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FIGURAS DE LINGUAGEM NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLLANDA Luís Alberto Paz Delgado Filho 1 RESUMO: Este artigo apresenta definições e características das principais figuras de linguagem da língua portuguesa em uso na cultura brasileira, valendo-se exclusivamente, como exemplos, das letras da obra musical do compositor e cantor Chico Buarque de Hollanda, criadas individualmente ou em conjunto com outros compositores. A partir da compilação e da interpretação das letras dessas canções, acessadas na página eletrônica do compositor na internet, em cotejo com o trabalho de estudiosos das figuras de linguagem, e outros autores, busca-se expor o potencial comunicativo e expressivo dessas figuras utilizadas pelo compositor nas diferentes circunstâncias e intenções do discurso de seus eus líricos. Ao fim, conclui-se que uma obra reconhecida dentre outros atributos, pela capacidade de reproduzir a fala cotidiana da vida brasileira, revelar as intimidades e sutilezas de sentimentos comuns a homens e mulheres, bem como criar e experimentar formas originais de linguagem – como vem a ser a obra musical de Chico Buarque – é naturalmente imbricada desses recursos da linguagem, conferindo assim mais nitidez à imagem construída por seus versos e acordes. PALAVRAS-CHAVE: Figuras de linguagem; Comunicação e Expressão; Língua Portuguesa; Canções; Chico Buarque de Hollanda. Palavra prima Uma palavra só, a crua palavra Que quer dizer Tudo Anterior ao entendimento, palavra Palavra viva Palavra com temperatura, palavra Que se produz Muda Feita de luz mais que de vento, palavra 1 Especialização em Língua Portuguesa pela Faculdade de Educação São Luís. [email protected] - Orientador: Prof. Marcos Guariz

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FIGURAS DE LINGUAGEM NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE

HOLLANDA

Luís Alberto Paz Delgado Filho1

RESUMO: Este artigo apresenta definições e características das principais figuras de

linguagem da língua portuguesa em uso na cultura brasileira, valendo-se exclusivamente,

como exemplos, das letras da obra musical do compositor e cantor Chico Buarque de

Hollanda, criadas individualmente ou em conjunto com outros compositores. A partir da

compilação e da interpretação das letras dessas canções, acessadas na página eletrônica

do compositor na internet, em cotejo com o trabalho de estudiosos das figuras de

linguagem, e outros autores, busca-se expor o potencial comunicativo e expressivo

dessas figuras utilizadas pelo compositor nas diferentes circunstâncias e intenções do

discurso de seus eus líricos. Ao fim, conclui-se que uma obra reconhecida dentre outros

atributos, pela capacidade de reproduzir a fala cotidiana da vida brasileira, revelar as

intimidades e sutilezas de sentimentos comuns a homens e mulheres, bem como criar e

experimentar formas originais de linguagem – como vem a ser a obra musical de Chico

Buarque – é naturalmente imbricada desses recursos da linguagem, conferindo assim

mais nitidez à imagem construída por seus versos e acordes.

PALAVRAS-CHAVE: Figuras de linguagem; Comunicação e Expressão; Língua

Portuguesa; Canções; Chico Buarque de Hollanda.

Palavra prima Uma palavra só, a crua palavra Que quer dizer Tudo Anterior ao entendimento, palavra Palavra viva Palavra com temperatura, palavra Que se produz Muda Feita de luz mais que de vento, palavra

1 Especialização em Língua Portuguesa pela Faculdade de Educação São Luís. [email protected]

- Orientador: Prof. Marcos Guariz

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Palavra dócil Palavra d'água pra qualquer moldura Que se acomoda em balde, em verso, em mágoa Qualquer feição de se manter palavra Palavra minha Matéria, minha criatura, palavra Que me conduz Mudo E que me escreve desatento, palavra Talvez, à noite Quase-palavra que um de nós murmura Que ela mistura as letras que eu invento Outras pronúncias do prazer, palavra Palavra boa Não de fazer literatura, palavra Mas de habitar Fundo O coração do pensamento, palavra

Chico Buarque - ―Uma palavra‖, 1989.

1. INTRODUÇÃO

Segundo o dicionário Aurélio, uma das definições da palavra canção é a de

―composição escrita para musicar um poema ou trecho em prosa, destinada ao canto,

com acompanhamento ou sem ele‖ (BUARQUE DE HOLLANDA FERREIRA, 1999,

p. 386).

Por essa acepção, não é possível afirmar que toda canção, necessariamente, traz

consigo palavras, frases e orações encadeadas entre si, já que a canção também pode

ser pensada como uma forma de expressão composta por sons e fonemas (e ainda assim

ser escrita) que, por si só, não formam palavras - ao menos não como as conhecemos

habitualmente, com significado delimitado e de uso comum por determinado grupo de

pessoas.

No entanto, se não se trará a este trabalho todas as possíveis definições do que

seja ‗canção‘, colocar-se-á em evidência aquela conhecida como a reunião harmônica de

melodia e discurso, modo artístico de expressão que encontra nas palavras uma de suas

matérias-primas.

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Uma vez delimitada a definição da canção a que este trabalho se refere, pode-se

passar à observação da importância que ela, sobretudo a canção popular, exerce na vida

das pessoas, como meio de expressão capaz de aplacar necessidades de reconforto e

recreação, performance e declaração, catarse e disciplina.

Um dos instrumentais de que lançam mão as canções para cumprir esse mister

são as figuras de linguagem, tais como a metáfora, a metonímia, o paradoxo, etc. Essas

figuras parecem encontrar nas formas de expressão artísticas, como a canção, maior

estímulo para revelar todo seu potencial estético e afetivo. Com relação à sua definição,

José Carlos de Azeredo (2011, p. 483) assim as apresenta:

Podemos definir figuras de linguagem como formas simbólicas ou elaboradas de

exprimir ideias, significados, pensamentos etc., de maneira a conferir-lhes maior

expressividade, emoção, simbolismo etc., no âmbito da afetividade ou da estética

da linguagem.

Contudo, as figuras de linguagem estão também amplamente presentes na

linguagem cotidiana, na fala do dia a dia, cumprindo as mesmas funções de aprimorar e

intensificar as razões do discurso. Uma característica fundamental destas figuras é o

sentido conotativo que elas emprestam às palavras e expressões. Se a fome é muita,

mostrá-la como prestes a levar a óbito é uma das maneiras de revelar a sua intensidade,

e.g. ―Estou morrendo de fome‖. Se não se sabe prontamente qual o verbo que designa o

ato de adentrar no ônibus, toma-se emprestado o verbo usado para adentrar numa

embarcação, e.g. ―vou embarcar no ônibus‖. E uma das maneiras de se fazer troça do

preço elevado de dado objeto é usar o adjetivo inverso que lhe caberia, e.g. ―aquele

helicóptero custa baratinho‖.

Para Nilson Teixeira de Almeida (2009, p. 410), o sentido conotativo e denotativo da

linguagem pode ser assim definido:

Denotação é o significado básico e objetivo de uma palavra, não permitindo mais de uma interpretação. [...] Conotação é o emprego de uma palavra no sentido figurado, associativo, possibilitando várias interpretações ao receptor. Dessa maneira, a denotação possui a propriedade de apresentar significados diferentes do sentido original da palavra, abrindo caminho para a subjetividade.

Enquanto a face denotativa de linguagem parece acomodar-se melhor à linguagem

objetiva e impessoal - como a dos jornais, das bulas de remédio, dos manuais e das

conversas protocolares - por outro lado, é mais fácil notar a presença da face conotativa

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nas formas de expressão subjetivas, como os bate-papos, declarações, discussões.

E se for admitido que as canções populares buscam nestes tipos de interação

comunicativa uma de suas matérias-primas para sua composição, a consequência lógica

desse processo é que as figuras de linguagem acabem permeadas na maior parte dos

versos e estribilhos. Assim, essas figuras, que já integram largamente a fala subjetiva,

encontram nas canções um veículo potencializador da sua maneira de revelar e

enriquecer os dizeres.

Também, por vezes, é a necessidade de as palavras e frases se acomodarem à

harmonia da melodia da canção, ou serem omitidas dela de modo proposital, que será o

germe das chamadas figuras de sintaxe, um dos tipos de figuras de linguagem. Já os

sons que as palavras emitem, também podem ser utilizados como maneira de ressaltar

intenções discursivas, como no caso das figuras fônicas.

Ratificar e apresentar a extensão dessa simbiose entre a canção popular e as

intenções e utilidades das várias espécies de figuras de linguagem é o objetivo primeiro

deste trabalho.

Não se pretende neste trabalho traçar um método divergente daquele utilizado pela

didática do aprendizado. A diferença é que, se nos livros de língua portuguesa ocorre a

utilização da obra de diversos autores, neste trabalho será utilizado, para exemplificar as

características das figuras de linguagem, a obra musical de um único compositor: Chico

Buarque de Hollanda.

A gênese para a escolha da obra de Chico Buarque, como representativa dessa

absorção das principais espécies de figuras de linguagem pela canção popular, deve-se à

observação da conhecida habilidade de Chico com as palavras. Não seria exagero dizer

que a letra de ―Construção‖, canção composta em 1971, com suas propaladas rimas de

palavras proparoxítonas e de crítica social, seja uma das mais estudadas nas escolas.

Também as canções de resistência à ditadura militar de 1964-1985 e a multiplicidade de

personalidade de seus eus líricos parecem difundidos na memória afetivo-musical de boa

parte dos brasileiros.

O jornalista Fernando de Barros e Silva (2004, p. 8-9) define assim a importância

de Chico Buarque para a cultura brasileira:

Não é preciso insistir na importância de Chico Buarque para a cultura brasileira.

Ninguém duvida dela. Sua atividade como artista, que se estende por quatro

décadas e segue muito afiada, já legou ao país uma obra muito extensa e

diversificada. Mas ao mesmo tempo muito coesa e coerente. As dificuldades de

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quem pretende se aproximar dela começaram por aí: como puxar o fio que a

atravessa do início ao fim sem desdenhar suas complexidades, suas modulações,

suas sutilezas, suas variações no tempo?

De nenhum outro compositor ou escritor contemporâneo talvez se possa dizer que

a história do Brasil, de 1964 até hoje, passa por dentro de sua obra. É exatamente

essa a sensação que nos transmite o contato com a criação de Chico. Ela não

apenas registra a nossa história, como frequentemente a revela para nós sob

ângulos insuspeitados, amarrando e comunicando a experiência coletiva aos

segredos e abismos da subjetividade de cada um. É o inconsciente do país que

parece falar na rede simbólica que Chico nos estendeu ao longo dos anos.

Ademais, é preciso salientar que o presente trabalho não pretende ser totalizante.

Não serão extraídos da obra do compositor todos os exemplos de figura de linguagem por

ele utilizados. Primeiro, porque o garimpo a que se procedeu nesta pesquisa, sobre

centenas de canções, teve de se autolimitar por razão do número máximo de páginas a

que este trabalho está submetido. E segundo, porque ainda que não houvesse a referida

limitação, é forçoso reconhecer que diante de tão vasta obra e da sutileza que muitas

vezes caracteriza as figuras de linguagem ou a diferencia de outras, exemplos destas

passariam despercebidos.

Após essas considerações, ainda é preciso que duas questões sejam enfrentadas.

Será mesmo possível desmembrar as partes de uma canção, tratando suas letras como

corpos autônomos que prescindem de sua melodia e de sua prosódia musical? E mais,

trechos recortados dessas canções com o intuito de exemplificar as várias espécies de

figuras de linguagem podem servir à compreensão desses recursos expressivos sem que

se necessite de uma visão geral do contexto e da intenção comunicativa do enunciador?

Com relação à primeira questão, o jornalista Geneton Moraes Neto (2004) parece

ter uma posição favorável a essa possibilidade:

As rimas que o poeta Chico Buarque engendra há uns bons trinta e cinco anos (!) teriam vida própria se, desgarradas da música, pousassem nas páginas do livro que ele, provavelmente, jamais lançará. Para todos os efeitos, o livro já foi escrito (é só reunir o caminhão de rimas inesperadas, achados brilhantes, metáforas belíssimas que ele foi armazenando pelo caminho). Mas permanecerá inédito, em forma de páginas soltas nas faixas dos discos. [...]

Dessa opinião, reacende-se uma discussão entre aqueles que já viram na obra de

Chico um objeto de análise literária. O recorte de letras das canções do compositor não é

uma ideia original deste trabalho. Desde o início de sua carreira, a academia disseca suas

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letras, abordando seus mais variados aspectos. Um possível corolário dessa

fragmentação na análise das canções de Chico Buarque é a frequente consideração de

que o compositor também é um poeta, como o faz Moraes Neto, na citação do parágrafo

precedente. A respeito dessa nova condição, o próprio Chico Buarque demonstra sua

reserva:

[...] em primeiro lugar eu não sou poeta; eu faço letra de música e não poema. [...] Eu transo a palavra, quando estou fazendo música e letra, eu transo a palavra junto com a música. É um trabalho, é uma coisa só.

Mais tarde, Chico argumentaria mais detidamente a esse respeito, refutando

novamente que suas letras musicais sejam também poesia:

[...] as pessoas falam isso, comparam muito com poesia, não tem nada a ver, é outra coisa, mas é muito mais difícil, porque você tem que fazer aquela letra, respeitando cada nota, a métrica, que não é exatamente como a fórmula fixa de um soneto, por exemplo. Não, não é uma fórmula fixa. Cada frase é de um tamanho diferente, e tem que respeitar a prosódia musical, ou seja, a tônica das palavras coincidir com a tônica da música, ou desrespeitar a prosódia de propósito, tudo isso, e no fim ainda fazer algum sentido, de preferência (resultar) uma coisa interessante ou bonita de se ouvir. [...]

Embora esta discussão esteja longe de ser um dos objetivos deste trabalho, utiliza-

se dela para deixar claro que, durante o presente recorte exemplificativo de trechos de

suas canções, não se entrará no mérito de serem eles partes integrantes de um labor

poético.

Aqui, a premissa que recairá sobre sua obra será a de que as letras fazem parte de

canções, e que isoladas da melodia e de sua prosódia musical perdem muito de seu

potencial expressivo, mas que, para o fim a que este trabalho se propõe, elas poderão ser

observadas como o resultado de uma tentativa de reprodução de um discurso subjetivo

corrente, bem como de uma necessidade de melhor expressão.

Não se quer com a abstenção dessa discussão negar atributos da obra de Chico e

de outros compositores, mas parece evidente que os recursos expressivos da língua,

ainda que por si só não sejam classificados como poesia, podem integrar um discurso tão

admirável e expressivo quanto esta.

Já com relação à possibilidade de se analisar os exemplos de figuras de

linguagem, descolando-as do contexto e da intenção do enunciado, parece não ser essa a

melhor tentativa de exposição, como assevera Azeredo (2011, p. 483):

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Como as palavras, as figuras de linguagem não significam isoladas, independentes; sua significação emana das combinações de que elas participam nos contextos situacional e linguístico de sua ocorrência. Como elas estão inseridas na macrossemântica do texto, sua capacidade de expressar uma significação não depende só delas, o que torna inócuo o seu inventário, o seu mero reconhecimento sem que se tenha a devida competência linguística para perceber a funcionalidade no amplo complexo da textualidade não depende só delas.

Assim, a devida contextualização dos trechos das canções, situando-a no tempo,

espaço e circunstâncias dos eus líricos será o elo harmonizador entre estas e a finalidade

do exemplo didático.

A lista com as canções cujos trechos foram analisados encontra-se no anexo A, na

parte final deste trabalho.

2. FIGURAS DE LINGUAGEM

Azeredo (2011) divide as figuras de linguagem – e toda divisão ou esquema nesta

matéria parece atender a uma necessidade puramente didática – em quatro grupos:

figuras de palavras, figuras de pensamento, figuras de sintaxe e figuras fônicas.

Já Almeida (2009) utiliza-se de um grupo a menos, trazendo para junto das figuras

de palavras todas as figuras de pensamento elencadas como tais por Azeredo.

Ressalta-se uma vez mais que as classificações das figuras de linguagem parecem

servir principalmente ao didatismo do aprendizado, do que propriamente a um

enquadramento incontroverso dos símbolos que elas exprimem, já que, como já dito e

será visto adiante, o que caracteriza uma figura de linguagem, ou a distingue de outra, é

muitas vezes uma sutileza que faz com que não haja uma acomodação estável delas em

modelos pré-definidos.

2.1. FIGURAS DE PALAVRAS

Para Azeredo (2011, p. 484), ―as figuras de palavras referem-se à significação das

palavras, desviando-se da significação que o consenso identifica como normal‖. As

principais delas são a metáfora, metonímia, catacrese, antonomásia e a diáfora.

Embora Azeredo classifique o símile como figura de pensamento, optou-se neste

trabalho em antecipar sua exposição no tópico das figuras de palavras por sua estreita

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semelhança com a metáfora.

2.1.1. Símile

Para Azeredo (2011, p.496), o símile é:

[...] uma comparação assimilativa por meio da qual uma coisa é explicitamente equiparada a outra. Essa comparação, em geral, é realizada mediante o uso da conjunção como ou equivalente (tal como, tal qual etc.) Para maior efeito de sentido em uma enunciação linguística, o símile realiza, mediante uma expressão conectiva, o cotejo de formas de significação diferente, de sorte que o receptor da mensagem é induzido a projetar, no termo comparado, propriedades relevantes do termo comparante. Não chamam atenção comparações lógicas e usuais tais como Ela era magra como sua mãe, porque carecem de qualquer função expressiva singular. A finalidade do símile é orientar o pensamento do receptor da mensagem, tornando mais perceptível a relação que se pretende estabelecer entre fatos ou seres envolvidos no processo de comparação. O símile de maior rendimento é, obviamente, o que ativa a associação de domínios conceptuais aparentemente sem correspondência; só assim o enunciador consegue delimitar o alcance singular de sua percepção e desencadear uma experiência equivalente no receptor.

O símile, espécie de comparação assimilativa, é uma figura de linguagem muito

próxima da metáfora, uma vez que associa termos conceptuais distintos, porém com o

uso de conjunções, sendo, por alguns autores, chamada de comparação metafórica.

Na canção ―Eu te amo‖ (1980), canção composta em parceria de Tom Jobim2, um

exemplo de símile:

[…] Como, se nos amamos feito dois pagãos

Teus seios inda estão nas minhas mãos Me explica com que cara eu vou sair […]

Na canção tomada como exemplo, o eu lírico rememora a paixão de outrora

fazendo alusão a uma ideia do que pode vir a ser o modo de amar dos povos pagãos.

Pretende demonstrar, assim, que o sentimento vivido faz parte de uma qualidade de amor

forte e intenso, como é, presumivelmente, o amor experimentado por esses povos

míticos. Para obter essa comparação, é utilizado o conectivo ―feito‖, conjunção

comparativa (feito dois pagãos). Na caracterização da metáfora, como será visto, não há

o uso de conectivos comparativos.

2 Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1927 — Nova Iorque, 8 de dezembro de 1994), mais conhecido pelo seu

nome artístico Tom Jobim, foi um compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista brasileiro.

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Sempre Eu te contemplava sempre Feito um gato aos pés da dona Mesmo em sonho estive atento Pra poder lembrar-te sempre […]

Em ―Sempre‖ (2006), ocorre o cotejo de diferentes signos, de sorte que o ouvinte

da canção é induzido a projetar no termo comparado (o modo de contemplar do eu

lírico), propriedades relevantes do termo comparante (o modo de um gato contemplar a

sua dona).

[…] Oh, pedaço de mim, Oh, metade exilada de mim, Leva os teus sinais, Que a saudade dói como um barco

Que aos poucos descreve um arco E evita atracar no cais […]

Na canção ―Pedaço de mim‖ (1977/78), pode-se notar uma vez mais na obra de

Chico Buarque a utilização do símile como modo de se comparar domínios conceptuais

distintos, mas que podem, com o uso da imaginação, assemelhar-se. Na busca de

descrever as agruras da saudade, da perda, da falta, o compositor projeta, com sua letra,

a imagem de um barco que se aproxima do cais, mas que com seu movimento de retorno

ao mar, angustia e frustra a expectativa dos que esperam em terra. Eis, para Chico, uma

sensação possível causada pela saudade.

2.1.2. Metáfora

Na definição de Azeredo (2011, p. 418/485):

A metáfora consiste no emprego de palavras ou expressões convencionalmente identificadas com um dado domínio de conhecimento para verbalizar experiências conceptuais de outro domínio. […] A metáfora é um recurso amplamente usado no discurso cotidiano, por mais que seja tradicionalmente tratado como característico da linguagem da poesia.

É um ―princípio onipresente da linguagem‖, pois é um meio de nomear um conceito de um dado domínio de conhecimento pelo emprego de uma palavra usual em outro domínio. Essa versatilidade faz da metáfora um recurso de economia lexical, mas como um potencial expressivo muitas vezes surpreendente. […] A metáfora resulta de uma operação substitutiva; a associação semântica se articula no eixo paradigmático. Trata-se de um processo que envolve termos de

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domínios conceptuais distintos, entre os quais promove uma assimilação mental. A eficiência do seu efeito de sentido está atrelada à intensidade dessa assimilação. Se a expressão linguística que caracteriza a metáfora for interpretada em sua literalidade, torna-se incompreensível pela impertinência semântica.

Para Almeida (2009, p. 412), a metáfora consiste na substituição de um termo por

outro a partir de uma relação de semelhança entre os elementos que tais termos

designam.

Diferentemente do símile, na metáfora não haverá o uso de conectivos

comparativos. Ainda como assevera Almeida (2009, p. 412), a metáfora também pode ser

entendida como uma comparação abreviada, em que o nexo comparativo não está

expresso, mas subentendido.

[…] Mas na manhã seguinte

Não conta até vinte Te afasta de mim Pois já não vales nada És página virada Descartada do meu folhetim.

Na canção ―Folhetim‖ (1977/78), composta para o musical ―Ópera do Malandro‖

(1978) do próprio Chico, ao comparar seu amante à página virada de um folhetim, a

personagem busca compará-lo a algo superado, distante, que ficou para trás. O objetivo

da metáfora utilizada por Chico é causar uma substituição de um conceito de um dado

domínio (o amante) pela assimilação de outro conceito distinto, no caso, uma página de

papel já lida e pela qual já não sem têm mais expectativas. Evidencia-se assim o que

ambos os conceitos (o amante e a página virada) podem ter em comum.

[…] Sua boca é um cadeado

E meu corpo é uma fogueira

Enquanto ele dorme pesado Eu rolo sozinha na esteira.

Em ―Sem Açúcar‖ (1975), o silêncio do amante parece tamanho, que a imagem que

bem pode representar o cerramento de sua boca é mesmo a do cadeado. Já para se auto

descrever, a mulher desta canção compara o próprio corpo a uma fogueira. Ambos

parecem arder; a fogueira pela combustão de seus elementos. O corpo pelos desígnios

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do próprio desejo.

Nenhuma boca, claro, é um cadeado, assim como nenhum corpo é uma fogueira.

Mas como nesse e nos outros exemplos, a intenção metafórica é destacar o que de

relevante e comum há entre termos, a priori, distintos.

[…] Se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios

Rompi com o mundo, queimei meus navios

Me diz pra onde é que inda posso ir […]

A ideia de queimar os próprios navios representa, na imagem metafórica, a certeza

de não precisar mais deles para retornar ao lugar de origem, já que não há dúvidas de

que se quer ficar para sempre no lugar onde atualmente se encontra. O trecho da canção

é a metáfora para esse arrebatamento, para os momentos de desvarios da paixão - como

bem diz a canção - do rompimento com o mundo diante do amor que se apresenta.

Mas em ―Eu te amo‖ (1980), diante do fim iminente do relacionamento, como pode

o amante partir se seus navios foram destruídos? É tudo que ele se pergunta.

2.1.3. Metonímia

Na definição de Azeredo (2011, p. 485), a metonímia:

Consiste na transferência de um termo para o âmbito de um significado que não é o seu, processado por uma relação cuja lógica que se dá, não na semelhança, mas na contiguidade das ideias. Diferentemente da metáfora, na metonímia a associação semântica se realiza pela supressão de termos sintáticos; logo sua articulação se dá no eixo sintagmático. Sua atuação ocorre em apenas um domínio conceptual, pois os termos que se relacionam pertencem ao mesmo campo sêmico, de maneira que um substitui o outro.

Para Almeida (2009, p. 412), a metonímia é o emprego de uma palavra por outra

com a qual apresenta certa interdependência de sentido.

Se na metáfora os termos comparados pertencem a domínios distintos do

conhecimento (boca, cadeado; corpo, fogueira), na metonímia os termos guardam relação

contíguas entre si.

[…] E deixou minha mãe com o olhar Cada dia mais longe

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Esperando, parada, pregada, na pedra do porto Com seu único velho vestido

Cada dia mais curto […]

―Minha História‖ (1970), versão de Chico Buarque da canção italiana ―Gesù

bambino” (1943), interpretada por Lucio Dalla3 e Paola Pallotino4 e de autoria de Pietro

Yon5 (SALVATORE, 2010, p. 78), narra a história do sujeito errante que, entre outros

infortúnios, jamais conheceu o próprio pai. A mãe, grávida dele mesmo, tem o passar dos

dias de sua gestação revelado a partir de um detalhe de sua roupa. O velho e único

vestido, com o aumento irrefreável da barriga gestante, e por isso mais curto a cada dia, é

quem anuncia a criança que está por vir, como também o desamparo em que esta mulher

se encontra.

A gravidez e sua repercussão no vestuário da mulher são eventos correlatos e

interdependentes. Iluminar as consequências de um fato em vez dele mesmo é

característica da fala metonímica, muitas vezes sutil, o que pode exigir de quem lê ou

ouve uma visão mais abrangente daquele acontecimento.

[…] Aliás, Aceite uma ajuda do seu futuro amor Pro aluguel, Devolva o Neruda que você me tomou, E nunca leu […]

O poeta chileno Pablo Neruda6, um dos grandes da língua espanhola, escreveu

dezenas de livros. Na canção ―Trocando em miúdos‖ (1978), composta junto de Francis

Hime7, o eu lírico, ao pedir de volta o objeto emprestado, não especifica se tratar de um

livro. Cita tão somente o sobrenome de seu autor, o que, além de demonstrar a

familiaridade do dono do livro com a obra do poeta, parece ser suficiente para deixar claro

à outra pessoa o que se está cobrando. É o emprego do nome do autor, em vez do título

de seu livro, que faz dessa citação um exemplo de metonímia.

3 Lucio Dalla (Bologna, 04 de março de 1943 - Montreux, 01 de março de 2012) foi um músico, compositor e ator italiano.

4 Paola Pallotino (Roma, 09 de abril de 1939) é uma historiadora de arte, ilustradora italiana e letrista.

5 Pietro Alessandro Yon (8 de agosto de 1886 - 22 de novembro de 1943) foi um organista e compositor de origem italiana que fez sua carreira nos

Estados Unidos.

6 Pablo Neruda é o pseudônimo de Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto (Parral, 12 de julho de 1904 — Santiago, 23 de setembro

de 1973). Foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha (1934 — 1938) e no México. Neruda recebeu o Nobel de Literatura em 1971.

7 Francis Victor Walter Hime (Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1939) é um compositor, arranjador, pianista e cantor brasileiro.

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[…] Já te vejo brincando Gostando de ser Tua sombra a se multiplicar Nos teus olhos também posso ver As vitrines Te vendo passar […]

O ciúme é um dos sentimentos que se fazem sentir em ―As vitrines‖ (1981). As

sombras que se multiplicam na visão do eu lírico são as novas pessoas (novos amores?)

que se aproximam da pessoa amada, dividindo com ela, agora, o mesmo espaço e

compartilhando da mesma luz que a ilumina. É também uma imagem bastante utilizada

no cinema. Opta-se, nesse caso, por não explicitar a cena, mas apenas sugerir o que

pode estar acontecendo. Delega-se à imaginação o encargo de desvendar o que não está

ao alcance dos olhos.

Dois outros exemplos de metonímia nas canções de Chico Buarque:

Por que cresceste, Curuminha, Assim depressa e estabanada Saíste maquiada Dentro do meu vestido Se fosse permitido Eu revertia o tempo […]

Em ―Uma canção desnaturada‖ (1979), o desgosto da mãe diante de uma filha já

crescida e de atitudes supostamente reprováveis faz com que ela demonstre

arrependimento de tê-la gerado. De novo, o vestido e a gravidez nas canções de Chico se

apresentam como termos conceptuais indissociáveis. Se a barriga da mãe está dentro do

vestido, não é menos verdade que as crianças, ao nascerem, também saem de dentro

deste.

[…] Te perdoo Por ergueres a mão Por bateres em mim

Te perdoo […]

Na canção ―Mil perdões‖ (1983), a agressão do amante é relatada tanto de modo

implícito (por ergueres a mão) como explícito (por bateres em mim). Um dos gestos

característicos da agressão é a mão espalmada, suspensa, pronta para ser desferida

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contra quem se quer atingir. Chico utiliza-se primeiro do gesto característico da agressão,

para depois explicitá-la. No trecho destacado ocorre a descrição do ato imediatamente

anterior à agressão, como se este já fosse a própria.

2.1.4. Catacrese

Segundo Azeredo (p. 487, 2011),

Catacrese é a metáfora já incorporada à língua, geralmente para suprir a falta de um termo específico no vocabulário corrente. Trata-se, portanto, do resultado de um processo de lexicalização da acepção metafórica, razão por que os dicionários, aproximando-as das 'expressões idiomáticas', geralmente a registram.

Para Thaís Nicoleti de Camargo, consultora de língua portuguesa do jornal Folha

de São Paulo:

A essa extensão de sentido baseada na analogia chamamos catacrese, espécie de metáfora obrigatória. Metáfora por nascer do princípio da comparação, mas "obrigatória" por ceder antes a um imperativo de uso que a necessidades expressivas. […] De feição nitidamente popular, a catacrese nasce do apagamento da etimologia da palavra. A relação de semelhança - própria da metáfora - prevalece, mas desprovida de intenção poética. […] A catacrese tem sua eficácia assegurada pela possibilidade de analogia, mas a ausência de polissemia e de originalidade a distancia da fertilidade da metáfora.

[…] Tornar azeite o leite Do peito que mirraste No chão que engatinhaste Salpicar mil cacos de vidro […]

Em outro trecho da canção ―Uma canção desnaturada‖, a hipótese perversa

engendrada pela mãe desgostosa consiste em colocar muitos pequenos cacos de vidro

no caminho da filha, que ainda engatinha. Utilizar o verbo ―salpicar‖ para designar ações

que não digam respeito a espalhar pedras de sal sobre algo não causa estranheza, pois é

uma expressão que, de tão frequente, já foi incorporada ao vocabulário, embora, numa

análise mais detida, perceba-se a quê ―salpicar‖ se refere.

Pois transbordando de flores A calma dos lagos zangou-se A rosa-dos-ventos danou-se O leito do rio fartou-se E inundou de água doce

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A amargura do mar […]

Sabe-se que o leito do rio é a superfície em que suas águas fluem. É possível que,

na falta de algum outro nome para designar essa região do solo fluvial, tenha-se tomado

emprestado o nome ―leito‖, que designa o lugar onde se repousa e que se assemelha ao

termo que, de fato, está em evidência, como no trecho da canção ―Rosa dos ventos‖

(1969).

2.1.5. Antonomásia

Segundo Azeredo (2011, p.487), a antonomásia,

É um recurso de referenciação por meio do qual se emprega um nome comum de um nome próprio e vice-versa. Na antonomásia, ocorre a substituição de um nome de um ser pelo de sua qualidade. Assim, ela constitui uma variedade da metonímia, pois discursivamente há uma relação atributiva inconfundível entre os termos relacionados no domínio conceptual eleito.

Para estufar esse filó Como eu sonhei, só Se eu fosse o Rei […]

Desde que a imprensa francesa apelidou Pelé de o ―rei do futebol‖, sempre que

esta palavra é usada no jargão futebolístico sabe-se de quem se está a falar. Em ―O

futebol‖ (1989), Chico fala de si mesmo, relata um sonho fantástico em que, para fazer na

vida real o gol imaginado, só mesmo sendo tão habilidoso como Pelé, só mesmo sendo ―o

Rei‖.

[…] Não, Nosso Senhor Não há de ter lançado em movimento terra e céu Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel Pra circular em torno ao Criador.

Outro exemplo de antonomásia nas canções de Chico pode ser observado em

―Sobre Todas as coisas‖ (1982), que contou com a parceira de Edu Lobo8. Com a devida

contextualização, ―Criador‖ torna-se sinônimo, na concepção religiosa, para aquele que

8 Eduardo de Góes Lobo, conhecido como Edu Lobo, (Rio de Janeiro, 29 de agosto de 1943) é um cantor, compositor, arranjador e

instrumentista brasileiro.

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criou todo universo, não se referindo mais a um simples criador.

2.1.6. Diáfora

Segundo Azeredo (2011, p. 488), diáfora ―é uma espécie de trocadilho, que

consiste em empregar a mesma palavra – no sentido de 'mesma forma fônica ou gráfica‘

– com sentidos diferentes, a fim de tirar efeito de sua ambiguidade […]

[…] Não, Acho que estás te fazendo de tonta Te dei meus olhos pra tomares conta

Agora conta como hei de partir.

A mesma palavra ―conta‖ é utilizada quase que lado a lado em dois versos de ―Eu

te amo‖. Porém, elas não possuem o mesmo significado. No primeiro caso, a expressão

―tomar conta‖ equivale a ―cuidar, zelar, vigiar‖. No segundo, o significado é de ―dizer‖,

―falar‖, ―explicar‖.

Quando você me deixou, meu bem

Me disse pra ser feliz e passar bem […]

Um outro exemplo da diáfora na obra de Chico Buarque está em ―Olhos nos olhos‖

(1975). No primeiro verso, ―bem‖ é empregado como um substantivo, equivalendo a

―querido‖. É verdade que com um quê de ironia, já que este mesmo ―bem‖ não parece ter

hesitado ao dizer para ela ―passar bem‖. Neste caso, não apenas um advérbio, mas

também um comunicado de despedida.

[…] Éramos nós

Estreitos nós

Enquanto tu És laço frouxo […]

No exemplo acima, de ―Tira as mãos de mim‖ (1972/73), não apenas um exemplo

de diáfora, mas também de antítese (como será visto mais adiante) e metáfora. Esta fica

configurada quando o casal é descrito como um enlaçamento estreito, sem possibilidade

de um se desvencilhar do outro. Mas as formas expressivas parecem zombar das

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tentativas de catalogação. Se a diáfora consiste no uso de palavras grafadas de maneira

idêntica, mas com significados diferentes, e a metáfora neste caso vem justamente dar o

mesmo significado às palavras ―nós‖ (pronome pessoal do caso reto, primeira pessoa do

plural, referindo-se a um casal) e ―nós‖ (plural de nó) é de se questionar se neste caso

trata-se mesmo de uma diáfora. Caso as palavras fossem tomadas por seus significados

literais, não haveria dúvida de sua configuração.

2.2. FIGURAS DE PENSAMENTO

No caso das figuras de pensamento, na definição de Azeredo (2011, p. 496):

O desvio se dá no sentido geral da frase, no entendimento total da mensagem. Essas figuras manifestam seu rendimento no desacordo da relação de verdade entre o que se literalmente e a realidade da qual se fala. Assim, é fundamental o conhecimento do referente, para a perfeita apreensão do sentido que se pretende atribuir ao enunciado.

Serão vistos adiante exemplos de antítese, paradoxo, antífrase (ironia), sinestesia,

prosopopeia e eufemismo.

2.2.1. Antítese

Na definição de Azeredo (2011, p. 497), a antítese

É a relação entre duas unidades de significado – palavras – sintagmas ou enunciados – que expressam conteúdos opostos. Por meio da antítese se realiza uma contraposição simétrica de palavras ou expressões de significação oposta, para dar relevo a uma noção de contraditoriedade que se manifesta do espírito do enunciador.

Utiliza-se novamente da canção ―Tira as mão de mim‖ para exemplificar agora a

caracterização da antítese. Composta para a peça ―Calabar – o elogio da traição‖

(1972/73), de Chico e Ruy Guerra9, a canção tem como eu lírico feminino a personagem

Bárbara, cujo marido Calabar foi morto por Sebastião, com quem Bárbara está frente a

frente. A adoração dela por Calabar e o desprezo por Sebastião são evidenciados nos

termos antagônicos da canção (ele era mil, tu és nenhum; éramos estreitos nós, enquanto

tu és laço frouxo).

Ele era mil

9 Ruy Alexandre Guerra Coelho Pereira (Lourenço Marques, Maputo, 22 de Agosto de 1931) é um realizador de cinema, poeta, dramaturgo e professor

nascido em Moçambique, então território português. Vive no Brasil desde 1958.

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Tu és nenhum

Na guerra és vil Na cama és mocho […]

[…] Éramos nós

Estreitos nós

Enquanto tu

És laço frouxo […]

2.2.2. Paradoxo

Azeredo (2011, p. 496) define o paradoxo como uma espécie de enunciado que vai

de encontro à opinião geral ou que sugere a falsidade de seu próprio conteúdo. Ele

também opina que, na escrita literária em geral, o uso do paradoxo é sempre uma aposta

na legitimidade da incoerência.‖

Na definição de Almeida (2009, p. 415), o paradoxo é o ―emprego de ideias

aparentemente absurdas por meio de palavras que parecem excluir-se mutuamente.‖

Não há por que haver confusão no uso da antítese e do paradoxo. Como já

exposto, a antítese é caracterizada com o uso de palavras ou termos antagônicos, mas

que se acomodam ao senso comum, não se valendo das contradições e sutilezas do

paradoxo.

[…] De todas as maneiras

Que há de amar Já nos machucamos. Com todas as palavras

Feitas pra humilhar Nos afagamos […]

Em ―De todas as maneiras‖ (1980), o paradoxo se dá por meio da aparente

contradição do discurso que expõe tanto as feições menos elogiosas do amor, como a

possibilidade de palavras ―feitas pra humilhar‖, presumivelmente estéreis de qualquer

nobreza, poderem resultar em arrependimento e afagos. A relação amorosa parece se

revestir de complexidade, não mais se situando em classificações estáveis ou lugares

comuns.

[…] Há de haver algum lugar Um confuso casarão

Onde os sonhos serão reais

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E a vida não […]

A canção ―A moça do sonho‖ (2001) é a narrativa de um sonho bom e misterioso,

com um desejo ao fim: de que os sonhos sejam, na verdade, a realidade. O paradoxo

está na imagem também compartilhada pelo escritor argentino Jorge Luis Borges10, que

dizia: ―a realidade é ilusão; a ficção é o real‖ (BARRENECHEA, p. 88, 1957).

Sonhar Mas um sonho impossível Lutar Quando é fácil ceder Vencer o inimigo invencível Negar quando a regra é vender […]

―Sonho impossível‖ (1972) é a versão de Chico Buarque e Ruy Guerra da canção

―The Impossible Dream‖ (1965), de Joe Darion11 e Mitch Leigh12, composta para o musical

―O Homem de La Mancha‖, de Ruy Guerra.

A canção tem como pano de fundo a obra de Miguel de Cervantes13 (1547-1616),

―Dom Quixote de La Mancha‖ (1605). O idealismo delirante de Dom Quixote é fonte para

os paradoxos da canção, da qual destacamos o verso ―vencer o inimigo invencível‖, algo

apartado da razão e da lógica, mas que é perfeitamente adequado à fala paradoxal, que

encontra nas canções e na literatura terreno fértil para sua criação.

[…] Não vai ser em vão

Que fiz tantos planos

De me enganar Como fiz enganos

De me encontrar Como fiz estradas

De me perder Fiz de tudo, E nada de te esquecer.

10

Jorge Francisco Isidoro Luís Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino de ascendência judaico-portuguesa.

11 Joe Darion, (30 de janeiro de 1917 - 6 de junho de 2001) foi um letrista de teatro musical americano, mais famoso pelo Homem de La Mancha. Darion

nasceu nos EUA e morreu no Líbano.

12 Mitch Leigh (nascido em Irwin Michnick, 30 de janeiro de 1928 - 16 de março de 2014) foi um compositor americano de teatro musical e produtor teatral

mais conhecido pelo musical Man of La Mancha.

13 Miguel de Cervantes Saavedra (Alcalá de Henares, 29 de setembro de 1547 – Madrid, 22 de abril de 1616) foi um romancista, dramaturgo e poeta castelhano. A sua obra-prima, Dom Quixote, muitas vezes considerada o primeiro romance moderno, é um clássico da literatura ocidental e é regularmente considerada um dos melhores romances já escritos. O seu trabalho é considerado entre os mais importantes em toda a literatura, e sua influência sobre a língua castelhana tem sido tão grande que o castelhano é frequentemente chamado de La lengua de Cervantes (A língua de Cervantes).

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Em ―Sabiá‖ (1968), outra canção composta em parceria de Tom Jobim, o eu lírico

parece ciente de sua posição de espectador de sua própria trajetória, já podendo ver com

clareza a confusão de seus gestos pretéritos.

Nos paradoxos da canção, há sempre um desmonte de uma intenção inicial cujas

consequências parecem estáveis e previsíveis: os planos que parecem destinados a

grandes realizações, mas que são cortina de fumaça para aquilo que não se quer ver; os

enganos que também podem servir a um bom propósito; e as estradas construídas não

para se levar a novos destinos, mas sim para deles se perder.

2.2.3. Antífrase (Ironia)

Azeredo (2011, p. 501-502) apresenta assim a antífrase:

Uso da linguagem com que, por superstição, malícia ou sarcasmo, se leva o ouvinte/leitor a compreender o oposto do que se declara. A antífrase é um recurso típico do discurso irônico: dissimula-se o pensamento – e mesmo o sentimento – com a expectativa de que o destinatário os compreenda, ditos embora por meio de expressões que denotam o contrário. […] Fenômeno que extrai sua graça da sutileza, a ironia é, por excelência, um procedimento de distanciamento crítico, que envolve, porém, um alto risco: seu sucesso depende da cumplicidade cooperativa do ouvinte/leitor. Este precisa dominar e operar as regras do jogo, por mais que elas não estejam combinadas de antemão com ele.

Para Almeida (2009, p. 415), que se utiliza apenas do termo ‗ironia‘, trata-se do ―ato

de afirmar o contrário do que se pensa, geralmente num tom depreciativo e sarcástico.‖

[…] Acontece que a donzela, E isso era segredo dela, Também tinha seus caprichos E a deitar com homem tão nobre Tão cheirando a brilho e a cobre Preferia amar com os bichos […]

Composta também para o musical ‖Ópera do Malandro―, ―Geni e o Zepelim‖

(1977/78) conta a história da travesti Geni, de suas peripécias amorosas e do ódio que

membros da sociedade carioca dos anos 40 sentiam por ela. No trecho destacado, ao

nomeá-la como donzela, o narrador da canção age com menoscabo (o que é próprio da

ironia), já que, para ele, apenas um capricho próprio de uma virgem poderia justificar o

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fato de ela também ser capaz de sentir repulsa e recursar o convite de algum amante,

atitude que caberia a uma virgem, o que, claro, todos já sabem, Geni não é.

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas […]

A canção ―Mulheres de Atenas‖ (1976), composta em parceria com Augusto Boal14

para a peça de mesmo nome, faz referência ao modo de vida da Grécia da época

clássica. Numa sociedade onde as mulheres estavam destinadas a uma vida doméstica e

resignada, ―mirar-se‖, ou seja, espelhar-se, tomar como exemplo a vida daquelas é tudo

que a mulher emancipada dos tempos atuais não deveria fazer.

O risco do uso da ironia, apontado por Azeredo, parece ter se confirmado em

relação a esta canção. Chico diz que, à época, houve um certo desentendimento quanto à

intenção do discurso da canção.

É engraçado que a canção foi condenada por algumas feministas radicais, porque dizia "mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas", quando evidentemente a ideia era dizer "não mirem-se, não se mirem no exemplo", mas foi tomada ao pé da letra [...]

Composta em 1971, época do paroxismo da repressão militar no Brasil, ―Deus lhe

pague‖ se vale da ironia para expor uma situação de desmonte das liberdades coletivas e

individuais. Ao agradecer (Deus lhe pague) seu algoz por permissões de atos básicos, a

canção em suas entrelinhas dá a entender que não é a gratidão o sentimento dominante

do eu lírico.

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague.

2.2.4. Sinestesia

Segundo Azeredo (2011, p. 506), sinestesia:

É a associação de sensações que pertencem a registros sensoriais diferentes [...] A integração de domínios sensoriais faz da sinestesia um processo associativo análogo ao da metáfora. A construção de sentido operada pela sinestesia sempre

14

Augusto Pinto Boal (Rio de Janeiro, 16 de março de 1931 — Rio de Janeiro, 2 de maio de 2009) foi diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional.

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mobiliza, porém, duas experiências concretas, ao passo que a metáfora pode associar dois domínios concretos, dois domínios abstratos, ou ainda combinar concreto com abstrato.

[…] Oh, pedaço de mim

Oh, metade amputada de mim

Leva o que há de ti Que a saudade dói latejada

É assim como uma fisgada

No membro que já perdi […] […] Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu […]

A saudade nos dois termos em destaque da canção ―Pedaço de mim‖ é equiparada

a dores físicas e psíquicas. No primeiro caso, fala-se da ―dor fantasma‖ que acompanha

os amputados em seus membros já ausentes; no segundo, da dor causada pelo momento

do parto. Não há dúvidas que a dor da parturiente é sobremaneira física, ligada ao sentido

do tato. Mas o que dizer da dor no membro que não mais existe? Física, psíquica,

ambas? Ao cruzar essas duas sensações, o compositor associa dois registros sensoriais

diferentes e que representam experiências concretas de sofrimento. O membro amputado

não mais vê, mas faz doer. É claro que o exemplo também é configurador da metáfora.

Num primeiro momento, a dor da saudade, por mais extenuante que seja, jamais,

isoladamente, se tornará tátil. Mas não é menos verdade que a dor no membro já

amputado é sentida de forma física. Assim, para se melhor dizer dos efeitos da saudade,

estes são equiparados aos das dores físicas, talvez de mais fácil compreensão. Desse

cruzamento de sensações físicas e psíquicas, surge a sinestesia. Não por acaso o

compositor nomeou assim a canção ―Pedaço de mim‖.

2.2.5. Prosopopeia

Na sucinta definição de Almeida (2009, p. 415), prosopopeia é o ―empréstimo de

ação, voz ou sentimento a seres inanimados ou imaginários‖.

Segundo Azeredo (2011, p.503), a prosopopeia consiste em ―transportar para a

cena enunciativa seres que logicamente não podem participar, tornando-os instância

interlocutivas. Ainda conforme mencionado por Azeredo (APUD SANT‘ANNA MARTINS,

2011, P. 503-504), a prosopopeia é uma figura retórica que diz respeito aos papéis da

enunciação. Assim, ela põe em cena seres ausentes, sobrenaturais, ou inanimados,

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fazendo-os ouvir, falar, responder‖.

É o que ocorre na canção Falando sério (1969), composta em Roma, onde Chico

Buarque se exilou por um pouco mais de um ano, em virtude do recrudescimento da

censura da ditadura militar no Brasil. No desenrolar da narrativa da canção, Chico, que

neste caso não se utiliza de eus líricos, reporta-se em primeira pessoa diretamente ao

ouvinte da canção, o que não é habitual no discurso das canções.

[…] Agora falando sério Eu queria não mentir Não queria enganar, Driblar, iludir Tanto desencanto E você que está me ouvindo, Quer saber o que está havendo Com as flores do meu quintal? O amor-perfeito, traindo A sempre-viva, morrendo E a rosa cheirando mal.

Noutro exemplo de prosopopeia, a relação de fusão do casal de ―Eu te amo” acaba

contagiando até mesmo seu vestuário. As roupas, guardadas lado a lado no armário

embutido, até então inanimadas, na visão do eu lírico não estão apenas sobrepostas, mas

agora adquirem vontades humanas e procedem à mesma troca de afetos de seus donos.

O mesmo ocorre com seus sapatos, que largados aleatoriamente, um em cima do outro

pelo chão, passam a ser capazes de se pisarem.

[…] Como, se na desordem do armário embutido

Meu paletó enlaça o teu vestido

E o meu sapato inda pisa no teu […]

2.2.6. Eufemismo

Azeredo (2011, p. 500) define o eufemismo como a ―atenuação de um fato trágico,

grosseiro ou desagradável por meio de expressões consideradas amenas‖.

Já para Almeida (2009, p. 412), o eufemismo é a ―substituição de um termo rude,

chocante ou inconveniente por outro mais suave ou atenuante‖.

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[…] Pela mulher carpideira para nos louvar e cuspir E pelas moscas-bicheiras para nos beijar e cobrir E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir Deus lhe pague.

―Paz derradeira‖, em ―Deus lhe pague‖, é a expressão atenuada, escolhida pelo eu

lírico como sinônimo da morte. Por derradeiro, entende-se aquilo que é último, definitivo,

final.

2.3. FIGURAS DE SINTAXE

Na definição de Azeredo (2011, p. 488), nas figuras de sintaxe ―o desvio estilístico

nas figuras de sintaxe ocorre na organização sintática da frase‖.

Segundo Almeida (2009, p. 416), essas figuras ―são os desvios que se evidenciam

na construção normal do período. Ocorrem na concordância, na ordem e na construção

dos termos da oração‖.

Os principais exemplos de figuras de sintaxe são o hipérbato, anástrofe, anáfora,

hipérbole e pleonasmo, elipse, zeugma e gradação.

2.3.1. Hipérbato

As figuras hipérbato e anástrofe possuem alto grau de semelhança. Para

diferenciá-las, Azeredo (2011, p. 488) explica que o hipérbato é caracterizado pela

―alteração da ordem de algum termo da oração ou de alguma oração do período, de sorte

que a construção resultante se torna atípica.‖

A primeira parte da canção ―De todas as maneiras‖ é útil como exemplo de

hipérbato.

De todas as maneiras

Que há de amar Nós já nos amamos

Com todas as palavras feitas pra sangrar Já nos cortamos […]

Na classificação sintática, o primeiro período composto da estrofe utilizada como

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exemplo é formado pela oração principal (nós já nos amamos) e pela oração subordinada

(de todas as maneiras). Usualmente, a oração principal antecede a oração subordinada,

tanto na fala como na escrita. A intenção de inverter a ordem habitual das orações atende,

claro, a uma necessidade de rima e de encaixe na prosódia musical.

A ordem direta de um período pode ser entendida como aquela mais utilizada pelos

falantes de língua, já que não há uma regra que a defina. E usualmente a ordem direta se

dá com a oração principal antecedendo a oração subordinada. Em seguida, na canção,

uma nova inversão da ordem direta: oração subordinada (com todas as palavras feitas pra

sangrar) precedendo a oração principal (nós já nos cortamos).

Na ordem direta, o período resultaria assim: ―nós já nos amamos de todas as

maneiras que há de amar; nós já nos cortamos com todas as palavras feitas pra sangrar‖,

o que repercutiria em alterações na melodia da canção.

2.3.2. Anástrofe

No caso da anástrofe, Azeredo (2011) a define como o ―deslocamento de algum

constituinte do sintagma para uma posição não usual‖.

Ah, se eu soubesse não andava na rua

Perigos não corria

Não tinha amigos, não bebia […]

Em ―Se eu soubesse‖ (2010), um exemplo de anástrofe de menor impacto. Tem-se

que o predicado da oração principal em destaque tem como núcleo o verbo ―correr‖, e o

complemento ―perigos‖ está diretamente ligado a esse verbo. O esperado é que os termos

ligados ao verbo viessem após este. Como a oração é curta, apesar de ser um exemplo

de anástrofe, não há grande estranhamento nesta construção. Sem as inversões, o

enunciado resultaria em: ―[...] Não corria perigos‖.

Já em ―Fado tropical‖ (1972/73), composta por Chico Buarque e Ruy Guerra para a

peça ―Calabar – o elogio da traição‖, a intenção desde o início, como antecipa seu título, é

reproduzir a linguagem do fado lusitano, seu discurso cerimonioso e que se vale de forma

abundante da ordem inversa dos sintagmas da oração para atingir seu fim expressivo.

[…] Se trago as mãos distantes do meu peito

É que há distância entre intenção e gesto

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E se o meu coração nas mãos estreito

Me assombra a súbita impressão de incesto […]

Nesta canção, no verso em destaque, o verbo se desloca para uma posição não

usual, que seria próxima ao sujeito (no caso ―eu‖, elíptico), o que faz com que recaiam

dúvidas sobre ser ―estreito‖ um verbo ou um adjetivo. Ao se considerar ―estreito‖ como

sendo adjetivo, ele poderia designar uma qualidade de ―coração‖ (coração estreito), mas

não seria possível se ligar a ―mãos‖, já que não concordaria com o gênero feminino desta,

tampouco com o número (―mãos‖ está no plural e ―estreito‖ no singular). Mas o que faz

com que ―estreito‖ também não seja um adjetivo para ―coração‖ é o fato de ambas as

palavras integrarem uma oração subordinada, o que faz com que haja a necessidade da

presença de pelo menos um verbo, e ―assombrar‖, o verbo que se apresenta em seguida,

não integra a oração subordinada, mas sim a oração principal. Portanto, temos aí a

palavra ―estreito‖ na função de verbo da oração subordinada, e caso seus sintagmas

ocupassem suas posições usuais, resultaria a seguinte construção: ―E se eu estreito o

meu coração nas mãos, me assombra a súbita impressão de incesto‖.

O que se tem é que, como as inversões de ordem do hipérbato ocorrem

preservando os grandes blocos do período (não há ruptura da ordem natural dentro das

orações ou dentro de seus termos), ocorre menos estranhamento ao ouvi-lo ou lê-lo. Já a

anástrofe se caracteriza pela inversão dos termos dentro de um mesmo sintagma, razão

que a faz quebrar com mais intensidade a expectativa natural do ouvinte ou do leitor.

Mas essas alterações dessas duas figuras de linguagem, conforme preconiza

Azeredo (2011, p. 489), atendem a bem definidas necessidades: ―as inversões sintáticas

realizadas no hipérbato e na anástrofe, além de atenderem a uma necessidade técnica da

versificação (métrica, ritmo, etc.), podem promover a focalização do elemento deslocado‖.

2.3.3. Anáfora

A anáfora, na definição de Azeredo (2011, p. 493) é a

Repetição de vocábulo no início de cada verso, frase ou membro da frase. […] É um recurso de modalização que mobiliza o envolvimento do enunciador com a matéria enunciada.[…] Assim, nota-se que esses recursos estilísticos, além de chamar atenção do receptor da mensagem pelo artifício da repetição em si, acrescentam a ela novas significações ou um sentido suplementar de ênfase, superlativação ou amplificação.

[…] Olha a voz que me resta

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Olha a veia que salta Olha a gota que falta Pro desfecho da festa Por favor […]

A repetição em ―Gota d´água‖ (1975), canção composta para a peça homônima de

autoria de Chico Buarque, junto de Ruy Guerra, visa enfatizar o clamor da personagem,

chamando atenção para si, para seu estado de desolação.

O que será que me dá Que me bole por dentro, será que me dá Que brota à flor da pele, será que me dá E que me sobe às faces e me faz corar E que me salta aos olhos a me atraiçoar E que me aperta o peito e me faz confessar O que não tem mais jeito de dissimular E que nem é direito ninguém recusar E que me faz mendigo, me faz suplicar O que não tem medida, nem nunca terá O que não tem remédio, nem nunca terá O que não tem receita.

Composta para o filme "Dona Flor e seus dois maridos" (1976), de Bruno Barreto15

a canção "O Que Será" (1976) possui três versões, que marcam passagens distintas da

trama. Em ―O que será – à flor da pele‖, a força arrebatadora vivida pelo eu lírico causa-

lhe inúmeras sensações. Nos versos da canção, a repetição do pronome relativo ―que‖

(precedido ou não de ―e‖ ou ―o‖) serve para ressaltar e exemplificar os vários efeitos que

se originam de um sentimento, para ele, um tanto impreciso.

Para o psicanalista e médico Francisco Daudt16, em sua coluna no jornal Folha de

S. Paulo, esse sentimento é o desejo.

[...] Talvez você tenha passado pela intriga por não saber responder à pergunta

feita com a canção "À flor da pele", de Chico Buarque (O que será que me dá, Que

me bole por dentro, Que brota à flor da pele, E que me sobe às faces e me faz

corar, E que me salta aos olhos a me atraiçoar, Que dá dentro da gente e que não

devia...). Pois agora já sabe: é o Desejo, esse "algo dentro de você".

15

Bruno Barreto (Rio de Janeiro, 16 de março de 1955) é um cineasta brasileiro, mais notável por dirigir Dona Flor e Seus Dois Maridos (1977), o segundo maior público da história do cinema brasileiro com 10 milhões de espectadores,

[1] e O Que É Isso, Companheiro? (1997), indicado ao Oscar de

filme estrangeiro.

16 Francisco Daudt nasceu no Rio de janeiro em 1948. Mora e trabalha no mesmo bairro do Cosme Velho, onde sempre viveu. Formado médico pela

Faculdade de Medicina da UFRJ em 1971, praticou clínica gastrenterológica (pós-graduado pela PUC-RJ) durante cinco anos, quando decidiu migrar para a psicanálise.

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2.3.4. Hipérbole

Definida por Evanildo Bechara (2000) a hipérbole é a figura de linguagem com a

qual o enunciador se serve do exagero – quase sempre inverossímil – do sentido para

conferir especial tom a alguma informação. Muitas hipérboles constituem uma variedade

da metáfora.

A hipérbole é, por excelência, um recurso estilístico de modalização, pois explicita o

grau de envolvimento e o interesse que o enunciador tem pelo fato enunciado. A

expressão exagerada amplifica o seu ponto de vista sobre a matéria apresentada

revelando seu juízo passional do fato. A associação com a ideia de grau aumentativo

propicia a presença ostensiva de hipérboles no discurso coloquial, onde se cristalizam, a

exemplo do que acontece com as metáforas.

[…] Quando choro É uma enchente Surpreendendo o verão É o inverno De repente Inundando o sertão […]

Em ―Baioque‖ (1972), canção composta para o filme ―Quando o carnaval chegar‖

de Cacá Diegues17, a força do sentimento do nordestino parece elevado à última potência,

a ponto de as lágrimas de seu choro se transformarem num grande mar a inundar o

sertão.

[…] Sem você É um silêncio tal Que ouço uma nuvem A vagar no céu Ou uma lágrima cair no chão

Mas não tem nada, não.

―Sem você nº 2‖ (2011) é uma canção que fala sobre a falta, a ausência, como

tantas outras compostas por Chico. Na estrofe utilizada como exemplo, o eu lírico expõe

17

Carlos José "Cacá" Fontes Diegues (Maceió, 19 de maio de 1940) é um premiado cineasta brasileiro. Foi um dos fundadores do Cinema Novo.

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aspectos auditivos de sua pavorosa solidão, e o exagero parece ser a medida para ele

dizer que, sem a pessoa amada, é capaz de ouvir o vagar das nuvens, bem como uma de

suas lágrimas cair no chão.

2.3.5. Pleonasmo

O pleonasmo é a repetição de um constituinte oracional ou da significação de

algum termo ou expressão. Segundo Azeredo (2011, p. 489):

é parte do amplo e variado quadro de fenômenos da linguagem em que alguma informação é oferecida de maneira redundante […] A redundância é um traço comum do discurso, especialmente na modalidade oral, na qual funciona quase sempre como um recurso de reforço ou retomada da informação. Há pleonasmos que são característicos de certa variedade da língua, como a dupla negação presente em não sei não ou ninguém não veio.

[…] - Você tá pensando que é da alta sociedade

Ou vai fazer exposição de souvenir de gringo Ou foi fazer a fé no bingo em chá de caridade Eu não sei não, eu não sei não.

O exemplo dado por Azeredo é o mesmo utilizado por Chico na canção ―Desafio do

Malandro‖ (1985), composta para o filme ―Ópera do Malandro‖ (1986), de Ruy Guerra. Ao

desdenhar dos hábitos de novo-rico do malandro Max Overseas, Sátiro Bilhar se utiliza do

pleonasmo ―eu não sei não‖, buscando assim transmitir desconfiança e menoscabo

acerca da real condição do comparsa.

Todo dia ela faz tudo sempre igual Me sacode às seis horas da manhã Me sorri um sorriso pontual E me beija com a boca de hortelã […]

Os gestos habituais do casal da canção são o tema de ―Cotidiano‖ (1971). O

pleonasmo de ―sorrir um sorriso‖ ganha importância quando se percebe que não se trata

de um sorriso qualquer, mas sim de um que é oferecido sempre na mesma hora, portanto,

um sorriso único. E pontual.

Quanto a isso, a observação de Nicoletti serve para melhor ilustrar o recurso:

Quem já não ouviu falar que alguém "viveu uma vida de cão" ou "dormiu o sono dos justos"? Nessas frases, ocorre o que se conhece, gramaticalmente, como objeto direto interno. Um verbo intransitivo adquire transitividade e tem o seu

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objeto direto representado por um núcleo semanticamente ligado a ele, acrescido de um qualificativo. O uso do adjetivo ou da locução adjetiva torna único aquilo que pareceria óbvio. […] Como você pode perceber, nem sempre o pleonasmo é um vício de linguagem. Vezes há em que é um poderoso recurso de estilo.

2.3.6. Elipse

A figura de sintaxe elipse, para Azeredo (2011, p. 490), é a ―omissão de um termo

numa enunciação linguística. No enunciado, o termo elíptico é facilmente subentendido

porque está presente em nosso espírito e sua compreensão se depreende do contexto

geral ou da situação‖.

[…] Você nada está me devendo Por isso, meu bem, não entendo Porque anda agora falando de mim.

O eu lírico, em ―Injuriado‖ (1998), queixa-se de que determinada pessoa está

falando dele. Trata-se de um exemplo de elipse e, pelo título da canção, de alguém que

vem sendo alvo de injúrias. Mas a expressão ―falando de mim‖, observada apenas por

seus termos explícitos, não denota ofensa alguma. Porém, o que está subentendido é o

advérbio ―mal‖, termo elíptico que indica o modo como tal pessoa está falando de alguém,

no caso, ―falando mal de mim‖.

2.3.7. Zeugma

Já a zeugma, segundo Azeredo (2011, p. 494) diferencia-se da elipse, pois esta

última é caracterizada pela ―supressão de um termo anteriormente expresso‖.

No exemplo da elipse, o termo elíptico não foi expresso em nenhum momento da

canção. Já na zeugma, o termo suprimido, porém expresso ao menos uma vez, é o verbo

de ligação, que é visível no primeiro verso da seguinte canção.

O meu pai era paulista Meu avô, pernambucano O meu bisavô, mineiro Meu tataravô, baiano […]

Em ―Paratodos‖ (1993), canção autobiográfica de Chico, o lugar de origem de seus

ascendentes é revelado em cada uma dos quatro primeiros versos. Contudo, apenas a

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primeira utiliza o verbo de ligação ser/estar (O meu pai era paulista). Nas demais, ocorre

sua supressão (substituído pela vírgula), sem que isso prejudique a compreensão dos

enunciados em relação aos demais familiares, condição necessária para caracterizar a

zeugma.

2.3.8. Gradação

Nas palavras de Azeredo (2011, p. 499), gradação é a ―reunião de palavras ou

expressões que se sucedem segundo uma lógica semântica progressiva. Para Almeida

(2009, p. 414), a gradação é a ―sequência de palavras que intensificam uma mesma

ideia‖.

[…] Hoje a cidade acordou toda em contramão Homens com raiva, buzinas, sirenes, estardalhaço […]

A fim de enunciar, em ―Querido diário‖ (2011), os sinais da balbúrdia da cidade ―em

contramão‖, o eu lírico utiliza-se de palavras e expressões que denotam essa confusão

(homens com raiva, buzinas, sirenes, estardalhaço).

[…] Gemini, gemini, geminiano Este ano vai ser o seu ano Ou senão, o destino não quis Ah, eu hei de ser Terei de ser Serei feliz Serei feliz, feliz.

Esperança e certeza de felicidade futura se misturam na sequência destacada de

―Sentimental‖ (1985). Ludmila, a menina rica e mimada do filme ―Ópera do Malandro‖,

imagina, supõe e, por fim, certifica-se de sua tão desejada felicidade.

2.4. FIGURAS SONORAS

Acerca das figuras sonoras, Azeredo (2011, apud BALLY, 1941, p. 506) discorre:

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O desvio ocorre na organização da camada sonora da linguagem, explorando o potencial expressivo dos fonemas. Os sons da linguagem, assim como outros sons, podem provocar sensações agradáveis ou desagradáveis. Não é por outra razão que Charles Bally afirma a existência de ―uma correspondência entre os sentimento e os efeitos sensoriais produzidos pela linguagem‖.

Segundo Almeida (2009, p. 419), as figuras de linguagem ―utilizam os efeitos que a

linguagem realiza para reproduzir os sons emitidos pelos seres‖.

Neste trabalho, serão apresentadas a aliteração, assonância e a onomatopeia.

2.4.1. Aliteração

Na definição de Azeredo (2011, p. 508), a aliteração ―é a repetição sistemática de

uma consoante – ou encadeamento de unidades consonânticas muito parecidas‖.

Os exemplos a seguir são respectivamente das canções a) ―Minha história‖, b)

―Pedro pedreiro (1965) e c) ―Januária‖ (1967). Nos dois primeiros exemplos, a repetição

se dá pela repetição do fonema /pp/, representado pela consoante ―p‖. No terceiro

exemplo, pelo fonema /Ʒ/, representado pelas consoantes ―j‖ e ―g‖.

a) […] Esperando, parada, pregada, na pedra do porto […]

b) Pedro pedreiro panseiro esperando o trem […]

c ) Toda gente homenageia Januária na janela […]

2.4.2. Assonância

Já a assonância, para Azeredo (2011, p. 508) é a “repetição sistemática de uma determinada

vogal tônica na sequência do enunciado”.

[…] Sou Ana, da cama, da cana, fulana, Sacana, sou Ana de Amsterdã.

Em ―Ana de Amsterdã‖ (1972/73), um dos temas da peça ―Calabar – o elogio da

traição‖, a vogal tônica ―a‖, nas palavras paroxítonas, repetida em profusão, fazem do

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trecho da canção um exemplo de assonância.

Acerca da aliteração e assonância, Azeredo (2011, p. 508) assim discorre:

Somada ao evidente efeito lúdico produzido pela sonoridade das palavras, a aliteração e a assonância participam da construção do sentido segundo as especificidades temáticas de cada texto. Antes de mais nada, elas constituem recursos que chama atenção para o dito, pela própria matéria fônica do enunciado […] Tanto a aliteração quanto a assonância atuam no propósito do enunciador por meio da iconicidade da linguagem, produzindo harmonias imitativas que ratificam e ampliam de forma suplementar o sentido da mensagem […]

Ancoradas na repetição, a aliteração e a assonância exploram a repetição de

consoantes e vogais, buscando ressaltar o enunciado pelo atrativo do som.

2.4.3. Onomatopeia

Na definição do dicionário Priberam da Língua Portuguesa (2017), onomatopeia é

―o processo de formação de uma palavra cujo som imita aproximadamente o som do que

significa.‖

[…] Chegar, sorrir Mentir feito um mascate Quando desce na estação Parar, ouvir, Sentir que tatibitate Que bate o coração

―Tatibitate” é o som que busca imitar as batidas do coração em ―Na carreira‖ (1982),

composta junto de Edu Lobo, para o balé ―O grande circo místico‖ (1983), de Naum Alves

de Souza18.

Au, au, au. Hi-ho hi-ho. Miau, miau, miau. Cocorocó. O animal é tão bacana Mas também não é nenhum banana. Au, au, au. Hi-ho hi-ho. Miau, miau, miau. Cocorocó. Quando a porca torce o rabo Pode ser o diabo E ora vejam só.

18

Naum Alves de Souza (Pirajuí, 1 de junho de 1942 — São Paulo, 9 de abril de 2016 ) foi um diretor, cenógrafo, figurinista, artista plástico, dramaturgo e professor brasileiro.

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Au, au, au. Cocorocó [...]

Adaptada do original de Sergio Bardotti e Luis Enríquez Bacalov19, que por sua vez

haviam feito uma adaptação do conto ―Os Músicos de Bremen‖, dos irmãos Grimm20,

Composta para o musical infantil ―Os saltimbancos‖, ―Bicharia‖ (1977) reproduz os sons

do latido do cachorro, do azurro do jumento, do miado do gato e o cacarejo da galinha. É

curioso notar que as onomatopeias mudam de idioma para idioma, mesmo sendo o

mesmo o som dos animais. Trata-se, portanto, de uma convenção, e sua identificação

depende de um prévio conhecimento do leitor/ouvinte daquela grafia ou fonema referente

ao som ou ruído que se pretende reproduzir.

3. CONCLUSÃO

Ao menos nas quarenta canções de Chico Buarque utilizadas como exemplos

neste trabalho, percebe-se não haver obstáculos para a transposição das figuras de

linguagem da língua falada para a língua cantada. Em sua obra, o compositor se vale,

sobretudo, da gramática da vida comum brasileira, onde os falantes da língua portuguesa

se encontram e interagem, o que lhe iça à condição de artista popular. Mas mesmo

quando formas menos usuais de figuras de linguagem, como o hipérbato e anástrofe, são

encontradas em suas canções, a intenção destas está longe de flertar com o

pernosticismo hermético e, portanto de alcance limitado, mas atendem a uma

necessidade métrica de rimas e de prosódia ou de rememorar um tempo passado ou até

mesmo uma forma de discurso já esquecido.

E tanto na língua falada, como na obra Chico, é possível perceber que são

sutilezas, por vezes, que distinguem um dado tipo de figura de linguagem de outro. E há

casos em que elas se sobrepõem, como no trecho ―éramos nós / estreitos nós, enquanto

tu / és laço frouxo‖, da canção ―Tira as mãos de mim‖, onde temos exemplos de metáfora

(éramos estreitos nós), antítese (estreitos nós / laço frouxo), hipérbato (éramos nós), e

diáfora (nós 'primeira pessoa do plural' / nós 'plural do substantivo nós'), todas em apenas

quatro versos.

19

Sergio Bardotti (Pavia, 14/02/1939 - Roma, 11/04/2007) foi um letrista italiano. Criou, junto com o músico argentino Luis Enríquez Bacalov, o álbum "I musicanti", que depois foi traduzido e adaptado para o português por Chico Buarque, se tornando o famoso musical infantil ―Os Saltimbancos‖.

20 Os irmãos Grimm (em alemão Brüder Grimm ou Gebrüder Grimm), Jacob (Hanau, 4 de janeiro de 1785 – Berlim, 20 de setembro de 1863) e Wilhelm

(Hanau, 24 de fevereiro de 1786 – Berlim, 16 de dezembro de 1859),foram dois irmãos, ambos acadêmicos, linguistas, poetas e escritores que nasceram no então Condado de Hesse-Darmstadt, atual Alemanha. Os dois dedicaram-se ao registro de várias fábulas infantis, ganhando assim grande notoriedade, que, gradativamente, tomou proporções globais. Também deram grandes contribuições à língua alemã, tendo os dois trabalhado na criação e divulgação, a partir de 1838, do Dicionário Definitivo da Língua Alemã (o "Deutsches Wörterbuch"), que não chegaram a completar, devido a morte de ambos.

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Pelas figuras de linguagem apresentadas neste trabalho, também nota-se, nas

canções de Chico, que elas tanto podem advir de fontes já bem conhecidas, como no uso

da expressão ―leito do rio‖ (catacrese) ou na referência ao rei do futebol (antonomásia),

como podem brotar do labor e criatividade do compositor, sobretudo, como nos exemplos

―e se meu coração nas mãos estreito‖ (hipérbato) ou em metáforas mais sofisticadas e

não usuais como ―queimei meus navios‖.

Em ambos os casos, o ―sentido figurado‖ da linguagem serve a uma tentativa de

melhor explicar e entender a mensagem emitida. Parece temerário deixar unicamente ao

encargo da literalidade dos enunciados o trabalho de dar conta de expressar fielmente o

que se quer dizer. Chico, nessa busca, ora fala em primeira pessoa, ora se vale de seus

muitos eus líricos, isso quando ambos não se misturam e criam uma terceira pessoa

metamorfoseada de artista e homem comum.

As catalogações, como as feitas por este trabalho, parecem vocacionadas tão

somente a um ato de contemplação, como ocorre no prazer do colecionador, já que as

figuras de linguagem são criadas sem necessidade de qualquer conhecimento prévio com

relação a seus nomes e características, e assim parecem que continuarão a nascer,

entrelaçando-se uma nas outras, sem fronteiras bem definidas, mas servindo a uma

sempre inconclusa (mas não menos bela e instigante) intenção de potencializar e

harmonizar os discursos.

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36

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<http://cliquemusic.uol.com.br/artistas/ver/francis-hime>. Acesso em 22 de fevereiro de

2017.

Page 40: FIGURAS DE LINGUAGEM NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE · PDF fileFIGURAS DE LINGUAGEM NAS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE DE HOLLANDA Luís Alberto Paz Delgado Filho1 RESUMO: Este artigo

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Anexo A - Canções cujos trechos foram analisados neste trabalho

A moça do sonho (2001)

Ana de Amsterdã (1971)

As vitrines (1981)

Baioque (1972)

Bicharia (1977)

Cotidiano (1971)

De todas as maneiras (1980)

Desafio do malandro (1985)

Deus lhe pague (1971)

Eu te amo (1980)

Fado tropical (1972/73)

Falando sério (1969)

Folhetim (1977/78)

Geni e o zepelim (1977/78)

Gota d´água (1975)

Injuriado (1998)

Januária (1967)

Mil perdões (1983)

Minha história (1970)

Mulheres de Atenas (1976)

Na carreira (1982)

O futebol (1989)

O que será (1976)

Olhos nos olhos (1975)

Paratodos (1993)

Pedaço de mim (1977/78)

Pedro pedreiro (1965)

Querido diário (2011)

Rosa dos ventos (1969)

Sabiá (1968)

Se eu soubesse (2010)

Sem açúcar (1975)

Sem você nº2 (2011)

Sempre (2006)

Sentimental (1985)

Sobre todas as coisas (1982)

Sonho impossível (1972)

Tira as mãos de mim (1972/73)

Trocando em miúdos (1978)

Uma canção desnaturada (1979)