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FILME 1/ PARASITA
Como utilizar o filme PARASITA na redação
Vocês acompanharam a premiação do OSCAR 2020? O grande vencedor da noite foi
PARASITA, primeiro audiovisual de língua não-inglesa a ganhar a estatueta de melhor filme!
Por isso, trouxemos uma dica de como usar o filme PARASITA na redação, em parceria com
o Lucas Felpi, que tirou NOTA 1000 na redação do ENEM 2018! Pegue o caderno e anote tudo!
FILME: PARASITA
Ficha técnica:
Ano produção 2019
Dirigido por Bong Joon-ho
Estreia 7 de Novembro de 2019 ( Brasil )
Duração 132 minutos
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Classificação 16 anos
Gênero Comédia, Drama, Thriller
País de Origem Coreia do Sul
Sinopse
Toda a família de Ki-taek está desempregada, vivendo num porão sujo e apertado. Uma obra do
acaso faz com que o filho adolescente da família comece a dar aulas de inglês à garota de uma
família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe, filho e filha bolam um
plano para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e
mentiras necessários à ascensão social custarão caro a todos.
ESTADO DE POBREZA
O filme acompanha a família Kim, composta por um casal de desempregados e dois filhos que
vivem em um apertado imóvel semi-subterrâneo. Em uma zona perigosa e marginalizada da
cidade, eles trabalham dobrando caixas de pizza para sustentar suas necessidades básicas.
DESIGUALDADE SOCIAL
Um dos filhos Kim é contratado pelos Park, uma família milionária que vive no alto de um
grande morro e que aponta o contraste social de renda. A deslumbrante casa em que os Park
residem e o luxo de que usufruem espanta o humilde jovem Ki-woo, contratado como tutor de
inglês.
LUTA DE CLASSES
O choque social do primeiro encontro resulta na luta de classes do filme. O desejo dos
desfavorecidos de conquistar uma condição de vida melhor os leva a secretamente se infiltrarem
na casa como funcionários: a irmã se torna terapeuta de arte do caçula e seus pais, motorista e
governanta — se livrando dos que antes ocupavam tais postos.
FALTA DE UNIÃO CLASSICISTA
Retratando a teoria do conflito entre classes sociais de Marx, “Parasita” também revela a falta
de união da classe oprimida em tais cenários, assim como durante a Revolução Industrial.
Embora ambas as famílias Kim e da antiga governanta almejem tomar vantagem dos Park, elas
não chegam a um acordo e acabam por competir violentamente entre si.
-contém spoilers do filme-
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OS DESIGUAIS EFEITOS DO CLIMA
Em uma das principais cenas do filme, uma forte tempestade atinge a cidade e causa a completa
inundação do apartamento dos Kim. Eles são deslocados a um ginásio com dezenas de famílias
desalojadas e, no dia seguinte, Sr. Kim escuta a senhora Park agradecendo a mesma chuva:
“Hoje o céu está tão azul e sem poluição, graças à chuva!”.
APROPRIAÇÃO CULTURAL
Uma das linhas narrativas recorrentes é a fixação do caçula da família Park com a cultura
indígena, se vestindo de índio, dormindo em cabanas e atirando flechas. Embora a criança seja
pequena, a discussão sobre a redução de culturas oprimidas a fantasias está se tornando cada vez
mais crescente nos dias atuais.
PRECONCEITO
O elemento que representa o preconceito da elite Park diante dos Kim é o cheiro característico,
que, de acordo com eles, seria de quem “anda de metrô”—uma vez pego, nunca sai. Tendo
ouvido isso antes, é a reação de nojo do patrão a tal cheiro quando precisa salvar sua filha que
faz Sr. Kim explodir e matar o milionário.
“PARASITISMO”
O parasitismo referenciado no título do filme vai além da invasão dos Kim à mansão milionária,
englobando uma reflexão maior a respeito da hierarquia social: se um parasita vive às expensas
de outro(s), a elite não se sustenta às custas da miséria dos desfavorecidos? Bong Joon-Ho abre
portas para se perguntar quem é o parasita de quem.
ASCENÇÃO SOCIAL
Como um símbolo do filme, as escadas aparecem em diversas cenas como a fronteira entre
pobreza e luxo. A diferença de altitude entre o bairro dos Kim e a mansão dos Park demonstra a
inflexibilidade das camadas sociais e dificuldade de ascenção. A posição da residência dos Kim
como semi-subterrânea também não é por acaso: eles vivem entre a escuridão subterrânea e a
superfície. Na cena final, o pai dos Kim é rebaixado um nível a mais - preso na completa
escuridão abaixo da mansão, seguido da fala de seu filho: “Um dia, eu vou comprar aquela casa
e tudo que você terá que fazer será subir as escadas”.
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Filme 2/ CORINGA
Como usar o filme CORINGA nas redações?
CORINGA (FILME)
2019 • 2h02min • 16+
SINOPSE: Arthur Fleck é um homem que luta para encontrar o seu caminho na sociedade
fraturada de Gotham. Preso em uma existência cíclica entre a apatia e a crueldade, Arthur toma
uma decisão ruim que provoca uma série de acontecimentos nesse estudo de personagem
ambicioso.
DOENÇAS MENTAIS
Arthur Fleck sofre de um transtorno denominado Transtorno da Expressão Emocional
Involuntária, cujo aspecto marcante é a risada incontrolável, mas também exibe sintomas de
depressão, distúrbios alimentares, alucinações e esquizofrenia. Ele é negligenciado, ignorado e
atacado por sua condição, enquanto todos desviam seus olhos para ele nas ruas— uma apatia
que é dolorosamente retratada no filme.
O PAPEL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
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Fleck visita regularmente o serviço de assistência social de Gotham para sessões de terapia e
fornecimento de seus pesados medicamentos. Ao ponto em que sua terapeuta já não consegue
mais escutar os pacientes, o programa têm seu orçamento cortado e ele fica sem os remédios. É
a partir do corte de recursos públicos que a queda do protagonista têm início.
PORTE DE ARMAS
Uma das maiores polêmicas do longa é a abertura do debate para o armamento estadunidense: é
exposto como a violência do icônico Coringa têm origem na facilidade de aquisição de armas de
fogo. Um colega de trabalho, Randall, empresta a Arthur uma arma para sua proteção após um
incidente com garotos o espancando na rua. Da próxima vez, os atacantes seriam mortos.
CRIAÇÃO DE UM SOCIOPATA
Ao longo da narrativa, o espectador acompanha o agonizante processo de transformação de
psicose em psicopatia, resultado de múltiplos fatores sociais impostos ao frágil personagem. Em
realidade, no caso do filme, Coringa se torna um sociopata: diferentemente de um psicopata,
que têm seu comportamento inato, um sociopata desenvolve as características durante a vida,
por meio de traumas, da educação e da família.
ABUSO FÍSICO E PSICOLÓGICO
Quando menor, Fleck sofria da violência doméstica do namorado abusivo de sua mãe. Penny,
que também sofre de problemas mentais, adotou Arthur e o levou para ser criado em um
ambiente hostil e vulnerável, onde seu namorado chega a amarrar a criança em um aquecedor
por um longo período de tempo e causa traumas psicológicos e físicos em sua cabeça.
MARGINALIZAÇÃO SOCIAL
Em “Coringa”, é discutido a segregação de diversas camadas que são base da estrutura social.
Profissões pouco valorizadas, como palhaços de rua, se tornam invisíveis e alvo de piadas. Pela
perspectiva de um comediante desajeitado, vemos Arthur mal-remunerado, demitido e
ridicularizado por todos: desde o público de seu stand-up, homens na rua, até apresentadores de
televisão.
DESCASO POLÍTICO
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Thomas Wayne é o representante da elite de Gotham. Em uma cidade corrupta e que permite
apenas a prosperidade dos ricos, Wayne concorre à prefeitura e diz em um de seus
declaramentos televisivos que a pobreza é uma condição inata, como uma casta inferior,
chamando os que a ela pertencem de “palhaços”. A partir de então, a máscara de palhaço vira
um símbolo de resistência (Bella Ciao?).
VIOLÊNCIA POLICIAL
Em uma das perseguições de detetives ao Coringa, os policiais o procuram por vagões de trem
com civis vestindo máscaras de palhaços. Em meio à confusão, brigas intensificam e os
policiais recorrem às suas armas: um detetive mata um civil. Poderia ser Ágatha Félix.
JUSTIÇA PELAS PRÓPRIAS MÃOS
O filme aborda a violência popular como uma forma de vingança à realidade opressora, levando
à morte dos representantes da elite (a família Wayne, por exemplo) e dos opressores dos
marginalizados (os homens que atacam Arthur no metrô). Embora seja um outro tipo de
vigilante, é demonstrado o efeito da justiça pelas próprias mãos: caos.
LUTA DE CLASSES
A revolução iniciada no final do filme representa a inversão de poder: os trabalhadores tomam o
controle antes da elite, o que Marx teoriza como “luta de classes”. Para o filósofo, a história é
feita de transformações no status quo causadas pela revolta da classe oprimida contra a classe
opressora.
EXEMPLO:
Tema Unesp 2017: “A riqueza de poucos beneficia a sociedade inteira?”
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No filme de 2019 “Coringa”, Arthur Fleck é um palhaço mal-sucedido que se tornaria o futuro
arqui-inimigo de Batman ao iniciar uma rebelião popular contra a aristocracia local. Em
Gotham, uma cidade corrupta e elitista que impede a prosperidade econômica dos
desfavorecidos, Fleck é ridicularizado, rejeitado e violentado em cenas dolorosas que retratam a
origem de sua violência vingativa. De fato, na realidade atual, a concentração de renda e a
subcondição das camadas pobres resultam em mazelas sociais prejudiciais à todos: a perda de
dignidade muitas vezes leva à criminalidade.
Filme 3/ BACURAU
JOANA OLIVEIRA /SÃO PAULO - 21 AGO 2019 - 01:36 BRT
Cena do filme 'Bacurau'.VICTOR JUCÁ (DIVULGAÇÃO)
A visão de um caixão que, durante o cortejo funerário, enche-se de
água. Uma mandíbula de tubarão no chão da caatinga que passa em menos
de um segundo. Em Bacurau, longa-metragem dos pernambucanos Kleber
Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que estreia nos cinemas brasileiros no
dia 29 de agosto, o sertão não vira mar, mas se converte em palco de uma
violenta distopia, com as cores de Glauber Rocha e o estilo western de John
Ford, misturado com realismo mágico e ficção científica. É a evocação de
um sertão que também povoa as principais instituições culturais do país,
como o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, que estreou no
sábado a 36º Panorama da Arte Brasileira com o título Sertão, ou o Sesc 24
de Maio, com a exposição À Nordeste.
Em Bacurau, vilarejo fictício no meio do nada que recebe o nome de
um pássaro "brabo" de hábitos noturnos, o sertão é também o centro do
país. Um sertão com uma imagética e uma estética tão peculiares —o sol
forte, o verde dos mandacarus, as estradas de chão batido— e, ao mesmo
tempo, indissociáveis da ideia geral de Brasil. O sertão do banditismo, da
pistolagem, da grilagem de terras. Uma nação que faz apologia à
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ignorância, à tortura e à morte. Com um história que se passa no futuro,
"daqui a alguns anos", Bacurau (o filme) ressoa, na verdade, o Brasil de
2019 e o de sempre.
MAIS INFORMAÇÕES
Bacurau cheira a morte. A primeira sequência do longa é a passagem
de um caminhão-pipa que atropela caixões pelo caminho. No povoado
isolado, mas hipercontectado à Internet, os moradores, com uma grande
variedade de gêneros, raças e sexualidades— vivem sem água e escondem-
se quando o prefeito em campanha pela reeleição chega para distribuir
mantimentos, alguns vencidos, e despejar livros velhos em frente à escola
local. Aí já começa a resistência: em meio à penúria, a médica Domingas
(Sônia Braga), Teresa (Barbara Colen) e os demais moradores, com a ajuda
dos bandoleiros procurados Pacote (Thomas Aquino) e Lunga (Silvero
Pereira) organizam-se e ajudam-se entre eles. Quando o vilarejo
literalmente desaparece dos mapas digitais e a comunidade perde a conexão
com a Internet, a presença de forasteiros (gringos e sudestinos) coincide
com o misterioso aparecimento de cadáveres crivados à bala. Bacurau vive
uma carnificina, e é a distante São Paulo que aparece como "paiol" em que
execuções públicas são televisionadas ao vivo.
Apesar de ser frequentemente lido como uma distopia contra o Brasil
de Jair Bolsonaro, os diretores não confirmam (pelo menos não
diretamente) o argumento. "Eu não trabalho com mensagens", afirmou
Mendonça Filho em uma conversa com a imprensa nesta terça-feira. "É um
filme de gênero, os filmes de gênero são muito mais fortes quando o
mundo está alimentando ideias e realidades absurdas. E nosso país é muito
rico em absurdos, há alimento para mais de dois mil filmes. Bacurau é só
mais um", concordou Dornelles.
Mendonça e Dornelles gostam de lembrar que, quando começaram a
produção, em 2009, o Brasil apostava na redução das muitas desigualdades
sociais e o clima político, em geral, era de esperança. Quando filmaram,
entre março e maio de 2018, muita coisa havia mudado e o longa assumiu
um tom premonitório. No sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte, a
equipe chorou junta, por exemplo, a execução de Marielle Franco, no Rio
de Janeiro.
Em 2016, quando concorreu no Festival de Cannes com Aquarius,
estrelado por Sônia Braga, Mendonça Filho posou no tapete vermelho ao
lado do elenco com cartazes que denunciavam o impeachment de Dilma
Rousseff como um "golpe de Estado". Com Bacurau, levou este ano o
Prêmio do Júri da academia francesa. Estreia na terra brasilis com a
chancela da aclamação estrangeira, que, em certa contramão das
observações sobre imperialismo no longa, aparece como reforçador das
leituras mais políticas do filme.
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"A crítica está na gente. A gente que está criticando o Governo e se
apoia nas coisas que vemos para reafirmar a sensação de revolta pela perda
de direitos, a angústia do Brasil que ainda se vê colônia exploratória em
pleno 2019", diz Karine Teles, que interpreta uma das forasteiras que
rompem a rotina do vilarejo. A estrela Sônia Braga, que dedicou seu papel
a Marielle Franco, é mais direta em suas colocações políticas. "Minha
esperança é que, já que o filme se passa no futuro, desperte nas pessoas um
caráter de revisão. Que elas possam rever o Brasil e nossas necessidades,
porque, no fundo, todo mundo quer a mesma coisa, de verdade. Quem é
que não quer que uma pessoa coma três vezes ao dia, que vá à escola, que
tenha cultura? Como vamos voltar a conversar? Eu tenho essa esperança,
como artista, de que a gente volte a encontrar um caminho, rápido",
discursou.
Em Bacurau, só há dois caminhos possíveis: resistir e lutar ou
morrer. E a cada minuto de suspense bem elaborado, a cada momento em
que se invertem os papeis entre oprimido e opressor, o filme faz a plateia
vibrar. Com fotografia e sonoplastia impecáveis, explode em abandono,
solidariedade, violência, política, dor e união. Nada sai ileso de lá. Por isso,
a placa que dá as boas-vindas ao povoado fictício e ao longa distópico reza:
"Se for, vá na paz".
Filme 4/ O POÇO
Filme O Poço, da Netflix
Carolina Marcello Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes
O Poço (El Hoyo, no original) é um filme espanhol de terror e ficção científica, dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia. O longa-metragem de 2019 é uma produção original da Netflix que tem alcançado um enorme sucesso no Brasil, assim como em outros pontos do mundo. Extremamente angustiante, com passagens violentas que beiram o gore, o filme é uma distopia que provoca muitas reflexões sobre a nossa realidade. Taxado tanto de "genial" quanto de "perturbador" pelo público, O Poço tem um final surpreendente e deixa várias questões no ar. Confira o trailer dublado abaixo: Atenção: a partir deste ponto, você vai encontrar spoilers sobre o final do filme!
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O Poço: final do filme explicado Neste caso, vamos ter que começar pelo final, já que o todo mundo ficou meio confuso acerca do desenlace da narrativa. Encarcerado na prisão distópica onde todos pertencem a um nível e não podem sair dele, Goreng conhece uma figura que quebra as regras: Miharu. A mulher é uma espécie de assassina selvagem que utiliza a plataforma para se locomover na prisão e procurar o filho, que estaria perdido no edifício. Goreng tenta ajudá-la e ela repete o gesto, salvando a sua vida das mãos sedentas de Trimagasi.
Durante muito tempo, o espectador é levado a crer que a mulher é louca e não existe nenhuma criança por ali, até porque nenhuma conseguiria sobreviver. No entanto, quando o protagonista e seu companheiro, Baharat, estão chegando no final do Poço, conseguem ver uma menina escondida e param para acudir. Depois que o parceiro morre, na sequência dos ferimentos, Goreng continua a viagem até ao fundo com a filha de Miharu.
Quando a plataforma bate no fundo, ele finalmente percebe: a mensagem que precisava mandar para o topo não era um doce intacto, nem mesmo palavras de revolta sobre o que assistiu no Poço. A verdadeira mensagem, aquela que realmente pode mudar tudo, é a mera existência da menina que ele acaba de salvar. Uma
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vida que nasceu e prosperou naquele local de morte é um símbolo de esperança e uma possível semente para a transformação. Não precisando já de ser o portador da mensagem, que fala por si mesma, Goreng vê o espirito de Trimagasi declarando que a sua missão acabou. Os dois partem juntos enquanto a plataforma ascende, carregando a garota. Podemos depreender que o herói morreu, depois de cumprir o seu papel, mas nunca saberemos se a chegada da menina ao topo mudou, ou não, alguma coisa. Análise do filme O Poço: temas principais Pesado, denso e de difícil compreensão, O Poço vai deixando alguns indícios e questionamentos que o espectador precisa seguir atentamente. A premissa é simples e aterradora: o protagonista, Goreng, está no "Poço", uma prisão vertical com dois reclusos por andar e um enorme buraco no centro. É por lá que, todos os dias, desce uma mesa que contem um luxuoso banquete com as melhores iguarias. Os que estão no nível 1 são os primeiros a comer; alguns minutos depois, a plataforma passa ao nível seguinte, que pode se alimentar também. O ritual se repete por incontáveis andares e os indivíduos são forçados a comer os restos de quem estava acima.
Ali, a comida é tudo o que importa, já que dela depende a sobrevivência de cada um. É engraçado reparar que até alguns nomes remetem para o mundo da culinária. Por exemplo, "Goreng" é uma receita tipicamente indiana e "Baharat" designa uma mistura de temperos. Enquanto acompanhamos o protagonista na sua luta pela vida, também podemos perceber várias simbologias e críticas sociopolíticas. Uma metáfora extrema para a divisão de classes "Comer ou ser comido"
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O primeiro companheiro de Goreng é Trimagasi, um homem idoso que já está no Poço há bastante tempo e explica como o local funciona. Ele não permite que os dois se aproximem demais, deixando claro que cada um depende apenas de si mesmo: é "comer ou ser comido".
O homem, que enlouqueceu por causa da sociedade de consumo, encara tudo aquilo com normalidade (para ele "é óbvio"). Como objeto escolhido para levar para o local, Trimagasi pegou uma faca que se afia sozinha, pronto para atacar e se defender a todo o custo. Ele vai tornando evidente, pela forma como trata os que estão abaixo, que ali todos estão sozinhos e uns contra os outros. Comer pode ser muito fácil ou muito difícil, depende da sua classe... Devido à hierarquia que se estabelece, fica implícito que cada nível não comunica nem colabora com os demais: não falam com os de baixo e os de cima não respondem. Assim, o sistema parece ter sido feito para isolar os indivíduos, não permitindo uma ação organizada e coletiva. Desde o começo do filme, o espectador vai sendo lembrado do choque de realidades, com cenas que passam da cozinha extremamente limpa e suntuosa à vida miserável do Poço. A passagem na qual assistimos, lentamente, à mesa do banquete sendo consumida e depredada, à medida que vai passando pelos níveis, é um exemplo da falta de recursos causada pela ganância de quem está no topo.
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O desespero é tanto que transforma estas pessoas em assassinas, obrigando quem está na base a matar e a se converter ao canibalismo como último recurso de sobrevivência. "Solidariedade espontânea" Depois de quase ser devorado por Trimagasi, quando acordam no nivel 171, Goreng acaba tendo que comer a carne do antigo companheiro. É a sua nova parceira de nível, Imoguiri, que traz uma reviravolta na narrativa. A mulher, que trabalhou para a Administração e se voluntariou para participar da "experiência", tenta alterar o modo de funcionamento do local, dividindo a refeição em porções. Embora acredite na "solidariedade espontânea", os seus apelos são recebidos com risadas e insultos dos demais por 15 dias. Irritado, é Goreng que obriga os níveis que estão abaixo a acatar a ordem, ameaçando que iria espalhar fezes em toda a comida, sempre que a plataforma parasse no seu nível: "Solidariedade ou merda!". "Descer para depois subir..."
No entanto, é a chegada do terceiro parceiro de cela, Baharat, que muda todo o cenário. O homem, crente em Deus e cheio de esperança de sair dali, aceita o plano de Goreng para dominar a plataforma e redistribuir a comida.
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É através da união, da ação conjunta, que os prisioneiros conseguem alterar a ordem dos acontecimentos e passar uma mensagem para quem está no topo. Temática e simbologia religiosa Não é só Baharat que fala em religião durante o filme e afirma que aquele local é o Inferno. Se prestarmos atenção, existem várias referências bíblicas que atravessam a narrativa. Na verdade, quase no desenlace do filme podemos ver representações dos pecados capitais nos reclusos, como o homem que joga notas para o ar. Logo no começo da narrativa, Trimagasi questiona o protagonista: "Você acredita em Deus?". Mais para a frente, Imoguiri insinua que ele pode estar ali com uma missão. Depois de ela se suicidar, Goreng vê (ou alucina com) o seu espírito, que o aponta como "o Messias", "o Salvador" que vai libertá-los.
A personagem também faz uma referência ao sacrifício de Jesus e aos textos bíblicos, pedindo que o companheiro coma a sua carne e beba o seu sangue. Baharat, o prisioneiro que embarca com o protagonista na "missão suicida" também é extremamente religioso e está procurando a salvação.
Os números dos níveis também não parecem ser um acaso. Por exemplo, o número 333, onde os dois "heróis" param porque encontram uma criança, pode ser uma referência à idade de Jesus quando morreu. Por outro lado, com esse número de andares, o Poço teria 666 reclusos, número associado ao Diabo. Relação com o livro Dom Quixote Quando teve a oportunidade de escolher um objeto para levar para o Poço, Goreng optou por um exemplar do livro Dom Quixote de la Mancha, uma das obras mais notórias da língua espanhola. Apaixonado por romances de cavalaria, o famoso personagem vivia obcecado com derrotar vilões e fazer justiça. Com seus delírios de mudar o mundo, Quixote se tornou um símbolo para os sonhadores e os loucos que, de alguma forma, parece inspirar o protagonista.
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Quando apresenta o seu plano a Baharat pela primeira vez, ele lhe responde que "só um louco faria isso". O desespero, talvez regado por uma dose de loucura, foi o que os levou a fazer aquilo que ninguém conseguiu antes.