi responsvel pela excluso das massas como fontes legitimadoras do Estado. O sistema poltico brasileiro teria como ponto fundamental um amlgama entre uma organizao

necessria localizao no aparelho do Estado.Estes sobejamente anis como demonstrariam os interesses

privados estariam fortemente enraizados no Estado:

poltica baseadas na existncia de classes inseridas numa ordem de cunhoInaceitvel a privatizao do Estado, que na Amrica Latina ocorre em grandes propores. Isto , atravs de alianas que em outras circunstancias eu chamei de anis burocrticos partes da burocracia estatal, tanto do setor produtivo como da prpria administrao direta, so enfeudadas a interesses privados.(...) As interligaes entre a burocracia estatal e o interesse privado so dutos. As interligaes entre a burocracia estatal e o interesse privado so enormes e freqentemente fazem-se em detrimento do interesse pblico.(Cardoso, 1990, p.44)

industrial e monoplico aliada a outra enraizada no patrimonialismo estatal originrio do sistema capitalismo

colonial (Cardoso,1975,p.236) Com isso, teramos uma

conduo elitista e patrimonialista da vida poltica no Brasil pautada pelas relaes burguesia de compromisso entre e a os

internacionalizada

empresrios pblicos coexistindo com uma sociedade de massas.Como fica patente no argumento de Cardoso exposto acima, o atraso brasileiro estaria fundamentalmente circunscrito ao universo institucional representado

O Estado teria neste processo a proeminncia de ser empresrio e indutor do desenvolvimento econmico, por um lado, e deixando por outro lado o acesso ao seu aparelho de forma indireta s empresas privadas pelos anis burocrticos. Este sistema de

pelo patrimonialismo, fazendo com que haja afinidades eletivas entre a

interpretao de Cardoso e de autores como Raymundo Faoro e Simon

Schwarzman. Para combater o desiderato do patrimonialismo, Cardoso prope a reativao da sociedade civil. Isto se

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 196 daria pelo fortalecimento do Estado de Direito, pelo controle responsvel do aparelho do Estado. Existiria uma tendncia democratizadora na sociedade civil e partidos (Cardoso, 1984b, p.56). O processo de

democratizao com a reativao da sociedade civil seria responsvel por fazer com que as associaes

sociedade, mas que seria resistente ao nvel do Estado(Cardoso,1984b). Neste sentido, a resistncia democrtica

profissionais, os sindicatos, as igrejas, os grmios estudantis pudessem propor solues, produtivos entrando para o em pas conflitos (Cardoso,

deveria se estruturar enquanto uma luta antiburocrtica:

1984b).Cardoso afirma ainda que eraEmerge, no horizonte valorativo das crenas democrticas a noo de pblico: mais do que restringir a ao do Estado e dar fora ao setor privado a luta anti-estatal torna-se uma luta pela transparncia da ao governamental e para o aumento do controle social (pblico) das polticas oficiais a da gesto estatal.(Cardoso, 1984b, p.55).

necessrio ir reconstituindo a sociedade civil para que ela pudesse se expressar na ordem poltica e tambm para contrabalanar o Estado, tornando parte da realidade poltica da nao (Cardoso, 1984b).Portanto, apenas reativando a sociedade civil e derruindo o

patrimonialismo enraizado no seio do Estado que conseguiramos instituir uma ordem plural e democrtica na qual

Cardoso

argumenta

que

a

os interesses existentes na sociedade pudessem ser livres e efetivamente representados.

democracia invocada por ele no se referia apenas a reabertura do jogo partidrio, mas sim a criao de um clima de liberdade e respeito que pudesse permitir de forma efetiva a reativao da sociedade civil. Esta democratizao inclui um reequilbrio de poderes entre Estado, movimentos da

PATRIMONIALISMO ESTATAL E O ATRASO BRASILEIRO

Em artigo publicado em 1990, Cardoso faz a tendo defesa como da socialsua

democracia

base

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 197 interpretao do Brasil engendrada a partir dos anos 1970. Cardoso afirma que a social-democracia estaria contra o liberalismo e seu endeusamento do mercado como instncia nica e nacional-desenvolvimentista (Salun Jr, 2000). O Estado nacional-

desenvolvimentista teria chegado ao seu malogro. Era necessrio construir uma nova forma de Estado com o objetivo de instituir uma economia de mercado e diminuir drasticamente o seu tamanho excessivo.Desta forma, ele poderia enfrentar os dilemas do Brasil

fundamental. Cardoso argumenta que o Estado havia sido privatizado na

Amrica Latina. Em virtude de tal desiderato, a instituio de um mercado competitivo fundamental patrimonialismo seria para e o um elemento o

contemporneo, conseguindo superar efetivamente o nosso atraso coadunado em seu seio. Para meramente alm da justificativa para tais

derruir

clientelismo

enraizados no Estado. Seria necessrio a instituio de um Estado socialmente necessrio, capaz de universalizar as vantagens sociais (Cardoso,1990).

conjuntural

medidas, as quais parecem deixar implcita a idia de que no haveria outro caminho a ser seguido pelo Estado, existe a ligao entre a tese do patrimonialismo e essas prticas

Desta forma, aumentaria o controle democrtico sobre a gesto do Estado, fazendo com que este se torne sensvel ao interesse pblico (Cardoso, 1990). As mudanas institucionais seriam

polticas engendradas no Brasil nos anos 1990. Coube a Luiz Werneck Vianna fazer essa ligao em seu Weber e a Interpretao do Brasil. Werneck Vianna (1999) afirma que:

responsveis por gerar uma cultura democrtica, institucionalizando as

prticas de liberdade, criando-se no pas o controle democrtico do aparelho do Estado pela populao, conseguindo desta forma vencer o atraso brasileiro. Nos anos 1990 o argumento dos defensores da reforma do Estado

pautava-se na crise fiscal do Estado

Essas verses fizeram fortuna - embora nem sempre estivesse visvel, em especial em fins da dcada de 80 e no comeo da de 90, o que as singularizava

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 198irredutivelmente e consistiram no suporte ideal das foras polticas que, aps a promulgao da Constituio de 1988, se fizeram dominantes na opinio pblica e nos segmentos organizados da sociedade, vindo mais tarde a assumir configurao partidria no PSDB e no PT, no por acaso originrios do Estado de So Paulo, o primeiro deles, como notrio, ocupando a Presidncia da Repblica, e o segundo o lugar de maior partido de oposio do pas.(p.45)

patrimonialismo de Estado, que, como temos demonstrado, Fernando

Henrique Cardoso. Diferentemente de Raymundo Faoro, que esteve na

oposio a tais medidas liberalizantes, e de Simon Schwartzman, que apesar de pregar de forma efetiva a ruptura com a tradio ibrica ocupou apenas a

presidncia do IBGE no primeiro governo de FHC, Cardoso tem o protagonismo nesta matriz de recepo de Max Weber no Brasil. porque mundo forma Este ele dos de

protagonismo Ainda de acordo com Werneck Vianna (idem), o interesse seria para esta interpretao do Brasil o caminho fundamental para a democratizao entre ns. A interpretao de Werneck Vianna certeira, pois a tese do patrimonialismo teve um peso central para Fernando Henrique Cardoso nas polticas engendradas em seus mandatos como presidente da Repblica no sentido de vencer o atraso brasileiro. O seminal trabalho de Luiz Werneck Vianna , todavia, incompleto, pois no coloca na recepo de Weber no Brasil o principal autor da matriz denominada pelo autor de abrir o

ocorre ao

procurou durante os seus mandatos Estado como

interesses

pretensamente democratizar a sociedade brasileira, como bem argumenta

Werneck Vianna em relao tese do patrimonialismo e sua conseqente derivao para a prtica poltica no Brasil durante os anos 1990. Como argumenta Barbosa Filho (1995), a nova relao proposta por Cardoso entre Estado e sociedade implicava transferir para o mercado a responsabilidade pela distribuio dos prmios que at ento eram feitos pelo sistema poltico.Ainda segundo Barbosa Filho (idem), o projeto de Cardoso via

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 199 no desenvolvimento do mercado a principal agncia de incorporao social e socializao. Portanto, o atraso brasileiro, como temos demonstrado, se circunscrevia dimenso institucional fundamentalmente, o que fazia com a que a constituio de uma plena economia de mercado aliado a uma diminuio do peso excessivo do Estado pudessem criar uma realidade benfazeja no pas. Cardoso concedeu uma nicos reais no Brasil, os quais estariam extremamente concentrados (Cardoso e Toledo, 1998). Em virtude destes fatores, Cardoso faz a defesa do que chama de Estado necessrio, como j havia feito nos texto sobre a social democracia que vimos acima. Ele afirma que estava reconstruindo o Estado, o que tornaria indevida sua caracterizao como um neoliberal.O Estado deveria ser diminudo porque ele no Brasil seria sempre incapaz de oferecer resoluo aos problemas da maioria, somado sua privatizao, sobretudo durante o regime militar, o que seria responsvel pelo processo de excluso social. Neste sentido, a

importante entrevista a Roberto Pompeu de Toledo quando se encaminhava para o encerramento de seu primeiro

mandato como presidente da Repblica em 1998. Nesta entrevista fica bastante evidente como a interpretao de

reforma do Estado no funcionaria como um movimento de incentivo racionalizao formal da mquina

Cardoso sobre o patrimonialismo estatal foi fundamental para suas aes como presidente da Repblica. Ele reafirma a tese de que ns herdamos o

pblica e de incentivos a critrios de competio aberta em detrimento de cartrios fechados (Cardoso, 1998b, p.12).Este movimento teria um carter democratizador no sentido de assentar as bases do Estado que tenha uma sociedade que no aceitaria mais a presena de milhes de excludos (Cardoso, afirma 1998b). que o Cardoso antigo (idem) Estado

patrimonialismo estatal de Portugal com a vinda para o pas da famlia imperial em 1808. A partir deste evento histrico teramos a reforo do peso burocrtico representado pelo Estado, que se

somaria sociedade escravocrata e patrimonialista.Cardoso afirma que o poder burocrtico e o da terra seriam os

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 200 intervencionista e patrimonialista polticas destinadas a atender as pessoas mais pobres (Cardoso e Toledo,

passou a se constituir no seu governo como um traje apertado. Como podemos notar, Cardoso baseia suas anlises sobre o Estado brasileiro contemporneo na

1998).Com essas medidas, os interesses privados (patrimonialistas) seriam

derrudos efetivamente do seio do Estado fazendo com que este, agora regulamentador e indutor, pudesse

interpretao do pas engendrada por ele a partir dos anos 1970. Portanto, podemos refutar de uma s vez as teses de Luiz Werneck Vianna, que

cumprir, como dissemos acima, sua funo universalizadora. CONSIDERAES FINAIS

argumenta que houve uma simples incorporao pelo ento presidente

Fernando Henrique Cardoso da teoria de Raymundo Faoro sobre o Brasil; como tambm a tese de Bernardo Sorj, que afirma que existe uma dicotomia entre o intelectual e o presidente.

Cardoso

acreditava

que

o

mercado pudesse incorporar nossos prias rurais e urbanos frutos de nosso processo de formao social. Todavia, como as anlises do prprio Cardoso demonstraram sobejamente em

O Estado seria responsvel por constituir polticas sociais que

Capitalismo e Escravido no Brasil Meridional, o processo de formao social brasileiro trouxe como herana para a sociedade de classes nascente um processo de ubqua desigualdade social que transcendia gesto privatista do Estado. Tivemos um processo de

mantinham a desigualdade. Portanto, a reforma do Estado seria necessria para poder permitir o crescimento da

economia de mercado e tambm para (supostamente) atender s camadas mais pobres da sociedade brasileira. Desta forma o Estado poderia cumprir sua funo universalizadora, pois ele seria fortalecido para lidar com o mercado, alm do fortalecimento das

formao social que sempre privilegiou o exclusivismo agrrio, fazendo com que os grandes proprietrios rurais tivessem liberdade necessria para

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 201 dominar os locais onde se instalavam com grande autonomia. Alm disso, Maria Sylvia de Carvalho Franco demonstrou sobejamente como o Estado durante o Imprio engendrou aes racionalizadoras por meio de sua demandas de nossos miserveis ficaram esquecidas. Portanto, se efetivamente

quisermos tematizar a questo da democratizao da sociedade brasileira e do seu efetivo atraso precisamos superar a tese do patrimonialismo tanto em nvel acadmico quanto poltico, onde ainda possui carter hegemnico. Caso contrrio, continuaremos a

burocracia. Estas aes, todavia, eram derrudas em nvel local por causa da pobreza do prprio Estado. Como a viso da formao do Estado entre ns negativa para Cardoso, este elemento fundamental passa ao largo de sua reflexo. Os fatores tratados acima foram fundamentais para gerar no Brasil republicano milhes de prias rurais e urbanos, os quais at hoje no tm suas demandas reconhecidas pelos nossos governantes e nem pela prpria

reproduzir o naturalismo de que nos fala Charles Taylor, que tem como funo fazer com que ns no

percebamos as reais causas de nossos conflitos sociais.Com isso,

naturalizamos nossos conflitos sociais mais importantes pela incorporao no plano poltico de teses como a do patrimonialismo vista neste artigo.

sociedade civil, constituindo com isso milhes de subcidadosviii. Aliado a isso, nossas elites que ascenderam ao poder nos anos 1990 tiveram como foi condutor de suas aes a Abstract This article analizes the reception of the concept of patrimonialism made by Fernando Henrique Cardoso in three moments of his intellectual production: during the studies on racial relations; in the studies on development and dependency; and on the analysis on authoritarism and the conditions of democratization of the brazilian society. With that we defend, against the hegemonic interpretation of Cardoso,

despatrimonializao do Estado atravs da introduo intensiva do mercado como forma de abrir este sociedade civil, livre iniciativa e ao mundo dos interesses. Com isso, mais uma vez as

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 202 that the concept of patrimonialism possesses a central value in his sociology, being a fundemental element for the measures taken by him as President of the Republic with the goal of overcoming Brazil's delay. Keywords: Patrimonialism, Fernando Henrique Cardoso, Brazil's delay. In________.O novo autoritarismo na Amrica Latina. David Collier(org). Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra. Traduo de Mirian Leo Teixeira Viriato de Medeiros.1982 CARDOSO, F. H. & FALETTO, E. Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina: ensaio de interpretao sociolgica.Rio de Janeiro, Zahar Editor, 7 edio. 1984a ________________ A democracia na Amrica Latina. So Paulo, Novos Estudos, n.10, p.45-56. 1984b __________________ Desafios da social-democracia na Amrica Latina. So Paulo, Novos Estudos, n.28, p.2949,1990. _______________A construo da democracia: estudos sobre poltica. So Paulo, Siciliano. 1994

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 203 brasileiro. So Paulo, ed. Globo, 3 ed. (vol nico), 7 reimpresso. 2007 PEREIRA, J. B. B. A questo racial na obra de Florestan Fernandes. So Paulo, Revista USP,n.29, maro-maio 1996 FRANCO, M. S. C. Homens livres na ordem escravocrata. So Paulo, Editora Unesp. 1997 ROMO, W. M. Sociologia e poltica acadmica nos anos 1960: a experincia do CESIT. So Paulo, Fapesp: Associao Editorial Humanitas,2006 SALUN JR, B. O Brasil sob Cardoso: neoliberalismo e desenvolvimentismo. So Paulo, Tempo Social, n.11, pp.2347,2000. SANTOS JR, J. As categorias weberianas na tica de Raymundo Faoro: uma leitura de Os Donos do Poder. Dissertao (mestrado em Cincia Poltica). UNICAMP, Campinas. 2001 SOBRINHO, M. J. O pensamento poltico de Fernando Henrique Cardoso: autoritarismo e democratizao. Dissertao (mestrado em Cincia Poltica)UNICAMP, Campinas.2003. SCHWARTZMAN, S. Bases autoritarismo brasileiro. Rio Janeiro, ed. Campus, 2ed, 1988. do dei

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SOUZA, J. A construo social da subcidadania: para uma sociologia

Sobre tal questo no Brasil Paulo Arantes (1992) afirma: S que agora a disparidade entre padro civilizatrio e inculta paisagem local no reflete mais o contraste entre dois mundos vinculados pela colonizao, mas o

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 204

resultado da persistncia do Antigo Regime num pas que o capital ia refazendo. Pois essa nova dualidade que realimenta o sentimento brasileiro de contrastes (p.20).Neste sentido, o atraso no seria mais resultante de uma dualidade representativa da constituio de dois Brasis, mas sim resultante de permanncia do atraso entrelaado ordem moderna que ia se constituindo. A passagem de Paulo Arantes nos ajuda a compreender como o atraso representado pelo patrimonialismo constitui-se em um elemento central para Fernando Henrique Cardoso em sua interpretao do Brasil. ii A UNESCO financiou uma pesquisa sobre as relaes raciais no Brasil para demonstrar que o Brasil seria o exemplo de relaes raciais diferenciadas. Neste momento imperava no Brasil com lxico fundamental a idia de democracia racial. Neste sentido, os trabalhos liderados por Florestan Fernandes tero grande importncia na negao desta tese, na medida em que demonstraro como as relaes raciais no pas eram marcadas por grande arbtrio e violncia. Com isso, demonstrariam como a tese da democracia racial no pas era um verdadeiro mito. Para uma anlise da questo racial em Florestan c.f.Ferreira (1996). iii Como afirma Romo (2006) em seu cuidadoso trabalho sobre o CESIT, a criao deste centro representou uma mudana na linha de pesquisa dos socilogos da USP reunidos na Cadeira de Sociologia I sob a direo de Florestan Fernandes. Aps os estudos sobre as relaes raciais, que resultaram em livros como Capitalismo e Escravido de Fernando Henrique Cardoso, os pesquisadores passam a se preocupar com as questes relativas ao desenvolvimento brasileiro.Portanto, o tema do desenvolvimento brasileiro apenas teve um carter sistemtico para os socilogos uspianos quando estes estavam alocados no mbito do CESIT (Romo, idem) De acordo com Romo(ibid): No se trata de diminuir aqui a importncia das pesquisas sobre relaes raciais, principal tema de pesquisa da Cadeira na segunda metade da dcada de 1950. Quer-se apenas frisar a postura decisivamente poltica de se optar por pesquisar temas candentes do cenrio poltico nacional. Isso ocorre, de forma organizada, apenas a partir da criao do CESIT (p.224-25). Esta mudana de temtica

representou uma crescente aproximao do grupo acadmico com grupos externos universidade em busca de uma atuao mais candente no debate poltico nacional(Romo,2006,p.22).A afirmao de Romo vai ao encontro de nossa periodizao do pensamento sociolgico de Fernando Henrique Cardoso, quando afirmamos que as preocupaes com o desenvolvimento brasileiro ainda no esto presentes de forma sistemtica em Capitalismo e Escravido. Estas s viro a aparecer, como vimos, em Empresrio Industrial e Desenvolvimento Econmico no Brasil. iv Importante deixar claro que o tema do desenvolvimento continua a possuir importncia para Cardoso, sobretudo em seu debate com outros dependentistas como Ruy Mauro Marini e Theotnio dos Santos no final dos anos 1970. Ao contrrio da perspectiva dos autores, Cardoso afirmava que o regime militar no levaria o pas estagnao, mas sim ao desenvolvimento que teria naquele momento o carter de dependente-associado.Mesmo assim, as anlises mais importantes de Cardoso no perodo nos parecem aquelas feitas no sentido de caracterizar a natureza do regime autoritrio brasileiro e as possveis condies de democratizao do pas. Sobre o debate entre Cardoso, Marini e Theotnio dos Santos no final dos anos 1970 cf. Baptista (2004). v Cardoso (2003), demonstrando o rigor dispensado por ele na utilizao das categorias weberianas Construdas em Economia y Sociedad (1964) em sua obra afirma: Convm ainda deixar claro que, para Weber, os limites entre os conceitos tpicos-ideiais so fluidos. Assim, a esteriotipao e a apropriao monopolizadora dos cargos por seus titulares criaram o tipo estamental do patrimonialismo. Nesse sentido, algumas situaes histricas no Brasil permitiriam o emprego rigoroso da expresso patrimonialismo estamental (p.147). Este cuidado dispensado por Cardoso em Capitalismo e Escravido na caracterizao do patrimonialismo estamental da sociedade gacha segundo as proposies weberianas no encontrado, por exemplo, em Autoritarismo e Democratizao e A Construo da Democracia, obras nas quais Cardoso utiliza o conceito de patrimonialismo estamental no mais em conformidade no com o modelo

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O PATRIMONIALISMO NA SOCIOLOGIA DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E O ATRASO BRASILEIRO P g i n a | 205weberiano, mas sim com afinidades eletivas com a interpretao proposta por Raymundo Faoro. vi Em Dependncia e Desenvolvimento Cardoso e Faletto (1984), ao se referirem a debilidade da estrutura de classes no Brasil, afirmam que: Modernizao da economia exportadora se expressa, pela primeira vez, com repercusses polticas nacionais abolio da escravatura queda do Imprio. Este era a garantia no somente simblica, mas a mais efetiva, da soma de interesses regionais baseados em uma economia escravocrata e uma dominao patrimonialista. (p.63). Como podemos verificar, o conceito de patrimonialismo continua presente na teoria de Cardoso sobre a dependncia na Amrica Latina, o que nos ajuda a refutar a interpretao de Srgio Tavolaro vista acima, pois a modernizao econmica coexistia com a dominao patrimonialista, e no a extirpou como afirma Tavolaro. vii Ao caracterizar o autoritarismo iniciado em 1964, Cardoso (1982) procurou demonstrar que o regime ento vigente era completamente novo em relao ao autoritarismo tradicional pelo qual havia passado a Amrica Latina e o Brasil: O Regime burocrtico-autoritrio diferente das velhas formas de domnio do caudilho quer civil quer militar. Um novo fenmeno emergiu na Amrica Latina contempornea. As foras armadas tomam o poder no como no passado para manter um ditador no poder (tal como Vargas ou Pern) mas em vez disso para reorganizar o pas segundo a ideologia de segurana nacional da moderna doutrina militar. Em contrate com as formas tradicionais de domnio militar na Amrica Latina, o militarismo contemporneo se projeta da mesma forma devido ao governo j mencionado da instituio militar como organizao. (p.43-44) viii Apesar de no concordar com todos os pontos de sua teoria (discordncia esta que no tenho como reproduzir neste artigo), considero que a teoria da subcidadania de Jess Souza nos traz elementos fundamentais para compreendermos nossa desigualdade contempornea, na medida em que enfoca a importncia de elementos impessoais para a constituio da desigualdade, como nos insights de Fernando Henrique Cardoso em Capitalismo e Escravido que, infelizmente, foram

abandonados pelo subseqentes.

autor

em

suas

obras

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