Física Geral A

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Fsica Bsica ALuiz O. Q. PeduzziSnia S. Peduzzi2 EdioFlorianpolis, 2009Governo FederalPresidente da Repblica: Luiz Incio Lula da SilvaMinistro de Educao: Fernando HaddadSecretrio de Ensino a Distncia: Carlos Eduardo BielschowkyCoordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso CostaUniversidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da Silva Secretrio de Educao a Distncia: Ccero BarbosaPr-Reitora de Ensino de Graduao: Yara Maria Rauh MllerPr-Reitora de Pesquisa e Extenso: Dbora Peres MenezesPr-Reitor de Ps-Graduao: Maria Lcia de Barros CamargoPr-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira SilvaPr-Reitor de Infra-Estrutura: Joo Batista FurtuosoPr-Reitor de Assuntos Estudantis: Cludio Jos AmanteCentro de Cincias da Educao: Wilson SchmidtCentro de Cincias Fsicas e Matemticas: Tarciso Antnio GrandiCentro de Filosofa e Cincias Humanas: Roselane NeckelCurso de Licenciatura em Fsica na Modalidade DistnciaCoordenao de Curso: Snia Maria S. Corra de Souza CruzCoordenao de Tutoria: Rene B. SanderCoordenao Pedaggica/CED: Roseli Zen CernyCoordenao de Ambientes Virtuais/CFM: Nereu Estanislau BurinComisso EditorialDemtrio Delizoicov NetoFrederico F. de Souza CruzGerson Renzetti OuriquesJos Andr AngottiNilo KhlkampSilvio Luiz Souza CunhaLaboratrio de Novas Tecnologias - LANTEC/CEDCoordenao PedaggicaCoordenao Geral: Andrea Lapa, Roseli Zen CernyNcleo de Formao: Nilza Godoy GomesNcleo de Pesquisa e Avaliao: Claudia Regina Flores Ncleo de Criao e Desenvolvimento de MateriaisDesign GrfcoProjeto Grfco: Diogo Henrique Ropelato, Marta Cristina Goulart Braga, Natal Anacleto Chicca Junior.Diagramao: Paula Cardoso Pereira, Gabriel Cordeiro CardosoIlustraes: Maximilian Vartuli, Douglas LeonardoCapa: Maximilian Vartuli, Douglas Leonardo, Natlia GouvaDesign InstrucionalCoordenao: Juliana MachadoDesign Instrucional: Geraldo Wellington Rocha FernandesReviso do Design Instrucional: Rodrigo Machado CardosoReviso Gramatical: Jane Maria Viana CardosoCopyright 2009, Universidade Federal de Santa Catarina/CFM/CED/UFSCNenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordenao Acadmica do Curso de Licenciatura em Fsica na Modalidade Distncia. Ficha Catalogrfca P372fPeduzzi, Luiz O. Q. Fsica bsica A / Luiz O. Q. Peduzzi, Snia S. Peduzzi. 2. ed. Florianpolis: UFSC/EAD/CED/CFM, 2009. 270p. ISBN 978-85-99379-75-2 1. Fsica. I. Peduzzi, Snia S.. II Ttulo. CDU 53Elaborada pela Bibliotecria Eleonora M. F. Vieira CRB 14/786SumrioApresentao .................................................................... 91 Introduo ao estudo de vetores ...................................111.1 Introduo .............................................................................131.2 Representao e caractersticas de um vetor ......................141.3 Adio e subtrao de vetores pelo mtodo geomtrico ....151.4 Adio e subtrao de vetores de mesma direopelo mtodo analtico ........................................................... 171.5 Componentes de um vetor....................................................191.6 Adio e subtrao analtica de vetores ..............................211.7 Vetores em trs dimenses .................................................. 231.8 Produto de vetores ................................................................261.9 Produto escalar .....................................................................261.10 Produto vetorial ...................................................................31Resumo ...................................................................................... 362 Fora e movimento: uma sntese de Aristteles a Galileu ....................................................................... 392.1 Introduo .............................................................................412.2 O universo aristotlico ........................................................ 422.3 Aristteles e os movimentos naturais .................................452.4 A lei de movimento de Aristteles .....................................472.5 O movimento violento de um projtil ..................................492.6 A noo de fora impressa: Hiparco e Filoponos ............... 502.7 Do reaparecimento da fora impressa no sculo XIao impetus de Buridan ..........................................................522.8 Novos questionamentos dinmica dos projteis ..............572.9 A Fsica de Galileu .................................................................612.10 O movimento neutro e a lei da inrcia de Galileu ............ 682.11 Galileu e o movimento de projteis ....................................70Resumo .......................................................................................723 Cinemtica unidimensional .......................................... 753.1 Introduo .............................................................................773.2 O movimento de translao e o conceito de partcula .......783.3 Representao grfca de um movimento - grfcos x x t .. 803.4 Representao grfca de um movimento - grfcos v x t .. 853.5 Velocidade mdia ..................................................................873.6 Movimento retilneo uniforme .............................................913.7 Velocidade instantnea em um movimento retilneo qualquer, a partir de um grfco x x t ...................................933.8 Acelerao mdia ................................................................ 963.9 Movimento retilneo uniformemente variado ..................... 983.10 Grfcos x x t de um movimento retilneouniformemente variado .................................................... 1013.11 Acelerao instantnea em um movimento retilneo qualquer, a partir de um grfco v x t ................................1033.12 O relacionamento teoria-problema ..................................105Resumo ..................................................................................... 1184 O movimento de projteis ...........................................1214.1 Introduo ...........................................................................1234.2 O movimento vertical de um projtil .................................1234.3 O relacionamento teoria-problema: movimento vertical ..1254.4 O movimento oblquo de um projtil .................................1324.5 O relacionamento teoria-problema: movimento oblquo . 137Resumo .....................................................................................1465 Uma introduo didtica s leis de Newton ................1475.1 Introduo ........................................................................... 1495.2 A primeira lei de Newton....................................................1505.3 O movimento circular uniforme:uma descrio qualitativa ..................................................1535.4 A relao= F ma ...............................................................1565.5 A terceira lei de Newton .....................................................1655.6 Fsica newtoniana versus teoria do impetus ..................... 1675.7 Unidades de massa e fora ................................................. 1675.8 A fsica intuitiva e as difculdades conceituais dos estudantes em relao s leis de Newton .......................... 1695.9 O relacionamento teoria-problema .................................... 1765.10 O conceito de fora fctcia em observadores no inerciais ...................................................................... 1875.11 Questes ............................................................................189Resumo .....................................................................................1946 O Atrito ...................................................................... 1956.1 Introduo ........................................................................... 1976.2 Lei de fora para o atrito de deslizamento a seco ............1996.3 O atrito em nvel microscpico:um fenmeno complexo .................................................... 2046.4 Lei de fora para o atrito esttico ..................................... 2066.5 O relacionamento teoria-problema .................................... 211Resumo .................................................................................... 2227 O movimento circular ................................................ 2237.1 Introduo ........................................................................... 2257.2 A acelerao de um corpo em movimento circular ..........2267.3 Fora no movimento circular ............................................ 2307.4 O equacionamento de um movimento circular uniforme .2317.5 O relacionamento teoria-problema ....................................232Resumo .................................................................................... 236Anexo Sobre a resoluo de problemasno ensino da Fsica ............................................ 2371. Introduo .............................................................................2392. Fases ou estgios na resoluo de problemas ....................2423. A contribuio do especialista no delineamentode estratgias para a resoluo de problemas de lpise papel em Fsica...................................................................2464. Uma estratgia para a resoluo de problemasem Fsica bsica ................................................................... 2505. Comentrios sobre a estratgia apresentadana seo anterior ..................................................................2516. Observaes e comentrios fnais .......................................259Resumo .....................................................................................263Referncias ................................................................... 2659ApresentaoCom o presente texto, inicia-se o estudo da mecnica em nvel univer-sitrio bsico. Os assuntos esto distribudos em sete captulos. Ocaptulo1discutevetores,umcontedomatemticoessencial fsica.O captulo 2 faz uma abordagem histrica do tema fora e movimen-to.Mostrandoquebastanteantigaapreocupaodacinciacom o movimento dos corpos e suas (possveis) causas, coloca no centro dasdiscussesomovimentodeprojteiseacontrovertidaquesto de um movimento sem resistncia. De Aristteles a Galileu, h uma profuso de conceitos que refetem diferentes vises de mundo e que ensejam a base necessria comprenso, com Newton, mais adiante, da mudana do tudo que se move movido por alguma coisa para todo corpo continua em seu estado de repouso ou movimento retil-neo uniforme a menos que seja compelido a alterar um destes estados por uma fora resultante a ele aplicada. O captulo 3 apresenta a estrutura conceitual da cinemtica, atendo-se a um formalismo matemtico acessvel ao aluno. Para enfatizar o indispensvel dialgo entre teoria e problema, na resoluo de proble-mas de Fsica, todas as sees do texto (e no apenas a desse cap-tulo) que discutem problemas exemplares tm em seus ttulos a frase orelacionamentoteoria-problema.Almdosproblemasdeenun-ciados fechados, os tradicionais, que partem de um conjunto de in-formaes bastante especfcas sobre a situao problema e colocam umquestionamentoaosolucionador,prope-seediscute-seneste captulo um tipo de problema que tambm permear os demais um problema aberto, cujo equacionamento e soluo vai exigir do solu-cionador uma postura ativa e bem distinta dos problemas usuais. Jocaptulo4trataomovimentodeprojteisemumaeemduas dimenses.Talvezodesenvolvimentohistricodesseassunto,no mbitodasdiscussesrealizadasnocaptulo2,possadarumadi-mensodaconquistaquevemaseradescriocinemticadesses movimentos. O captulo 5 faz uma abordagem didtica das leis de Newton. A fsica aristotlica, a fsica da fora impressa e a fsica do impetus, tratadas no captulo 2, subsidiam o questionamento de concepes do senso 10comum, e presentes na fsica intuitiva do aluno, em geral, que dif-cultam o aprendizado conceitual da dinmica newtoniana. Nos captulos 6 e 7, as leis de Newton continuam sendo estudadas, mas, agora, contemplando tambm o atrito e o movimento circular.Oanexocontemplaumadiscussosobrearesoluodeproblemas de lpis e papel em Fsica, com o objetivo de levar o aluno a um po-sicionamento mais crtico sobre essa importante rea de sua apren-dizagem.Considerando relevantes as contribuies da histria da cincia para oensinodamecnica,atentandoparapossveisconcepesalter-nativas do aluno em relao aos tpicos estudados e propondo e in-centivando a resoluo de problemas abertos, o texto leva em conta importantes resultados da pesquisa em ensino de Fsica, em geral au-sentes nos materiais didticos.Os autoresIntroduo ao estudo de vetores 11 Introduo ao estudo de vetores13Estecaptuloapresentaconceitosbsicosdalgebra vetorial, cuja compreenso indispensvel para o es-tudo da Mecnica. Ao fnal do mesmo, o aluno dever ser capaz de: identifcar as caractersticas de um vetor; efetuar a adio e a subtrao de vetores geomtrica e analiticamente; decompor um vetor, obtendo as suas componentes; representar um vetor em um sistema de eixos carte-sianos; calcular o produto escalar entre dois vetores; calcular o mdulo de um vetor; obter o ngulo entre dois vetores; calcular o produto vetorial entre dois vetores.1.1 IntroduoUma grandeza que fca plenamente caracterizada por um nmero se-guidodeumaunidadeapropriadadenominadagrandezaescalar. Temperaturaemassaconstituemexemplosdegrandezasescalares. Observe que, quando se diz que a temperatura mdia do corpo huma-no de 36,50C ou que a massa de um corpo de 3 kg, estas quantida-des fcam bem determinadas. Comprimento, rea, volume e tempo so outros exemplos de grandezas escalares.NaFsica,contudo,hmuitasgrandezasparaasquais,almdova-lor numrico, devem, necessariamente, se fazer presentes duas outras informaes igualmente relevantes: a direo e o sentido. Grandezas fsicas com esse perfl so chamadas de grandezas vetoriais. Fora um exemplo. Ao se dizer que um caixote foi empurrado por uma fora de 50 newtons (admita que newton uma unidade de fora), no se estar sendo de todo claro. Afnal, para onde foi empurrado o caixote (isto , em que direo)? Se ao longo de um plano inclinado, para cima ou para baixo (em que sentido)? Veja que, juntamente com o nmero e a respectiva unidade, necessrio explicitar a direo e o sentido da fora aplicada para que esta fque bem defnida. Deslocamento, veloci-dade, acelerao e quantidade de movimento so, tambm, grandezas vetoriais.141.2 Representao e caractersticas de um vetorParaarepresentaogrfcadeumvetor,considere,inicialmente,o segmento de retaAB sobre a retarda Figura 1.1. Orientando-se este segmento por meio de uma seta colocada no ponto B (ou no pontoA), obtm-se a representao grfca de um vetor (Figura 1.2), que pode ser escrito por meio de uma letra maiscula ou minscula com uma pequena fecha sobre ela. Na Figura 1.2, o pontoA a origem do vetorv e o pontoBa sua extremidade.Aretar aretasuportedovetorv.Normalmente, quando se representa um vetor, omite-se a sua reta suporte.Figura 1.1Figura 1.2Um vetor fca especifcado por suas trs caractersticas: mdulo, dire-o e sentido. O mdulo de um vetor, dado por um nmero seguido de uma uni-dade,especifcaaintensidadedagrandezaporelerepresentada (50 newtons, 20 m/s, etc.). Simbolicamente, o mdulo de um vetorv escrito comov ou, simplesmente,v . A direo de um vetor a da sua reta suporte. J o seu sentido coin-cide com o da orientao do segmento de reta orientado.Osvetoresa,becdaFigura1.3tmcomocaractersticaco-mumomesmomdulo(aquifoitomadaumaescalanaqualo comprimento representa a unidade).Os vetoresd ef da Figura 1.4 tm as trs caractersticas iguais: mes-mo mdulo, mesma direo (as retas suportes so paralelas) e mesmo sentido.Nestecaso,diz-sequeosvetoressoiguais,isto,f d = . J o vetore tem o mesmo mdulo e a mesma direo qued ef, pormsentidocontrrioaeles.Pode-serelacion-losescrevendo: e d f - = =(observe que o sinal negativo signifca que o vetore tem o sentido contrrio ao dos outros dois). 15 Figura 1.3Figura 1.41.3Adioesubtraodevetorespelomtodo geomtricoConsidere os vetores 1v e 2v da Figura 1.5. A soma de 1v com 2v pode ser efetuada da seguinte maneira: fxa-se 1v e desloca-se 2v (manten-do-se inalteradas as suas caractersticas, isto , seu mdulo, direo e sentido), de modo que a origem de 2v coincida com a extremidade de 1v (Figura 1.6). O vetor que tem por origem a origem de 1v e por extremidade a extremidade de 2v o vetor soma de 1v com 2v, 1 2+ v v , como visto na Figura 1.7. Pode-se observar, atravs de uma simples inspeo visual, que a soma dos comprimentos de 1v e 2v diferente do comprimento do vetor 1 2+ v v .

Figura 1.5Figura 1.6Figura 1.7A soma de 1v com 2vtambm pode ser obtida desenhando-se os ve-tores com a mesma origem. O vetor resultante, 1 2+ v v , o vetor corre-pondente diagonal do paralelogramo que tem por lados os vetores 1v e 2v (Figura 1.8).16Figura 1.8 O procedimento acima descrito possibilita a soma geomtrica de um nmero qualquer de vetores. Considere, por exemplo, a soma dos ve-toresA,B,C,D eE da Figura 1.9. O vetorE D C B A + + + +pode ser obtido da seguinte maneira: fxa-se o vetor A; desloca-se paralela-mente o vetorB de modo tal que a sua origem coincida com a extre-midade deA; desloca-se, da mesma maneira, o vetorC tal que a sua origem coincida com a extremidade deB e, assim, sucessivamente. O vetor soma tem, por origem, a origem do primeiro ( A) e, por extre-midade, a extremidade do ltimo ( E) (Figura 1.10). Figura 1.9Figura 1.10Considere,agora,osvetoresAeBdaFigura1.11.Paraseobter geometricamenteovetorB A - ,transforma-seadiferenaemuma soma, j que- ( - ) A B A B = + . O vetor-B tem mesmo mdulo, mes-madireo,massentidoopostoaodovetorB(Figura1.12).Desta forma, recai-se na soma dos vetoresA e-B, como pode ser visto na Figura 1.13.17 Figura 1.11 Figura 1.12 Figura 1.13Paraefetuarsimultaneamenteaadioesubtraodeumnmero qualquer de vetores, transformam-se as diferenas em somas, e ado-ta-se o procedimento j descrito para a soma de vrios vetores. Por exemplo: - + - = + (- ) + + (- ) L M N P L M N P .1.4 Adio e subtrao de vetores de mesma direo pelo mtodo analticoAntes de se efetuar a soma e subtrao analtica de vetores de mesma direo, conveniente defnir o que se entende por vetor unitrio.Umvetorditounitrioquandooseumduloigualunidade.O vetor unitrio que tem a direo do eixoxe o sentido de' xparax(Figura 1.14) o vetori.

Figura 1.14Considere,aseguir,asomageomtricadedoisvetoresunitriosi (Figura1.15).Veja,porestafgura,queovetorresultantei i + tem mesmadireoesentidoqueovetoriemduloduasvezesmaior. Este vetor , portanto, o vetori2 .Figura 1.1518Assim, por exemplo, o vetori A 7 = tem mesma direo e sentido que o vetorie mdulo sete vezes maior. J o vetori B 4 - =tem a mesma direo do vetori, sentido oposto e mdulo quatro vezes maior. Pode-se estender o procedimento utilizado na Figura 1.15 para somar e subtrair analiticamente vetores na direo x.a) Soma de vetores de mesma direo e sentido:Sejai C 2 = ,i D 6 =eR o vetor resultante da soma dos vetoresC eD.Soma analtica:Soma geomtrica:, D + C = R , i + i = R 6 2 =(2 6),R+i . i = R 8Figura 1.16b) Soma de vetores de mesma direo e sentidos opostos:Sejai E 3 = ,i F 5 - =eR o vetor resultante da soma dos vetoresE eF.Soma analtica:Soma geomtrica:, F + E = R , i - i = R 5 3i R ) 5 - 3 ( =. i - = R 2Figura 1.17Para vetores na direoy, pode-se realizar operaes de adio e sub-trao de vetores utilizando-se um procedimento inteiramente anlo-go ao que se adotou para a direox. Para isto, necessrio que se defna um vetor unitrio na direoy. O vetor unitrio que tem a dire-o do eixoye o sentido de' yparay(Figura 1.18) o vetorj. 19Figura 1.18Assim, o vetor resultante da subtrao dos vetores = 12A j ej B 5 = , B A R - = , tem mesma direo e sentido que o vetorje mdulo sete vezes maior ( j R 7 = ).1.5 Componentes de um vetor Considere o sistema de eixos cartesianosxy. Seja xa um vetor na di-reoxe ya um vetor na direo y (Figura 1.19). Da soma geomtrica destes dois vetores resulta o vetora (Figura 1.20): Figura 1.19 Figura 1.20ya a ax + =(1)

Os vetores xa e ya so denominados, respectivamente, vetores com-ponentes do vetora nas direes x e y. Estes vetores podem ser es-critos em termos dos vetores unitriosi ej. Assim: =x xa a i(2) e =y ya a j.(3) Substituindo-se as relaes (2) e (3) em (1), obtm-se: =+. x ya a i a j (4)

20O escalar xa a componente dea na direo x. Da mesma forma, ya a componente dea na direo y.As componentes xae ya podem ser escritas em termos do mdulo do vetora e do ngulo quea faz, por exemplo, com o semi-eixo po-sitivoOX . Sendo0este ngulo e a o mdulo do vetora, obtm-se, atravs do tringulo retngulo que tem por ladosa , xae ya(Figura 1.21), que: == xxacos a a cosa0 0 (5) e

== yyasen a a sena 0 0

(6)Figura 1.21Substituindo-se na equao (4) os valores encontrados para xa e ya, respectivamente, nas equaes (5) e (6), obtm-se: = +a a cosi a sen j 0 0 (7)Exemplo 1O vetora, mostrado na Figura 1.22, tem mdulo igual a 5 cm e faz umngulode1200comosemi-eixopositivo OX.Determineas suas componentes nas direes x e y. Figura 1.2221Resoluo:Projetando-seovetoranoseixosxey,pode-seobservarque xa i um vetor com sentido oposto ao do vetori(Figura 1.23); portanto,acomponente xa negativa.Jovetor ya jtem sentido igual ao do vetorj e ya positivo. Usando-se a equao (7), tem-se que: 0 =5120= cm- 2,50 xa cos e 0 =5 120 4 33cmya sen= , A partir do tringulo retngulo com lados 5 cm, xae ya(Figura 1.24),eobservandoosentidodosvetores xae ya,pode-se igualmente obter as componentes dea. Neste caso, 0 =- 5 60=- 2,50 cm xa cos

e 0 =5 60 4 33cmya sen = ,

Figura 1.23Figura 1.241.6 Adio e subtrao analtica de vetoresA adio/subtrao de vetores no plano xy feita somando-se/sub-traindo-seascomponentesdestesvetoresemcadaumadasduas direes.Sendo = + x ya a i a j ej b i b by x + = , obtm-se o vetorb a c + =da seguinte maneira: =+ + +, x y x yc a i a j b i b j , =(+) + (+).x x y yc a b i a b j (+)e(+)x x y ya b a b so,respectivamente,ascomponentesdec nas direes x e y.22Exemplo 2Sendoi A 3 = ,j B 5 =ej i C 6 + 4 = , obtenha os vetoresB A R + = , B A S - =e C A V + = , analtica e geometricamente.Resoluo:, B + A = R

. j + i = R 5 3 Figura 1.25, B - A = S . j - i = S 5 3 Figura 1.26, C + A = V , j + i + i = V 6 4 3 . j + i = V 6 7 Figura 1.27Exemplo 3Os vetores 1d e 2d, mostrados na Figura 1.28, tm mdulos respecti-vamente iguais a 3 cm e 7 cm. Obtenha: a) o vetor; d + d = d2 1 b) a direo e sentido do vetord. 23 Figura 1.28Resoluo:a) O vetord o vetor soma dos vetores 1d e 2d,. d + d = d2 1 Escrevendo o vetor 1d em termos de suas componentes (expressas em cm) e dos vetores unitriosi ej, obtm-se:0 01 = 3 60+ 360 d -cos i senj

1 =- 1,5 2,6 +d j i .Analogamente para 2d:0 02 =7 30+ 7 30 ,d cos i sen j 2 =6,1 + 3,5 .d i j Somando-se 1d e 2d, resulta: =4,6 + 6,1.d i j b) Para obter a direo e o sentido do vetord, calcula-se, por exemplo, o ngulo0 que o vetor faz com o semi-eixoOX .6,11, 334, 6tg0= = sendo 01, 33 52, 98 arctg 0= = .1.7 Vetores em trs dimensesAt agora, trabalhou-se com vetores em uma e em duas dimenses. A situao que envolve vetores no espao tridimensional , contudo, a mais geral. Portanto, considere o sistema de eixos cartesianosxyz . Para se obter a expresso analtica de um vetor neste sistema de ei-xos,necessriointroduzirumvetorunitrionadireoz,quevai desempenhar, nesta direo, papel anlogo ao dos vetoresi ej nas direes x e y. 24O vetor unitrio que tem a direo do eixo z e o sentido de z para z o vetork (Figura 1.29).Figura 1.29Seja xa um vetor na direo x, ya um vetor na direo y e za um vetor nadire oz.Dasomageomtricadestestrsvetores(Figura1.30), resulta o vetora: =+ +. x y za a a a (8)

O mdulo dea igual diagonal do paraleleppedo de lados iguais aos mdulos das componentes xa, ya e za.Figura 1.30Osvetores xa, yae zasodenominados,respectivamente,vetores componentes do vetora nas direesx, y e z. Estes vetores podem ser escritos como:, i a = ax x (9) j a = ay y

(10) e. k a = az z

(11)

Substituindo as relaes (9), (10) e (11) em (8), obtm-se:. k a + j a + i a = az y x

(12)25O escalar ax a componente dea na direo x; ya a componente de a na direo y e az a componente dea na direo z.A relao (12) a expresso geral de um vetor no espao tridimensio-nal, escrita em termos de suas componentes e dos respectivos vetores unitrios.Exemplo 4Represente, em um diagrama xyz, o vetor = 2 + 4 - 5F i j k . Resoluo:AFigura1.31mostraovetor Fconstrudoconformeosseus vetores componentes, e que pode ser melhor visualizado a partir de um paraleleppedo. Figura 1.31Exemplo 5Sendo=2 + -5 A i j k e=4 +2 B i k ,determineosvetores=2 + R A B e = - S A B .Resoluo:, + 2 = B A R , k + i + ) k - j + i ( = R 2 4 5 2 2 =4 + 2 - 10 + 4 + 2,R i j k i k 26 =(4 + 4) + 2 + (- 10 + 2) ,R i j k . 8 - 2 + 8 = k j i R

= - S A B ), k + i ( - k - j + i = S 2 4 5 2, 2 - 4 - 5 - + 2 = k i k j i S =(2-4) + + ( - 5-2),S i j k k j i S 7 - + 2 - = .1.8 Produto de vetoresAlm da soma e subtrao de vetores, h mais duas operaes envol-vendo vetores que sero estudadas a seguir, face sua importncia para a Fsica: o produto escalar e o produto vetorial1.9 Produto escalarO produto escalar entre dois vetores a eb, representado porb . a (l-se: a escalar b), defnido como o produto do mdulo dea vezes o mdulo debvezes o cosseno do ngulo formado pelos vetores aeb, ou seja: . = ,a b a b cos 0

(13)no qual0 o ngulo entrea eb (Figura 1.32).Figura 1.32Pode-se tambm dizer que o produto escalar entre dois vetoresa eb igual ao produto do mdulo do vetora pela componente do vetorb na direo dea (Figura 1.33).( ) ( ) a . b a bcos 0 = componente de b na direo de a27Figura 1.33 Aequao(13)indicaqueoprodutoescalarentredoisvetoresd como resultado uma grandeza escalar. Para um melhor entendimento desta equao, considere as seguintes situaes:a) O produto escalar de dois vetores perpendiculares zero, pois 90o0= e90 0ocos . = 0 . =90 , ++ 0a b a b cos. = b . a 0 Figura 1.34Da mesma forma: , 0 = . j i , 0 = . k j . 0 = . i k (14)b) O produto escalar de dois vetores que formam entre si um ngulo 0, tal que 0 0 < 900, positivo. . = , +++a b a b cos 0

. b . a0 >Figura 1.35c) O produto escalar de dois vetores que formam entre si um ngulo 0, tal que 90 ou, . a b a - b = r >1.10 Produto vetorialSejama eb dois vetores que formam entre si um ngulo 0. O pro-dutovetorialentreaeb,representadopora x b(l-se:avetorial b),dcomoresultadoumvetorc(=) a x b c quetemasseguintes caractersticas:Mdulo:Omdulodovetorcigualaoprodutodomdulodea pelo mdulo deb pelo seno do ngulo formado pora eb: = =c a x b a b sen 0

(20) Direo: O vetorc perpendicular ao plano determinado pelos veto-resa eb, ou seja,c perpendicular, simultaneamente, aa e ab.32Sentido: O sentido do vetorc dado pela regra da mo direita.Regra da mo direita: Para determinar o sentido do vetorc, consi-dere os dedos polegar, indicador e mdio da mo direita, como est indicado na Figura 1.38. Se o polegar apontar no sentido do vetora e o indicador no sentido do vetorb, o dedo mdio indicar o sentido do vetorc (Figura 1.39). Figura 1.38 Figura 1.39Para exemplifcar o uso da regra da mo direita, considere os vetores E, F eG da Figura 1.40 e os seguintes produtos:Figura 1.40a)F x E : Este produto d como resultado um vetor de direo e sen-tido iguais ao do vetorG.b)E x G : Deste produto resulta um vetor de direo e sentido iguais ao do vetor F.c)F x G : O vetor resultante deste produto tem a mesma direo que o vetor E e sentido oposto ao mesmo.Usando a regra da mo direita e a equao (20), pode-se mostrar que, para dois vetores quaisquer A e B, vale a relao: = -.A x B B x A (21)33Considere, agora, os vetores unitriosi,j ek. Do produtoi x j resulta um vetor com as seguintes caractersticas: mdulo: 0 = 1 1. 90= 1,i x j. sen direo: coincidente com a do eixo; z sentido: de' zpara. z O vetor com estas caractersticas o vetork. Portanto, =.i x j k

De acordo com a equao (21): = -.j x i k

Do mesmo modo:, = i k x j , - = i j x k , = j i x k . j k x i - =

O produtoi x i d como resultado um vetor de mdulo nulo, isto : . sen ..= i x i 0 0 1 10= .O vetor de mdulo igual a zero o vetor nulo. Deste modo: 0 = i x i .

Analogamente, 0 = j x j ,. = 0 k x k

Exemplo 9SuponhaqueomdulodosvetoresdaFigura1.40sejam = 3,E = 2F e= 2 . G Determineosprodutosvetoriais, F x E E x G e. G x F Resoluo:; k = j x i = F x E 6 2 334; j - = k x i = G x E 6 2 3. i = k x j = G x F 4 2 2O produto vetorial de dois vetores pode ser expresso em funo das componentesdestesvetores.Assim,seja= ++x y za a i a j a k e =+ + x y zb b i b j b k .Efetuando-seoprodutovetorialentreaeb, b x a, segue que: =( + + ) ( + + ), x y z x y za x b a i a j a k x b i b j b k , = + ++ + + + + + + + x x y x z y xy y y z z x z yz zxa x b a i x b i a i x b j a i x b k a j x b ia j x b j a j x b k a k x b i a k x b ja k x b k =0 + + ( ) + ( ) + 0 + + ( ) +( ) + ( ) + 0 x x x y x z y x y yy z z x z y z za x b a b a b k a b j a b k a ba b i a b j a b i a b- -- =( ) + ( ) + + ( ).y z z y z x x zx y y xa x b a b a b i a b a b ja b a b k- -- (22)A equao (22) pode ser obtida de forma mais simples, utilizando-se um determinante construdo da seguinte maneira: na sua primeira linha, so colocados os vetores unitriosi,jek; na segunda e na terceira linhas aparecem, respectivamente, as componentes dos vetores( ) a e ( ) b nas direes x, y, z. =

x y zx y zi j ka x b a a ab b b (23) Exemplo 10Encontreumvetorperpendicularaosvetores= 3-A i k e =-5+ 7 B j k .Resoluo:Do produtoB x A resulta um vetorC, perpendicular aos vetores Ae . BUtilizando-seodeterminantedaequao(23)para calcul-lo, obtm-se:35 = 3 0 -10-57 i j kC A x B = =- 5 - 21 - 15. C i j k Esta no a nica soluo possvel. Multiplicando-se o vetorC por um escalar, como por exemplo 2, o comprimento deC ser alterado. Este novo vetor,, D ter mdulo duas vezes maior que C, mas ainda ser perpendicular aos vetoresA e . BAgora, multiplicando-se o vetorC pelo inverso de seu prprio mdulo:( ) ( ) ( )2 2 2-5 -21 -15 26, 3 C= + + = obter-se- um vetor unitrio,, U perpendicular aos vetoresA e B: 5 21 1526 3 26 3 26 3U i j k ., , ,= - - - - - -36ResumoGrandezas escalares e vetoriaisExistem dois tipos de grandezas: as escalares e as vetoriais. As gran-dezas que fcam plenamente caracterizadas por um nmero seguido de uma unidade so as escalares; as que necessitam de um mdulo e de uma orientao so as vetoriais.Soma geomtrica de vetoresA soma de dois vetoresa eb pode ser obtida fxando-sea e deslo-cando-seb, de modo que a origem deb coincida com a extremidade dea. O vetor somab a+tem por origem a origem dea e por extre-midade a extremidade deb. A subtrao - a b obtida somando-se o vetora com o vetor-b.Vetores unitriosUm vetor unitrio tem mdulo igual unidade. O vetor unitrio que tem a direo do eixoxe o sentido de' xparax o vetori; o que possui a direo do eixoye o sentido de' yparay o vetorj e o que tem a direo do eixoze o sentido de' zparaz o vetork. Um vetora, qualquer, pode ser escrito em termos dos vetores unit-rios i, j e k como:k a j a + i a = az y x + .Dividindo-se o vetora pelo seu mdulo, obtm-se um vetor unitrio na direo dea.Componentes de um vetor (em duas dimenses)As componentes de um vetora, em duas dimenses, xae ya , podem ser escritas como: =xa a cos 0 e =ya a sen 0

sendo0 onguloqueafazcomosemi-eixopositivo OXeao mdulo do vetora. O sinal de cada componente indica o sentido da mesma em relao ao sistema de eixos xy.Produto escalar O produto escalar entre dois vetoresa eb um escalar: . = ,a b a b cos 0

sendo0o ngulo entrea eb.37O produto escalar entrea eb pode tambm ser expresso em funo das componentes destes vetores: z z y y x xb a b a b a b a + + = .. O mdulo de um vetora qualquer :+ + =2 2 2z y xa a a a .O mdulo do vetorr, resultante da soma de dois vetores a ebque formam entre si um ngulo0:2 2 =++.2 cos r a b a b 0

Produto vetorialOprodutovetorialentredoisvetoresaebdcomoresultadoum vetorc de mdulo: = =, c a x b a b sen 0 sendo 0 o ngulo entre a e . b O vetor c perpendicular, simultane-amente, a a e b, e seu sentido dado pela regra da mo direita.Em funo das componentes dos vetores, tem-se que:. ) ( + ) ( + ) ( = k b a b a j b a b a i b a b a b x ax y y x z x x z y z z y - - - Fora e movimento: uma sntese de Aristteles a Galileu22 Fora e movimento: uma sntese de Aristteles a Galileu41Ao fnal deste captulo, o aluno dever ser capaz de: Caracterizar os mundos sub e supralunar no univer-so de Aristteles. Discutir a dinmica aristotlica.ExplicitarascrticasdeHiparcoeFiloponosanti-peristasis. Analisar a lei de fora de Hiparco e Filoponos e a possibilidade do movimento no vazio. Explicar o movimento de um projtil, segundo a di-nmica do impetus. Mostrar como Galileu chegou, teoricamente, rela-o 2t d . Discutir a funo do experimento na fsica de Gali-leu. Enunciar a lei da inrcia de Galileu. Explicar o movimento de um projtil de acordo com a fsica galileana.2.1 IntroduoDesdeostemposantigos,omovimentodoscorposesuascausas foramobjetodeespecula escientfcaseflosfcas.Aquedados corpos,omovimentodeprojteiseomovi mentonovazioesuas conseqnciasinerciaisforamtemasparaosquaisconvergiramas discus ses de muitos flsofos e estudiosos desde Aristteles at Ga-lileu. Este captulo faz um percurso por essa histria, abordando as-pectos signifcativos da evoluo do conceito de fora (sem contudo chegaraNewton)eacontribuiodeGalileuparaumanovafsica. Mostrandoqueopensamentocientfcosemodifcacomotempo, que hipteses, conceitos e teorias no so defnitivos e irrevogveis, mas objeto de constante crtica e reviso, o texto constitui-se em uma importante referncia para os demais captulos, particularmente por ensejar o estabelecimento de possveis paralelismos entre o senso co-mum e conceitos historicamente superados. 422.2 O universo aristotlicoAristteles de Estagira (384-322 a.C.) apontado por historiadores da cinciacomoumadasmentesmaisbrilhantesdetodosostempos. Contribuiu com trabalhos em vrias reas do co nhecimento, como a Biologia, Astronomia, F sica, Filosofa, Teologia, Poltica e ou tras. Foi,porsculos,consideradocomooMestredaquelesquesabem. Se algum desejava saber, a maneira de o conse guir era ler os textos deAristtelescomcui dado,estudarcomentriossobreAristteles para compreender o seu signifcado em passagens difceis, e explorar questesquetinhamsidolevantadasedebatidasapartirdoslivros de Aristteles (DRAKE, 1981, p. 25). A educao, na universidade, foi moldada sob estas normas, desde o seu comeo, no sculo XIII.Aristteles foi um atento observador da natureza. luz de suas con-vices tericas, as suas constataes sobre o que via ocorrer na Ter-ra e no frmamento levaram-no a fazer afrmaes sobre a natureza das coisas e a formular um modelo do universo.Na Terra, Aristteles encontrava um mundo em constante mudana: as alteraes no clima promoviam variaes drsticas em suas pai-sagens; o progresso e a decadncia na vida dos povos eram perodos quesepodiamobservarcomfreqncia;onascimento,desenvolvi-mento e posterior morte dos seres humanos, dos vegetais e dos ani-mais exemplifcavam algumas destas mudanas. Estas e tantas outras coisasfzeramcomqueAristtelesassociasseaTerraaummundo imperfeito, corruptvel, sujeito a contnuas e profundas modifcaes.Toda e qualquer mudana, para Aristteles, resulta de um propsito intrnseco ou pr-determinado que as coisas tm para se comportar da maneira como se comportam. Assim, um me nino cresce porque da sua natureza transfor mar-se em um homem; uma semente desen-volve-se e transforma-se em uma planta porque assim da sua natu-reza. Da mesma forma, uma pedra cai porque h nela um propsito intrnseco em dirigir-se, como se ver, para o centro do universo que oseulugarnatural.Otermomudana,paraAristteles,insere-se dentrodeumcontextobastanteamplo,signifcandotantomudana por crescimento (com a passagem do tempo) como mudana por lo-comoo(mudanadelugaremrelaoaotempo),comotambm alteraes verifcadas na natureza, em geral.Quando, por outro lado, Aristteles voltava-se para o cu, via a perfei-o. Exceto pelos movimentos dos astros, no havia qualquer espcie Figura2.1-Aristteles:de-talhe do afresco de Rafael A escola de Atenas.http://en.wikipedia.org/wiki/Aristotle43demudananofrmamento.Tudopareciaharmoniosoeigualpara sempre: a mesma Lua, o mesmo Sol, os mesmos planetas, as mesmas estrelas.O mundo dos cus e o mundo da Terra eram diferentes e, portanto, de veriam apre sentar constituies fsicas diferentes. Isto ainda era re-forado pelo fato de que a Terra aparentava ocupar um lugar de des-taque nesse cenrio, a julgar pela constatao de que todos os corpos celestes pareciam girar ao seu redor. A prpria imobilidade da Terra podiaserconstatadaporumfatobastantecorriqueiro:lan ando-se um objeto para cima, este retornava, rigorosamente, ao mesmo lugar deondepartira.Poroutrolado,seaTerraestivesseemmovimento (derotao,oudetranslao,ouambos,simultaneamente)isto,de acordocomopensamentodapoca,nodeve riaacontecerporque enquanto o objeto estivesse no ar a Terra se deslocaria e, desta forma, oob jetocairiaemumpontoafastadoemrelaoqueledolana-mento.Esses fatos fzeram com que Aristteles, ao organizar o seu sistema flosfco natu ral, re tomasse a concepo de Empdocles (492-432 a.C.)segundoaqualaterra,agua,oareofogosecombi nariam entre si para formar todas as coisas. Ele, no entanto, colocou a restri-o de que esses ele mentos comporiam apenas as coisas da Terra. Os corpos celestes eram compostos exclusivamente de uma quinta subs-tncia, o ter, um elemento puro, inaltervel, transparente e sem peso, quecontrastavacomosencontradosnaTerra,queestosujeitosa mudanas e que, portanto, so corruptveis. Com isso explicava Aris-tteles a decadncia das coisas, o nascimento e a morte dos animais e vegetais na Terra, e a permanncia dos objetos celestes.O universo de Aristteles fnito e esfrico. Tem a Terra, imvel, como centro, e a regio onde se encontram as estrelas como seu limite. Para alm da esfera das estrelas no existe nada. Na cincia de Aristte-les, matria e espao andam juntos... e devem terminar juntos; no preciso construir uma parede para limitar o universo e a seguir fcar se interrogando sobre o que limita esta parede (KUHN, 1990, p. 100). ConformeelemencionaemumadaspassagensdeseulivroDos cus, No h qualquer massa ou corpo para alm do cu. O mundo, noseutodo,constitudopelasomatotaldamatriadisponvel... (ARISTTELES apud KUHN, 1990, p. 100)Seguindo a mxima de Plato (428-347 a.C.), que postula que os mo-vimentos irregulares dos planetas resultam de uma combinao de movi mentoscircularesuniformes,poissomenteumaformageom-Para Empdocles de Agri-gento,todasascoisas tm a sua origem a par tir deumacombinaodos elementosterra,gua,ar e fogo. A pluralidade dos objetosexplicadapelas diferentes propores em quenelesexistemesses elementos. 44tricaperfeita,comoocrculoouaesfera,podeestaras sociadas revolues destes astros, Aristteles idealiza um sistema constitudo por 55 esferas homocntricas (sendo a Terra o corpo central) para a descrio dos mesmos. Valendo-se dos perodos aparen tes de revolu-o da Lua, do Sol e dos planetas em torno da Terra classifcou-os de acordo com a seguinte ordem crescente de afastamento a partir des-ta: Lua, Mercrio, Vnus, Sol, Marte, Jpiter e Saturno. Devido maior proximidadecomaTerra,aLuaeraonicocorpocelestenoqual sepodiadetectaralgumaimperfei o,conformesepodiaconstatar pela sua aparncia manchada. Isso, contudo, no representava nada demaisgraveporque,af nal,elaseconstituaemumaespciede marco divisrio entre a regio terrestre da mu dana (corruptibilidade) earegiocelestedapermannciaedaincorruptibilidade(COHEN, 1988, p. 33). Para Aristteles, s podiam ocorrer mudanas no cu em regiescircunvizinhasTerra.Assim,noconside ravaoscometas como astros, mas como evaporaes que tinham origem na Terra e que ascen dendo alta atmosfera se infamavam.DeacordocomAristteles,noh,emnenhumpontodouniverso, o vcuo, isto , ausncia de matria. As esferas associadas aos mo-vimentos dos astros so esferas materiais, constitudas de ter. Sete destas esferas contm o Sol, a Lua e os cinco planetas, que so con-densaes locais do ter que preenche toda a regio celeste. As de-mais forne cem as ligaes mecnicas necessrias para a reproduo dosmovimentosobservados.importanteobservarquecomsuas esferasmateriais,Aristtelespretendiaestabelecerummodeloque tivesserealidadefsica,aocontrriodeoutrossistemasastronmi-cos, que se limitavam a construir dispositivos puramente geomtricos para o cu. Asesferasaristotlicas,noentanto,mesmopossibilitandoumsem n mero de combinaes de movimentos circulares envolvendo cada planeta, restringiam o movimento desses astros a distncias fxas em relao Terra, no sendo possvel, por esse motivo, conciliar o mo-delo com as futuaes nos brilhos dos planetas, entre outras coisas.At Aristteles, os modelos que visavam representar os movimentos do Sol, da Lua e dos planetas aliceravam-se, basicamente, sobre ob-servaes esparsas e irregulares desses astros e no difcil entender as suas limitaes. A gerao de novos dados observacionais, conju-gadaaumaastronomiaessencialmentematemtica,acaboupropi-ciando condies para a elaborao de um novo sistema astronmico quedominou,atCoprnico(sculoXV),adescriodocu.Este sistema comeou a ser desenvolvido por Apolnio de Perga (230 a.C.), Cadaplaneta(Mercrio, Vnus,Marte,Jpiter, Saturno)movimenta-se, comoumtodo,deoeste paraleste,entreascons-telaesdozodacoat completarumciclo.Mas duranteestepercursoh aceleraesedesacelera-es, paradas e inverses de sentido. O movimento para oeste chamado de movimento retrgrado.45foi aperfeioado por Hiparco de Nicia (130 a.C.), no sculo seguinte, e estruturado em sua forma fnal por Claudio Ptolomeu (100 - 170 a.D.), que viveu na cidade de Alexandria.A Sintaxis Mathematica, o Almagesto, como fcou conhecido, um tratado matemtico em que Ptolomeu apresenta uma teoria completa, coerente, com amplo poder predi tivo, sobre o movimento da Lua, do Soledosplanetas(PREZSEDEO,In:PTOLOMEO,1987,p.15).A sua astronomia compatvel com a doutrina aristo tlica de uma Terra imvel e referencial para todos os movimentos. O cu, esfrico, gira diurnamente de leste a oeste para um observador no equador terres-tre. A regularidade com que, dia aps dia, aparecem e desaparecem as estrelas, que no mudam de posio umas em relao s outras, atesta isso.2.3 Aristteles e os movimentos naturaisNo campo da mecnica, as consideraes de Aristteles sobre o mo-vimento dos corpos foram objeto de extensos estudos e debates, no-tadamentenoperodoquevaidofnaldosculoXIIatGalileu.A suaconcepodemovimento,eemparticularodeummovimento natural, parte fundamental da sua cosmologia. Ela se relaciona com a forma pela qual imaginava estar constituda a matria e com a idia de que os elementos terra, gua, ar e fogo possuam lugares defnidos no universo fsico.O lugar natural da terra e da gua (por serem pesados) embaixo. Assim, eles ten dem a se mover para baixo. Por ser mais leve (menos densa) que a terra, o lugar natural da gua sobre a terra.O lugar natural do fogo e do ar (por serem leves) em cima. Por isso eles tendem a se mover para cima. Por ser mais leve que o ar, o fogo procura o seu lugar natural, que acima do ar.Idealmente, isto , livre de perturbaes, esses quatro elementos se-riamencontradosemsuaformapuradispostosemcamadascon-cntricas,tendocomocentroocentrodaTerra.Isso,contudo,no acontece, porque a regio terrestre perturbada pelo movimento da esfera da Lua, queempurra constantemente camadas de fogo para baixoestabelecendocorren tesqueimpelememisturamoselemen-tos em todo o mundo sublunar (KUHN, 1990, p. 104). Dessa forma, a gua dos rios, por exemplo, constituda principalmente do elemento gua,mastambmapresentapequenasquantidadesdeterra,are Figura2.2-Omundoge-ocntricodePtolomeuno Atlas de estrelas de 1708 de Andras Cellaris.ht t p: // www. al l pos t er s .c o m/ - s p/ Ma p - o f - t h e -World_i851906_.htm?LS=046fogo: a gua contm terra, porque aparecem resduos desta no fundo deumrecipientecomgua;contmar,porqueosseresvivosmari-nhos respiram; contm fogo, porque, quando aquecida, tende a subir (evaporar).Aoferver,apercentagemdoelementofogoexistentena gua aumenta muito e a mistura sobe, como vapor. Analogamente, aterradequefalaAristtelesnoaquelaquesepodepegarcom asmos,massimumasubstnciamaisrefnadaesublime,liberta das misturas e impurezas que caracterizam a terra vulgar (BUTTER-FIELD, 1992, p. 129).SegundoAristteles,asdiferentessubstnciaseobjetosdomundo terrestre originam-se de distintas combinaes dos elementos terra, gua, ar e fogo. Um corpo ser mais leve ou mais pesado de acordo comopercentualemquenelefguramcadaumdestesquatroele-mentos.Dentro dessa concepo de lugar natural e da constituio da matria pode-se, ento, entender porque uma pedra cai quando solta de uma certa altura. Por ser uma pedra constituda basicamente do elemento terra, ela cai porque deve retornar ao centro do universo, seu lugar na-tural. O movimento da pedra em direo ao solo um movimento na-tural e por isso no precisa ser objeto de uma discusso mais aprofun-dada. A propsito, para Aristteles, se duas pedras, uma pesada e outra leve, so soltas de uma mesma altura, a pedra mais pesada atinge o solo primeiro. Isso acontece porque a pedra mais pesada possui mais terra do que a pedra mais leve. Assim, a pedra mais pesada tem uma tendncia maior para alcanar mais depressa a sua posio natural.Demodoanlogo,afumaa,porserleve,sobeparaocuparoseu lu gar natural, que em cima. O movimento de subida da fumaa tambm um movimento natural.Movimentosnaturais(comoodapedraedafumaa),isto,movi-mentos para baixo de corpos pesados ou movimentos para cima de substncias leves, resultam de um propsito intrnseco que as coisas tm para buscar o seu lugar natural.O Sol, a Lua, os planetas e as estrelas tambm apresentam movimen-tos naturais que, no entanto, so distintos dos movimentos naturais retilneos terrestres, que tm um incio e um fm, como qualquer fe-nmeno na Terra. Os corpos celestes esto em constante movimen-to natural em seu lugar prprio. O movimento circular perptuo que executam compatvel com a sua natureza so feitos de ter e com a idia de um universo fnito.47Adiferenaentreosmovimentosnaturaisterrestresecelestesex-plicita dois tipos de realidades fsicas diferentes. Uma a que existe na Terra, imperfeita, onde tudo muda e decai e nada o mesmo para sempre. A outra a que envolve o mundo dos cus, onde tudo per-feito e incorruptvel.O universo imaginado por Aristteles tem uma estrutura logicamente ordenada. Neleascoisasesto(oudevemestar)distribudasedis-postasdeumamaneirabemdeterminada;estaraquiou ali no lhes indiferente, mas, ao invs, cada coisa possui, nouniverso,umlugarprprioconformeasuanatureza. ( s no seu lugar que se completa e se realiza um ser, e por isso que ele tende para l chegar). Um lugar para cadacoisaecadacoisanoseulugar;anoodelugar natural traduz esta exigncia terica da fsica aristotlica (KOYR, 1986, p. 22-23).Abuscadeumcorpoaseulugarnaturalimplica,portanto,emum pro cesso de mu dana que tem por fnalidade a preservao da ordem em um universo hierarquicamente estrutu rado. De acordo com esta concepo, o repouso de um corpo no seu lugar prprio no neces-sita de maiores explicaes. a sua prpria natureza que o explica, queexplica,porexemplo,orepousodaTerranocentrodomundo (KOYR, 1986, p. 24). O movimento, e no o repouso, o objeto das atenes de Aristteles.Nacosmologiaaristotlica,asnoesdemovimentonaturalede lugarnaturaltrazemconsigoaexignciadeumuniversofnitoem extenso.Issoocorre,porqueumuniversoinfnitonotemcentro. Esenohumpontocentralcomconcentraodoelementoterra no pode haver qualquer movimento natural para cima ou para bai-xo,porqueoconceitodelugarnaturalemumuniversoinfnitono tem sentido, j que todos os pontos em um universo sem limites so igualmente equivalentes.2.4 A lei de movimento de AristtelesAlm dos movimentos naturais, existe uma infnidade de outros mo-vimentos, como o de uma caixa que empurrada ou o de um projtil quelana do,quesodenominadosdemovimentosviolentosou forados (por no serem naturais).48Acerca do movimento, em geral, Aristteles conclui que ele s poss-vel quando, necessariamente, est associada uma fora quele que se move. Esta uma afrmao inteiramente plausvel dentro do contexto das observaes de Aristteles. Afnal, quando se deixa de empurrar um objeto, ele pra; quando um cavalo pra de puxar uma carroa, cessa o movimento. A nfase sobre foras de contato, isto , sobre a ao de puxar ou empurrar alguma coisa. Para haver um movimento, portanto, o que se move e o que se movimenta devem estar em permanente con-tato.O meio tambm desempenha um importante papel sobre as idias de Aristteles em relao ao movimento dos corpos. As suas discusses orientam-se para o estudo de casos concre tos encontrados na natureza e no para uma situao abstrata, no observvel, como a que envolve-ria movimento em um vcuo hipottico. Assim, detinha-se na questo da infuncia de meios como o ar e a gua no movimento dos corpos. Aristteles no concebia a existncia de um movimento no vazio (v-cuo) porque, segundo ele, sem haver uma resistncia ao movimento de um objeto, este teria velocidade infnita. Essa impossibilidade exem-plifcada, considerando o caso do movimento natural de retorno de um objeto(comoodeumapedra,porexemplo)aoseulugarnatural.Ao voltar ao seu lugar natural (depois de l ter sido retirado por violncia), o corpo movimenta-se em linha reta e tanto mais rpido quanto o meio lhe permite. Se, pelo contrrio, nada o detivesse, se o meio no qual ele se move no opusesse qualquer resistncia ao seu movimento (tal como se passaria no vazio), ento ele se dirigiria para l com velocidade infnita. Ora, um movimento instantneo parece a Aristteles (no sem razo) perfeitamente impos-svel. Assim, portanto, o movimento no se pode efetuar no vazio (KOYR, 1986, p. 28).Parafnsdidticos,pode-seexpressaraleidemovimentodeArist-teles atravs da relao: ,RFv(1)na qualFrepresenta a intensidade da fora aplicada ao corpo eRa resistnciadomeio.Ouseja,avelocidade,v ,deumcorpodireta-mente proporcional fora motriz a ele aplicada e inversamente propor-cional resistncia do meio no qual ele se movimenta. importantefrisarqueAristtelesnodeuformamatemticas suasconclusesporqueparaeleadescriomatemticadosfe-nmenosterres treseradepoucovalor.Ele,naverdade,estudou separadamente os efeitos sobre a velocidade de um objeto decorren-Aristteles no tinha uma conceituao de fora no sentidomaismoderno destetermo.Ele,naver-dade, falava em motor ou em causa do movimento. Asubstituiodestasex-pressesporfora,visa, apenas,facilitaradeno-minao, tornando-a atu-alizada.49tes do meio por onde o objeto se movimenta e de variaes nas foras aeleaplicadas.Arelao(1),contudo,expressaemparteopensa-mento de Aristteles sobre esse assunto. Dela pode-se concluir que:a) Sendo a resistncia constante, sob a infuncia de uma fora cons-tante, um objeto se movimenta com velocidade constante.b) A magnitude da velocidade proporcional intensidade da fora aplicada.c) Para uma resistncia constante, um objeto apresenta variao de velocidade quando sobre ele age uma fora varivel.d) Uma fora aplicada a um objeto produz movimento. Para, no en-tanto, traduzir corretamente o pensamento de Aristteles com relao a essa situao, deve-se ter um certo cuidado, j que, evidentemen-te,elesabiaquenemsempreaaplicaodeumaforaaumcor-poresultava,necessariamente,noseumovimento.Ocasodeuma pessoa que empurra uma carroa sem que esta saia do lugar um exemplo.Assim,pensandonaforaaplicadaenaresistnciacomo efeitos opostos, ele colocou a condio adicional de que para haver movimento era necessrio que a ao da fora fosse maior do que a resistnciaoferecida.Dessaforma,paraserfelaAristteles,deve-se restringir a relao (1) situao em queF R >porque, segundo Aristteles, paraF R no h movimento. Obviamente, sem fora ( 0 = F ) no h movimento.e) necessria a presena de um meio para que haja movimento. No existe o v cuo. De acordo com a relao (1), uma resistncia nula im-plica em uma velocidade infnitamente grande, que, necessariamente, se associa idia de um universo infnito em extenso, noo fron-talmentecon trriavisodemundoaristotlicaquesustentaum universo limitado pela esfera das estrelas fxas. 2.5 O movimento violento de um projtilContrastando com o movimento natural de queda de um objeto, que dispensa a ao fsica de uma fora, est o movimento de um projtil, como o de uma pedra, impulsionada, e a questo da fora responsvel pelo seu deslocamento depois de cessado o con tato projtil-lana dor. A discusso desse tipo de movimento particularmente importante porque a situao ps-arremesso pa rece evidenciar a persistncia de um movimento sem uma causa apa rente, isto , a conti nuidade de um 50movimento sem uma fora motora responsvel pelo mesmo. As expli-caes de Arist teles para o movimento violento dos projteis foram objeto de muita pol mica, por vrios sculos, devido ao duplo carter que ele atribuiu ao meio: o de sustentar o mo vimento e o de tambm opor uma resistncia a ele.Segundo Aristteles, a continuidade do movimento de um projtil de-pois da perda de contato com o arremessador tem a seguinte expli-cao:quandosemovimenta,oprojtilpassaaocuparolugarque an tes era preenchido pelo ar que havia sua frente. Esse mesmo ar, por sua vez, fui em torno da pedra para ocupar o espao vazio dei-xado por ela. Com esse movi mento, o ar impele o objeto para a frente. Esse processo, denominado an tiperistasis (Figura 2.3), im perfeito, e a fora sobre o projtil gradualmente se extingue, fazendo-o parar. Figura 2.3 - Na antiperistasis, o meio fornece a fora necessria para manter um pro-jtil em movimento (FRANKLIN, 1978).Aresistnciaaomovimentodeumprojtilincluitantoomeio,na medida em que a an ti peristasis no perfeita, como o prprio peso do corpo, cuja funo a de fazer com que ele retorne ao seu lugar natural.No movimento de projteis constata-se, mais uma vez, a impossibili-dade de movi mento no vazio. O vazio no um meio e, como tal, no pode transmi tir e conservar o movimento de um corpo.2.6 A noo de fora impressa: Hiparco e FiloponosDiscordandodadinmicaaristotlicadomovimentodeprojteis,o astrnomoHiparcodeNicia(130a.C.)explicaasituaops-arre-messo de um mvel de uma maneira intei ramente diferente daquela concebida pelos seguidores de Aristteles. Para ele, o movimento se d por meio de uma fora transmitida ao projtil pelo lanador. Essa 51fora, absorvida pelo projtil, se extingue gradativamente medida que ele se movimenta.No caso de uma pedra arremessada verticalmente para cima (Figura 2.4), Hiparco argumenta que (FRANKLIN, 1976):a) a fora projetora a causa do movimento ascendente da pedra;b)enquantoaforaprojetoramaiordoqueatendnciadoobjeto para baixo (peso), o corpo sobe. O movimento para cima continua, po-rm cada vez mais lento, com o decrscimo da fora projetora;c) o projtil comea a cair quando a fora para cima menor do que a tendncia do objeto para baixo. O movimento descendente do corpo, sobainfunciadoseuprprioimpulsointerno(peso),ocorrecada vez mais rapidamente, com a contnua diminuio da fora projetora, e da maneira mais rpida quando esta fora inteiramente gasta.Figura 2.4 - Foras sobre uma pedra atirada verticalmente para cima durante sua su-bida (a) e em sua descida (b), segundo a concepo de Hiparco. Hiparcoutilizaumargumentosemelhanteparaexplicaraacelera-o dos corpos em queda, liberados a partir do repouso. Inicialmente, considera um objeto mantido parado a uma certa altura em relao aosolo,porexemplo,seguroentreasmosdeumapessoa.Nessa circuns tncia, o objeto no se movimenta por que a sua tendncia na-tural para baixo compensada pela ao da pes soa sobre o mesmo. Depois de solto, a fora queo mantinha parado continua com o obje-to. Essa fora, no entanto, medida que o objeto cai, vai diminuindo, at se anular em algum ponto da trajetria. A existncia dessa fora, combinada com o peso do corpo, explica por que ele se movi menta de forma mais lenta logo que li berado, e depois aumenta a sua veloci-dade, isto , explica a acelerao do objeto.52Filoponos de Alexandria, no sculo VI, tambm rejeita a antiperistasis aristotlica como causa do movimento violento de um objeto. O meio, para Filoponos, apenas retarda o movimento de um corpo. Contudo, a no o de que necessria a presena contnua de uma fora para a manuteno de um movimento tambm um lugar comum em seu pensamento. No caso de no haver contato fsico entre o mo vedor e aquele que se move, como na situao ps-arremesso de um projtil, Filo ponos,talcomoHiparco,argu mentaemfavordeumaforaim-pressa ao projtil pelo projetor, quando de seu lan amento. A sua lei de movimento, expressada matematicamente, teria a forma: ( - ),v F R o (2)na qual v representa a velocidade do corpo, F a fora que o desloca e R a resistncia ao seu movi mento.DivergindomaisumavezdeAristotles,Filoponosadmitecomo possvel a exis tncia de um movimento sem resistncia. Nesse caso, sendo R = 0, velocidade e fora aplicada resultam proporcio nais, no havendo nenhum movimento instantneo, como julgavam os aristot-licos.Noentanto,Filoponossubmete-seconcepodominantede um mundo fnito que exige que qualquer movimento seja limitado em extenso. Assim, conclui pela auto-extino da fora impressa a um projtil em movimento no vazio, embora no tenha argumentos para mostrar como isso se daria.Por outro lado, a diminuio da fora impressa a um projtil em mo-vimento em um meio qualquer atribu da resistncia do meio e tendncia natural do corpo (isto , sua incli nao em retornar para o seu lugar natural).A noo de fora impressa traz consigo um elemento novo nas consi-dera essobreforaemovimento.Enquantoque,paraAristteles, aforaqueim pulsionaumprojtilprovmdoprpriomeio,sendo portanto externaa ele, para Hiparco e Filoponos, a fora responsvel pelo seu movimento uma fora interna, armazenada no projtil. 2.7 Do reaparecimento da fora impressa no sculo XI ao impetus de BuridanA noo de fora impressa aparece novamente no trabalho do flsofo rabe Avicena (980-1037). A fora que um projtil adquire ao ser arre-messado , para ele, uma qualidade anloga ao calor dado gua pelo fogo. Discordando da fora auto-extinguvel de Filoponos, considera 53que a fora impressa a um projtil s pode ser consumida se o corpo se movimentar atravs de algum meio. Em decorrncia disso, conclui pela inexistncia do vcuo, porque um ob jeto que nele se deslo casse manteria inalterada a fora projetora inicial, o que resultaria em um inadmissvel movimento per ptuo em linha reta.Avicena explica o movimento de um projtil arremessado horizontal-mente da se guinte maneira: inicialmente o projtil move-se em linha reta,nadire oemquefoilanado;elecontinuaoseumovimen-tohorizontalatqueafora(horizontal)quelhefoiimpressaseja total mentegasta.Quandoissoacontece,oprojtilpra,momenta-neamente, e logo movimenta-se para baixo sob a ao do seu peso natural. A trajetria do projtil, de acordo com Avicena, a de um L inver tido (Figura 2.5).Figura 2.5 - Trajetria de um projtil lanado horizontalmente, segundo Avicena. Coube,contudo,aorabeespanholAvempace(1106-1138)omrito dadiscussoedivulgaodaobradeFiloponos.Aodefenderalei ( ) v F R - ,Avempacediscordadaconcepoaristotlicadequea resistncia a causa da sucesso temporal do movimento de um cor-po (enfatizada atravs da proporcionalidade inversa entre velocidade e resistncia da dinmica aristotlica), admitindo como possvel e no instantneoummovimentosemresistncia.Paraele,avelocidade de um corpo no vazio necessariamente fnita porque, mesmo sem resistncia, o corpo tem uma distncia a percorrer, gastando portanto um certo tempo para isso. O trabalho de Avempace, na verdade, nunca foi traduzido para o la-tim. A sua grande circulao deve-se a Averroes (1125-1198), clebre comentadoredefensordasidiasdeAristteles,queodescreveu pararefut-lo.Aleidemovimento( ) v F R - v F R o bastanteressaltada por Averroes, que considera o vcuo uma abstrao intil. Considera igualmente destitudo de sentido o auto-movimento de umcorpo via fora impressa.54O conceito de fora impressa auto-extinguvel foi retomado no incio do sculo XIV por Francisco de Marchia. Ele teve o cuidado de assina-lar que a fora cedida a um projtil pelo seu agente impulsionador no era permanente: Era uma qualidade acidental, extrnseca e violenta que, por ser oposta s inclinaes naturais do corpo, era tole rada so-mente du rante um tempo. (CROMBIE, 1987, p. 62)O trabalho de Marchia pode ter infuenciado Jean Buridan (1300-1358) nodesenvolvi mentodasuateoriadoimpetus.apartirdenovos questionamentosdinmicaaristotlicaqueestefrancspeem curso importantes idias sobre o movimento dos corpos.Assim, menciona o caso de um pio que, ao girar, no muda de po-sio, para criti car a anti peristasis, pois segundo esta s possvel o movimento de um corpo se o que o move pe netra no seu lugar (para impedir a formao do vazio).Emumoutroexemplo,Buridandiscuteocasodeumaembarcao que,tendore ce bidoumimpulso,continuaasemovercontraacor-rente de um rio por algum tempo depois que o impulso cessa. Como o deslocamento se d contra a corrente, a fora responsvel pelo movi-mento teria de ser fornecida, segundo Aristteles, pelo ar. E, no en-tanto, diz Buridan: [...] um marinheiro sobre o convs no sente qualquer ar atrs dele empurrando-o. Ele sente somente o ar da frente resistindo (a ele). Alm disso, supondo que o navio men-cionado estivesse carregado com gros ou madeira e um homemestivessesituadoatrsdacarga,ento,seoar tem um tal impetus ca paz de empurrar o navio adiante, o homem seria empurrado muito mais violentamente entre aquelacargaeoaratrsdela(BURIDANapudEVORA, 1988, p. 70).A partir desses e de outros casos, Buridan conclui que: ns podemos e devemos dizer que em uma pedra ou em outro projtil h algo impresso que a fora motriz (virtus motiva)daqueleprojtil.Eistoevidentementemelhor doquerecorrerafrmaodequeoarcon tinuaamo-ver aquele projtil. Pois o ar parece mais resistir. Portanto, parece-mequedeveserditoqueomo tor,aomoverum corpomvel,imprimeumcertoimpetus,ouumacerta fora motriz (vis motiva) ao corpo mvel [no qual age o impetus] na direo para o qual o motor estava movendo o corpo mvel, para cima ou para baixo ou lateralmente ou circular mente. Quanto mais rapida mente o motor mo-ver aquele corpo mvel, mais forte ser o impetus que ele 55lheimprimir.poresseimpetusqueapedramovi-da depois que o atirador pra de mov-la (BURIDAN apud EVORA, 1988, p. 70-71).A Figura 2.6 mostra como se processa o movimento horizontal vio-lentodeumcorpo,se gundoateoriadoimpetus.Nomomentoem que o corpo arremes sado, adquire um impetus a partir do movedor. Esse impetus, do qual o corpo fca impregnado, diminui com o tem-po,de vidoaoexternasobreomesmo(contatodocorpocoma superfcieecomoar).Ocorpopraquandooimpetusseextingue por completo.Figura 2.6 - Movimento de um corpo arremessado horizontalmente, luz da teoria doim petus.Asfechasdecrescentesrepresentamoimpetusdecrescen tedocorpo. No ponto 1, o corpo deixa o contato com a mo do lanador. Os pontos 2 e 3 indi-cam pontos da trajetria que evi denciam o decrscimo do impetus. No ponto 4, o impetus nulo e o corpo encontra-se imvel.O impetus de Buridan:a) Tem uma natureza permanente. Ele s pode ser dissipado por in-funcias exter nas, como a da ao da gravidade (entendida como a tendnciadeumprojtilemsedirigirparaoseulugarnatural)ea da resistncia de um meio. Em decorrncia disso, ele no acreditava na exis tncia do vcuo, pois a permanncia do impetus levaria a um movimento perptuo.b) Tambm se aplica a um movimento circular. Assim, cessada a cau-sa do movi mento de uma roda (como a de um moinho, por exemplo), ela no pra imediatamente; con tinua gi rando um pouco mais at ser totalmente con sumido o impetus por ela adquirido quando em con-tato com o movedor. No caso do movimento de um pio, a situao anloga da roda.c) proporcional quantidade de matria e velocidade de um ob-jeto. Essa defnio quantitativa lembra imediatamente o conceito de quantidade de movimento (momento) da mecnica clssica. Deve-se ressaltar, no entanto, que:no est claro se Buridan considera o im petus como um efeitodomovimento,comosepoderiaconsideraromo-56mentum, ou como uma causa do movi mento, o que o faria similaraumafora.Adefnioquantitativa(oimpetus umaqualidadepermanentequedefnidopeloprodu-todamassaevelocidade)pareceargumentarpelopri-meiro ponto de vista. O uso de Bu ridan do impetus para explicar o movimento de projteis e a sua associao do im petuscompotnciamotoraparecefavoreceroltimo pontodevista.maisplausvelacreditarqueoprprio Buridan nunca esteve inteiramente convicto desta distin-o (FRANKLIN, 1976).Por se aplicar tanto a um movimento retilneo como a um movimento circular(enocasodeentend-locomoumefeitodomovimento),o impetus de Buridan difere da quantidade de movimento de Newton. Assim, ele inclui algo do que se poderia chamar tanto de mo mento linear como de momento angular (FRANKLIN, 1976)A teoria do impetus foi utilizada por Alberto da Saxnia (1316-1390), um seguidor das idias de Buridan, para explicar o movimento de um projtillan adohorizontalmenteouobli quamente(Figura2.7).Para isso, ele dividiu o movimento em trs partes:a) Inicialmente, o projtil move-se em linha reta, na direo em que foilanado,porqueoimpetusquelhefoiimplantadopeloprojetor sobrepuja amplamente o seu peso natural.b) Com a continuidade do movimento, o impetus comea a ser grada-tivamente dis sipado tanto pela re sistncia do meio como pela ao da gravidade. Por esse motivo, o projtil se des via da direo em que foi lan ado e a sua trajetria se encurva.c)Apssertotalmenteconsumidooimpetusprovenientedomovi-mento violento, o projtil desloca-se verticalmente para baixo.Figura 2.7 - Trajetria de um projtil lanado (a) horizontalmente e (b) obliquamente de acordo com Alberto da Saxnia.Oimpetus,estaqualidade,fora,impresso,potncia,virtude motriz,quepassadomoventeaomvelnosmovimentosviolentos edequeumcorpoemmovimentonaturaltambmfcaimpregna-do, constitui-se no cerne de uma teoria no matematizada que, vista 57aosolhosdehoje,vagaeporvezesatcontraditria.Essateoria, contudo, teve uma inegvel impor tncia histrica por gerar todo um conjunto de explicaes que, apesar de diferir completamente daque-lasdadasporAristteles,pareciaseajustarmuitobemaoseventos comumenteob servados.Aidiadeimpetusextrapo lou,inclusive,a classe dos movimentos ter restres, sendo es tendida ao movimento dos corpos celestes.2.8Novosquestionamentosdinmicados projteisCom o desen volvimento das armas de fogo, algumas questes levan-tadaspelaba lsticaatrairamaatenodemuitosestudiososparao estudo terico do movi mento de projteis.A balstica amplamente explorada nos estudos desenvolvidos pelo engenheiroeagrimensorNiccolTartaglia(1500-1557).Emsua obraNovascientia(referindo-sebals tica,comoumanovacin-cia),Tartagliateceinteressantesconsideraessobreomovimento dos corpos que no so sus cetveis de sofrer uma oposio sensvel doaremseumovimento,isto,artefatosdechumbo,ferro,pedra, etc., usados como projteis.Para Tartaglia, todo o corpo grave [pesado], em queda, afasta-se do ponto de par tida com um movimento cada vez mais rpido. Inversa-mente,quantomaisumcorpogravesedis tanciadopontoemque foi lanado verticalmente para cima, mais lentamente se torna o seu deslo camento. Seja em movimento natural ou em movimento violen-to, um corpo no pode ter uma mesma velocidade em dois instantes diferentes de seu percurso. Em ambos os casos, o mvel desloca-se aceleradamente em toda a extenso de sua trajetria.Assim, no faz sentido, como queriam os aristotlicos, falar de acrs-cimos signifcativos na velocidade de um corpo em queda apenas nos estgios fnais de seu movimento, isto , quando se aproxima de seu habitat natural. A velocidade do corpo cresce sempre (o mecanismo do impetus o explica), sendo que a altura da queda que determina a maior ou menor velocidade que pode atingir ao chegar a seu lugar natural.Ao discutir a queda de um objeto em direo ao centro do mundo (a Terra), v-se o quanto as concepes de Tartaglia diferem das aristo-tlicas. Figura 2.8: Niccol Tartaglia (1500-1557)58A opinio de um grande nmero de flsofos, escreve ele, a de que se existisse um canal aberto de fora a fora atra-vs da Terra, passando por seu centro, na qual um corpo pudessesemovimentar,essecorpoparariasubitamente ao chegar ao centro do mundo. Mas essa opinio, segun-do me parece, no exata. Longe de parar repentinamen-te ao chegar ao centro, o mvel, animado que se acha de umagrandevelocidade,ultrapassariaesseponto,como se tivesse sido lanado em um movimento violento, e se dirigiria em direo ao cu do hemisfrio oposto ao nos-so, para, em seguida, vol tar na direo do mesmo centro, ultrapass-lonovamente,aochegaraele,emvirtudede um movimento violento que, desta feita, o traria em nossa direo, da recomeando ainda a mover-se em movimen-tonaturalemdireoaomesmocentro,etc.,diminuin-dogradualmentedeveloci dadeat,enfm,pararefetiva-mente no centro da Terra (TARTAGLIA apud KOYR, 1982, p.110).Quanto a um projtil arremessado obliquamente, a diviso da trajet-ria em trs partes, sendo duas delas retilneas (a primeira e a ltima), traz consigo uma incompatibilidade lgica na argumentao daque-lesquenoconsideramaaodagravidadenoprimeirotrechodo movimento. Como possvel, pergunta-se Tartaglia, que a gravidade possaatuarsobreoprojtilapenasnosdoisltimossegmentosdo movimento?Admitindo-seacombinaodemovimentosnotrecho intermediriodatrajetria,deve-setambmaceit-lanoprimeiro trecho,poisopesodoprojtilduranteoseudesloca mentonunca nulo. Em decorrncia disso, a primeira parte do movimento no pode ser plenamente retilnea. Aindaprocurandoentendermelhoresseassunto,Tartagliapondera que, se, de fato, ocorre algum desvio da suposta trajetria retilnea inicial do projtil, ele to pequeno, imperceptvel mesmo obser-vao mais acurada, que, para efeitos prticos, pode ser considerado desprezvel. Somentevriosanosmaistarde,emumoutrotrabalho,Quesitiet inventionediverse,queTartagliadefende,convictamente,que noexistemovimentoviolentoemlinhareta,excetonosprojteis arremessa dos verticalmente para cima ou para baixo. Os Quesiti so escritos em forma de dilogos e discusses. Na par-tedestaobraemqueestudaomovimentodeprojteis(TARTAGLIA apud KOYR, 1982, p. 118-120), Tar taglia procura convencer um certo duqueFrancescoMariadUrbinodesuasidiassobreesseassunto. Figura 2.9 - Como se daria a queda de um objeto por um canal aberto de fora a fora atravsdaTerra?Tartaglia responde,rejeitandoaex-plicao aristotlica. 59Em termos didticos, parece bastante til apresentar uma sntese des-sa discusso, pois as dvidas do duque certamente coincidem com as de muitos estudantes, hoje.Para Tartaglia, atrajetriadeumabaladearcabuzoudecanhono comportanenhumaparteretilnea;nemquandootiro dirigido(obliquamente)paracimaouparabaixo,nem quando sua direo horizontal: a trajetria sempre in-teiramente em linha curva...desde o primeiro instante de seu lanamento.O duque, naturalmente, protesta, considerando essa pretenso com-pletamente con trria experincia. De certo, ele deseja admitir que os movimentos para cima e para baixo sejam retilneos. Mas que, em nenhuma outra direo, e independentemente da dimenso da trajetria, o projtil no se mova em linha reta, eis a algo que no crvel e que ele no cr, tanto mais que experincias feitas em Verona, com uma colubrina [antiga pea de artilharia] de20libras,mostraram-lhemuitobemque,distncia de 200 passos, a bala se colocava no ponto de mira, o que signifcaqueelavoavaemlinhareta.Que,seareferida colubrina fosse elevada para atirar a uma distncia maior, a trajetria no seria inteiramente em linha reta, muito provvel,eoduqueestdis postoaconcordarcomisso. Mas da no se pode concluir que ela seja incapaz de lan-ar uma bala em linha reta a uma distncia de 200 passos, ou de 100, ou de 50.Ao que Tartaglia retruca que a bala no s no percorrer 50 passos em linha reta, como nem mesmo um nico passo.A fm de fazer notar a seu interlocutor a falsidade de suas concepes sobre esse tema, Tartaglia pergunta Sua Excelncia at que ponto da trajetria a bala seguir em movi mento retilneo e tambm qual a causa pela qual ela se deslocar, depois, em linha curva. Oduquerespondequeagrandevelocidadedabala, daqualestanimadaquandosaidabocadapea,que constitui a causa prpria pela qual, durante pouco tempo, ou espao, ela se deslocar em linha reta; mas que, mais tarde, faltando-lhe em algum grau vigor e velocidade, ela comear a desacelerar-se e a abaixar-se paulatinamente emdireoTerraecontinuarassimatquecaiana Terra.60Prosseguindo,TartagliarepresentaporumalinhaABCDatrajetria descritaporumabalalanadadeumacolubrina(Figura2.10).Con-sideralgico,ento,admitirqueseexistealgumtrechoretilneono percurso seguido pelo projtil, que seja AB este trecho. Em seguida, divide AB em duas partes iguais. Conforme suas prprias palavras, [...] a bala atravessar mais rapidamente o espao AE do que o espao EB. Ora, por razes j explicadas, a bala se deslocarmaisretilineamentenoespaoAEdoqueno espao EB, porque a linha AE ser mais reta do que a li-nha EB, o que uma coisa impossvel porque, se se supe que toda a linha AB seja perfeitamente reta, uma metade delanopodesernemmaisnemmenosretadoquea outra metade; e se uma metade fosse mais reta do que a outra, seguir-se-ia, necessariamente, que essa outra me-tade no seria reta e, por conseguinte, que a linha AB no seria reta.Figura2.10-Atrajetriadeumabalalanadaporumacolubrina,deacordocom Tarta glia.Aplicando raciocnio anlogo ao trecho AE, dividindo-o em duas par-tesiguais,AFeFEe,assim,sucessivamente,Tartagliaconcluique nenhuma parte da trajetria pode ser retilnea. Ainda reticente, o duque usa o testemunho irrecusvel da experin-cia para contra-argumentar que, pelo menos para curtas distncias, as balas dirigem-se diretamente ao alvo.Argumentofalacioso,respondeTartaglia.verdadeque acreditamosverabalairdiretamenteaopontovisado; ora,trata-sedeumailuso.Nossossentidosnoso sufciente mente agudos e precisos para distinguir a curva muito estendida, do incio da trajetria, de uma linha reta; assim, um mar calmo nos parece ser perfeitamente plano, quando na realidade sua superfcie de uma esfera.Oduqueadmiteovalordoraciocnio,emboraatesede Tartaglia continue a parecer-lhe estranha. Mas ele no se entrega: pois, mesmo que se admitisse que uma bala ati-rada horizontalmente fosse, em todo o seu percurso, des-viada de seu curso pela gravidade que sobre ela atua nas condiesmaisfavorveisaessaao,certamenteno 61ser o caso em que ela atirada obliquamente no ar e em que a gravidade menos apta a faz-la desviar. A trajet-ria oblqua comporta, certamente, uma parte retilnea.Tartaglia, porm, mantm sua posio. O que impossvel impossvel. Assim, a bala no se deslocar em linha reta seno quando for atirada verticalmente para cima (ou em direo Terra); em qualquer outra posio ela descreve-rumacurva.Seguramente,verdadequeagravidade atuar tanto menos quanto maior for a elevao do tiro e que, por isso, a en curvao ser tanto mais fraca. Porm, nunca ser nula. Jamais uma bala poder deslocar-se em linhareta,emnenhumaparte,pormnimaqueseja,de seu movimentoAsconsideraestericasdeTartagliadequeatrajetriabidimen-sional de um projtil sempre curva, baseada em sua idia central de quehsempreumpoucodegravidadeafastandooprojtildasua linha de movimento tiveram pouca receptividade no meio cientfco dapoca,poiserampordemaisousadasparaseremaceitas.Vale ressaltar que Tartaglia publicou diversas tabelas relacionando o n-gulo de elevao de um canho com o seu alcance, a partir de dados empricos, constatando que o alcance mximo de um projtil lanado em solo horizontal de 450.2.9 A Fsica de GalileuEmseusprimeirosestudos,GalileuGalilei(1564-1642)comeaa analisar os movimentos, investigando suas causas, como lhe haviam ensinadonauniversidade.EmDemotu(Domovimento),trabalho quedesenvolveuquandoprofessordematemticanaUniversidade dePisa,Galileutambmconsi deranecessrioassociarumaforaa um objeto em movimento para manter esse movimento. No entanto, criticaAristtelesquantoaopapelqueeleatribuiaomeionassuas explicaes sobre o deslocamento de um corpo no mais em conta-to com o seu motor. Para explicar o movimento de um projtil, aps cessado o contato projtil-lanador, Galileu adere idia de fora im-pressa/impetus.Continuando suas investigaes, Galileu conclui que a queda dos cor-pos se d de forma acelerada em todo o trajeto e no apenas em parte dele, como havia pensado anteriormente. Em uma carta que dirige a PaoloSarpi,em1604,Galileuafrmaqueumcorpoemmovimento natural aumenta de velocidade proporcionalmente distncia de seu Figura 2.11 - Galileu GalileiFigura 2.12 - Frei Paolo Sarpi (1552-1623)62pontodepartida.NoDiscursosedemonstraesmatemticasso-bre duas novas cincias, publicado em 1638, Galileu reformula essa concepoerradadaquedalivre,jque,comoentendeudepoisde longasrefexes,avelocidadeproporcionalaotempoeno distncia de queda.Por considerar que a natureza sempre se manifesta na sua forma mais simples, Gali leu associou a queda dos corpos a um movimento com acelerao constante, defnindo-o logo a seguir.Quando,portanto,observoumapedraquecaideuma certaalturaapartirdorepousoequeadquirepoucoa pouco novos acrscimos de velocidade, por que no posso acreditar que tais acrscimos de velocidade no ocorrem segundo a proporo mais simples e mais bvia? Se con-siderarmos atentamente o problema, no encontraremos nenhum acrscimo mais simples do que aquele que sem-preserepetedamesmamaneira.Oqueentenderemos facilmente,seconsiderarmosaestritaafnidadeexisten-teentreocorpoeomovimento:domesmomodo,com efeito,queauniformidadedomovimentosedefneese concebecombasena igualdadedostempos edosespa-os (com efeito, chamamos movimento uniforme ao movi-mento que em tempos iguais percorre espaos iguais), as-sim tambm, mediante uma diviso de tempo em partes iguais, podemos perceber que os aumentos de velocidade acontecem com simplicidade; concebemos no esprito que ummovimentouniformementeaceleradoquando,em tempos iguais quaisquer, adquire aumentos iguais de ve-locidade (GALILEU, 1935, p. 127).Matematicamente, pode-se escrever que:t v a =,(3)no qual, para qualquer intervalo de tempo, a razo v t constante.Galileu, no entanto, no tinha como provar diretamente, atravs da ex-perincia, essa sua suposio, pois isso exigiria medidas de velocidade instantnea, o que no era possvel em sua poca. Poderia, assim, ob-jetar-se quanto validade dessa sua hiptese, concebida e admi tida em abstrato, sobre o movimento natural de queda de um corpo.Parasuperaressadifculdade,Galileurepresentageometricamente, como Nicolau Oresme (1325-1382) e outros estudiosos do sculo XIV j haviam feito, um movimento com acelerao constante por um tringu-lo retngulo e um movimento com velocidade constante por um retn-gulo (Figura 2.13). A partir desses primitivos grfcos v t x, Galileu mos-tra um resultado j conhecido da cinemtica medie val, ou seja, que:63adistnciapercorridaporumcorpo,apartirdorepou-so, em movi mento retil neo uniformemente acelerado, em umintervalodetempo- f ft t 0 t A= = ,igualdistncia queestemesmocorpopercorreriaemmovimentoretil-neo uniforme caso estivesse animado de uma velocidade igual quela do movimento uniformemente acelerado no instante mdio do tempo (isto , em2ft ). Figura2.13-Otringuloretnguloeoretngulorepresentam,respectivamente, movimentosretilneoscomaceleraouniformeecomvelocidadeuniforme.Per-pendiculareslevantadasapartirdasbasesdestasfguras( )atinterceptaremo segmento inclinado (a), e o segmento retilneo (b), evidenciam isso. As reas destasfgurasestorelacionadassdistnciaspercorridaspelosmveiscomestes movimentos.Na Figura 2.14, os pontos A, F e B correspondem, respectivamente, aos instantes=0 t ,t tf= 2 et tf=do eixo temporal de um grfco xv te os pontos E e C s velocidades v' evf. Como os tringulos retngulos AEG e GDC so iguais, resultam idnticas as reas do tringulo ABC e do retngulo ABDE e tambm as distncias per-corridas pelos movimentos com acelerao e velocidade constantes, isto , = , ABC ABDCA A . = . , 2BCAB AB BD

( ) . ( ) =( ) . ( ') = . 2ff fvt t v d

(4)Figura 2.14 - Superpondo o tringulo retngulo e o retngulo da Figura 2.13, e asso-ciando as grandezas tempo a pontos do segmento horizontal e velocidades dimen-so vertical, verifca-se, facilmente, a igualdade das reas destas fguras geomtricas e a equivalncia das distncias percorridas nos dois movimentos, na medida em que avelocidadedomovimentouniformeigualmetadedavelocidademximado movimento uniformemente acelerado.64Como, de acordo com a relao (3), a velocidade de um corpo que par-te do repouso e se desloca com acelerao constante proporcional ao tempo do movimento: . f fv t (5)segue, de (5) em (4), que:2 .d t (6)Assim, de seus estudos sobre as propriedades de um movimento com aceleraoconstante,Galileuconcluiqueasdistnciaspercorridas por um mvel, a partir do repouso, so proporcionais aos quadrados dos tempos gastos em percorr-las.Comaequivalnciadasrelaes(3)e(6)paraummovimentouni-formementeacelerado,Galileutransfereoproblemademedidasde velocidadesinstantneasparamedidasdedistncias,queelepodia fazer. Como, porm, a queda livre se d de uma forma muito rpida, o que difcultava medidas mais precisas de tempo, Galileu valeu-se do plano inclinado para diluir a rapidez dessa descida. A hiptese que fez foi a de que qualquer que fosse a acelerao de um objeto deslizando so-bre um plano inclinado o seu movimento seria, assim como o de um corpo em queda livre, um movimento uniformemente acelerado. Essa umahiptesebemaceitvel,poisumcorpoquedesceumplano com uma certa inclinao est, em termos de variao de velocidade, em uma situao intermediria a outras duas: a que envolve uma su-perfcie horizontal (neste caso um objeto nela colocado em repouso permaneceria a parado), de um lado, e a que se refere a uma super-fcie com 90 de inclinao (caso em que o objeto cairia como se no existisse a referida superfcie), de outro.Restava, portanto, a Galileu mostrar, atravs da experincia, a valida-de da relao d ( ) v F R - d t2para o movimento de um corpo sobre um plano inclinado a fm de que, a partir deste resultado, pudesse corroborar a sua hiptese inicial de que a natureza se serve de um movimento com acelerao constante na queda dos corpos.O tipo de dispositivo utilizado por Galileu e o resultado das suas expe-rincias o seguinte, segundo as suas prprias palavras:Numa ripa, ou melhor dito, numa viga de madeira com um comprimento aproximado de 12 braas [1 braa 2,2 m (antigaunidadedecomprimento)],umalargurademeia braa num lado e trs dedos no outro, foi escavada uma canaleta neste lado menos largo com pouco mais de um comprovar, confrmar65dedo de largura. No interior desta canaleta perfeitamente retilnea, para fcar bem polida e limpa, foi colocada uma folha de pergaminho que era polida at fcar bem lisa; fa-zamos descer por ela uma bola de bronze durssima per-feitamente redonda e lisa. Uma vez construdo o mencio-nado aparelho ele era colocado numa posio inclinada, elevando sobre o horizonte uma de suas extremidades at a altura de uma ou duas braas, e se deixava descer (como afrmei)abolapelacanaletaanotando,comoexporei mais adiante, o tempo que empregava para uma descida completa:repetindoamesmaexperinciamuitasvezes, paradeterminarexatamenteaquantidadedetempo,na qual nunca se encontrava uma diferena nem mesmo da dcima parte de uma batida de pulso. Feita e estabelecida com preciso tal operao, fzemos descer a mesma bola apenas por uma quarta parte do comprimento total da ca-naleta; e, medido o tempo de queda, resultava ser sempre rigorosamente igual metade do outro. Variando a seguir a experincia, e comparando o tempo requerido para per-correr todo o comprimento com o tempo requerido para percorrermetade,ouostrsquartos,ou,paraconcluir, qualqueroutrafrao,atravsdeexperinciasrepetidas maisdecemvezes,sempreseencontravaqueosespa-os percorridos estavam entre si como os quadrados dos tempos e isso em todas as inclinaes do plano, ou seja, dacanaleta,pelaqualsefaziadescerabola(GALILEU, 1935, p. 140).Quanto s medidas dos tempos, Galileu diz:[...]empregvamosumgranderecipientecheiodegua, suspensonoalto,oqualatravsdeumpequenoorifcio feito no fundo deixava cair um fno fo de gua, que era re-colhido num pequeno copo durante todo o tempo em que a bola descia pela canaleta ou por suas partes. As quantida-des de gua assim recolhidas eram cada vez pesadas com uma balana muito precisa, sendo as diferenas e propor-es entre os pesos correspondentes s diferenas e pro-pores entre os tempos; e isto com tal preciso que, como afrmei, estas operaes, muitas vezes repetidas, nunca di-feriam de maneira signifcativa (GALILEU, 1935, p. 141).66Figura2.15-DemonstraesdeGalileucomoplanoinclinadoparaumaplatia atenta. http://www.uky.edu/Honors/colloquia/green201/galileo.htmlGalileu, de fato, obteve experimentalmente a proporcionalidade d t2 , masdeve-senotarqueumrelacionamentoqualquerentrevariveis pode ser estabelecido em diversos nveis de aproximao. Galileu sa-bia das limitaes de seu experimento, isto , dos efeitos retardadores do meio no deslocamento dos corpos e das medidas aproximadas da varivel tempo; por isso no procurava uma proporcionalidade exata entreasvariveisdistnciaetempoaoquadrado.Arelaoexperi-mental por ele obtida , sem dvida, aproximada, mas muito impor-tante porque, a partir dela, Galileu inferiu que o movimento uniforme-menteaceleradono,rigorosamente,omovimentoqueumcorpo executaaocair.Aquedadeumcorpocomaceleraoconstante (equivalente a um movimento em um plano com 90 de inclinao, como se disse), s ocorre na situao especial (ou ideal) em que no existe nenhuma resistncia ao seu deslocamento, isto , quando o seu movimento se processa no vcuo. Somente a se tem, com exatido, a proporcionalidade d ( ) v F R - d t2 . Aexperimentaofeitaemcondiesconcretas-noar enonovazio,sobreumapranchalisaenosobreum planogeomtrico,etc.-nopodedarosresultadospre-vistos pela anlise do caso abstrato. Da ele no o exigir. O caso abstrato um caso suposto. E a experincia deve confrmar que a suposio boa. No caso limite dos meios (KOYR, 1986, p. 192). E isto Galileu fez.EssasconsideraeslevaramGalileuaconcluirquequandodois corpos, independentemente de seus pesos e do material do qual so constitudos, so soltos de uma mesma altura, ambos atingem o solo simultaneamente.OsadversriosdeGalileuargumentaramcontra 67esse resultado alegando que uma esfera de chumbo e uma pena cai-riamdeumamesmaalturaemtemposcompletamentediferentes. Galileuretrucouafrmandoqueelescairiamexatamenteaomesmo tempo (isto , com a mesma acelerao) se o atrito de ambos com o ar fosse nulo.Admitir que o movimento natural de um objeto, como o de sua queda, por exemplo, possa se dar no vazio tem contra si toda uma argumen-taofortementeestruturadaedefendidapelosaristotlicos.Alm do problema referente causa desse movimento o vcuo no um meio fsico e no pode receber, transmitir e manter um movimento (KOYR, 1982, p. 152-180), e da velocidade infnita que resultaria em tal movimento hipottico (para Aristteles e seus seguidores), h um outrotofortequantoessesdoisequetemsriasimplicaesem relao prpria flosofa aristotlica. No vcuo (como no espao da geometria euclidiana) no h lugares privilegiados ou direes. No vcuo no h, e nopodehaver,lugaresnaturais.Porconseguinte,um corpocolocadonovcuonosaberiaparaondeir,no teria nenhuma razo para se dirigir numa direo mais do que em outra e, portanto, absolutamente nenhuma razo para se mover (KOYR, 1982, p. 152-180). Como se v, contra todo um sistema flosfco que Galileu tem que lutar para defender as suas idias.As previses de Galileu sobre o movimento no vazio foram confrma-das, posteriormente, com a inveno da bomba de vcuo. Colocando-se,porexemplo,emumrecipienteumapenadeaveeumamoeda, e extraindo-se o ar de seu interior, pode-se verifcar, facilmente, que ambos os corpos chegam exatamente juntos ao fundo do recipiente, se soltos simultaneamente de uma mesma altura (Figura 2.16) Figura 2.16 - Comprovao experimental das previses de Galileu sobre o movimento no vazio. A pena e a moeda chegam juntas ao fundo do recipiente pois, sendo (pra-ticamente) nulo o atrito com o ar, ambas fcam sujeitas, durante a queda, mesma acelerao.68No se pode deixar de admirar o rompimento de Galileu com a pra-xe secular dos flsofos, que consistia em iniciar qualquer discusso sobre o movimento dos corpos indagando sobre suas causas. Ao per-ceber que a chave para a compreenso da queda livre estava em no abord-la do ponto de vista dinmico, Galileu assim se manifestou: Nomepareceseresteomomentooportunoparaem-preenderainvestigaodacausadaaceleraodomo-vimento natural, a respeito da qual vrios flsofos apre-sentaram diferentes opinies[...] Estas fantasias, e muitas outras, conviriam ser examinadas e resolvidas com pouco proveito. Por ora sufciente[...] estudar e demonstrar algu-mas propriedades de um movimento acelerado (qualquer quesejaasuaacelerao)detalmodoqueaintensida-de da sua velocidade aumenta, aps ter sado do repouso, comaquelasimplssimaproporocomaqualcrescea continuao do tempo, que o mesmo que dizer que em temposiguaissefazemacrscimosiguaisdevelocidade (GALILEU, 1935, p. 127).2.10Omovimentoneutroealeidainrciade GalileuEm uma poca em que os movimentos ainda eram considerados como naturais ou violentos, Galileu notou que um corpo poderia se movi-mentardeumaterceiramaneira,isto,semexibirmovimentovio-lento e sem estar, necessariamente, se aproximando ou se afastando do centro da Terra. Como exemplo desse tipo de movimento, que ele denominoudemovimentoneutro,apontouarotaodeumaesfera homognea em torno de um eixo fxo que passa pelo seu centro. Des-prezando-se o atrito esfera-eixo, esfera-meio e colocando-se a esfera emmovimento,atravsdeumbreveimpulsoinicial,elapermane-ce girando indefnidamente. Como para cada parte da esfera que se aproxima da Terra existe uma outra que se afasta da mesma, a esfera, como um todo, no se aproxima nem se afasta da Terra. Nestas con-dies, o movimento da esfera um movimento neutro (Figura 2.17). Figura 2.17 - Para cada par de pontos da esfera simtricos em relao ao eixo de rotao (que passa pelo centro da esfera e perpendicular ao plano desta pgina), quando um deles se aproxima da Terra (ponto B) o outro se afasta da mesma (ponto A).69Atravsdeseusestudoscomop