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1 MÁRTENS FERRÃO e as Conferências do Casino de 1871 Ivo Miguel Barroso * O parecer de MÁRTENS FERRÃO foi criticado, v. g., pelo Jornal do Comércio, de 17 de Agosto de 1871 1 . 1. A crítica dos setentistas ao parecer de MÁRTENS FERRÃO Atingidos pela proibição, os setentistas censurados 2 discutiram e analisaram o parecer de MÁRTENS FERRÃO. ANTERO DE QUENTAL refere, numa carta a TEÓFILO BRAGA: temos feito uma análise ao parecer do Procurador da Corôa a respeito das Conferências, que tencionamos publicar Excerto do Relatório de Mestrado, intitulado As Conferências do Casino e o poder político. Anatomia do discurso proibitivo, regência do Professor JOSÉ ADELINO MALTEZ, FDUL, ano lectivo de 2003/2004. * Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. 1 Pasmámos do que lemos; jamais pensáramos que um funcionário, filho desta época, ousasse aceitar princípios que conduzem fatalmente à supressão da liberdade de manifestação do pensamento” (Jornal do Comércio, de 17 de Agosto de 1871, pg. 1, apud JOÃO MEDINA, As Conferências do Casino..., pg. 334). Transcrevendo uma parte do parecer, a propósito das “lutas gloriosas do catolicismo contra o islamismo”, o jornal dizia que se sentia na obrigação de combater “doutrinas tão erróneas e tão opostas ao espírito democrático” (IDEM, ibidem). 2 Nomeadamente EÇA DE QUEIROZ.

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    MRTENS FERRO e as Conferncias do Casino de 1871

    Ivo Miguel Barroso*

    O parecer de MRTENS FERRO foi criticado, v. g., pelo Jornal do Comrcio, de 17 de Agosto de 18711.

    1. A crtica dos setentistas ao parecer de MRTENS FERRO

    Atingidos pela proibio, os setentistas censurados2 discutiram e analisaram o parecer de MRTENS FERRO.

    ANTERO DE QUENTAL refere, numa carta a TEFILO BRAGA:

    temos feito uma anlise ao parecer do Procurador da Cora a respeito das Conferncias, que tencionamos publicar

    Excerto do Relatrio de Mestrado, intitulado As Conferncias do Casino e o poder poltico. Anatomia do discurso proibitivo, regncia do Professor JOS ADELINO MALTEZ, FDUL, ano lectivo de 2003/2004.

    * Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

    1 Pasmmos do que lemos; jamais pensramos que um funcionrio, filho desta poca,

    ousasse aceitar princpios que conduzem fatalmente supresso da liberdade de manifestao do pensamento (Jornal do Comrcio, de 17 de Agosto de 1871, pg. 1, apud JOO MEDINA, As Conferncias do Casino..., pg. 334).

    Transcrevendo uma parte do parecer, a propsito das lutas gloriosas do catolicismo contra o islamismo, o jornal dizia que se sentia na obrigao de combater doutrinas to errneas e to opostas ao esprito democrtico (IDEM, ibidem).

    2 Nomeadamente EA DE QUEIROZ.

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    colectivamente e assinada por todos.3. O escrito grande e levaria muito tempo a tirar cpia4.

    Em detrimento dos aspectos jurdicos5, era privilegiada a dimenso poltica do documento6, que era significativo pelo que indica das tendncias retrgradas dos nossos homens de Estado, e pela ignorncia das verdadeiras questes modernas que acusa da parte deles.7-8.

    Contudo, este folheto nunca foi publicado9. Encontra-se mencionado, sob a designao Anlise do parecer do procurador geral da coroa, acerca da proibio das Conferncias democrticas, na Bibliografia In memoriam de ANTERO DE QUENTAL, na seco dos Manuscritos destrudos, obras em prosa10.

    2. A influncia de MRTENS FERRO em EA DE QUEIROZ

    Para alm das inimizades referidas que o parecer suscitou, em geral, nos setentistas, MRTENS FERRO veio a ter uma importante e quase

    3 Carta de ANTERO DE QUENTAL a TEFILO BRAGA, s.d. [1871], in JOAQUIM

    DE ARAJO, Ensaio de bibliographia Antheriana, in Anthero de Quental. In memoriam, pg. LXIV.

    4 Carta de ANTERO DE QUENTAL a TEFILO BRAGA, s.d. [1871], in JOAQUIM

    DE ARAJO, Ensaio de bibliographia Antheriana, in Anthero de Quental. In memoriam, pg. LXIV.

    5 Deixamos a questo legal, declarando que no connosco, mas com o mundo

    legalmente constitudo (Carta de ANTERO DE QUENTAL a TEFILO BRAGA, s.d. [1871], in JOAQUIM DE ARAJO, Ensaio de bibliographia Antheriana, pg. LXIV).

    6 encaramos o parecer como um documento poltico (Carta de ANTERO DE

    QUENTAL a TEFILO BRAGA, s.d. [1871], in JOAQUIM DE ARAJO, Ensaio de bibliographia Antheriana, pg. LXIV).

    7 Carta de ANTERO DE QUENTAL a TEFILO BRAGA, s.d. [1871], in JOAQUIM

    DE ARAJO, Ensaio de bibliographia Antheriana, pg. LXIV. 8 Mostramos que o Socialismo no uma agitao superficial e subversiva, mas uma

    natural evoluo histrica, fatal e justa, como a misso do Estado no contrariar estas tendncias espontneas de uma sociedade que se renova; como os governos, que assim no obram, so incapazes e indignos de ser governo; como os homens de Estado e conselheiros da cora, que votam pela perseguio, no s mostram essa incapacidade e ignorncia flagrantes, como so verdadeiramente rus pblicos por que provocam luta de classes e guerra civil. Terminamos declarando que no nos merecem considerao de espcie alguma os nossos grandes homens oficiais. (Carta de ANTERO DE QUENTAL a TEFILO BRAGA, s.d. [1871], in JOAQUIM DE ARAJO, Ensaio de bibliographia Antheriana, pg. LXIV).

    9 nunca saiu, na expresso de ANTNIO SALGADO JNIOR (in Histria das

    Conferncias do Casino..., pg. 128). 10

    Cfr. JOAQUIM DE ARAJO, Ensaio de bibliographia Antheriana, in Anthero de Quental. In memoriam, pg. LXIV.

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    ignorada interveno indirecta na obra de EA DE QUEIROZ11, em especial.

    EA conhecia anteriormente MRTENS FERRO12: a) Ento com 21 anos sendo certo que, durante toda a vida, ficou marcado pelo que

    EA DE QUEIROZ observou em Portugal durante os terrveis anos de 1867-1868 (MARIA FILOMENA MNICA, Introduo in Ea de Queiroz. Jornalista, introduo, pesquisa e seleco de textos de MARIA FILOMENA MNICA, Principia, Cascais, 2003, pg. 43) , EA esteve em vora entre fins de 1866 e Julho de 1867, altura em que MRTENS FERRO era Ministro do Governo da Fuso, circunstncia de particular relevo, conforme se ver de uma caricatura de EA, a respeito de um livro do Conselheiro ACCIO.

    EA referiu-se a MRTENS FERRO, em artigo publicado no Distrito de vora: (...) muita teoria que em cincias sociais e de administrao possui o sr. Mrtens Ferro (EA DE QUEIROZ, Distrito de vora, n. 16, 3 de Maro de 1867, in IDEM, Da colaborao no Distrito de vora - I. 1867, Livros do Brasil, Lisboa, s.d., pg. 88); Que diferena de tempos e que marcha para o mal, para a pobreza, para a decadncia, este pas tem feito, desde Vasco da Gama e D. Manuel at ao sr. Fontes e Ferro e outros de aquilatada considerao, gente, na opinio do discreto redactor da Revoluo, muito superior a Moiss e a Colombo, porque tm maiorias legais, coisa que aqueles desgraados no alcanaram um no Sinai e o outro no grande Oceano! (IDEM, Distrito de vora, n. 40, 26 de Maio de 1867, in IDEM, Da Colaborao no Distrito de vora - I, pgs. 103-104).

    b) Outra importante via de conhecimento foi a prestao de provas para cnsul. A instruo de EA no concurso consular efectuou-se em 18 de Setembro de 1870,

    sendo admitido em 24 desse ms e prestado provas, (juntamente com JAIME BATALHA REIS, para cnsul de 1. classe), alguns dias depois, s dez horas da manh, na sala do Corpo Diplomtico do Ministrio dos Negcios Estrangeiros, instalado ento no Terreiro do Pao, paredes meias com a Alfndega (JOS CALVET DE MAGALHES, Ea de Queiroz. A vida privada, pg. 79).

    Em 1 de Outubro, reuniu-se o jri, presidido pelo ministro interino dos Negcios Estrangeiros, CARLOS BENTO DA SILVA, que substitua interinamente o titular da pasta, MARQUS DE VILA E BOLAMA, e composto pelo procurador da Coroa, MRTENS

    11 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro in Suplemento ao Dicionrio de Ea

    de Queiroz, organizao e coordenao de A. CAMPOS MATOS, Caminho, Lisboa, 2000, pg. 412.

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    FERRO, pelo juiz da Relao, FERREIRA NOVAIS, pelo director-geral das Contribuies, GONALVES DE FREITAS, e pelo director-geral dos Consulados, NOGUEIRA SOARES.

    Fiz este estimvel concurso, e parece que o grosso caderno de papel oficial que escrevi no julgado inteiramente inepto. (Carta de Ea de Queiroz. Os consulados, os centros republicanos e os concursos, in As Conferncias do Casino..., JOO MEDINA, pg. 406) (na verdade, EA foi classificado em primeiro lugar, com um Muito bom).

    EA viria a ser alvo de uma discriminao negativa no mbito deste concurso, aps as preleces casinenses13.

    13 a) Apesar de EA ter ficado em primeiro lugar, foi SALDANHA DA GAMA quem

    foi ocupar o lugar aberto pelo concurso. EA declarou-se vtima de perseguio poltica (MARIA FILOMENA MNICA, Ea

    de Queirs, 4. ed., pg. 77 (nota 2)). Expressou o queixume numa farpa, devido s Conferncias do Casino (Carta de Ea de Queiroz. Os consulados, os centros republicanos e os concursos, publicado nAs Farpas, Nov. de 1871 (no includo mais tarde em Uma campanha alegre. De As Farpas), in As Conferncias do Casino e o socialismo em Portugal, JOO MEDINA, Dom Quixote, Lisboa, 1984, pgs. 405-409).

    Era bastante sintomtico que um tal queixume pblico tivesse sido feito logo aps a queda do governo do MARQUS DE VILA, e quando ANDRADE CORVO, um homem culto, ocupava a pasta dos Negcios Estrangeiros (cfr. JOS CALVET DE MAGALHES, Ea de Queiroz. A vida privada, pg. 89). Segundo MARIA FILOMENA MNICA (in Ea de Queirs, 4. ed., pg. 77), teve tambm relevo o facto de FONTES PEREIRA DE MELO ser na presidente do Ministrio.

    O queixume pblico no se referia apenas preterio que sofreu no preenchimento da vaga consular da Baa, mas tambm, e sobretudo, ao facto de, decorrido um ano sobre a sua aprovao no concurso consular, classificado em primeiro lugar, no ter sido colocado em qualquer outro consulado (assim, JOS CALVET DE MAGALHES, Ea de Queiroz. A vida privada, pg. 89).

    No entanto, no fui despachado o que achei justo e galante. (Carta de Ea de Queiroz. Os consulados..., Nov. de 1871, pg. 406).

    Justo porque o cavalheiro escolhido, que tinha uma classificao quase igual minha, ainda que inferior, tinha longos servios no ultramar, estabelecimentos na Baa, etc., estava em condies preferveis e inatacveis. (IDEM, ibidem).

    Galante, porque segundo me foi revelado eu no fora despachado porque se quisera fazer a vontade a uma dama ilustre, despachando o meu companheiro. Como compreendem, fiquei contente, como na efuso de uma vitria! ergui a minha alma o escarlate pavilho da alegria. (IDEM, ibidem).

    b) Algum me disse por essa ocasio com ar misterioso: a sua conferncia!... (IDEM, ibidem, pg. 407).

    Mas eu no acreditava. Porque, enfim, eu na minha conferncia condenara a arte pela arte, o romantismo pelo romantismo, a arte sensual e idealista, e apresentara a ideia de uma restaurao literria, pela arte moral, pelo realismo, pela arte experimental e racional. (IDEM, ibidem). O qu! pensava eu, ser por isto que os Srs. ministros me julgam um inimigo da ordem? (IDEM, ibidem).

    Jocosamente acrescentava: Porque enfim se eu no posso ser cnsul por ter feito uma conferncia se essa conferncia foi a condenao do romantismo, segue-se que eu no posso ser cnsul por ter condenado o romantismo!! Ora realmente, eu no sabia que para ser cnsul era necessrio ser romntico! (IDEM, ibidem, pg. 408). Eu no vira entre as habilitaes que o programa requeria esta: Certido do regedor de que o concorrente recita todas as noites, ao luar, o Noivado do Sepulcro, do chorado Soares de Passos. Eu no sabia disto! Porque ento tambm declaro Secretaria dos Estrangeiros: perdeu os dois cnsules que melhor lhe podiam convir: Antony e Werther. (IDEM, ibidem). Ah! agora vejo, infeliz

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    O nome do Procurador da Coroa ficou esquecido no processo cultural das Conferncias14, e apagado depois15. Contudo, no o ficou na lembrana de EA DE QUEIROZ. Tal como os demais setentistas, alm de ter guardado na lembrana, o escritor ter recolhido, em cpia, o documento de MRTENS FERRO, e o discurso pronunciado em 5 de Setembro de 1871, impresso nas pginas do Dirio do Governo e do Diario da Camara dos Senhores Deputados, ou mesmo no folheto em que o procurador geral da Coroa, em defesa das suas ideias16. O conjunto apetecvel das ideias estava diante de EA17.

    Mais tarde, EA serviu-se desses textos, em vrias ocasies18. A descoberta dessa |utilizao deve-se ao Professor JOS-

    AUGUSTO FRANA19. Algumas outras passagens de discursos de Deputados, mas,

    sobretudo, em particular, algumas asseres do Procurador Geral, definidas no Parecer e, sobretudo, na longa interveno, em estilo de lio, que proferiu na Cmara dos Deputados, em 5 de Setembro de 1871, foram reinterpretadas, reinventadas, glosadas, inseridas, velada e depuradamente, a breve trecho em vrias personagens de EA DE QUEIROZ, nas cenas dos seus romances20.

    Com efeito, as consideraes ideolgicas do texto de MRTENS FERRO21, altamente significativas do pensamento oficial e conservador22, puderam ser recuperadas23 e utilizadas com fins crticos24, para alm da discusso legal dos seus fundamentos, em termos de retrato social, por vias de fico, por EA DE QUEIROZ25.

    A influncia, patenteada em vrios pontos de interseco, transparece em vrias personagens das suas obras, sobretudo no tipo social dos

    realismo, que me obstruis uma carreira! Ai! para ser cnsul para Pernambuco, quem tivera o corao de Romeu! (IDEM, ibidem).

    c) A farpa produziu efeito; passados apenas quatro meses sobre a sua publicao, em 16 de Maro de 1872, EA DE QUEIROZ foi nomeado cnsul em Havana, nas Antilhas espanholas.

    14 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    15 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    16 Cfr. JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    17 JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pg. 67.

    18 Cfr. JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    19 V. JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino no Parlamento,

    apresentao e notas por JOS-AUGUSTO-FRANA, Livros Horizonte, Lisboa, 1973, pgs. 64-68; IDEM, Mrtens Ferro in Suplemento ao Dicionrio de Ea de Queiroz, organizao e coordenao de A. CAMPOS MATOS, Caminho, Lisboa, 2000, pgs. 412-413.

    20 Cfr. JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    21 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    22 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    23 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    24 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

    25 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

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    polticos26, que encarnam as pginas do parecer de MRTENS FERRO em figuras caricaturais27.

    As vrias similitudes existentes entre passagens do parecer e da interveno e algumas passagens dos romances de EA DE QUEIROZ, numa linha de alguma continuidade28 so mais do que uma simples coincidncia.

    Que o romancista pudesse ter-se inspirado num caso tpico, num representante por excelncia do esquema, cujas prosas com certeza lera, pois a si e aos seus companheiros diziam respeito, no parecer estranho nem que, expatriado, se tenha fixado nessa fonte29.

    O parecer constituda, por assim dizer, uma espcie de manual das ideias estabelecidas no quadro das instituies vigentes, qualquer que fosse a cor partidria do governo30.

    2.1. A caricatura do esquema conservador da elite governamental portuguesa

    26 Cfr. MARIA HELENA CABRAL CARDOSO DE ALMEIDA, Os tipos sociais

    lisboetas na obra de Ea de Queiroz, dissertao de licenciatura em Filologia Romnica, Lisboa, 1964 (quota da Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: TL-LP 253); MARGARIDA ROSA DE BARROS AREIAS, A moralidade na obra de Ea de Queiroz, dissertao de licenciatura em Filologia Romnica, Lisboa, 1943-1944 (quota da BFLUL: TL-LP-47); BEATRIZ BERRINI, Portugal de Ea de Queiroz, diss. na Universidade de So Paulo (1982), INCM, Lisboa, 1984; JOO MEDINA, Ea de Queiroz e o seu tempo, Livros Horizonte, Lisboa, 1972; IDEM, Ea de Queiroz e a Gerao de setenta, Moraes, Lisboa, 1980, pgs. 87-101; JOO MENDES, Ea de Queiroz. Tipos, estilo, moralidade, Pro Domo, Lisboa, 1945; JOO GASPAR SIMES, Vida e obra de Ea de Queirs, 3. ed., novamente revista, Bertrand, Amadora, 1980.

    Cfr. ainda CARLOS REIS, Estudos queirosianos. Ensaios sobre Ea de Queirs e a sua obra, Presena, Lisboa, 1999.

    27 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 413.

    28 Duas opinies insuspeitas comprovam-no:

    a) FIALHO DE ALMEIDA acusou as personagens dOs Maias de serem verses ou menos bem deduzidas dos autor ou cinco tipos fundamentais dos anteriores romances de EA DE QUEIROZ:

    O Conselheiro Accio era o conde de Ribamar dO Padre Amaro, aperfeioado, alastra agora pelOs Maias numa ninhada de descendentes seus, dos mais completos, desde o Gouvarinho, do Sousa Neto, do orador Rufino, e do Prata, at ao Taveira e ao Melchior..

    b) JAIME CORTESO refere que, srie do Conselheiro ACCIO, talvez pela abundncia inesgotvel do tipo, pertencem o PACHECO, o CONDE DE ABRANHOS e o SOUSA NETO (in Ea de Queiroz e a Questo Social, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 2001, pg. 37).

    29 JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pg. 67.

    30 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 412.

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    O esquema do pensamento social das fontes e das personagens faceciosas inventadas por EA DE QUEIROZ o mesmo que se deslinda nas afirmaes de MRTENS FERRO, como procurador geral da Coroa ou como deputado regenerador31, constituindo, sem dvida, o esquema conservador da elite governamental portuguesa32.

    EA teve mo um modelo fundamental, ao nvel ideolgico33, e explorou-o com uma verosimilhana que, para alm dos seus bem logrados atractivos da fico34, adquire um valor histrico para o conhecimento das mentalidades do terceiro tero do sculo XIX portugus35.

    Os textos literrios so uma das fontes comummente utilizadas por historiadores e socilogos na reconstruo e na busca do sentido do universo das prticas sociais e polticas de uma determinada poca36. Por vezes invulgarmente ricos, tanto pelas observaes penetrantes como pelo manancial de informaes e indcios concretos sobre a vida real, os registos ficcionais tem constitudo sobretudo um dos meios privilegiados de observao da estruturao e evoluo das mentalidades e representaes colectivas37.

    2.2. MRTENS FERRO, afirmando os princpios, com clareza e solenidade, instituiu, sem se dar conta disso, um modelo que poderia servir ou ter servido a EA DE QUEIROZ para criar uma das suas mais famosas personagens romanescas: o Conselheiro ACCIO38, dO Primo Bazlio39, que, simbolizando a mentalidade da Regenerao40, seria o padro de todas as personagens criadas41.

    31 JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pg. 67.

    32 JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pg. 67.

    33 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 413.

    34 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 413.

    35 Cfr. JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 413.

    36 PEDRO TAVARES DE ALMEIDA, Eleies e Caciquismo no Portugal Oitocentista

    (1868-1890), Difel, Lisboa, 1991, pg. 97. 37

    PEDRO TAVARES DE ALMEIDA, Eleies e Caciquismo..., pg. 97. 38

    JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pgs. 64-65. 39

    EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio. Episdio domstico, de acordo com a segunda edio (1878), precedida de uma carta indita do Dr. JOS MARIA DALMEIDA DE TEIXEIRA DE QUEIROZ ao seu filho, fixao do texto e notas de HELENA CIDADE MOURA, Livros do Brasil, Lisboa, s.d..

    40 JOO MEDINA, As Conferncias do Casino..., pg. 35.

    41 JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pg. 65.

    Cfr. EA DE QUEIROZ, Carta a RODRIGUES DE FREITAS, in Ea de Queiroz. Correspondncia, leitura, coordenao, prefcio e notas de GUILHERME DE CASTILHO, 1. volume, INCM, Lisboa, 1982, pgs. 140-142.

    V. tambm AA.VV., O Conselheiro Accio. Prefcio de Aquilino Ribeiro. Depoimentos de polticos, escritores e artstas, LUS DE OLIVEIRA GUIMARES, Portuglia, Lisboa, s.d. (c. de 1900) (quota da BN: BR 2 192); OLDEMIRO CSAR, O Conselheiro Accio. margem das comemoraes centenrias de Ea de Queiroz, Livraria Peninsular Editora, Lisboa, 1945

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    Recorde-se que o prprio MARTENS FERRO foi nomeado conselheiro em 1874. Encaixilhada, na parede, pendia a carta rgia que o nomeara conselheiro (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 327).

    Salienta-se semelhanas no estilo:

    a) O no uso de palavras triviais

    MRTENS FERRO: Venho ocupar-me exclusivamente e friamente da grave questo social que vejo acobertada com o nome de conferncias do casino lisbonense. (Discurso do sr. deputado Mrtens Ferro..., in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., 1871, pg. 735 (sublinhado nosso)); Descentralizao administrativa acomodada s condies e importncia da parquia civil, do concelho e do distrito; (relatrio da proposta de lei de administrao civil, de 1867, do Ministro MRTENS FERRO, base 1.).

    a1) ACCIO Nunca usava palavras triviais (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. II, pg. 39). Hesitou, procurou o adjectivo. (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 47):

    no dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e empregava restituir. (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 39). Mais um bolinho, conselheiro? / Estou repleto, minha prezada senhora. (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 46); Estive em Sintra, minha querida senhora. E parando: No sabia? O Dirio de Notcias especificou-o! (IDEM, ibidem, Cap. VII, pg. 233). Referia-se sua casa como O modesto tugrio de um eremita. (IDEM, ibidem, Cap. IV, pg. 110 (sublinhado nosso)); mais adiante, EA repete a ideia (ACCIO convidou logo Jorge, Sebastio e Julio para um janta na quinta-feira, um modesto jantar de rapazes, no seu humilde tugrio, para festejarem a rgia graa. (IDEM, ibidem, Cap. XI, pg. 326)). Tirou ento o relgio. Eram horas, disse, de ir coordenar alguns apontamentos. (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 53); O Conselheiro, muito corts, explicou: / Num abismo, D. Felicidade, num despenhadeiro. Tambm se diz, em bom vernculo, um vrtice. Citou: Num espumoso vrtice se arroja... (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 43). Hoje porm est verdadeiramente restaurador. (IDEM, ibidem, Cap. VII, pg. 234). Na estao calmosa passo sempre melhor. (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 53).

    Uso de perfrases: Papa: O Conselheiro pediu () a benevolncia do amigo Zuzarte para o chefe da Igreja. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 331). o respeitvel prisioneiro do Vaticano o vigrio de Deus! (...) (ibidem).

    b) A gravidade:

    MRTENS FERRO: Tem gravidade, como a tm todas as questes que so trazidas ao seio do parlamento (MRTENS FERRO, Sesso de 2 de Agosto de 1871 in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 83).

    i) ACCIO fala com gravidade (sendo uma caracterstica referida abundantemente): disse com gravidade (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. II, pg. 53); No conheo esse autor disse com gravidade o Conselheiro (IDEM, ibidem, Cap. XI, pg. 296); O Conselheiro, ento, interveio, grave (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 47); - Citou ento Ernestinho, que, posto que dando-se arte dramtica, era todavia (e a sua voz tornou-se grave), segundo todas as informaes,

    (quota da BN: BR 2 192); MARIA SALOM DA SILVA CORREIA, Estudo comparativo dos romances Effi Briest de Theodor Fontane e O Primo Bazlio de Ea de Queiroz, dissertao para licenciatura em Filologia Germnica, Faculdade de Letras de Lisboa, 1944 (quota da BFLUL: TL-LA-61); LUS DE OLIVEIRA GUIMARES, O Conselheiro Accio. Prefcio de Aquilino Ribeiro. Depoimentos de polticos, escritores e artstas, Portuglia, Lisboa, s.d. (c. de 1900) (quota da BN: BR 2 192); A. CAMPOS MATOS, ACCIO, conselheiro in Dicionrio de Ea de Queiroz, organizao e coordenao de A. CAMPOS MATOS, 2. ed., revista e aumentada, Caminho, Lisboa, 1993, pgs. 30-31.

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    um excelente empregado aduaneiro... (IDEM, ibidem, Cap. XI, pg. 296); disse com uma melancolia grave (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 41).

    ii) Mas detendo-a, com um gesto grave: Perdo, com franqueza, preferem o cozido ou o peixe? um pargo. (IDEM, ibidem, Cap. XI, pg. 330); perante uma travessa com a perna de vitela assada, Compenetrou-se logo do seu dever, (...) foi cortando fatias finas, com a testa muito franzida como na aplicao de uma funo grave. (IDEM, ibidem, Cap. XI, pg. 333).

    iii) entraram no camarote (...) o Conselheiro, grave, tomou o seu lugar (IDEM, ibidem, Cap. XIII, pg. 390); E direito, grave, saiu. (IDEM, ibidem, Cap. IV, pg. 110); grave, com o guarda-sol, a cabea alta. (IDEM, ibidem, Cap. VII, pg. 232). iv) o Conselheiro, o conselheiro Accio, nunca vinha aos chs de D. Luiza, como ele

    dizia, sem ter ido na vspera ao Ministrio das Obras Pblicas procurar Jorge, declarar-lhe com gravidade () (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. II, pg. 37)42:

    b) Por vezes, a autoridade uma expresso sucednea da gravidade: O Conselheiro disse com autoridade: / Os grandes autores, o famigerado Tasso, o nosso Cames so sempre representados com as suas respectivas coroas. (IDEM, ibidem, Cap. XIV, pg. 423); O nosso Sebastio disse o Conselheiro com autoridade um rival dos Thalbergs e dos Liszts. (IDEM, ibidem, Cap. IV, pg. 107). Noutras vezes, empregada a palavra severidade.

    A rigidez e severidade (ou quase severidade): acudiu com severidade o Conselheiro (EA DE QUEIROZ, O Primo

    Bazlio, Cap. XI, pg. 297); - Oh, Sr. Zuzarte! - acudiu o Conselheiro, quase severamente (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 298).

    c) A solenidade revela-se nas seguintes expresses, sobretudo na mmica: Aproximou-se de Jorge, com solenidade (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 53); aps a

    morte de LUSA, O Conselheiro levantou-se, foi abraar JORGE com solenidade (IDEM, ibidem, Cap. XV, pg. 438); afiou o trinchador com solenidade (IDEM, ibidem, Cap. XI, pg. 333); em S. Carlos, sentou-se com solenidade (IDEM, ibidem, Cap. XIII, pg. 390). E saa, pisando com solenidade os corredores enxovalhados. (IDEM, ibidem, Cap. II, pg. 37); Passou-lhe esquerda com um movimento solene (IDEM, ibidem, Cap. VII, pg. 233).

    disse com solenidade o Conselheiro (IDEM, ibidem, Cap. XIV, pg. 424).

    o Conselheiro puxando o relgio, fitando-o de longe, declarou logo que ainda no era meio-dia. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. VII, pg. 234);

    Accio, de p, perorava para Julio (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 300);

    a voz pomposa do Conselheiro (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. VII, pg. 234).

    d) O recurso argumentativo a elementos colhidos de outras fontes (da observao ou de livros)

    42 Tambm se denota a mesma caracterstica na personagem RIBAMAR: O conde suspendeu-o,

    com um gesto firme (EA DE QUEIROZ, O Crime..., cap. III, pg. 51); e gravemente, em palavras pausadas (...) (EA DE QUEIROZ, O Crime..., cap. III, pg. 51).

  • 10

    colocou-se no meio da saleta, de p, com folhas na mo e, com uma voz cheia, gestos pausados, leu (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 328).

    O recurso a exemplos: Desciam ento a Rua Nova do Carmo, e o Conselheiro ia afirmando

    que o caixeiro fora muito polido: no se admirava, porque no comrcio havia filhos de boas famlias: citou exemplos. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. VII, pg. 238).

    d) O recurso abundante a citaes:

    Exemplos de MRTENS FERRO so os seguintes:

    i) Citaes de autores franceses: a comuna que nos descreveram os principais historiadores da Europa, Thierry, o Sr. Guizot (Discurso do sr. deputado Mrtens Ferro na sesso de 5 de Setembro de 1871, in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 738); Leonce de Lavergne que o diz.: O resultado do abuso de liberdade sempre a opresso (IDEM, ibidem, pg. 745); terminarei esta ordem de reflexes com o que h pouco o Sr. Thiers no depoimento sobre as causas da revoluo de 18 de Maro, h a um conselho que convm escutar. (IDEM, ibidem, pg. 743); os preciosos trabalhos de Cousin e de Renu...

    ii) Citaes de autores britnicos: di-lo Hume (IDEM, ibidem, pg. 739); Thomas May, na Histria constitucional da Inglaterra diz (...) (IDEM, ibidem, pg. 740); Num notvel discurso pronunciado no parlamento de Inglaterra, dizia lord Macaulay, o grande historiador ingls (IDEM, ibidem, pg. 745); Termino com as palavras de um distinto homem de estado de Inglaterra, o Conde Russel (IDEM, ibidem, pg. 746).

    ACCIO citava muito (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. II, pg. 40) (Luiza, receando citaes ou apreciaes literrias (...) (IDEM, ibidem, Cap. IV, pg. 106).

    De resto, ACCIO esclarecia, em relao sua livraria Prezo-me de ter os autores mais ilustres (...)! disse com orgulho (). (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 328).

    Mostrou-lhe a Histria do Consulado e do Imprio, as obras de Delille, o Dicionrio da Conversao, a ediozinha bojuda da Enciclopdia Roret, o Parnaso Lusitano. EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 328).43

    e) ACCIO Fora, outrora, director-geral do Ministrio do Reino44. Cargo que, note-se, no anda muito longe do Procurador geral da Coroa, que auxilia o Ministro do Reino, VILA

    Ser autor

    43 Tambm ALPIO Formava ento a sua biblioteca de homem de Estado:

    munira-se dos discursos de Mirabeau, de Berryer, de Lamartine, de Guizot (EA DE QUEIROZ, O Conde dAbranhos..., pgs. 119-120).

    44 EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. III, pg. 39.

  • 11

    No escritrio de ACCIO, rumas de livros brochados, atadas com guitas as obras do Conselheiro intactas! (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 340).

    ACCIO tinha em preparao a obra Descrio das Principais Cidades do Reino e Seus Estabelecimentos, estando a rever provas. EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 328).

    Intuimos que este conhecimento geogrfico de Portugal 45 tinha por objectivo satirizar a reforma administrativa de MRTENS FERRO, quando era Ministro, em 1867 (proposta de lei de administrao civil): a diviso do territrio fazia-se em distritos (reduzidos a onze), concelhos (sendo suprimidos 104) e parquias civis46. EA, recorde-se, era, na altura, oposicionista no Distrito de vora (at Julho de 1867).

    Tambm o Conselheiro ACCIO um conhecedor profundo das divises do territrio:

    O Conselheiro, passando sobre o bigode a sua mo branca onde destacava o anel de armas, observou:

    [Beja] todavia a capital do distrito! (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. IV, pg. 105).

    45 Jorge, averigua quanto o partido da cmara em vora

    disse Julio do canto do sof. O Conselheiro acudiu, cheio de informaes (...): Devem ser seiscentos reis, sr. Zuzarte, e pulso livre. Tenho-o nos

    meus apontamentos. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. II, pg. 40): 46

    Para mais desenvolvimentos sobre esta proposta legislativa, MARCELLO CAETANO, A codificao administrativa em Portugal (um sculo de experincia: 1836-1935), in IDEM, Estudos de Histria da Administrao Pblica Portuguesa, organizao e prefcio de DIOGO FREITAS DO AMARAL, Coimbra Editora, 1994, pgs. pgs. 404-408 (377-448) (original publicado na RFDUL, ano 2., Lisboa, 1935).

  • 12

    f) O respeito por ALEXANDRE HERCULANO (como notou JOS-AUGUSTO FRANA, in As Conferncias do Casino..., pg. 66):

    MRTENS FERRO: o nosso mais distinto e sbio o Sr. Alexandre Herculano, de quem me honro de ser amigo (Discurso do sr. deputado Mrtens Ferro na sesso de 5 de Setembro de 1871, in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 738); Dizia sempre o nosso Garrett, o nosso Herculano. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. II, pg. 39).

    g) As proclamaes de modstia: MRTENS FERRO: Efectivamente eu estudei, mas devo dizer que sendo eu o

    primeiro a reconhecer o pouco que sei, e que quanto mais estudo mais reconheo a limitao dos meus conhecimentos (Discurso do sr. deputado Mrtens Ferro na sesso de 5 de Setembro de 1871, in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 739); estudei estes assumptos, no os disse por ostentao, decorreu-me o dever de o fazer com muita especialidade. (IDEM, ibidem, pg. 740). To pouco falarei de mim (IDEM, ibidem, pg. 735);

    ACCIO, no episdio do jantar em sua casa, referia:

    Meus bons amigos! Eu no me preparei para esta circunstncia. Se o soubesse de antemo, teria tomado algumas notas. No tenho a verbosidade dos Rodrigos ou dos Garretts. E sinto que as lgrimas me vo embargar a voz. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 339). Falou ento de si, com modstia : reconhecia, quando via na capital to ilustres parlamentares, oradores to sublimes, to consumados estilistas, reconhecia que era um zero! E com a mo erguida formava no ar, pela juno do polegar e do indicador um 0: um zero! (IDEM, ibidem).

    O Conselheiro ACCIO de EA homem to inocente como constava ser o prprio MRTENS FERRO, assim retratado em 1873 por RAMALHO ORTIGO nAs Farpas (vol. VIII, 1949), quando escolhido para aio do prncipe D. CARLOS47 assumiu, na circunstncia, a palavra ou mesmo as palavras que uma voz autorizadssima proferira48.

    2.3. MARTENS FERRO e as suas ideias alimentariam outras personagens49:

    i) o CONDE DE RIBAMAR, dO Crime do Padre Amaro50; conselheiro de Estado51, tal como MRTENS FERRO;

    47 A escolha foi tratada, tambm de forma jocosa, tratada por RAFAEL BORDALO

    PINHEIRO, nO Antnio Maria. 48

    JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pg. 68. 49

    JOS-AUGUSTO FRANA, As Conferncias do Casino..., pg. 65. 50

    EA DE QUEIROZ, O crime do Padre Amaro. Cenas da vida devota, de acordo com a edio de 1880, revista pelo Autor, fixao do texto e notas de HELENA CIDADE MOURA, Livros do Brasil, Lisboa, 2002.

    Na 2. edio. dO Crime do Padre Amaro, RIBAMAR aparece j no Cap. III, que seria mantido, quase na integralidade, na 3. ed. (Cfr. EA DE QUEIROZ, O Crime do Padre Amaro (2. e 3. verses), edio de CARLOS REIS / MARIA DO ROSRIO CUNHA, INCM, Lisboa, 2000, pgs. 160-189). Contudo, na 2. ed., RIBAMAR no referido no ltimo Captulo,

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    ii) o CONDE DE GOUVARINHO, dOs Maias52. no obstante a personagem ser por certo compsita53;

    repare-se, no entanto, na qualidade de ter voz sonora (EA DE QUEIROZ, Os Maias, Cap. VII, pg. 199). como propcia para se ser ministro

    iii) PACHECO54.

    Se h expresso que marca ironicamente PACHECO, talento. a) Ora, CUNHA MONTEIRO, no discurso no dia seguinte ao da interveno de

    MARTENS FERRO e subsequente aclamao, sendo cumprimentado por quase todos os Deputados e Ministros , referiu:

    A propsito das Conferncias do Casino, pouco direi. Tinha alguma coisa para dizer, mas por muito que fora, ficaria muito aqum do muito e muito sublimemente expendido, pelo gnio assombroso, talento robusto e inteligncia feracssima do sr. Mrtens Ferro. (CUNHA MONTEIRO, Sesso de 6 de Setembro de 1871 in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 533).

    Citarei apenas o dizer de Barthes, no seu instrutivo tratado da cincia do homem, e s sob a gide deste portento, e que eu espero que a cmara levar a bem que eu toque neste assunto depois de nele falar o sr. Mrtens Ferro. (IDEM, ibidem). b) Temos outros exemplos demonstrativos da constncia dos elogios: i) o Ilustre Deputado o Sr. Mrtens Ferro, a cujo notvel talento, vasta instruo, e

    elevadas qualidades morais me comprazo em prestar uma sincera homenagem (Discurso do sr. deputado Pinheiro Chagas, Sesso de 6 de Setembro de 1871, in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 648).

    ii) um homem colocado to alto na opinio do pas, como o sr. Mrtens Ferro (MARQUS DE VILA, Sesso de 2 de Agosto de 1871 in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 83);

    iii) RODRIGUES DE FREITAS referia-se a MRTENS FERRO como ilustrado e respeitvel (Discurso do sr. deputado Rodrigues de Freitas, Sesso de 8 de Setembro de 1871, in Diario da Camara dos Senhores Deputados..., pg. 690)

    iv) eu sou daqueles que entendem que os actos do poder moderador podem e devem ser apreciados pela opinio e pelo parlamento. E nesta ocasio folgo de ter de meu lado a

    apenas surgindo na 3. ed. (cfr. EA DE QUEIROZ, O Crime do Padre Amaro (2. e 3. verses), edio de CARLOS REIS / MARIA DO ROSRIO CUNHA, pgs. pares 1018-1028).

    V. ROSANE GAZOLLA ALVES FEITOSA, Espao queiroziano: Lisboa, Cames e a Gerao de 70 in 150 anos com Ea de Queirs. III Encontro internacional de queirozianos. 1995, obra colectiva, org. de ELZA MIN / BENILDE JUSTO CANIATO, So Paulo, 1997, pgs. 693-695 (692-696). 51

    EA DE QUEIROZ, O crime..., Cap. III, pg. 46. 52

    EA DE QUEIROZ, Os Maias. Episdios da vida romntica, de acordo com a primeira edio (1888), fixao do texto e notas de HELENA CIDADE MOURA, Livros do Brasil, Lisboa, s.d.. 53

    Como refere JOO MEDINA, entre MELO GOUVEIA, TOMS RIBEIRO e PINHEIRO CHAGAS (estes dois ltimos regeneradores) pode ter Ea imaginado o seu ministro (progressista) Gouvarinho (JOO MEDINA, As Conferncias do Casino..., pg. 360).

    54 EA DE QUEIROZ, Carta VIII. Ao Sr. E. Mollinet. Director da Revista de

    Biografia e de Histria, in IDEM, A correspondncia de Fradique Mendes, de acordo com a primeira edio (1900) e mais uma carta de acordo com o texto da Gazeta de Notcias, fixao do texto e notas de HELENA CIDADE MOURA, Livros do Brasil, Lisboa, s.d., pg. 168 (161-168).

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    autoridade de um dos vultos mais respeitveis, de um dos talentos mais profundos, de um dos caracteres mais srios deste pas; falo do ilustre deputado o sr. Mrtens Ferro. (Discurso pronunciado na Camara electiva pelo deputado por Lisboa Antonio Augusto Ferreira de Miranda. Em sesso de 4 de Setembro de 1871, Typographia de Castro Irmo, Lisboa, 1871 (quota da BUJP-II: MC-6328)).

    c) Adjectivaes similares, acopuladas a talento, foram utilizadas por EA DE QUEIROZ, num texto marcadamente criativo:

    Pacheco era entre ns superior e ilustre unicamente porque tinha um imenso talento. (EA DE QUEIROZ, Carta VIII. in IDEM, A correspondncia de Fradique Mendes, pg. 162). Constantemente ele atravessou a vida por sobre eminncias sociais (IDEM, ibidem):

    os amigos, os jornais, as reparties, os corpos colectivos, a massa compacta da Nao murmuravam em redor de Pacheco que imenso talento! (IDEM, ibidem). Em Pacheco pouco a pouco se concentrava a Nao. (IDEM, ibidem, pg. 166).

    Tal como MRTENS FERRO, transitando da Universidade para a poltica, Pacheco estava maduro para a representao nacional. (IDEM, ibidem, pg. 163);

    Vendo que inabalvel apoio a esse imenso talento dava s instituies que servia, todas o apeteceram. Pacheco comeou a ser um director universal de companhias e de bancos. (IDEM, ibidem, pg. 166). Pacheco tudo foi, tudo teve, neste Pas que, de longe e a seus ps, o contemplava, assombrado do seu imenso talento. (IDEM, ibidem, pg. 162); Foi tudo, teve tudo. (IDEM, ibidem, pg. 167). Cobiado pela Coroa, penetrou no Conselho de Estado. (tal como MRTENS FERRO, desde 1874) (IDEM, ibidem, pg. 166).

    deputado, director-geral, ministro, governador de bancos, conselheiro de Estado, par, presidente do Conselho (IDEM, ibidem, pg. 162). Em todas as instituies, reformas, fundaes, obras, encontrar o cunho de Pacheco. (IDEM, ibidem,, pg. 167). Portugal todo, moral e socialmente, est repleto de Pacheco. (IDEM, ibidem,, pg. 167).

    b) O topos do talento surgiria tambm noutras personagens: b1) O senhor conde de Ribamar, com pausa, em palavras que saam devagar,

    sobrecarregadas do peso das ideias (EA DE QUEIROZ, O Crime..., cap. XXV, pg. 498). b2) Conselheiro, (...) pela sua respeitabilidade, a sua posio, os seus vastos

    conhecimentos, um dos vultos deste pas. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 339).

    O prprio ACCIO utilizava a expresso: Ordinariamente acrescentava: E os seus valiosos trabalhos progridem? Ainda bem! Se vir o ministro, os meus

    respeitos a Sua Excelncia. Os meus respeitos a esse formoso talento! (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. II, pg. 37).

    b3) O CONDE DE GOUVARINHO refere: Ora neste Ministrio sobrava talento. Incontestavelmente havia l talentos pujantes... (EA DE QUEIROZ, Os Maias, Cap. XV, pgs. 547-548).

    O criticismo de EA revelado, na sequncia, pela voz de JOO DA EGA: Essa outra! Gritou Ega gritando os braos ao ar. extraordinrio! Neste

    abenoado pas todos os polticos tm imenso talento. A oposio confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injrias, tm, parte os disparates que fazem, um talento de primeira ordem! Por outro lado a maioria admite que a oposio, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, est cheia de robustssimos talentos! De resto todo o mundo concorda que o pas uma choldra. E resulta portanto este facto supracmico: um pas governando com imenso talento, que de todos na Europa, segundo o consenso unnime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis! (IDEM, ibidem, pg. 548).

    Um poltico chama a ateno para algo, com o seu discurso. Assim o faz PACHECO:

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    E quando emergia da sua concentrao, espetando o dedo, era para lanar alguma ideia geral sobre a ordem, o progresso, o fomento, a economia. (EA DE QUEIROZ, A correspondncia de Fradique Mendes, VIII, pg. 164).

    Personagens tambm pertencentes ao grupo dos polticos, embora com similitudes mais longnquas, so: SOUSA NETO, dOs Maias; GAMA TORRES (v. EA DE QUEIROZ, O Conde dAbranhos..., pg. 56).

    Tambm h alguns ecos, embora as semelhanas sejam tambm bastante menores, em ALPIO SEVERO DE NORONHA ABRANHOS, dO Conde de Abranhos, que uma figura compsita (assim, MARIA FILOMENA MNICA, Ea de Queirs, 4. ed., pg. 165).

    Veja-se alguns dos temas: a) a origem acadmica de PACHECO: Este talento nasceu em

    Coimbra, numa aula de Direito Natural, na manh em que Pacheco, desdenhando a sebenta, assegurou que o sculo XIX era um sculo de progresso e de luz (EA DE QUEIROZ, A correspondncia de Fradique Mendes, VIII, pg. 162).

    b) assuntos polticos: v. g., contou o caso da Charles et Georges55. MRTENS FERRO deu uma consulta sobre o assunto ACCIO era representante do Constitucionalismo (EA DE QUEIROZ, O

    Primo Bazlio, Cap. XIV, pg. 425) e do formalismo oficial (EA DE QUEIROZ, Carta a TEFILO BRAGA, de 12 de Mar. de 1878, in IDEM, Correspondncia, pg. 52; A. CAMPOS MATOS, ACCIO, conselheiro, pg. 30).

    c) a afirmao de ser liberal (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 332)56.

    55 EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 300.

    56 Julio - Foi um grande erro abolir a escravatura!...

    - E o princpio da liberdade? - acudiu logo o Conselheiro. - E o Princpio da liberdade? Que os pretos eram grandes cozinheiros, concordo... Mas a liberdade um bem maior.

    Alargou-se ento em consideraes: fulminou os horrores do trfico, lanou suspeitas sobre a filantropia dos ingleses, foi severo com os plantadores da Nova Orleans (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 300). Sempre conheci naquela senhora [D. Felicidade] ideias retrgadas. o resultado das manobras jesuticas, meu amigo! E ajuntou com a melancolia do liberal descontente: A reaco levanta a cabea! (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XVI, pg. 444).

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    d) a defesa da Monarquia: () Meus amigos, famlia real! E ergueu o copo. famlia-modelo,

    que, sentada ao leme do Estado, dirige, cercada dos grandes vultos da nossa poltica, dirige... procurou o fecho; havia um silncio ansioso dirige... atravs das lunetas negras, os seus olhos cravaram-se, busca da inspirao, na travessa da aletria dirige... coou a calva, aflito; mas um sorriso clareou-lhe o aspecto, encontrava a frase; e estendendo o brao: dirige a barca da governao pblica com inveja das naes vizinhas! famlia real! (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pgs. 339-340).

    Recorde-se que MRTENS FERRO foi nomeado aio e preceptor dos prncipes D. CARLOS e D. AFONSO, em 1873 (com comentrio de RAMALHO ORTIGO nAs Farpas, vol. VIII).

    e) a religio catlica: ACCIO tinha duas imagens de santos pendentes cabeceira da cama (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 331). algumas litografias ou gravuras, alusivas ao mistrio da Paixo, tm o seu lugar num quarte de cama, e inspiram de certo sentimentos cristos. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 332).

    ACCIO aprovava () muito! a devoo de LUSA (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. VII, pgs. 237-238). A falta de religio era a causa de toda a imoralidade que grassava... (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. VII, pg. 238)

    ) Reconhecimento pblico e pelo poder poltico como ACCIO57, PACHECO condecorado58.

    So homens considerados vultos do Pas59

    2.4. Estas personagens caricaturavam os polticos (RIBAMAR era um estadista ilustre60, o homem de Estado61; ACCIO era representante do Constitucionalismo62); EA DE QUEIROZ fechava-se deveras no crculo social da elite lisboeta63-64-65.

    57 dir-lhes-ei, aqui em famlia, que o nosso ministro do Reino me deixou

    entrever, num futuro no remoto, a Comenda de SantIago! (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. IX, pg. 295).

    Adiante, num sbado, o Dirio do Governo publicou a nomeao do conselheiro Accio ao Grau de Cavaleiro da Ordem de SantIago, atendendo aos seus grandes merecimentos literrios, s obras publicadas, de reconhecida utilidade, e mais partes... (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 326). O Conselheiro referia: No o esperava to cedo da real munificncia! No o esperava to cedo! 58

    da a poucos dias () Pacheco recebeu a Gr-Cruz da Ordem de SantIago. (EA DE QUEIROZ, A correspondncia de Fradique Mendes, VIII, pg. 166). 59

    EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pg. 339. 60

    EA DE QUEIROZ, O Crime..., Cap. XXV, pg. 499. 61

    EA DE QUEIROZ, O Crime..., cap. XXV, pg. 500. 62

    EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XIV, pg. 425. 63

    Neste sentido, cfr. MARIA CARDOSO DE ALMEIDA, Os tipos sociais lisboetas..., pg. 4.

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    A realidade documental e documentada aludida compensava aquela que, s distncias em que vivia, dificilmente podia ser observada pelo romancista66, da se explicando, em certa medida, o carcter tipificado que as personagens em questo assumem, na sua comicidade67.

    Obedecendo ao realismo68, tendo inteno de pintar a sociedade portuguesa, tal qual a fez a Constitucionalismo desde 1830 e mostrar-lhe como num espelho, que triste pas eles formam eles e elas.69, a criao de EA foi construda tendo com um criticismo agudo, na maioria das vezes, uma hostilidade implcita (a que, porventura, no ser totalmente alheio o facto de EA ser parte interessada, como casinense atingido pela proibio da continuao das Conferncias)70.

    64 Apesar da riqueza dos tipos sociais de EA DE QUEIROZ (MARIA CARDOSO DE

    ALMEIDA, Os tipos sociais lisboetas..., pg. 3), a elite lisboeta foi denunciadamente privilegiada. Da gente portuguesa conheo apenas a alta burguesia de Lisboa., confessava EA DE QUEIROZ, em carta a OLIVEIRA MARTINS.

    Recorde-se que, j nAs Farpas, EA referia preliminarmente: Aqui estamos (...) diante de ti, mundo oficial, constitucional, burgus, doutrinrio e grave! (in O primitivo prlogo das Farpas..., Jun. de 1871, in IDEM, Uma campanha alegre..., I, pg. 14)).

    EA descrevia algo seu conhecido a sociedade lisboeta e, sobretudo, a alta burguesia e aristocracia (MARIA CARDOSO DE ALMEIDA, Os tipos sociais lisboetas..., pg. 5).

    65 Tal como MRTENS FERRO, tambm outras personagens de EA DE QUEIROZ

    (excepto GOUVARINHO) eram regeneradoras: i) O CONDE DE RIBAMAR, regenerador fiel desde cinquenta e um (EA DE

    QUEIROZ, O Crime..., cap. III, pg. 46), ii) ACCIO era tambm regenerador (sobre uma mesa, era eminente o busto em gesso

    de Rodrigo da Fonseca Magalhes, tendo no alto da cabea uma coroa de perptuas que ao mesmo tempo o glorificava e o chorava. (EA DE QUEIROZ, O Primo Bazlio, Cap. XI, pgs. 327-328)).

    Algo similarmente a MRTENS FERRO, na 2. ed. dO Crime do Padre Amaro, no Cap. III, EA escreve que RIBAMAR no tinha aceitado, na ltima organizao, o Ministrio do Reino, mas a sua autoridade poltica dominava. (in O Crime do Padre Amaro (2. e 3. verses), edio de CARLOS REIS / MARIA DO ROSRIO CUNHA, pg. 160). RIBAMAR tinha sido duas vezes ministro do reino EA DE QUEIROZ, O Crime..., Cap. III, pg. 46).

    PACHECO havia dirigido o Ministrio do Reino (EA DE QUEIROZ, Carta VIII. in IDEM, A correspondncia de Fradique Mendes, pg. 165).

    66 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 413.

    67 JOS-AUGUSTO FRANA, Mrtens Ferro, pg. 413.

    68 o meu fim nas Cenas da vida portuguesa. necessrio acutilar o mundo oficial, a

    mundo sentimental, o mundo literrio, o mundo agrcola, o mundo supersticioso e com todo o respeito pelas instituies que so de origem eterna, destruir as falsas interpretaes e falsas realizaes, que lhe d uma sociedade podre. (EA DE QUEIROZ, Carta a TEFILO BRAGA, de 12 de Maro de 1878, in IDEM, Correspondncia, pg. 52).). 69

    EA DE QUEIROZ, Carta a TEFILO BRAGA, de 12 de Maro de 1878, in IDEM, Correspondncia, pg. 52 (nfase nosso).

    70 Aludindo-se s personagens dO Primo Bazlio, EA DE QUEIROZ referia,

    nomeadamente em relao a ACCIO: Um grupo social, em Lisboa, compe-se, com pequenas modificaes, destes elementos dominantes. (...) Eu conheo vinte grupos assim formados. (in Carta a TEFILO BRAGA, de 12 de Maro de 1878, in IDEM, Correspondncia, pg. 52).

    Uma sociedade sobre estas falsas bases, no est na verdade: atac-las um dever. (IDEM, ibidem). (...) os Accios, os Ernestos, os Saavedras, os Bazlios so formidveis

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    Todavia, ressalve-se, que as personagens de EA, ainda que com algumas semelhanas evidentes, no deixam de ser figuras compsitas; ou seja, juntamente com alguns traos de uma ou, na maioria das vezes, de vrias figuras reais, adicionam-se traos que so o produto da fantasia do romancista71. Ademais, as personagens queirozianas devem ser encaradas no plano literrio72.

    empecilhos; so uma bem bonita causa de anarquia na meia da transformao moderna; merecem (...) uma bengalada de um homem de bem. (IDEM, ibidem).

    71 JOS CALVET DE MAGALHES, Ea de Queiroz. A vida privada, pg. 127.

    72 JOS CALVET DE MAGALHES, Ea de Queiroz. A vida privada, pg. 127.