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Capítulo 1 Introdução 1 Introdução 1 1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica ......................... 1 1.2 Notação e nomenclatura ...................................... 10 1.3 Unidades de massa, energia e propriedades de algumas partículas subnucleares ............................................ 11 1.4 Peso-atômico e abundância isotópica ............................ 15 1.5 Energia nuclear ............................................. 17 1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica ..... 24 1.7 Apêndice A: A seção de choque de Rutherford .................... 35 1.8 Bibliograa ................................................ 39 1.9 Textos de Física Nuclear e de Partículas Elementares recomendados como leitura adicional/complementar ............ 41 1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica A Física Nuclear trata de uma grande variedade de temas relacionados com a natureza das interações entre os constituintes dos núcleos atômicos – que, no que segue, podere- mos nos referir apenas como núcleos –, e com propriedades dos fragmentos resultantes de colisões de partículas subatômicas, ou de radiação electromagnética, com núcleos, e mesmo de núcleos com outros núcleos. Em síntese, a nalidade de seu estudo é com- preender a estrutura nuclear, desvendar como seus constituintes interagem, explicar a estabilidade nuclear e, por m, apresentar uma teoria geral condizente com os dados empíricos. O leitor mais interessado poderá encontrar na internet [www.asercriada] uma imensa quantidade de informações sobre o assunto, especialmente no que diz re- speito à parte histórica, onde também está disponível a maioria dos artigos seminais que reportaram as descobertas fundamentais, podendo também encontrar traduções para o inglês de artigos originalmente escritos em outros idiomas. A m de conduzir o leitor na cronologia das descobertas e avanços da Física Nu- clear, faremos aqui uma breve retrospectiva histórica das principais etapas do seu 1 Mizrahi & Galetti

Física Nuclear e Partículas Subnucleares - Capítulo 1 – S. S. Mizrahi & D. Galetti

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Chapter 1 -- Introduction.Nuclear Physics and Subnuclear ParticlesA first course for undergraduate students.In Portuguese, by S.S. Mizrahi & D. Galetti.

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Capítulo 1

Introdução

1 Introdução 11.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 Notação e nomenclatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.3 Unidades de massa, energia e propriedades de algumas partículas

subnucleares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.4 Peso-atômico e abundância isotópica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.5 Energia nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica . . . . . 241.7 Apêndice A: A seção de choque de Rutherford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351.8 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 391.9 Textos de Física Nuclear e de Partículas Elementares

recomendados como leitura adicional/complementar . . . . . . . . . . . . 41

1.1 Física nuclear: uma retrospectiva históricaA Física Nuclear trata de uma grande variedade de temas relacionados com a naturezadas interações entre os constituintes dos núcleos atômicos – que, no que segue, podere-mos nos referir apenas como núcleos –, e com propriedades dos fragmentos resultantesde colisões de partículas subatômicas, ou de radiação electromagnética, com núcleos,e mesmo de núcleos com outros núcleos. Em síntese, a finalidade de seu estudo é com-preender a estrutura nuclear, desvendar como seus constituintes interagem, explicar aestabilidade nuclear e, por fim, apresentar uma teoria geral condizente com os dadosempíricos. O leitor mais interessado poderá encontrar na internet [www.asercriada]uma imensa quantidade de informações sobre o assunto, especialmente no que diz re-speito à parte histórica, onde também está disponível a maioria dos artigos seminaisque reportaram as descobertas fundamentais, podendo também encontrar traduçõespara o inglês de artigos originalmente escritos em outros idiomas.A fim de conduzir o leitor na cronologia das descobertas e avanços da Física Nu-

clear, faremos aqui uma breve retrospectiva histórica das principais etapas do seu

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2 Capítulo 1. Introdução

desenvolvimento. Nesse sentido, uma pergunta pertinente poderia ser feita: Qualfoi o evento determinante que poderia ser considerado, de alguma forma, como ummarco inicial para a Física Nuclear? De fato, a partir do final do século XIX, muitaspesquisas e descobertas foram feitas e teorias foram propostas – todas importantese inter-relacionadas –, e dificilmente seria possível apontar um único evento, e tam-pouco fixar uma única data, mesmo em uma reconstrução histórica sem o rigor queseria exigido por um historiador de ciências. Ainda assim, somos tentados a fixar doismomentos específicos quando ocorreram acontecimentos mais marcantes: em 1911,quando foi proposto, com base em resultados experimentais e análises quantitativas, oprimeiro modelo do átomo que propunha a existência de um núcleo de tamanho finitoe em 1932, quando o nêutron foi descoberto1, o que permitiu a elaboração da primeirateoria do núcleo.O físico Ernest Rutherford (PNQ-1908)2 inferiu a existência do núcleo atômico

e determinou o seu tamanho após analisar os resultados experimentais obtidos pelosfísicos Hans Geiger e Ernest Marsden, que trabalhavam em seu laboratório na Uni-versidade de Manchester. Em essência, os experimentos consistiam em fazer incidirpartículas α (posteriormente identificadas como átomos ionizados do elemento hélio),provenientes de uma fonte radioativa, sobre folhas metálicas muito finas, com cerca de4 µm (1 micrômetro = 10−6m) de espessura, e estudar os padrões de espalhamentodas α’s. Em 1909, Rutherford havia sugerido tentar detectar partículas α defletidas emgrandes ângulos. Poucos dias depois da sugestão eles o informaram [1] que haviam con-seguido observar que uma pequena fração (1 : 20 000) de α’s era espalhada em ângulostraseiros (ângulo polar θ > π/2)3. Esta constatação empírica foi de fundamental im-portância para que, em 1911, Rutherford pudesse enunciar a sua teoria sobre a estruturaatômica. Na Figura 1.1 temos uma representação pictórica de partículas α incidindosobre um alvo e possíveis trajetórias em diversos ângulos de espalhamento.A concepção dominante até 1911 estava ancorada no modelo atômico de Joseph

John Thomson (PNF - 1906)4, onde a carga positiva estaria uniformemente distribuídaem uma esfera do tamanho do átomo; cálculos precisos indicavam que, nessa configu-ração, a deflexão de uma partícula α resultaria de múltiplos espalhamentos e o desvio to-tal, relativamente à trajetória inicial, deveria ser pequeno. Porém, este resultado teóricoentrava em contradição com os dados que provinham das medições feitas por Geiger e

1O período entre 1911 e 1932 poderia ser chamado de era pré-Física Nuclear, pois os conhecimentossobre a estrutura do núcleo e seus constituintes eram ainda vagos, existindo apenas hipóteses e conjecturas.

2Laureado com o Prêmio Nobel de Química em 1908. Doravante, a sigla PNQ-xxxx ou PNF-xxxx, ao ladode um nome ou nomes, indicará que as pessoas citadas receberam o prêmio Nobel em Química ou Física, noano xxxx.

3Para se ter uma idéia das frações envolvidas, os autores reportam 1 : 1 000 α´s com desvios em umângulo no intervalo (00, 900) e 1 : 200 000 para (1500, 1800).

4Em 1910, Thomson – o mesmo que descobriu o elétron – propôs o chamado modelo de “pudim deameixa” para o átomo. Este foi concebido como uma esfera com massa contendo uma carga elétrica positivauniformemente distribuída e os elétrons, objetos pontuais de carga elétrica negativa, ficam distribuídos nessaesfera como ameixas em um pudim. A carga total é então nula, assegurando-se, portanto, que o átomo éeletricamente neutro, de acordo com o que se sabia então. Este modelo fora sugerido no início do século XXpor Lord Rayleigh.

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1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica 3

Figura 1.1: Algumas poucas α’s são espalhadas em ângulos traseiros.

Marsden. Elas indicavam que a força que espalhava uma partícula α, e que era respon-sável pelas grandes deflexões, se originaria de uma única colisão devida a uma partículamassiva5, com carga elétrica positiva, que estaria confinada no centro do átomo, emuma região bem menor que o seu tamanho, e não devido à soma de vários pequenosespalhamentos.Em dois artigos seminais [2], publicados em 1911 e 1914, Rutherford refutou o mod-

elo atômico de Thomson, substituindo-o pelo seu próprio, no qual os elétrons orbitariamum núcleo carregado positivamente – em analogia aos planetas em torno do Sol – situ-ado no centro do átomo. O espalhamento de α’s a grandes ângulos ocorre quando estaschegam bem perto do núcleo, e a maioria das α’s não sofre espalhamento porque atrav-essa regiões dentro do átomo que são blindadas pelos elétrons, sentindo, portanto, bemmenos intensamente as forças das cargas nucleares. Neste sentido, deve-se apontar queHantaro Nagaoka havia proposto um “modelo saturniano” (um modelo inspirado emuma proposta de James Clerk Maxwell) para o átomo em 1904, embora este modeloconsidere, equivocadamente, que a radiação emitida pelo átomo provém do movimentomecânico dos anéis de elétrons e a radioatividade beta corresponda à ruptura de umdesses anéis6.Os desvios das trajetórias das α´s são causados por uma força repulsiva central

de natureza coulombiana cuja energia potencial é (2e) (Ze) /r, onde o fator 2e cor-responde à carga elétrica da α, Ze é a carga elétrica do núcleo (−e é a carga elétricado elétron), r é a distância entre a partícula α e o centro espalhador no referencial do

5Embora a palavra massiva não seja encontrada nos dicionários da língua portuguesa, nós a usaremosregularmente com o sentido de "com massa".

6Em seu trabalho, Nagaoka diz que o seu modelo apresenta estabilidade e difere do modelo saturniano deMaxwell, por considerar que as partículas negativamente carregadas, distribuídas em um círculo, se repelem,em contraste com massas de satélites, que se atraem [3]. Do ponto de vista histórico, anteriormente, já em1901, Jean Baptiste Perrin havia proposto um modelo núcleo-planetário para o átomo [4].

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4 Capítulo 1. Introdução

centro de massa (RCM). A fração de partículas α defletidas (por unidade de tempo) –em relação ao fluxo de α´s incidentes, por um centro espalhador pontual –, que caemem direção normal sobre uma unidade de área de uma superfície, fazendo um ângulo θcom a direção de incidência das α´s, é medida pela seção de choque diferencial, que éescrita como [5]

(2Z)2µ

0, 36

T [MeV ])

¶21

sin4 (θ/2)[b] . (1.1)

Nesta fórmula a energia cinética da α, T , deve ser expressa em unidades MeV (estaunidade de energia, típica da Física Nuclear, será definida na seção 1.3) e a seção dechoque resulta ter dimensão de área, mas sendo o cm2 uma quantidade muito grandepara expressar as dimensões atômicas, usa-se a unidade barn (b) onde 1 b = 10−24 cm2.A dedução da seção de choque (1.1) está feita no Apêndice A.A constatação de colisões frontais (θ = π) de α´s por diversos elementos (folhas de

ouro, prata, cobre, etc.) e a existência de discrepâncias entre o que fora medido e a pre-visão da expressão (1.1), levou Rutherford a inferir que os núcleos atômicos não seriamobjetos pontuais, mas teriam um tamanho finito de formato aproximadamente esféricocom raio menor que 10−12 cm, dimensão linear cerca de 50 000 vezes menor que otamanho do átomo. Em suma, os núcleos seriam muito pequenos comparativamente aotamanho do átomo, mas teriam uma estrutura onde praticamente toda a massa do átomoestaria concentrada e carregariam uma carga elétrica positiva, veja a Figura 1.2.

Figura 1.2: Representação artística do modelo “pudim de ameixa” de Thomson e do modelo“planetário” de Rutherford. As figuras estão fora de escala para facilitar a visualização.

Em 1913, Niels Bohr (PNF-1922) aperfeiçoou o modelo de Rutherford com a in-trodução de conceitos quânticos para explicar a estabilidade das órbitas eletrônicas e aemissão de radiação: ele postulou que as órbitas dos elétrons deveriam ser quantizadas,

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1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica 5

significando que elas poderiam existir somente a certas distâncias específicas do núcleo[6]. Este foi um modelo bastante sofisticado para a época, embora incompleto pois sóse aplicava para órbitas circulares. Em 1916, Arnold Sommerfeld melhorou o modeloincluindo efeitos relativísticos, o que permitiu a inclusão de órbitas elípticas, e passoua ser conhecido como modelo atômico de Bohr-Sommerfeld, tornando-se o principalingrediente da chamada velha teoria quântica7.Embora tenham ocorrido vários avanços no estudo dos núcleos no período entre

1911 e 1932, a estrutura nuclear ainda era desconhecida, muitos modelos haviam sidopropostos, mas nenhum apresentava uma explicação convincente, pois faltavam fatosobservacionais essenciais para uma formulação teórica consistente. Repentinamente,em 1932 e 1933 aconteceram descobertas e avanços científicos importantes que possi-bilitariam, a partir de então, o avanço acelerado das pesquisas em Física Nuclear e emFísica das Partículas Elementares. De maneira informal, o físico britânico Arthur Ed-dington propôs o ano de 1932 como um marco zero da Física Nuclear [10], que eledenominou annus mirabilis8 devido aos seguintes fatos (que serão analisados em maisdetalhes em capítulos subseqüentes) :(1) No laboratório Cavendish (Universidade de Cambridge) James Chadwick (PNF-

1935) descobriu a existência do nêutron, que veio a se somar ao próton9 e ao elétron, queeram até então as únicas partículas elementares conhecidas. O nêutron, uma partículaeletricamente neutra e commassa muito próxima à do próton (foi também chamada pró-ton neutro), foi detectado na colisão de uma partícula α com um núcleo de berílio-9; noprocesso representado pela forma,

α + 94Be → 12

6 C + n, (1.2)a partículaα é aborvida e ambos perdem suas identidades. A seguir, o sistema transforma-se em um núcleo de carbono-12 e um nêutron é ejetado10. Entretanto, já em 1920, emuma conferência internacional, Rutherford havia sugerido a existência do nêutron e anosmais tarde, em 1930, Walther Bothe (PNF-1954) e Hans Becker, assim como IrèneCurie e Fréderic Joliot-Curie (PNQ-1935, ambos), já haviam constatado a presença

7Sobre este tema veja os textos de M. Born [7], de A. E. Ruark e H. C. Urey [8], e também o de L.Brillouin [9]

8Ano maravilhoso.9Depois da descoberta do elétron por Thomson em 1897, imaginou-se que deveria haver centros de carga

positiva dentro do átomo a fim de contrabalançar as cargas negativas dos elétrons e assim permitir que osátomos fossem eletricamente neutros. A descoberta do núcleo por Rutherford permitiu localizar uma cargapositiva concentrada no centro do átomo, ocupando um volume comparativamente ínfimo. Em 1919, fazendoincidir partículas α sobre certos elementos, Rutherford descobriu que poderia transmutá-los em outros; e,no início de 1920, diversos experimentos de transmutação estavam sendo feitos na comunidade científica.Como nestes experimentos núcleos de hidrogênio eram também ejetados, tornava-se evidente que o núcleo dohidrogênio deveria ter um papel fundamental na estrutura do átomo. Comparando razões de massas nuclearespara cargas, percebeu-se que a carga positiva de qualquer núcleo poderia ser considerada como um múltiplointeiro da carga do núcleo de hidrogênio. Já no fim de 1920, os físicos se referiam ao núcleo do átomo dehidrogênio como “próton”, palavra cunhada pelo próprio Rutherford. Portanto, pode-se considerar o ano de1920 como o da descoberta do próton, embora não fique clara a indicação de um descobridor único.

10A notação (1.2) será usada para descrever colisões, também chamadas reações nucleares, que serãodefinidas de forma mais precisa no capítulo 2.

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6 Capítulo 1. Introdução

de uma radiação "estranha", mas não a identificaram com o nêutron. Neste contexto,uma história interessante é contada pelo físico Emílio Segrè (PNF-1959) [11]: a partirdos dados experimentais de Bothe-Becker e Curie-Joliot, o perspicaz e enigmático Et-tore Majorana11 já conseguira vislumbrar que se tratava de um “próton neutro”, masmesmo com o incentivo de Enrico Fermi (PNF-1938), alegando motivos pessoais, eledecidira não publicar sua idéia.(2) Também no laboratório Cavendish foi realizada a primeira desintegração nuclear

artificial por John D. Cockroft e Ernest T. S. Walton (PNF-1951, ambos). Usando umacelerador por eles construído, verificaram a reação

p+ 73Li −→ α+ α+ 17MeV, (1.3)

significando que um próton é absorvido por um núcleo de lítio-7, dando como resultado,após a colisão, a desintegração do sistema em duas partículas α, que emergem comenergia cinética de cerca de 8, 5MeV para cada uma.(3) Nos Estados Unidos Carl D. Anderson (PNF-1936) e Seth H. Neddermayer

descobriram o pósitron e+ (elétron com carga elétrica positiva), partícula elementar pre-vista por Paul A.M. Dirac (PNF-1933) a partir das soluções da sua equação relativísticapara o elétron (equação de Dirac).(4) Também nos Estados Unidos, o químico Harold. C. Urey (PNQ-1934) e colab-

oradores descobriram o deutério, um átomo de hidrogênio cujo núcleo é constituído deum próton e um nêutron.(5) Na Alemanha, Werner Heisenberg (PNF-1932) propôs a primeira teoria para

o núcleo atômico, sugerindo que um núcleo seria constituído de A (número de massa)núcleons12, dos quaisZ (número atômico) seriam prótons eN = A−Z nêutrons, que semanteriam coesos por fortes forças atrativas, para contrapor-se à repulsão coulombianaque atua entre os prótons. Em suas propriedades físicas, os núcleos difeririam entre sipelos númerosA eZ. Na mesma época,D. D. Iwanenko e Majorana também chegaramà mesma concepção para a estrutura nuclear.(6) Em 1933, na Itália, Fermi desenvolveu a sua teoria sobre o decaimento β dos nú-

cleos radioativos, propondo a existência de um novo tipo de interação entre as partículaselementares, a interação fraca. Por decaimento β entende-se o fenômeno de transmu-tação de um elemento de número atômico Z, para um outro com Z + 1 e a emissãoconcomitante de um elétron; a soma do número de prótons e nêutrons é conservada.

11Majorana, engenheiro por formação, foi um físico italiano muito talentoso – conforme reconhecimentofeito pelo próprio Enrico Fermi – desapareceu em uma viagem de navio entre a Itália continental e a Sicília,aos 31 anos de idade, poucos meses após ter sido nomeado catedrático na Universidade de Nápoles. Outrashistórias e anedotas são contadas por Laura Fermi [12], esposa de Fermi. Por exemplo:

“Majorana era um gênio, um prodígio em aritmética, um portento em visão e potência mental, a mentemais profunda e crítica de todo o prédio da Física. Ninguém precisava de uma régua de cálculo, ou de calcularpor escrito, quando Majorana estava por perto. ‘Ettore, qual é o logaritmo de 1538?’ perguntava um. Ou,‘qual é a raiz quadrada de 243 vezes 578 ao cubo?’ Certa vez ele e Fermi competiram: Fermi com lápis, papele uma régua de cálculo; Majorana apenas com sua mente. Empataram!”

12Núcleon é uma designação para próton e nêutron indistintamente. Pode-se considerar que espectroscopi-camente o próton é o estado fundamental do núcleon e o nêutron é o primeiro estado excitado, pois no estadolivre seu tempo de vida-média é de cerca de 15 minutos, decaindo para o próton por interação fraca.

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1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica 7

Uma nova partícula está presente nesse processo – cuja descrição deve estar contida nateoria –, o neutrino13, assim batizada por Fermi porque, como o nêutron, ela não temcarga elétrica, mas sua massa é muitíssimo menor que a do nêutron. Historicamente, aproposta dessa partícula veio deWolfang Pauli (PNF-1945), em 1930, para dar contado princípio de conservação da energia no decaimento β, mas foi na teoria de Fermi queela entrou para o rol das partículas elementares subatômicas, mesmo sem ter sido atéentão detectada, o que só veio a ocorrer em 1956.Mesmo que concordemos com Eddington e adotemos 1932 como o ano zero da

Física Nuclear, devemos reconhecer que, fora a descoberta de Rutherford, inúmerasoutras grandes descobertas na física haviam sido feitas anteriormente e que foram fun-damentais para o desenvolvimento da Física Nuclear e das Partículas Elementares. Aseguir, faremos uma breve apresentação, em ordem cronológica, dos principais marcoscientíficos pré-1932, que estão na origem da procura por uma teoria harmoniosa sobrea constituição e a origem da matéria:

• 1895 - Na Alemanha,Wilhelm Roentgen (PNF-1901) descobriu os raios X.

• 1896 - Na França, Henry Becquerel (PNF-1903) descobriu a propriedade ra-dioativa do elemento natural urânio.

• 1897 - Na Inglaterra, Thomson descobriu que os raios catódicos eram consti-tuídos de partículas eletricamente carregadas; individualmente identificou-se oelétron, que se tornou a primeira partícula elementar a ser desvendada.

• 1899 - Rutherford identificou os raios α e β, emitidos pelo elemento rádio, e elenotou que os raios β são mais penetrantes que os raios α, fato este que permitedistingui-los.

• 1911 - Rutherford descobriu que o átomo possui um núcleo atômico e enunciouo seu modelo planetário.

• 1913 - Na Inglaterra, Frederick Soddy (PNQ-1921) descobriu que a relação en-tre a carga e a massa dos núcleos não é linear (Z 6= cA). Embora a massa dosnúcleos dos diversos elementos cresça com o aumento do valor das respectivascargas elétricas, ele verificou que para uma dada carga nuclear, existem núcleosde diversas massas, e que para tais núcleos os átomos correspondentes possuemum mesmo número de elétrons. Portanto, os átomos que compõem uma substân-cia quimicamente pura de um elemento não possuem todos a mesma massa. Elechamou isótopo a um átomo que pertence ao conjunto daqueles que têm mesmaspropriedades químicas, mas tem massa diferente.

• 1919 - Rutherford produziu a primeira reação nuclear induzida resultando namodificação da estrutura interna de um núcleo, o que é representado pela reação

α+ 147 N → 1

1H+ + 17

8 O. (1.4)13Depois reconhecida como sendo o antineutrino.

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8 Capítulo 1. Introdução

Esta significa que fazendo-se incidir partículas α em núcleos de nitrogênio-14,e quando elas forem absorvidas, estes se transformam em núcleos do isótopooxigênio-17, havendo ainda emissão de núcleos de hidrogênio 11H+, ou prótons.A reação (1.4) permitiu a identificação do núcleo do átomo de hidrogênio comoum constituinte fundamental presente em todos os demais núcleos.

• 1920 -O próton se firma na comunidade científica como uma partícula elementarcom carga elétrica positiva.

Estes foram, portanto, alguns dos principais resultados experimentais no que dizrespeito à Física Nuclear até 1932. Não obstante, significativas descobertas experimen-tais e avanços teóricos, de âmbito geral, foram alcançados na Física no período que vaide 1900 a 1932 e que influenciaram decisivamente o progresso da Física Nuclear. Em1900, na Alemanha,Max Planck (PNF-1918) propôs uma abordagem teórica e formalpara explicar a radiação do corpo negro; ele introduziu a noção de quantum de energia,contudo em um contexto ainda bastante limitado. Em 1905, na Suiça, Albert Einstein(PNF-1921) tornou pública a teoria da relatividade restrita e a equivalência entre massae energia, E = Mc2 (M é a massa de uma partícula ou de um objeto qualquer e cé a velocidade da luz no vácuo). A partir de 1913, o conceito de quantum de ener-gia é usado para explicar a estabilidade do átomo assim como a emissão e a absorçãode radiação (teoria de Bohr-Sommerfeld). Em 1922, em um experimento engenhoso,Otto Stern (PNF-1943) e Walther Gerlach descobriram a "quantização do espaço".Eles verificaram que alguns tipos de átomos têm um grau de liberdade intrínseco quese manifesta quando um feixe desses átomos é passado por um campo magnético não-uniforme, veja a Figura 1.3. Esta quantização seria o prelúdio para a introdução dapropriedade de spin das partículas subatômicas e elementares e da quantização do mo-mentum angular.Em 1925, George Uhlenbeck e Samuel Goudsmit14 previram que o elétron pos-

suiria um grau de liberdade adicional, que seria chamado spin. Mais tarde se asseverouque o spin é um grau de liberdade presente no próton, no nêutron e nas demais partícu-las elementares. Também em 1925, Pauli enunciou o Princípio da Exclusão, o que é umconceito essencial para explicar a classificação dos elementos na tabela de Mendeleev.Entre 1925 e 1927 a Mecânica Quântica foi inventada e veio a englobar e substituir avelha mecânica quântica; apesar de questionamentos de caráter epistemológico, é umateoria prodigiosamente precisa para prever e descrever fenômenos a baixas energias.Sua paternidade e desenvolvimento são devidos a Heisenberg, Erwin Schrödinger(PNF-1933),Max Born (PNF-1953), Pascual Jordan e Dirac.Depois de 1932 a situação da Física Nuclear pôde ser colocada na seguinte perspec-

14Ralph Kronig, um jovem doutorando da Universidade de Columbia, EUA, estava estagiando na Europa,e teve a idéia do spin do elétron alguns meses antes de Uhlenbeck e Goudsmit. Ele a apresentou a Pauli,então uma autoridade em física, que a achou ridícula, dizendo "...é realmente [uma idéia] muito esperta, masobviamente nada tem a ver com a realidade". Assim, Kronig não publicou sua idéia sobre o spin e Uhlenbeckcomentaria mais tarde "sobre a sorte e o privilégio que tiveram [ele e Goudsmit] de terem sido alunos de PaulEhrenfest", seu orientador de tese.

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1.1 Física nuclear: uma retrospectiva histórica 9

Figura 1.3: Representação pictórica do aparato experimental de Stern e Gerlach. Um feixe deátomos de prata atravessa um campo magnético não-uniforme, mostrando que o momento dedipolo magnético é quantizado, o feixe se abre em dois subfeixes e não em um contínuo.

tiva: a estrutura corpuscular dos núcleons ainda não estava posta em questão; eles eramconsiderados como partículas fundamentais que interagiam a curtas distâncias (menoresque o tamanho do núcleo) via uma força nuclear atrativa. Para distâncias ainda menoresexistiria, adicionalmente, a contribuição de uma força repulsiva. Porém, em 1935 surgiuuma mudança decisiva: procurando entender e explicar a origem da força nuclear, ofísico Hideki Yukawa (PNF-1949) apresentou uma teoria, inspirada na teoria eletro-magnética, pela qual o campo de interação entre os núcleons seria constituído de outraspartículas de massas intermediárias entre a do elétron e a do núcleon (200 ∼ 300massasdo elétron), a partícula viria a ser denominada méson. Mais tarde, o méson recebeu umnome mais específico: méson-π ou píon, e em 1947 ele foi identificado experimental-mente pelos físicos Cesar G. M. Lattes, Cecil F. Powell (PNF-1950) e Giuseppe P. S.Occhialini, em trabalho conjunto. Em Física Nuclear de baixas energias15 considera-seque todas essas partículas são objetos pontuais e elementares, sem haver maior preocu-pação com a sua estrutura interna, mas possuem propriedades físicas bem definidas,como massa, carga, spin, momento de dipolo magnético, etc.Agora faremos um interregno na seqüência histórica para introduzir a notação e

15Lembrar que a energia cinética por núcleon é menor que o equivalente em energia da massa de umnúcleon: a energia de uma partícula livre é E = p2c2 +M2c4, a energia associada à sua massa derepouso é Mc2, sua energia cinética é T = p2c2 +M2c4 − Mc2 e o seu momentum linear é p =√T2 + 2TMc2/c > T/c. Para momenta lineares p¿Mc, T ' p2/2M .

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10 Capítulo 1. Introdução

nomenclatura que serão usadas subseqüentemente. Por uma questão de completezaalguns conceitos introduzidos nesta seção serão repetidos na seguinte.

1.2 Notação e nomenclaturaUm núcleo atômico contém dois tipos de partículas, de massas aproximadamente iguais,o próton que carrega uma unidade de carga elétrica positiva, e o nêutron que é de-sprovido de carga; ambos são partículas subnucleares ou subatômicas16. Um átomo ouum núcleo de uma determinada espécie é chamado nuclídeo, os nuclídeos se distinguemuns dos outros pelo número de prótons Z (o número atômico)17 e de nêutrons (N ) queseu núcleo contém. Há nuclídeos que são estáveis, i.e., seus números Z eN não mudamcom o tempo, a menos que sejam perturbados por agentes externos, e há os instáveisou radioativos, também chamados radionuclídeos, que mudam os seus valores de Z eN emitindo espontaneamente uma ou mais partículas ou radiação eletromagnética. Ex-istem tabelas confeccionadas que exibem todos os nuclídeos conhecidos, os naturais eaqueles produzidos artificialmente (são cerca de 3 200 no total); a título ilustrativo vejaas Figura 1.4 ou 1.5 [13].Um nuclídeo é denotado como A

ZX , onde X é o símbolo do elemento químico, deacordo com a tabela dos elementos de Mendeleev. A letra A (= Z +N) representa onúmero de massa. O átomo de menor massa existente na natureza é o hidrogênio 11H,seu núcleo tem a estrutura mais simples: é um próton, Z = +1. A diferença entreo número de massa e o número atômico, N = A − Z, indica o número de nêutronspresentes no núcleo. Átomos de um elemento químico que se caracterizam por teremo mesmo número atômico Z e diferentes números de massa A são chamados isótopos;eles diferem entre si pelos diferentes números de nêutrons que há em seu núcleo. Comoexemplo, o elemento hidrogênio, o mais abundante na natureza, possui outros isótoposalém de 11H; eles são o deutério 21H = D e o trítio 31H = T , cujos núcleos contêm,além do próton, um e dois nêutrons respectivamente.A partir do modelo para o núcleo proposto por Heisenberg em 1932, usa-se a denom-

inação núcleon quando se faz referência indistinta a próton ou nêutron. Por possuíremcertas propriedades semelhantes – mas ainda assim nitidamente distinguíveis devido àcarga elétrica – o próton e o nêutron são vistos como uma mesma partícula, porém emdiferentes estados, o que está sendo atualmente corroborado pelo sucesso do modeloa quarks18 para a representação das partículas subnucleares. Excetuando-se o núcleode 11H , para os demais a razão A/Z não é constante, ela varia de 2 (para os núcleosmais leves) até 2, 5 (para os núcleos mais pesados), o que implica na existência de um

16O elétron é considerado como partícula subatômica, mas não subnuclear, por não ter existência própriano núcleo.

17A letra Z especifica tanto o número de elétrons de um átomo eletricamente neutro quanto o número decargas elétricas elementares positivas em um núcleo.

18Os quarks são partículas elementares que, no chamado Modelo Padrão, entram na composição dos nú-cleons e outras partículas subnucleares.

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1.3 Unidades de massa, energia e propriedades de algumas partículas subnucleares11

excesso de nêutrons em relação ao número de prótons19. Complementando a nomen-clatura, acrescentamos que os nuclídeos com o mesmo valor N , mas diferentes valoresde Z, são chamados isótonos e os de mesmo A mas N e Z diferentes são chamadosisóbaros. Há também os nuclídeos isômeros, que são núcleos de mesmos números A,N e Z mas que se distinguem por terem energias internas diferentes. Os isômeros sãoproduzidos em estados excitados e seu tempo de vida é geralmente de algumas horas;via de regra eles acabam decaindo para o seu estado fundamental com emissão de umou mais raios γ (fóton de energia muito mais alta do que aqueles da região visível doespectro). Eles são denotados com a inserção de um asterisco no símbolo do nuclídeo,como AZX∗.

1.3 Unidades de massa, energia e propriedades dealgumas partículas subnucleares

Na Tabela 1.1 estão listadas algumas das partículas que exercem o papel principal naFísica Nuclear, com algumas de suas propriedades quantitativas; embora todas sejamsubatômicas ou subnucleares, nem todas são elementares. Enquanto o fóton, o elétrone o neutrino são elementares (até o presente momento não há evidências de que sejamconstituídas de outras partículas), o próton, o nêutron e os mésons são constituídos dequarks e antiquarks. Estas últimas pertencem a uma classe de partículas que são asantipartículas, conceito introduzido por Dirac quando estava desenvolvendo a equaçãorelativística para o elétron. Dirac notou que metade das soluções da sua equação de-screviam o movimento do elétron e de seu spin, enquanto que a outra metade represen-taria uma partícula hipotética, de mesma massa que o elétron, com carga elétrica igualem módulo, mas de sinal contrário ao daquele do elétron. Neste contexto, a descobertafeita por Anderson e Neddermayer, em 1932, viria a ser o pósitron, denotado comoe+; o sinal + foi introduzido para distingui-lo do elétron, e−. Excetuando-se o fóton,encontram-se na natureza, ou produzem-se experimentalmente, as antipartículas asso-ciadas ao próton, ao nêutron, aos mésons e aos neutrinos, chamados antipróton, anti-nêutron, antimésons e antineutrinos. As antipartículas que são eletricamente carregadastêm carga com sinal oposto ao das partículas, e, para as partículas sem carga elétrica,as antipartículas são também desprovidas de carga. O spin de partículas e antipartícu-las é o mesmo, mas existe uma propriedade chamada helicidade20 que as diferencia eque pode assumir valores ±1. Todos os constituintes dos antinúcleons são antiquarks.No que se refere aos mésons, eles são constituídos por um quark e um antiquark; os an-

19O excesso de nêutrons se explica pela necessidade de garantir a estabilidade nuclear, ele é imprescindívelpara manter a coesão dos núcleos mais pesados por meio da força nuclear atrativa (que é de curto alcance eage de forma indistinta entre prótons e nêutrons), contrabalançando assim a força coulombiana repulsiva queatua entre os prótons e que é de longo alcance.

20Helicidade é essencialmente a projeção do spin s sobre a direção de seu momentum linear p, h =s · p/ |s · p|. Uma partícula massiva tem diferentes helicidades em referenciais inerciais diferentes, somentepara partículas sem massa a helicidade é a mesma em qualquer referencial.

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12 Capítulo 1. Introdução

timésons, em relação aos mésons, têm o quark trocado por seu antiquark e o antiquarktrocado pelo seu quark.1. Em Física Nuclear a energia é comumente medida em unidades de MeV (um

milhão de elétron-volts ou mega-elétron-volt); o elétron-volt é a energia adquirida porum elétron com carga elétrica −1, 602176× 10−19C (Coulomb) quando acelerado poruma diferença de potencial de 1 V (volt), logo 1 eV = 1, 602176× 10−19 C × 1 V =1, 602176 × 10−19J (Joule) e 1 MeV = 1, 602176 × 10−13J . Às vezes também éusada a unidade keV (quilo-elétron-volt), de onde 1MeV = 103 keV .2. A unidade de massa atômica (u ou amu21) é definida como um doze-ávos da

massa do átomo de carbono eletricamente neutro 1u ≡ 112M12

6 C = 1, 660539 ×10−24 g, a qual, através da relação de equivalência massa-energia, corresponde a umaenergia de

³112M12

6 C

´c2 = 1, 492232 × 10−10J = 931, 494 MeV . Logo, 1u =

931, 494MeV/c2, onde c ' 3× 1010 cm s−1 é a velocidade da luz no vácuo22.3. As massas das partículas e núcleos são expressas em unidades u ou MeV/c2:

a massa do próton é mp = 1, 007276 u = 938, 272 MeV/c2; a massa do nêutron émn = 1, 008665 u = 939, 565MeV/c2 e a massa do átomo de hidrogênio éM1H =1, 007825 u = 938, 783MeV/c2 (a energia de ligação do elétron é desconsiderada porser muito menor do que a massa do elétron).4. A massa do elétron éme = 5, 486×10−4 u= me = 0, 511MeV/c2. O pósitron

tem a mesma massa.5. Elétrons, prótons, nêutrons e neutrinos possuem um grau de liberdade adicional,

o momentum angular intrínseco ou spin, de valor ~/2, onde ~ é a constante de Planck hdividida por 2π, veja seu valor numérico na Tabela 1.2.6. Outro grau de liberdade das partículas elementares ou compostas é a chamada

paridade intrínseca, este conceito será melhor discutido no capítulo 2.7. Elétrons, prótons e nêutrons possuem momento de dipolo magnético intrínseco,

ou simplesmente momento magnético que está associado ao seu spin. O momento mag-nético do elétron é expresso em unidades de magneton de Bohr, µB = e~/(2mec) eseu valor experimental é µe ≈ −1, 0011µB . O sinal negativo significa que os vetoresde spin e do momento magnético apontam em direções opostas. Contrariando toda ex-pectativa, os momentos magnéticos do próton e do nêutron não são respectivamente,µp = e~/(2mpc) (= 1 µN ou 1 magneton nuclear) e µn = 0; de fato, os momentosmagnéticos medidos têm valores

µp = 2, 7928 µN e µn = −1, 9130 µN ,o que sugere que a estrutura interna dessas partículas não deve ser tão simples quanto ado elétron.8. A unidade de dimensão espacial comumente usada é 10−13 cm = 1 fm, que

designa o femtômetro. Em Física Nuclear o femtômetro é coloquialmente chamado

21De atomic mass unit.22Usamos a fórmula de Einstein para a equivalência entre massa e energia, E = Mc2. Um valor mais

preciso para u é 931, 49432± 0, 00028MeV/c2.

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1.3 Unidades de massa, energia e propriedades de algumas partículas subnucleares13

fermi, em homenagem a Fermi.Na Tabela 1.1 está apresentada uma síntese das partículas subatômicas, onde na

primeira coluna estão listadas as partículas ubíquas nos processos nucleares de baixasenergias; para partículas de campo (fóton e mésons) o spin toma um valor inteiro e paraas demais partículas o spin23 é 1/2. Os momentos de dipolo magnético são medidos emmagnetons de Bohr, µB , ou magnetons nucleares, µN .

Nome m (MeV/c2) Q s (~) τ µ πintfóton (γ) 0 0 1 - −elétron (e−) 0,511 -1 1/2 estável -1,0011 µB +próton (p) 938,272 +1 1/2 >1031 anos 2,7928 µN +nêutron (n) 939,565 0 1/2 886 s -1,9130 µN +méson π+ 139,570 +1 0 2,6×10−8 s −méson π− 139,570 -1 0 2,6×10−8 s −méson π0 134,977 0 0 8,4×10−17s −

neutrino (νe) <3 eV 0 1/2 >

½7×109s/eV (s)3×102s/eV (r) < 10−10µB +

Át. Hidr. (11H) 938,783 0u (uma) 931,494

Tabela 1.1. Algumas partículas e suas propriedades. Na segunda coluna estão dadas as massas,na terceira as cargas elétricas, na quarta os valores do spin, na quinta os tempos de vida-média –quanto aos neutrinos, a estimativa empírica é a razão τ/mν (vida-média / massa) tanto para oneutrino solar quanto para aquele produzido em reatores. Na sexta coluna estão os momentos dedipolo magnético e na sétima as paridades intrínsecas. A paridade do fóton depende do tipo deradiação ser de multipolo elétrico ou magnético.

Na Tabela 1.2 apresentamos os valores numéricos de algumas constantes fundamen-

23É comum omitir a constante dimensional ~ na especificação do número quântico spin, e também naquelesassociados com o momentum angular orbital.

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14 Capítulo 1. Introdução

tais24.Constantes Símbolo Valor

Vel. da luz c 2, 997925× 108 m s−1

Carga elét. e 1, 602176× 10−19 CUn. massa at. u 1, 660539× 10−27 kgMassa do elét. me 9, 109382× 10−31 kgMassa do próton mp 1, 672622× 10−27 kgMassa do nêutron mn 1, 674927× 10−27 kg

Planck ~½1, 054572 J s6, 582119× 10−22 MeV s

h

½6, 626071× 10−34 J s4, 135667× 10−21 MeV s

Número deAvogadro Na 6, 022142× 1023

Constante deBoltzmann kB

½1, 380650× 10−23 J K−1

8, 617342× 10−11 MeV K−1

Constantegravitacional GN 6, 6742m3 kg−1 s−2

6, 7087 ×10−39 ~c¡GeV/c2

¢−2Tabela 1.2. Algumas constantes fundamentais.

Na Tabela 1.3 apresentamos um conjunto de constantes compostas que se fazempresentes ao longo do texto.

Constantes expressão valorCarga elétricaao quadrado e2 1, 439976MeV fm

Const.estr.fina α = e2/~c 1/137, 0360~c 197, 329MeV fm

Raio de Bohr ~2/mee2 5, 291772× 104 fm

Compr. Comptondo elétron λ/2π = ~/mec 386, 1593 fm

Magneton de Bohr e~/ (2me) 5, 788382× 10−11 MeV T−1

Magneton nuclear e~/ (2mp) 3, 152451× 10−14 MeV T−1

Tabela 1.3. Constantes compostas expressas em termos das constantesfundamentais. Para a constante de estrutura fina α, apresentamos ovalor aproximado mais comumente usado. Esta constante é adimensional.O símbolo T (Tesla) representa a unidade de campo magnético.Um T é aproximadamente 104 vezes o campo magnético da Terra.

24Na Tabela 1.2, o número de Avogadro, Na, é o número de átomos que há em 12 gramas de 126 C, ouNa = 12g/M 12

6 C . Define-se ummol de uma substância como a quantidade que contém um númeroNa deconstituintes básicos (átomos, moléculas, estrelas, etc.).

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1.4 Peso-atômico e abundância isotópica 15

1.4 Peso-atômico e abundância isotópicaO peso-atômico de um nuclídeo A

ZX é a razão entre a massa do átomo e a unidade demassa atômica u,

AAZX

=MA

ZX

u=

MAZX

M12C/12. (1.5)

Analogamente, o peso-molecular de uma molécula é definido como a razão da massada molécula e u; ambos são números adimensionais. Existem tabelas que apresen-tam os pesos-atômicos de todos os nuclídeos. O peso-atômico (1.5) é um número fra-cionário próximo do número de massa A, que é um inteiro; de fato, verifica-se que¯A−AA

ZX

¯/A < 10−2. Quando o peso-atômico AA

ZXé expresso em u´s, ele é

chamado massa atômica, por ser a massa do átomo. O peso-atômico AAZX

é aproxi-madamente igual ao seu número de massa A, pois (1) a massa do próton é aproximada-mente 1 840 vezes maior que a massa do elétron, e (2) a energia necessária para mantero núcleo coeso é muito menor que o equivalente de sua massa em energia. De (1.5)pode-se verificar que o número de Avogadro é uma constante universal, por definiçãodado como

Na =12g

M12C [g]=

MAZX[g] · (1 g)

MAZX[g]/ (M12C [g]/12)

=AAZX

· (1 g)MA

ZX[g]

; (1.6)

logo a massa atômica de um nuclídeo AZX dividida pela sua massa (em gramas) é Na,

e diz-se que um mol de uma substância qualquer contém Na constituintes básicos (áto-mos, moléculas, etc.) dessa substância.Como todo elemento químico possui ao menos dois isótopos [14], define-se a abundân-

cia isotópica γk do k-ésimo isótopo como a percentagem do mesmo com relação ao to-tal de átomos do elemento em uma amostra. Também é definida a abundância relativacomo a fração γk/100. Essa amostra pode provir da atmosfera, de um minério, de umasolução, da crosta terrestre ou do sistema solar. O peso-atômico de um elemento é amédia aritmética ponderada

AZ =Xk

γAk

100AAkZ X

, (1.7)

onde a soma é feita sobre os pesos atômicos AAkZ X

dos isótopos de um dado elemento.A título ilustrativo, na Tabela 1.4 estão apresentadas, para alguns nuclídeos: as abundân-cias isotópicas dos isótopos estáveis – como encontrados na crosta terrestre – e dosisótopos instáveis, com os seus tempos de meia-vida e modos de decaimento, os pesos-

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16 Capítulo 1. Introdução

atômicos dos isótopos e dos elementos.

Nucl. γk (%) Meia-vida (modo de decai.) AAkZ X

AZ

11H 99, 985 − 1, 00782521H 0, 015 − 2, 014102 1, 0079431H − 12, 33 a

¡β− 100%

¢3, 016049

74Be − 53, 29 d (CE 100%) 7, 01692984Be − fissão→ α+ α 8, 005305 9, 01218294Be 100 − 9, 012182104 Be − 1, 51Ma

¡β− 100%

¢10, 013534

126 C 98, 89 − 12136 C 1, 11 − 13, 003355 12, 0107146 C − 5, 73 ka

¡β− 100%

¢14, 003242

168 O 99, 762 − 15, 994915178 O 0, 038 − 16, 999131 15, 9993188 O 0, 200 − 17, 9991608237Rb

∗ − 6, 472¡β+ 100%

¢81, 918208

8337Rb − 86, 2 d (CE 100%) 82, 9151128437Rb − 32, 77 d

¡β+ 96, 2%;β−

¢83, 914835 85, 4678

8537Rb 72, 165 − 84, 9117898637Rb − 18, 631 d

¡β− 95, 995%;CE

¢85, 911167

8737Rb 27, 835 47, 5 Ga

¡β− 100%

¢86, 909183

Tabela 1.4. Na segunda coluna estão apresentadas as abundâncias isotópicas dos elemen-tos (em percentagem), na terceira coluna estão os tempos de meia-vida e os modos de de-caimento dos nuclídeos instáveis. Na quarta coluna são dados os pesos-atômicos dos isó-topos e na quinta coluna estão os pesos-atômicos dos elementos. As letras h, d e a repre-sentam unidades de tempo, simbolizando horas, dias e anos; a letra k é o símbolo para ki-lo,M para mega,G para giga e CE significa captura eletrônica. Dados extraídos de [14].

Algumas estimativas podem ser feitas usando cálculos simples, como nos seguintesexemplos:1. Qual é o peso-atômico do oxigênio?Usando a expressão (1.7) temos

AO = 15, 994915× 0, 99762 + 16, 999131× 0, 00038 + 17, 999160× 0, 002= 15, 999305

2. Quantos átomos de 8737Rb há emm = 100 g de rubídio?Como há Na (número de Avogadro) átomos em ARb gramas de rubídio (peso-

atômico do elemento rubídio), então haverá mNa/ARb átomos em m gramas, mas

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1.5 Energia nuclear 17

desses apenas a fração γ8737Rb

/100 será de átomos do isótopo 8737Rb, logo

N8737Rb

=γ8737Rb

100

µmNa

ARb

¶= 0, 27835

100× 6, 022142× 102385, 4678

= 1, 96128× 1023 atomose, complementarmente, o número de átomos de 8537Rb é

N8537Rb

= 0, 72165100× 6, 022142× 1023

85, 4678= 5, 08481× 1023 atomos,

tal que a soma dos átomos dos dois isótopos é N8737Rb

+N8537Rb

= 7, 04609 × 1023, ouseja, (100/85, 4678)Na.3. Qual é a massa, em gramas, de um átomo A

ZX?Da Eq. (1.6) temos

MAZX

=AA

ZX

Nag ≈ A

Nag,

e, sem erro apreciável, pode-se usar o número de massa A no lugar de AAZX. O valor

numérico AAZX

(ou ≈ A) em gramas de uma dada espécie atômica é chamado peso-atômico-grama e corresponde, aproximadamente, a um mol de átomos.4. Qual é a massa do átomo de 168 O?

M168 O =

16

6, 022142× 1023 g = 2, 65686× 10−23 g.

1.5 Energia nuclearA energia nuclear está presente no dia-a-dia de muitas nações e seu uso civil reverteem proveito dos cidadãos, graças à: (1) produção de radioisótopos necessários para asáreas médicas e biológicas, para fins industriais ou para a realização de pesquisas; (2)produção de energia a partir do combustível nuclear em reatores, construídos especi-ficamente para essa finalidade. Um reator nuclear projetado para a geração de energiaelétrica faz parte de um complexo chamado central nuclear, pois do mesmo constamnão apenas o reator per se, mas também os sistemas auxiliares que irão transformar ocalor gerado no reator em energia elétrica. No Brasil há duas centrais nucleares emoperação, ambas estão situadas no município de Angra dos Reis, RJ. Suplementar-mente, há reatores de baixa potência usados para a pesquisa científica, para a produçãode radioisótopos, irradiação de materiais e para o treinamento de estudantes e técni-cos. Outros tipos de reatores são projetados para que seu uso tenha fins exclusivamenteestratégico-militares: (1) para a produção de plutônio-239 em grande quantidade – isó-topo usado para a confecção de explosivos nucleares – e (2) os modelos compactos quesão instalados em submarinos: eles geram a energia necessária para a sua propulsão edemais necessidades para submersões de longa duração. Alguns reatores são projetados

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18 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.4: Tabela dos nuclídeos, constituintes mais leves.

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1.5 Energia nuclear 19

Figura 1.5: Tabela dos nuclídeos, constituintes mais leves. Nos retângulos de cor azul estãorepresentados os nuclídeos estáveis, e os números são a abundância relativa. Retângulos emoutras cores representam os nuclídeos radioativos com seus respectivos tempos de meia-vida.

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20 Capítulo 1. Introdução

para serem bastante compactos, o que permite sua instalação em satélites que orbitam aTerra.Podemos situar os primórdios da energia nuclear entre os anos 1939 e 1942. Este

período se iniciou com a descoberta da fissão nuclear e se prolongou até o dia da re-alização da primeira reação nuclear em cadeia controlada. Essa foi uma época muitopeculiar porque o mundo passou do prelúdio para plena Segunda Grande Guerra (1939-1945) e grandes cientistas estavam, em sua maioria, profundamente envolvidos com apesquisa tecnológica e científica para fins bélicos, cada um servindo a um governo ouum regime. Neste cenário a pesquisa impulsionou o grande desenvolvimento da ciênciae tecnologia nucleares porque envolveu pessoas de aguçada perspicácia científica quetrabalharam com afinco, movidos por uma profunda convicção da justeza da causa deseu país de nascimento ou de adoção, além de contar com amplos recursos financeirospara erigir a infraestrutura e as instalações necessárias.Abaixo fazemos uma reconstrução breve daquele período, sendo que uma visão

completa e detalhada desse pedaço marcante da história recente, que envolveu muitastramas de fugas, traições, decisões políticas e intrigas, não cabe no escopo do presentetexto. Contudo, um relato detalhado do desenvolvimento e domínio da energia nuclearé encontrado, por exemplo, nos livros [18, 19, 20]. Consideramos, não obstante, a pre-sente reconstrução, sem rigor histórico, se não exatamente imprescindível, pelo menosútil para que o leitor possa apreciar a influência que a descoberta e o uso da energia nu-clear tiveram sobre os habitantes do planeta e sobre o meio-ambiente, contribuindo as-sim para a mudança do mundo que existia na era pré-nuclear. Neste contexto, um pontoimportante a salientar é que os projetos originais da maioria dos países que conseguiramdesenvolver e dominar a física e a tecnologia de reatores e do ciclo do combustível nu-clear (EUA, Grã-Bretanha, URSS, França, China, Paquistão, Índia), e daqueles que, emprimeira instância, tentaram e não conseguiram (Alemanha, Japão, Líbia), tiveram mo-tivação e finalidades estritamente militares. Na década de 1950, iniciou-se uma novaetapa no uso da energia nuclear com sua aplicação para fins não-militares, quando osconhecimentos desenvolvidos e acumulados foram aproveitados e adaptados para pro-jetos civis. Esses conhecimentos contribuiram para a criação de fábricas especializadasna recém-desenvolvida tecnologia nuclear, e também no estabelecimento de contratoscom institutos de pesquisa e universidades para o desenvolvimento de inovações tec-nológicas.Os dois grandes projetos de construção, na década de 1940, de um artefato explo-

sivo de muito grande potência tiveram como protagonistas os britânicos e os norte-americanos, por um lado, e os soviéticos por outro, que desenvolveram suas pesquisasindependentemente um do outro. Empenhando várias centenas de físicos, químicos ematemáticos, entre os mais brilhantes da época, os projetos se pautaram por um trabalhointenso, de muitas pesquisas combinadas com uma espantosa engenhosidade, de con-fiança e determinação das pessoas engajadas. Pode-se dizer, sem grande exagero, queesses projetos representaram o trabalho coletivo de maior envergadura e profundidadeintelectual feito até então nas ciências físicas.A gênese da energia nuclear pode ser situada no ano de 1939, quando foi feita, na

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1.5 Energia nuclear 21

Alemanha, a descoberta da fissão nuclear pelos químicos Otto Hahn (PNQ-1944 ) eFritz Strassmann [15]. Eles haviam constatado que “ao menos três corpos radioat-ivos” formados a partir do urânio bombardeado por nêutrons, eram quimicamente sim-ilares ao elemento bário (Z = 56). Eliminando várias hipóteses, eles concluíram que[16] isótopos de bário seriam de fato formados como conseqüência do bombardeio deurânio (Z = 92) por nêutrons. Entretanto, nenhuma análise ou interpretação física dofenômeno foi proposta; foi então que, algumas semanas mais tarde, informados dosresultados do experimento de Hahn e Strassmann, os físicos Lise Meitner e Otto R.Frisch25 (sobrinho de Meitner) escreveram um trabalho seminal [17], onde faziam umaanálise consubstanciada dos resultados de Hahn e Strassmann e apresentavam uma in-terpretação correta para o fenômeno observado pelos químicos. Eliminando demaispossibilidades, Meitner e Frisch conjecturaram que em núcleos pesados os núcleons semoveriam de maneira coletiva e o movimento do núcleo se assemelharia ao de umagota de um líquido; e se, porventura, o movimento se tornasse violento, por adiçãode energia, a gota poderia se dividir em duas outras, porém de tamanhos desiguais.Eles batizaram o fenômeno de fissão nuclear26. Em janeiro de 1939, o experimento deHahn e Strassmann já havia sido reproduzido por várias equipes na Europa e nos EUA.Pela própria Meitner na Suécia, por Joliot-Curie na França e em quatro diferentes lab-oratórios nos EUA. Veja a Figura 1.6 que apresenta uma imagem pictórica do processode fissão. Voltaremos a estudar a fissão nuclear em mais detalhes no capítulo 12.Depois disso, diversos pesquisadores constataram que para cada fissão que ocorre

em um núcleo de urânio, há liberação de cerca de 200MeV de energia. Portanto, foiimediato imaginar que, se pudesse ser controlada, a fissão poderia ser aproveitada comouma nova fonte de energia. Por outro lado, artefatos explosivos de altíssima potênciapoderiam ser construídos se fosse possível ocasionar a fissão, em curtíssimo espaço detempo – milésimos de segundo –, de uma boa fração de núcleos contidos em algunsquilos de urânio. A partir de então nasceu o conceito de energia nuclear, a qual pode-ria ser extraída e liberada a partir da fissão de elementos pesados e da possibilidadede seu aproveitamento. Já em janeiro de 1939 ficara patente para Fermi e Bohr quese, juntamente com a fissão, houvesse a emissão de nêutrons, em número suficiente,poder-se-ia criar e manter uma reação em cadeia auto-sustentada para se construir umreator nuclear com a potência desejada, desde que se tivesse à disposição alguns qui-los de urânio-235, quantidade essa necessária para se conseguir o tamanho crítico doreator27. Em fevereiro, foi confirmado de maneira independente por alguns grupos de

25Na ocasião, ambos se encontraram na Suécia onde Meitner estava exilada. Meitner e Hahn mantiveramuma longa colaboração científica.

26O vocábulo fissão foi emprestado à biologia, onde ele é usado para exprimir a divisão de uma célula emduas outras. Aparentemente, já em 1934, Fermi havia provocado a fissão nuclear, sem entretanto conseguirreconhecer e interpretar dessa maneira os resultados obtidos. Ele havia bombardeado urânio com nêutronspara produzir elementos transurânicos, de números de massa 93 e 94. Embora tivesse conseguido produzí-los,outros elementos mais leves também estavam presentes; contudo, não os reconhecendo, ele não pôde concebera ocorrência de fissão.

27Não obstante, também se abria a possibilidade de construção de armas de grande poder de destruição, apartir de uma certa massa crítica de urânio-235, 23592 U . Aqui convém antecipar que, em minérios de urânio, o

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22 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.6: Imagens pictóricas das diversas etapas da fissão: incidência de um nêutron sobre umnúcleo, sua absorção e, em seguida, a fissão em dois grandes fragmentos, com emissão de trêsnêutrons.

pesquisadores – (1) Leo Szilard e Walter H. Zinn, (2) Fermi, H. L. Anderson e H.B. Hanstein28 e (3) F. Joliot-Curie – que havia emissão de 2 ou 3 nêutrons em cadaevento de fissão. Nos três anos que se seguiram, a partir da descoberta da fissão, físicose químicos dedicaram suas pesquisas para a determinação de propriedades tais comoas probabilidades de absorção de nêutrons pelos nuclídeos mais pesados, a produção econtrole de fontes de nêutrons, tempos de vôo dos nêutrons, quais eram e como era a dis-tribuição dos produtos da fissão que aparecem como núcleos-fragmentos, a distribuiçãode energia dos nêutrons e dos fragmentos, etc.Com o início da Segunda Grande Guerra, em 1 de setembro de 1939, os países

que estavam na vanguarda da pesquisa em Física Nuclear, como Alemanha, França,Inglaterra, EUA e União Soviética, continuaram a fazê-la no período que se seguiu; noentanto, a divulgação de resultados mais sensíveis relativos à fissão e às reações emcadeia passou a ser submetida à censura. Em março de 1940, na Inglaterra, dois físicosexilados da Alemanha, Frisch e Rudolph Peierls, escreveram um memorando circun-stanciado e o endereçaram para o governo britânico, pelo qual eles informavam o min-

isótopo 23592 U constitui cerca de 0, 7% do urânio natural e o isótopo 23892 U é praticamente o resto. Portanto,para uma maior eficiência é necessário aumentar a fração de 23592 U ; este processo é chamado de enriqueci-mento.

28Nos EUA as pesquisas estavam sob a liderança dos físicos emigrados da Europa, Fermi e Szilard.

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1.5 Energia nuclear 23

istério da defesa sobre a possibilidade de se construir uma bomba de grande capacidadedestrutiva a partir do uso do isótopo urânio-235.Em 2 de agosto de 1939 – decorridos apenas seis meses da publicação do trabalho

de Meitner e Frisch –, após uma reunião com Szilard e Eugen Wigner (PNF-1963), efazendo proveito do seu prestígio pessoal junto aos dirigentes norte-americanos, Ein-stein endereçou uma carta ao presidente Franklin D. Roosevelt, informando-o sobre apossibilidade de se construir, em um futuro imediato, bombas extremamente potentes edestrutivas, a partir de urânio-235, desde que houvesse apoio oficial (governamental).O último parágrafo da carta de Einstein foi um sinal de alerta; ele tocou no ponto cru-cial, dizendo que a Alemanha suspendera a exportação de minério de urânio das minasda Tchecoslováquia e que os cientistas alemães deveriam estar repetindo os experimen-tos feitos nos EUA com o urânio. A carta de Einstein só chegou ao conhecimento deRoosevelt em 11 de outubro, que, de imediato, não se impressionou com o seu teor.Ele criou um “Comitê do Urânio” e alocou uma módica verba de seis mil dólares paraa compra de grafite (a ser usado como elemento moderador de nêutrons) e dióxido deurânio (usado como combustível). Um projeto em grande escala só foi aprovado emdezembro de 1941 e em agosto de 1942 se tornou conhecido como Projeto Manhattan.Nesse mesmo ano, EUA, Grã-Bretanha e Canadá decidiram somar forças em um únicoprojeto. Assim, Peierls e Frisch foram incorporarados ao projeto Manhattan junto comoutros cientistas britânicos. Um deles, Klaus Fuchs, que integrava a equipe britânica,espionava para os soviéticos, passando-lhes regularmente informações sobre o desen-volvimento da construção da bomba e de seu desenho.Entrementes, pesquisas já vinham sendo conduzidas por Fermi e equipe na univer-

sidade de Chicago, local onde estava sendo construído o primeiro reator nuclear, o CP1,chamado pilha, por causa do empilhamento dos blocos de grafite, entremeados compastilhas de dióxido de urânio, UO2. No dia 2 de dezembro de 1942 conseguiu-se re-alizar a primeira reação nuclear em cadeia auto-sustentada e controlada; um desenhoartístico da pilha é visto na Figura 1.7.O sucesso desse experimento foi importante, embora não decisivo, para dar início

ao projeto de construção de uma bomba atômica. O Projeto Manhattan ficou entãosob a direção civil de Robert J. Oppenheimer. Como centro de desenvolvimento daspesquisas específicas para projetar, montar e testar a bomba foi escolhida uma local-idade chamada Los Alamos, situada no estado de Novo México; concomitantementeficou a cargo de Wigner o projeto da construção de um reator, usando grafite e água pe-sada como moderadores, específicamente para a produção de plutônio29, e também afabricação em série de reatores em Oak Ridge, Estado do Tennessee. O primeiro testede uma explosão de uma bomba atômica ocorreu em 16 de julho de 1945 (denominada

29O plutônio é um elemento que não existe na natureza; ele foi descoberto apenas em março de 1940 naUniversidade de Berkeley. Ele é produzido quando se bombardeia urânio-238 com nêutrons, n+ 238

92 U →23994 Pu. Mais tarde, verificou-se que o 23994 Pu possui propriedades de captura de nêutrons e de subseqüentefissão com emissão de nêutrons semelhantes àquelas do 23592 U . Portanto, o 23994 Pu seria um elemento ad-equado para iniciar um processo de fissão em cadeia auto-sustentada e controlada, ou então para produzirbombas nucleares. Aqui usamos, indistintamente, os termos bomba nuclear e bomba atômica.

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24 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.7: Desenho artístico do primeiro reator construído, feito, essencialmente de blocos degrafite alternados com blocos de urânio.

Trinity, veja a Figura 1.8), no deserto de Alamogordo; sua potência foi estimada em 20quilotons – um quiloton tem potência explosiva equivalente a 1 000 toneladas do com-posto químico TNT30. A epopéia do projeto Manhattan está contada em detalhes nolivro de Richard Rhodes, The making of the atomic bomb [18]. Também a União So-viética teve o seu “projeto Manhattan”: um grupo de cientistas conseguiu produzir umartefato nuclear e explodí-lo em 1949. A história do desenvolvimento do projeto estárelatada, por exemplo, no livro de David Holloway, Stalin e a bomba [20].Até a presente data foram construídos centenas de reatores nucleares de fissão, de

diferentes arquiteturas de acordo com sua finalidade específica. Eles diferem na potên-cia da energia gerada, no tipo de combustível usado e no seu grau de enriquecimento,nos tipos de materiais usados como moderadores, nos elementos que entram na con-fecção das barras de controle, etc. No capítulo 13 apresentaremos os princípios defuncionamento e a descrição de alguns tipos de reatores mais comuns.

1.6 Partículas subnucleares e elementares: umaretrospectiva histórica

Por partículas elementares entende-se partículas sem estrutura, ou seja, aquelas que não

30A explosão de uma tonelada de TNT libera uma energia equivalente aproximadamente igual a 4× 109J .

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1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica 25

Figura 1.8: A primeira bomba atômica, denominada Trinity, está sendo instalada no topo da torreonde ocorrerá a explosão.

apresentam indícios de que sejam compostas por outras partículas mais fundamentais.Ao longo do tempo, os candidatos a partículas fundamentais foram se sucedendo, porexemplo, no final do século XIX e no início do século XX, os átomos eram consider-ados como sendo partículas elementares, pois supostamente eles constituíam os blocosfundamentais da matéria. Porém, as experiências de Geiger, Marsden e Rutherford mu-daram essa concepção, pois foi mostrado que o átomo é composto de elétrons e deum núcleo não pontual, tendo portanto uma estrutura não-trivial. Por sua vez, a de-scoberta do nêutron mostrou que o núcleo atômico contém duas partículas diferentes, opróton e o nêutron, que supostamente não teriam estrutura: próton, nêutron e elétron se-riam, portanto, partículas elementares. Porém, na década de 1950 Robert Hofstadter(PNF-1961) mostrou que o próton e o nêutron possuem estrutura; assim, essas partícu-las, junto com os mésons, deixaram de ser consideradas como elementares. No entanto,como partícula subatômica, o elétron, e−, ainda mantém este caráter de elementari-dade juntamente com dois novos parceiros descobertos posteriormente, o múon, ou µ,e o tau, ou τ , que partilham propriedades comuns, exceto pelas massas, que são muitomaiores que a do elétron31. Atualmente, a eles juntam-se muito mais partículas ele-mentares, como os já mencionados neutrinos, que existem em três tipos diferentes, νe,νµ e ντ , que estão associados ao elétron, múon e tau respectivamente. Embora não se-

31O elétron foi descoberto em 1897, o múon em 1938 e o tau em 1975 – como uma nota pitoresca, segundoM. Perl [21] (PNF-1995), usa-se a terminologia gerações, por serem partículas descobertas por diferentesgerações de pesquisadores. As três partículas fazem parte da família dos léptons.

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26 Capítulo 1. Introdução

jam detectáveis diretamente, existem os quarks que também são particulas elementares;eles têm sua existência inferida a partir de medições de propriedades de partículas com-postas. Os quarks podem ser de diferentes tipos, cada um dos quais é caracterizado porum número quântico exoticamente chamado “sabor”, e cada quark-sabor pode carregarum tipo diferente de carga chamada “cor” que, analogamente à carga elétrica, é respon-sável pela interação forte. Atualmente, o Modelo Padrão é o modelo prevalecente paraa descrição da constituição da matéria e tem por base 61 partículas elementares, com asquais torna-se possível explicar a existência de centenas de partículas (e antipartículas)não elementares, dentre as quais estão os mésons-π e os núcleons.Após a descoberta do nêutron por Chadwick e a elaboração da primeira teoria para

a estrutura do núcleo atômico, em 1932, iniciou-se a investigação sobre a natureza dasforças nucleares. A primeira e bem-sucedida teoria foi proposta por Yukawa em 1935,na qual, em analogia ao campo eletromagnético – cujas partículas de campo são os fó-tons –, a força nuclear, que mantém os núcleons coesos (como no dêuteron), deveriaser devida à troca de partículas de um campo nuclear. Seu cálculo mostrou que, casoexistissem, tais partículas deveriam ter spin 0 e uma massa da ordem de 200 me, queforam chamadas mésons. A procura por tal partícula contou com o empenho de físi-cos da Europa e dos EUA. Em 1938, uma partícula que era a principal candidata a sero méson de Yukawa foi identificada por Anderson em uma emulsão exposta a raioscósmicos. Porém, mais tarde verificou-se que aquela era uma outra partícula que fi-cou conhecida como méson µ, cujo nome hoje adotado é múon, não sendo, portanto, apartícula aventada por Yukawa; de fato, a partícula de Yukawa era ainda uma outra. Em1947, após análise cuidadosa de emulsões expostas à incidência de raios cósmicos du-rante um mês em uma estação metereológica situada no monte Chacaltaya, perto de LaPaz, na Bolívia, Lattes, Powell e Occhialini conseguiram identificar, com certeza, o mé-son de Yukawa. O local para a exposição das placas fora escolhido por Lattes por estarsituado a uma altitude de 5 000m acima do nível do mar32, diminuindo assim a camadaatmosférica que os mésons devem atravessar até atingir a emulsão. Esta história é con-tada pelo próprio Lattes em um pequeno livro autobiográfico com título Descobrindo aestrutura do universo [22].A Figura 1.9-a representa esquematicamente o que foi visto por Lattes: o traço

espesso representa um méson π+ (massa típica de 300 me) movendo-se na direção daseta, este decai no múon µ+ (massa de cerca de 200 me), quando então ocorre umamudança de direção (ponto A) devido à variação da massa (π+ → µ+). A seguir nota-se um traço indicando uma nova mudança de direção abrupta (ponto B); esta é umadireção praticamente oposta à de incidência do π+, e corresponde a um pósitron, e+.As linhas tracejadas correspondem à emissão de neutrinos, que não deixam traços nasemulsões devido à ausência de carga, mas cuja existência e trajetórias são inferidas pelanecessidade de conservação da energia e do momentum linear. Todo o processo pode

32Lattes mesmo transportou por avião as emulsões da Inglaterra para a Bolívia. Em um relato[22], eleconta como conseguiu identificar ambos os mésons nas emulsões, o mais pesado como sendo o de Yukawa eo outro como sendo o de Anderson, que fora chamado de mésotron.

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1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica 27

Figura 1.9: Traços de partículas em emulsões que são evidências da existência (a) do mésonπ+; ?? (b) do méson π−.

então ser escrito como

π+ −→ µ+ + ν

µ+ −→ e+ + ν + ν.

Adicionalmente, inferem-se os tempos de vida-média33 das partículas π+ (τ '10−8s) e µ+ (τ ' 2×10−6s); apenas o pósitron34 e os neutrinos “sobrevivem” na emul-são por serem partículas mais estáveis. A Figura 1.9-b é interpretada como sendo a doregistro de uma partícula π− que é absorvida por um núcleo (em contraponto, a aborçãode um méson π+ seria bem menos provável devido à repulsão coulombiana causadapela carga nuclear), localizado na posição O; em seguida, o núcleo emite partículascarregadas em múltiplas direções, que correspondem aos traços emergentes de O.Em 1948, os mésons π− e π+ foram produzidos artificialmente no acelerador cí-

clotron da Universidade de Berkeley; o π− foi identificado em emulsões por E. Gard-ner e Lattes, e o π+ por J. Burfering, Gardner e Lattes [22]. Os mésons-π são produzi-dos fazendo colidir prótons sobre alvos nucleares, sendo as reações mais simples as do

33Para um conjunto ou uma amostra contendoN partículas idênticas instáveis, que ao longo do tempo vãoperdendo sua identidade, por decaimento ou transmutação em outras (N deve ser suficientemente grande parapermitir um cálculo estatístico); o tempo de vida-média de uma partícula é o tempo em que a amostra se reduzpor um fator e = 2, 718....

34Em sua trajetória o pósitron colidirá com um elétron, o que leva à aniquilação de ambos, dando origem aum raio γ, cuja energia deve ser superior a 1, 022MeV .

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28 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.10: Ressonâncias resultando de colisão πp.

tipo

p+ p −→ p+ p+ π0

−→ p+ n+ π+

p+ n −→ p+ p+ π−

−→ p+ n+ π0

também referidas como colisões NN (com N simbolizando o núcleon).Depois de 1948, foram construídos novos aceleradores de partículas e fez-se a sub-

stituição das emulsões tradicionais por detetores sensíveis construídos para acusar apresença de novas partículas resultantes de colisões com alvos específicos e encontrarpadrões em suas propriedades. Assim começou uma nova época marcada por descober-tas de muitas partículas novas, de massas variadas, de spin inteiro ou semi-inteiro e comcargas elétricas positiva, negativa ou neutra, com propriedades inéditas.

Em 1951, na Universidade de Chicago, um grupo de pesquisadores liderado porFermi iniciou experimentos envolvendo colisões πN (píon-núcleon), graças à con-strução do acelerador cíclotron que permitiu a produção de feixes de mésons-π. Issolevou à descoberta de uma família de ressonâncias mais tarde identificadas como partícu-

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1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica 29

las com tempo de vida-média muito curto. Tipicamente, as reações são da forma

(a) π+ + p −→ π+ + p

(b) π− + p −→ π− + p

(c) π− + p −→ π0 + n,

(d) π− + p −→ γ + n (captura radiativa),

onde (a) e (b) correspondem a espalhamentos elásticos, (c) à transferência de cargae (d) à captura radiativa, todas com energia cinética Tπ < 300 MeV . Analisandoas seções de choque em função das energias de incidência foram observados picos,cada um identificado com a produção de uma nova partícula de vida-média muito curta(' 10−22 s); essas partículas foram caracterizadas como ressonâncias. Veja a Figura1.10 nas energias (no RCM) em torno de 190, 600, 900 e 1 300 MeV . Além dasenergias bem resolvidas, elas têm carga elétrica, spin e isospin35 bem definidos, porisso são consideradas como novas partículas, embora sejam altamente instáveis. Essasquatro partículas podem ser também consideradas como estados excitados dos núcleons,mas elas acabam encontrando uma descrição bem mais adequada dentro do modelo aquarks.Na década de 1960, o entendimento das inter-relações entre as partículas – suposta-

mente elementares – que surgiam dos experimentos estava bastante confuso. A únicacerteza era que elas interagiam fortemente com núcleons e com o núcleo, um com-portamento diferente do fóton, elétron, múon e neutrino, visto que um núcleo é quasetransparente ao múon. Havia então a suspeita de que essas novas partículas pertenciamao mesmo grupo do núcleon, portanto era necessário encontrar um esquema para clas-sificar e inter-relacionar todas as partículas, que hoje conhecemos como hádrons, quepor suas vez se subdividem em dois subgrupos: os mésons e os bárions. Foi entãoque, em 1961, os físicos Murray Gell-Mann (PNF-1969) e Yuval Nééman criaram(independentemente um do outro) um esquema de classificação dessas partículas ele-mentares, quando propuseram que todas as ressonâncias e partículas descobertas, Λ, Σ,etc (algumas chamadas estranhas, termo devido a Gell-Mann) e as ressonâncias πN –denominadas ∆ (delta), e que são em número de quatro (∆−,∆0,∆+,∆++) –, pode-riam ser classificadas de acordo com certas simetrias do grupo chamado SU(3). A títuloilustrativo veja os dois diagramas da Figura 1.11 para uma representação costumeira,que está baseada em uma relação entre os números quânticos das partículas; partículasde spin 1/2 formam um grupo de oito, chamado octeto, onde encontramos o próton, onêutron, as partículas Σ (com carga elétrica, 0,+1,−1), as Ξ (com carga elétrica 0,−1)e a partícula Λ desprovida de carga. Partículas com s = 3/2 formam um conjunto dedez, um decupleto, no qual estão incluídas as quatros ressonâncias ∆, além de outraspartículas. Voltaremos a este assunto com mais detalhes no Capítulo 14.

35O conceito de isospin, originalmente introduzido por Heisenberg, está associado ao dubleto próton-nêutron, ou seja, é um grau de liberdade que permite diferenciar os núcleons pela sua carga elétrica. Pos-teriormente, o conceito foi estendido para os núcleos atômicos e para as demais partículas subatômicas. Vejao Capítulo 14 para mais detalhes.

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30 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.11: Classificação de uma classe de partículas chamadas hádrons, feita por Gell-Manne Nééman, de acordo com certas simetrias. No esquema à esquerda estão oito partículas despin 1/2, chamado octeto; à direita há dez partículas de spin 3/2: é o chamado decupleto. Adistribuição das partículas nos vértices de um hexágono e nos de um triângulo, não são casuais,eles se justificam pois a ordenada e a abcissa (não desenhados) representam números quânticosadimensionais associados a leis de conservação.

Nas Tabelas 1.5 e 1.6 estão apresentados valores numéricos das massas e dos temposde vida-média relativos a algumas partículas da família dos bárions.

partícula – s = 1/2 massa (MeV ) vida-média (s)p (próton) 938, 3 estáveln (nêutron) 939, 6 887Σ− 1197, 4 1, 5× 10−10Σ0 1192, 6 7, 4× 10−20Σ+ 1189, 4 0, 8× 10−10Ξ− 1321, 3 1, 64× 10−10Ξ0 1315, 8 2, 90× 10−10Λ 1115, 7 2, 63× 10−10

Tabela 1.5. Massas e tempos devida-média do octeto de hádronsda Figura 1.11

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1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica 31

partícula – s = 3/2 massa (MeV ) vida-média (s)∆ 1232 -Σ∗ 1385 -Ξ∗ 1532 -Ω− 1672, 5 0, 82× 10−10

Tabela 1.6. Massas e tempos devida-média do decupleto dehádrons da Figura 1.11

As partículas subatômicas que constituem o octeto e o decupleto (cuja descriçãoé parte inerente do Modelo Padrão de Partículas e Forças) encontram uma descriçãoconsistente no modelo a quark36.O Modelo Padrão é uma teoria física largamente testada que consegue explicar e

predizer uma vasta gama de fenômenos, pois experimentos de alta precisão verificaramrepetidamente efeitos sutis previstos pela teoria. Não obstante, não se crê que o Mod-elo Padrão seja uma teoria definitiva, muitos físicos estão à procura de uma "teoria detudo", que unifique todas as forças conhecidas da natureza. Com relação a esse as-sunto sugerimos a leitura dos excelentes textos [23, 24], escritos por eminentes físicose direcionados para leitores interessados na história do desenvolvimento da Física dePartículas, suas descobertas e invenções.O cenário atual da área de partículas e campos é o seguinte: o Modelo Padrão conta

com seis diferentes tipos de quarks, diferenciados por um número quântico denomi-nado sabor, que são agrupados dois a dois. Diz-se assim que existem três famílias ougerações, que são representadas como (u, d), (s, c) e (b, t); seus respectivos antiquarkssão denotados com um traço em cima de cada letra (u, d), (s, c) e (b, t). Partículas não-elementares são constituídas ou por um par quark-antiquark (os mésons), ou então porum sistema de três quarks (os bárions). Todas as partículas constituídas de quarks e/ouantiquarks são chamadas hádrons, portanto mésons e bárions são hádrons. Os quarkscarregam uma carga elétrica fracionária de +2/3 e, ou −1/3 e (lembrando que e repre-senta a unidade de carga do próton). Dentro de cada família acima citada estão inseridaspartículas elementares chamadas léptons. Há seis dessas partículas que são, o elétron,o múon, o tau, e os seus respectivos neutrinos (todos têm antipartículas), veja a Tabela1.7.

Família ou Família ou Família ouGeração 1 Geração 2 Geração 3

quarks u (+2/3), d (−1/3) s (+2/3), c (−1/3) b (+2/3), t (−1/3)léptons e−, νe µ−, νµ τ−, ντ

Tabela 1.7. As partículas listadas têm spin 1/2. Os quarks têm carga elétrica,cujo valor está entre parêntesis. O sinal que acompanha os léptons indica asua carga elétrica. Os neutrinos são desprovidos de carga.

Existem quatro forças fundamentais na natureza que atuam entre as partículas. Duasjá eram conhecidas no século XIX, que são a força gravitacional e a força coulombiana;

36Elas são constituídas de três diferentes tipos (sabores) de quarks entre os seis diferentes existentes.

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32 Capítulo 1. Introdução

ambas são forças de longo alcance. A força gravitacional é atrativa e sua intensidadedepende essencialmente das massas dos objetos e da distância entre os mesmos. Ape-sar de terem massas ínfimas as partículas elementares sentem a força gravitacional daTerra, mas, por ser muito pequena comparativamente às outras, essa força tem um pa-pel irrelevante na Física Nuclear e na Física de Partículas; ademais, ela não está inseridano Modelo Padrão. A partícula de campo que carrega a força gravitacional – chamadagráviton – é desprovida de massa e tem spin 2.Por sua vez, a força coulombiana atua entre objetos eletricamente carregados, e a

teoria que dá conta da unificação das forças elétrica e magnética é o eletromagnetismo,cuja síntese está nas equações de Maxwell, na força de Lorentz e na equação da con-tinuidade de cargas e correntes. No contexto relativístico, a teoria pode ser escrita emtermos de equações covariantes por transformações de Lorentz. Porém, para dar contados fenômenos quânticos na radiação de átomos e da interação entre partículas car-regadas, foi necessário inventar uma nova teoria, que se desenvolveu de pesquisas feitasna década de 1940. Ela é conhecida como Eletrodinâmica Quântica, ou então pela siglaQED (Quantum Electrodynamics), e é uma teoria de campos, cuja partícula de campoé o fóton37. Três físicos foram laureados com o prêmio Nobel pelas suas importantescontribuições para a QED: Richard S. Feynman, Julian P. Schwinger e Sin-ItiroTomonaga (PNF-1965). A QED é uma das teorias mais completas e de maior sucessona física. Algumas de suas predições quantitativas estão de acordo com as mediçõesexperimentais com uma altíssima precisão; alguns valores numéricos apresentam umacoincidência que se estende até a décima-segunda casa decimal. A QED também ex-plica por que há duas classes fundamentais de partículas, férmions e bósons, e comosuas propriedades estão relacionadas ao seu spin; descreve também como partículas(fóton, elétron, pósitron, múon, tau) são criadas e aniquiladas. Contudo, a QED é umateoria de léptons apenas, ela é incapaz de descrever a interação dos hádrons.Foi necessário inventar uma nova teoria para tratar os processos envolvendo os há-

drons e seus constituintes. A teoria da interação dos quarks intermediada por glúons(partículas de campo, em analogia com os fótons) recebeu o nome de CromodinâmicaQuântica; a sigla usada é QCD (Quantum Chromodynamics) e apresenta muitas analo-gias com a QED. Nessa teoria a força forte é atrativa e se manifesta entre os já menciona-dos quarks (partículas propostas independentemente por Gell-Mann e George Zweig,em 1964, embora a denominação quark seja devida ao primeiro), que carregam umacarga extra associada a esta força, que foi chamada cor38, que vem em três diferentestipos, r, b e g, e também entre as partículas de campo desta força, os glúons, em númerode oito39. A força se manifesta pela troca de glúons entre os quarks e é suficientementeintensa, sendo capaz de sobrepujar as forças da repulsão coulombiana que atuam en-

37Ele é desprovido de massa e tem spin 1, que é o valor emmódulo de sua helicidade (estado de polarizaçãodo fóton).

38A palavra cor deu origem ao nome da teoria, cromodinâmica, pois no grego cromo significa cor.39Diferentemente do que ocorre na QED, onde – por serem desprovidos de carga elétrica – os fótons não in-

teragem entre si, os glúons interagem entre si, por carregarem duas unidades de carga cor; mais precisamente,uma cor e uma anticor.

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1.6 Partículas subnucleares e elementares: uma retrospectiva histórica 33

tre os quarks. Apesar da força forte ser de curto alcance, os glúons são desprovidosde massa e têm spin 1. Entretanto, a curtíssima distância a força deixa de atuar entreos quarks, que se comportam como partículas livres, mas confinadas; este fenômenoé conhecido como liberdade assintótica. Assim como os quarks, tampouco os glúonspodem ser detectados, pois não se propagam livremente no espaço. Desta forma, a ex-istência de quarks e glúons é inferida indiretamente, pois ambos só podem existir emregiões espaciais limitadas pelo tamanho dos hádrons. A força nuclear que atua entrenúcleons é considerada como uma força residual da força forte que age entre as cargasde cor, quando então as partículas de campo são os píons. Do caldo de quarks e glúonsexistentes dentro de um núcleon só podem emergir pares quark-antiquark. Quanto aosquarks mais pesado, em 1974, um grupo de pesquisadores do Laboratório Brookhaven,EUA, liderados por Samuel Ting (PNF-1976), e outro grupo do SLAC (Stanford LinearAccelerator, da Universidade de Stanford), EUA liderados por Burton Richter (PNF-1976) observaram umnovo hádron contendo o quarto sabor de quark, o charm; estehádron foi chamado J/psi, e apresenta uma massa de cerca de três vezes aquela do pró-ton. Pouco anos depois, em 1977, trabalhando no Laboratório Fermilab da Universidadede Chicago, EUA, o físico Leon Lederman (PNF-1988) e colaboradores descobriramhádrons contendo o quinto sabor de quark, o quark bottom. que tem uma carga electric−1/3 e. Finalmente, em 1996, usando o acelerador Tevatron do Fermilab, um grupointernacional de cientistas reportaram a observação do sexto sabor de quark, o top.Já a existência da força fraca revelou-se no decaimento β e foi originalmente ob-

servada nos núcleos radioativos, cuja primeira teoria é devida a Fermi que a publicouem 1934, mas ainda restrita aos processos nucleares de baixas energias. No que diz re-speito às partículas elementares, no Modelo Padrão considera-se que a força fraca atuatanto entre os quarks quanto entre os léptons. As partículas de campo desta força, con-hecidas como bósons vetoriais, são três: W+, W− e Z0, que têm diferentes cargaselétricas (+1,−1, 0) e o seu spin é 1. Elas também possuem grandes massas, da or-dem de 100 vezes a massa de um núcleon, eles transformam quarks de um sabor emoutro, e permitem que um múon decaia num eletron e dois neutrinos. Devido à imensamassa, o alcance da força é muito curto, cerca de 10−18 m, ou seja, cerca de 0, 1% dodiâmetro do próton. A interação fraca é capaz de trocar o sabor de um quark e sua ex-istência é crucial para a evolução e estruturação do Universo, pois ela é a responsávelpela transmutação do próton em nêutron, o que torna possível a síntese do deutério queé essencial na produção de energia nas estrelas, assim como na síntese de núcleos maispesados. Os bósons vetoriais foram descobertos em 1983 no maior laboratório de al-tas energias da Europa, o CERN40, o Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear, que estásituado na fronteira franco-suiça, por uma equipe liderada por Carlo Rubbia (PNF41-1984). Neste CERN foi construído o mais poderoso acelerador de partículas, o LHC42,

40Acrônimo com as letras iniciais de Centre Européen pour la Rechèrche Nucléaire.41O prêmio Nobel foi dividido com o engenheiro Simon Van der Meer, que projetou o anel de armazena-

mento de prótons.42Sigla de Large Hadron Collider, que é um equipamento constituído, essencialmente, de (1) dois imensos

tubos na forma de anel (27 km de perímetro cada) que se cruzam em quatro pontos, (2) mais imensos detec-

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34 Capítulo 1. Introdução

que deve entrar em operação no segundo semestre de 2009.Quanto aos léptons, em 1976, o físico Martin Perl (PNF43-1995) e colaboradores

descobriram o terceiro lépton massivo, o τ que tem carga elétrica igual à do elétron masde massa de cerca de 4 000maior, não obstante seja uma partícula elementar, isto é semestrutura.Embora, no presente Universo frio, as forças fraca e eletromagnética são bem dis-

tintas, conjectura-se que em um passado remoto, quando a temperatura do Universoera muito alta, elas estavam unificadas e, no resfriamento, a simetria (qual??) foi que-brada, dando origem, então, às duas. Contudo, para fazer sentido teoricamente, noModelo Padrão era necessário postular a existência uma nova partícula, um bóson ex-tra, cuja presença não apenas daria conta da unificação das forças eletromagnética efraca na chamada força eletrofraca, mas também resolveria um problema de divergên-cia no cálculo do termo de interação envolvendo dois bósons tipoW . Essa partícula fi-cou conhecida como bóson de Higgs, sendo identificada com a letraH, segundo um dosseus proponentes, Peter Higgs44. O conceito de bóson de Higgs foi usado por StevenWeinberg (PNF-1979) na elaboração da teoria da força eletrofraca, pela qual ganhouo prêmio Nobel de Física juntamente com os físicos Sidney Glashow e Abdus Salam(PNF-1979, ambos, juntos com Weinberg ), que também contribuíram decisivamentepara a sua elaboração.O bóson de Higgs intermedia a interação entre os bósons do tipo W . Entretanto,

para que no cálculo de probabilidades de transição certas integrais não resultem emvalores infinitos, torna-se necessário que a constante de acoplamento da interação sejadependente e proporcional à massa da partícula com a qual o H se acopla. Ele devetambém se acoplar ao bóson neutro Z0 e aos quarks; assim, devido à forma peculiar deseu acoplamento, acredita-se que o bóson de Higgs seja a partícula responsável por dara propriedade de inércia (massa) às partículas, uma vez que ainda não se sabe qual é omecanismo que dá inércia à matéria. Um dos grandes desafios do LHC será conseguirdetectar o bóson H, cuja massa é estimada estar em torno de 100 GeV ; o sucesso desua descoberta coroaria o Modelo Padrão, porém, não sendo encontrado, isto induziriaos físicos de partículas a repensar o modelo.Em suma, até o presente momento o Modelo Padrão contabiliza a existência de 61

partículas elementares assim distribuídas: 18 quarks (6 sabores e 3 cores), 18 antiquarks(6 antisabores e 3 anticores), 3 léptons massivos, 3 antiléptons massivos, 3 neutrinos, 3

tores de partículas. Com o LHC será possível perscrutar a matéria como nunca antes feito. Todo o complexoentrou em testes iniciais de operação em 2008. Com o LHC será possível fazer colidir prótons, em feixes con-trapropagantes nos anéis, a uma energia de 14 TeV (1 TeV = 106 MeV ). Núcleos de chumbo irão colidira uma energia de 1 150 TeV .

43O prêmio foi compartilhado com Frederick Reines, que havia detectado o neutrino em 1956, juntamentecom Clyde L. Cowan, Jr., mas este já havia falecido.

44Esse bóson teve outros co-descobridores, Robert Brout e François Englert. Os trabalhos dos dois, em-bora feitos independentemente um do outro, assim como daquele feito por Higgs, foram todos contemporâ-neos. No entanto, eles só ficaram conhecidos pela comunidade dos físicos depois da divulgação do trabalhode Higgs. Posteriormente, em 1997, a Sociedade Européia de Física reconheceu que os trabalhos dos trêsestavam em pé de igualdade; em virtude disto, eles receberam o prêmio de Altas-Energias e Física de Partícu-las.

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1.7 Apêndice A: A seção de choque de Rutherford 35

antineutrinos e as partículas de campo,?? 8 glúons, 3 bósons vetoriais, o bóson de Higgse o fóton.De acordo com Martinus Veltman (PNF-1999) [24], há ainda enigmas a desven-

dar na Física de Partículas Elementares, e algumas perguntas pendentes que aguardamresposta são: haveria uma relação entre o bóson de Higgs e a gravitação? Haveria umarelação entre o bóson H e a estrutura do Universo? O que fornece a propriedade demassa às partículas? Por quê cada partícula tem uma massa determinada? Por quê osquarks e os léptons estão agrupados em famílias? Afora estas questões, existe tambémceticismo acerca da existência do bóson H , com a tese de que ele não existiria real-mente e a sua conjectura representaria apenas parte de uma realidade mais complexa,que envolveria a gravitação de forma mais fundamental.Uma fonte de desconforto que existe quanto ao Modelo Padrão está no fato de que as

massas das partículas, assim como as cargas e outras propriedades não são deduzidas;elas participam da teoria como parâmetros cujos valores são obtidos empiricamente.Por outro lado, em uma teoria ideal esses parâmetros deveriam ser preditos a partirde algumas poucas constantes universais; assim, todas essas indagações têm estimu-lado os pesquisadores à procura de uma generalização da teoria quântica de campos.Uma candidata em voga é a Teoria de Cordas e Membranas [25, ?, 26, 27] na qual éfeita a substituição de objetos pontuais, como o elétron, por estruturas estendidas. Nãoobstante, de acordo com o filósofo da ciência Karl Popper [28] nenhuma teoria cien-tífica pode ser considerada como definitiva, pois toda teoria deve admitir uma janela derefutabilidade, ou seja, deve estabelecer seus limites de validade.

1.7 Apêndice A: A seção de choque de RutherfordVamos considerar um certo referencial em duas dimensões em cuja origem O encontra-se um centro espalhador isotrópico, o qual age com um força A/r2 sobre uma partículade massa m a uma distância r de O; A é a constante de acoplamento da partícula como centro espalhador. A energia da partícula, que é uma quantidade conservada ao longodo seu movimento, é escrita como

E =m

2r2 +

m

2(rϕ)

2+

A

r, (1.8)

onde os dois primeiros termos representam a energia cinética da partícula em coorde-nadas polares no plano (0 ≤ r < ∞, 0 ≤ ϕ < 2π) e o terceiro termo representa aenergia potencial. O ponto acima de uma variável significa derivada com relação aotempo. Considerando a interação coulombiana – centro espalhador com carga +Ze e apartícula com carga +ze – identificamos A = zZe2. Podemos nos livrar do parâmetrotempo na Eq. (1.8) usando a definição do momentum angular da partícula, L = mr2ϕ(que é uma constante do movimento): usando

ϕ =L

mr2

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36 Capítulo 1. Introdução

er =

dr

dt=

dr

dϕϕ = r0

L

mr2,

onde r0 = dr/dϕ, portanto,

E =L2

2m

µr02

r4+1

r2

¶+

A

r. (1.9)

Vamos introduzir uma nova variável, u = r−1, onde 0 < u <∞, e escrever a Eq. (1.9)como

E =L2

2m

¡u02 + u2

¢+Au, (1.10)

que é uma equação diferencial não-linear. A derivada desta com relação a ϕ leva a umaequação diferencial linear

u00 + u+mA

L2= 0, (1.11)

cuja solução é

u =mA (ε cosϕ− 1)

L2, (1.12)

com derivadau0 = −mAε sinϕ

L2. (1.13)

Note-se que u−1 = r (ϕ) = L2/ [mA (ε cosϕ− 1)] representa45 uma órbita hiper-bólica, e o parâmetro adimensional ε é a sua excentricidade, que se expressa em termosdas constantes de movimento E e L e das constantes do problema,m e A. Substituindoos lados direitos das Eqs. (1.12) e (1.13) na Eq. (1.10), torna-se imediato verificar queε2 = 1 +

¡2EL2

¢/¡mA2

¢; extraindo-se a raiz, escolhe-se o sinal positivo pois o sinal

negativo não tem significado físico, logo

ε =

r1 +

2EL2

mA2.

A escolha E > 0 implica ε > 1, o que caracteriza uma trajetória hiperbólica. Comou é uma variável positiva, o ângulo ϕ pode tomar valores no intervalo (0, arccos ε−1)e 0 < u < mA (ε− 1) /L2, ou em termos da coordenada radial r, r0 ≤ r < ∞ , er0 ≡ L2/mA (ε− 1) é a distância de maior aproximação da partícula com relação àorigem O, que pode ser reescrita como

r0 =L2

mA (ε− 1) =A (ε+ 1)

2E,

veja a Figura 1.12. Sendo ϕ o ângulo polar, assintoticamente, antes e depois do espal-hamento, ele assume o mesmo valor ϕ0 com cosϕ0 = ε−1 e, sendo 2ϕ0 + θ = π,

45É digno de nota observar que a solução (1.12) é também solução da equação do oscilador harmônicox + ω2x = 0, pois fazendo-se as substituições x → u +mA/L2, t → ϕ, ω2 → 1, obtém-se a equaçãodiferencial (1.11).

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1.7 Apêndice A: A seção de choque de Rutherford 37

Figura 1.12: Trajetória hiperbólica de uma partícula de massa m espalhada por um centro deforça repulsivo isotrópico, V (r) = A/r, localizado na origem do sistema de coordenadas. θé o ângulo de espalhamente, definido em termos das direções dos momenta incidente e de es-palhamento. ϕ0 é o angulo polar da partícula, quando ela?? está longe do centro espalhador(origem). Note-se a relação entre os dois ângulos. r0 é a distância de maior aproximação (daorigem 0) do projétil.

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38 Capítulo 1. Introdução

Figura 1.13: Uma partícula com velocidade inicial v0 incide sobre um centro espalhador emO,sendo b o seu parâmetro de impacto e θ é o ângulo de espalhamento.

sua relação com o ângulo de espalhamento é portanto sin (θ/2) = ε−1, que podemosescrever como

2EL2

mA2= cot2 (θ/2) . (1.14)

Assim, vemos que o ângulo de espalhamento também depende das constantes do movi-mentoE eL, assim como da massam e deA. ComoE eL se mantêm fixos ao longo domovimento, podemos escrevê-los em termos de seus valores longe do centro espalhadorcomo

E = T =1

2mv20 e L = mv0b, (1.15)

onde b é o parâmeto de impacto, v0 é a velocidade inicial do projétil e E = T é aenergia cinética da partícula longe do centro espalhador, veja a geometria da trajetóriaplanar na Figura 1.13 e, tridimensionalmente, olhe a Figura 1.14. As Eqs. (1.14) e(1.15) permitem estabelecer uma relação simples entre b e θ

b =A

2Tcot (θ/2) (1.16)

Vamos agora obter a seção de choque diferencial: denotando como n o fluxo in-cidente – número de partículas incidentes sobre o centro espalhador por unidade detempo e unidade de área – e sabendo-se que a incidência se dá com diferentes parâmet-ros de impacto, decorre então que a fração de partículas espalhadas, que atravessamo anel 2πb db (veja a Figura 1.14), por unidade de tempo, pode ser escrita comodN = 2πb db n, devido à simetria azimutal do espalhamento. A seção de choquediferencial é portanto escrita como

dσ =dN

n= 2πb db

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1.8 Bibliografia 39

Figura 1.14: Figura tridimensional do espalhamento de partículas incidentes sobre um centroespalhador, distribuídas uniformemente em um anel. O espalhamento é suposto ter uma simetriaazimutal.

e, usando a relação (1.16), resulta que

dσ = 2π

µA

2T

¶2cot (θ/2)

1

sin2 (θ/2)dθ

=

µA

2T

¶21

4 sin4 (θ/2)2π sin θ dθ| z

=dΩ

,

e finalmente obtém-se a seção de choque de Rutherfordce-me que dentro do parên-o fator é 1/2 e há um outror 1/4 junto com o seno. dσ

dΩ=

µzZe2

4T

¶21

sin4 (θ/2),

que expressa, estatisticamente, a distribuição angular de partículas pontuais com energiacinética T e carga ze espalhadas, depois de haverem incidido sobre centros espalhadoresfixos, de carga Ze. Para a partícula α, z = 2 e como e2 = 1, 44 MeV fm, resulta aEq. (1.1).

1.8 Bibliografia

[1] Geiger H. e Marsden E., 1909, Proc. Roy. Soc. A 82, 495.

[2] Rutherford E., Phil Mag. 21, (1911) 660; 27 (1914) 488. Outros artigos seminaispodem ser encontrados nas seguintes paginas da internet

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40 Capítulo 1. Introdução

http://dbhs.wvusd.k12.ca.us/webdocs/Chem-History/Rutherford-1911...http://web.lemoyne.edu/~GIUNTA/papers.html

[3] Nagaoka H., 1904, Phil. Mag. 6 (7), 445.

[4] Perrin J., 1901, Revue Scientifique 15, 449.

[5] Para a dedução ver, por exemplo, o livro de K. R. Symon, Mecânica, EditoraCampus. 1982.

[6] Bohr N., 1913, Phil. Mag. 25, 857.

[7] Born M.,1947, Atomic Physics, Blackie & Son Limited.

[8] Ruark A. E. e Urey H. C., 1930, Atoms, molecules and quanta, McGraw-Hill.

[9] Brillouin L., 1931, L ´Atome de Bohr, Presses Universitaires de France.

[10] Hardcup G. e Allibone T.E., 1984, Cockroft and the atom, Adam Hilger Ltd., pg55.

[11] Segrè E. G., 1970, Enrico Fermi Physicist, The University Chicago Press.

[12] Fermi, L, 1994, Atoms in family: My Life with Enrico Fermi, University ChicagoPress.

[13] Uma carta de nuclídeos pode ser encontrada no site http://www.chartofnuclides.come dados sobre os nuclídeos estão no site http://www.nndc.bnl.gov/usndp/usndp-subject.html. Uma compilação de dados atômicos e nucleares estão nos sites:http://www.nndc.bnl.gov, http://physics.nist.gov/PhysRefData/contents.htm,http://isotopes.lbl.gov, http://wwwndc.tokai.jaeri.go.jp/index.htm,http://wwwndc.tokai.jaeri.go.jp/nucldata/index.html,http://nucleardata.nuclear.lu.se/nucleardata/toi, http://atom.kaeri.re.kr.

[14] Audi G. e Wapstra A. H., 1995, Nucl. Phys. A595, Vol. 4, 409.

[15] Hahn, O., and Strassmann, F., 1938, Naturwiss., 26, 756.

[16] Hahn, O., and Strassmann, F., 1939, Naturwiss., 27, 11.

[17] Meitner L. and. Frisch O.R, 1939, Nature, 143, 239-240.

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1.9 Textos de Física Nuclear e de Partículas Elementares recomendados como leitura adicional/complementar41

[18] Rhodes R., 1986, The making of the atomic bomb, Simon & Schuster, New York,1986.

[19] Rhodes R., 1995, Dark sun, the making of the hydrogen bomb, Simon & Schuster,New York,

[20] Holloway D., 1997, Stalin e a bomba, Editora Record, São Paulo.

[21] Perl M., 1997, Physics Today 50, 34; The Leptons After 100 Years.

[22] Lattes C., 2000, Descobrindo a estrutura do universo, Editora Unesp.

[23] Weinberg S., 1993, Dreams of a final theory, Vintage Books.

[24] Veltman M., 2003, Facts and misteries in elementary particle physics, World Sci-entific.

[25] Brian Greene B., 2001, O Universo elegante, Ed. Companhia das Letras.

[26] Zwiebach B.,2004, A First course in String Theory, Cambridge University Press.

[27] http://theory.caltech.edu/people/jhs/strings/, http://superstringtheory.com

[28] Popper K. R., 1963, Conjecturas e refutações, Editora Universidade de Brasília.

1.9 Textos de Física Nuclear e de Partículas Elementaresrecomendados como leitura adicional/complementar

• Mukhin K. N., 1987, Experimental nuclear physics, volumes I e II, Mir Publish-ers, Moscou.

• Mukhin K. N., 1988, Física nuclear recreativa, Editorial Mir, Moscou. Emespanhol.

• Klimov A., 1975, Nuclear physics and nuclear reactors, Mir Publishers, Moscou.

• Veltman M., 2003, Facts and misteries in elementary particle physics, WorldScientific, Singapore.

• Lattes C., 2000, Descobrindo a estrutura do universo, Ed. Unesp, São Paulo.

• Segrè E. G., 1970, Enrico Fermi physicist, The University Chicago Press.

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42 Capítulo 1. Introdução

• Brian Greene B., 2001, O Universo elegante, Ed. Companhia das Letras.

• Chung K. C., 2001, Introdução à Física Nuclear, Editora UERJ.

• Schechter H. e Bertulani C. A., 2007, Introdução à Física Nuclear, EditoraUFRJ.

• Cottingham W. N. e Greenwood D. A., 2007, An introduction to the StandardModel of Particle Physics, Cambridge University Press.

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