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José Luís Fiori / / HISTORIA, ESTRATEGIA E DESENVOLVIMENTO para uma geopolítica do capitalismo

Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

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Page 1: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

JoséLuís Fiori

/ /

HISTORIA, ESTRATEGIA EDESENVOLVIMENTO

para uma geopolíticado capitalismo

Page 2: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

Copyright desta edição © Boitempo Editorial, 2014Copyright © José Luís Fiori, 2014

Direção editorial Ivana Jinkings

Edição Isabella Marcatti

Coordenaçãodeprodução Livia Campos

Assistência editorial Thaisa Burani

Preparação Luciana Lima

Revisão Daniela Uemura

Diagramação Antonio Kehl

Capa Antonio Kehl

sobre"Thc ChessPlayers",1876,ThomasEakins,

óleo sobretela.Metropolitan Museum of Art, Nova lorque

Equipe da Boitempo Editorial Ana Yumi Kajiki, Artur Renzo, Bibiana Leme,

Elaine Ramos, Fernanda Fantinel,

Francisco dos Santos, Kim Doria,

Marlene Baptista, Maurício dos Santos,

Nanda Coelho e Renato Soares

CIP-BRASIL. CATALOGAÇAO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

F552hFiori, JoséLuís

História, estratégiae desenvolvimento: para uma geopolítica docapitalismo / JoséLuís Fiori. - 1. ed. - SãoPaulo: Boitempo, 2014.

ISBN 978-85-7559-404-9

1. Geopolítica. 2. Geografia econômica. 3. Desenvolvimentoeconômico. 4. Capitalismo. 1.Título.

14-17191 CDD: 327CDU: 327

É vedada a reprodução de qualquer

parte deste livro sem a expressa autorizaçâo da editora.

Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009.

P edição: novembro de 2014

BOITEMPO EDITORIAL

Jinkings Editores Associados Ltda.

Rua Pereira Leite, 37305442-000 âo Paulo P

Tel. 1 r:lX: (I I) 387 -72 O I. 875-728')editor f()hoil '111]10.diiorial. .om.hr 1 www.1 oi: '111pocd i IOI'i:d , .orn.hr

www.hlo] d,lholit'l11po.(,olll,hr 1 www.Iu 'hoolulllll/hoi!t'I11j11l

www,lwltll·UOlll!t·dliol.lhollt·llljlll 1 www, 111111t1ll',llllll/lltljlll'll\llholtl'IlIIHI

Em memória de

Geraldine Malengreau Fiori

Page 3: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .....•..•.......•.............................................................................. 13

PREFÁCIO - CONJETURAS E HISTÓRIA 15

HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 51

1.1.A teoriaclássicado desenvolvimento 53

1.2. No princípio eraPortugaL 56

1.3. Castelae seu"império mercantilisra' 59

1.4. França:soberaniae "capitalismode Estado" 62

1.5.A revoluçãoeconômicaholandesa 65

1.6. O desenvolvimentoinglês 68

1.7. O capitalismoamericano 71

1.8. O capitalismofeliz 74

1.9. Nacionalismo e desenvolvimentoeconômico (1) 77

1.10. Nacionalismo e desenvolvimentoeconômico (lI) 80

1.11. Os milagreseconômicosda Guerra Fria 83

1.12. O desenvolvimentismoasiático 86\

1.13. Sobreo desenvolvimentochinês(I) 89

1.14. Sobreo desenvolvimentochinês(lI) 92

1.15. Sobreo desenvolvimentochinês(III) 95

1.16. Sobreo desenvolvimentochinês(IV) 98

1.17. O protótipo argentino 101

1.18. O desenvolvimentismobrasileiro 104

1.19. Poder,geopolíticae desenvolvimento 107

ON,IUNTURA E CRISE 111

2.1. Poder lobal 113

2.2. O poder' a (111:1I1Çlltll~·rnn ionnl 116

Page 4: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

2.3. Crises e hecatombes 120

2.4. Reflexóes de outubro 123

2.5. Os economistas e a crise 126

2.6. Muito longe do equilíbrio 129

2.7. A senhora 1hatcher e o lorde Keynes: fatos e mitos 132

2.8. As ondas do poder e os ciclos da moeda 135

2.9. A política de desarmamento de Obama ·· 138

2.10. A geopolítica anglo-americana 141

2.11. Hegemonia e império 144

2.12. Recorrências e incertezas 147

2.13. Entre Berlim e o Vaticano 150

2.14. Os sinos estão dobrando ······ 153

2.15. O círculo quadrado da moeda europeia 156

2.16. O fantasma das rebeliões 159

2.17. História de um naufrágio (I) , 162

2.18. História de um naufrágio (11) 166

2.19. A ópera, a guerra e a ressurreição russa 170

2.20. Guerra e paz ·· 173

2.21. A Líbia, a Otan e o "Grande Oriente Médio" 176

2.22. A guerra do Afeganistão: um enigma 179

2.23. O xadrez chinês ·.· 182

2.24. A punição da África 185

2.25. Estados Unidos e Cuba 188

2.26. Monroe e Garrincha 191

2.27. Escopeta não é chocalho 194

2.28. Liturgia e estratégia 197

2.29. Caleidoscópio mundiaL ·.······· 200

GEOPOLÍTICA E ESTRATÉGIA•..................•....................................................... 203

3.1. Geopolítica e classessociais 205

3.2. Geopolítica e ética internacional.. · 208

3.3. O perigo das utopias 211

3.4. m ontin nt sem teoria 214

.>.'5.1 ·s~·nv()lvim~·l1lism()d·-squcrdn 217

3.6. Desenvolvimentismo e dependência 220

3.7. A miséria do novo desenvolvimentismo 223

3.8. A política externa conservadora 226

3.9. Uma política externa progressista 229

3.10. Uma revolução intelectual 232

3.11. América do Sul à beira do futuro 235

3.12. Brasil: geopolítica e desenvolvimento 238

3.13. Brasil e as potências emergentes 241

3.14. Um acordo e seisverdades 244

3.15. Brasil e seu mar interior. 247

3.16. Brasil e a África Negra 250

3.17. Brasil, Estados Unidos e o hemisfério ocidental (I) 253

3.18. Brasil, Estados Unidos e o hemisfério ocidental (11) 256

3.19. O cisma do Pacífico , 259

3.20. A miragem mexicana 262

3.21. Colômbia, Peru e Chile 265

3.22. A retórica da comparação 268

3.23. Brasil, Argentina e o Cone SuL 271

J> FÁCIO - PARA CALCULAR o FUTURO 275

S BRE o AUTOR 279

Page 5: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

JoséLuís Fiori, Opoder global e a nova geopolítica das nações.

SãoPaulo,Boitempo, 2007, p. 15-6.

Do nossoponto de vista, entretanto, não há como explicar ou deduzir

a necessidadeda acumulação do lucro e da riqueza a partir do

"mercado mundial" ou do 'Jogodas trocas". Mesmo que oshomens

tivessemuma propensão natural para trocar - comopensava Adam

Smith -, issonão implicaria necessariamenteque elestambém

tivessemuma propensão natural para acumular lucro, riqueza e

capital. Porque não existe nenhum 'Jator intrínseco" à troca e ao

mercado que explique a decisãode acumular e a universalização

dospróprios mercados.Pelo contrário, o comércio sempreexistiu

em todosostempos, mas, durante a maior parte da história, sua

tendência natural foi manter-se no nível das necessidadesimediatas

ou da "circulação simples" e sóseexpandir deforma muito lenta e

secular. Mesmo depois da "remonetizaçâo" da economia europeia (a

partir do séculoXlI), o comérciopermaneceu, por longosperíodos,

restrito a territórios pequenos e isolados. Ou seja, aforça expansiva

que acelerou o crescimento dos mercadoseproduziu asprimeiras

formas de acumulação capitalista nãopode ter vindo do 'Jogodas

trocas'; ou do próprio mercado, nem veio, nesseprimeiro momento,

do assalariamento daforça de trabalho. Veiodo mundo do poder e da

conquista, do impulso geradopela força da "acumulação dopoder':

Page 6: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

r

APRESE NTAÇAO

História, estratégia e desenvolvimento I inclui, além do prefácio e do posfácio,

71 artigos publicados nos últimos cinco anos". São textos jornalísticos, mas

repercutem minha pesquisa acadêmica, de mais longo prazo, sobre a história

do desenvolvimento capitalista, sobre a conjuntura internacional e sobre as

alternativas geopolíticas do desenvolvimento brasileiro. O prefácio do livro

apresenta o ponto de vista teórico da pesquisa e o fio condutor que explica a

escolha e a ordem de apresentação dos artigos. Para facilitar a leitura, elesforam

agrupados em três blocos temáticos: o primeiro, sobre a história e a geopolítica

do desenvolvimento capitalista; o segundo, sobre a conjuntura internacional e

a crise contemporânea; e o terceiro, sobre a situação geopolítica e as escolhas

estratégicas do Brasil na primeira metade do século XXI. Algumas inconsistên-

cias entre os artigos se explicam pelo próprio avanço autocrítico da pesquisa.

Ao concluir este livro, meu agradecimento e homenagem a Maria Conceição

Tavares e Carlos Lessa,que me introduziram no "debate do desenvolvimento", no

início da década de 1980.

JoséLuís Fiori

Mcu agradecirncnco a Maria Claudia Varer, que leu e discutiu minuciosamente cada um dos

textos d .stc livro.

I /I maioria dos :Irligos in luklos n SIC livro roi publicada no jornal VaLorEconômico e replicada

p 'Ios sil ·S bmsil 'iros (.('/,/1' /\IIft/1I1" • Outras P(/IIII/1"f1S. Vários deles apareceram também nos sites

I ri ()/ld" (UI'ugllld) SII//h/llh/l (I':,~jlilllllil),

Page 7: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

PrefácioCONJETURAS E HISTÓRIA

Nosso estudo do desenvolvimento latino-americano - e, em particular, do de-

senvolvimentismo brasileiro - começou na década de 1980 I e manteve uma

longa interlocução crítica com a literatura estruturalista, marxista e keynesíana",

as teorias da dependência" e a teoria do sistema-mundial moderno", antes de se

Paramais informaçõessobreo desenvolvimento latino-americano iniciado na décadade 1980,sob a ótica aqui abordada, consultar asseguintesfontes: JoséLuís Fiori, Por uma economia po-

lítica do tempo conjuntura! (Rio deJaneito, IEIIUFRJ, 1984), texto para discussãon. 44; idem,Conjuntura e ciclo na dinâmica de um estadoperifirico (Tesede Doutorado em Ciência Política,São Paulo, USp, 1984); idem, Instabilidade e crise do estado na industrialização brasileira (Tesede ProfessorTitular, Rio de Janeiro, UFRJ, 1988); idem, "Crise do estadobrasileiro", Revista

de Economia Política, SãoPaulo, v. 9, n. 33, 1989; Carlos LessaeJoséLuís Fiori, "E houve umapolítica econômicanacional-populista?",Ensaios FEE, PortoAlegre,ano 12,n. 1, 1991,p. 176-97;JoséLuís Fiori, "O nó cegodo desenvolvimentismobrasileiro", Novos Estudos Cebrap, SãoPaulo,

,n. 40, 1994; idem, "Sonhos prussianose crisesbrasileiras",Ensaios FEE, Porto Alegre, ano 11,n. 1, 1990, p. 41-61; idem, "De volta à questãoda riquezade algumasnações",em idem (org.),Estados e moedas no desenvolvimento das nações(Petrópolis,Vozes,1999); idem, ''A propósito deuma 'construçãointerrompida"', Economia e Sociedade (Campinas, Instituto de Economia/Uni-camp, 2000); idem, "O cosmopolitismo de cócoras",EstudosAvançados, SãoPaulo, Instituto deEstudosAvançados/USP,2000; idem, "Pour un diagnostique de Ia 'modernisation brésilienne"',Reouedu Tiers Monde, Paris,PressesUniversitaires de France,v. 42, n. 167,2001, P: 493-513.

Ver desdobramentosdo conceito em Anthony Brewer,Marxist TheoriesofImperialism: a Critical

urvey (Londres, Routledge and Kegan Paul, 1980); Paul A. Baran, lhe Political Economy of

Growth (Harmondsworrh, Penguin, 1973); Ricardo Bielschowsky,Cinquenta anos depensamento

da Cepal (Rio de Janeiro, Record/Cofecon/Cepal, 2000); Luiz G. de Meio Belluzzo e Renataoutinho, Desenvolvimento capitalista no Brasil (SãoPaulo, Brasiliense, 1982), v. 1 e 2; Jorge

Larrain, Theories of Deuelopment (Londres, Polity, 1989).

A ideia de dependência aqui referenciadaestá presente nas seguintes obras: André GunderFrank, "The Developrnenr of Underdevelopmeru", Monthly Review, v. 18, n. 4, 1966, p. 17-31;'I' tônio dos Santos, "El nuevo caracterde Ia dependencia", Cuadernos dei Centro de Estudios

Sorio-Econâmicos (Santiago,Universidad de Chile, 1968); Fernando Henrique Cardoso e EnzoPoleiro, Dependência e desenvolvimento na América Latina (Rio de Janeiro, Zahar, 1970); RuyMaur Marini, Dlaléctica de la Dependencia (Cidade do México, Era, 1973).

V'r mais inforrnnçôcs sobre 'SMI icorin 111 lrnrnanucl W,ll1erstein, lhe Modern World-System

(NOV:l Y01"I<, A ndcmlc PI't'~, 1'17 )1111'111, 'lh« ,'api/lllisI Wor/d-Ecollorl/y (Carnbridgc, ambridg

Page 8: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

16 • História,estratégiaedesenvolvimento

deslocar para o campo da economia política internacionaP e sepropor umi novo

programa de pesquisa, inspirado por uma tesee por uma pergunta do historiador

Fernand Braudel. A tese: na Europa, "a maturidade política precedeu a maturi-

dade econômica'", e a formação dos estados territoriais precedeu a formação das

economias nacionais? A pergunta: "quando, como e por que razões"essesestados

territoriais europeus adquiriram sua "força política e sua coerência econômica

inrema'". Essesdois fatores de inspiração foram os que mais contribuíram para

a expansão vitoriosa do sistema de poder europeu e sua conquista do mundo, e

também para a formação do próprio capitalismo.

Para responder à pergunta de Braudel, partimos de uma teoria do poder e da

acumulação do poder ede suasrelaçõescom o capital eaacumulação de capital para

reconstruir as relações originárias entre as lutas pelo poder e asguerras européias,

e o processo de formação das economias nacionais, dentro dos vários tabuleiros

geopolíticos que seconfiguraram na Europa apartir do "longo séculoXIII" (1150-

-1350)9.Vimos, então, como asguerras de conquista setransformaram num me-

canismo regular de cobrança de tributos e de estímulo ao aumento da produção e

da troca entre ossúditos, ou pagadoresde tributos. Vimos também como nasceram

as"moedas soberanas"!" e asprimeiras formas de acumulação financeira, por meio

da senhoriagem do câmbio entre asmoedas europeias e pelo manejo monopólico

das dívidas dos príncipes guerreiros. Em seguida, acompanhamos o processo de

centralização do poder e do capital que levou à formação dos primeiros Estados

UniversityPress,1979);GiovanniArrighi, The Long Twentieth Century: Money. Power and the

Origins or our Times (Londres,Verso,1994);GiovanniArrighi e BeverlyJ. Silver,Chaos and

Governance in the Modern World System (Minneapolis,UniversityofMinnesotaPress,1999).

5 Mais desdobramentosdessaideia podemserencontradosem RobertGilpin, The Political

Economy o/International Relations (Princeron,PrincetonUniversityPress,1987);BenjaminJerry Cohen, International Political Economy: an Intellectual History (Princeton,PrincetonUniversityPress,2008).

G TesepresenteemFernandBraudel,O tempo do mundo (SãoPaulo,Martins Fontes,1996),p.255.

7 Idem,A dinâmica do capitalismo (RiodeJaneiro,Rocco,1985),p. 82.

8 Idem,O tempo do mundo, cit., p.255.

') ExpressãoinrroduzidaporPerer pufford, apartirdaideiadeFernandBraudelsobreaexistênciaIcum"longoséculoXVf" emPctcr Spufford, Money {mel its Use ir! Medieual Europe ( arnbridgc,

:al11hriclp,'Univ'rsi!y Pr'ss,I ')/l,»),

111Nelih"111111.1\,() /,l'IIl'r,IW 1'111111 'Ir/li I' (I 1).\'»)(1~11lli ' [uncir«,/ ..cI11Ir, 11)11.\).

Conjeturasehistória' 17

territoriais e das primeiras economias nacionais, que se transformaram no em-

brião do "sistema interestatal capitalista"!', o qual se expandiu de forma contínua

nos séculos seguintes, até sua plena globalização no final do século XX. Depois

disso, voltamo-nos para o estudo do desenvolvimento das "grandes potências"12

que lideraram essesistema ao longo da história, para descobrir a importância do

expansionismo e do belicismo dessespaíses, por meio da explicação do sucesso

econômico que obtiveram. Por fim, debruçamo-nos sobre a situação específica

da América Latina, para estudar a forma como se reproduziram no continente

tendências gerais do sistema interestatal e da economia capitalista.

Este prefácio contém três tópicos que resumem o fio condutor dessapesquisa

e dos vários artigos deste livro, que foram escritos à medida do avanço da própria

pesquisa. O primeiro tópico sintetiza nossa visão teórica e histórica de longo

prazo do sistema interestatal capitalista; o segundo resume nossasconclusões com

respeito ao desenvolvimento das grandes potências; e, por fim, o terceiro sugere

algumas pistas para uma releitura do desenvolvimento econômico do Cone Sul do

continente sul-americano, em particular da Argentina e do Brasil.

I

s principais conceitos e hipóteses deste estudo foram discutidos em vários tra-

balhos anteriores", mas podem ser resumidos na forma estilizada de sete teses

teóricas e históricas: asteses1e 2 resumem nossavisão do poder e da acumulação

do poder e de sua relação com asguerras de conquista e com os tributos; as teses

II Meuconceitode"sistemainrerestaralcapitalista"édiferentedaquelede"sistemamundialmoder-no",delmmanuelWallersteineGiovanniArrighi, porquesublinhaa importânciapermanentee insuperáveldosEstadosnacionais,comseuscapitaisesuasmoedasespecíficas,parao desen-volvimentodo capitalismo,queédesigualehierárquico,masquenãoénemnuncaseráglobal,poisalimenta-sedaprópriaexistênciadasfronteirase dasmoedase capitaisqueseexpandem.orn seusEstadosnacionais,

I J PaulKennedy,Ascençãoequeda dasgrandespotências (RiodeJaneiro,Campus,1989);GeoffreyParker,SuccessisNever Final- Empire, ~r and Faith in Early Modern Europe (NovaYork,BasicBooks,2002).

II Mals detalhesemJoséLuísFiori, "Formação,expansãoe limitesdo poderglobal",emJoséLuísIQori( rg,),O poder americano (Pcrrópolis, Vozes,2004);idem,O poder global ea nova geopolítica

rlfIS nações (SãoPaulo,B ircrnpo,2007);idem,"O sistemaincerestatalcapitalistano iníciodoN .uloXXI", rnJoséI.lI(~IQOl'i,C:II'iO,~M d irosc Franklin errano(orgs.),O mito elo colapso

rI/I poder IIIIII'ril'llIIlI (Riodl' 1,1111'11u, Ih'l'orel, 008);id '111,"LJm universoCI11cxpans50",jor//fll de

Nr,lrll/JtI ti/I LJSP, 11, '). () (III,

Page 9: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

18 • História, estratégia e desenvolvimento

3 e 4 sintetizam nossa leitura histórica do sistema interestatal capitalista; as,teses

5 e 6 apresentam o ponto de partida do nosso estudo das grandes potências; e,

finalmente, a tese 7 resume nossa leitura da conjuntura contemporânea, e das

transformações mais recentes do sistema internacional:

Tese 1- Em termos estritamente lógicos, o poder é uma relaçãoque seconstitui e se

define, tautologicamente, pela disputa epela luta contínua pelo próprio poder. Em

qualquer nível de abstração eem qualquer tempo ou lugar, independentemente do

conteúdo concreto de cada relação de poder em particular. Portanto, por definição

e por dedução, o poder é:

• assimétrico: se todos tivessem o mesmo poder, não haveria disputa nem

haveria "relação de poder'l'",

• limitado: se o poder fosse absoluto, não haveria disputa, portanto o poder

não existiria, pura e simplesmente;

• relativo: o poder envolve uma hierarquia e um cabo de guerra permanente

entre algum vértice que tenha mais poder e outro que terá necessariamente me-

nos poder. Se um dessesvértices aumentar seusgraus de liberdade, algum outro

perderá poder, inevitavelmente, com relação ao que se expandiu;

• "heterostático'T': qualquer uma dessasvariaçõesde poder provoca sempre uma

reação mais ou menos imediata das partes desfavorecidas, visando a recompor e a

manter a mesma correlação de forças anterior àsituação prévia àmudança inicial":

14 Maquiavel captou essadimensão essencial do poder, de forma simples e direta, no momento em

que se consolidavam as repúblicas italianas e nasciam os primeiros Estados nacionais: "em todas

as cidades se encontram estas duas tendências diversas, e isso nasce do fato de que o povo não

deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo",

em Nicolau Maquiavel, O príncipe (São Paulo, Abril, 1983), P: 38. Ver ainda outra passagem:

"O objetivo do povo é mais honesto do que o dos poderosos; estesquerem oprimir, e aquele não

ser oprimido", em ibidem, p. 40.

15 Utilizo essaexpressão por analogia com o campo biológico em que foi utilizada pela primeira Ve:L-

por Klopf em 1982 -, para referir-se aos "organismos que procuram estímulos constantemente

pela fuga temporária do equilíbrio".

16 Essa tese foi exposta pela primeira vez por Tucídides em sua obra clássica sobre a Guerra do Pelo-

poneso: "Na minha opinião, as razôes pelas quais os atenienses e os peloponésios romperam sua

trégua d trinrn anos, on .luída por eles ap s a nprura de Eubcia, é que os atcnicnscs estavam se

turunndo multu pod 'l'()sO~,c bso 111lulC:IIV;' os ln 'cdcmÔnios, 'Ol11p.linclo os li I' 'COI'l' '1'~!lu rra",

'Iilllt! dl'" "h,II,./" rI/I (,'lIrntl rlrl/HII/,rlllrlll, 1IVIII 1(1\r,,,IILI, 1':dItOlI1.111 Uni!, li)!!7), p, 1'5,

Conjeturas e hisrória > 19

• triangular: toda relação de poder envolve pelo menos dois vértices internos

e um limite externo que pode ser representado na forma de um ponto ou de um

vértice externo, onde sedá a intersecção entre PI e P2, por exemplo. Nesse sen-

tido, pode-se dizer que o limite de toda e qualquer unidade de poder Pn, sempre

estabelecido por outra unidade de poder Pn-I, terá as mesmas características

de Pn, e, portanto, também terá seu limite traçado por mais uma unidade de

poder Pn-2, e assim infinitamente, com relação a Pn-3, Pn-4 etc.;

• fluxo: poder é ação e movimento, e só existe enquanto exercido de forma

contínua, Não há como conceber um poder estático nem como conceber logica-

mente a possibilidade de um poder desativado ou neutro'? Por isso, costuma-se

dizer que não existe vácuo de poder nessejogo sem fim;

• sistêmico: não é possível pensar uma unidade de poder sem supor logica-

mente a existência do conjunto de outras unidades de poder que se multiplicam

na forma de triângulos que supõem outros triângulos, e assim sucessivamente. E,

como não épossível imaginar algum poder fora dessesistema de poderes, também

se pode inferir que não existe nada anterior ou posterior ao próprio sistema, ou

seja, ao próprio poder;

• expansivo: seasrelaçõesde poder fossem binárias e fechadassobre si mesmas,

se transformariam num jogo de soma zero e tenderiam a desaparecer de forma

autofágica. Isso só não acontece porque o poder é triangular e sistêmico, e todas as

uas unidades podem seexpandir para fora de si mesmas, pela conquista do poder

ou de alguma parcela do poder das demais unidades do sistema. Cada unidade de

poder (PI, P2, P3 etc.) exerce uma pressão competitiva sobre si mesma, e todas

essasunidades exercem a mesma pressãoumas em relação àsoutras. Como conse-

quência, o sistema, como um todo, também se expande de forma contínua. Mais

do que isso, precisa seexpandir infinitamente - casocontrário se fecharia sobre si

mesmo e entraria em estado de entropia, ou em rota de extinçâo;

• indissolúvel: uma relação de poder só desaparecequando é conquistada inte-

ralmente ou ésubmetida à outra unidade de poder. Assim, por mais que recuemos

11 "tempo lógico", sempre nos depararemos com novas unidades de poder que

11 N 'S5' P lHO,1 hornas l lobbcs rcircrn uma velha tesedo próprio Maquiavel, ao dizer que "os que se

OI1I(;l1lar'l11 111s '11111nl'r trnnquilnrn me dentro de modestos limites e não aumentarem seu poder

por rn 'io d invnx es ser, o in(.lpl1/('~ d ~lIbsistiI' pOl' muito t .rnpo, por se limitar rn ap 'nas a uma

,11111111 de 11 o(",\lt", 'I hUIII,I' Ilohh ", I ri/lI/Ir (5, o Paulo,Abril, 1?8, I ;olc~':i()Os Pel1s,dor s), p, 75.

Page 10: Fiori. História, estratégia e desenvolvimento Prefácio.pdf

20 • História, estratégia e desenvolvimento

foram conquistadas em algum momento, e assim retroativamente até o infinito.

Portanto, pode-se deduzir que o poder é a origem de si mesmo, e a conquista é

apenas a forma pela qual o poder se constitui, reproduz e expande'";

• dialético: seéverdade que o poder sedefine pelo seu fluxo, seuexercício e sua

expansão, então também pode-se concluir que o poder sedefine por sua negação e

superação- portanto, o poder é idêntico àsuaprópria acumulação, ou seja:P = + P;

• ético: trata-se de uma força e de uma energia que se expandem e que estão

obrigadas a se expandirem, movidas por um valor - a valorização do próprio po-

der. Toda e qualquer outra ética particular nasce desseimpulso, como resultado

ou como instrumento relacional dentro da luta entre os vértices que disputam e

impulsionam a acumulação endógena do poder.

Tese 2 - Na história humana, a sedentarização do poder e das relações de poder

entre os homens criou territórios e fronteiras mais estáveis que os das tribos ou

povos nômades. Nessescasosde sedentarização, apressãocompetitiva intrínseca ao

poder adquiriu maior organicidade e intensidade, uma vez que já não estavam mais

disponíveis asrotas de fuga do nomadismo. No novo contexto, multiplicaram-se as

rebeliões "internas", e a pressãoexterna da parte dos povos nômades e dos demais

poderes territoriais deu início a uma sucessãointerminável de guerras de defesadas

fronteiras e de conquista de novos territórios. Essaslutas criaram a necessidadede

recursos, regraseorganizações (ainda que precárias) destinadas agarantir adomina-

ção interna e asfronteiras externasdessesnovos agrupamentos humanos. E, o que é

mais importante, criaram a necessidadede um fluxo regular de recursosobtidos por

meio da pilhagem ou da tributação dos próprios súditos, ou das novas populações

conquistadas e submetidas. Os tributos nasceram junto com a sedentarização do

poder e se constituíram numa espécie de ato de poder inaugural, visto que, sem

a arrecadação dos tributos, os poderes territoriais não teriam como se sustentar,

reproduzir e expandir. A necessidade de se instituírem tributos e a obrigação de

pagá-los exerceram um impacto decisivo no aumento da produção e da produtivi-

dade dessesterritórios (em alguns mais do que em outros) e no desenvolvimento

de algumas inovações tecnológicas fundamentais para o aumento da produção de

IH Mais uma v '7., foi Maquinvcl quem C>lpÕSde forma mais simples c direta a idein desconforravel de

(J1U:no d 'seJodtO xmquistn é coisn v '1'(1:\ lciram 'IHe natural i ordinária, C os horn 'ns qu . p lernfil'l lo,~ 11\0 ~ 111JlI'~'IOllvlldos. \'1\. O ('\"I.~III'lld()N", -m lhklcrn, p, 11\,

Conjeturas e história • 21

alimentos e para o exercício da guerra. No entanto, o crescimento dos territórios

conquistados e da necessidadede atender aos compromissos de guerra contribuiu

decisivamente para o aparecimento dasprimeiras "moedas públicas", cunhadas pe-

los cobradores de impostos, senhoresda guerra ou imperadores e depois utilizadas

no "jogo das trocas" entre os produtores diretos, ou entre os mercadores. Surgem

também várias formas de dívidas e de empréstimos, e a usura - apesar de malvista

em quase todos os lugares - ocupa um lugar muito importante no funcionamento

mercantil dessassociedades. Dessa forma, as guerras acabaram se transformando

numa espéciede "primeiro motor", e num instrumento de poder decisivo para a

multiplicação das terras e dos homens capazesde criar os novos recursos que viriam

a financiar as novas guerras, feitas com o objetivo de gerar mais recursos, e assim

sucessivamente, engendrando um mecanismo regular de articulação das guerras

com os tributos, com o aumento da produção, com aexpansão dos mercados e das

trocas e com a evolução de formas primitivas de moeda e de crédito. Nessesistema

de poderesterritoriais competitivos, "quem não subia caía"!",e todos tentavam imitar

asestruturas de policiamento interno e defesaexterna, de produção e de troca, que

fossem mais eficientes que asde seuscompetidores, sob pena de desaparecer como

unidade competitiva dentro do sistema. Nesse processo, quando as necessidades

riadas pelas guerras excediam a capacidade de tributação dos poderes territoriais

envolvidos, só havia como solução empreender novasguerras de conquista, e assim

ucessivamente, até o momento em que essepoder expansivo alcançasseum limite

Inrransponível=- físico, social ou financeiro - ou fossesuplantado e derrotado por

utro poder conquistador em ascensão,momento em que começava - invariavel-

mente - o seudeclínio como poder imperial, mesmo queessedeclínio pudessedurar

LI m longo período. Essemesmo processorepetiu-se emmuitos tempos elugares nos

quais haviam surgido "poderes territoriais" capazesdefixar eestabilizar suasrelações

d dominação, iniciando movimentos de conquista e expansão de suas fronteiras,

até se transformarem em grandes impérios". Foi assim,por exemplo, no caso dos

1'1 Norbert Elias referia-se a outro momento da história, mas sua observação pode ser aplicada a

qualquer sistema ele poderes competitivos, ao dizer que "a mera preservação da existência social

cxig , na livre competição, uma expansão constante. Quem não sobe cai. E a vitória significa, em

prim iro ILlg~r, seja csm LI 11;'0:l intcn ão, domínio sobre os rivais mais próximos e sua redução

no .srndo de 1'1cndêncin", '111Norb n Elias, O processocioilizador, cit., p. 134.

" 'Iumhém nesse ,';IM) No,'h ,,'I I':II",~ SI f,dill1do de OUII'O tempo hist ri o, mas sua observação

IIkllll~'11 lodo,~ I',~NI.'I~'nlll~dI' POdl'I'I'SI 'l'I'IIOI'iIl15 I1IUirO IIIIW du Idade Média .urop 'ia: "Numa

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22 • História, estratégiae desenvolvimento

Impérios Hitita, Assírio e Persa, na Mesopotâmia, como também em Roma, no ~

Egito e em todo o mundo sinocêntrico, da mesma forma que nos Impérios Asteca

e Inca, na América, e nos reinos de Zaria, Bagirmi ou N upe, na África2l•

Tese 3 - Na Europa, e somente na Europa, a competição entre os "poderes terri-

toriais", somada às suaspróprias lutas internas, produziu um efeito inteiramente

novo eoriginal, entre 1150 e 1650 d. c., aproximadamente. Essamudança ou salto

"qualitativo" não obedeceu a nenhum tipo de lei ou causaçãouniversal, nem seguiu

nenhuma direção necessária,e tudo indica que tenha sido obra do acasoou, talvez,

do que alguns chamam hoje de "bifurcação histórica". Mesmo assim, é possível

identificar algumas características específicas dos poderes territoriais europeus e

do impacto que suas lutas e guerras tiveram sobre a atividade econômica de seus

territórios". Depois do fim do Império Romano, e em particular após o fim do

império de Carlos Magno, o poder territorial europeu sefragmentou durante dois

a três séculos, ea atividade econômica seatrofiou, na maior parte da Europa, fican-

do reduzida a algumas comunidades locais de produção e de troca, quase sempre

em espécies,com exceção das repúblicas italianas" e de algumas poucas cidades

europeias que se mantiveram mais ativas e conectadas economicamente graças às

suas relações militares e àssuasconexões mercantis com os grandes impérios que

cercavam e dominavam o Mediterrâneo. Esseprocesso de desintegração interna

começou a ser revertido, a partir do século XII, por meio de um movimento lento,

mas contínuo, de recentralização do poder político e de reativação da atividade

econômica, induzido por uma sucessãode pequenas guerras localizadas que foram

se multiplicando e se ampliando progressivamente e que se somaram às grandes

sociedadeem queatuavamessaspressõescompetitivas,quemnãoganhava'mais'automaticamenteficavacom 'menos'. Neste particular, observamosmais uma vez a pressãoque sefaziasentir decima a baixo nessasociedade:lançavaos governantesterritoriais uns contra os outros e, dessamaneira,punha em movimento o mecanismodo monopólio", em ibidern, P: 93.

21 Stephen P.Reyna,WársWhitout End: lhe Political Economy o/a PrecolonialAfrican State (Londres,University PressofNew England, 1990).

22 Ver PeterSpufford, Power and Profit: lhe Merchant in Medieval Europe (Nova York, Thames&

Hudson, 2002); Ronald Findlay e Kevin O'Rourke, Power and Plenty; Trade, Wttr, and the World

Economy in theSecondMillennium (Princeton, Princeton University Press,2007).

2.1 Ver mais a I'C.pclro em Mauricio Metri, Poder, riqueza e moeda na Europa medieval: a preeminên-

rl« naual, mercmuil r monrtdria c/riserrnissimn Rtjlt1lllim de Vr'lfza nosséculosXIII e XV (Rio deJ 111 11'0, Ii< ;V, lO 11j),

Conjeturas e história • 23

guerras ou cruzadas de conquista ou reconquista dos territórios ocupados pelos

bárbaros, pelos heregese pelos povos islâmicos". Nesse sentido, é preciso destacar

a importância decisiva que teve, para a história europeia, o "cerco" e a "ameaça<'

ao seu território por parte do poder islâmico, que impôs sua presença vitoriosa

em torno do mar Mediterrâneo e na Península Ibérica durante cerca de mil anos,

entre os séculosVIII e XVIII, quando começa o declínio do Império Otornano".

Além disso, ao contrário de outros sistemas de poder similares, no casoda Europa

asguerras internas e externas fortaleceram alguns dos seuspoderes territoriais mais

do que outros, embora esseprocesso de hierarquização e centralização do poder

não tenha levado àcriação de um único império territorial capazde seimpor sobre

todo o território europeu", Desse modo, as guerras europeias se transformaram

numa atividade contínua e infinitamente elástica, ao lado dasrebeliões camponesas

e das guerras religiosas, que criaram em conjunto enorme pressão competitiva e

imensa energia explosiva dentro da Europa. Essaconflitualidade contínua criou a

necessidadecrescente de se obterem recursos materiais e humanos e aprofundou

.4 Ver mais desdobramentos sobre essestemas emWilliam H. McNeill, lhe Pursuit o/ Power(Chicago, lhe University of Chicago Press,1982); JanGlete, Wttr and the State in Early Modern

Europe (Londres, Roudedge, 2002); JeremyBlack, lhe Rise o/ the European Powers, 1679-1793

(Londres, Edward Arnold, 1990); CharlesTilly, Coerção, capital eEstadoseuropeus- 1990-1992(SãoPaulo,Edusp, 1992).

JI Braudel traçou essaverdadeiratrincheira que separavaasduascivilizações:"A cristandademedi-terrâneadispôs,portanto, contra o islã de uma sériede 'cortinas', de 'frentes' forrificadas, longaslinhas defensivaspor detrásdasquais, conscienteda suasuperioridadetécnica, sesentemelhorabrigada. Estaslinhas estendem-seda Hungria até as fronteiras mediterrâneas,numa série dezonasfortificadas que separamasduascivilizações".Fernand Braudel, O mediterrâneo e o mundomediterrâneo de Felipe II (Lisboa, Dom Quixote, 1995), v. 2, p. 209.

li, Foi Braudel também quem melhor descreveua naturezacrônica e elásticadestaguerra entre ascivilizaçõesislâmica e cristã durante o "longo séculoXVI": "Ao longo dos anos,um período deguerras'internas' sucedeum período de guerras'exteriores', numa ordem bastantenítida. Nãose trata de uma orquestra perfeita, nem de bailados marcadosno seupormenor. E, todavia, asucessãoé clara: sugereperspectivasno meio de uma história confusae que de repenteseescla-I'Cc. semque tenha havido artifício ou ilusão [...] segundo asépocas,os centros de gravidade. as linhas de ação do turco deslocam-seem correlação com as modalidades de uma guerra'mundial'. Tudo dependede uma história bélica que vai do estreito de Gibraltar ou dos canaisdo Holanda até a Síria ou o Turquesrão.E estahistória tem apenasum ritmo: suasmudançasN O ,I 'l'I'ic:l111CnCCas 1l1~S111as.12111 dado ponto, cristãose muçulmanos confrontam-se no Jihad• I1U ruzndn, ti 'pois viram as '081'08 uns aosoutros para seconcentrarem nos seusconflitos

1111 ruos", 111 lhld '111. p, ()()' 2011,

.• 11111111111\1 I WIIII'I'SI~'ltl, 'I/Ir Mntlrl'lI \%rltl '~:'y,r/l'm,di .• ':lI', 3.

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24 • ~istória, estratégia e desenvolvimento

~laços dessespoderes em conflito com seussistemasde tributação e produção der'

I(cedente,até o momento em que sua repetição permanente produziu um salto

\llalitativo, com o nascimento dos primeiros Estados e das primeiras economias

racionaiseuropeías", além do próprio sistema interestatal, onde se forjaram as

~sesdo capital e do capitalismo europeu'", Quando as necessidadescriadas pelas

rerras excederam a capacidadede tributação dos poderes envolvidos, os soberanos

íjldividaram-se com seuspróprios mercadores, e essasdívidas selaram uma relação

adavez mais necessáriae estrutural entre os senhores da guerra e os senhores do

Jnheiro que tinham obtido o poder monopólico de senhoriagem dasmoedas e dos

titulosda dívida dos mesmos soberanos a quem haviam emprestado seu dinheiro.

roinessesmercados de moedas e de títulos que secriaram asoportunidades para a

iJrmaçãoeaacumulação privada de algumasformas primitivas de riqueza financeira,

fílscidasà sombra dos poderes e dos Estados vitoriosos. Os traços distintivos desse

iOvo sistema interestatal foram construídos lentamente - entre 1150 e 1650 -, mas

[Cssepercurso a energia acumulada pelas guerras e rebeliões sucessivasprovocou

il,Lasgrandes explosões expansivas dentro dessesistema de poderes europeus: a

Irimeira, durante o "longo século XlII", entre 1150 e 1350-1400; e a segunda,

itlrante o "longo século XVI", entre 1450 e 1650. Por essecaminho, e por suces-

(vasguerras e explosões expansivas, o velho mecanismo de relógio que marcava

Iritmo das relações de todos os grandes poderes territoriais com suas próprias

íÍvidadeseconômicas setransformou numa nova máquina poderosa de produção

.de acumulação de poder e de riqueza: os Estados-economias nacionais. Cada

iJll deles, com seus territórios e seus tributos, com seus camponeses e cidadãos,

@ffi seus exércitos e suas burocracias, com suas moedas e seus títulos da dívida

lública, com seussistemas de bancos e de crédito e com seu sentimento coletivo

~identidade nacional'". Foi dentro dessesistema de Estados-economias nacionais

, Fernand Braudel, O tempodo mundo,cir., capo4.

, Utilizamos aqui a palavra "capital" para referência ao dinheiro que se multiplica segundo a fór-

mula D-D', por meio dos empréstimos a juros feitos aos soberanos ou de outras formas de uso

do poder - neste caso, portanto, sem a intermediação imediata da mercadoria. E utilizamos a

palavra "capitalismo" para referência ao momento da história européia medieval em que a busca

do lucro se transforma num objetivo permanente ou numa cornpulsão quase mecânica, muito

anterior, portanto, formação do r gimc d 1 rodução npitalisra.

I , I" -ph 'n I~ R 'ynn . 1\, [O•• I owns (OI'f.\S,),Orllf/(y I Jr/lr/{)fi 11/1'/11.1': C'r/fillilll.rll/, SlllIrs (//Ir! ~~II' (Arns-Il'I'c/ ,'Ili rlOI'& JlI'IIIHI.~, ()()~),

Conjeturas e história • 25

que se forjou o regime de acumulação capitalista que se transformaria no grande

diferencial do poder europeu com relação ao resto do mundo. A alta frequência de

guerras acabou de soldar em definitivo o circuito acumulativo e automático que

associavaos processosde acumulação do poder e do capital, ampliando-se, assim,

O espaço e o potencial da acumulação financeira do dinheiro pelo dinheiro, por

meio da criação dos sistemasnacionais de crédito e de bancos associadosàsmoedas

e aos títulos da dívida pública dos seuspróprios Estados nacionais. O movimen-

to de internacionalização dessesEstados e dos seus mercados e capitais seguiu a

trilha aberta pela expansão e consolidação dos seus grandes impérios marítimos

coloniais. Foram sempre essesEstados expansivos e ganhadores - o núcleo das

grandes potências - que lideraram o processo de acumulação de capital, a escala

mundial. Por isso, pode-se dizer que o impulso imperialista foi sempre uma força,

uma dimensão essenciale permanente do sistema interestatal europeu. Em suma,

O sistema interestatal capitalista, criado pelos europeus, não foi apenas o produto

Ia expansão dos mercados ou do capital; foi uma criação do poder expansivo de

alguns Estados europeus que conquistaram e colonizaram o mundo, durante os

.inco séculosem que lutaram, entre si, pela conquista emonopolização de posições

t poder e de acumulação de riqueza.

'1' se4 - Sem o impulso do poder, a economia de mercado tende a sedescentralizar

, fragmentar, e, no limite, a se demonetizar, como aconteceu na Europa entre os

" ulos IX e XlII e em vários outros impérios e civilizações nos quais asguerras e

onquistas dos poderes territoriais alargaram os horizontes e asdistâncias do seu

mércio - e também as fronteiras das suas economias-mundo. Algo semelhante

\ nteceu na Europa após o século XVII, com os novos Estados e as economias

1\[\ ionais que forjaram o capitalismo. Com a acumulação progressiva do capital, o

'li icalismo adquiriu complexidade e autonomia crescentes,mas, apesardisso, teve

mantida sua dependência - em última instância - com relação ao poder, mesmo

'I ós oncluída a "acumulação originária" sobre a qual fala Marx'". Uma depen-

\I "O,~ difer .ntcs momentos da acumulação primitiva repartem-se, agora, numa sequência mais

ou 111'110S ronológica, principalmente entre Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra.

Nn Illglnlcrra, 110~11l do século XVlI, essesmomentos foram combinados de modo sistêmico,

dundo orig '111no Si~I('llln colonlnl, no sisrcrnn da dívida pública, 30 moderno sistema tributário

, IlO slSlt'lllll jll"Ol 'l'iolllslil, 'lills 11IétOllos, 'UIlJO. por exemplo, () SiSl .mn .olonlul, bas .inm-sc,

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26 • História, estratégiae desenvolvimento

dência que seexplicita a cada nova crise da qual a economia capitalista é resgatada

ou à qual é relançada pelo poder dos Estados. Como no casoda economia de mer-

cado - e também no caso da economia capitalista -, a intervenção ativa do poder

impede que as criseseconômicas levem à estagnaçãodefinitiva ou ao colapso final

do sistema, previsto por vários economistas clássicos.Em analogia com o mundo

da física, pode-se dizer que o poder atua dentro do capitalismo como sefosseuma

energia escura que anula o efeito da gravidade entrópica das crises, relançando e

acelerando a acumulação capitalista a cadanova grande dificuldade enfrentada pelo

sistema. Como vimos, foi somente na Europa que aslutas pelo poder geraram essa

articulação virtuosa entre o mundo do poder eo mundo da economia, criando um

mecanismo conjunto - cada vez mais automático - de acumulação de poder e de

riqueza, no qual a expansão do poder induz ao aumento da produção e das trocas

que, por sua vez, estimulam e financiam a própria acumulação do poder. Uma

associaçãoque não se repetiu, naquele momento, em outros impérios e civiliza-

ções, e que acabou se transformando no motor e no segredo do milagre europeu

responsável pela internacionalização vitoriosa do seu sistema capitalista. Quando

se estabeleceessarelação vitoriosa, o poder e o capital adquirem uma capacidade

inusitada de captar, dissolver e transformar todas as coisas - simultaneamente -

em mercadorias e em instrumentos de poder, começando pela ciência moderna

que nasce junto com o sistema interestatal europeu e que, desde o início, opera

simultaneamente como produtora de armas e de mercadorias. No caminho de

expansão dessepoder europeu, a revolução financeira do século XVII e a Revolu-

ção Industrial do século XIX aumentaram asdistâncias e asassimetrias da Europa

com relação aos demais impérios e civilizações que se mantiveram prisioneiros

do jogo das trocas e da economia de mercado, como foi o caso destacadamente

do mundo islâmico e do mundo sinocêntrico. De todo modo, é importante su-

blinhar que a internacionalização do capitalismo europeu se deu pela progressiva

ampliação - competitiva e bélica - dos territórios econômicos supranacionais, dos

seusprimeiros Estados nacionais. Por isso, cada novo passoda internacionalização

capitalista significou o aumento do poder político e econômico dos Estados que

lograram expandir seu território econômico nacional antes que os demais. Foi a

em parte, na violência mais brutal. Todos el 'S, porém, lnnçnrnrn 111, o do pod 'r do Estado, dnviol n 'in ()I1C.nrrndn . ol'!\llnl'I,adn do ~()clt'dlld c', ('111 Knrl MllI'X, () 1'1I/111111: ('1'1111'1I rllI rrouomta

(1111111(,11, l.ivro I: () 11/'III'r,I,I'11 dr jil'fldl/(' IItlll 1'lllillltI(S o PlIlIlo, 1\01, 'IIIIHI, 01,1), p, 112.1,

Conjeturas e história • 27

xpansão dessesEstados-economias nacionais que deu origem aosgrandes impérios

uropeus de onde nasceriam, mais tarde, as duas centenas de Estados nacionais

soberanos que compõem atualmente o sistema interestatal capitalista.

Essatransição da condição de colônia, ou de parte de um território econômico

supranacional europeu, para o pleno exercício da condição de Estados nacionais

independentes não foi homogênea nem linear; dependeu dascaracterísticas especí-

11 asde cada colonização e, sobretudo, do desenvolvimento anterior à chegada ou

submissão aoseuropeus. Apesar dessasdiferenças, muitos dessesnovos Estados e

• nomias nacionais semantiveram dentro do território econômico supranacional

I,suasantigas metrópoles - mesmo após a independência -, quasesempre na con-

I1 ão de fornecedores de produtos primários ou de matérias-primas indispensáveis

Iiara aseconomias metropolitanas. Essaposição inicial, entretanto, nunca foi imu-

II vel nem determinou obrigatoriamente a trajetória do desenvolvimento econômico

I terior dos novos Estados. Por isso, não é possível enquadrar a complexidade

IloJ ítico-econômica dessenovo sistema ampliado de Estados eeconomias nacionais

li '(1 ro de esquemase conceitos bipolares esimplificados, como "centro-periferia",

"<1 senvolvido-subdesenvolvido", ou por conceitos extremamente imprecisos, como

li rniperiferia" ou "dependência", que significam muitas coisas ao mesmo tempo

t li conseguem identificar e distinguir as especiíicidades dessespaíses,uns com

I', I c o aos outros e com relação àssuasantigas metrópoles. O sistema interestatal

, 11 ltalista pode ter múltiplos centros econômicos e infinitas periferias e depen-

I I} ias, mas nenhuma delas determina necessariamente a trajetória seguida por

I I um dos Estados edas economias nacionais que foram seagregando ao núcleo

ItI I'{nal do sistema. "Dentro do sistema mundial formado por 'Estados-economias

I1I 11, is', aseconomias líderes são transnacionais e imperiais por definição, e sua

11 til, âo gera uma espéciede rastro que sealarga a partir de sua própria economia

11 I IOllal,"32. No entanto, existem vários tipos possíveis de lideranças econômicas

Illnhals Ou regionais que podem produzir essemesmo efeito rastro dentro de suas

II(I I, Iiderança, dando origem a vários centros e periferias com dinamismos e

II I tórius diferentes.

(;on()rme abordado anteriormente, a energia que move essesistema vem da

1111 I 11\ .ornp tiçâo .ntrc S .us Estadosesuaseconomias nacionais, pela conquista

111 I ,lIr~ 11111I'1, () /'1It!rl',v,!r,(Jl/1 r IIWlilillllllm flr/,f 1/I1({1r"" '!t" p, ~:~.If.

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28 • História, estratégiae desenvolvimento

de posições monopólicas escassase desiguais, por definição. Como no casodo po-

der, também no casodo desenvolvimento econômico ninguém ganharia se todos

ganhassem, e os que já ganharam lutam para manter e ampliar suasvantagens,

estreitando o caminho dos demais e reproduzindo as condições de desigualdade.

Assim, nenhum Estado ou economia nacional conseguirá jamais alcançar uma

posição de liderança dentro de algum dessessubsistemas econômicos sem dispor

de uma economia dinâmica e de um projeto político e econômico capaz de arti-

cular interessesde Estado com aqueles dos grandes capitais privados. Além disso,

nenhum capital privado individual jamais logrará seinternacionalizar sem o apoio

do seu Estado de origem. Ou seja, em todos os níveis e espaçosdo sistema, são

reproduzidas asmesmasregrase tendências do seunúcleo europeu originário, ainda

que seja de forma atenuada pelo tempo e pelas condições materiais, geopolíticas

e estratégicas de cada Estado. Em todo caso, porém, não há como uma economia

nacional se expandir simplesmente por meio do jogo das trocas, nem há como

uma economia capitalista se desenvolver de forma ampliada e acelerada sem que

ela esteja associadaa um Estado com projeto de acumulação do poder e de trans-

formação ou modificação da ordem internacional estabelecida.

Tese 5 - Até o fim do século XVIII, o sistema interestatal capitalista serestringia à

Europa e aos seusimpérios marítimos ou coloniais. Ele só se expande e muda sua

composição no séculoXIX, depois da independência dos Estadosamericanos,evolta

a alargar suasfronteiras depois da Segunda Guerra Mundial, com a incorporação

dos novos Estados independentes da África e da Ásia, globalizando-se definitiva-

mente, no início do século XXI, com a incorporação do antigo mundo soviético e

de todo o mundo sinocêntrico. O problema da ordenação dessesistema, por meio

da criação de um poder global, foi ficando cada vez mais complexo conforme se

expandia eaumentava o número de Estados soberanos.Algumas teorias internacio-

nais sustentam que essaordenação global do sistema é responsabilidade dasgrandes

potências, ou, ainda, de uma única potência "hegemônica". Alguns autoresinclusive

33 CharlcsPoor Klndlebcrgcr, The World in f)('f!I'I'SS/(!II, /929-/ .39(Berk .lcy, Uni v I'sily of .nlirorl1in

Pr ·SS, 1 7.); ic!'111, World ticouomtr IJrlll/f/l:Y, 15()() 10 1990 (Oxrl)l'd, OxrOl'd LJnlv 'l'slty PI'CSS,

11)1)1); Ro!lt'I'1 (:lIpll1, l\nlr til/ti (.~lllIlgl' 111 I IJ/M I/o/III!"I' ( :111111lI'ld f\l', (:lIllllll'ldp,l' lJnlv 'I'SiIY

Pn'~~,I \IHI),

Conjeturas ehistória • 29

falam da existência histórica de "ciclos hegemônicos"34 que teriam sido liderados

sucessivamente por Holanda, Inglaterra e Estados Unidos - no entanto, não há

evidências históricas de que a Holanda tenha tido ou exercido supremacia militar

dentro da Europa, muito menos que tenha tido ou exercido liderança hegemônica

mundial. Na verdade, a Holanda só se manteve como potência verdadeiramente

autônoma por poucas décadas, entre sua independência, em 1648, e sua fusão

político-econômica com a Inglaterra em 1689. Até mesmo a Inglaterra só con-

quistou sua condição definitiva de grande potência durante o século XVIII, após

.onquisrar Escócia e Irlanda, e após sucessivasguerras vitoriosas dentro e fora do

ntinente europeu. No mesmo século XVIII, a Dinastia Romanov - de Pedro, o

frande e de Catarina, a Grande - transformou a Rússia num império e num poder

1 .rritorial mais amplo que o da Inglaterra, enquanto a Dinastia Qing (1668-1911)

[uplicava o território da China, transformando-a num poder regional dentro da

ia muito superior ao poder da Inglaterra dentro da própria Europa. Ou seja, só

, poderia falar de liderança mundial hegemônica da Inglaterra na segunda metade

10 éculo XIX e durante curto período: após a vitória sobre a China, na Primeira

;uerra do Ópio, e o Tratado de Nanquim, de 1842; após a vitória sobre o Grande

M tim e a criação do Vice-Reino da Índia, em 1858; e após o enquadramento

10Japão, dentro de sua estratégia geopolítica asiática, entre a Restauração Meiji,

li 1866,e o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919. Não por coincidência,

" S ' r, i praticamente o mesmo período em que a libra chegou a ser a moeda de

1 ,'r ncia do sistema monetário e financeiro internacional, entre 1870e 1920.Por

11111,só depois da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos conquistaram sua

'HISi ao de liderança e exerceram sua supremacia econômica e militar dentro do

IIIUI1 I capitalista, mas não exerceram essamesma hegemonia dentro do mundo

uvl 'I i o ou em relação à China comunista. Somente após o fim da Guerra Fria

11 I':stndo Unidos alcançaram uma supremacia unipolar sobre o mundo que,

1111' 'tanto, durou apenas uma década. Nesse sentido, o que se pode afirmar com

I 11 1.01 a re peito do tema da hegemonia e da governança mundial é que até hoje

11 un P u e seusdescendentes norte-americanos exerceram um verdadeiro poder

1lIIIIIral s br o sistema interestatal capitalista, por terem criado e ainda contro-

1,1 ru () sofrwar d sistema. Além disso, deve-se reconhecer que as duas grandes

\ .!OVII 11111Ardi 111,'//11' 1,/llIg '1illl'lIllrtll <.'I'IIIIII:Y (l.oudr 's, Verso, I C)C)tj).

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30 • HistóÓa, estratégia e desenvolvimento

potêOciasanglo-saxônicas, junto com os demais povos de língua inglesa, exercem,

há cerca de trezentos anos, supremacia militar e hegemonia monetário-financeira

sobreamaior parte do sistemapolítico eeconômico mundial. Isso,no entanto, não

impediu nem impede que existam ao mesmo tempo vários outros polos ou centros

de poder ede liderança daacumulação capitalista dentro do sistema.Assim, mesmo

nos rtl0mentos da história em que houve um paísque exerceuforte liderança dentro

do grUPOdasgrandes potências, essahegemonia não estabilizou o sistema mundial

nem interrompeu a competição entre os seusEstados- e, o que é mais importante,

tampouco interrompeu a competição entre as grandes potências ou suspendeu o

expatlsionismo da potência hegemônica.

p~raentender essaaparentecontradição, épreciso voltar uma vez mais àsorigens

do sistemaeao momento em que suacompetição interna promove ahierarquização

inicí;l.l dos seusEstados. No topo dessahierarquia situaram-se - desde o início -

os Estados mais poderosos, que constituíram uma espécie de núcleo central ou

vanguarda do sistema. A relação entre essasgrandes potências foi sempre e a um

só tempo de complementariedade e competição, e foi dentro dessenúcleo que se

origi/laram todas asgrandesguerras europeiasemundiais desde 164835• Foram essas

potê/lcias ganhadoras que lideraram o movimento expansivo de todo o sistema,

inovmdo permanentemente e lutando entre si pelo controle de situações mono-

pólicas, sem poder parar de inovar e de se expandir para se manter à frente dos

demús, preservando suacondição de liderança. Seos líderes dessesistemaparassem

de inovar e de seexpandir, esseuniverso entraria em processo de entropia, porque

o próprio universo se estabiliza e ordena por meio de sua permanente expansão.

No entanto, essasgrandes potências se protegem coletivamente, impedindo o

sutgimento de novos Estados e economias líderes, pela monopolização das armas,

da JIloedae das finanças, da informação e da inovação tecnológica". Por isso, o

aparecimento de uma potência emergente é sempre um fator de desestabilização

e m~dança do sistema mundial, porque sua ascensãoameaça o monopólio das

potên.ciasestabelecidas. Na verdade, porém, os grandes desestabilizadores do

35 "O continente europeu como um todo começava a se tornar um sisrcrna interdcpendenre dep~íses,com um equilíbrio dinâmico próprio, no qual toda mudança de; poder cnv lvia direta

011indir carn nrc todas as unidades, rodos os países", '/11 Norbert 1\lia~, () prorrs o riutlizador,

di., p. 129.

1(, SUI.11l SII.lllf\l', Stutr, 11/111fllilrkr/I (I Olldl '~, 1'11\1'1, I')') ),

Conjeturas e história • 31

istema sãoos próprios Estados líderes ou hegemônicos, pois elesnão podem parar

de se expandir para manterem sua hegemonia - e, para se manterem à frente dos

demais, elesprecisam desafiar continuamente asregras e instituições estabelecidas

por elesmesmos que possam estar bloqueando sua imperiosa necessidadede inovar

de se expandir mais do que todos os demais. Por isso, pode-se afirmar que as

randes potências hegemônicas ordenam, de fato, o sistema internacional, mas o

fazem desordenando-o continuamente. E pode-se concluir categoricamente que

não há nem haverá jamais como estabelecere sustentar uma estabilidade hegemô-

nica duradoura, ou uma paz perpétua, dentro do sistema interestatal capitalista

Inventado pelos europeus.

'I' se 6 - O sistema interestatal acumula sua energia de forma contínua, na me-

d ida em que aumenta sua pressão competitiva interna. Em alguns momentos da

lI< história, no entanto, essesistema sofreu grandes explosões expansivas que

projetaram suaspotências mais competitivas para fora de si mesmas, e, ao mesmo

I -mpo, ampliaram as fronteiras globais do próprio sistema. A primeira vez que

~s ocorreu, como já vimos, foi no "longo século XIII", entre 1150 e 1350, e a

('gunda vez foi no "longo século XVI", entre 1450 e 1650. Houve, porém, uma

I I' ira grande explosão expansiva que ocorreu no "longo século XIX", entre 1790

I 191437• Nesse caso, o aumento da pressão competitiva foi provocado: pela luta

IIlI1 (nua entre França e Inglaterra dentro e fora da Europa; pelo surgimento e

11 lu in orporação dos novos Estados americanos; e pela pressão causada por três

uovu p tências emergentes - Estados Unidos, Alemanha eJapão - que cresceram

1Il\lit rapidamente e revolucionaram a economia capitalista e o "núcleo central"

I1I ,r. ndespotências. Por fim, neste início de século XXI estáem pleno curso uma

'1",11'\, rrande explosão expansiva do sistema mundial, que começou na década

IIa 1')70, Nesse caso, ° aumento da pressão dentro do sistema foi provocado pela

I 11'111' ia cxpansionista e imperial dos Estados Unidos que se radicalizou após

01 nos 1970; também foi provocado pelo próprio alargamento das fronteiras

.I" 1st'ma c pela multiplicação dos seus Estados nacionais, depois do fim da

1'1111 Ia ;u rra Mundial; e, finalmente, pelo crescimento vertiginoso do poder

ti" I 1\1 'Z<l do ~ cada asiáticos, em particular da China. Ao contrário do que

I 110 110" buwm, 11FM fim Il/Iprrlrl.1 (Rio dl' [anciro, Jln'l, ''[''rm, I 9H9).

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32 • História, estratégia e desenvolvimento

pensam muitos autores, a quarta explosão expansiva não aponta para o fim do

sistema capitalista nem do sistema interestatal", apesarde ser impossível prever os

seushorizontes futuros?", A única certeza é que o sistema deverá encontrar novos

espaçose territórios de expansão, assim como deverá derrubar novas fronteiras,

movido pela mesma energia fundamental empregada em suascompetições e em

suasguerras internas. A longo prazo, o processo de centralização global do poder

e de internacionalização da economia capitalista não elimina suasunidades com-

petitivas básicas,ou seja, seusEstados e suaseconomias nacionais. Pelo contrário,

a cada nova explosão expansiva, multiplicam-se os Estados e se fortalece ainda

mais o seu poder nacional, porque o sistema interestatal capitalista está em per-

manente processo de internacionalização - mas, ao mesmo tempo, também está

em permanente processo de fortalecimento dos seuspoderes territoriais e de suas

economias nacionais. Essesprocessossimultâneos são movidos pela mesma força

contraditória de sua luta comum pelo poder global. .

Tese 7 - Nossa análise da conjuntura internacional na segunda década do século

XXI reconhece que o sistema mundial está passando por uma grande transfor-

mação estrutural, mas não considera provável que o capitalismo ou mesmo os

Estados Unidos estejam vivendo uma crise terminal. O declínio relativo do poder

americano deve mudar a configuração geopolítica e econômica mundial, mas os

Estados Unidos devem seguir ocupando o lugar de pivô do sistema interestatal

nas próximas décadas.

38 Immanuel Wallerstein, Afier Liberalism (Nova York, The New Press, 1995); idem, lhe End of ibeWorld as w,; Know It (Londres, University ofMinnesota Press, 1999).

39 "Assim mesmo, nas próximas décadas, o 'núcleo duro' da geopolítica mundial deverá incluir, ao

lado dos Estados Unidos e da China, a Rússia, graças às suas reservas energéticas, ao seu arsenal

atômico e ao tamanho do seu 'ressentimento nacional' ou territorial, como ensinou Hans Mor-

ghentau. Um núcleo composto, portanto, por três Estados continentais, que detê~ um quart~ da

superfície da Terra e mais de um terço da população mundial. Nessa nova geopolltlca das naçoes,

a União Europeia terá papel secundário como aliada dos Estados Unidos enquanto nã? dispuser

de um poder estatal unificado, com capacidade de iniciativa estratégica autônoma. India, Irã,

Brasil e África do Sul deverão aumentar seu poder regional, em escalas diferentes, mas não serão

poderes globais ainda por muito tempo. Haverá uma nova 'corrida impcriallsrn', que aumentaráo número dos conflitos localizados entre os principnis Estados ' "OI\(IIl1I:1Sdo SI$I'<':I1I:1.Mas'muito dirr'il de pl' 'V<':I'Oscumlnhos do (uturo <.k:poi.,d 'ss:! novu 'cru 11l1p<"I'I,,I151:,"',,'111[osé Lu(s

l'lorl, "() 81.'1\'11111i11Il·I'l'"1111111l'ilpl 111I1.'1I1110IIl(do do $(·"do XXI", di,

Conjeturas e história • 33

Do nossoponto de vista, os EstadosUnidos estão-experimentando e construindo

LI ma nova estratégiainternacional, mais arbitral e menos intervencionista, em todos

osgrandestabuleiros geopolíticos do sistemamundial. O objetivo éexercerpoder im-

perial pela promoção ativa dasdivisõesedos equilíbrios de poder regionais, segundoo

modelo clássicoda administração imperial da Grã-Bretanha durante o séculoXIX. Mas

Issonão impedirá a existênciae amultiplicação dos conflitos edasguerraslocalizadas,

porque asdemaispotências regionaiselou emergentesdeverãoseguir trabalhando para

• nstruir blocos e coalizõescapazesde resistir, equilibrar e algum dia superar o poder

10 al dos EstadosUnidos. Mas não há dúvida de que esseseráo jogo que estarásendo

jogado naspróximas décadas:de um lado, os EstadosUnidos sedistanciando e inter-

vindo apenasem última instância; do outro, asdemais potências regionais tentando

('S apar do cerco estado-unidense, por meio de coalizõesde poder que neutralizem o

dlvisionismo estimulado pelosEstadosUnidos. Esseé,em particular, o casoda China,

(lU já estáfazendo um movimento explícito emilitarizado de afirmação do seupoder

I disputa da supremacia no mar do sul do Pacífico eem todo o LesteAsiático, além

11, star tomando posiçõescadavez mais evidentes e expansivasna luta pelo controle

mperialísra da África. No entanto, o mesmo deve ser dito com relação à Rússia,na

1\11I' pa Central e em toda a Eurásia; com relaçãoàAlemanha, na Europa Ocidental

, também na Europa central; com relaçãoà Índia, no sul da Ásia; com relaçãoao Irã,

110 riente Médio; com relação ao Brasil, na América do Sul; e, em menor escala,

ium relaçãoàÁfrica do Sul e à Indonésia, em zonasimediatas de influência. De toda

111.1/1 ira, a própria expansão do poder americano seguefortalecendo a maior parte

,11, s, potências que deverão competir com os EstadosUnidos naspróximas décadas

I1 IIS hegemonias regionais do mundo.

N sanova configuração geopolítica, aUnião Europeia terá um papel secundário

111 .illança com os Estados Unidos enquanto não dispuser de um poder unificado,

I 11I1Iapacidadede iniciativa estratégicaautônoma. O aumento da fragilidade estru-

III1 li d projeto europeu começou com o fim da Guerra Fria e com a unificação da

,\I 11l1l11ha,junto com o crescimento descontrolado da União Europeia e da Otan,

'1111' passaramda condição de projetos defensivos à condição de instrumentos de

I 1111 [utsea territorial e de expansão da influência militar e econômica do Ocidente

1111 I, Sl • ElI ropcu e tam bérn na Ásia Central e no norte da África. O alargamento

111 10 Ias as dir ç s dn União I\uropeia c da tan aumentou as desigualdades

111 d,~. nndoll:tis • rcduzlu () uuu d homogen 'i bd ,id ruidadc solidari xíad

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34 • História, estratégiae desenvolvimento

que existia no início do processo de integração, quando este era tutelado pelos

Estados Unidos e havia um inimigo comum, a União Soviética. O processo de

unificação monetária e de criação do euro atropelou os fatos, esepassouaconstruir

uma moeda e um sistema monetário regional sem contar com uma autoridade

fiscal e um tesouro unificado, capazesde sustentar o valor da moeda, em todas as

circunstâncias e de forma igualitária, dentro e fora da Europa. Por isso, do ponto

de vista geopolítico e econômico, aUnião Europeia enfrenta hoje asconsequências

e os limites de um projeto coletivo e utópico que setransformou num instrumento

de afirmação da supremacia alemã, dentro da Europa. E não é possível ainda saber

até quando os demais paísesda comunidade aceitarão a hegemonia germânica, que

já foi rejeitada duas vezesnestesdois últimos séculos.

Do ponto de vista econômico e financeiro, asnovas regrase instituições criadas

a partir da crise dos anos 1970 permitem aos Estados Unidos definir de forma

exclusiva o valor da moeda internacional, que é o dólar, lastreado pelos títulos da

dívida pública do próprio poder emissorda moeda. Os Estados Unidos possuem um

sistema financeiro nacional desregulado e são a cabeça de uma máquina de cresci-

mento global que funciona em conjunto com a economia nacional chinesa. Dentro

dessesistema, extremamente complexo, toda crise financeira interna da economia

americana pode afetar aeconomia mundial pela corrente sanguíneado dólar flexível

e das finanças globalizadas. Todos os seusciclos internos de valorização de ativos -

em particular, imóveis, câmbio e bolsa de valores - se descolam com facilidade

dos circuitos produtivos e mercantis para os circuitos financeiros globais, apoiados

pelo peso da dívida pública e da política de juros do governo estado-unidense. POI'

essarazão, o fenômeno dasbolhas especulativasamericanas é, de fato, uma ameaça

permanente para a economia mundial. Não se trata, porém, apenasde capital f1l

tício; trata-se de um ciclo específico de valorização do capital que somente oco1"1'1'

dentro de um sistema monetário e financeiro desregulado e atrelado diretam 111I'

ao endividamento público do governo dos Estados Unidos. A crise econôrni ':1I'

financeira atual poderá ser mais ou menos extensa e profunda, mas não seráa "l'1~1'

terminal do poder norte-americano, muito menos do capitalismo. Por enquantu,

não é provável uma fuga do dólar, porque o euro, o yuan i n não têm f6kl'o"

financeiro internacional. Do ponto de vista estrutural. n int .rna íonaltzaçâo d,l

economia cstado-unid ns , asso iada ao r s irn 'lHO :1 -~'kl'ild()dn China, I rodll'l 11

um" mudança 'Sirull"':11no rUI1'ioll:lIn '1110Ia . .ouomlu 11\1111111.11°O!l\oSlll'glnH'llli'

Conjeturas e história • 35

de um novo centro nacional de acumulação de capital - a C~ina e seu entorno

asiático -, com um poder de gravitação igual ao dos Estados Unidos. Uma espécie

de bipolaridade diferente da bipolaridade geopolítica do século XX, pois naquele

C mpo não havia nenhuma complernentariedade econômica entre osEstadosUnidos

, a União Soviética, embora fossem asduas maiores economias do mundo.

Com relaçãoàschamadaspotências emergentes,é importante sublinhar algumas

IiFerençasfundamentais que distinguem China, Índia, Brasil eÁfrica do Sul como

nndidatos à condição de potências internacionais neste início do século XXI. De

partida, China, RússiaeÍndia sãopotências atômicas, ea China ea Rússiasãomem-

I 1'05do Conselho de Segurança dasNações Unidas. Muito antes disso, no entanto,

I ,hina foi uma potência milenar, e somente no período entre 1840e 1950de sua

I, 1\ a história deixou de exercersupremacia e hegemonia em todo o Leste Asiático.

, I ússia foi a segunda maior potência econômica e militar do mundo durante a

I l'tlll1dametade do séculoXX, e tudo indica que voltará adisputar suaantiga posição

11I1se ulo XXI. A Índia é uma potência militar com claras pretensões hegemônicas

111\III da Ásia. Três países,portanto, que têm história e situação de poder militar

li, ulutarnente assimétricas com relação ao Brasil e à África do Sul. Apesar disso,

111I~ I,ÁFricado Sul e Índia - e mesmo a China - ainda ocupam a mesma posição

I lli\(s ascendentes que sempre reivindicam mudanças nas regras de gestão do

I I, 111:\mundial e na sua distribuição hierárquica e desigual do poder e da riqueza.

1I 111(as im, o que sedeve prever para aspróximas décadasé um distanciamento

11"1'.' ~sivoda China com relação a essegrupo de países,visto que a China já será

1111111" nomia mundial- e já é o segundo maior orçamento militar do mundo.

'111I! 1.1Çãà Índia, os pontos de convergência serãocadavezmais tópicos, uma vez

11 111I 11- Áfi'ica do Sul não contam por enquanto com asferramentas de poder

1111111 I safios externos indispensáveis ao exercício da realpolitik. Ainda assim,

I I I I I o país que tem melhores condições de expandir sua presença e projetar

I 1\ 111111'0 -(r, a sua liderança e seu poder dentro da região em que está inserido.

1'11111I' I I ada do século XXI, o Brasil aumentou sua projeção internacional e

IlIdll 1111\;1posição ativa de afirmação de sua liderança e de seupoder na América

111 IIIl ,~('\I '1110rnoe tratégico, incluindo aÁfrica Negra e o Atlântico Sul. Em

I I\"I~II,~'r;l :I quinta maior potência econômica do mundo, e não há mais

li, I 111I 'S '1m -nro 'a alua 50 interna ional já colocaram o paísdentro do grupo

I i 01" das 'mnoll1j:l,~ na 'ionais 'lU o GI'/,\.:f1lpaI'! - do ai-idos ópio central

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36 • História, estratégia e desenvolvimento

do sistema interestatal capitalista, em que todos competem com todos e todas as

alianças são possíveis, dependendo apenasda capacidade de cada um de definir e

sustentar os próprios objetivos estratégicos de expansão internacional.

II

A partir dessavisão teórica e histórica das tendências de longo prazo do sistema

internacional e da leitura da sua conjuntura contemporânea, nossa pesquisa se

debruçou sobre o estudo comparado do desenvolvimento econômico de dezenove

paísesque ocuparam ou ainda ocupam posições de liderança política e econômica

dentro das respectivas regiõesou do sistema interestatal capitalista como um todo,

como é (ou foi) o casode: Portugal, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Rússia,

Alemanha, Estados Unidos, Japão e China; Coreia, Austrália, Canadá, Nova Ze-

lândia, Suécia, Dinamarca, Noruega, Argentina e Brasil". Essapesquisa histórica

40 Portugal: ver António H. R. de Oliveira Marques, History ofPortugal, v. 1 (Nova York, Columbia

University Press, 1972); Charles R. Boxer, O império marítimo português (São Paulo, Companhia

das Letras, 2002); Malyn Newitt, A History ofPortuguese OverseasExpansion: 1400-1668 (Nova

York, Taylor & Francis, 2005).

Espanha: ver Federico Chabod, Carlos V y su imperio (México, Fondo de Cultura Económica,

2003); TheNeto Modern Cambridge History: the Decline ofSpain and Thirty YearsWár 1609-1648/9,v. 5 (Cambridge, Cambridge University Press, 1970);Jaime Vicent Vives (org.), Historia deEspanay America, v. 5 (Vicens Bolsillo, Barcelona, 1974); Jan Glete, Wár and the Statye in Early ModernEurope: Spain, the Dutch Republic and Sweden as Fiscal-Military States - 1500-1660 (Londres,

Roudedge, 2002).

França: ver Louis Halphen, Charlemagne et L'Émpire Caroligien (Paris, Albín Michel, 1968);Robert Bartlett, TheMaking of Europe Conquest: Colonization and Cultural Change - 1950-1350(Nova [ersey, Princeton University Press, 1993); Stephen P.Reyna e R. E. Downs (orgs.), DeadlyDevelopments: Capitalism, States and Wár, cit.; Ronald Findlay e Kevin O'Rourke, Power andPlenty; Trade, Wár, and the World Economy in tbe SecondMillennium, cit., capo 5; Jeremy Black,

TheRiseof the European Powers: 1679-1793 (Londres, Edward Arnold, 1990); Norbert Elias, O

processocivilizado r, V. 2 (Rio de Janeiro, Zahar, 1976), capo2.

Holanda: ver Jonathan L Israel, The Dutch Republic, Its Rise, Greatness,and Fall: 1477-1805(Oxford, Clarendon Press, 1995); George Edmundson, Anglo-Dutch Rivalry During the FirstRalf of the Seventeenth Century (Oxford, Clarendon Press, 1911); J. P. Cooper (org.), The NewCambridge Modern History V. IV the Decline of Spain and the Thirty Yeal:rWár - 1609-1648/59

(Cambridge, Cambridge Universiry Press, 1970); Federico Chab d, Carlos Vy su imperio, cit.

Inglaterra: ver Ni olas anny (org.), 7he Oxford l listory o[l/;e British Hlllpirr. V. 1: 'lhe Origins ofh"lIIfiil'l' (Oxford, xrord Uni v .rsiry Prc:~s,1')<)/l); [ohn S, Bromlcy, 'IIIr NrIIl Ci/lIl!Jl"irlf!,r Ilis/ory,

v, (1; 'lhr Rtsr liI'(,'l't'IIllIrI/tlllIlIIlIl Nl/.l\ltI /(;811 I .''i « :lIlllhl'idl\('. (:.lllIhlldl\l· Uulvcrshy I r 'SS,

Conjeturas e história • 37

nos permitiu formular algumas generalizaçõesque podem servir de hipóteses para

estudos futuros sobre as condições geopolíticas do desenvolvimento econômico

dasgrandes potências capitalistas e de alguns paísesricos que não foram potências

militares, mas ocupam posições estratégicas importantes na luta entre as grandes

potências.

1. Nenhum casode desenvolvimento econômico nacional bem-sucedido con-

egueser entendido e explicado isoladamente ou a partir de fatores exclusivamente

ndógenos. Em todos os paísesestudados, o desenvolvimento econômico obede-

u a estratégias e seguiu caminhos que foram desenhados em resposta a grandes

d safios sistêmicos, de natureza geopolítica. Independentemente de quais fossem

n coalizões de interesse, de classeou de governo, em todos essespaísesem algum

momento formou-se um bloco de poder que respondeu da mesma forma a esses

l safiosexternos, por meio de estratégiasofensivas e de políticas de fortalecimento

1971); Peter George M. Dickson, The Financial Reuolution in England: a Study in the Deuelop-ment ofPublic Credit-1688-1756 (Londres, Gregg Revivals, 1993); PeterJ. Cain e Anthony G.

Hopkins, Britisb Imperialism: 1688-2000 (Londres, Longman, 2002); Niall Ferguson, Empire:Houi Britain Made the Modern World (Londres, Penguin, 2004).

Rússia: ver Alexander Gerschenkron, Economic Backwardness in Historical Perspective (Cam-bridge-MA, Harvard University Press, 1962); George B. Carson Jr., "The Srate and Economic

evelopment: Russia, 1890-1939", em Hugh G. J. Aítken (org.), TheState andEconomic Grounb(Nova York, Social Science Research Council, 1959); John S. Bromley, Tbe New CambridgeI listory, V. 6, cit.; Dominic Lieven, Empire: the Russian Empire and its Rivais (New Raven, Yale

niversity Press, 2000); Moshe Lewin, O século soviético (Rio de Janeiro, Record, 2007).

Alemanha: ver Antonio Ramos-Oliveira, Historia socialy política deAlemania (Cidade do México,

Pondo de Cultura Económica, 1964), 2 v.; Thorstein Veblen, Imperial Germany and the IndustrialNrllolution (Nova York, Economic Classics, 1964); Louis Leo Snyder, Roots ofGerman National-ltm (Londres, Indiana University Press, 1978); Alexander Gerschenkron, Bread and Democracy11/ ermany (Nova York, Howard Fertíg, 1966).

list. dos Unidos: ver George C. Herring, From Colony to Superpower: U S. Foreign Relations Since1116 (Nova York, Oxford University Press, 2008); Luiz Alberto Moniz Bandeira, Formação dol/IIpério Americano (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005); Richard Bensel, YankeeLeuia-tltan: the Origins of Central State Authority in America - 1859-1877 (Cambridge, Cambridge

lJl1lv rsiry Press, 1990); José Luís Fiori, "O poder-global do Estados Unidos: formação expansão

llmlics", em José Luís Fiori (org.), O poder americano, cit.; Chalmers Johnson, lhe Sorrows of/<'/11/111'0(Nova York, Metropolitan Books, 2004).

III\! o; v '1' Kyoko heridan, Gouerning theJapaneseEconomy (Cambridge, Poliry, 1993); Chalmers

lnlmson, M IT! IIl1d the [apnnese Mimcle: the Growth of Industrial Policy - 1925-1975 (Stanford,

1\111ord Univcrsity Press, 1982); id 'm,jllfillrl, Who Governs? TbeRise ofthe Deuelopmental State(Novn York, Nonon, 1<)()')): I\O\)l'I'1 Wndc, Gouerniug rhe Mllrkf't: Economir Tbeory and lhe Role1I/(,'llIlrl'lIIlIfII/ 111l:il.\ll1.,1t11l 1IJIIII,l/rlillhr.iI/IIJI( (Prln ·CI()n. Pl'jll "1011 niv I'SilY Prcss, 19(0),

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38 • História, estratégia e desenvolvimento

econômico sustentadas por longos períodos. No entanto, não se consegue iden-

tificar nenhuma coalizão específica de classescujos interesses apontem sempre e

necessariamente na direção de um projeto expansivo ou desenvolvimentista. Pelo

contrário, o que sepercebeéque distintas coalizõesde interessepodem dar respostas

e sustentar estratégiassemelhantes - expansionistas e desenvolvimentistas - frente

a configurações e desafios geopolíticos análogos.

2. Todos essespaísesvitoriosos se formaram e sedesenvolveram dentro de ta-

buleiros geopolíticos altamente competitivos, por isso compartilharam, ao longo

da história, de um sentimento constante de cerco e de ameaça externa, de invasão

ou de fragmentação de seus territórios por parte de outros paísesque foram ou

também se transformaram em grandes potências. Isso explica a centralidade da

preocupação que manifestam com relação à própria defesa, e também sua perma-

nente preparação para a guerra - uma guerra futura, virtual. Mais do que isso,

todos os paísesque se transformaram em grandes potências capitalistas passaram

por longos períodos de guerra ou por guerras extremamente destrutivas. No caso

China: ver Denis C. Twichett e John K. Fairbank, Cambridge History of China (Cambridge,

Cambridge University Press, 2008), v. 8, 9 e 10; Denis Lambert, Géopolitique de Ia Chine: du

bronze antique au plutonium (Paris, Elipses, 2009); Martin Jacques, When China Rules the World

(Nova York, Penguin, 2009).

Coreia: ver Alice H. Amsden, Asias Next Giant: South Korea and Late Industrialization (Nova

York, Oxford Universiry Press, 1989); World Bank, lhe EastAsian Miracle: Economic Growth and

Public Policy (Nova York, Oxford Universiry Press, 1993); [un-en Woo, Race to tbe Swift: State

and Finance in Korean Industrialization (Nova York, Columbia University Press, 1991).

Austrália, Canadá e Nova Zelândia: ver Hugh G. J. Aitken, "Defensive Expansionism: me State and

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Suécia, Dinamarca e Noruega: ver M. Roberts, "Sweden and the Baltic 1611-1654", em J. P.Cooper (org.), lhe New Cambridge Modern History, v. 6, cit.; Ragnhild M. Hatton, "Charles XlIand the Great Northern War", em John S. Bromley, lhe New Cambridge History, v. 6, cit.; Jan

Glete, W0r and the State in Early Modern Europe: Spain, the Dutch Republic and Sweden as Fiscal-

Military States-150Ó-1660 (Londres, Routledge, 2002); S. Kuhnle, "II modello scandinavo dell' era

dell'integrazione europea: spinte ai cambiamento interne ed esterne", em M. Ferrera, Stato socialee

mercato (Torino, Fondazione GiovanniAgnelli, 1993);A. Martin, "La dinâmica dei cambio en una

economia keynesiana: el caso sueco y sus implicaciones", em C. Crouch (org.), Estadoy economia

en el capitalismo contemporaneo (Madri, Minisrcrio dcl Tinbajo y S 'gmid:ltl 'oci:1l, I 79); ôran'I h rborn, "Swcdish So 'i:lll Cl11o'I':1'Y :1I1d t h .'1 innsírlon frorn Itldll$t "':11 to Postindust rinl Politics'',

\"111 i1l':1tl"~ Ilnx l'lvcn (IIIH,). I,I/blll' 111/1'//1',1'1/1 1101//1/1/11.1'11'11/1SIII'INlr,l' (l ,Ilndl'~s. JlolIl y. 1(91).

Conjeturas e hisrória > 39

I is paísesenvolvidos nessestabuleiros de alta competitividade ebelicosidade, qual- .,

(Iuer alteração no poder ou na riqueza de algum dos outros participantes sempre

pl'OVOCOU reaçõesem cadeia, do ponto de vista militar e econômico. Essaameaça

Illtura de guerra ocupou lugar central no desenho dos objetivos estratégicos de suas

I olícicas de desenvolvimento e de industrialização e, ainda mais, na lura constante

I .la liderança do processo de inovação tecnológica e pelo controle das tecnologias

ti ' ponta. No mundo dos "grandes ganhadores", quando existe incompatibilidade

1 nnporária entre a conquista de situações monopólicas e a obtenção de lucros

Ixrraordinários, ou quando estão em disputa recursos estratégicos, a prioridade

nnpre foi a conquista e a defesa das posições monopólicas".

. Mesmo no casodos pequenos paísesdesenvolvidos, que enriqueceram sem se

11\ 11 formar em grandes potências, épossível identificar a influência e a importância

111''ta ou indireta de suaposição geopolítica sobre seudesenvolvimento econômico,

I~mgeral, são paísescuja posição rerrirorial os colocava em algum ponto decisivo

Argentina: ver Mario Rapoport, História econámica,politica y socialde laArgentina: 1880-2003(Buenos

I\It·cs, Emecé, 2012); Tulio Halperin Donghi, Una nación para el desierto argentino (Buenos Aires,

Pl'ometeo, 2009); idem, Guerra y jinanzas en los orígenesdel Estado argentino: 1791-1850 (Buenos

1\1I' s, Prometeo, 2005); Roberto Cortés Conde, "The Export Economy of Argentina: 1880-1920",

'1)1 Roberto Cortés Conde e Shane]. Hunry (orgs.), lhe LatinAmerican Economies(Londres, Holmes

Meier, 1985); Arturo O'Connell, ''Argentina into Depression: Problems of an Open Economy",

'111 Rosemary Thorp (org.), An EconomicHistory ofTwentieth-Century LatinAmerica (Oxford, Palgrave,

2(00), v. 2; Leslie Bethell (org.), História da América Latina, v. 4: 1870 a 1930 (São Paulo, Edusp,1( 86); Andrés E. F. Haines, O peronismo: um finômeno argentino - uma interpretação da política

econômica argentina: 1946-1955 (Porto Alegre, UFRGS, 2007), tese de doutoramento.

1\I'asil: ver Luiz Alberto Moniz Bandeira, A expansãodo Brasil e a formação dos estadosna bacia do

flmta (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2012); idem, Brasil, Argentina eEstados Unidos: conflito

huegraçâo na América do Sul, da TripliceAliança ao Mercosul (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,

() 1O); Marco A. Pamplona e Maria Elísa Mâder (orgs.), Revoluçõesde independência e nacionalismos

1111 Américas: região do Prata e Chile (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2007); Caio Prado Jr., História

rranãmica do Brasil (São Paulo, Brasiliense, 1971); Celso Furtado, Formação econômica do Brasil

(1' ~9) (São Paulo, Companhia das Letras, 2006); Raymundo Faoro, Os donos do poder:formação

11/1fi ttronnio brasileiro (1958) (Porto Alegre/São Paulo, Globo/USP, 1975); Maria da Conceição

'I li Vil res, ido ecrise:o movimento recenteda industrialização brasileira (Campinas, Unicamp, 1998);

111 -m, Acumulaçâo de capital e industrialização no Brasil (Campinas, Unicamp, 1998); Luiz Gonzaga

d,· Mello Belluzzo e Renata Coutinho, Desenvolvimento capitalista no Brasil (São Paulo, Brasiliense,

I '>H2). v, I c 2; [oão Manuel ardoso de Mello, O capitalismo tardio (São Paulo, Brasiliense, 1984).

ti V l'I':dw:ml L, Mors ,JGI1lCS Ri hnrd, "lhe Battle for Energy Dorninance", ForeignAjJairs, Nova

()I·I<, mnr.-nbr. 2002; 1':rIlHIl i' 1clx .irn ' 1()I,!, 'S Pilho," poder do petróleo na geopolítica arnerica-

1111". em José l.u(s lilol'l (OI'g,). () porlrl' tl/1I/'1'ltIIIlO, it.: Igor rus , hilf'l';~"in r rl'lllçól'S internacionais(S li ]>nul", Snl'ItlVtl. l() 1.\),

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40 • História, estratégia e desenvolvimemo

da competição ou do enfrentamento das grandes potências, transformando-os em

protetorados militares ou econômicos de alguma das potências envolvidas no con-

flito. Essespaísespodem estar próximos ou distantes da potência protetora, mas

sempre estarãopróximos do território de seusconcorrentes ou adversárioseaceitam

subordinação à política de defesade suapotência protetora em troca do acessopri-

vilegiado a seusmercados e fluxos de crédito, financiamento e investimento direto.

4. Todos os países que se transformaram em grandes potências capitalistas

enfrentaram, no momento de sua arrancada, rebeliões sociais ou guerras civis que

estiveram associadasou foram provocadas, invariavelmente, pela invasão ou ameaça

de invasão externa. Essasrebeliões cumpriram papel decisivo na formação e na

consolidação da unidade territorial, nacional, religiosa ou civilizatória dessespaíses,

como seessasrebeliões ajudassemasuperar divisões sociaisinternas econtribuíssem

para forjar a energia expansiva responsávelpelo impulso desenvolvimentista interno

epela consequente projeção do poder internacional deles. Independentemente das

forças que tenham saído vitoriosas dessesconflitos internos, todas elassouberam

utilizar o conflito como fator de mobilização nacional e de legitimação de seus

projetos expansivos. Em todos os casosde sucessoeconômico também seidentifica

a existência de um núcleo estratégico unido e coesodentro do próprio Estado, que

foi o grande responsável pela definição esustentação dos objetivos estratégicos que

se mantêm constantes durante longo tempo, apesar das eventuais mudanças de

governo ou de regime político. Essesnúcleos, ou centros de poder, demonstram

sempre - em todos os casosestudados - grande flexibilidade e grande capacidade

de adaptação e mudança, sem alterar seusobjetivos, frente a eventuais alterações

na configuração do sistema de poder em que estão inseridos.

5. Todas asgrandespotências foram expansivase imperialistas desdeo momento

da consolidação de seus centros de poder internos e utilizaram suas economias

nacionais como instrumento de poder a serviço de suasestratégias imperialistas,

definindo as grandes metas de suaseconomias nacionais e de sua própria política

econômica a partir dessesobjetivos estratégicos situados no campo do poder. Por

isso, a luta dessasgrandes potências parece quase inseparável da luta pela expansão

contínua do seuterritório econômico supranacional epelo controle monopólico de

novos mercados, de bens, créditos ou investimentos. Nessa luta, todas as grandes

potências e grandes capitais privados d 'SI' spcirararn sisr mari am ntc as r gras

. institui,' )CS 'Ol11p 'lilivns ti' m 'r ':Ido, N .ssc ponto, pode S' dl'l, 'I" [uc 'xisl

Conjeturas e história • 41

uma "lei de ferro": a liderança do capitalismo sempre estevenas mãos dos capitais

privados e das economias nacionais que, apoiadas no poder internacional de seus

l~stados,conseguiram operar com sucessona contramão dasleis do mercado. Assim,

também se pode dizer que todas as potências vencedoras foram mercantilistas e

não seguiram os preceitos liberais durante o período de arrancada até o momento

im que já podiam ombrear com seus principais concorrentes da perspectiva de

Nualuta pelo poder e pela riqueza. Além disso, do ponto de vista estritamente

macroeconômico, também pode-se dizer que asgrandes potências desrespeitaram

I tematicamente os preceitos da ortodoxia econômica em nome de sua luta pela

onquista de mais poder, emesmo assimconseguem manter suacredibilidade fiscal

financeira, acumulando ainda mais poder.

6. As grandespotências vencedorassempre impuseram aspróprias moedas como

m edas de referência, tornando-as uma espéciede delimitação de seus territórios

nômicos supranacionais. Conforme as barreiras tarifárias tradicionais foram

indo abolidas, a moeda se transformou na grande fronteira que separa e hierar-

quiza os territórios econômicos das grandes potências. Na luta entre os Estados

I 1 economias nacionais, houve paísesque conseguiram impor a própria moeda

ti mtro de territórios regionais, mas apenas dois paíseslograram impor, até hoje,

lia moeda em escalainternacional: Inglaterra e Estados Unidos. Muitos paísesque

• propuseram a alcançar ou superar as potências anglo-saxônicas tiveram pleno

I1 so tecnológico e industrial, mas nenhum conseguiu desafiar ou substituir a

111 ) da e a centralidade do sistema financeiro das duas líderes do sistema interes-

I unl capitalista nos últimos duzentos anos. Quando existiu essapossibilidade de/

ont taçâo, foi também quando se viu bloqueado o caminho de ascensão da

pOL ncia emergente. Mesmo no caso da sucessão monetária anglo-saxônica, a

I Issa em da libra para o dólar foi precedida de uma longa luta estado-unidense

li nquista de território e imposição progressiva de sua moeda, começando pelo

(,lrH epela América Central. Foi somente após avitória dos Estados Unidos nas

dlllS randes guerras do século XX e após todos os Estados europeus, incluindo

I 111alarcrra, se endividarem com o governo norte-americano que o país logrou

rnpor S Ia moeda como referência internacional. Desse modo, no caso do dólar,

11 1110 já havia acontecido com a libra, a escolha da moeda internacional não foi

li 1.\m 'r ndos, I11:1S um subproduto da guerra e da vitória da superpotência, que

IlIlh' impor :\111 'S suu supnlOl"idad' políri a militar .

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42 • História, estratégia e desenvolvimento

7. As grandes potências sempre tiveram o poder de emitir dívida pública muito

superior ao dos demais Estados do sistema. Por isso os títulos da dívida pública das

grandes potências sempre tiveram maior credibilidade que os títulos dos Estados

situados nos degraus inferiores da hierarquia do poder e da riqueza internacional.

Marx" percebeu a importância decisiva da dívida pública para aacu~ulação privada

do capital, e vários historiadores" têm chamado a atenção para a importância do

endividamento dos Estados no seuprocessode "ernpoderarnento'Y. A dívida públi-

ca da Inglaterra, por exemplo, passou de 17 milhões de libras, em 1690, para 700

milhões de libras, em 1800, justamente no período em que o país se transformou

numa grande potência imperial e global. E o mesmo aconteceu com os Estados

Unidos" esuacapacidade de endividamento, que também aumentou com aexpan-

sãode seu poder global, dentro e fora da América". E, ainda agora, no século XXI,

42 "Como com um toque de varinha mágica, ela infunde força criadora no dinheiro improdutivo e o

transforma, assim, em capital, sem que, para isso, tenha necessidade de seexpor aosesforços e riscos

inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. Na realidade, os credores do Estado não dão

nada, pois a soma emprestada seconverte em títulos da dívida, facilmente transferíveis, que, em suas

mãos, continuam a funcionar como se fossem a mesma soma de dinheiro vivo. Porém, ainda sem

levarmos em conta a classede rentistas ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financistas

que desempenham o papel de intermediários entre o governo e a nação, e abstraindo também a

classe dos coletores de impostos, comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela

de cada empréstimo estatal serve como um capital caído do céu, a dívida pública impulsionou as

sociedades por ações, o comércio com papéis negociáveis de todo tipo, a agiotagem, numa palavra:

o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia", em Karl Marx, O capital, Livro T,cit., P: 824-5.

43 "Qualquer teoria sobre o significado econômico da dívida pública está obrigada a esclarecer por

que tanto no século XVIII quanto no século XIX a Grã-Bretanha foi capaz de superar concorrentes

superiores econômica e dernograficamente, por que conseguiu evitar crises políticas internas asso-

ciadas a uma dívida muito alta e, sobrerudo, por que emergiu como a 'primeira nação industrial',

apesar de sustentar uma dívida pública de tamanho e duração ímpar", em Niall Ferguson, A lógica

do dinheiro, riqueza epoder no mundo moderno: 1700-2000 (Rio de Janeiro, Record, 2007), p. 138.

44 Peter George Muir Díckson, lhe Financial Revolution in England (Londres, Gregg Revivals, 1993);idem, "War Finance, 1689-1714", em John S. Bromley, lhe New Cambridge History, v. 6, cito

45 "Assim, apesar das críticas ao déficit americano, este tornou-se, na prática, o único elemento de

estabilização do mercado monetário e de crédito internacional. O preço desta 'estabilidade' tem

sido a submissão dos demais países à diplomacia do dólar e o ajustamento progressivo de suas

políticas econômicas ao desiderarodo 'equilíbrio global do sisterna'", em Maria da Conceição

Tavares, "A retomada da hegemonia americana", em Maria da Conceição Tavares eJosé Luís Fiori

(orgs.), Poder e dinheiro: uma economia política da globaliZllftÍo (Perrópolis, Vozes, 1997).

46 "Durante as três primeiras décadas do é ulo XX, houve um granel Auxo d apirnl de ban os

privad s norcc-amcricanos para país 'S 01110 .anad:\, Auslr:\lia ca maioria das naç 'S da Europa

) 'id '111:\1,Jnp:to 'alglll1s pníscs mais ri o~ <1(( AI11 ri 'li 1.11111111.Ma, os pals'~ que 11:o .rurn

1I11"I'I1I'~ p:II':1 (l,~ hlll1'OS ti' II1Vt',\lll1lt'II\O dONI':\JA (1)1'1):11'11111Nr n,~hllllll'S .111'I lplomn 'in do

Conjeruras e história • 43

sã os títulos da dívida pública dos Estados Unidos que seguem lastreando seu

.rédito internacional e sustentando o atual sistema monetário internacional.

Paraconcluir essasgeneralizaçõeshistóricas, pode-se propor uma tipologia ideal

'xtrernamente simples e hipotética com relação aoscaminhos do desenvolvimento

nômico dos países,levando-se em conta sua posição geopolítica e hierárquica e

suaestratégia de acumulação de poder internacional, considerando que um mesmo

,ai pode ocupar distintas posições dentro dessatipologia em distintos momentos

" ua história e que todos os paísespodem sepropor a mudar sua posição relativa

I .ntro dessahierarquia, mesmo quando não seproponham aser economias plena-

III .nte industrializadas, Estados líderes, ou mesmo potências regionais ou globais:

i) Num primeiro grupo, situam-se os paísesque lideram a expansão do sistema

ntcrestatal edo capitalismo, em distintos níveis emomentos da história. SãoEstados

111 ionais que têm uma visão estratégicae instrumental de suaseconomias nacionais

t lutam permanentemente para expandir seusterritórios econômicos supranacionais.

I,'ss Estados e economias líderes mantêm entre si uma relação de competição e

disputa de poder permanente, e jamais abrem mão do controle dos processosde

uovaçâo tecnológica emilitar. Como resultado de suaposição, dispõem de melhores

,ondições de endividamento e maior grau de liberdade na escolha e na realização

I" suaspolíticas econômicas, podendo alterá-Iascom mais facilidade em função das

, li' unstâncias e na medida em que possam repassarpara terceiros os custos de seus

IJusce internos sem sofrer nenhum tipo de penalidade - visto que, afinal, são eles

tIl 'SITIOS que controlam a moeda e o crédito internacional.

j i) Num segundo grupo, situam-se ospaísesque sãoderrotados esubmetidos, ou

'111 • adotam livremente estratégiasde integração ou subordinação direta, com rela-

" I) l onomia e àspolíticas econômicas das"potências líderes?", transformando-se

111 pr tetorados econômicos ou militares dessaspotências. São paísesque obtêm

I 'S~ privilegiado aosmercados eaoscapitais de suaspotências protetoras em troca

Ih,sua ubrnissão à política externa eà política monetário-financeira delas. Essefoi

I ólnr', responsável pela criação de zonas de influência diretas da moeda e da dívida pública norte-

11111·,'i .nna. Nesse per urso, a expansão militar foi a força propulsora da expansão financeira, isto

, hl111.. rin . rnon 'L;iriJ", em Mir !li Malaguri Ferrari, A dívida pública como um dosfimdamentos

//11/1f/I/1'1'1/lI/{'ril'ttlo (Rio de janeiro, FRJ,201), tese de doutoramento, p. 135-6.

.lIrlo" A, M 'ti 'il'O~, lrnuklln S """1110,"Padr )CS 111(111"lÍrios inr rna ionais ' r s im 11l0", em

lu I I ,UIN 11101'i (01'1\')' FI/III/II,I r I/Wrdlll 11I1d~ mfl("fI"II~I//(1 tllI.IIIII(()f (Pt:lI'ópolis, VO'I. 'S, 1999),

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44 • História, estratégiae desenvolvimento

o caso, por exemplo, dos domínios ingleses, mas também dos paísesderrotados

na Segunda Guerra Mundial que depois foram transformados em protetorados

militares dos Estados Unidos, contando com asmesmas facilidades - ao menos por'

um tempo - de acessoao crédito e aosmercados de capitais dos antigos domínios

britânicos que também viraram protetorados estratégicos dos Estados Unidos após

a Segunda Guerra Mundial.

iii) Num terceiro grupo, situam-se os paísesque questionam a hierarquia in-

ternacional de poder e adotam estratégiaseconômicas direcionadas à mudança do

statusquo, procurando superar a lacuna tecnológica, industrial e financeira que os

separa das potências líderes do sistema. Em geral, adotam políticas econômicas

mercantilistas protecionistas com relaçãoà própria indústria eao mercado interno,

visando acelerar seu crescimento econômico. No entanto, o fundamental é que

seus objetivos de longo prazo não são definidos a partir da economia, nem são

submetidos aosditames da política econômica, uma vez que sãoprojetos nacionais

que podem ser bloqueados e podem não conseguir superar as barreiras à entrada

impostas pelas grandes potências, como foi o casoda Alemanha e da União Sovié-

tica" na Europa, do Japão na Ásia e da Argentina e do Brasil na América do Sul.

Também podem ter sucessoe dar origem a uma nova potência regional ou global,

como foi o caso dos Estados Unidos na primeira metade do século XX e parece

estar sendo o casoda China neste início de século XXI. Ainda assim, os paísesque

foram bloqueados ou destruídos tendem a voltar à disputa, mantendo os mesmos

objetivos, mas mudando suas estratégias, com vistas a enfrentar ou contornar o

bloqueio das grandes potências que controlam as barreiras à entrada ao núcleo

central do sistema. Esseé o caso, por exemplo, da Alemanha e da Rússia nestes

primeiros anos do século XXI.

iv) Por fim, num quarto grupo, incluem-se todos os demais paísessituados no

"andar de baixo", isto é, na periferia do sistema. SãoEstados que não têm condições

ou não se propõem a desafiar a ordem estabelecida e aceitam sua posição políti ;l

subalterna dentro do sistema internacional de poder, mantendo-se como eventuais

fornecedores de bens específicos - primários ou industriais - das economias qut

lideram o desenvolvimento capitalista mundial ou regional. São paí es com baixa

óH José Luís Piol'i," pod I' o dinh iro: urna hil ÓI'~' • vrirlns II~') 's", ·lll.10S l.uís Fior}, M:III.I

Skinn ',' ti' 1.0\11' -nço . José Curvnlho d Noron 1111, (;IIIIJIII/Jl:I/(' o: II/i/IIII' 1111I/111 (Rio ti . [unclm,1\11110,'1\ 1111l Jrr], I')()H).

Conjeturas e história • 45

ttpacidade de endividamento, fortes restnçoes externas e inteira submissão às

I olíticas econômicas definidas pelas potências dominantesv, mesmo sem gozar

dascondições favoráveis oferecidas aos protetorados.

Por fim, uma pergunta inevitável: o caminho dos "ganhadores" estáaberto para

to los os países?Sim, estáaberto, mas poucos serão os vencedores, porque a ener-

Ilu que move essesistema, conforme vimos, vem da luta contínua entre Estados,

l' nomias nacionais e capitais privados, pela conquista de posições monopólicas

'lu ão desiguais por definição. Ainda assim, todos os Estados podem se propor

I 111 dificar sua posição relativa dentro do sistema, ainda que não queiram neces-

trlamente ser uma potência regional ou internacional.

lU

I'I li' Ú Icimo, quando serelê ahistória da centralização do poder ecriação dos Estados

11 11 I nais da América do Sul - dessemesmo ponto de vista teórico - descobre-se

11111 \ urpreendente similitude com a Europa, que em geral não é destacada pelas

111 1'1'1' rações tradicionais do desenvolvimento sul-arnericano'", em especial na

1I 1'0 ' geopolítica do Cone Sul e na região geoeconômica da bacia do Prata, que

1111 ~lIjum dos territórios de mais alta produtividade do continente e inclui parte

I I' ssivade Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e também do sul e do sudeste

Illd 11.iros, onde se encontram os estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina,

1'11 111, parte de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, integrados pelos

I 11 Pill'uná e seusprincipais afluentes: Parnaíba, Rio Grande, Tietê e Paranapane-

1111 1 mtro desseterritório relativamente contínuo e homogêneo, as guerras de

111I" I ndência e asguerras civis que sesucederam e seprolongaram durante toda

I 111 111 ira metade do século XIX até o fim da Guerra do Paraguai, entre 1864 e

I1 iO'I, produziram efeitos análogosàquelesproduzidos pela Europa - uma história

111 Lu(s Fi ri, "Estados,moedase desenvolvimento", em idem (org.), Estados e moedasno de-',I/I,/I/'I/lIIm/o das fiações, cit.

, 11\ ',~111()Sj:i defendemosuma interpretaçãodiferente, em artigosanteriores,nosquaissugeri-11111 ,\ hipótese de qu teria sido apenasno séculoXX que a competiçãoentre seusEstadosterial"ildll'/ldo 'fI'i! )s sem .lharucs ao r sr do sistemainteresraralcapitalista.Ver, por exemplo,José1I1 Plml, "Brasil • Amérlcn do Sul: o dcs: 110da inserçãointerna ional soberana"(Brasília, Ipea/I 1'"1, ()I()),

I 11 Ih~'11i)MC1IlI~.I\Hlld • I I, I1 r.1111/1I'tllI tllI IImlll/' ,,/il/'llll/i't10 dos r.f/l/rlM 1/1/ 11111'1"do Prtllll, 11.

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~------------------_._-- -

46 • História, estratégia e desenvolvimento

que serepetiu dentro do Cone Sul, do outro lado da cordilheira dos Andes, onde

o Chile também possuía terras de alta produtividade e conquistou seu território

atual, por meio de sucessivasguerras vitoriosas contra o Peru e a Bolívia, ao norte,

e contra populações e territórios indígenas, ao sul, transformando-se num dos

Estados nacionais que mais cedo se centralizou e militarizou em toda a América

do Sul. Após esseperíodo de guerras e de definição de fronteiras e hierarquias,

Paraguai, Bolívia e Uruguai foram periferizados por Argentina, Brasil e Chile,

mas a competição geopolítica e militar entre essestrês paísesse prolongou até o

século XX. E foi nesseséculo de rivalidade, competição edisputas regionais dentro

desse tabuleiro geopolítico que a Argentin~ liderou o primeiro grande milagre

econômico da América do Sul, entre 1870 e 1940; logo em seguida, o Brasil

liderou o segundo grande milagre econômico do continente, entre 1937 e 1980,

completando 110 anos de alto crescimento econômico contínuo dentro da mesma

região geoeconômica, algo absolutamente inusitado na economia mundial. Esse

desenvolvimento contínuo, no entanto, não foi obra do acaso nem obedeceu a

nenhum tipo de determinismo, conforme se pode ver pelo estudo da história da

Argentina e do Brasil:

i) O arranco do milagre econômico argentino se deu logo após a Guerra do

Paraguai e a unificação do Estado argentino na década de 1860, que obedeceu a

uma estratégia geopolítica muito clara, ao ser traçada pela mesma elite civil, militar

e intelectual que governou aArgentina e comandou sua expansão territorial e eco-

nômica com o propósito explícito de superar o Brasil na disputa pela hegemonia do

Cone Sul52• Foi essacompetição estratégica que orientou as"Guerras do Deserto" e

a conquista do Pampa eda Patagônia pelos argentinos nasdécadasde 1870 e 1880-

conquista esta que abriu as portas para a velocíssima expansão da rede ferroviária

do país, o que permitiu a ocupação demográfica e o fortalecimento econômico

dos novos territórios, ocupados por imigrantes trazidos da Europa. A partir daí, o

Estado argentino se unificou definitivamente, suas Forças Armadas assumiram a

liderança militar da América do Sul e aArgentina impôs sua hegemonia dentro de

52 Os presidentes Barrolomeu Mitre, Domingos Sarmiento e Julio Roca foram lideranças políti as,intelectuais e militares centrais na formulação d ss projeto cxpansionisra c heg .rnônico daArgentina. lema do gen .ral Ro a no ornando li .rnl da " OI1t]\liSI:\ do dcscrt )" 'ra "extinguir,subm '1 'r 011disp "I'~:lI"",conslgnn vliorlosa qu o ol1du',iulI pl't'sidellll:l do p,tfs dllll\ V'" 'S, '1111'("1HHO ~. 1HH6 " 11H1i1,1,II'd ,t'IIIIÇ 1HI)!! t' II)() ,

Conjeturas e história > 47

lodo O território do antigo vice-reinado do Prata, o que permitiu que sua economia

-r scessede forma contínua durante meio século a uma taxa média anual de 6%.

N início do século XX, a Argentina havia se transformado no país mais rico do

'onrinente sul-americano e na sexta ou sétima economia do mundo. Entre 1870 e

1940 aArgentina foi aprincipal aliada da Inglaterra, ocupando lugar central dentro

I,estratégia geopolítica dessepaís na América do Sul, sem chegar, entretanto, a ser

um protetorado militar inglês. Além disso, o expansionismo argentino do século

rx foi financiado por sua economia exportadora e sua capacidade de endivida-

111'mo junto à banca inglesa, embora a Argentina nunca tenha sido um domínio

I1 lês, tampouco um país subdesenvolvido, e certamente não estaria condenado

.ondiçâo de periferia primário-exportadora se tivesse conseguido reajustar seu

projeto estratégico e econômico sob as condições geopolíticas criadas pelo fim

Ilil 'egunda Guerra Mundial, pelo declínio da Inglaterra e pela nova supremacia

mundial dos Estados Unidos. Nesse momento, o governo de juan Domingos

I' I' n propôs uma estratégia conservadora de realinhamento internacional e de-

uvolvimenro econômico nacionalista e popular, mas esseprojeto foi bloqueado

I' -los Estados Unidos, pelo Brasil e por parte significativa da elite e da sociedade

I1I mtina. O grande projeto estratégico da segunda metade do século XIX havia se

I I uado, aselites dirigentes haviam perdido suacoesãoeasociedade argentina não

IIIIlS guiu mais se unir em torno de uma estratégia nacional que tivesse a mesma

111\ ~ a unidade alcançada no século anterior.

Ii) omo sefosseuma sequênciaou consequênciaquasedireta dessadesaceleração

1\ I 'Illi na,o Brasil construiu seupróprio milagre econômico entre 1937 e 1980. E, por

II I Sucessoeconômico que obteve nesseperíodo, pode-se também identificar-

1111 Hrasll, como já havia acontecido na Argentina - a existência de um projeto e

rll lima tratégia que foram formulados nas primeiras décadasdo século XX pela

I I It ivil, militar e intelectual conservadora. Para os formuladores desseprojeto,

1\ Ilnsil foi superado pela Argentina após o fim da Guerra do Paraguai, vendo-se,

I '" ado pelos paísesde língua hispânica, então fortalecidos por sua aliança

I 1111111i a c 111 ili tar com a Inglaterra>, Essasideias e propostas foram elaboradas

I dl,'gn6sri o roi formulado por uma geração de diplomatas e intelecruais e por um grupoti [uv 'II~ militnr 'S que se rOl'lnal'll1l1 lia AI 'manha a partir de 1906 e trouxeram para o BrasilI ri Iil\ dn ('~ '01111-I,'oJ1ollli ,I 1I1t'1I1., da s 'gllntln m 'uld ' do sé iulo XIX, 'x rnplif adns p .lnxIi/III,I li 1k'l'll1 'S d,l PIIIIN' ,I, 1m M,ld.1 P,II';lI1l1os.C ',Mol1l '11'\1ç' ; '''1110Vai'! ,I~,no lndo dc

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48 • História, estratégia e desenvolvimento

e amadureci das durante as duas primeiras décadasdo século :XX, mas apenas fo-

ram colocadas em prática de forma sistemática e consistente a partir da década de

1930. Depois disso, durante meio século-entre 1937 e 1980-, o poder do Estado

brasileiro foi recentralizado e reaparelhado burocraticamente, suasForçasArmadas

foram reorganizadas e reequipadas e o Brasil acabou ultrapassando aArgentina do

ponto de vista econômico e militar, transformando-se na principal economia do

continente sul-americano. Nessescinquenta anos, a economia brasileira cresceu a

uma taxa média de 7%, e sua indústria, a uma taxa média de 9% ao ano. Ao final

da década de 1970, o Brasil se singularizava na América do Sul pela centralidade

econômica de seu Estado desenvolvimentista, pela extensão de sua indústria epelo

dinamismo de seu setor exportador. Esseprojeto conservador de desenvolvimento

e de supremacia regional foi apoiado pelos Estados Unidos entre os anos 1950 e

1970, quando o Brasil foi transformado no pivô da política externa estado-unidense

para aAmérica do Sul, ainda que o Brasil nunca tenha chegado a serpropriamente

um protetorado militar dos Estados Unidos. Entre o fim da Segunda Guerra e a

décadade 1970, osEstadosUnidos apoiaram o desenvolvimentismo sul-americano,

independentemente de serem governos democráticos ou ditatoriais; no entanto,

se opuseram terminantemente e bloquearam qualquer tentativa de transformar o

desenvolvimentismo na base material de um projeto estratégico que tivesse uma

política internacional autônoma, sobretudo se envolvesse uma ação conjunta do

Cone Sul ou algum tipo de produção ou utilização autônoma da energia nuclear.

Foi o que aconteceu na Argentina, com o governo Peron, em 1955, e no Brasil,

com os governos de Getulio Vargas, em 1954, e de João Goulart, em 1964. Na

década de 1970, a crise econômica e asmudanças geopolíticas internacionais obri-

garam o Brasil a redefinir sua estratégia de inserção internacional e sua política de

desenvolvimento econômico. Foi nessemomento que o governo do general Geisel

intelectuais como Alberro Tores e Oliveira Viana, entre tantos Outros. Foram elesque construíram,

em conjunto, a teoria do "cerco argentino" e a proposta do catch up e da superação do poder

econômico e militar do país vizinho e de seus aliados de língua castelhana. Esse arcabouço de

ideias e objetivos foi sendo afinado ao longo do tempo e começou a ser colocado em prática de

forma mais consistente pela Revolução de 30 e, em particular, pelo Estado Novo, liderado por essa

mesma elite militar e civil que, posteriormente, comandou o projeto dcscnvolvim nrista brasileiro

até 1985. A '$SC propósito, ver Ri ardo Z rtén Vieira, Lembrai-uos rlll g"l'ml: flllll'(f('IIKCOpolltiCf/,

m:((fIllIZ(f('11() do l:'sllldo I' rlt'SrIIlJllluilllrlllli t'(,III/~IIIIt'11 /111 {lt'/lSlIlIIrIIlll III/I/III/' IlIm/lr//'(/ 191. -I 61(1)ls.~·1·I.l~· o d· M~·'II.ld(l ~1111':\OIHlIllln POIIII'.I 1111('1'1111 lonnl, Rio d!' [um-hu, lJJlltj, OIJ),

Conjeturas e história • 49

e propôs a transformar o Brasil numa potência intermediária, com uma política

internacional e nuclear mais autônoma, apoiada em um projeto econômico de

apitalismo de Estado. Esseprojeto, porém, também foi vetado e bloqueado pela

política externa norte-americana eacabou sendo atropelado pela política econômica

internacional dos Estados Unidos, nas décadas de 1970 e 1980, com o apoio de

Limaparte significativa da elite civil que havia apoiado inicialmente o regime militar.

Podemos dizer que o extraordinário desenvolvimento econômico da Argentina

. do Brasil nos séculos XIX e :xx seguiu o mesmo padrão dos demais paísescom

ultos índices de crescimento econômico analisados neste prefácio. Nos dois casos,

desenvolvimento foi orientado por estratégias análogas e opostas de competi-

ão sistêmica pela hegemonia do Cone Sul. Essasestratégias foram formuladas

Internamente, dentro de cada um dos dois países,embora tivessem sido apoiadas,

.stimuladas e instrumentalizadas pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, respecti-

vnrnente, como forma de equilibrar as forças e neutralizar o poder expansivo dos

paísesque compõem o Cone Sul, em particular Brasil, Argentina e Chile, e sua

nfluêncía sobre todo o continente sul-americano.

Rio de Janeiro, 9 de abril de 2014

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