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Ano XVIII - nº 76 Set/Out de 2011 Filiado à CUT/FENAJUFE Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no DF

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Ano XVIII - nº 76Set/Out de 2011

Filiado à CUT/FENAJUFE

Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciárioe do Ministério Público da União no DF

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Para quem acha que o Brasil começou quando de-clarou a protocolar independência no 7 de setembro afesta é até simples. Uma data, um grito, alguns ingredi-entes de cena e umas palavras de evocação bastampara celebrar. Mas há os que buscam o tal Brasil pro-fundo, o da história contada pela vida de quem não écelebridade, autoridade ou potestade. Os que fazem oBrasil trabalhador, diário, sem mídias, privilégios, granae pouco reconhecimento. O tal Brasil de baixo pra cima(no dizer sábio de Milton Santos). O que se aperta, mastem uma generosidade que muito milionário jamais pra-ticou. O que supera adversos com versos; os crimes comrimas; os trancos com o troco da beleza. Vale o jeitoque cada um tem de confirmar o amor por seu lugar eo modo de lutar para torná-lo melhor. Vale a força dacultura popular que deixou de ser “folclore exótico”para ser política pública e atitude que representa amagnífica diversidade dos brasis.

Em busca deum sentido de

Brasil

TT CATALÃO

LUÍSA MOLINA

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JANAÍNA MIRANDA*

Intimidade é o título desta imagem, um trabalho de cunho subjetivo que, segundo a autora, “dialogacom a Poética do Espaço de Gaston Bachelard e traz questões como a imensidão íntima, a fenomenologia do

redondo e o corpo como casa”. A obra (fotografia digital, 60 x 40 cm, 2010) faz parte do ensaio Redoma.

*Sócia-proprietária do Espaço f/508 de Fotografia e editora do blog do f/508 e da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil(RPCFB), Janaína é fotógrafa e graduanda em Artes Visuais pela UnB. A jovem artista nasceu em 1988 e já participou de diversas exposições,

entre as quais Latinidades (Caixa Cultural) e Histórias, Memórias e Outros Resgates Fotográficos (Espaço Cultural Zumbi dos Palmares).Tem trabalhos publicados nos livros Ensaios Um (f/508, 2006), Sentido Vago e Transformações (grupo Câmara Obscura, 2009 e 2010).

ARTE EM BRASÍLIA

Coordenação editorial:Cynthia Borges

Edição:Usha Velasco

Reportagem:Daniel CamposFabíola Góis

Colaboradores:TT CatalãoJosé Geraldo de Sousa JuniorYuri Matsumoto MacedoAndré Luis Macedo

Revisão:Ana Paula Barbosa Cusinato

Projeto gráfico e arte:Usha Velasco

Tiragem:15.000 exemplares

Coordenadores-GeraisAna Paula Barbosa CusinatoBerilo José Leão NetoCledo de Oliveira Vieira

Coordenadores deAdministração e FinançasJailton Mangueira AssisJosé Oliveira SilvaRaimundo Nonato da Silva

Coordenadores de AssuntosJurídicos e TrabalhistasAntônio José Oliveira Silva

Marília Guedes de AlbuquerqueNewton José Cunha Brum

Coordenadores de Formaçãoe Relações SindicaisEliane do Socorro Alves da SilvaJosé Joventino Pereira de SousaSheila Tinoco Oliveira Fonseca

Coordenadores deComunicação, Cultura e LazerMaria Angélica PortelaOrlando NoletoValdir Nunes Ferreira

Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do MPU no DFSDS, Ed. Venâncio V, s. 108 a 114, Brasília-DF, 70393-900 • (61) 3212-2613

www.sindjusdf.org.br

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4 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

José Geraldode Sousa Junior

Reitor da Universidade deBrasília, professor da Faculdade

de Direito e coordenador doprojeto O Direito Achado na Rua

Darcy Ribeiroafirmou: “Paulo éa consciência e a

emoção da educa-ção brasileira, é

a sabedoria da edu-cação brasileira.

As ideias se encar-nam nas pessoas.

E, quando se encar-nam, ganham a pos-sibilidade de existir,

de se perpetuar”

O pró-labore de José Geraldopara este artigo é doado

mensalmente à campanha devoluntariado Eu Doo Talento

(veja em www.sindjusdf.org.br)

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DIREITO

m 1991 deu-se em Niterói um evento singular,com imenso valor simbólico para o processo de

redemocratização do país. O seminário CIEP – Críticae Autocrítica reuniu profissionais de diferentes áreaspara debater alternativas aos modelos de educaçãopública. Era a primeira vez, desde o retorno do exílio,que se encontravam em ato público os mestres PauloFreire e Darcy Ribeiro.

Uma série de fatores se alinharam em suas trajetó-rias para conduzi-los a esse momento de eclipse. A des-peito de nunca haverem trabalhado juntos, esses pen-sadores e criadores estiveram sempre lado a lado nahistória do Brasil, da América Latina e da UnB, irmana-dos pelo desejo de emancipar através da educação.

Por suas ações revolucionárias – PauloFreire em Recife, com seu projeto de alfabetizaçãouniversal, e Darcy Ribeiro em Brasília, na fundaçãode uma universidade inovadora – podem ser consi-derados intelectuais de importância tanto teóricaquanto política, dada a capacidade de transbordar adimensão do discurso sobre a dimensão da prática.Foram ambos, por essa mesma razão, forçados a dei-xar o país em 1964.

Freire e Darcy, como lembra Layla Jorge na pes-quisa que permitiu este artigo, durante anos acompa-nharam um ao outro intelectualmente, ligados por umaamizade baseada em respeito e admiração. Sobre essarelação, diria Paulo Freire no referido seminário: “Souamigo do Darcy, somos da mesma idade, possivelmentesou mais velho um ano, mas comecei meu querer bempor uma admiração ao intelectual Darcy, quando am-bos éramos, faz tempo, muito jovens. Eu me lembroda emoção com que eu estive diante da cara moça,quase menina, da sua inquietação. (...) Essas estóriasfazem parte da nossa história de educadores, de inte-lectuais desse país, por isso mesmo de políticos dessepaís, um pedaço da história maior de nós todos.”

Quando do seu regresso, Paulo Freire se ins-talou como professor da Universidade de Campinas eatuou como secretário de educação do município deSão Paulo. Darcy Ribeiro atuou como secretário de edu-cação do Rio de Janeiro e investiu na criação dos Cen-tros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Sobre odesenvolvimento desse último projeto, organizou o se-

minário em Niterói e convidou Paulo Freire para reafir-marem sua cumplicidade.

Na conferência de encerramento, Paulo Freire afir-mou: “Eu diria a vocês que homens como Darcy, a quemeu me junto, não encerram coisa nenhuma, inclusiveencontros como esse. A gente está no mundo é paraabrir, por isso não vamos fechar esse encontro de hoje,de jeito nenhum. Eu quero trazer para ti [Darcy] não sóo meu querer bem (...), mas a minha solidariedade deeducador. E a vocês todos e todas o grande abraço deum cara que também briga por uma escola melhor,mais séria, mais competente, mas sobretudo uma es-cola que provoque alegria.”

Ao que replicou Darcy: “Paulo é a consciên-cia e a emoção da educação brasileira, é a sabedoriada educação brasileira. Mas eu acho que o traço fun-damental é esse: um respeito de educador pelo edu-cando. (…) As ideias se encarnam nas pessoas. E,quando se encarnam, ganham a possibilidade de exis-tir, de se perpetuar.”

Em 19 de setembro fomos convidados pela força dadata a refletir sobre a importância de seguir encarnan-do e perpetuando nosso respeito pela educação. Trata-se da comemoração dos 90 anos de nascimento de PauloFreire, aniversário que nos inspira a recordar (do latimricordare, tornar a passar pelo coração) sua proposta deeducação como prática da liberdade, da mudança, daesperança, da autonomia e da indignação.

Na Universidade de Brasília, a homenagema Paulo Freire, que foi membro de seu Conselho Diretor(1985) coincidiu com a Semana Universitária, eventoem que a UnB se abre ao público com mais de 500atividades nos quatro campi. O objetivo é deslocar ospapéis de aluno e professor para descobrir, como Freireapontou, que a educação somente se faz no contatocom o ser concreto, inserido em sua realidade histórica.

Na ocasião foi outorgado a Paulo Freire o título dedoutor honoris causa, em cerimônia no memorial edi-ficado UnB para homenagear Darcy – o Beijódromo.Através de nós, assim, esses dois gigantes puderammais uma vez se encontrar. Encarnados nas ações deeducandos e educadores e perpetuados na memóriaviva da Universidade de Brasília, Paulo Freire foi maisuma vez celebrado, na casa de Darcy Ribeiro.

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Paulo Freire e Darcy Ribeiro: o

reencontro possível

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Depois do governo,associações de ma-gistrados resolveramdeclarar guerra aoreajuste dos servido-res, ignorando o fatode fazermos parte deuma mesma institui-ção e de estarmos,ao contrário deles,há cinco anos semreceber qualquer re-ajuste salarial. Notasrecentes da Ajufe eda Anamatra expu-seram o que há de

mais atrasado em matéria de pensamentocoletivo, de gestão democrática, de apri-moramento da Justiça. A AMB fez questãode afirmar que o reajuste dos magistradose dos servidores são duas coisas comple-tamente diferentes, sem ligação entre si.

As entidades insistem em separar anossa reivindicação da deles, como se opoder de compra de todos não fosse pre-judicado com o crescimento da inflação,por exemplo. Todos precisam de comida,

de saúde, de educação... Por que só os to-gados merecem reajuste se todos contri-buem para a construção da Justiça? Os ser-vidores, em número oito vezes maior queo de magistrados, trabalham de forma ár-dua e seu esforço é parte do que o jurisdi-cionado recebe ao buscar a Justiça.

Embora muitos magistrados ainda nãoreconheçam a nossa importância, todos so-frem os impactos da grande evasão de ser-vidores para carreiras mais atrativas. Porisso, não vamos nos contentar com miga-lhas, tampouco abaixar a cabeça em nomeda hierarquização de um poder. Os servi-dores têm um papel fundamental no quediz respeito ao Judiciário e merecem servalorizados.

Temos nossos direitos e vamos lutarpor eles, independentemente da opiniãodaqueles que se colocam acima do bem edo mal. Não corroboramos generalizaçõescomo a Anamatra fez, ao citar exceçõespara atacar um justo reajuste. Apesar demuitas vezes terem sido colegas na facul-dade de Direito, o servidor entra hoje ga-nhando no máximo 6 mil, enquanto o juizrecebe mais de 20 mil.

“Embora muitosmagistrados nãoreconheçam nossaimportância, todossofrem os impactosda grande evasãode servidores paracarreiras maisatrativas. Por isso,não vamos noscontentar com mi-galhas, tampoucoabaixar a cabeça emnome da hierarqui-zação de um poder”

Berilo LeãoCoordenador-geraldo Sindjus

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AO LEITOR

No entanto, os magistrados classifi-cam sua valorização como legítima e anossa como uma espécie de capricho. Pro-va disso é que condenam nosso movimen-to grevista, mas tomam medidas enérgi-cas para defender seus interesses. Alémde fazer paralisações, recentemente de-cidiram suspender a publicação de cita-ções e intimações de processos da AGU,como forma de pressionar pelo reajusteque pleiteiam.

Em momento algum os magistradosverão o Sindjus divulgar notas contra ati-tudes como essa, pois o sindicato respeitaas reivindicações dos juízes. E espera sertratado com o mesmo respeito. O PL 6613,que trata da nossa revisão salarial, foi ela-borado em conjunto com os tribunais su-periores. Só foi encaminhado ao Congres-so depois de aprovado por todos os tribu-nais superiores. As associações de magis-trados já interferiram e nos impuseram umcorte de 80% para 56%. Logo, não há ra-zão alguma para mais ataques.

Não vamos ficar calados vendo nossotapete puxado por aqueles que deveriamser os primeiros a nos defender.

Até tu, Brutus?

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BERTO/STF

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s servidores do Judiciário e doMPU, ao lado dos diretores do

Sindjus, marcaram presença na Câma-ra durante setembro e outubro, pres-sionando os deputados da Comissãode Finanças e Tributação a desemper-rar o andamento do PL 6613.

Depois de uma longa série demanobras protelatórias por parte dosdeputados governistas, os líderesdos partidos, sob a pressão constan-te dos trabalhadores, finalmente en-traram em acordo e marcaram a vo-tação do PL 6613 na CFT para o dia26 de outubro.

O coordenador-geral do Sindjus,Berilo Leão, avalia que esse acordo foifruto da mobilização contínua realiza-da pelo sindicato: “Ao longo da sériede atividades que realizamos nas últi-mas semanas foi possível testemunharuma adesão crescente de parlamen-tares à nossa luta”, afirmou.

O acordo começou a ser desenha-do no dia 4/10, quando a bancada doPartido dos Trabalhadores se reuniupara discutir a situação do PL 6613. Orelator, deputado Policarpo, argumen-tou mais vez em favor do projeto econseguiu que o deputado Rui Costacedesse e concordasse em conversarcom os integrantes da CFT para agen-dar a votação.

Esse parece ter sido o fim das ma-nobras para retardar o andamento doPL na Comissão de Finanças (em se-tembro, Rui Costa declarou obstrução

do PT em duas reuniões para evitar avotação). No entanto, os servidoresnão podem relaxar; precisam, pelocontrário, intensificar as ações, comoalerta o coordenador Berilo Leão: “Nãopodemos esquecer que a CFT prome-teu votar o PL na primeira quinzenade setembro não cumpriu a promes-sa. Temos que mostrar que não vamosaceitar novas medidas protelatórias.”

FRENTES DE AÇÃO – Além da CFT, apresença e a pressão dos servidoresprecisa se dar em duas outras fren-tes: na Comissão Mista de Orçamen-to, para onde o PL 6613 seguirá de-pois de votado na CFT, e no Supre-mo Tribunal Federal, junto ao minis-tro Luiz Fux.

Fux é o relator do Mandado de Se-gurança impetrado pelo Sindjus con-tra o corte de verbas do Judiciário noprojeto de Lei Orçamentária para2012. O resultado desse mandado éfundamental para a aprovação do PL6613. “O acordo dos líderes partidá-rios [votar o PL no dia 26 de outu-bro] foi feito na expectativa que atélá haja dotação orçamentária”, expli-cou o coordenador Berilo Leão. “O de-putado Pepe Vargas alertou que, se oprojeto for aprovado na CFT sem do-tação, não terá como ser viabilizado.Portanto, é vital que o ministro deci-da pela inclusão do reajuste na PLOA2012”, concluiu.

Para Berilo, o ministro Fux tem to-

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As batalhas noCongresso

Diretores do Sindjus e servidores fazem marcação cerradasobre deputados para desemperrar o andamento do PL 6613

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das as condições favoráveis para to-mar essa decisão, porque a presiden-ta Dilma Rousseff apresentou umadefesa com base em argumentos já re-futados pelo STF. “A defesa não con-tém nada que possa inviabilizar nossoplano”, disse ele.

Na Comissão Mista de Orçamentoos diretores do Sindjus repetirão a mar-cação cerrada que fizeram sobre a CFT.“A Comissão de Orçamento é respon-sável por viabilizar questões orçamen-

tárias, sanando as desculpas que atra-sam o PL”, explicou o coordenador doSindjus Cledo Vieira. “Nós fizemos umintenso trabalho de negociação e depressão junto aos deputados da Comis-são de Finanças e vamos continuar essetrabalho na CMO”, afirmou ele. “Usa-remos a nosso favor a Mensagem 355,onde a presidenta Dilma afirma que aresponsabilidade de resolver o reajustedos servidores é do Congresso – nocaso, da CMO”, completou.

Uma das estratégias de pressãofoi a recepção de parlamentares noaeroporto, no momento de sua che-gada à cidade. Os coordenadores doSindjus fizeram isso ao longo do mêse continuarão fazendo pelo tempoque for preciso para ampliar o apoioao PL 6613. “É uma ação criativa;muitos deputados se surpreenderamcom a recepção, os banners e as car-tas, e não tiveram como não declararseu apoio”, disse Cledo.

Manifestantes ensurde-cem deputados na CFT:frentes de ação incluemtambém o Supremo e aComissão de Orçamento

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Fabíola Góis

m recente caso de flagrante de trabalho escravo repercu-tiu negativamente na mídia nacional e internacional e en-

volveu uma das marcas de roupas mais famosas do mundo, aZara, do grupo espanhol Inditex. Investigação da Superinten-dência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo localizou52 trabalhadores, entre brasileiros e estrangeiros, em condi-ções degradantes de trabalho. Parte do grupo costurava calças

da Zara no momento do flagrante. Emoutra fiscalização, no dia 16 de agos-to deste ano, 15 pessoas, incluindouma adolescente de 14 anos, foram li-bertadas de trabalho escravo em ple-na capital paulista.

Diante das novas denúncias e dacontinuidade do trabalho escravo nasociedade brasileira em pleno séculoXXI, entidades de várias áreas se unempara defender a aprovação da Propos-ta de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê o confisco da propri-edade onde houver esse tipo de explo-ração. Homens e mulheres são subme-

tidos diariamente a condições subumanas de trabalho. Seja nonorte-nordeste ou no sul do país, milhares de trabalhadoresnão têm carteira assinada nem direitos trabalhistas assegura-dos e recebem valores considerados insuficientes até mesmopara a própria sobrevivência.

O Sindjus se juntou a outras entidades como o Sindser, Sindi-receita e Sindicato dos Bancários para defender a causa. As enti-dades farão uma campanha de mobilização da sociedade pormeio da distribuição de mala direta, com folders e cartões pos-tais, para mais de cinco mil instituições. “O trabalho escravo afron-

Sindjus participa da campanha contrao trabalho escravo e pela aprovação daPEC 438, de 2001, que propõe punições

efetivas para esse tipo de crime

Escravidãonunca mais

VERGONHA

trabalhadores escravizados,segundo a Comissão Pastoral da

Terra. Entre 1995 e 2004,

16 milpessoas foram libertadas de

escravidão em fazendas

No Brasil há entre 25 mil e

40 mil

MOBILIZAÇÃO

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ta a democracia brasileira e a conquis-ta dos direitos humanos. Precisamoscobrar dos nossos representantes doCongresso Nacional uma atitude maisagressiva contra esse tipo de explora-ção. Vamos aprovar a PEC contra o tra-balho escravo”, afirmou Berilo JoséLeão, coordenador-geral do Sindjus.

O principal argumento para a apro-vação da matéria é que a expropria-ção das terras onde for flagrada mãode obra escrava é uma medida justa enecessária e um dos principais meiospara eliminar a impunidade. É comumver pelo país fazendeiros que, em suasterras, reduzem os trabalhadores à

condição de escravos. Esse crime é pre-visto no artigo 149 do Código Penal.Desde 1995, mais de 31 mil pessoasforam libertadas dessas condições pelogoverno federal, segundo dados daFrente Nacional contra o Trabalho Es-cravo. A PEC 438/2011 passou peloSenado Federal em 2003 e foi aprova-da em primeiro turno na Câmara dosDeputados em 2004. Desde então estáparada aguardando votação.

Na avaliação do presidente daFrente Parlamentar Mista pela Erra-dicação do Trabalho Escravo, deputa-do Domingos Dutra (PT-MA), a maté-ria ainda não foi votada porque “há,

com certeza, parlamentares federais,estaduais e municipais, integrantes doPoder Executivo das três esferas e atémembros do Judiciário envolvidoscom o trabalho escravo”. A declara-ção foi feita em um chat promovidopela Agência Câmara de Notícias, nofinal de agosto.

Questionado se o envolvimento deparlamentares não justificaria a cassa-ção, ele afirmou que sim. “Porém, até omomento, nenhum partido e nenhumaentidade da sociedade civil provocou aCâmara e o Senado a respeito da que-bra de decoro, o que é lamentável, jáque pessoas físicas e parlamentares in-

MOBILIZAÇÃO

Protestos contra ademora do julga-mento da Chacinade Unaí: servido-res foram assassi-nados duranteinvestigações detrabalho escravo,em 2004. Os man-dantes ainda nãoforam punidos

ANTÔNIO CRUZ/ABR

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O número de trabalhadoresescravizados no Brasil varia de25 mil a 40 mil, segundo cálcu-lo da Comissão Pastoral da Ter-ra (CPT). Pecuária e desmata-mento respondem por três quar-tos da incidência de trabalhoescravo. Atividades agrícolas, deextração de madeira e produçãode carvão também registrammuitos casos.

Só a partir de 1993 o pro-blema entrou de fato na agen-da nacional, a partir de denún-cias da Ordem dos Advogadosdo Brasil, sindicatos, Organiza-ção Internacional do Trabalho,Nações Unidas e outras institui-ções. Em 1995, no governo dopresidente Fernando HenriqueCardoso, foi criado o Grupo Es-pecial de Fiscalização Móvel doMinistério do Trabalho. A medi-da foi um avanço, pois livrou osfiscais locais de pressões e pos-sibilitou melhor planejamentodas ações em parceria com ou-

dividualmente não podem requerer a cas-sação de colegas”, afirmou.

No caso da Zara, o quadro encon-trado pelos agentes do poder público eacompanhado pela ONG Repórter Bra-sil incluía contratações completamenteilegais, trabalho infantil, condições de-gradantes, jornadas exaustivas de até 16horas diárias e cerceamento de liberda-de (seja pela cobrança e desconto irre-gular de dívidas dos salários, o truck sys-tem, seja pela proibição de deixar o lo-cal de trabalho sem prévia autorização).Apesar do clima de medo entre as víti-mas, um dos trabalhadores exploradosconfirmou que só conseguia sair da casa

com a autorização do dono da ofi-cina, apenas concedida em casos ur-gentes, como quando levou seu fi-lho ao médico.

Executivos da Inditex estiveram noCongresso em setembro. “Gostaría-mos de pedir desculpas por não ter-mos tido conhecimento desta situa-ção antecipadamente, de modo a evi-tá-la”, disse Jesus Echevarria, da Indi-tex, em reunião da Comissâo de Di-reitos Humanos e Minorias da Câma-ra. Os executivos afirmam que a em-presa se coloca como “vítima de umasituação que não foi por ela criada”.

Segundo o site da ONG Repórter

Brasil, a intermediária AHA pagava cer-ca de R$ 7 por cada peça para a donada oficina, que repassava R$ 2 aos tra-balhadores. Peça semelhante foi en-contrada em uma das lojas da marcaao preço de R$ 139. Uma jovem devinte anos, vinda do Peru, disse à re-portagem da ONG que chegou a cos-turar cinquenta vestidos em um únicodia. Em condições normais, estimoucom Maria Susicléia Assis, do Sindica-to das Costureiras de São Paulo eOsasco, seria preciso um tempo mui-to maior para que a mesma quanti-dade da difícil peça de vestuário fos-se toda costurada.

tros órgãos.As estatísticas da Secretaria

de Inspeção do Trabalho dão adimensão dos bons resultadosobtidos. Entre 1995 e 2003 fo-ram fiscalizadas 1.011 fazendase libertados 10.726 trabalhado-res. Se incluído o primeiro se-mestre de 2004, o número detrabalhadores libertados é decerca de 16 mil. Quase toda se-mana há notícias de mais ope-rações bem-sucedidas. O esta-do com maior número de liber-tados é o Pará, seguido porMato Grosso, Bahia e Maranhão.

Em março de 2003 o gover-no do presidente Luís Inácio Lulada Silva lançou o Plano Nacio-nal para Erradicação do Traba-lho Escravo e constituiu uma co-missão nacional para colocá-loem execução. O plano reúne 76medidas de combate à prática.Entre elas, projetos de lei paraconfiscar terras em que for en-contrado trabalho escravo, sus-pender o crédito de fazendeirosescravocratas e transferir para aesfera federal os crimes contraos direitos humanos.

Problema antigo, ações recentes

Campanha encampada peloSindjus: projeto prevê medidasde combate mais eficazes

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ALCOOLISMO

Uso abusivo da bebidaestimula a violência doméstica

e no trânsito e encurta cadavez mais a distância entre ocopo e a porta da delegacia pólvora

Barril de

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Valéria de Velasco

uz, câmera, ação. Mulheres lindís-simas cercadas de homens sorri-

dentes e atléticos dão vida ao cenáriocuidadosamente escolhido para a en-trada triunfal do produto que se vaivender entre um programa de TV eoutro: a bebida alcoólica. A sensação

de felicidade que a produção conse-gue transmitir com a ajuda da alta tec-nologia, no entanto, é oposta à reali-dade das vítimas da violência movidaa álcool. Ela ocorre a cada momentodentro dos lares, nas ruas e nas pistasinvadidas por motoristas que não veemcontradição entre o direito de assumiro volante e o de beber.

A linha tênue que separa esses li-mites assume fortes contornos em pes-quisas de universidades e órgãos dogoverno. Mas é no dia a dia da popu-lação que ela deixa as marcas do dra-ma que vai além dos números. “A gen-te vê agressão a toda hora, em todocanto, tudo por conta da bebida. Oálcool é a droga que está acabandocom o mundo”, sentencia a cuidado-ra de crianças Maria Alves dos Santos.Moradora do Paranoá (onde os regis-tros de violência doméstica cresceramquase 20% de janeiro a julho desteano, comparados ao mesmo períodode 2010), Maria acompanhou de per-to o sofrimento da filha Alessandra Ivo-neide dos Santos, 28 anos, e o vaivémde agressões que resistiu a cinco ten-tativas de reconciliação, até que a jo-vem decidisse dar um basta.

“Ele saía à noite, bebia, e quandochegava em casa me xingava, me ofen-dia, dizia que eu tinha ‘outro macho’ eque mulher melhor do que eu ele en-contrava em qualquer esquina.” O re-pertório de baixarias era regado a ame-aças. “Ele gritava que se eu não ficassecom ele, não ficaria com mais ninguém.Eu reagia dizendo que ia dar queixa napolícia e ele debochava, dizia que eunão teria coragem”, relata Alessandra.“O inferno”, segundo ela, começava nasexta-feira, quando o companheiro co-meçava a beber, tomava conta do fimde semana todo e geralmente acabavaem agressão física.

Assistir a tudo isso deixou seque-las na filha do casal, M. S., de apenas7 anos de idade, que precisou deacompanhamento psicológico. A pre-ocupação com o bem-estar e o equilí-brio emocional da menina ajudou Ales-

sandra a amadurecer a decisão de re-correr à polícia em busca de proteção.“No começo eu tinha muito medo, masdepois decidi enfrentar e não baixar acabeça. Se não denunciar, a gente nun-ca cresce. Sei que tem muitas mulhe-res passando por isso também, masninguém precisa se submeter, a vio-lência tem que ser denunciada”, de-fende Alessandra.

Sem a denún-cia é impossível to-mar medidas paraproteger as víti-mas, e o númerode pessoas quepassam pelo mes-mo drama de Ales-sandra acaba su-bestimado, preju-dicando iniciativasde combate aoproblema. A deci-são de tomar o caminho da delegaciaesbarra em questões como o medo, adificuldade de expor a própria intimi-dade e a esperança de que dar umanova chance ao agressor permita queo dia seguinte seja diferente. Isso levaa vítima a adiar enquanto pode o re-gistro da agressão. Apesar da clarezadas leis, muitas vítimas sequer conse-guem enxergar onde acaba o respeitoe começa o abuso. Assim, não reconhe-cem como violência as ofensas verbaise ameaças que a lei define como cri-mes contra a pessoa (leia quadro), e sórecorrem à polícia quando a agressãochega à lesão corporal.

Funcionária de uma padaria do Pa-ranoá, Alessandra conseguiu se livrarde outro empecilho que pesa na deci-são de mulheres que não registram de-núncias – a dependência econômica.“Eu me sustento com o que ganho eestou sempre procurando melhorar nomeu trabalho. Acho que a gente nãopode se acomodar, tem que procurarnovos caminhos. Comecei no balcão,atendendo, mas me interessei emaprender outras funções e já mudei desetor”, ensina.

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Alessandra: “A gentenão pode se acomodar,tem que procurarnovos caminhos”

BEBER E BATER

das ocorrências de violênciadoméstica registradas por

mulheres no DF, de janeiro ajulho de 2011. O número devítimas nesse período foi de

6.288

O álcool esteve presente em

30,3%

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14 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Mulheres na corda bambaA dependência financeira e o medo

de criar sozinha as duas filhas adolescen-tes e os outros três filhos não impedirama dona de casa Marinalva dos Santos Al-meida, moradora do Itapoã, de recorrer à6ª Delegacia de Polícia, do Paranoá, parase defender dos problemas com o maridopor causa da bebida. “Ele se transformaem outra pessoa, fica agressivo, aí avisologo que não conheci ele dentro de umbar”, diz Marinalva. A ideia da separaçãopassou a fazer parte do seu cotidiano,apesar do problema da moradia. “Eu nãotenho para onde ir, nem ele. Estamos há

dez anos construindo isso aqui”, conta,mostrando as paredes ainda no reboco eo restante da casa por acabar.

“Com tanto conflito, a mulher fica nacorda bamba, entre viver nesse infernoou se separar para ter sossego. Mas te-nho medo de criar as meninas num lugarviolento, sem uma voz ativa para elas te-merem”, justifica. Para desespero de Ma-rinalva, a “voz ativa” se calava sempreque os fins de semana eram consumidosdentro de um bar, e a esperança dela pas-sou a se concentrar na Justiça. “O juizmandou que a gente fizesse terapia de

casal, mas ele não quis, disse que a gen-te precisa é tomar vergonha e se arru-mar.” A saída foi tentar a igreja. “Ele dizque não quer perder a família e concor-dou em frequentar a igreja comigo. Massó vou acreditar que deu certo se ele fi-car uns cinco anos sem a bebida”, avisa.

Marinalva e Alessandra estão entreas 6.288 vítimas no DF que tiveram co-ragem de denunciar a violência domésti-ca, de janeiro a julho de 2011. São 703casos a mais do que os 5.585 registra-dos no mesmo período do ano passado.A média mensal de registros cresceu de756 em 2010 para 867 em 2011, explicao delegado-chefe da 6ª DP, André Luiz

ALCOOLISMO

O marido de Marinalva nãoquis fazer terapia e apelou paraa igreja para se livrar do vício:“Só vou acreditar se ele ficar unscinco anos sem a bebida”

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15Revista do Sindjus • Set-Out/2011

A interferência da bebida alcoólicafoi reconhecida em 30,3% das ocorrên-cias registradas por mulheres e em 27%dos casos relatados por vítimas mascu-linas. O Sistema de Vigilância de Vio-lências e Acidentes (Viva) do Ministé-rio da Saúde ouviu 8.766 vítimas de vi-olência sexual, doméstica e outras vio-lências atendidas em unidades de refe-rência, em 18 municípios. Desse total,2.530 (28,9%) eram do sexo masculi-no, dos quais 30,2% eram crianças commenos de 10 anos. Entre as mulherespesquisadas, 39,7% já haviam sidoagredidas antes, 62,7% dos casosaconteceram dentro de casa, 25,6% ti-nham união estável e 38,7% eramsolteiras. A violência foi maior nas fai-xas dos 10 aos 19 anos (28,8%) e dos20 aos 29 anos (19,9%).

A relação entre o uso do álcool e aviolência doméstica foi confirmada noano seguinte pela Universidade Federalde São Paulo (Unifesp), que ouviu setemil famílias em 108 cidades brasileiras.Em 49,8% dos casos o álcool funcio-nou como combustível para as agres-sões, que ocorreram dentro das casasdas vítimas. A pesquisa mostrou tam-bém que beber e agredir são atitudesregistradas em todos os segmentos so-ciais: entre os agressores, 33% perten-ciam à classe média e 17% à alta.

“O álcool tira os freios. E de uma for-ma tal que há ocorrência em que o ban-dido agride, estupra e submete a vítimaa cárcere privado, incidindo em várioscrimes”, compara o delegado André Va-rella, escolado com a rotina do Paranoáe Itapoã, que acompanha diariamente.Juntas, as duas cidades já somam maisde 180 mil habitantes. “O álcool é umadroga a que a pessoa tem acesso fácil eque leva a fazer coisas que se estivessesóbria não faria”, afirma. Levantamen-to da Polícia Civil de janeiro a julho de2011 mostra que a violência domésticadenunciada no DF foi maior nos fins desemana, especialmente aos domingos,de 18h às 23h59, quando se registra-ram 23,8% do total de ocorrências.

Derrubar esses números é um desa-

fio que a polícia não pode enfrentar so-zinha. “No caso do excesso de bares, apolícia só pode interferir se houver ocor-rência criminal. É preciso um trabalhoconjunto, pois o poder de fiscalizar com-pete a outros órgãos”, explica André Va-rella. Para o delegado, além de aumen-tar a fiscalização sobre o consumo doálcool é preciso fazer campanhas de ori-entação à população, especialmente àsmulheres, para que denunciem as agres-sões e confiem nas instituições. “Existeuma cultura de que não adianta denun-ciar. É preciso entender que se essa ati-tude não for tomada, a polícia não terádados paraagir”, alerta.

A fiscali-zação dos ba-res pode aju-dar a freartambém a en-trada de jo-vens no víciodo álcool. AUniversidadeFederal de SãoPaulo analisoua relação dosjovens com abebida e cons-tatou que elesestão aderin-do ao consu-mo cada vezmais cedo.Numa pesqui-sa realizadaem 143 cida-des, com 3.007 entrevistas, os jovens re-velam que começam a beber na faixados 13 anos e 9 meses. Funcionário deuma serralheria no DF, o paranaense JoséVieira*, 30 anos, foi seduzido pelo víciobem antes, mal havia saído da infância,aos 12 anos. “Comecei com o vinho, quecomprava junto com um grupo de ami-gos, depois passei para a cachaça e aínão consegui parar mais”, conta. O freioque pode mudar sua vida chegou 18anos depois, com a decisão da sua mu-lher, Célia Maria*, de recorrer à polícia.

Combustível perverso

Marcondes Varella, responsável por aten-der as regiões administrativas do Para-noá e Itapoã. A grande maioria das ocor-rências enquadradas na Lei Maria da Pe-nha, segundo ele, tem envolvimento coma bebida, o que confirma a tendênciaapontada em pesquisa realizada pelo Mi-nistério da Saúde em 2008.

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André Varella, delegado-chefe da 6º DP: “O álcool tiraos freios e é uma droga a quea pessoa tem acesso fácil”

POR TODO LADO

Pesquisa da Unifesp ouviu7 mil famílias em 108 cidades

brasileiras e concluiu que

49,8%dos casos de violência

doméstica tiveram relaçãocom a bebida. Dessas famílias,

17% são de classe alta e

pertencem à classe média.

33%

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16 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

“Eu até gosto de uma cerveja devez em quando, mas só para descon-trair, me divertir, nunca para ter pro-blemas”, diz Célia. Grávida de seismeses da primeira filha do casal, elaconta que não sabia mais o que fazerpara ajudar o companheiro a se livrardo vício. “O dinheiro todo que ele ga-nhava era para a cachaça. A gente vi-via muito bem, mas com a bebida elecomeçou a ficar agressivo, até que umanoite a coisa chegou a um ponto quenão dava para suportar. Ele deu soconum prato, quebrou a chave de casa,se feriu e queria me agredir. Chamei airmã dele, que já chegou com a polí-cia”, relata Célia. “Não aguentavamais essa situação, nem ia permitir queele me batesse. Nossa filha está che-gando, não faz sentido a gente nãoter paz”, desabafa.

O bebê que está a caminho ajudaJosé a acreditar que pode vencer o di-

fícil desafio que tem pela frente. Háum mês sem tocar em bebida, desdeque foi encaminhado pelo MinistérioPúblico para um tratamento no Cen-tro de Atendimento Psicossocial daSecretaria de Saúde, ele exibe os com-provantes da frequência e a receitamédica, enquanto reflete sobre asmudanças que começaram a aconte-cer na sua vida. “Quando eu estavana bebida não enxergava as coisas,mas desde que comecei a me tratar jámelhorei, estou rendendo mais no tra-balho e fico imaginando como a mi-nha filha vai ser.” Ele não tem dúvidasde que o acordo feito com a mulherna Justiça valeu a pena: “Quero ver aminha filha crescer e cuidar dela.”

A intervenção da Justiça era o em-purrão que faltava para José vislum-brar a saída do fundo do poço. Maspara se agarrar à borda e pular foraele precisa levar adiante o tratamen-

A Lei Maria da Penha estabeleceu inovações,como não permitir que a mulher retire a denúnciana delegacia. Isso somente pode ser feito, agora,perante o juiz. Outra medida importante foi defi-nir todos os atos que podem ser denunciadoscomo violência contra a mulher. No artigo 7º, aLei 11.340 aponta, entre esses atos:

a violência física;a violência psicológica, que é qualquerconduta que cause dano emocional,diminuição da autoestima ou perturbação, pormeio de ameaça, constrangimento,humilhação, manipulação, isolamento,vigilância constante, perseguição contumaz,insulto, chantagem, ridicularização, exploração;a violência sexual, como por exemplo a relaçãosexual não desejada, mediante intimidação,ameaça, coação ou uso da força;a violência patrimonial, como destruição ousubtração de bens, documentos, valores etc.a violência moral, entendida comoqualquer conduta que configure calúnia,difamação ou injúria.

Luz no fundo do poço to, um processo delicado que exige de-terminação e, sobretudo, qualidade noatendimento. “A Justiça dá o estímulopara que o autor (da violência) dê umaresposta positiva. Conversamos com aspartes, colocamos as possibilidades detratamento e só encaminhamos aque-les que concordam”, explica o juiz Jú-lio César Lérias Ribeiro, do 2º JuizadoEspecial do Paranoá.

O importante, segundo o magistra-do, é quebrar o ciclo de violência eevitar o prosseguimento das agressões– e isso é possível afastando a circuns-tância apontada na ocorrência, nocaso, o álcool. “Quando a intervençãoé positiva o retorno se reflete na baixaincidência”, afirma. O problema é quea demanda é crescente e não podeesperar, mas esbarra nas limitações darede pública de atendimento. “A es-trutura é precária, faltam locais parainternação. Às vezes o próprio autorpede para ser internado, mas não hácomo”, lamenta Júlio César.

Xingar também é crime

ALCOOLISMO

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Júlio César Ribeiro, juiz:“Faltam locais para interna-ção. Às vezes o próprioautor pede para ser inter-nado, mas não há como”

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17Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Pedir para ser internado, no entan-to, nem sempre significa o fim da linhano S.O.S. ao dependente da droga. Paraos Alcoólicos Anônimos (AA), uma ir-mandade internacional de mútua ajudapara a recuperação, que define o alcoo-lismo como uma doença progressiva, es-piritual e emocional, o socorro só co-meça a ter efeito a partir do processode aceitação. “A aceitação é um ato dehumildade. O alcoolismo é a doença danegação, que leva o dependente à der-rota total. Ele só consegue se tratar setiver humildade para reconhecer a der-rota. O programa é 100% de humilda-de”, afirma o aposentado Mário Luís*,voluntário do AA que prefere não se

identificar em respeito ao anonimato,um “alicerce espiritual” da irmandade.

Com 93 grupos no DF e Entorno, airmandade abre suas experiências paraajudar quem se dispõe a deixar o vício.“Não temos burocracia e funcionamosao contrário do governo, de cabeçapara baixo; quem manda são os gru-pos, que vão se formando espontane-amente”, relata Mário. A irmandadenão faz internações, “não recupera noisolamento”, e trabalha com 36 prin-cípios, divididos em 12 passos, 12 tra-dições e 12 conceitos. “Sempre dentroda perspectiva do esclarecimento, deoferecer a opção de viver em comuni-dade”, explica. Mário Luís entrou no

AA em 1992, no momento em que re-conheceu a sua “derrota total”, e nun-ca mais saiu.

“Faço esse voluntariado porquepreciso. Aqui achei o que queria, umprograma para mudar de vida. Se pa-rar de frequentar as reuniões, possoentrar em desequilíbrio. E isso afeta aspessoas próximas, que acabam se tor-nando doentes também”, reconheceMário. A mudança, para ele, significaum trabalho permanente contra a pró-pria prepotência. “Eu tinha perdido odomínio da vida. Cheguei ao fundo dopoço, porque a vaidade e o orgulho nãome deixavam enxergar que eu tinha umproblema”, relata.

Prepotência, a maior das barreiras

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Mário: “O alcoolismo levao dependente à derrotatotal. Ele só consegue setratar se tiver humildadepara reconhecer a derrota”

AJUDA

Alcoólicos Anônimos (AA)(61) 3226-0091www.aaareadodf.org

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18 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

A prepotência também está na raizdas tragédias no trânsito provocadas pormotoristas alcoolizados. Três anos depoisde perder sua filha Giovana Vitória deAssis, de apenas 5 anos (atropelada emorta numa faixa de pedestres em Pla-naltina, na companhia da babá), a con-tadora Fernanda Butitiere de Assis cho-rou a morte do tio, Marcos André Torres,de 37 anos, imprensado entre dois carrosno Buraco do Tatu, no Plano Piloto. Os doiscrimes foram praticados por pessoas quedirigiram sob efeito do álcool.

“Enquanto motoristas criminosos ma-tam e ficam impunes, nós somos conde-nados a enterrar as pessoas que maisamamos”, revolta-se Fernanda, que recla-ma do desrespeito à Lei Seca. “A falta dejustiça e a impunidade que faz com queesses crimes se repitam vão nos amargu-rando, a gente vai ficando pra baixo, seabatendo, a família vai adoecendo”, la-menta. O motorista que atropelou sua fi-lha sequer foi a júri popular.

Na Ceilândia, porém, a Justiça respon-

deu à altura. O Tribunal do Júri condenouo caminhoneiro Márcio Carlos BatistaFontenele a 19 anos e meio de prisão, semdireito a recorrer em liberdade, pelas mor-tes de Ana Paula Soares, 23 anos, LucasLevi Gomes da Silva, 4 anos, e Luiz Henri-que de Souza, 2 anos, na DF-190, umasemana após a Lei Seca entrar em vigor,em 20 de junho de 2008. Alcoolizado eao volante, ele acabou com a vida de trêspessoas de uma mesma família.

Foi também com a ajuda do álcoolque o contador Leonardo Luiz da Costainvadiu a faixa presidencial do Eixão Sul,proibida para carros, no início da noitede 19 de agosto de 2006, e matou, comsua arma de quatro rodas, o estudantePedro Davison. Era o dia do aniversáriode Luísa, a pequena filha de Pedro. Eledefendia o transporte sustentável e vol-tava para casa de bicicleta. Dali a quatrodias, o jovem ciclista pegaria seu diplo-ma de formatura em Biologia, na Uni-versidade de Brasília. O criminoso queroubou esse futuro e destruiu uma famí-

lia após desrespeitar a lei foi levado ajúri popular e condenado a apenas seisanos, em regime semiaberto.

Pintada de branco, numa alusão àpaz que ele gostava de defender, a bici-cleta de Pedro virou um monumento nocanteiro do Eixão, próximo à 214, ondemantém acesa a memória das tragédiasque a capital da República carrega pornão exigir que leis feitas para proteger avida sejam cumpridas à risca. Uma me-mória carregada de vergonha, que dá aoBrasil o quinto lugar no ranking dos pa-íses que mais matam no trânsito, de acor-do com pesquisa da Organização Mun-dial de Saúde (OMS). Somente em 2007,foram 35,1 mil mortes. Cerca de 50%eram pedestres, ciclistas e motociclistas.Em Brasília, esse percentual chega a60,1%, conforme estudo do Instituto dePesquisa Econômica e Social Aplicada(Ipea) em 2009.

O levantamento da OMS analisou178 países e alertou que apenas 15%tinham uma legislação completa de con-trole do trânsito, inclusive em relação àbebida alcoólica. No Brasil, nem a LeiSeca, de 2006, é suficiente para deter as

Alcoolizados e impunes

CARLOS ALVES

Um motorista bêbadomatou Giovana, de 5 anos,filha de Fernanda: “A impu-nidade que faz com queesses crimes se repitam”

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19Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Entender os limites entre osdireitos individuais e a segurançada coletividade é o primeiro passono combate à violência no trânsito,propõe o economista Pérsio Davison.Nesta entrevista, ele defende aobrigatoriedade do bafômetro eexplica: “Dirigir é um ato permitidopor concessão do Estado.”

O que falta para reduzir aviolência no trânsito?

A nossa visão jurídica é burocrática,cartorial e muitas vezes passa longe darealidade de violência que vivemos. Pre-cisamos de uma posição mais clara dosmagistrados na interpretação das mor-tes no trânsito como crime. A percepçãode que tudo é fatalidade é absurda e con-tribui para o aumento das mortes.A Lei Seca é insuficiente?

Ainda há absurdos, como a faltade obrigatoriedade do bafômetro. Uma

mortes. Para a economista Elisabeth Da-vison, mãe de Pedro, falta conscientiza-ção. “Nos países desenvolvidos as pes-soas não pegam no volante após beber,nem precisam de fiscalização, pois já in-corporaram esse respeito à vida na suarotina. É o que falta aqui. Precisamos cri-ar essa cultura”, compara.

Vice-presidente da organização nãogovernamental Rodas da Paz, que defen-de os direitos do ciclista e o uso da bici-cleta como transporte alternativo, ela aler-ta que é preciso rigor na fiscalização. ALei Seca é o melhor exemplo, afirma Eli-sabeth. “Quando ela foi aprovada houveo impacto da fiscalização e a violência notrânsito caiu. Mas depois esfriou e as ocor-rências voltaram a crescer. Se o Detran co-locar os fiscais na rua, a lei volta a funci-onar”, acredita. “Toda lei pressupõe umapostura de respeito e para isso a fiscali-zação tem que ser permanente. É umaação educativa, inibidora”, concorda Pér-sio Davison, pai de Pedro. Ele cobra umapostura mais comprometida do Judiciá-rio no combate à violência do trânsito: “AJustiça pode fazer mais.”

mudança inadiável é acabar com oprincípio de que ninguém é obrigadoa produzir provas contra si mesmo, queé aplicado para proteger os crimino-sos no trânsito.Um princípio constitucional,alegam os agressores...

O que a Constituição garante é o di-reito de ir e vir. Podemos ir a qualquerlugar. Mas dirigir é um ato só permitidopor concessão do Estado, que dá a ha-bilitação sob condições que somos obri-gados a cumprir. Temos que provar queestamos aptos e que obedecemos às re-gras. Porque quando não as cumprimos,a sociedade fica desprotegida.Recusar o bafômetroajuda o motorista?

A recusa é uma incriminação. É umato de violência contra o direito dosoutros cidadãos. Provar que estou aptoé uma obrigação minha e um direitoda sociedade.

Agressão à sociedade

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Pérsio e Elisabeth Davi-son, pais de Pedro, ciclis-ta morto no eixão: “AJustiça pode fazer mais”

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Raros os jornalistas que perdem o em-prego, mas não a opinião. Mais raros osartistas que não aceitam, domesticados,a maré regida pelo deus mercado e ain-da assim conseguem criar, expor, mostrare existir íntegros sem maiores concessões(engolem só as pequenas pela circuns-tancia natural da sobrevivência cotidia-na). Essa é a falta que o cineasta Glau-ber Rocha faz nesses últimos 30 anos desua morte (22 de agosto de 1981). A cha-ma de quem se abria sem o menor pudorpara correr riscos. A impetuosidade de ser,em carne e medula, a tal metamorfoseambulante que longe de constituir fláci-da postura na troca de direção era raioinstigante para mexer nos velhos dogmas.Açoite na esquerda, direita, centro, flan-co, front, pseudovanguardas, protoreta-guardas em riba ou abaixo.

Glauber não aceitou carapuças nem a elasse submetia. Indomável e malandro nosentido de saber que ginga, malícia e mo-lejo são astúcias do capoeira não para der-rubar, mas para desorientar o inimigo atéque ele cai por si. De podre. Sua maior

desestabilização, entre artistas, era sua as-túcia em usar mídias e trânsito de celebri-dades para subverter o pódio. Ao mesmotempo recusava o pedestal e era exibicio-nista para espalhar brasa nas igrejinhasestéticas e ou ideológicas.

Inflamava desconforto pelo uso indiscri-minado da sua marca: a surpresa. Pânicodas mídias clássicas, jornalões ou tvzo-nas, que não podem correr riscos no tra-to de tamanha loucura. Teve alento, aquino DF, em nossos tempos de Correio Bra-ziliense, coordenado por Oliveira Bastos.Grandes empresas, antes de contratar,pensam na trágica possibilidade (parasuas imagens corporativas neoliberais) de,um dia, ter que censurar ou demitir al-guém que diz o que pensa, vive o quefaz, projeta o que sente sem pedir licen-ça nem aos padrões vigentes nem ao ca-bresto da patotinha tribal de algum clu-be adepto do intelecto catalogado.

TT CATALÃOCINEMATECA BRASILEIRA

provocativa

Sem Glaubersão 30 anos

sem invenção

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O que marcou mais a postura de Glauber foi o transe entre políticae poética com uma narrativa rebelde aos panfletos arrastados do dogma

doutrinário. O cinema como faca afiada e sem temer riscos.

Assim partiu Glauber. Um estrondo telúrico. Força da natureza. Quem ficou, ficou naculpa. Aquela galera que sabe lá no fundo o quanto isolou o velho companheiro pornão ter a coragem de estar junto dele, mesmo discordando. Uns falaram que Glau-ber foi suicidado pelo Sistema como se o dito cujo fosse obra encantada do além enão resultante do nosso fazer diário. Outros culpados por encontrarem o caminhodas pedras do financiamento bem apadrinhado enquanto Glauber ralava meio de-sorientado. Glauber nunca exigia coerência de seus amigos, pois vinha para confun-dir e, em alguns momentos, queria quebrar esse “mais do mesmo” que nos atolahoje em pobreza estética e cinismo.

Inquieto 24 horas, também não era de relacionamento muito fácil. E não aceitavaesmolas ou migalhas por ser “glória” internacional. Gostava de aportar e queimar afrota para não ter retorno. Principalmente para os mais previsíveis e esquematiza-dos. Em estado catártico sob o jorro do fluxo verbal em pororoca permanente, seusacessos tinham vínculos profundos com os processos políticos libertários do Brasil.Não só o Brasil administrativo e formal na conjugação do Estado, mas um Brasilprofundo, latente, pulsante, no imaginário de um inconsciente coletivo que arreba-ta, realmente, os que se entregam a essa paixão. A busca de sentido no caos criati-vo. O país das muitas faces em cristal sintético.

Traduzir tudo isso em cinema é tarefa de gênio. Morto aos 42 anos, Glauber fez dezlongas e seis curtas em 21 anos de ação. Do Pátio em 1959 até A Idade da Terra, em1980, o que marcou mais a postura de Glauber foi o transe entre política e poéticacom uma narrativa rebelde aos panfletos arrastados do dogma doutrinário. Sabiaque pelo olhar ágil e a montagem desarticuladora poderia provocar reflexão semser chato ou pesado. O cinema como faca afiada e sem temer riscos tanto nos temasquanto no trabalho com os atores. Sem falar que Glauber não abria mão do textoem seus filmes. Geralmente falas e discursos eram usados com preciosidade ade-quada para as cenas onde a imagem era legitimada e nunca esvaziada pelo conteú-do dos textos. Alguns brotaram no improviso das cenas.

Só Glauber para nos ajudar a ver dragões e maldades em muito herói travestido,hoje, de libertário enquanto por baixo da capa sobrevive o reacionário em sua for-ma mais hedionda de camuflagem: a hipocrisia. Místico que era, adorava os profe-tas bíblicos irados e amava a passagem do Cristo, de chicote em punho, expulsandoos vendilhões do templo. Faz falta!

FILMOGRAFIA» 1959 – Pátio» 1959 – A cruz na praça» 1962 – Barravento» 1964– Deus e o diabo na terra do sol» 1965 – Amazonas, Amazonas» 1966 – Maranhão66» 1967 – Terra em transe» 1969 – O dragão da maldade contra o santo guerreiro»1970 – O leão de sete cabeças» 1970 – Cabeças cortadas» 1972 – Câncer» 1973 –História do Brasil» 1975 – Claro» 1977 – Di Cavalcanti» 1979 – Jorge Amado nocinema» 1980 – A idade da terra

O que marcou a postura de Glauber foi o transeentre política e poética com uma narrativa rebeldeaos panfletos arrastados do dogma doutrinário.O cinema como faca afiada e sem temer riscos

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22 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Quando ocorre violênciaa pessoa já tinha predisposi-ção. O álcool é um desafio,

principalmente onde asfamílias são desestruturadase a bebida representa uma

fuga. É uma doença, apessoa tem que querer setratar. O alcoólatra carrega

um estigma. E se nãotiver interesse, nenhumtratamento terá efeito.

Assunção de MariaCantanhede Gomes, MPDFT

Pesquisas sobre a relação entre a bebida e a violência mostram que ouso abusivo do álcool está por trás da maioria das ocorrências de

agressões domésticas e das mortes no trânsito. No entanto, nem osavanços mais recentes dos meios de controle social, como a Lei Maria da

Penha e a Lei Seca, conseguem conter os estragos dessa droga deconsumo livre. Será que esse desafio é tão difícil assim de vencer?

As estatísticas não mostrama dor que a violência traz.Não bastam leis e políticas

públicas para conter o álcoole as drogas, que são coadju-vantes de atos violentos. É

preciso maior nível de consci-ência das pessoas. Se quere-

mos uma sociedade maispacífica, temos de começar

por nós mesmos, controlandonossas reações e, principal-

mente, o consumo de álcool.

Lálida de Figueiredo, STJ

Deveria se fazer maiscampanhas para prevenir oabuso, mas é complicado.As pessoas têm razões di-versas para começar a be-ber e muitas têm dificulda-des de enxergar que existeo problema e que ele podeser resolvido. Há ainda aquestão cultural, valores

arraigados como o machis-mo, a ideia dese achar o

dono da mulher.

Thiago Mora, MPDFT

ENQUETEFO

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Drogade consumo livre

O álcool deforma maisque a cocaína, mas é umadroga vendida livremente.

A sociedade está desestrutu-rada para oferecer ajuda. O

que temos para tirar o jovemdo bar? Quais as praças, cine-

mas, ambientes de cultura,perspectivas? A drogadição éum movimento de autodes-

truição. Para sair dela, é preci-so gostar de si mesmo.

José Vanderlei SantosRolim, MPDFT

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23Revista do Sindjus • Set-Out/2011

O álcool desencadeiauma atitude agressiva. Emcerca de 80% das ocorrên-

cias no Fórum, a vítimarelata que o agressor bebeu.

Superar isso não é fácil,porque é uma questão pes-soal. O agressor tem queconcordar em fazer um

tratamento. Se não houveresse interesse dele, dificulta

a solução do problema.

Manuella Silva deOliveira, TJDFT

Às vezes, quando a pessoaestá sóbria, é uma maravilha;quando bebe, muda tudo. Isso

sobressai nos processos.A presença do álcool como gera-dor de agressão é recorrente. Oproblema é que faltam mecanis-mos de atenção a dependentes,há muita demanda e não temonde abrigar. Falta emprego. O

homem bebe, agride, e a mulheraceita, porque depende dele.

Edmilton PedroBorges, MPDFT

Há relação entre álcool eviolência, mas não podemos

falar que é culpa da bebida. Éuma questão cultural, de valo-res. A violência doméstica estáenraizada na nossa sociedade

patriarcal. Isso começou amudar, a Lei Maria da Penha

foi um marco. As políticaspúblicas para tratar o agressorestão no caminho certo, mas oSUS ainda não está preparado.

Christiane RibeiroLemos, MPDFT

É óbvio que o álcool dáuma relaxada,ajuda a tornaras festinhas mais animadas.

Mas acontece que oshomens, principalmente,

ficam agressivos. Tudo parteda formação cultural e edu-cacional. As campanhas dei-xam nossa consciência desobreaviso, mas o cuidado

com o álcool tem que partirda decisão de cada um.

Catarina Nogueira FrançaRêgo, STJ

O álcool está presente emquase todos os conflitos comviolência doméstica. Em 90%

dos casos eles reconhecem issoe as mulheres não querem queeles sejam presos, sonham coma paz na família. É uma ques-tão complicada, porque a mai-

oria não reconhece que temproblema com álcool e o trata-mento tem que ser a partir da

vontade da pessoa.

Luciana Cândida da SilvaRuchel, TJDFT

A questão é social. Mas nãoé só o pobre que bebe e

bate. Tem que começar nojardim de infância, mudar osvalores, incutir o respeito. É

uma questão de como oproblema é tratado em casa,

por isso tem que começarcedo. A outra questão é o

apoio, oferecer oportunida-des de trabalhar a auto-

estima, assegurar a assistên-cia necessária.

Marli Pereira Viçosa, MPDFT

O álcool é um vício aceitosocialmente. Um monte degente bebe além da conta,mas os amigos e familiares

não ficam preocupadosporque acreditam ser nor-mal ficar “de porre” de vez

em quando. Mas quemprecisa chegar ao ponto deficar de porre uma vez pormês já demonstra que estáfazendo da bebida um fim

nela mesma.

Luciana de Assunção, STJ

Muitas vítimas relatam que,quando o agressor não

bebe, é um excelente mari-do, ótimo pai, mas quando

bebe quebra tudo. A maioriaaté concorda em se tratar,

mas depois continuamachando que o problemanão são eles mesmos. Pri-

meiro eles têm que se cons-cientizar, reconhecer que

estão destruindo a família.

Margarida Paloma de LimaSobreira Gomes, TJDFT

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24 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

BRASÍLIA DO BEM

m 2002 Saulo Pereira tinha 16 anos e cursava o supleti-vo na Ceilândia. Para ir à escola, ou a qualquer outro

lugar, dependia de uma cadeira de rodas e de alguém para em-purrá-la. Saulo nasceu sem braços e com as pernas atrofiadas.

Ao observar essa rotina, Emerson Teixeira, seu professor dematemática no Centro de Ensino Fundamental nº 20, começou aquebrar a cabeça para oferecer ao rapaz uma maneira de se loco-mover sozinho. O desafio era grande: criar um veículo que pudes-se ser pedalado, dirigido e freado apenas com uma das pernas.

Emerson deu uma de inventor, engenheiro e designer de pro-dutos, improvisou e venceu o desafio: com uma velha cadeira deescritório e duas biclicletas usadas ele projetou e montou o DinoSaulo, apelido do triciclo que o aluno passou a pilotar por todaparte. Finalmente livre para exercer seu direito de ir e vir semdepender de ninguém, o jovem que teve força de vontade paracontinuar os estudos, mesmo com tantas limitações, e hoje, noveanos depois, vai se formar em Direito.

Essa é a história do nascimento do projeto Tricicletas Cabu-losas, criado por Emerson para ajudar pessoas com necessida-des especiais e dificuldades de locomoção. De 2002 a outubrodeste ano ele desenhou, produziu e entregou 25tricicletas para adultos e crianças. A 26ª será en-tregue no dia 12 de outubro, em uma festa noParanoá, em comemoração ao Dia das Crianças.

Cada tricicleta é diferente, porque precisa serprojetada de acordo com as limitações de quemvai usar. Algumas são “pedaladas” com as mãos, outras comuma só mão, com uma só perna e assim por diante. Emerson temrealizado verdadeiros milagres na vida desses portadores de ne-cessidades especiais. São pessoas que estavam condenadas aviver em cima de uma cama ou, na melhor das hipóteses, emuma cadeira de rodas, dependendo muito da ajuda dos amigos eparentes. Mas, com a criação do professor-inventor, ganharam aliberdade de se locomover sozinhos.

Professor público da Ceilândia cria eproduz com recursos próprios as “tricicletas

cabulosas”, que garantem liberdade de ir e vira pessoas com diferentes deficiências

Ricardo Ribeiroem ação: trabalho

voluntário paramontar e soldar

as tricicletas

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Liberdadesobre rodas

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Emerson é motociclista e fundador doMotoclube Os Teixeiras. Para fazer as tri-cicletas ele conta com a ajuda do colegade motoclube Ricardo Ribeiro, responsá-vel pela montagem e soldagem das es-truturas. Ricardo começou a ajudar hápouco mais de dois anos. Apareceu emboa hora, quando o serralheiro que atéentão soldava os veículos avisou que nãopodia mais realizar os serviços.

As tricicletas são montadas na casade Ricardo, em Samambaia. Ele tem

uma quiosque onde conserta bicicletas,monta triciclos e aproveita as horas defolga para se dedicar ao projeto. Ricar-do se sensibilizou com a dedicação deEmerson. Na época, sua filha de noveanos fora diagnosticada com câncer. Aproximidade com crianças doentes nohospital em que a menina se tratava,em São Paulo, fez com que despertassenele o altruísmo. “Vi como aquelas cri-anças ficavam felizes quando eu as pe-gava para andar de moto, e resolvi tam-

bém ajudar”, recorda Ricardo.Os dois se emocionam sempre que

entregam uma tricicleta. E não preten-dem parar, apesar das dificuldades. “Pre-cisamos de apoio. Mantemos o projetocom nossos recursos. O ideal é que al-gum fabricante se interesse”, disse Emer-son. Ele acredita que a história dos por-tadores de deficiência é uma lição: “Àsvezes reclamamos da vida, mesmo comtudo o que temos. Essas pessoas nos en-sinam muito”, concluiu.

Andrea Fiúza,25 anos, recebe a

tricicleta criadapor Emerson: há

oito anos, acidentede carro deixou-a

paraplégica

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26 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

BRASÍLIA DO BEM

José Carlos era motorista de ônibus até cinco anos atrás, quando sofreuum assalto. Ele levou um tiro e ficou paraplégico. Os três anos seguintesforam muito difíceis para ele; ficou deprimido e não queria sair de casapara nada. Em 2010 voltou a estudar no CEF 15, no Setor O da Ceilândia.Foi quando assistiu a uma reportagem na Rede Globo sobre o projeto deEmerson e resolveu procurar o professor. Ele ganhou a tricicleta nº 19.

Renan tem oito anos de idade erecebeu a sua tricicleta em abril. Aosdois anos e meio o menino caiu deuma bicicleta e foi parar no hospital.Ao atendê-lo, os médicos descobri-ram que ele tinha um câncer nacoxa, pouco acima do joelho. Foipreciso fazer uma amputação.

Mas os cirurgiões não apenasretiraram parte do membro; elesjuntaram a parte inferior da perna,abaixo do joelho, com a partesuperior, deixando o pé virado paratrás. A ideia era que, num futuropróximo, ele pudesse usar umaprótese presa ao pé e utilizar ocalcanhar como joelho, para tornarpossível a flexão da perna.

Renan sempre quis andar de bicicletacom os amigos, mas não se adaptavaa um modelo convencional. Sua avó,dona Socorro, procurou o projetoTricicletas Cabulosas na esperançade ver o neto brincando nas ruas deSamambaia como as outras crianças.

“Ele se adaptou em tempo recorde esaiu andando como se a tricicletafosse sua há pelo menos um ano”,conta Emerson.

Coleção de históriasNo site www.osteixeiras.com.br há uma galeria fotos das 25“tricicletas cabulosas”, junto com um relato sobre os seus donos.Vale a pena conhecer e contribuir, pois as doações tornampossível ajudar outras pessoas com dificuldades de locomoção

Aos 89 anos seu Valdemarpensava em usar cadeira de rodas,pois suas pernas não sustentavammais o corpo. Quando viu astricicletas na TV, mudou de ideia.Teve trabalho para convencer ofilho, que não acreditava que eleconseguisse pilotar a máquina. MasValdemar adaptou-se rapidamenteà sua tricicleta (nº 14) e avisouque o destino do primeiro passeioseria a Praça do DI, em Taguatinga,onde queria encontrar os amigos.

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27Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Heloiza e Beatriz têm umadoença chamada artrogripose;elas não conseguem dobrar osjoelhos, e por isso têm váriaslimitações de locomoção.O sonho das gêmeas eraandar de bicicleta. “A mãenão sabia mais como explicara elas que isso era impossí-vel”, conta Emerson. As trici-cletas nº 16 e 18, porém, joga-ram por terra as impossibilida-des. As meninas as receberamno dia 15 de agosto do anopassado, data do seu aniversá-rio de quatro anos.

Ronaldo tinha cinco anos quando recebeu sua tricicleta, a nº 7. Elenão tem pernas e nem a mão esquerda, mas rapidamente aprendeu aguiar seu triciclo. “No mesmo dia já estava dando cavalo de pau”, con-ta Emerson.

Antes o menino era carregado pelo pai numa espécie de carrinho derolimã puxado por uma corda. A tricicleta de Ronaldo ficou pronta emtempo recorde, apenas dois dias e meio, graças a uma doação, feita porPaulo Sérgio Carlos de Brito, como o professor faz questão de registrar.

Taynara tem paralisia cere-bral, causada por um proble-ma de atraso no parto. Porisso, sua fala e seus movimen-tos ficaram comprometidos. Aosaber do projeto TricicletasCabulosas pela TV, seus paisprocuraram Emerson e Ricar-do. No último natal, no dia 24de dezembro, a garota rece-beu um presente-surpresa: atricicleta nº 21. Os membrosdo motoclube Os Teixeirasforam à sua casa (que fica noCéu Azul, no Entorno do DF),para levar a novidade.

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Neste espaço, a psiquiatra YuriMatsumoto Macedo e seus colaboradorespublicam mensalmente artigos sobresaúde mental. Para saber mais, acessewww.animaconsultorio.site.med.br

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Yuri Matsumoto MacedoFormada pela UFPA, residência emPsiquiatria pelo Hospital de Basedo DF, pós-graduação em Medicinado Trabalho pela UEPA, membroda ABP e da APBr.

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28 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Andrezza Paula Brito SilvaPsiquiatra do TSE, formadapela Escola Bahiana de Medicina eSaúde Pública, com residência na UnB,pós-graduada em Perícias Médicase especializada em Psiquiatria.

Maria Cecília Freitas FerrariPsiquiatra Geral e da Infânciae Adolescência, terapeutaCognitivo-Comportamental edoutora em Saúde Mental.

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maioria dos pais se assusta quando umpediatra ou neurologista solicita que seu

filho seja avaliado por um profissional da áreada psiquiatria infantil. É curiosa a crença tãoestabelecida de que crianças não desenvol-vem patologias psiquiátricas frequentes emadultos, como depressão, transtorno obses-sivo-compulsivo, ansiedade social, síndromedo pânico, transtornos alimentares e outras.Ao contrário do mito de que a medicaçãopsiquiátrica é necessária apenas para casosmuito graves e incomuns, como síndromesgenéticas e retardo mental, doenças comalto grau de incidência na população infan-til requerem tratamento medicamentoso,como o Transtorno de Déficit de Atenção eHiperatividade (TDAH), que prejudica signifi-cativamente a vida social e acadêmica de cer-ca de 3% das crianças.

Falando em TDAH, agitação, impulsivi-dade, falta de concentração e baixo rendi-mento escolar são sintomas comuns, paraos quais existem medicações eficazes e mui-to seguras, que proporcionam melhoras sig-nificativas tanto no âmbito acadêmico quan-to no social. O tratamento precoce e ade-quado evita, inclusive, outros transtornospsiquiátricos. Crianças com TDAH, quandonão tratadas, frequentemente desenvolvembaixa autoestima, decorrente das dificulda-des nas relações interpessoais, deterioradaspela impulsividade, e também do baixo ren-dimento escolar. Transtornos de ansiedade,depressão e dependência de álcool e dro-gas são comuns em adolescentes e adultosque não tiveram diagnóstico e tratamentode TDAH na infância.

Sobre os transtornos de ansiedade, sabe-mos que medo e ansiedade são estados emo-cionais naturais e necessários, que nos prote-gem de perigos. Os excessos podem, contudo,levar a intenso sofrimento psíquico e configu-rar doenças. Por exemplo, é natural que o filhose sinta desconfortável com a ausência dos pais

em um ambiente novo; porém, se o sofrimentodomina a criança a ponto de ela não conseguirpermanecer sozinha na escola e em outrosambientes, isso caracteriza um transtorno deansiedade de separação.

Outra situação comum é o receio de seexpor nas relações interpessoais, mas quan-do o medo de ser criticado e julgado pelosoutros limita a vida, pode-se ter um quadrode fobia social. Apesar de grande parte dospais gostarem e cobrarem organização dosfilhos, o exagero com a limpeza e com mani-as de conferir as coisas pode ser fruto de umtranstorno obsessivo-compulsivo (TOC), as-sim como a rigidez de atitudes e os pensa-mentos repetitivos, por vezes radicais e dis-tantes da realidade.

Além dos transtornos citados, as crianças,assim como os adultos, também podem so-frer de depressão, distimia, dislexia, pânico,transtorno bipolar, esquizofrenia – e tambémpodem se suicidar. O início desses distúrbiosainda na infância torna mais grave o prog-nóstico. No entanto, a infância é a fase emque os sintomas desses transtornos são maisnegligenciados, seja por ignorância ou por pre-conceito por parte dos responsáveis.

Os pais devem ficar atentos a mudançasnas relações sociais das crianças, baixo ren-dimento escolar, alterações de comportamen-to e quaisquer sinais que indiquem sofrimen-to psíquico, para que os filhos tenham ao me-nos a chance de uma avaliação quanto a umpossível transtorno mental. O segundo pas-so para a redução dos prejuízos secundáriosde uma doença psiquiátrica iniciada em ten-ra idade é romper o preconceito em relaçãoao tratamento psiquiátrico. Ao contrário doque o senso comum dita, medicações bemindicadas na infância possuem efeito prote-tor, do ponto de vista neurológico e emocio-nal, para o desenvolvimento da criança; elasfavorecem a possibilidade de um desenvol-vimento saudável.

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29Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Tenho 32 anos e sou mãe de uma cri-ança de dez que usa medicamentos con-trolados há mais de cinco anos. Ele aindanem andava quando percebi que era maisagitado do que as crianças da mesma ida-de. Mesmo com muitas complicações finan-ceiras, até porque crio o meu filho sozinha,fiz sempre questão de levá-lo aos melhoresprofissionais. Ele começou a ser medicadopara se acalmar, mas infelizmente não foiisso o que ocorreu. Até que conheci nossaatual psiquiatra infantil, e foi pelas mãosdela que veio a paz.

Infelizmente, foi também quando o paiapareceu e foi colocado a par da situação.Ele havia percebido, em um passeio, que omenino tremia muito. Foi quando o caos co-meçou... Ele disse que eu era uma irrespon-sável por deixar uma criança ser medicadacom tantos remédios (na época eram dozecomprimidos por dia), e que se fosse paraele continuar a tremer tanto não ia mais saircom ele em público porque ele derrubavatudo e não tinha coordenação motora.

Foi o primeiro preconceito aberto e des-medido que tive que enfrentar por causa domeu filho. Chorei, mas não desanimei. Se meufilho tinha que tomar tantos remédios parase manter mais centrado e calmo no seu diaa dia, quem era eu para dizer não à únicaporta que tinha se aberto. Resolvi lutar e di-

Falo ou não falo?Expressando sentimentos ecomunicando ideias

Fátima Cristina Conde eMaria Zilah da Silva Brandão

Eduque com carinhoLídia Weber

No mundo da luaPaulo Mattos

zer não ao preconceito. Tenho um filho lindo,inteligente, responsável. Ele me ensina todosos dias que quando a gente se esforça, tudopode dar certo... E deu. Ele vem adquirindorespeito dos familiares que tanto me critica-ram por levar à sério o tratamento médico.Eles agora me entendem e até já disseramque, se não fosse o meu empenho em igno-rar os nãos da vida e não abaixar a cabeçapara tantas pessoas que me humilharam (in-clusive escolas que disseram não receber cri-anças que não são tituladas como “nor-mais”), ele não estaria tão bem.

Mesmo assim, luto todos os dias paraele ter seus direitos e principalmente paranunca deixá-lo usar a realidade atual comomuleta para a vida. Ser “diferente” não sig-nifica ser menos inteligente, interessado oudedicado. Gostaria de ver mães lutando edizendo não ao preconceito para com osnossos filhos, pois somos escudos vivos, sejana escola, na família ou no meio social.

Deixar outras pessoas interferirem no tra-tamento é um grande risco. Uma criançamedicada não é necessariamente um “pro-blema” resolvido, pois existem problemasexternos e internos que afetam o cotidiano ehá necessidade de cuidados mais delicados.Quando muda o ambiente que afeta a crian-ça, a medicação começa a ter um efeito nun-ca visto. Só assim o tratamento funciona,cada qual fazendo a sua parte para que tudoocorra de forma a não traumatizar a partemais sensível do cenário – a criança.

EM BUSCA DE PAZ • Depoimentos de mães

LEITURA

Preconceitodesmedido

Meu filho mais velho é hiperativo.Quando foi diagnosticado, ele tinha seisanos de idade. Hoje tem 14. Ele sem-pre foi uma criança agitada, impulsiva,não parava por nada. No colégio, le-vantava várias vezes para sair (falavaque queria ir ao banheiro) e derruba-va o estojo e todo o material escolar.A mochila dele era toda bagunçada,com apostilas espalhadas, dobradas erasgadas. Eu só não me preocupavacom o conteúdo, pois ele é extrema-mente inteligente, e mesmo “voando”durante as aulas conseguia tirar no-tas excelentes. Em casa, a única coi-sa que prendia a atenção era o plays-tation ou jogos no computador, sem-pre começando uma atividade sem ter-minar a anterior.

Sei que ele não vai deixar de serhiperativo, mas depois que começou otratamento e o acompanhamento,aprendeu a lidar com as situações docotidiano: consegue assistir as aulassem levantar tantas vezes para “ir aobanheiro”, a mochila fica um poucomais arrumada e ele consegue contro-lar a impulsividade. O melhor retornofoi o que ele me deu: “Quando tomo aRitalina consigo sentar para fazer as ta-refas e organizar as minhas coisas.”

Lidando como cotidiano

DORIANA S.

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30 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

Revolução: em umpaís com metade dapopulação analfabe-ta surgiram mais de

cinco mil bibliote-cas; as aulas chega-ram a lugares antes

abandonados pelogoverno; exposiçõese espetáculos foramlevados à população

marginalizada

30 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

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31Revista do Sindjus • Set-Out/2011

HISTÓRIA

livrosSobre armas e

Ao resgatar a memória do avô, fuzilado em 1936,empresária de Brasília mergulha nos acontecimentos da guerra

civil espanhola e revela a trágica história da “República dosProfessores”, esmagada pelo golpe militar do general Franco

Usha Velasco

avia um mistério na vida de Car-men, a pequena imigrante que, aos

oito anos de idade, chegou ao Brasilcom os pais e irmãos. Tratava-se do avômaterno, que morreu em Granada, naEspanha. Mesmo tendo morrido noveanos antes de Carmen nascer, ele erauma pessoa presente na memória e naafetividade da família. Entretanto, amãe e os tios da menina nunca fala-vam sobre as circunstâncias de sua mor-te ou sobre o passado da família. “Issoestá olvidado” [esquecido], diziam,sempre que alguma das crianças per-guntava algo.

O manto de silêncio era espinhosopara a menina curiosa, interessada emconhecer suas raízes. Aquilo doía – cer-tamente porque doía também nosadultos, por mais que eles tentassemocultar. “Minha mãe não gostava derecordar o que passou. Até as fotogra-fias daquele tempo eram guardadas asete chaves. Pouco a pouco o passadose apagava e o silêncio não se rom-pia”, conta Carmen, empresária apo-sentada e ativista voluntária em vári-os projetos sociais no DF.

“Nós sabíamos que a causa dessesilêncio todo era a morte do meu avô.Ele havia sido fuzilado em 1936, du-rante a guerra civil, mas ninguém ex-plicava por quê. Às vezes o meu pai

tentava dar alguma informação, masminha mãe o impedia. O que ela con-tava era que meu avô havia sido fuzi-lado por conta de um ‘erro lamentá-vel’”, recorda Carmen.

Ela voltou à Espanha pela primeiravez em 1988, longos 35 anos após teremigrado. E começou uma busca paraesclarecer o mistério, com a ajuda domarido Amílcar de Almeida Gramacho.“Procurei os irmãos da minha mãe emGranada, mas eles só repetiram que foitudo ‘um lamentável erro’”, diz Carmen.Só vários anos e várias viagens depoisé que a história foi se revelando, pormeio de pesquisas em livros e nos ar-quivos públicos espanhóis.

“Minha mãe, meu pai, meus tios,todos faleceram sem nunca me dizeruma palavra de explicação sobre o tal‘erro’”, recorda Carmen. “Mas quan-do passei a viajar pela Espanha, per-cebi que o silêncio não era só da mi-nha família. Era regra geral, era um si-lêncio de todos os espanhóis. À medi-da que eu fui conhecendo o passado,fui compreendendo a razão dos segre-dos. E compreendendo o significadode uma guerra civil”, completa.

Amílcar Gramacho, que com suaexperiência como historiador foi umcompanheiro valioso nas investigaçõesda esposa, explica: “Foi uma guerra es-pecialmente traumática, uma guerrade irmãos contra irmãos. Atrocidades

e indignidades foram cometidas porpessoas que hoje são vizinhas ou pa-rentes. Não é de se admirar que todosprefiram colocar uma pedra em cimado assunto.”

Depois de oito viagens à Espanha,muita pesquisa em arquivos públicose muita conversa com parentes, vizi-nhos e qualquer um que se dispuses-se a falar, Carmen e o marido conse-guiram romper a barreira do silêncio eesclarecer as circunstâncias da mortedo avô. O que descobriu foi o retratode um dos períodos mais marcantesdo país – que, por sua vez, sintetizaos conflitos mundiais na primeira me-tade do século 20 (veja p. 32).

Carmencom a mãe,poucoantes dechegar aoBrasil

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32 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

HISTÓRIA

Pesquisas edescobertas

Placido Enrique Vargas Corpas eraprofessor do ensino público na EscolaNormal de Granada, a mesma onde seformou em 1904. Ele estava quase parase aposentar quando a Espanha se tor-nou uma República, em 1931. Não foiuma transição tranquila. De um lado sealinharam os republicanos e dezenas depequenos partidos de esquerda. De ou-tro, a aliança entre a aristocracia, a igre-ja e os militares.

O novo regime chegou com um ex-tenso programa político para democrati-zar o ensino e reduzir o papel da igrejano sistema educacional. A intenção eralevar cultura e instrução à população po-bre, principalmente na área rural. Isso con-trariava os interesses poderosos – no casode Granada, os barões do açúcar de be-terraba –, pois a ignorância dos campo-neses garantia mão de obra barata.

“Meu avô não era um jovem atraídopor ideologias revolucionárias”, avaliaCarmen. “Ele era um velho professor pres-tes a se aposentar, mas, justamente porser professor, viu no programa republica-no a solução para a sua região e para aprópria nação espanhola.”

A solução era mais que necessária:nessa época, metade da população daEspanha era analfabeta. “Placido par-ticipou de muitas inovações republica-nas”, conta Carmen. “Com o filho maisvelho, entrou em uma das missões pe-dagógicas, um projeto que levava cine-ma, teatro, leitura e outras atividadesculturais a populações afastadas, anal-fabetas e que nunca haviam recebidoatenção do governo”, descobriu a neta,em suas investigações.

Milhares de escolas e bibliotecas fo-ram criadas em todo o país, em poucosanos, de 1931 a 1936. Os professorespassaram a ser muito mais valorizados etiveram seus salários aumentados. Esseperíodo é chamado pelos historiadoresespanhóis de Republica de los Maestros(República dos Professores).

Placido (acima, à mesa): educador experiente apostou no projeto republicano e entrouem uma das missiones pedagogicas em que professores percorriam o país (abaixo)

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33Revista do Sindjus • Set-Out/2011

A reparação

Fuzilar primeiro, julgar depois

Ainda hoje a Espanha busca curar as fe-ridas da guerra civil. Recentemente o gover-no desenvolveu várias ações reparadoras(veja p. 32), entre elas a Lei de Memória His-tórica, que permite a revisão de processosligados às arbitrariedades da época.

Carmen Gramacho se tornou a primeiraresidente no Brasil a apresentar um pedidode reparação e reconhecimento pessoal emfavor de pessoa afetada pela guerra. “D. Pla-cido Enrique Vargas Corpas tem direito a ob-ter a reparação moral (...) mediante a quala democracia espanhola honra aqueles queinjustamente padeceram perseguição ou vi-olência durante a guerra civil e a ditadura”,diz o documento assinado pelo ministro daJustiça, que ela exibe com orgulho.

“Foi um resgate da dignidade, o únicopatrimônio que a gente tem”, afirma Car-men. “O silêncio que me incomodou a almapor tantos anos se quebrou. Esse documen-to desfaz o tal ‘lamentável erro’ que enver-gonhou minha avó, minha mãe e seus ir-mãos. É uma pena que eles não possam leresse papel. Mas eu sinto que cumpri minhaobrigação, como neta e como cidadã.”

A reação, porém, não demorou: emjulho de 1936 estourou o golpe militar.Três dias depois Granada já estava sobas armas dos golpistas. Foram imedia-tamente presos os dirigentes da provín-cia, os políticos de esquerda e a maio-ria dos professores. Como represália aosataques aéreos dos republicanos, natentativa de reconquistar Granada, osmilitares iniciaram um fuzilamento sis-temático dos presos. Mais de duas milpessoas foram fuziladas em Granada,diante dos muros do cemitério.

O governo golpista, encabeçadopelo general Franco, rapidamente come-çou a desmontar o novo sistema de en-sino. Mandou suspender todos os pro-fessores envolvidos nos projetos cultu-rais e educacionais do regime republi-cano. Determinou também a instalaçãodas “Juntas de Depuração do Magisté-rio”, que abriram mais de 60 mil pro-cessos contra professores.

“Como participante do ensino repu-

blicano e membro de um partido de es-querda, as chances de meu avô sobrevivereram nulas”, analisa Carmen. “Minha avó,muito religiosa, buscou apoio na igreja.Mas, apesar de todos os esforços da famí-lia, ninguém conseguiu mudar um destinoque já estava decidido. Na madrugada de23 de outubro de 1936, depois de três me-ses na prisão, Placido Enrique Vargas foiexecutado a tiros de fuzil diante dos mu-ros do cemitério”, conta ela.

Ao tentar dar um verniz de legalidadeao assassinato de professores, o governodeixou registrados nos arquivos processoskafkianos, como o que determinou o com-parecimento de Placido à Junta de Depu-ração quatro anos após seu fuzilamento.Ele foi punido com o afastamento definiti-vo do magistério e a exoneração do servi-ço público. Na opinião de Carmen, “foiuma segunda sentença de morte para umhomem que viveu para o ensino e que mi-litou para que a instrução se tornasse omais democrático dos direitos”.

LEIA NA PRÓXIMA EDIÇÃO – Mesmo antesde descobrir o passado da família Carmen já se-guia os passos do avô na luta pela democratiza-ção do saber. Há quatro anos ela comanda umprojeto que, em setembro de 2011, atingiu a mar-ca de 100 bibliotecas criadas em todo o DF.

Amilcar, Carmen e o do-cumento do governo espanhol:

“Um resgate da dignidade”

ARTHUR MONTEIRO

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34 Revista do Sindjus • Set-Out/2011

A guerra civil foi um retrato vivo das for-ças que se enfrentavam na Espanha e no mun-do na primeira metade do século 20. De umlado estava a coesa aliança formada pelosgrandes proprietários de terras, o exército ea igreja. Do outro os partidos de esquerda,sindicatos e outras organizações da recém-nascida democracia espanhola.

A república havia sido proclamada háapenas cinco anos – a queda da monarquiaaconteceu em 1931. A Frente Popular repu-blicana ganhou as eleições de 1936 e a re-ação não tardou: liderados pelo generalFrancisco Franco, os militares deflagaram ogolpe e iniciaram uma sangrenta guerra queduraria até 1939.

Para os democratas, a questão era bar-rar o nazi-fascismo que avançava pela Itália(1922), Alemanha (1933) e Áustria (1934).Para a direita espanhola, tratava-se de li-vrar o país da influência comunista e resta-belecer os valores tradicionais da Espanhacatólica e latifundiária.

Os golpistas tiveram o apoio da Alema-nha de Hitler e da Itália de Mussolini. Foram

os alemães que, em abril de 1937, bombar-dearam o povoado de Guernica, um dos ber-ços da resistência contra Franco. O ataquetransformou-se em símbolo da barbárie mi-litar; foi a primeira vez na história que umbombardeio aéreo foi deliberadamente di-recionado contra civis.

Os seis mil habitantes sofreram bombar-deio e foram metralhados enquanto tenta-vam fugir dos incêndios que destruíram trêsquartos da cidade. O massacre fez parte deuma "estratégia de terror" para demonstraro poder de franquistas e nazistas.

Guernica tornou-se o título da mais fa-mosa obra de Picasso, um enorme painel empreto e branco, com 3,50m por 7,82m, pin-tado em 1937. Hoje está em exibição no Cen-tro Nacional de Arte Rainha Sofia, em Madri,mas permaneceu no Museu de Arte Modernade Nova Iorque até 1981 – o pintor só queriaque o quadro voltasse à Espanha depois daredemocratização do país.

A ditadura de Francisco Franco durou qua-tro décadas, desde o início da guerra civil, em1936, até a morte do general, em 1975.

Os horrores da guerra

O governo espanhol divulgou emmaio deste ano um mapa com a locali-zação de mais de duas mil valas co-muns com corpos de vítimas da guerracivil e da ditadura franquista. A ima-gem impressiona pela quantidade decovas, que estão espalhadas por todoo país (veja na página ao lado). Des-sas, 329 já passaram pelo processo deexumação dos corpos e 42 estão comesse processo em andamento.

O mapa está em atualização e osnúmeros ainda podem aumentar. Elefoi publicado no site que o governo

criou para disponibilizar informaçõessobre "os novos direitos reconhecidosàs vítimas, contribuindo para cicatrizarferidas e eliminar qualquer elementode divisão entre os cidadãos".

O ministro do Interior, Alfredo Pé-rez Rubalcaba, disse que é "pratica-mente impossível" identificar todos osmortos encontrados, que devem pas-sar de 12 mil. Em 2009 foi criado umum banco de DNA para ajudar na iden-tificação dos corpos. Doaram material110 descendentes, na Espanha e emvários países que receberam imigran-

Mais de 500 mil mortos e 114 mil desaparecidostes, como França, Suíça, Itália e Brasil.

A abertura das valas começou hádez anos por iniciativa da Associaçãopara a Recuperação da Memória His-tórica (ARMH), formada por voluntári-os e familiares dos desaparecidos. Des-de 2006 o governo destinou 5,9 mi-lhões de euros a exumações.

Na guerra civil e nos primeiros anosdo franquismo, 114 mil pessoas desa-pareceram. Ao todo, o conflito vitimoumais de 500 mil pessoas.

Fontes: AFP, ARMH ewww.memoriahistorica.gob.es

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HISTÓRIA

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Guernica:reação dePicasso aomassacrede civis

Corpo em processo deexumação e o mapa dasmais de duas mil valascomuns: impossível iden-tificar todas as vítimas

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Do alto dos seus 95 anos,o poeta Manoel de Barrosensina que o ser humano

é incompleto, e que isso nãoé defeito; é qualidade.Assim como ele, muitas outras

pessoas precisam ser Outras.E são. Esta coluna publicarámensalmente histórias de gente

que concilia o serviço públicocom as mais diversasatividades. São atletas, chefes

de cozinha, professores,pintores, mágicos, mecânicos,músicos... A lista não tem fim.

OUTROS EUS

A maior riqueza do homemé a sua incompletude.Nesse ponto sou abastado.Palavras que me aceitam comosou – eu não aceito.Não aguento ser apenas umsujeito que abreportas, que puxa válvulas,que olha o relógio, quecompra pão às 6 horas da tarde,que vai lá fora,que aponta lápis,que vê a uva etc. etc.PerdoaiMas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homemusando borboletas.

Manoel de Barros

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criativoEngajamento

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Fabíola Góis

greve é um direito previsto pelaConstituição de 1988 para dar

chance ao trabalhador de reivindicar seusdireitos. É uma das maneiras mais efica-zes de garantir os direitos trabalhistas noBrasil. Os servidores do Judiciário e doMinistério Público, que participaram dagreve de 52 dias, de maio a julho desteano, sabem que nada se conquista sem

luta, em termos de reajustes salariais.As colegas de seção e servidoras do

TSE Paulene Dureck Yatabe e Maria An-gélica Pieroni encontraram uma maneiracriativa de participar do movimento. Como talento de Paulene em designer gráficoe a animação de Angélica para a mobili-zação, as duas dedicaram tempo e traba-lho para convencer os não-grevistas aaderir à paralisação. Elas distribuíram poremail e afixaram nos tribunais a arte que

resultou da indignação pela não aprova-ção do plano de cargos e salários.

Os cartazes foram distribuídos nos atosdo Sindjus, nos locais de trabalho e emáreas de mobilização. Os textos foram es-critos por outro servidor, Job Filho. Depoisde pronto, o trabalho também era repas-sado para a lista de email dos servidores.Resultado: muita gente que não havia seengajado na greve passou a ler os textose a se sensibilizar com os colegas que es-tavam nas mobilizações.

Paulene conta que começou a produ-zir os cartazes por motivação da colegaAngélica. As duas trabalham no Núcleo deEventos da Coordenadoria de Educação eDesenvolvimento (Coed) do TSE. Angélica,mais desinibida, passava horas nos atosrecolhendo emails de colegas. Paulene iaao TSE recolher informações para o mate-rial pela manhã, e à tarde voltava para casapara criar as artes. “Foi a maneira maisprodutiva que encontrei para participar dagreve”, explicou ela.

Em cada ato, um cartaz diferente. To-dos os dias havia uma notícia nova, comoo diário da greve e anúncios dos próximosmovimentos. Assim os servidores ficavam sa-bendo do andamento das manifestações.Para se ter uma ideia da mobilização, noprédio delas, na 514 norte, apenas cincoservidores aderiram à greve imediatamen-te. Depois do trabalho das duas, praticamen-te todos os funcionários pararam, com ex-ceção dos chefes. “Aos poucos eles foramse conscientizando sobre a importância departicipar”, conta Angélica, que assumiu ocargo no TSE há menos de um ano.

Paulene usou o Corel Draw e o Pho-toshop para fazer os cartazes. A criativi-dade é o que mais chama a atenção nostrabalhos. “Os de maior repercussão fo-ram o anúncio dos três macaquinhos e odas bolinhas”, disse. Ela se refere a doiscartazes. Em um deles aparecem três fi-lhotes de macaco com expressões de es-panto. Abaixo, a frase “Não seja omisso!Junte-se à luta que também é sua”. Nooutro cartaz aparecem bolas com sorrisotriste, na cor azul, e no meio delas umacara amarela com sorriso feliz. O título é“Você está satisfeito”? O texto dizia: “Sevocê, como nós, não está satisfeito comessa situação, chegou a hora de manifes-tar a sua indignação.” A produção chegoua mais de vinte criações diferentes.

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Paulene (esq.) e MariaAngélica: campanha deconscientização fez com quepraticamente todos oscolegas aderissem à greve

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A revista da cidadania

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Direitos das minorias, proteção à infância e à adolescência, qualidade de vida no trabalho, gestão deresíduos urbanos, ações para a paz, patrimônio imaterial, ética no dia a dia... Essas e muitas outrasquestões estão permanentemente em foco na Revista do Sindjus. Consulte em www.sindjusdf.org.br

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