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JoséLuís Fiori
/ /
HISTORIA, ESTRATEGIA EDESENVOLVIMENTO
para uma geopolíticado capitalismo
Copyright desta edição © Boitempo Editorial, 2014Copyright © José Luís Fiori, 2014
Direção editorial Ivana Jinkings
Edição Isabella Marcatti
Coordenaçãodeprodução Livia Campos
Assistência editorial Thaisa Burani
Preparação Luciana Lima
Revisão Daniela Uemura
Diagramação Antonio Kehl
Capa Antonio Kehl
sobre"Thc ChessPlayers",1876,ThomasEakins,
óleo sobretela.Metropolitan Museum of Art, Nova lorque
Equipe da Boitempo Editorial Ana Yumi Kajiki, Artur Renzo, Bibiana Leme,
Elaine Ramos, Fernanda Fantinel,
Francisco dos Santos, Kim Doria,
Marlene Baptista, Maurício dos Santos,
Nanda Coelho e Renato Soares
CIP-BRASIL. CATALOGAÇAO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
F552hFiori, JoséLuís
História, estratégiae desenvolvimento: para uma geopolítica docapitalismo / JoséLuís Fiori. - 1. ed. - SãoPaulo: Boitempo, 2014.
ISBN 978-85-7559-404-9
1. Geopolítica. 2. Geografia econômica. 3. Desenvolvimentoeconômico. 4. Capitalismo. 1.Título.
14-17191 CDD: 327CDU: 327
É vedada a reprodução de qualquer
parte deste livro sem a expressa autorizaçâo da editora.
Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009.
P edição: novembro de 2014
BOITEMPO EDITORIAL
Jinkings Editores Associados Ltda.
Rua Pereira Leite, 37305442-000 âo Paulo P
Tel. 1 r:lX: (I I) 387 -72 O I. 875-728')editor f()hoil '111]10.diiorial. .om.hr 1 www.1 oi: '111pocd i IOI'i:d , .orn.hr
www.hlo] d,lholit'l11po.(,olll,hr 1 www.Iu 'hoolulllll/hoi!t'I11j11l
www,lwltll·UOlll!t·dliol.lhollt·llljlll 1 www, 111111t1ll',llllll/lltljlll'll\llholtl'IlIIHI
Em memória de
Geraldine Malengreau Fiori
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .....•..•.......•.............................................................................. 13
PREFÁCIO - CONJETURAS E HISTÓRIA 15
HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO 51
1.1.A teoriaclássicado desenvolvimento 53
1.2. No princípio eraPortugaL 56
1.3. Castelae seu"império mercantilisra' 59
1.4. França:soberaniae "capitalismode Estado" 62
1.5.A revoluçãoeconômicaholandesa 65
1.6. O desenvolvimentoinglês 68
1.7. O capitalismoamericano 71
1.8. O capitalismofeliz 74
1.9. Nacionalismo e desenvolvimentoeconômico (1) 77
1.10. Nacionalismo e desenvolvimentoeconômico (lI) 80
1.11. Os milagreseconômicosda Guerra Fria 83
1.12. O desenvolvimentismoasiático 86\
1.13. Sobreo desenvolvimentochinês(I) 89
1.14. Sobreo desenvolvimentochinês(lI) 92
1.15. Sobreo desenvolvimentochinês(III) 95
1.16. Sobreo desenvolvimentochinês(IV) 98
1.17. O protótipo argentino 101
1.18. O desenvolvimentismobrasileiro 104
1.19. Poder,geopolíticae desenvolvimento 107
ON,IUNTURA E CRISE 111
2.1. Poder lobal 113
2.2. O poder' a (111:1I1Çlltll~·rnn ionnl 116
2.3. Crises e hecatombes 120
2.4. Reflexóes de outubro 123
2.5. Os economistas e a crise 126
2.6. Muito longe do equilíbrio 129
2.7. A senhora 1hatcher e o lorde Keynes: fatos e mitos 132
2.8. As ondas do poder e os ciclos da moeda 135
2.9. A política de desarmamento de Obama ·· 138
2.10. A geopolítica anglo-americana 141
2.11. Hegemonia e império 144
2.12. Recorrências e incertezas 147
2.13. Entre Berlim e o Vaticano 150
2.14. Os sinos estão dobrando ······ 153
2.15. O círculo quadrado da moeda europeia 156
2.16. O fantasma das rebeliões 159
2.17. História de um naufrágio (I) , 162
2.18. História de um naufrágio (11) 166
2.19. A ópera, a guerra e a ressurreição russa 170
2.20. Guerra e paz ·· 173
2.21. A Líbia, a Otan e o "Grande Oriente Médio" 176
2.22. A guerra do Afeganistão: um enigma 179
2.23. O xadrez chinês ·.· 182
2.24. A punição da África 185
2.25. Estados Unidos e Cuba 188
2.26. Monroe e Garrincha 191
2.27. Escopeta não é chocalho 194
2.28. Liturgia e estratégia 197
2.29. Caleidoscópio mundiaL ·.······· 200
GEOPOLÍTICA E ESTRATÉGIA•..................•....................................................... 203
3.1. Geopolítica e classessociais 205
3.2. Geopolítica e ética internacional.. · 208
3.3. O perigo das utopias 211
3.4. m ontin nt sem teoria 214
.>.'5.1 ·s~·nv()lvim~·l1lism()d·-squcrdn 217
3.6. Desenvolvimentismo e dependência 220
3.7. A miséria do novo desenvolvimentismo 223
3.8. A política externa conservadora 226
3.9. Uma política externa progressista 229
3.10. Uma revolução intelectual 232
3.11. América do Sul à beira do futuro 235
3.12. Brasil: geopolítica e desenvolvimento 238
3.13. Brasil e as potências emergentes 241
3.14. Um acordo e seisverdades 244
3.15. Brasil e seu mar interior. 247
3.16. Brasil e a África Negra 250
3.17. Brasil, Estados Unidos e o hemisfério ocidental (I) 253
3.18. Brasil, Estados Unidos e o hemisfério ocidental (11) 256
3.19. O cisma do Pacífico , 259
3.20. A miragem mexicana 262
3.21. Colômbia, Peru e Chile 265
3.22. A retórica da comparação 268
3.23. Brasil, Argentina e o Cone SuL 271
J> FÁCIO - PARA CALCULAR o FUTURO 275
S BRE o AUTOR 279
JoséLuís Fiori, Opoder global e a nova geopolítica das nações.
SãoPaulo,Boitempo, 2007, p. 15-6.
Do nossoponto de vista, entretanto, não há como explicar ou deduzir
a necessidadeda acumulação do lucro e da riqueza a partir do
"mercado mundial" ou do 'Jogodas trocas". Mesmo que oshomens
tivessemuma propensão natural para trocar - comopensava Adam
Smith -, issonão implicaria necessariamenteque elestambém
tivessemuma propensão natural para acumular lucro, riqueza e
capital. Porque não existe nenhum 'Jator intrínseco" à troca e ao
mercado que explique a decisãode acumular e a universalização
dospróprios mercados.Pelo contrário, o comércio sempreexistiu
em todosostempos, mas, durante a maior parte da história, sua
tendência natural foi manter-se no nível das necessidadesimediatas
ou da "circulação simples" e sóseexpandir deforma muito lenta e
secular. Mesmo depois da "remonetizaçâo" da economia europeia (a
partir do séculoXlI), o comérciopermaneceu, por longosperíodos,
restrito a territórios pequenos e isolados. Ou seja, aforça expansiva
que acelerou o crescimento dos mercadoseproduziu asprimeiras
formas de acumulação capitalista nãopode ter vindo do 'Jogodas
trocas'; ou do próprio mercado, nem veio, nesseprimeiro momento,
do assalariamento daforça de trabalho. Veiodo mundo do poder e da
conquista, do impulso geradopela força da "acumulação dopoder':
r
APRESE NTAÇAO
História, estratégia e desenvolvimento I inclui, além do prefácio e do posfácio,
71 artigos publicados nos últimos cinco anos". São textos jornalísticos, mas
repercutem minha pesquisa acadêmica, de mais longo prazo, sobre a história
do desenvolvimento capitalista, sobre a conjuntura internacional e sobre as
alternativas geopolíticas do desenvolvimento brasileiro. O prefácio do livro
apresenta o ponto de vista teórico da pesquisa e o fio condutor que explica a
escolha e a ordem de apresentação dos artigos. Para facilitar a leitura, elesforam
agrupados em três blocos temáticos: o primeiro, sobre a história e a geopolítica
do desenvolvimento capitalista; o segundo, sobre a conjuntura internacional e
a crise contemporânea; e o terceiro, sobre a situação geopolítica e as escolhas
estratégicas do Brasil na primeira metade do século XXI. Algumas inconsistên-
cias entre os artigos se explicam pelo próprio avanço autocrítico da pesquisa.
Ao concluir este livro, meu agradecimento e homenagem a Maria Conceição
Tavares e Carlos Lessa,que me introduziram no "debate do desenvolvimento", no
início da década de 1980.
JoséLuís Fiori
Mcu agradecirncnco a Maria Claudia Varer, que leu e discutiu minuciosamente cada um dos
textos d .stc livro.
I /I maioria dos :Irligos in luklos n SIC livro roi publicada no jornal VaLorEconômico e replicada
p 'Ios sil ·S bmsil 'iros (.('/,/1' /\IIft/1I1" • Outras P(/IIII/1"f1S. Vários deles apareceram também nos sites
I ri ()/ld" (UI'ugllld) SII//h/llh/l (I':,~jlilllllil),
PrefácioCONJETURAS E HISTÓRIA
Nosso estudo do desenvolvimento latino-americano - e, em particular, do de-
senvolvimentismo brasileiro - começou na década de 1980 I e manteve uma
longa interlocução crítica com a literatura estruturalista, marxista e keynesíana",
as teorias da dependência" e a teoria do sistema-mundial moderno", antes de se
Paramais informaçõessobreo desenvolvimento latino-americano iniciado na décadade 1980,sob a ótica aqui abordada, consultar asseguintesfontes: JoséLuís Fiori, Por uma economia po-
lítica do tempo conjuntura! (Rio deJaneito, IEIIUFRJ, 1984), texto para discussãon. 44; idem,Conjuntura e ciclo na dinâmica de um estadoperifirico (Tesede Doutorado em Ciência Política,São Paulo, USp, 1984); idem, Instabilidade e crise do estado na industrialização brasileira (Tesede ProfessorTitular, Rio de Janeiro, UFRJ, 1988); idem, "Crise do estadobrasileiro", Revista
de Economia Política, SãoPaulo, v. 9, n. 33, 1989; Carlos LessaeJoséLuís Fiori, "E houve umapolítica econômicanacional-populista?",Ensaios FEE, PortoAlegre,ano 12,n. 1, 1991,p. 176-97;JoséLuís Fiori, "O nó cegodo desenvolvimentismobrasileiro", Novos Estudos Cebrap, SãoPaulo,
,n. 40, 1994; idem, "Sonhos prussianose crisesbrasileiras",Ensaios FEE, Porto Alegre, ano 11,n. 1, 1990, p. 41-61; idem, "De volta à questãoda riquezade algumasnações",em idem (org.),Estados e moedas no desenvolvimento das nações(Petrópolis,Vozes,1999); idem, ''A propósito deuma 'construçãointerrompida"', Economia e Sociedade (Campinas, Instituto de Economia/Uni-camp, 2000); idem, "O cosmopolitismo de cócoras",EstudosAvançados, SãoPaulo, Instituto deEstudosAvançados/USP,2000; idem, "Pour un diagnostique de Ia 'modernisation brésilienne"',Reouedu Tiers Monde, Paris,PressesUniversitaires de France,v. 42, n. 167,2001, P: 493-513.
Ver desdobramentosdo conceito em Anthony Brewer,Marxist TheoriesofImperialism: a Critical
urvey (Londres, Routledge and Kegan Paul, 1980); Paul A. Baran, lhe Political Economy of
Growth (Harmondsworrh, Penguin, 1973); Ricardo Bielschowsky,Cinquenta anos depensamento
da Cepal (Rio de Janeiro, Record/Cofecon/Cepal, 2000); Luiz G. de Meio Belluzzo e Renataoutinho, Desenvolvimento capitalista no Brasil (SãoPaulo, Brasiliense, 1982), v. 1 e 2; Jorge
Larrain, Theories of Deuelopment (Londres, Polity, 1989).
A ideia de dependência aqui referenciadaestá presente nas seguintes obras: André GunderFrank, "The Developrnenr of Underdevelopmeru", Monthly Review, v. 18, n. 4, 1966, p. 17-31;'I' tônio dos Santos, "El nuevo caracterde Ia dependencia", Cuadernos dei Centro de Estudios
Sorio-Econâmicos (Santiago,Universidad de Chile, 1968); Fernando Henrique Cardoso e EnzoPoleiro, Dependência e desenvolvimento na América Latina (Rio de Janeiro, Zahar, 1970); RuyMaur Marini, Dlaléctica de la Dependencia (Cidade do México, Era, 1973).
V'r mais inforrnnçôcs sobre 'SMI icorin 111 lrnrnanucl W,ll1erstein, lhe Modern World-System
(NOV:l Y01"I<, A ndcmlc PI't'~, 1'17 )1111'111, 'lh« ,'api/lllisI Wor/d-Ecollorl/y (Carnbridgc, ambridg
16 • História,estratégiaedesenvolvimento
deslocar para o campo da economia política internacionaP e sepropor umi novo
programa de pesquisa, inspirado por uma tesee por uma pergunta do historiador
Fernand Braudel. A tese: na Europa, "a maturidade política precedeu a maturi-
dade econômica'", e a formação dos estados territoriais precedeu a formação das
economias nacionais? A pergunta: "quando, como e por que razões"essesestados
territoriais europeus adquiriram sua "força política e sua coerência econômica
inrema'". Essesdois fatores de inspiração foram os que mais contribuíram para
a expansão vitoriosa do sistema de poder europeu e sua conquista do mundo, e
também para a formação do próprio capitalismo.
Para responder à pergunta de Braudel, partimos de uma teoria do poder e da
acumulação do poder ede suasrelaçõescom o capital eaacumulação de capital para
reconstruir as relações originárias entre as lutas pelo poder e asguerras européias,
e o processo de formação das economias nacionais, dentro dos vários tabuleiros
geopolíticos que seconfiguraram na Europa apartir do "longo séculoXIII" (1150-
-1350)9.Vimos, então, como asguerras de conquista setransformaram num me-
canismo regular de cobrança de tributos e de estímulo ao aumento da produção e
da troca entre ossúditos, ou pagadoresde tributos. Vimos também como nasceram
as"moedas soberanas"!" e asprimeiras formas de acumulação financeira, por meio
da senhoriagem do câmbio entre asmoedas europeias e pelo manejo monopólico
das dívidas dos príncipes guerreiros. Em seguida, acompanhamos o processo de
centralização do poder e do capital que levou à formação dos primeiros Estados
UniversityPress,1979);GiovanniArrighi, The Long Twentieth Century: Money. Power and the
Origins or our Times (Londres,Verso,1994);GiovanniArrighi e BeverlyJ. Silver,Chaos and
Governance in the Modern World System (Minneapolis,UniversityofMinnesotaPress,1999).
5 Mais desdobramentosdessaideia podemserencontradosem RobertGilpin, The Political
Economy o/International Relations (Princeron,PrincetonUniversityPress,1987);BenjaminJerry Cohen, International Political Economy: an Intellectual History (Princeton,PrincetonUniversityPress,2008).
G TesepresenteemFernandBraudel,O tempo do mundo (SãoPaulo,Martins Fontes,1996),p.255.
7 Idem,A dinâmica do capitalismo (RiodeJaneiro,Rocco,1985),p. 82.
8 Idem,O tempo do mundo, cit., p.255.
') ExpressãoinrroduzidaporPerer pufford, apartirdaideiadeFernandBraudelsobreaexistênciaIcum"longoséculoXVf" emPctcr Spufford, Money {mel its Use ir! Medieual Europe ( arnbridgc,
:al11hriclp,'Univ'rsi!y Pr'ss,I ')/l,»),
111Nelih"111111.1\,() /,l'IIl'r,IW 1'111111 'Ir/li I' (I 1).\'»)(1~11lli ' [uncir«,/ ..cI11Ir, 11)11.\).
Conjeturasehistória' 17
territoriais e das primeiras economias nacionais, que se transformaram no em-
brião do "sistema interestatal capitalista"!', o qual se expandiu de forma contínua
nos séculos seguintes, até sua plena globalização no final do século XX. Depois
disso, voltamo-nos para o estudo do desenvolvimento das "grandes potências"12
que lideraram essesistema ao longo da história, para descobrir a importância do
expansionismo e do belicismo dessespaíses, por meio da explicação do sucesso
econômico que obtiveram. Por fim, debruçamo-nos sobre a situação específica
da América Latina, para estudar a forma como se reproduziram no continente
tendências gerais do sistema interestatal e da economia capitalista.
Este prefácio contém três tópicos que resumem o fio condutor dessapesquisa
e dos vários artigos deste livro, que foram escritos à medida do avanço da própria
pesquisa. O primeiro tópico sintetiza nossa visão teórica e histórica de longo
prazo do sistema interestatal capitalista; o segundo resume nossasconclusões com
respeito ao desenvolvimento das grandes potências; e, por fim, o terceiro sugere
algumas pistas para uma releitura do desenvolvimento econômico do Cone Sul do
continente sul-americano, em particular da Argentina e do Brasil.
I
s principais conceitos e hipóteses deste estudo foram discutidos em vários tra-
balhos anteriores", mas podem ser resumidos na forma estilizada de sete teses
teóricas e históricas: asteses1e 2 resumem nossavisão do poder e da acumulação
do poder e de sua relação com asguerras de conquista e com os tributos; as teses
II Meuconceitode"sistemainrerestaralcapitalista"édiferentedaquelede"sistemamundialmoder-no",delmmanuelWallersteineGiovanniArrighi, porquesublinhaa importânciapermanentee insuperáveldosEstadosnacionais,comseuscapitaisesuasmoedasespecíficas,parao desen-volvimentodo capitalismo,queédesigualehierárquico,masquenãoénemnuncaseráglobal,poisalimenta-sedaprópriaexistênciadasfronteirase dasmoedase capitaisqueseexpandem.orn seusEstadosnacionais,
I J PaulKennedy,Ascençãoequeda dasgrandespotências (RiodeJaneiro,Campus,1989);GeoffreyParker,SuccessisNever Final- Empire, ~r and Faith in Early Modern Europe (NovaYork,BasicBooks,2002).
II Mals detalhesemJoséLuísFiori, "Formação,expansãoe limitesdo poderglobal",emJoséLuísIQori( rg,),O poder americano (Pcrrópolis, Vozes,2004);idem,O poder global ea nova geopolítica
rlfIS nações (SãoPaulo,B ircrnpo,2007);idem,"O sistemaincerestatalcapitalistano iníciodoN .uloXXI", rnJoséI.lI(~IQOl'i,C:II'iO,~M d irosc Franklin errano(orgs.),O mito elo colapso
rI/I poder IIIIII'ril'llIIlI (Riodl' 1,1111'11u, Ih'l'orel, 008);id '111,"LJm universoCI11cxpans50",jor//fll de
Nr,lrll/JtI ti/I LJSP, 11, '). () (III,
18 • História, estratégia e desenvolvimento
3 e 4 sintetizam nossa leitura histórica do sistema interestatal capitalista; as,teses
5 e 6 apresentam o ponto de partida do nosso estudo das grandes potências; e,
finalmente, a tese 7 resume nossa leitura da conjuntura contemporânea, e das
transformações mais recentes do sistema internacional:
Tese 1- Em termos estritamente lógicos, o poder é uma relaçãoque seconstitui e se
define, tautologicamente, pela disputa epela luta contínua pelo próprio poder. Em
qualquer nível de abstração eem qualquer tempo ou lugar, independentemente do
conteúdo concreto de cada relação de poder em particular. Portanto, por definição
e por dedução, o poder é:
• assimétrico: se todos tivessem o mesmo poder, não haveria disputa nem
haveria "relação de poder'l'",
• limitado: se o poder fosse absoluto, não haveria disputa, portanto o poder
não existiria, pura e simplesmente;
• relativo: o poder envolve uma hierarquia e um cabo de guerra permanente
entre algum vértice que tenha mais poder e outro que terá necessariamente me-
nos poder. Se um dessesvértices aumentar seusgraus de liberdade, algum outro
perderá poder, inevitavelmente, com relação ao que se expandiu;
• "heterostático'T': qualquer uma dessasvariaçõesde poder provoca sempre uma
reação mais ou menos imediata das partes desfavorecidas, visando a recompor e a
manter a mesma correlação de forças anterior àsituação prévia àmudança inicial":
14 Maquiavel captou essadimensão essencial do poder, de forma simples e direta, no momento em
que se consolidavam as repúblicas italianas e nasciam os primeiros Estados nacionais: "em todas
as cidades se encontram estas duas tendências diversas, e isso nasce do fato de que o povo não
deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo",
em Nicolau Maquiavel, O príncipe (São Paulo, Abril, 1983), P: 38. Ver ainda outra passagem:
"O objetivo do povo é mais honesto do que o dos poderosos; estesquerem oprimir, e aquele não
ser oprimido", em ibidem, p. 40.
15 Utilizo essaexpressão por analogia com o campo biológico em que foi utilizada pela primeira Ve:L-
por Klopf em 1982 -, para referir-se aos "organismos que procuram estímulos constantemente
pela fuga temporária do equilíbrio".
16 Essa tese foi exposta pela primeira vez por Tucídides em sua obra clássica sobre a Guerra do Pelo-
poneso: "Na minha opinião, as razôes pelas quais os atenienses e os peloponésios romperam sua
trégua d trinrn anos, on .luída por eles ap s a nprura de Eubcia, é que os atcnicnscs estavam se
turunndo multu pod 'l'()sO~,c bso 111lulC:IIV;' os ln 'cdcmÔnios, 'Ol11p.linclo os li I' 'COI'l' '1'~!lu rra",
'Iilllt! dl'" "h,II,./" rI/I (,'lIrntl rlrl/HII/,rlllrlll, 1IVIII 1(1\r,,,IILI, 1':dItOlI1.111 Uni!, li)!!7), p, 1'5,
Conjeturas e hisrória > 19
• triangular: toda relação de poder envolve pelo menos dois vértices internos
e um limite externo que pode ser representado na forma de um ponto ou de um
vértice externo, onde sedá a intersecção entre PI e P2, por exemplo. Nesse sen-
tido, pode-se dizer que o limite de toda e qualquer unidade de poder Pn, sempre
estabelecido por outra unidade de poder Pn-I, terá as mesmas características
de Pn, e, portanto, também terá seu limite traçado por mais uma unidade de
poder Pn-2, e assim infinitamente, com relação a Pn-3, Pn-4 etc.;
• fluxo: poder é ação e movimento, e só existe enquanto exercido de forma
contínua, Não há como conceber um poder estático nem como conceber logica-
mente a possibilidade de um poder desativado ou neutro'? Por isso, costuma-se
dizer que não existe vácuo de poder nessejogo sem fim;
• sistêmico: não é possível pensar uma unidade de poder sem supor logica-
mente a existência do conjunto de outras unidades de poder que se multiplicam
na forma de triângulos que supõem outros triângulos, e assim sucessivamente. E,
como não épossível imaginar algum poder fora dessesistema de poderes, também
se pode inferir que não existe nada anterior ou posterior ao próprio sistema, ou
seja, ao próprio poder;
• expansivo: seasrelaçõesde poder fossem binárias e fechadassobre si mesmas,
se transformariam num jogo de soma zero e tenderiam a desaparecer de forma
autofágica. Isso só não acontece porque o poder é triangular e sistêmico, e todas as
uas unidades podem seexpandir para fora de si mesmas, pela conquista do poder
ou de alguma parcela do poder das demais unidades do sistema. Cada unidade de
poder (PI, P2, P3 etc.) exerce uma pressão competitiva sobre si mesma, e todas
essasunidades exercem a mesma pressãoumas em relação àsoutras. Como conse-
quência, o sistema, como um todo, também se expande de forma contínua. Mais
do que isso, precisa seexpandir infinitamente - casocontrário se fecharia sobre si
mesmo e entraria em estado de entropia, ou em rota de extinçâo;
• indissolúvel: uma relação de poder só desaparecequando é conquistada inte-
ralmente ou ésubmetida à outra unidade de poder. Assim, por mais que recuemos
11 "tempo lógico", sempre nos depararemos com novas unidades de poder que
11 N 'S5' P lHO,1 hornas l lobbcs rcircrn uma velha tesedo próprio Maquiavel, ao dizer que "os que se
OI1I(;l1lar'l11 111s '11111nl'r trnnquilnrn me dentro de modestos limites e não aumentarem seu poder
por rn 'io d invnx es ser, o in(.lpl1/('~ d ~lIbsistiI' pOl' muito t .rnpo, por se limitar rn ap 'nas a uma
,11111111 de 11 o(",\lt", 'I hUIII,I' Ilohh ", I ri/lI/Ir (5, o Paulo,Abril, 1?8, I ;olc~':i()Os Pel1s,dor s), p, 75.
20 • História, estratégia e desenvolvimento
foram conquistadas em algum momento, e assim retroativamente até o infinito.
Portanto, pode-se deduzir que o poder é a origem de si mesmo, e a conquista é
apenas a forma pela qual o poder se constitui, reproduz e expande'";
• dialético: seéverdade que o poder sedefine pelo seu fluxo, seuexercício e sua
expansão, então também pode-se concluir que o poder sedefine por sua negação e
superação- portanto, o poder é idêntico àsuaprópria acumulação, ou seja:P = + P;
• ético: trata-se de uma força e de uma energia que se expandem e que estão
obrigadas a se expandirem, movidas por um valor - a valorização do próprio po-
der. Toda e qualquer outra ética particular nasce desseimpulso, como resultado
ou como instrumento relacional dentro da luta entre os vértices que disputam e
impulsionam a acumulação endógena do poder.
Tese 2 - Na história humana, a sedentarização do poder e das relações de poder
entre os homens criou territórios e fronteiras mais estáveis que os das tribos ou
povos nômades. Nessescasosde sedentarização, apressãocompetitiva intrínseca ao
poder adquiriu maior organicidade e intensidade, uma vez que já não estavam mais
disponíveis asrotas de fuga do nomadismo. No novo contexto, multiplicaram-se as
rebeliões "internas", e a pressãoexterna da parte dos povos nômades e dos demais
poderes territoriais deu início a uma sucessãointerminável de guerras de defesadas
fronteiras e de conquista de novos territórios. Essaslutas criaram a necessidadede
recursos, regraseorganizações (ainda que precárias) destinadas agarantir adomina-
ção interna e asfronteiras externasdessesnovos agrupamentos humanos. E, o que é
mais importante, criaram a necessidadede um fluxo regular de recursosobtidos por
meio da pilhagem ou da tributação dos próprios súditos, ou das novas populações
conquistadas e submetidas. Os tributos nasceram junto com a sedentarização do
poder e se constituíram numa espécie de ato de poder inaugural, visto que, sem
a arrecadação dos tributos, os poderes territoriais não teriam como se sustentar,
reproduzir e expandir. A necessidade de se instituírem tributos e a obrigação de
pagá-los exerceram um impacto decisivo no aumento da produção e da produtivi-
dade dessesterritórios (em alguns mais do que em outros) e no desenvolvimento
de algumas inovações tecnológicas fundamentais para o aumento da produção de
IH Mais uma v '7., foi Maquinvcl quem C>lpÕSde forma mais simples c direta a idein desconforravel de
(J1U:no d 'seJodtO xmquistn é coisn v '1'(1:\ lciram 'IHe natural i ordinária, C os horn 'ns qu . p lernfil'l lo,~ 11\0 ~ 111JlI'~'IOllvlldos. \'1\. O ('\"I.~III'lld()N", -m lhklcrn, p, 11\,
Conjeturas e história • 21
alimentos e para o exercício da guerra. No entanto, o crescimento dos territórios
conquistados e da necessidadede atender aos compromissos de guerra contribuiu
decisivamente para o aparecimento dasprimeiras "moedas públicas", cunhadas pe-
los cobradores de impostos, senhoresda guerra ou imperadores e depois utilizadas
no "jogo das trocas" entre os produtores diretos, ou entre os mercadores. Surgem
também várias formas de dívidas e de empréstimos, e a usura - apesar de malvista
em quase todos os lugares - ocupa um lugar muito importante no funcionamento
mercantil dessassociedades. Dessa forma, as guerras acabaram se transformando
numa espéciede "primeiro motor", e num instrumento de poder decisivo para a
multiplicação das terras e dos homens capazesde criar os novos recursos que viriam
a financiar as novas guerras, feitas com o objetivo de gerar mais recursos, e assim
sucessivamente, engendrando um mecanismo regular de articulação das guerras
com os tributos, com o aumento da produção, com aexpansão dos mercados e das
trocas e com a evolução de formas primitivas de moeda e de crédito. Nessesistema
de poderesterritoriais competitivos, "quem não subia caía"!",e todos tentavam imitar
asestruturas de policiamento interno e defesaexterna, de produção e de troca, que
fossem mais eficientes que asde seuscompetidores, sob pena de desaparecer como
unidade competitiva dentro do sistema. Nesse processo, quando as necessidades
riadas pelas guerras excediam a capacidade de tributação dos poderes territoriais
envolvidos, só havia como solução empreender novasguerras de conquista, e assim
ucessivamente, até o momento em que essepoder expansivo alcançasseum limite
Inrransponível=- físico, social ou financeiro - ou fossesuplantado e derrotado por
utro poder conquistador em ascensão,momento em que começava - invariavel-
mente - o seudeclínio como poder imperial, mesmo queessedeclínio pudessedurar
LI m longo período. Essemesmo processorepetiu-se emmuitos tempos elugares nos
quais haviam surgido "poderes territoriais" capazesdefixar eestabilizar suasrelações
d dominação, iniciando movimentos de conquista e expansão de suas fronteiras,
até se transformarem em grandes impérios". Foi assim,por exemplo, no caso dos
1'1 Norbert Elias referia-se a outro momento da história, mas sua observação pode ser aplicada a
qualquer sistema ele poderes competitivos, ao dizer que "a mera preservação da existência social
cxig , na livre competição, uma expansão constante. Quem não sobe cai. E a vitória significa, em
prim iro ILlg~r, seja csm LI 11;'0:l intcn ão, domínio sobre os rivais mais próximos e sua redução
no .srndo de 1'1cndêncin", '111Norb n Elias, O processocioilizador, cit., p. 134.
" 'Iumhém nesse ,';IM) No,'h ,,'I I':II",~ SI f,dill1do de OUII'O tempo hist ri o, mas sua observação
IIkllll~'11 lodo,~ I',~NI.'I~'nlll~dI' POdl'I'I'SI 'l'I'IIOI'iIl15 I1IUirO IIIIW du Idade Média .urop 'ia: "Numa
22 • História, estratégiae desenvolvimento
Impérios Hitita, Assírio e Persa, na Mesopotâmia, como também em Roma, no ~
Egito e em todo o mundo sinocêntrico, da mesma forma que nos Impérios Asteca
e Inca, na América, e nos reinos de Zaria, Bagirmi ou N upe, na África2l•
Tese 3 - Na Europa, e somente na Europa, a competição entre os "poderes terri-
toriais", somada às suaspróprias lutas internas, produziu um efeito inteiramente
novo eoriginal, entre 1150 e 1650 d. c., aproximadamente. Essamudança ou salto
"qualitativo" não obedeceu a nenhum tipo de lei ou causaçãouniversal, nem seguiu
nenhuma direção necessária,e tudo indica que tenha sido obra do acasoou, talvez,
do que alguns chamam hoje de "bifurcação histórica". Mesmo assim, é possível
identificar algumas características específicas dos poderes territoriais europeus e
do impacto que suas lutas e guerras tiveram sobre a atividade econômica de seus
territórios". Depois do fim do Império Romano, e em particular após o fim do
império de Carlos Magno, o poder territorial europeu sefragmentou durante dois
a três séculos, ea atividade econômica seatrofiou, na maior parte da Europa, fican-
do reduzida a algumas comunidades locais de produção e de troca, quase sempre
em espécies,com exceção das repúblicas italianas" e de algumas poucas cidades
europeias que se mantiveram mais ativas e conectadas economicamente graças às
suas relações militares e àssuasconexões mercantis com os grandes impérios que
cercavam e dominavam o Mediterrâneo. Esseprocesso de desintegração interna
começou a ser revertido, a partir do século XII, por meio de um movimento lento,
mas contínuo, de recentralização do poder político e de reativação da atividade
econômica, induzido por uma sucessãode pequenas guerras localizadas que foram
se multiplicando e se ampliando progressivamente e que se somaram às grandes
sociedadeem queatuavamessaspressõescompetitivas,quemnãoganhava'mais'automaticamenteficavacom 'menos'. Neste particular, observamosmais uma vez a pressãoque sefaziasentir decima a baixo nessasociedade:lançavaos governantesterritoriais uns contra os outros e, dessamaneira,punha em movimento o mecanismodo monopólio", em ibidern, P: 93.
21 Stephen P.Reyna,WársWhitout End: lhe Political Economy o/a PrecolonialAfrican State (Londres,University PressofNew England, 1990).
22 Ver PeterSpufford, Power and Profit: lhe Merchant in Medieval Europe (Nova York, Thames&
Hudson, 2002); Ronald Findlay e Kevin O'Rourke, Power and Plenty; Trade, Wttr, and the World
Economy in theSecondMillennium (Princeton, Princeton University Press,2007).
2.1 Ver mais a I'C.pclro em Mauricio Metri, Poder, riqueza e moeda na Europa medieval: a preeminên-
rl« naual, mercmuil r monrtdria c/riserrnissimn Rtjlt1lllim de Vr'lfza nosséculosXIII e XV (Rio deJ 111 11'0, Ii< ;V, lO 11j),
Conjeturas e história • 23
guerras ou cruzadas de conquista ou reconquista dos territórios ocupados pelos
bárbaros, pelos heregese pelos povos islâmicos". Nesse sentido, é preciso destacar
a importância decisiva que teve, para a história europeia, o "cerco" e a "ameaça<'
ao seu território por parte do poder islâmico, que impôs sua presença vitoriosa
em torno do mar Mediterrâneo e na Península Ibérica durante cerca de mil anos,
entre os séculosVIII e XVIII, quando começa o declínio do Império Otornano".
Além disso, ao contrário de outros sistemas de poder similares, no casoda Europa
asguerras internas e externas fortaleceram alguns dos seuspoderes territoriais mais
do que outros, embora esseprocesso de hierarquização e centralização do poder
não tenha levado àcriação de um único império territorial capazde seimpor sobre
todo o território europeu", Desse modo, as guerras europeias se transformaram
numa atividade contínua e infinitamente elástica, ao lado dasrebeliões camponesas
e das guerras religiosas, que criaram em conjunto enorme pressão competitiva e
imensa energia explosiva dentro da Europa. Essaconflitualidade contínua criou a
necessidadecrescente de se obterem recursos materiais e humanos e aprofundou
.4 Ver mais desdobramentos sobre essestemas emWilliam H. McNeill, lhe Pursuit o/ Power(Chicago, lhe University of Chicago Press,1982); JanGlete, Wttr and the State in Early Modern
Europe (Londres, Roudedge, 2002); JeremyBlack, lhe Rise o/ the European Powers, 1679-1793
(Londres, Edward Arnold, 1990); CharlesTilly, Coerção, capital eEstadoseuropeus- 1990-1992(SãoPaulo,Edusp, 1992).
JI Braudel traçou essaverdadeiratrincheira que separavaasduascivilizações:"A cristandademedi-terrâneadispôs,portanto, contra o islã de uma sériede 'cortinas', de 'frentes' forrificadas, longaslinhas defensivaspor detrásdasquais, conscienteda suasuperioridadetécnica, sesentemelhorabrigada. Estaslinhas estendem-seda Hungria até as fronteiras mediterrâneas,numa série dezonasfortificadas que separamasduascivilizações".Fernand Braudel, O mediterrâneo e o mundomediterrâneo de Felipe II (Lisboa, Dom Quixote, 1995), v. 2, p. 209.
li, Foi Braudel também quem melhor descreveua naturezacrônica e elásticadestaguerra entre ascivilizaçõesislâmica e cristã durante o "longo séculoXVI": "Ao longo dos anos,um período deguerras'internas' sucedeum período de guerras'exteriores', numa ordem bastantenítida. Nãose trata de uma orquestra perfeita, nem de bailados marcadosno seupormenor. E, todavia, asucessãoé clara: sugereperspectivasno meio de uma história confusae que de repenteseescla-I'Cc. semque tenha havido artifício ou ilusão [...] segundo asépocas,os centros de gravidade. as linhas de ação do turco deslocam-seem correlação com as modalidades de uma guerra'mundial'. Tudo dependede uma história bélica que vai do estreito de Gibraltar ou dos canaisdo Holanda até a Síria ou o Turquesrão.E estahistória tem apenasum ritmo: suasmudançasN O ,I 'l'I'ic:l111CnCCas 1l1~S111as.12111 dado ponto, cristãose muçulmanos confrontam-se no Jihad• I1U ruzndn, ti 'pois viram as '081'08 uns aosoutros para seconcentrarem nos seusconflitos
1111 ruos", 111 lhld '111. p, ()()' 2011,
.• 11111111111\1 I WIIII'I'SI~'ltl, 'I/Ir Mntlrl'lI \%rltl '~:'y,r/l'm,di .• ':lI', 3.
24 • ~istória, estratégia e desenvolvimento
~laços dessespoderes em conflito com seussistemasde tributação e produção der'
I(cedente,até o momento em que sua repetição permanente produziu um salto
\llalitativo, com o nascimento dos primeiros Estados e das primeiras economias
racionaiseuropeías", além do próprio sistema interestatal, onde se forjaram as
~sesdo capital e do capitalismo europeu'", Quando as necessidadescriadas pelas
rerras excederam a capacidadede tributação dos poderes envolvidos, os soberanos
íjldividaram-se com seuspróprios mercadores, e essasdívidas selaram uma relação
adavez mais necessáriae estrutural entre os senhores da guerra e os senhores do
Jnheiro que tinham obtido o poder monopólico de senhoriagem dasmoedas e dos
titulosda dívida dos mesmos soberanos a quem haviam emprestado seu dinheiro.
roinessesmercados de moedas e de títulos que secriaram asoportunidades para a
iJrmaçãoeaacumulação privada de algumasformas primitivas de riqueza financeira,
fílscidasà sombra dos poderes e dos Estados vitoriosos. Os traços distintivos desse
iOvo sistema interestatal foram construídos lentamente - entre 1150 e 1650 -, mas
[Cssepercurso a energia acumulada pelas guerras e rebeliões sucessivasprovocou
il,Lasgrandes explosões expansivas dentro dessesistema de poderes europeus: a
Irimeira, durante o "longo século XlII", entre 1150 e 1350-1400; e a segunda,
itlrante o "longo século XVI", entre 1450 e 1650. Por essecaminho, e por suces-
(vasguerras e explosões expansivas, o velho mecanismo de relógio que marcava
Iritmo das relações de todos os grandes poderes territoriais com suas próprias
íÍvidadeseconômicas setransformou numa nova máquina poderosa de produção
.de acumulação de poder e de riqueza: os Estados-economias nacionais. Cada
iJll deles, com seus territórios e seus tributos, com seus camponeses e cidadãos,
@ffi seus exércitos e suas burocracias, com suas moedas e seus títulos da dívida
lública, com seussistemas de bancos e de crédito e com seu sentimento coletivo
~identidade nacional'". Foi dentro dessesistema de Estados-economias nacionais
, Fernand Braudel, O tempodo mundo,cir., capo4.
, Utilizamos aqui a palavra "capital" para referência ao dinheiro que se multiplica segundo a fór-
mula D-D', por meio dos empréstimos a juros feitos aos soberanos ou de outras formas de uso
do poder - neste caso, portanto, sem a intermediação imediata da mercadoria. E utilizamos a
palavra "capitalismo" para referência ao momento da história européia medieval em que a busca
do lucro se transforma num objetivo permanente ou numa cornpulsão quase mecânica, muito
anterior, portanto, formação do r gimc d 1 rodução npitalisra.
I , I" -ph 'n I~ R 'ynn . 1\, [O•• I owns (OI'f.\S,),Orllf/(y I Jr/lr/{)fi 11/1'/11.1': C'r/fillilll.rll/, SlllIrs (//Ir! ~~II' (Arns-Il'I'c/ ,'Ili rlOI'& JlI'IIIHI.~, ()()~),
Conjeturas e história • 25
que se forjou o regime de acumulação capitalista que se transformaria no grande
diferencial do poder europeu com relação ao resto do mundo. A alta frequência de
guerras acabou de soldar em definitivo o circuito acumulativo e automático que
associavaos processosde acumulação do poder e do capital, ampliando-se, assim,
O espaço e o potencial da acumulação financeira do dinheiro pelo dinheiro, por
meio da criação dos sistemasnacionais de crédito e de bancos associadosàsmoedas
e aos títulos da dívida pública dos seuspróprios Estados nacionais. O movimen-
to de internacionalização dessesEstados e dos seus mercados e capitais seguiu a
trilha aberta pela expansão e consolidação dos seus grandes impérios marítimos
coloniais. Foram sempre essesEstados expansivos e ganhadores - o núcleo das
grandes potências - que lideraram o processo de acumulação de capital, a escala
mundial. Por isso, pode-se dizer que o impulso imperialista foi sempre uma força,
uma dimensão essenciale permanente do sistema interestatal europeu. Em suma,
O sistema interestatal capitalista, criado pelos europeus, não foi apenas o produto
Ia expansão dos mercados ou do capital; foi uma criação do poder expansivo de
alguns Estados europeus que conquistaram e colonizaram o mundo, durante os
.inco séculosem que lutaram, entre si, pela conquista emonopolização de posições
t poder e de acumulação de riqueza.
'1' se4 - Sem o impulso do poder, a economia de mercado tende a sedescentralizar
, fragmentar, e, no limite, a se demonetizar, como aconteceu na Europa entre os
" ulos IX e XlII e em vários outros impérios e civilizações nos quais asguerras e
onquistas dos poderes territoriais alargaram os horizontes e asdistâncias do seu
mércio - e também as fronteiras das suas economias-mundo. Algo semelhante
\ nteceu na Europa após o século XVII, com os novos Estados e as economias
1\[\ ionais que forjaram o capitalismo. Com a acumulação progressiva do capital, o
'li icalismo adquiriu complexidade e autonomia crescentes,mas, apesardisso, teve
mantida sua dependência - em última instância - com relação ao poder, mesmo
'I ós oncluída a "acumulação originária" sobre a qual fala Marx'". Uma depen-
\I "O,~ difer .ntcs momentos da acumulação primitiva repartem-se, agora, numa sequência mais
ou 111'110S ronológica, principalmente entre Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra.
Nn Illglnlcrra, 110~11l do século XVlI, essesmomentos foram combinados de modo sistêmico,
dundo orig '111no Si~I('llln colonlnl, no sisrcrnn da dívida pública, 30 moderno sistema tributário
, IlO slSlt'lllll jll"Ol 'l'iolllslil, 'lills 11IétOllos, 'UIlJO. por exemplo, () SiSl .mn .olonlul, bas .inm-sc,
26 • História, estratégiae desenvolvimento
dência que seexplicita a cada nova crise da qual a economia capitalista é resgatada
ou à qual é relançada pelo poder dos Estados. Como no casoda economia de mer-
cado - e também no caso da economia capitalista -, a intervenção ativa do poder
impede que as criseseconômicas levem à estagnaçãodefinitiva ou ao colapso final
do sistema, previsto por vários economistas clássicos.Em analogia com o mundo
da física, pode-se dizer que o poder atua dentro do capitalismo como sefosseuma
energia escura que anula o efeito da gravidade entrópica das crises, relançando e
acelerando a acumulação capitalista a cadanova grande dificuldade enfrentada pelo
sistema. Como vimos, foi somente na Europa que aslutas pelo poder geraram essa
articulação virtuosa entre o mundo do poder eo mundo da economia, criando um
mecanismo conjunto - cada vez mais automático - de acumulação de poder e de
riqueza, no qual a expansão do poder induz ao aumento da produção e das trocas
que, por sua vez, estimulam e financiam a própria acumulação do poder. Uma
associaçãoque não se repetiu, naquele momento, em outros impérios e civiliza-
ções, e que acabou se transformando no motor e no segredo do milagre europeu
responsável pela internacionalização vitoriosa do seu sistema capitalista. Quando
se estabeleceessarelação vitoriosa, o poder e o capital adquirem uma capacidade
inusitada de captar, dissolver e transformar todas as coisas - simultaneamente -
em mercadorias e em instrumentos de poder, começando pela ciência moderna
que nasce junto com o sistema interestatal europeu e que, desde o início, opera
simultaneamente como produtora de armas e de mercadorias. No caminho de
expansão dessepoder europeu, a revolução financeira do século XVII e a Revolu-
ção Industrial do século XIX aumentaram asdistâncias e asassimetrias da Europa
com relação aos demais impérios e civilizações que se mantiveram prisioneiros
do jogo das trocas e da economia de mercado, como foi o caso destacadamente
do mundo islâmico e do mundo sinocêntrico. De todo modo, é importante su-
blinhar que a internacionalização do capitalismo europeu se deu pela progressiva
ampliação - competitiva e bélica - dos territórios econômicos supranacionais, dos
seusprimeiros Estados nacionais. Por isso, cada novo passoda internacionalização
capitalista significou o aumento do poder político e econômico dos Estados que
lograram expandir seu território econômico nacional antes que os demais. Foi a
em parte, na violência mais brutal. Todos el 'S, porém, lnnçnrnrn 111, o do pod 'r do Estado, dnviol n 'in ()I1C.nrrndn . ol'!\llnl'I,adn do ~()clt'dlld c', ('111 Knrl MllI'X, () 1'1I/111111: ('1'1111'1I rllI rrouomta
(1111111(,11, l.ivro I: () 11/'III'r,I,I'11 dr jil'fldl/(' IItlll 1'lllillltI(S o PlIlIlo, 1\01, 'IIIIHI, 01,1), p, 112.1,
Conjeturas e história • 27
xpansão dessesEstados-economias nacionais que deu origem aosgrandes impérios
uropeus de onde nasceriam, mais tarde, as duas centenas de Estados nacionais
soberanos que compõem atualmente o sistema interestatal capitalista.
Essatransição da condição de colônia, ou de parte de um território econômico
supranacional europeu, para o pleno exercício da condição de Estados nacionais
independentes não foi homogênea nem linear; dependeu dascaracterísticas especí-
11 asde cada colonização e, sobretudo, do desenvolvimento anterior à chegada ou
submissão aoseuropeus. Apesar dessasdiferenças, muitos dessesnovos Estados e
• nomias nacionais semantiveram dentro do território econômico supranacional
I,suasantigas metrópoles - mesmo após a independência -, quasesempre na con-
I1 ão de fornecedores de produtos primários ou de matérias-primas indispensáveis
Iiara aseconomias metropolitanas. Essaposição inicial, entretanto, nunca foi imu-
II vel nem determinou obrigatoriamente a trajetória do desenvolvimento econômico
I terior dos novos Estados. Por isso, não é possível enquadrar a complexidade
IloJ ítico-econômica dessenovo sistema ampliado de Estados eeconomias nacionais
li '(1 ro de esquemase conceitos bipolares esimplificados, como "centro-periferia",
"<1 senvolvido-subdesenvolvido", ou por conceitos extremamente imprecisos, como
li rniperiferia" ou "dependência", que significam muitas coisas ao mesmo tempo
t li conseguem identificar e distinguir as especiíicidades dessespaíses,uns com
I', I c o aos outros e com relação àssuasantigas metrópoles. O sistema interestatal
, 11 ltalista pode ter múltiplos centros econômicos e infinitas periferias e depen-
I I} ias, mas nenhuma delas determina necessariamente a trajetória seguida por
I I um dos Estados edas economias nacionais que foram seagregando ao núcleo
ItI I'{nal do sistema. "Dentro do sistema mundial formado por 'Estados-economias
I1I 11, is', aseconomias líderes são transnacionais e imperiais por definição, e sua
11 til, âo gera uma espéciede rastro que sealarga a partir de sua própria economia
11 I IOllal,"32. No entanto, existem vários tipos possíveis de lideranças econômicas
Illnhals Ou regionais que podem produzir essemesmo efeito rastro dentro de suas
II(I I, Iiderança, dando origem a vários centros e periferias com dinamismos e
II I tórius diferentes.
(;on()rme abordado anteriormente, a energia que move essesistema vem da
1111 I 11\ .ornp tiçâo .ntrc S .us Estadosesuaseconomias nacionais, pela conquista
111 I ,lIr~ 11111I'1, () /'1It!rl',v,!r,(Jl/1 r IIWlilillllllm flr/,f 1/I1({1r"" '!t" p, ~:~.If.
28 • História, estratégiae desenvolvimento
de posições monopólicas escassase desiguais, por definição. Como no casodo po-
der, também no casodo desenvolvimento econômico ninguém ganharia se todos
ganhassem, e os que já ganharam lutam para manter e ampliar suasvantagens,
estreitando o caminho dos demais e reproduzindo as condições de desigualdade.
Assim, nenhum Estado ou economia nacional conseguirá jamais alcançar uma
posição de liderança dentro de algum dessessubsistemas econômicos sem dispor
de uma economia dinâmica e de um projeto político e econômico capaz de arti-
cular interessesde Estado com aqueles dos grandes capitais privados. Além disso,
nenhum capital privado individual jamais logrará seinternacionalizar sem o apoio
do seu Estado de origem. Ou seja, em todos os níveis e espaçosdo sistema, são
reproduzidas asmesmasregrase tendências do seunúcleo europeu originário, ainda
que seja de forma atenuada pelo tempo e pelas condições materiais, geopolíticas
e estratégicas de cada Estado. Em todo caso, porém, não há como uma economia
nacional se expandir simplesmente por meio do jogo das trocas, nem há como
uma economia capitalista se desenvolver de forma ampliada e acelerada sem que
ela esteja associadaa um Estado com projeto de acumulação do poder e de trans-
formação ou modificação da ordem internacional estabelecida.
Tese 5 - Até o fim do século XVIII, o sistema interestatal capitalista serestringia à
Europa e aos seusimpérios marítimos ou coloniais. Ele só se expande e muda sua
composição no séculoXIX, depois da independência dos Estadosamericanos,evolta
a alargar suasfronteiras depois da Segunda Guerra Mundial, com a incorporação
dos novos Estados independentes da África e da Ásia, globalizando-se definitiva-
mente, no início do século XXI, com a incorporação do antigo mundo soviético e
de todo o mundo sinocêntrico. O problema da ordenação dessesistema, por meio
da criação de um poder global, foi ficando cada vez mais complexo conforme se
expandia eaumentava o número de Estados soberanos.Algumas teorias internacio-
nais sustentam que essaordenação global do sistema é responsabilidade dasgrandes
potências, ou, ainda, de uma única potência "hegemônica". Alguns autoresinclusive
33 CharlcsPoor Klndlebcrgcr, The World in f)('f!I'I'SS/(!II, /929-/ .39(Berk .lcy, Uni v I'sily of .nlirorl1in
Pr ·SS, 1 7.); ic!'111, World ticouomtr IJrlll/f/l:Y, 15()() 10 1990 (Oxrl)l'd, OxrOl'd LJnlv 'l'slty PI'CSS,
11)1)1); Ro!lt'I'1 (:lIpll1, l\nlr til/ti (.~lllIlgl' 111 I IJ/M I/o/III!"I' ( :111111lI'ld f\l', (:lIllllll'ldp,l' lJnlv 'I'SiIY
Pn'~~,I \IHI),
Conjeturas ehistória • 29
falam da existência histórica de "ciclos hegemônicos"34 que teriam sido liderados
sucessivamente por Holanda, Inglaterra e Estados Unidos - no entanto, não há
evidências históricas de que a Holanda tenha tido ou exercido supremacia militar
dentro da Europa, muito menos que tenha tido ou exercido liderança hegemônica
mundial. Na verdade, a Holanda só se manteve como potência verdadeiramente
autônoma por poucas décadas, entre sua independência, em 1648, e sua fusão
político-econômica com a Inglaterra em 1689. Até mesmo a Inglaterra só con-
quistou sua condição definitiva de grande potência durante o século XVIII, após
.onquisrar Escócia e Irlanda, e após sucessivasguerras vitoriosas dentro e fora do
ntinente europeu. No mesmo século XVIII, a Dinastia Romanov - de Pedro, o
frande e de Catarina, a Grande - transformou a Rússia num império e num poder
1 .rritorial mais amplo que o da Inglaterra, enquanto a Dinastia Qing (1668-1911)
[uplicava o território da China, transformando-a num poder regional dentro da
ia muito superior ao poder da Inglaterra dentro da própria Europa. Ou seja, só
, poderia falar de liderança mundial hegemônica da Inglaterra na segunda metade
10 éculo XIX e durante curto período: após a vitória sobre a China, na Primeira
;uerra do Ópio, e o Tratado de Nanquim, de 1842; após a vitória sobre o Grande
M tim e a criação do Vice-Reino da Índia, em 1858; e após o enquadramento
10Japão, dentro de sua estratégia geopolítica asiática, entre a Restauração Meiji,
li 1866,e o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1919. Não por coincidência,
" S ' r, i praticamente o mesmo período em que a libra chegou a ser a moeda de
1 ,'r ncia do sistema monetário e financeiro internacional, entre 1870e 1920.Por
11111,só depois da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos conquistaram sua
'HISi ao de liderança e exerceram sua supremacia econômica e militar dentro do
IIIUI1 I capitalista, mas não exerceram essamesma hegemonia dentro do mundo
uvl 'I i o ou em relação à China comunista. Somente após o fim da Guerra Fria
11 I':stndo Unidos alcançaram uma supremacia unipolar sobre o mundo que,
1111' 'tanto, durou apenas uma década. Nesse sentido, o que se pode afirmar com
I 11 1.01 a re peito do tema da hegemonia e da governança mundial é que até hoje
11 un P u e seusdescendentes norte-americanos exerceram um verdadeiro poder
1lIIIIIral s br o sistema interestatal capitalista, por terem criado e ainda contro-
1,1 ru () sofrwar d sistema. Além disso, deve-se reconhecer que as duas grandes
\ .!OVII 11111Ardi 111,'//11' 1,/llIg '1illl'lIllrtll <.'I'IIIIII:Y (l.oudr 's, Verso, I C)C)tj).
30 • HistóÓa, estratégia e desenvolvimento
potêOciasanglo-saxônicas, junto com os demais povos de língua inglesa, exercem,
há cerca de trezentos anos, supremacia militar e hegemonia monetário-financeira
sobreamaior parte do sistemapolítico eeconômico mundial. Isso,no entanto, não
impediu nem impede que existam ao mesmo tempo vários outros polos ou centros
de poder ede liderança daacumulação capitalista dentro do sistema.Assim, mesmo
nos rtl0mentos da história em que houve um paísque exerceuforte liderança dentro
do grUPOdasgrandes potências, essahegemonia não estabilizou o sistema mundial
nem interrompeu a competição entre os seusEstados- e, o que é mais importante,
tampouco interrompeu a competição entre as grandes potências ou suspendeu o
expatlsionismo da potência hegemônica.
p~raentender essaaparentecontradição, épreciso voltar uma vez mais àsorigens
do sistemaeao momento em que suacompetição interna promove ahierarquização
inicí;l.l dos seusEstados. No topo dessahierarquia situaram-se - desde o início -
os Estados mais poderosos, que constituíram uma espécie de núcleo central ou
vanguarda do sistema. A relação entre essasgrandes potências foi sempre e a um
só tempo de complementariedade e competição, e foi dentro dessenúcleo que se
origi/laram todas asgrandesguerras europeiasemundiais desde 164835• Foram essas
potê/lcias ganhadoras que lideraram o movimento expansivo de todo o sistema,
inovmdo permanentemente e lutando entre si pelo controle de situações mono-
pólicas, sem poder parar de inovar e de se expandir para se manter à frente dos
demús, preservando suacondição de liderança. Seos líderes dessesistemaparassem
de inovar e de seexpandir, esseuniverso entraria em processo de entropia, porque
o próprio universo se estabiliza e ordena por meio de sua permanente expansão.
No entanto, essasgrandes potências se protegem coletivamente, impedindo o
sutgimento de novos Estados e economias líderes, pela monopolização das armas,
da JIloedae das finanças, da informação e da inovação tecnológica". Por isso, o
aparecimento de uma potência emergente é sempre um fator de desestabilização
e m~dança do sistema mundial, porque sua ascensãoameaça o monopólio das
potên.ciasestabelecidas. Na verdade, porém, os grandes desestabilizadores do
35 "O continente europeu como um todo começava a se tornar um sisrcrna interdcpendenre dep~íses,com um equilíbrio dinâmico próprio, no qual toda mudança de; poder cnv lvia direta
011indir carn nrc todas as unidades, rodos os países", '/11 Norbert 1\lia~, () prorrs o riutlizador,
di., p. 129.
1(, SUI.11l SII.lllf\l', Stutr, 11/111fllilrkr/I (I Olldl '~, 1'11\1'1, I')') ),
Conjeturas e história • 31
istema sãoos próprios Estados líderes ou hegemônicos, pois elesnão podem parar
de se expandir para manterem sua hegemonia - e, para se manterem à frente dos
demais, elesprecisam desafiar continuamente asregras e instituições estabelecidas
por elesmesmos que possam estar bloqueando sua imperiosa necessidadede inovar
de se expandir mais do que todos os demais. Por isso, pode-se afirmar que as
randes potências hegemônicas ordenam, de fato, o sistema internacional, mas o
fazem desordenando-o continuamente. E pode-se concluir categoricamente que
não há nem haverá jamais como estabelecere sustentar uma estabilidade hegemô-
nica duradoura, ou uma paz perpétua, dentro do sistema interestatal capitalista
Inventado pelos europeus.
'I' se 6 - O sistema interestatal acumula sua energia de forma contínua, na me-
d ida em que aumenta sua pressão competitiva interna. Em alguns momentos da
lI< história, no entanto, essesistema sofreu grandes explosões expansivas que
projetaram suaspotências mais competitivas para fora de si mesmas, e, ao mesmo
I -mpo, ampliaram as fronteiras globais do próprio sistema. A primeira vez que
~s ocorreu, como já vimos, foi no "longo século XIII", entre 1150 e 1350, e a
('gunda vez foi no "longo século XVI", entre 1450 e 1650. Houve, porém, uma
I I' ira grande explosão expansiva que ocorreu no "longo século XIX", entre 1790
I 191437• Nesse caso, o aumento da pressão competitiva foi provocado: pela luta
IIlI1 (nua entre França e Inglaterra dentro e fora da Europa; pelo surgimento e
11 lu in orporação dos novos Estados americanos; e pela pressão causada por três
uovu p tências emergentes - Estados Unidos, Alemanha eJapão - que cresceram
1Il\lit rapidamente e revolucionaram a economia capitalista e o "núcleo central"
I1I ,r. ndespotências. Por fim, neste início de século XXI estáem pleno curso uma
'1",11'\, rrande explosão expansiva do sistema mundial, que começou na década
IIa 1')70, Nesse caso, ° aumento da pressão dentro do sistema foi provocado pela
I 11'111' ia cxpansionista e imperial dos Estados Unidos que se radicalizou após
01 nos 1970; também foi provocado pelo próprio alargamento das fronteiras
.I" 1st'ma c pela multiplicação dos seus Estados nacionais, depois do fim da
1'1111 Ia ;u rra Mundial; e, finalmente, pelo crescimento vertiginoso do poder
ti" I 1\1 'Z<l do ~ cada asiáticos, em particular da China. Ao contrário do que
I 110 110" buwm, 11FM fim Il/Iprrlrl.1 (Rio dl' [anciro, Jln'l, ''[''rm, I 9H9).
32 • História, estratégia e desenvolvimento
pensam muitos autores, a quarta explosão expansiva não aponta para o fim do
sistema capitalista nem do sistema interestatal", apesarde ser impossível prever os
seushorizontes futuros?", A única certeza é que o sistema deverá encontrar novos
espaçose territórios de expansão, assim como deverá derrubar novas fronteiras,
movido pela mesma energia fundamental empregada em suascompetições e em
suasguerras internas. A longo prazo, o processo de centralização global do poder
e de internacionalização da economia capitalista não elimina suasunidades com-
petitivas básicas,ou seja, seusEstados e suaseconomias nacionais. Pelo contrário,
a cada nova explosão expansiva, multiplicam-se os Estados e se fortalece ainda
mais o seu poder nacional, porque o sistema interestatal capitalista está em per-
manente processo de internacionalização - mas, ao mesmo tempo, também está
em permanente processo de fortalecimento dos seuspoderes territoriais e de suas
economias nacionais. Essesprocessossimultâneos são movidos pela mesma força
contraditória de sua luta comum pelo poder global. .
Tese 7 - Nossa análise da conjuntura internacional na segunda década do século
XXI reconhece que o sistema mundial está passando por uma grande transfor-
mação estrutural, mas não considera provável que o capitalismo ou mesmo os
Estados Unidos estejam vivendo uma crise terminal. O declínio relativo do poder
americano deve mudar a configuração geopolítica e econômica mundial, mas os
Estados Unidos devem seguir ocupando o lugar de pivô do sistema interestatal
nas próximas décadas.
38 Immanuel Wallerstein, Afier Liberalism (Nova York, The New Press, 1995); idem, lhe End of ibeWorld as w,; Know It (Londres, University ofMinnesota Press, 1999).
39 "Assim mesmo, nas próximas décadas, o 'núcleo duro' da geopolítica mundial deverá incluir, ao
lado dos Estados Unidos e da China, a Rússia, graças às suas reservas energéticas, ao seu arsenal
atômico e ao tamanho do seu 'ressentimento nacional' ou territorial, como ensinou Hans Mor-
ghentau. Um núcleo composto, portanto, por três Estados continentais, que detê~ um quart~ da
superfície da Terra e mais de um terço da população mundial. Nessa nova geopolltlca das naçoes,
a União Europeia terá papel secundário como aliada dos Estados Unidos enquanto nã? dispuser
de um poder estatal unificado, com capacidade de iniciativa estratégica autônoma. India, Irã,
Brasil e África do Sul deverão aumentar seu poder regional, em escalas diferentes, mas não serão
poderes globais ainda por muito tempo. Haverá uma nova 'corrida impcriallsrn', que aumentaráo número dos conflitos localizados entre os principnis Estados ' "OI\(IIl1I:1Sdo SI$I'<':I1I:1.Mas'muito dirr'il de pl' 'V<':I'Oscumlnhos do (uturo <.k:poi.,d 'ss:! novu 'cru 11l1p<"I'I,,I151:,"',,'111[osé Lu(s
l'lorl, "() 81.'1\'11111i11Il·I'l'"1111111l'ilpl 111I1.'1I1110IIl(do do $(·"do XXI", di,
Conjeturas e história • 33
Do nossoponto de vista, os EstadosUnidos estão-experimentando e construindo
LI ma nova estratégiainternacional, mais arbitral e menos intervencionista, em todos
osgrandestabuleiros geopolíticos do sistemamundial. O objetivo éexercerpoder im-
perial pela promoção ativa dasdivisõesedos equilíbrios de poder regionais, segundoo
modelo clássicoda administração imperial da Grã-Bretanha durante o séculoXIX. Mas
Issonão impedirá a existênciae amultiplicação dos conflitos edasguerraslocalizadas,
porque asdemaispotências regionaiselou emergentesdeverãoseguir trabalhando para
• nstruir blocos e coalizõescapazesde resistir, equilibrar e algum dia superar o poder
10 al dos EstadosUnidos. Mas não há dúvida de que esseseráo jogo que estarásendo
jogado naspróximas décadas:de um lado, os EstadosUnidos sedistanciando e inter-
vindo apenasem última instância; do outro, asdemais potências regionais tentando
('S apar do cerco estado-unidense, por meio de coalizõesde poder que neutralizem o
dlvisionismo estimulado pelosEstadosUnidos. Esseé,em particular, o casoda China,
(lU já estáfazendo um movimento explícito emilitarizado de afirmação do seupoder
I disputa da supremacia no mar do sul do Pacífico eem todo o LesteAsiático, além
11, star tomando posiçõescadavez mais evidentes e expansivasna luta pelo controle
mperialísra da África. No entanto, o mesmo deve ser dito com relação à Rússia,na
1\11I' pa Central e em toda a Eurásia; com relaçãoàAlemanha, na Europa Ocidental
, também na Europa central; com relaçãoà Índia, no sul da Ásia; com relaçãoao Irã,
110 riente Médio; com relação ao Brasil, na América do Sul; e, em menor escala,
ium relaçãoàÁfrica do Sul e à Indonésia, em zonasimediatas de influência. De toda
111.1/1 ira, a própria expansão do poder americano seguefortalecendo a maior parte
,11, s, potências que deverão competir com os EstadosUnidos naspróximas décadas
I1 IIS hegemonias regionais do mundo.
N sanova configuração geopolítica, aUnião Europeia terá um papel secundário
111 .illança com os Estados Unidos enquanto não dispuser de um poder unificado,
I 11I1Iapacidadede iniciativa estratégicaautônoma. O aumento da fragilidade estru-
III1 li d projeto europeu começou com o fim da Guerra Fria e com a unificação da
,\I 11l1l11ha,junto com o crescimento descontrolado da União Europeia e da Otan,
'1111' passaramda condição de projetos defensivos à condição de instrumentos de
I 1111 [utsea territorial e de expansão da influência militar e econômica do Ocidente
1111 I, Sl • ElI ropcu e tam bérn na Ásia Central e no norte da África. O alargamento
111 10 Ias as dir ç s dn União I\uropeia c da tan aumentou as desigualdades
111 d,~. nndoll:tis • rcduzlu () uuu d homogen 'i bd ,id ruidadc solidari xíad
34 • História, estratégiae desenvolvimento
que existia no início do processo de integração, quando este era tutelado pelos
Estados Unidos e havia um inimigo comum, a União Soviética. O processo de
unificação monetária e de criação do euro atropelou os fatos, esepassouaconstruir
uma moeda e um sistema monetário regional sem contar com uma autoridade
fiscal e um tesouro unificado, capazesde sustentar o valor da moeda, em todas as
circunstâncias e de forma igualitária, dentro e fora da Europa. Por isso, do ponto
de vista geopolítico e econômico, aUnião Europeia enfrenta hoje asconsequências
e os limites de um projeto coletivo e utópico que setransformou num instrumento
de afirmação da supremacia alemã, dentro da Europa. E não é possível ainda saber
até quando os demais paísesda comunidade aceitarão a hegemonia germânica, que
já foi rejeitada duas vezesnestesdois últimos séculos.
Do ponto de vista econômico e financeiro, asnovas regrase instituições criadas
a partir da crise dos anos 1970 permitem aos Estados Unidos definir de forma
exclusiva o valor da moeda internacional, que é o dólar, lastreado pelos títulos da
dívida pública do próprio poder emissorda moeda. Os Estados Unidos possuem um
sistema financeiro nacional desregulado e são a cabeça de uma máquina de cresci-
mento global que funciona em conjunto com a economia nacional chinesa. Dentro
dessesistema, extremamente complexo, toda crise financeira interna da economia
americana pode afetar aeconomia mundial pela corrente sanguíneado dólar flexível
e das finanças globalizadas. Todos os seusciclos internos de valorização de ativos -
em particular, imóveis, câmbio e bolsa de valores - se descolam com facilidade
dos circuitos produtivos e mercantis para os circuitos financeiros globais, apoiados
pelo peso da dívida pública e da política de juros do governo estado-unidense. POI'
essarazão, o fenômeno dasbolhas especulativasamericanas é, de fato, uma ameaça
permanente para a economia mundial. Não se trata, porém, apenasde capital f1l
tício; trata-se de um ciclo específico de valorização do capital que somente oco1"1'1'
dentro de um sistema monetário e financeiro desregulado e atrelado diretam 111I'
ao endividamento público do governo dos Estados Unidos. A crise econôrni ':1I'
financeira atual poderá ser mais ou menos extensa e profunda, mas não seráa "l'1~1'
terminal do poder norte-americano, muito menos do capitalismo. Por enquantu,
não é provável uma fuga do dólar, porque o euro, o yuan i n não têm f6kl'o"
financeiro internacional. Do ponto de vista estrutural. n int .rna íonaltzaçâo d,l
economia cstado-unid ns , asso iada ao r s irn 'lHO :1 -~'kl'ild()dn China, I rodll'l 11
um" mudança 'Sirull"':11no rUI1'ioll:lIn '1110Ia . .ouomlu 11\1111111.11°O!l\oSlll'glnH'llli'
Conjeturas e história • 35
de um novo centro nacional de acumulação de capital - a C~ina e seu entorno
asiático -, com um poder de gravitação igual ao dos Estados Unidos. Uma espécie
de bipolaridade diferente da bipolaridade geopolítica do século XX, pois naquele
C mpo não havia nenhuma complernentariedade econômica entre osEstadosUnidos
, a União Soviética, embora fossem asduas maiores economias do mundo.
Com relaçãoàschamadaspotências emergentes,é importante sublinhar algumas
IiFerençasfundamentais que distinguem China, Índia, Brasil eÁfrica do Sul como
nndidatos à condição de potências internacionais neste início do século XXI. De
partida, China, RússiaeÍndia sãopotências atômicas, ea China ea Rússiasãomem-
I 1'05do Conselho de Segurança dasNações Unidas. Muito antes disso, no entanto,
I ,hina foi uma potência milenar, e somente no período entre 1840e 1950de sua
I, 1\ a história deixou de exercersupremacia e hegemonia em todo o Leste Asiático.
, I ússia foi a segunda maior potência econômica e militar do mundo durante a
I l'tlll1dametade do séculoXX, e tudo indica que voltará adisputar suaantiga posição
11I1se ulo XXI. A Índia é uma potência militar com claras pretensões hegemônicas
111\III da Ásia. Três países,portanto, que têm história e situação de poder militar
li, ulutarnente assimétricas com relação ao Brasil e à África do Sul. Apesar disso,
111I~ I,ÁFricado Sul e Índia - e mesmo a China - ainda ocupam a mesma posição
I lli\(s ascendentes que sempre reivindicam mudanças nas regras de gestão do
I I, 111:\mundial e na sua distribuição hierárquica e desigual do poder e da riqueza.
1I 111(as im, o que sedeve prever para aspróximas décadasé um distanciamento
11"1'.' ~sivoda China com relação a essegrupo de países,visto que a China já será
1111111" nomia mundial- e já é o segundo maior orçamento militar do mundo.
'111I! 1.1Çãà Índia, os pontos de convergência serãocadavezmais tópicos, uma vez
11 111I 11- Áfi'ica do Sul não contam por enquanto com asferramentas de poder
1111111 I safios externos indispensáveis ao exercício da realpolitik. Ainda assim,
I I I I I o país que tem melhores condições de expandir sua presença e projetar
I 1\ 111111'0 -(r, a sua liderança e seu poder dentro da região em que está inserido.
1'11111I' I I ada do século XXI, o Brasil aumentou sua projeção internacional e
IlIdll 1111\;1posição ativa de afirmação de sua liderança e de seupoder na América
111 IIIl ,~('\I '1110rnoe tratégico, incluindo aÁfrica Negra e o Atlântico Sul. Em
I I\"I~II,~'r;l :I quinta maior potência econômica do mundo, e não há mais
li, I 111I 'S '1m -nro 'a alua 50 interna ional já colocaram o paísdentro do grupo
I i 01" das 'mnoll1j:l,~ na 'ionais 'lU o GI'/,\.:f1lpaI'! - do ai-idos ópio central
36 • História, estratégia e desenvolvimento
do sistema interestatal capitalista, em que todos competem com todos e todas as
alianças são possíveis, dependendo apenasda capacidade de cada um de definir e
sustentar os próprios objetivos estratégicos de expansão internacional.
II
A partir dessavisão teórica e histórica das tendências de longo prazo do sistema
internacional e da leitura da sua conjuntura contemporânea, nossa pesquisa se
debruçou sobre o estudo comparado do desenvolvimento econômico de dezenove
paísesque ocuparam ou ainda ocupam posições de liderança política e econômica
dentro das respectivas regiõesou do sistema interestatal capitalista como um todo,
como é (ou foi) o casode: Portugal, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Rússia,
Alemanha, Estados Unidos, Japão e China; Coreia, Austrália, Canadá, Nova Ze-
lândia, Suécia, Dinamarca, Noruega, Argentina e Brasil". Essapesquisa histórica
40 Portugal: ver António H. R. de Oliveira Marques, History ofPortugal, v. 1 (Nova York, Columbia
University Press, 1972); Charles R. Boxer, O império marítimo português (São Paulo, Companhia
das Letras, 2002); Malyn Newitt, A History ofPortuguese OverseasExpansion: 1400-1668 (Nova
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Conjeturas e história • 37
nos permitiu formular algumas generalizaçõesque podem servir de hipóteses para
estudos futuros sobre as condições geopolíticas do desenvolvimento econômico
dasgrandes potências capitalistas e de alguns paísesricos que não foram potências
militares, mas ocupam posições estratégicas importantes na luta entre as grandes
potências.
1. Nenhum casode desenvolvimento econômico nacional bem-sucedido con-
egueser entendido e explicado isoladamente ou a partir de fatores exclusivamente
ndógenos. Em todos os paísesestudados, o desenvolvimento econômico obede-
u a estratégias e seguiu caminhos que foram desenhados em resposta a grandes
d safios sistêmicos, de natureza geopolítica. Independentemente de quais fossem
n coalizões de interesse, de classeou de governo, em todos essespaísesem algum
momento formou-se um bloco de poder que respondeu da mesma forma a esses
l safiosexternos, por meio de estratégiasofensivas e de políticas de fortalecimento
1971); Peter George M. Dickson, The Financial Reuolution in England: a Study in the Deuelop-ment ofPublic Credit-1688-1756 (Londres, Gregg Revivals, 1993); PeterJ. Cain e Anthony G.
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38 • História, estratégia e desenvolvimento
econômico sustentadas por longos períodos. No entanto, não se consegue iden-
tificar nenhuma coalizão específica de classescujos interesses apontem sempre e
necessariamente na direção de um projeto expansivo ou desenvolvimentista. Pelo
contrário, o que sepercebeéque distintas coalizõesde interessepodem dar respostas
e sustentar estratégiassemelhantes - expansionistas e desenvolvimentistas - frente
a configurações e desafios geopolíticos análogos.
2. Todos essespaísesvitoriosos se formaram e sedesenvolveram dentro de ta-
buleiros geopolíticos altamente competitivos, por isso compartilharam, ao longo
da história, de um sentimento constante de cerco e de ameaça externa, de invasão
ou de fragmentação de seus territórios por parte de outros paísesque foram ou
também se transformaram em grandes potências. Isso explica a centralidade da
preocupação que manifestam com relação à própria defesa, e também sua perma-
nente preparação para a guerra - uma guerra futura, virtual. Mais do que isso,
todos os paísesque se transformaram em grandes potências capitalistas passaram
por longos períodos de guerra ou por guerras extremamente destrutivas. No caso
China: ver Denis C. Twichett e John K. Fairbank, Cambridge History of China (Cambridge,
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Conjeturas e hisrória > 39
I is paísesenvolvidos nessestabuleiros de alta competitividade ebelicosidade, qual- .,
(Iuer alteração no poder ou na riqueza de algum dos outros participantes sempre
pl'OVOCOU reaçõesem cadeia, do ponto de vista militar e econômico. Essaameaça
Illtura de guerra ocupou lugar central no desenho dos objetivos estratégicos de suas
I olícicas de desenvolvimento e de industrialização e, ainda mais, na lura constante
I .la liderança do processo de inovação tecnológica e pelo controle das tecnologias
ti ' ponta. No mundo dos "grandes ganhadores", quando existe incompatibilidade
1 nnporária entre a conquista de situações monopólicas e a obtenção de lucros
Ixrraordinários, ou quando estão em disputa recursos estratégicos, a prioridade
nnpre foi a conquista e a defesa das posições monopólicas".
. Mesmo no casodos pequenos paísesdesenvolvidos, que enriqueceram sem se
11\ 11 formar em grandes potências, épossível identificar a influência e a importância
111''ta ou indireta de suaposição geopolítica sobre seudesenvolvimento econômico,
I~mgeral, são paísescuja posição rerrirorial os colocava em algum ponto decisivo
Argentina: ver Mario Rapoport, História econámica,politica y socialde laArgentina: 1880-2003(Buenos
I\It·cs, Emecé, 2012); Tulio Halperin Donghi, Una nación para el desierto argentino (Buenos Aires,
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40 • História, estratégia e desenvolvimemo
da competição ou do enfrentamento das grandes potências, transformando-os em
protetorados militares ou econômicos de alguma das potências envolvidas no con-
flito. Essespaísespodem estar próximos ou distantes da potência protetora, mas
sempre estarãopróximos do território de seusconcorrentes ou adversárioseaceitam
subordinação à política de defesade suapotência protetora em troca do acessopri-
vilegiado a seusmercados e fluxos de crédito, financiamento e investimento direto.
4. Todos os países que se transformaram em grandes potências capitalistas
enfrentaram, no momento de sua arrancada, rebeliões sociais ou guerras civis que
estiveram associadasou foram provocadas, invariavelmente, pela invasão ou ameaça
de invasão externa. Essasrebeliões cumpriram papel decisivo na formação e na
consolidação da unidade territorial, nacional, religiosa ou civilizatória dessespaíses,
como seessasrebeliões ajudassemasuperar divisões sociaisinternas econtribuíssem
para forjar a energia expansiva responsávelpelo impulso desenvolvimentista interno
epela consequente projeção do poder internacional deles. Independentemente das
forças que tenham saído vitoriosas dessesconflitos internos, todas elassouberam
utilizar o conflito como fator de mobilização nacional e de legitimação de seus
projetos expansivos. Em todos os casosde sucessoeconômico também seidentifica
a existência de um núcleo estratégico unido e coesodentro do próprio Estado, que
foi o grande responsável pela definição esustentação dos objetivos estratégicos que
se mantêm constantes durante longo tempo, apesar das eventuais mudanças de
governo ou de regime político. Essesnúcleos, ou centros de poder, demonstram
sempre - em todos os casosestudados - grande flexibilidade e grande capacidade
de adaptação e mudança, sem alterar seusobjetivos, frente a eventuais alterações
na configuração do sistema de poder em que estão inseridos.
5. Todas asgrandespotências foram expansivase imperialistas desdeo momento
da consolidação de seus centros de poder internos e utilizaram suas economias
nacionais como instrumento de poder a serviço de suasestratégias imperialistas,
definindo as grandes metas de suaseconomias nacionais e de sua própria política
econômica a partir dessesobjetivos estratégicos situados no campo do poder. Por
isso, a luta dessasgrandes potências parece quase inseparável da luta pela expansão
contínua do seuterritório econômico supranacional epelo controle monopólico de
novos mercados, de bens, créditos ou investimentos. Nessa luta, todas as grandes
potências e grandes capitais privados d 'SI' spcirararn sisr mari am ntc as r gras
. institui,' )CS 'Ol11p 'lilivns ti' m 'r ':Ido, N .ssc ponto, pode S' dl'l, 'I" [uc 'xisl
Conjeturas e história • 41
uma "lei de ferro": a liderança do capitalismo sempre estevenas mãos dos capitais
privados e das economias nacionais que, apoiadas no poder internacional de seus
l~stados,conseguiram operar com sucessona contramão dasleis do mercado. Assim,
também se pode dizer que todas as potências vencedoras foram mercantilistas e
não seguiram os preceitos liberais durante o período de arrancada até o momento
im que já podiam ombrear com seus principais concorrentes da perspectiva de
Nualuta pelo poder e pela riqueza. Além disso, do ponto de vista estritamente
macroeconômico, também pode-se dizer que asgrandes potências desrespeitaram
I tematicamente os preceitos da ortodoxia econômica em nome de sua luta pela
onquista de mais poder, emesmo assimconseguem manter suacredibilidade fiscal
financeira, acumulando ainda mais poder.
6. As grandespotências vencedorassempre impuseram aspróprias moedas como
m edas de referência, tornando-as uma espéciede delimitação de seus territórios
nômicos supranacionais. Conforme as barreiras tarifárias tradicionais foram
indo abolidas, a moeda se transformou na grande fronteira que separa e hierar-
quiza os territórios econômicos das grandes potências. Na luta entre os Estados
I 1 economias nacionais, houve paísesque conseguiram impor a própria moeda
ti mtro de territórios regionais, mas apenas dois paíseslograram impor, até hoje,
lia moeda em escalainternacional: Inglaterra e Estados Unidos. Muitos paísesque
• propuseram a alcançar ou superar as potências anglo-saxônicas tiveram pleno
I1 so tecnológico e industrial, mas nenhum conseguiu desafiar ou substituir a
111 ) da e a centralidade do sistema financeiro das duas líderes do sistema interes-
I unl capitalista nos últimos duzentos anos. Quando existiu essapossibilidade de/
ont taçâo, foi também quando se viu bloqueado o caminho de ascensão da
pOL ncia emergente. Mesmo no caso da sucessão monetária anglo-saxônica, a
I Issa em da libra para o dólar foi precedida de uma longa luta estado-unidense
li nquista de território e imposição progressiva de sua moeda, começando pelo
(,lrH epela América Central. Foi somente após avitória dos Estados Unidos nas
dlllS randes guerras do século XX e após todos os Estados europeus, incluindo
I 111alarcrra, se endividarem com o governo norte-americano que o país logrou
rnpor S Ia moeda como referência internacional. Desse modo, no caso do dólar,
11 1110 já havia acontecido com a libra, a escolha da moeda internacional não foi
li 1.\m 'r ndos, I11:1S um subproduto da guerra e da vitória da superpotência, que
IlIlh' impor :\111 'S suu supnlOl"idad' políri a militar .
42 • História, estratégia e desenvolvimento
7. As grandes potências sempre tiveram o poder de emitir dívida pública muito
superior ao dos demais Estados do sistema. Por isso os títulos da dívida pública das
grandes potências sempre tiveram maior credibilidade que os títulos dos Estados
situados nos degraus inferiores da hierarquia do poder e da riqueza internacional.
Marx" percebeu a importância decisiva da dívida pública para aacu~ulação privada
do capital, e vários historiadores" têm chamado a atenção para a importância do
endividamento dos Estados no seuprocessode "ernpoderarnento'Y. A dívida públi-
ca da Inglaterra, por exemplo, passou de 17 milhões de libras, em 1690, para 700
milhões de libras, em 1800, justamente no período em que o país se transformou
numa grande potência imperial e global. E o mesmo aconteceu com os Estados
Unidos" esuacapacidade de endividamento, que também aumentou com aexpan-
sãode seu poder global, dentro e fora da América". E, ainda agora, no século XXI,
42 "Como com um toque de varinha mágica, ela infunde força criadora no dinheiro improdutivo e o
transforma, assim, em capital, sem que, para isso, tenha necessidade de seexpor aosesforços e riscos
inseparáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. Na realidade, os credores do Estado não dão
nada, pois a soma emprestada seconverte em títulos da dívida, facilmente transferíveis, que, em suas
mãos, continuam a funcionar como se fossem a mesma soma de dinheiro vivo. Porém, ainda sem
levarmos em conta a classede rentistas ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financistas
que desempenham o papel de intermediários entre o governo e a nação, e abstraindo também a
classe dos coletores de impostos, comerciantes e fabricantes privados, aos quais uma boa parcela
de cada empréstimo estatal serve como um capital caído do céu, a dívida pública impulsionou as
sociedades por ações, o comércio com papéis negociáveis de todo tipo, a agiotagem, numa palavra:
o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia", em Karl Marx, O capital, Livro T,cit., P: 824-5.
43 "Qualquer teoria sobre o significado econômico da dívida pública está obrigada a esclarecer por
que tanto no século XVIII quanto no século XIX a Grã-Bretanha foi capaz de superar concorrentes
superiores econômica e dernograficamente, por que conseguiu evitar crises políticas internas asso-
ciadas a uma dívida muito alta e, sobrerudo, por que emergiu como a 'primeira nação industrial',
apesar de sustentar uma dívida pública de tamanho e duração ímpar", em Niall Ferguson, A lógica
do dinheiro, riqueza epoder no mundo moderno: 1700-2000 (Rio de Janeiro, Record, 2007), p. 138.
44 Peter George Muir Díckson, lhe Financial Revolution in England (Londres, Gregg Revivals, 1993);idem, "War Finance, 1689-1714", em John S. Bromley, lhe New Cambridge History, v. 6, cito
45 "Assim, apesar das críticas ao déficit americano, este tornou-se, na prática, o único elemento de
estabilização do mercado monetário e de crédito internacional. O preço desta 'estabilidade' tem
sido a submissão dos demais países à diplomacia do dólar e o ajustamento progressivo de suas
políticas econômicas ao desiderarodo 'equilíbrio global do sisterna'", em Maria da Conceição
Tavares, "A retomada da hegemonia americana", em Maria da Conceição Tavares eJosé Luís Fiori
(orgs.), Poder e dinheiro: uma economia política da globaliZllftÍo (Perrópolis, Vozes, 1997).
46 "Durante as três primeiras décadas do é ulo XX, houve um granel Auxo d apirnl de ban os
privad s norcc-amcricanos para país 'S 01110 .anad:\, Auslr:\lia ca maioria das naç 'S da Europa
) 'id '111:\1,Jnp:to 'alglll1s pníscs mais ri o~ <1(( AI11 ri 'li 1.11111111.Ma, os pals'~ que 11:o .rurn
1I11"I'I1I'~ p:II':1 (l,~ hlll1'OS ti' II1Vt',\lll1lt'II\O dONI':\JA (1)1'1):11'11111Nr n,~hllllll'S .111'I lplomn 'in do
Conjeruras e história • 43
sã os títulos da dívida pública dos Estados Unidos que seguem lastreando seu
.rédito internacional e sustentando o atual sistema monetário internacional.
Paraconcluir essasgeneralizaçõeshistóricas, pode-se propor uma tipologia ideal
'xtrernamente simples e hipotética com relação aoscaminhos do desenvolvimento
nômico dos países,levando-se em conta sua posição geopolítica e hierárquica e
suaestratégia de acumulação de poder internacional, considerando que um mesmo
,ai pode ocupar distintas posições dentro dessatipologia em distintos momentos
" ua história e que todos os paísespodem sepropor a mudar sua posição relativa
I .ntro dessahierarquia, mesmo quando não seproponham aser economias plena-
III .nte industrializadas, Estados líderes, ou mesmo potências regionais ou globais:
i) Num primeiro grupo, situam-se os paísesque lideram a expansão do sistema
ntcrestatal edo capitalismo, em distintos níveis emomentos da história. SãoEstados
111 ionais que têm uma visão estratégicae instrumental de suaseconomias nacionais
t lutam permanentemente para expandir seusterritórios econômicos supranacionais.
I,'ss Estados e economias líderes mantêm entre si uma relação de competição e
disputa de poder permanente, e jamais abrem mão do controle dos processosde
uovaçâo tecnológica emilitar. Como resultado de suaposição, dispõem de melhores
,ondições de endividamento e maior grau de liberdade na escolha e na realização
I" suaspolíticas econômicas, podendo alterá-Iascom mais facilidade em função das
, li' unstâncias e na medida em que possam repassarpara terceiros os custos de seus
IJusce internos sem sofrer nenhum tipo de penalidade - visto que, afinal, são eles
tIl 'SITIOS que controlam a moeda e o crédito internacional.
j i) Num segundo grupo, situam-se ospaísesque sãoderrotados esubmetidos, ou
'111 • adotam livremente estratégiasde integração ou subordinação direta, com rela-
" I) l onomia e àspolíticas econômicas das"potências líderes?", transformando-se
111 pr tetorados econômicos ou militares dessaspotências. São paísesque obtêm
I 'S~ privilegiado aosmercados eaoscapitais de suaspotências protetoras em troca
Ih,sua ubrnissão à política externa eà política monetário-financeira delas. Essefoi
I ólnr', responsável pela criação de zonas de influência diretas da moeda e da dívida pública norte-
11111·,'i .nna. Nesse per urso, a expansão militar foi a força propulsora da expansão financeira, isto
, hl111.. rin . rnon 'L;iriJ", em Mir !li Malaguri Ferrari, A dívida pública como um dosfimdamentos
//11/1f/I/1'1'1/lI/{'ril'ttlo (Rio de janeiro, FRJ,201), tese de doutoramento, p. 135-6.
.lIrlo" A, M 'ti 'il'O~, lrnuklln S """1110,"Padr )CS 111(111"lÍrios inr rna ionais ' r s im 11l0", em
lu I I ,UIN 11101'i (01'1\')' FI/III/II,I r I/Wrdlll 11I1d~ mfl("fI"II~I//(1 tllI.IIIII(()f (Pt:lI'ópolis, VO'I. 'S, 1999),
44 • História, estratégiae desenvolvimento
o caso, por exemplo, dos domínios ingleses, mas também dos paísesderrotados
na Segunda Guerra Mundial que depois foram transformados em protetorados
militares dos Estados Unidos, contando com asmesmas facilidades - ao menos por'
um tempo - de acessoao crédito e aosmercados de capitais dos antigos domínios
britânicos que também viraram protetorados estratégicos dos Estados Unidos após
a Segunda Guerra Mundial.
iii) Num terceiro grupo, situam-se os paísesque questionam a hierarquia in-
ternacional de poder e adotam estratégiaseconômicas direcionadas à mudança do
statusquo, procurando superar a lacuna tecnológica, industrial e financeira que os
separa das potências líderes do sistema. Em geral, adotam políticas econômicas
mercantilistas protecionistas com relaçãoà própria indústria eao mercado interno,
visando acelerar seu crescimento econômico. No entanto, o fundamental é que
seus objetivos de longo prazo não são definidos a partir da economia, nem são
submetidos aosditames da política econômica, uma vez que sãoprojetos nacionais
que podem ser bloqueados e podem não conseguir superar as barreiras à entrada
impostas pelas grandes potências, como foi o casoda Alemanha e da União Sovié-
tica" na Europa, do Japão na Ásia e da Argentina e do Brasil na América do Sul.
Também podem ter sucessoe dar origem a uma nova potência regional ou global,
como foi o caso dos Estados Unidos na primeira metade do século XX e parece
estar sendo o casoda China neste início de século XXI. Ainda assim, os paísesque
foram bloqueados ou destruídos tendem a voltar à disputa, mantendo os mesmos
objetivos, mas mudando suas estratégias, com vistas a enfrentar ou contornar o
bloqueio das grandes potências que controlam as barreiras à entrada ao núcleo
central do sistema. Esseé o caso, por exemplo, da Alemanha e da Rússia nestes
primeiros anos do século XXI.
iv) Por fim, num quarto grupo, incluem-se todos os demais paísessituados no
"andar de baixo", isto é, na periferia do sistema. SãoEstados que não têm condições
ou não se propõem a desafiar a ordem estabelecida e aceitam sua posição políti ;l
subalterna dentro do sistema internacional de poder, mantendo-se como eventuais
fornecedores de bens específicos - primários ou industriais - das economias qut
lideram o desenvolvimento capitalista mundial ou regional. São paí es com baixa
óH José Luís Piol'i," pod I' o dinh iro: urna hil ÓI'~' • vrirlns II~') 's", ·lll.10S l.uís Fior}, M:III.I
Skinn ',' ti' 1.0\11' -nço . José Curvnlho d Noron 1111, (;IIIIJIII/Jl:I/(' o: II/i/IIII' 1111I/111 (Rio ti . [unclm,1\11110,'1\ 1111l Jrr], I')()H).
Conjeturas e história • 45
ttpacidade de endividamento, fortes restnçoes externas e inteira submissão às
I olíticas econômicas definidas pelas potências dominantesv, mesmo sem gozar
dascondições favoráveis oferecidas aos protetorados.
Por fim, uma pergunta inevitável: o caminho dos "ganhadores" estáaberto para
to los os países?Sim, estáaberto, mas poucos serão os vencedores, porque a ener-
Ilu que move essesistema, conforme vimos, vem da luta contínua entre Estados,
l' nomias nacionais e capitais privados, pela conquista de posições monopólicas
'lu ão desiguais por definição. Ainda assim, todos os Estados podem se propor
I 111 dificar sua posição relativa dentro do sistema, ainda que não queiram neces-
trlamente ser uma potência regional ou internacional.
lU
I'I li' Ú Icimo, quando serelê ahistória da centralização do poder ecriação dos Estados
11 11 I nais da América do Sul - dessemesmo ponto de vista teórico - descobre-se
11111 \ urpreendente similitude com a Europa, que em geral não é destacada pelas
111 1'1'1' rações tradicionais do desenvolvimento sul-arnericano'", em especial na
1I 1'0 ' geopolítica do Cone Sul e na região geoeconômica da bacia do Prata, que
1111 ~lIjum dos territórios de mais alta produtividade do continente e inclui parte
I I' ssivade Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e também do sul e do sudeste
Illd 11.iros, onde se encontram os estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
1'11 111, parte de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, integrados pelos
I 11 Pill'uná e seusprincipais afluentes: Parnaíba, Rio Grande, Tietê e Paranapane-
1111 1 mtro desseterritório relativamente contínuo e homogêneo, as guerras de
111I" I ndência e asguerras civis que sesucederam e seprolongaram durante toda
I 111 111 ira metade do século XIX até o fim da Guerra do Paraguai, entre 1864 e
I1 iO'I, produziram efeitos análogosàquelesproduzidos pela Europa - uma história
111 Lu(s Fi ri, "Estados,moedase desenvolvimento", em idem (org.), Estados e moedasno de-',I/I,/I/'I/lIIm/o das fiações, cit.
, 11\ ',~111()Sj:i defendemosuma interpretaçãodiferente, em artigosanteriores,nosquaissugeri-11111 ,\ hipótese de qu teria sido apenasno séculoXX que a competiçãoentre seusEstadosterial"ildll'/ldo 'fI'i! )s sem .lharucs ao r sr do sistemainteresraralcapitalista.Ver, por exemplo,José1I1 Plml, "Brasil • Amérlcn do Sul: o dcs: 110da inserçãointerna ional soberana"(Brasília, Ipea/I 1'"1, ()I()),
I 11 Ih~'11i)MC1IlI~.I\Hlld • I I, I1 r.1111/1I'tllI tllI IImlll/' ,,/il/'llll/i't10 dos r.f/l/rlM 1/1/ 11111'1"do Prtllll, 11.
~------------------_._-- -
46 • História, estratégia e desenvolvimento
que serepetiu dentro do Cone Sul, do outro lado da cordilheira dos Andes, onde
o Chile também possuía terras de alta produtividade e conquistou seu território
atual, por meio de sucessivasguerras vitoriosas contra o Peru e a Bolívia, ao norte,
e contra populações e territórios indígenas, ao sul, transformando-se num dos
Estados nacionais que mais cedo se centralizou e militarizou em toda a América
do Sul. Após esseperíodo de guerras e de definição de fronteiras e hierarquias,
Paraguai, Bolívia e Uruguai foram periferizados por Argentina, Brasil e Chile,
mas a competição geopolítica e militar entre essestrês paísesse prolongou até o
século XX. E foi nesseséculo de rivalidade, competição edisputas regionais dentro
desse tabuleiro geopolítico que a Argentin~ liderou o primeiro grande milagre
econômico da América do Sul, entre 1870 e 1940; logo em seguida, o Brasil
liderou o segundo grande milagre econômico do continente, entre 1937 e 1980,
completando 110 anos de alto crescimento econômico contínuo dentro da mesma
região geoeconômica, algo absolutamente inusitado na economia mundial. Esse
desenvolvimento contínuo, no entanto, não foi obra do acaso nem obedeceu a
nenhum tipo de determinismo, conforme se pode ver pelo estudo da história da
Argentina e do Brasil:
i) O arranco do milagre econômico argentino se deu logo após a Guerra do
Paraguai e a unificação do Estado argentino na década de 1860, que obedeceu a
uma estratégia geopolítica muito clara, ao ser traçada pela mesma elite civil, militar
e intelectual que governou aArgentina e comandou sua expansão territorial e eco-
nômica com o propósito explícito de superar o Brasil na disputa pela hegemonia do
Cone Sul52• Foi essacompetição estratégica que orientou as"Guerras do Deserto" e
a conquista do Pampa eda Patagônia pelos argentinos nasdécadasde 1870 e 1880-
conquista esta que abriu as portas para a velocíssima expansão da rede ferroviária
do país, o que permitiu a ocupação demográfica e o fortalecimento econômico
dos novos territórios, ocupados por imigrantes trazidos da Europa. A partir daí, o
Estado argentino se unificou definitivamente, suas Forças Armadas assumiram a
liderança militar da América do Sul e aArgentina impôs sua hegemonia dentro de
52 Os presidentes Barrolomeu Mitre, Domingos Sarmiento e Julio Roca foram lideranças políti as,intelectuais e militares centrais na formulação d ss projeto cxpansionisra c heg .rnônico daArgentina. lema do gen .ral Ro a no ornando li .rnl da " OI1t]\liSI:\ do dcscrt )" 'ra "extinguir,subm '1 'r 011disp "I'~:lI"",conslgnn vliorlosa qu o ol1du',iulI pl't'sidellll:l do p,tfs dllll\ V'" 'S, '1111'("1HHO ~. 1HH6 " 11H1i1,1,II'd ,t'IIIIÇ 1HI)!! t' II)() ,
Conjeturas e história > 47
lodo O território do antigo vice-reinado do Prata, o que permitiu que sua economia
-r scessede forma contínua durante meio século a uma taxa média anual de 6%.
N início do século XX, a Argentina havia se transformado no país mais rico do
'onrinente sul-americano e na sexta ou sétima economia do mundo. Entre 1870 e
1940 aArgentina foi aprincipal aliada da Inglaterra, ocupando lugar central dentro
I,estratégia geopolítica dessepaís na América do Sul, sem chegar, entretanto, a ser
um protetorado militar inglês. Além disso, o expansionismo argentino do século
rx foi financiado por sua economia exportadora e sua capacidade de endivida-
111'mo junto à banca inglesa, embora a Argentina nunca tenha sido um domínio
I1 lês, tampouco um país subdesenvolvido, e certamente não estaria condenado
.ondiçâo de periferia primário-exportadora se tivesse conseguido reajustar seu
projeto estratégico e econômico sob as condições geopolíticas criadas pelo fim
Ilil 'egunda Guerra Mundial, pelo declínio da Inglaterra e pela nova supremacia
mundial dos Estados Unidos. Nesse momento, o governo de juan Domingos
I' I' n propôs uma estratégia conservadora de realinhamento internacional e de-
uvolvimenro econômico nacionalista e popular, mas esseprojeto foi bloqueado
I' -los Estados Unidos, pelo Brasil e por parte significativa da elite e da sociedade
I1I mtina. O grande projeto estratégico da segunda metade do século XIX havia se
I I uado, aselites dirigentes haviam perdido suacoesãoeasociedade argentina não
IIIIlS guiu mais se unir em torno de uma estratégia nacional que tivesse a mesma
111\ ~ a unidade alcançada no século anterior.
Ii) omo sefosseuma sequênciaou consequênciaquasedireta dessadesaceleração
1\ I 'Illi na,o Brasil construiu seupróprio milagre econômico entre 1937 e 1980. E, por
II I Sucessoeconômico que obteve nesseperíodo, pode-se também identificar-
1111 Hrasll, como já havia acontecido na Argentina - a existência de um projeto e
rll lima tratégia que foram formulados nas primeiras décadasdo século XX pela
I I It ivil, militar e intelectual conservadora. Para os formuladores desseprojeto,
1\ Ilnsil foi superado pela Argentina após o fim da Guerra do Paraguai, vendo-se,
I '" ado pelos paísesde língua hispânica, então fortalecidos por sua aliança
I 1111111i a c 111 ili tar com a Inglaterra>, Essasideias e propostas foram elaboradas
I dl,'gn6sri o roi formulado por uma geração de diplomatas e intelecruais e por um grupoti [uv 'II~ militnr 'S que se rOl'lnal'll1l1 lia AI 'manha a partir de 1906 e trouxeram para o BrasilI ri Iil\ dn ('~ '01111-I,'oJ1ollli ,I 1I1t'1I1., da s 'gllntln m 'uld ' do sé iulo XIX, 'x rnplif adns p .lnxIi/III,I li 1k'l'll1 'S d,l PIIIIN' ,I, 1m M,ld.1 P,II';lI1l1os.C ',Mol1l '11'\1ç' ; '''1110Vai'! ,I~,no lndo dc
48 • História, estratégia e desenvolvimento
e amadureci das durante as duas primeiras décadasdo século :XX, mas apenas fo-
ram colocadas em prática de forma sistemática e consistente a partir da década de
1930. Depois disso, durante meio século-entre 1937 e 1980-, o poder do Estado
brasileiro foi recentralizado e reaparelhado burocraticamente, suasForçasArmadas
foram reorganizadas e reequipadas e o Brasil acabou ultrapassando aArgentina do
ponto de vista econômico e militar, transformando-se na principal economia do
continente sul-americano. Nessescinquenta anos, a economia brasileira cresceu a
uma taxa média de 7%, e sua indústria, a uma taxa média de 9% ao ano. Ao final
da década de 1970, o Brasil se singularizava na América do Sul pela centralidade
econômica de seu Estado desenvolvimentista, pela extensão de sua indústria epelo
dinamismo de seu setor exportador. Esseprojeto conservador de desenvolvimento
e de supremacia regional foi apoiado pelos Estados Unidos entre os anos 1950 e
1970, quando o Brasil foi transformado no pivô da política externa estado-unidense
para aAmérica do Sul, ainda que o Brasil nunca tenha chegado a serpropriamente
um protetorado militar dos Estados Unidos. Entre o fim da Segunda Guerra e a
décadade 1970, osEstadosUnidos apoiaram o desenvolvimentismo sul-americano,
independentemente de serem governos democráticos ou ditatoriais; no entanto,
se opuseram terminantemente e bloquearam qualquer tentativa de transformar o
desenvolvimentismo na base material de um projeto estratégico que tivesse uma
política internacional autônoma, sobretudo se envolvesse uma ação conjunta do
Cone Sul ou algum tipo de produção ou utilização autônoma da energia nuclear.
Foi o que aconteceu na Argentina, com o governo Peron, em 1955, e no Brasil,
com os governos de Getulio Vargas, em 1954, e de João Goulart, em 1964. Na
década de 1970, a crise econômica e asmudanças geopolíticas internacionais obri-
garam o Brasil a redefinir sua estratégia de inserção internacional e sua política de
desenvolvimento econômico. Foi nessemomento que o governo do general Geisel
intelectuais como Alberro Tores e Oliveira Viana, entre tantos Outros. Foram elesque construíram,
em conjunto, a teoria do "cerco argentino" e a proposta do catch up e da superação do poder
econômico e militar do país vizinho e de seus aliados de língua castelhana. Esse arcabouço de
ideias e objetivos foi sendo afinado ao longo do tempo e começou a ser colocado em prática de
forma mais consistente pela Revolução de 30 e, em particular, pelo Estado Novo, liderado por essa
mesma elite militar e civil que, posteriormente, comandou o projeto dcscnvolvim nrista brasileiro
até 1985. A '$SC propósito, ver Ri ardo Z rtén Vieira, Lembrai-uos rlll g"l'ml: flllll'(f('IIKCOpolltiCf/,
m:((fIllIZ(f('11() do l:'sllldo I' rlt'SrIIlJllluilllrlllli t'(,III/~IIIIt'11 /111 {lt'/lSlIlIIrIIlll III/I/III/' IlIm/lr//'(/ 191. -I 61(1)ls.~·1·I.l~· o d· M~·'II.ld(l ~1111':\OIHlIllln POIIII'.I 1111('1'1111 lonnl, Rio d!' [um-hu, lJJlltj, OIJ),
Conjeturas e história • 49
e propôs a transformar o Brasil numa potência intermediária, com uma política
internacional e nuclear mais autônoma, apoiada em um projeto econômico de
apitalismo de Estado. Esseprojeto, porém, também foi vetado e bloqueado pela
política externa norte-americana eacabou sendo atropelado pela política econômica
internacional dos Estados Unidos, nas décadas de 1970 e 1980, com o apoio de
Limaparte significativa da elite civil que havia apoiado inicialmente o regime militar.
Podemos dizer que o extraordinário desenvolvimento econômico da Argentina
. do Brasil nos séculos XIX e :xx seguiu o mesmo padrão dos demais paísescom
ultos índices de crescimento econômico analisados neste prefácio. Nos dois casos,
desenvolvimento foi orientado por estratégias análogas e opostas de competi-
ão sistêmica pela hegemonia do Cone Sul. Essasestratégias foram formuladas
Internamente, dentro de cada um dos dois países,embora tivessem sido apoiadas,
.stimuladas e instrumentalizadas pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, respecti-
vnrnente, como forma de equilibrar as forças e neutralizar o poder expansivo dos
paísesque compõem o Cone Sul, em particular Brasil, Argentina e Chile, e sua
nfluêncía sobre todo o continente sul-americano.
Rio de Janeiro, 9 de abril de 2014