Flavia Piovesan- Boletim Cientifico

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    Ano 6 Nmeros 22/23 janeiro/junho 2007Braslia/DF

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    Boletim Cientfco

    Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio

    Uma publicao da ESMPUSGAS Av. L2-Sul, Quadra 604, Lote 23, 2 andar

    70200-901 Bras lia/DFTel.: (61) 3313-5114 Fax: (61) 3313-5185Home Page: E-mail:

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    Ncleo de Programao Visual

    Ana Manr inato Cavalcante

    Clara Dantas Farias - Editorao eletrnicaProjeto Grfco

    Ana Manr inato Cavalcante

    Fotolitos e impresso

    Editora Grca Daliana Ltda. Rua Eliodora, 131 Vila Darcy VargasCEP 32372-230 Contagem/MG Tel.: (31) 3393-2353E-mail:

    Tiragem: 3.000 exemplares

    As opinies expressas nos artigos so de exclusiva responsabilidade dos autores.

    Boletim Cientfco Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio

    Braslia : ESMPU, ano 6, n. 22/23, jan./jun., 2007TrimestralISSN 1676-47811. Direito. I. Ttulo

    CDD:340.1

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    Editorial

    Prossegue o Boletim Cientfco em sua promissora linha edito-rial, voltada para a complexidade da realidade jurdica contempo-

    rnea , na qual dois aspectos parecem tomar corpo: (i) a unidade do

    enmeno jurdico; (ii) a necessidade, da decorrente, da atuao ca-

    da vez mais prxima das diversas instituies e carreiras jurdicas.

    A unidade do enmeno jurdico impe a superao da rigidezdicotmica tradicionalmente estabelecida entre os diversos ramos

    do direito. Traduzida na diviso interdisciplinar das Sees deste

    Boletim, a apreenso unitria dos problemas permite a compreensomais ampla das solues e do cenrio em que se inserem.

    De outra parte, a realidade contempornea exige instrumen-

    tos que possibilitem o controle social cada vez mais eciente daatividade privada. A substituio do Estado assistencialista pelo

    regulamentar aproxima a iniciativa econmica empresarial das ins-tncias pblicas de regulao, de modo a assegurar a participao

    democrtica na denio de prioridades sociais que promovam

    valores constitucionais e mitiguem a avassaladora ora das leis do

    mercado. Nesse cenrio vm a lume inmeras instituies, como

    as agncias reguladoras, e projetos de lei, como o que regulamenta

    as Fundaes Pblicas de direito privado, que retratam a impres-

    cindibilidade da unio de esoros e superao de desconanasentre as lgicas dos espaos pblicos e privados, para alm dos con-

    ns institucionais das carreiras jurdicas e da advocacia, visando ao

    apereioamento das instncias de deciso e de gesto tanto da coisa

    pblica quanto da empresa privada.

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    Em tal contexto se insere o Boletim Cientfco, a traduzir a preo-cupao da Escola Superior do Ministrio Pblico da Uniocom a manuteno de um rum de debates altura dos desaos do

    momento presente. A trajetria exitosa de nossa publicao, nessemomento de agenda to plural e multiacetada, depende da parti-cipao ativa da comunidade jurdica, instada a mandar suas con-tribuies e a refetir, coletivamente, sobre o ormidvel espectrode temas jurdicos, cuja compreenso e interpretao tornam-sedecisivas para a armao de um sentimento tico proundo quepermeie o to esperado desenvolvimento econmico, para que este

    possa andar de mos dadas com a distribuio de rendas, a igual-dade e a solidariedade constitucionais.

    Gustavo Tepedino

    Proessor Doutor da Universidade Estadual do Rio de JaneiroCoordenador do Conselho Editorial da

    Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio

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    Sumrio

    Seo I Direitos Humanos

    Direitos humanos e desenvolvimento

    Jos Elaeres Marques Teixeira ............................................................. 11

    Seo II Interesses Diusos e Coletivos

    A inverso do nus da prova na CLT e no CDC

    Flvia Pereira Hill ........................................................................... 31

    Idoso-vtima e idoso-agente: legitimidade da distino

    Paulo Srgio Duarte da Rocha Jnior ................................................ 57

    Seo III Direito Penal e Liberdades Constitucionais

    Controle das cmeras de segurana pelo povo

    Joo Bosco Arajo Fontes Jnior e Renata Orsi Bulgueroni ................ 71

    Seo IV Ordem Pblica e Relaes Jurdicas Privadas

    A legitimidade constitucional das famlias formadas por

    unies de pessoas do mesmo sexo

    Gustavo Tepedino ...........................................................................89

    Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurdico das

    relaes homoafetivas no Brasil

    Lus Roberto Barroso ....................................................................... 117

    Representao ao Procurador-Geral da Repblica

    GT dos Direitos Sexuais e Reprodutivos da PFDC ...........................165

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    Seo V Temas Atuais

    Jasper vs. the United Kingdom: controvrsia sobre as regras

    de sigilo e o direito igualdade de armas no processo, sob a

    luz da Conveno para a Proteo dos Direitos do Homem

    e das Liberdades Fundamentais

    Luiz Fernando Voss Chagas Lessa ................................................... 231

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    Seo IDireitos Humanos

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    B. Cient. ESMPU, Braslia, a. 6 n. 22/23, p. 11-27 jan./jun. 2007 11

    Direitos humanos e desenvolvimento

    Jos Elaeres Marques Teixeira*

    Sumrio: 1 Introduo. 2 Histrico dos direitos huma-nos. 2.1 Evoluo normativa. 2.2 Construo institucio-nal. 2.3 Perodo ps-guerra ria. 2.4 Perodo ps-onzede setembro de 2001. 3 Necessidade de uma nova teoriados direitos humanos. 4 Direito ao desenvolvimento.4.1 Direito de terceira gerao. 4.2 Evoluo do direito

    ao desenvolvimento. 4.3 Globalizao e direito ao desen-volvimento. 4.3.1 O modelo liberal-conservador da ajuda.4.3.2 Cidadania global: um novo modelo de cooperaoao desenvolvimento. 4.4 Desenvolvimento e luta contra apobreza. 5 Concluso.

    1 Introduo

    Os estudos e as avaliaes das Naes Unidas acerca do desen-volvimento em pases periricos tm sido elaborados a partir dosdireitos humanos. Alis, a prpria aerio do grau de desenvolvi-mento eita tendo-se em conta os direitos humanos1. Isso decorredo ato de que a ONU pretende promover o desenvolvimentohumano por meio do aumento das capacidades inerentes aos deten-tores desses direitos. Sem sombra de dvidas, essa posio demons-

    tra a importncia que o desenvolvimento tem hoje para que os

    * Jos Elaeres Marques Teixeira mestre em Direito pela UFSC, Procurador Regio-nal da Repblica e ocia perante o TRF/1 Regio e o Conselho Administrativode Deesa Econmica (Cade).

    1 Em relao ao Brasil, oram divulgados pela ONU dois documentos importantes:Uma leitura das Naes Unidas sobre os desafos e potncias do Brasil(agosto de 2005);Marco de Assistncia das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Unda) 2007-2011 para

    o Brasil.

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    direitos humanos, em seu conjunto, sejam eetivamente protegidose respeitados.

    Nesse sentido, o presente texto se prope, em um primeiromomento, a apresentar as vrias etapas experimentadas pelos direi-tos humanos, questionando se a teoria tradicional ainda se presta realizao desses direitos, em um mundo bastante dierente daqueleem que oram preparados os principais documentos que os consa-graram como direitos universais. Em um segundo momento, pre-tende-se expor a compreenso atual do direito ao desenvolvimentocomo direito humano, a evoluo que tem experimentado, a suarelao com o enmeno da globalizao e a necessidade de certasmedidas que eetivamente convertam o direito ao desenvolvimentoem instrumento ecaz de combate pobreza.

    2 Histrico dos direitos humanos

    As terrveis experincias vivenciadas com duas guerras mun-diais impulsionaram a comunidade internacional a criar um gigan-tesco corpo normativo e uma estrutura institucional, destinados aassegurar o respeito queles direitos tidos como universais, no sen-tido de que, se pertencem Humanidade, devem ser respeitados epromovidos por todos, sem exceo. O primeiro passo nessa dire-o oi dado com a Carta da Organizao das Naes Unidas e daCorte Internacional de Justia2, concluda e assinada em So Fran-cisco, Calirnia, EUA, em 26 de julho de 1945, seguida da Decla-rao Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Resoluon. 217, na 3 sesso ordinria da Assemblia-Geral das NaesUnidas, em Paris, Frana, no dia 10 de dezembro de 1948.

    2 Originariamente, 51 Estados rmaram a Carta. Hoje, 188 Estados so partes naCarta da ONU. O Governo Brasileiro (Getlio Vargas) aprovou o seu texto por

    meio do Decreto-Lei n. 7.935, de 4.9.1945.

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    2.1 Evoluo normativa

    Sob os auspcios da ONU e tendo como documento-reernciaa Declarao Universal dos Direitos do Homem, a implementao eo desenvolvimento da legislao internacional de direitos humanosexperimentou um processo de acelerao durante a segunda metadedo sculo XX. Especialmente no perodo entre 1945 e nal dadcada de 1960, que oram anos socialmente intensos, com o surgi-mento de importantes movimentos reivindicatrios, como o movi-mento black power, em que os negros nos EUA lutaram pela abolioda segregao racial, os direitos humanos bsicos ganharam ora

    e internacionalizao denitiva. Nesse perodo, conhecido comocriao normativa3, surgiram a Conveno para a Preveno e aRepresso do Crime de Genocdio (1948), as Convenes de Gene-bra (1949), a Conveno sobre o Estatuto dos Reugiados (1951), aConveno para a Eliminao de todas as Formas de DiscriminaoRacial (1965), o Pacto de Direitos Civis e Polticos (1966) e o Pactode Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1966). Em mbito

    regional, apareceram a Declarao Americana de Direitos e Deve-res dos Homens (1948) e a Conveno Europia sobre os DireitosHumanos (1950). Ainda nessa etapa normativa, a OIT tornou-seuma agncia especializada das Naes Unidas (1946), continuandona sua deesa dos direitos dos trabalhadores, e a Assemblia-Geralda ONU elaborou a Declarao sobre os Direitos das Crianas(1959).

    2.2 Construo institucional

    J com um quadro normativo bastante denso, no nal da dcadade 1960, os direitos humanos ingressaram em uma nova etapa, deconstruo institucional4, a qual se estendeu at 1989, quando ocor-

    3 Lpez, 2006a, p. 2.

    4 Ibidem, p. 4.

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    reu a queda do Muro de Berlim. Nesse perodo, surgiram rgose mecanismos de aplicao, controle, preveno, proteo e imple-mentao dos direitos humanos.

    No mbito da ONU, oram criados o Comit de DireitosHumanos, o Comit para a Preveno do Racismo, o Comitcontra a Tortura e o Comit para a Eliminao da Discrimina-o contra as Mulheres. Foram estabelecidos tambm a ComissoInteramericana de Direitos Humanos, a Corte Interamericana deDireitos Humanos, a Comisso Europia de Direitos Humanos e oTribunal Europeu de Direitos Humanos.

    Para a preveno e proteo dos direitos humanos, criaram-se mecanismos internacionais convencionais e no-convencionais.Os mecanismos convencionais so aqueles previstos em tratados,podendo ser classicados como contenciosos, no-contenciosos equase-contenciosos. Os mecanismos no-convencionais so os quedecorrem de instrumentos jurdicos distintos. Atualmente, existem

    trs principais mecanismos no-convencionais: o inorme peri-dico de 1959, o procedimento pblico 1235 e o procedimento con-dencial 15035.

    Os movimentos sociais que haviam emergido nas dcadasanteriores tomaram corpo, assumindo a eio de organizaesno-governamentais de proteo e promoo dos direitos huma-nos. As denncias contra o apartheid, existente principalmente em

    pases recentemente descolonizados,e as conseqentes lutas contraa segregao racial oram uma das primeiras atividades dessas orga-nizaes. Pases como Israel e rica do Sul, que exerciam o apar-theid, oram alvo da ao daqueles que se ocuparam da deesa dosdireitos humanos. Como resultado, surgiram a Conveno sobrea Represso e Castigo doApartheid(1973) e a Conveno sobre o

    5

    Lpez, 2006b, p. 11.

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    Apartheidnos Esportes (1985), cando assim a rica do Sul isoladapor muitos anos.

    Ainda nesse perodo surgiu um movimento por uma novaordem econmica internacional, patrocinado pelos pases recm-descolonizados e mais pobres. Esse movimento deu origem aoenrentamento poltico entre pases do Norte e do Sul que at hojeocorre no mbito das organizaes internacionais. A sua maior vit-ria oi a promulgao, pela Assemblia-Geral das Naes Unidas,da Declarao sobre o Direito Humano ao Desenvolvimento, em1986.

    Embora essa ase dos direitos humanos tenha sido designadacomo etapa de construo institucional, o processo de criao nor-mativa no parou. Com eeito, alm dos documentos j reeridos,produziram-se a Conveno para a Eliminao da Discriminaocontra a Mulher (1979), a Conveno contra a Tortura (1984) e aCarta Aricana sobre os Direitos Humanos e dos Povos (1981).

    2.3 Perodo ps-Guerra Fria

    Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, teve m a GuerraFria. A partir desse momento, os direitos humanos converteram-seno principal tema das grandes conerncias e reunies de mbitomundial. Os direitos humanos experimentam, ento, uma terceiraetapa6.

    Apesar dos registros de srias violaes em Ruanda e Iugosl-via e de as Naes Unidas terem perdido o seu prestgio, porque osEUA passaram a submet-la aos seus critrios econmicos e pol-ticos, esse oi um perodo rtil de debates e produo de docu-mentos. Assim que, em 1989, oi realizada a Conveno sobre

    6

    Lpez, 2006a, p. 7.

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    os Direitos da Criana; em 1992, ocorreu a Conerncia Mun-dial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro,Brasil, quando se proclamou a necessidade do desenvolvimento

    sustentvel e do respeito ao meio ambiente; nesse mesmo ano,surgiu a Declarao sobre os Direitos das Pessoas pertencentes aMinorias Nacionais, tnicas, Religiosas e Lingsticas; em 1993,oi realizada a Conerncia Mundial sobre Direitos Humanos, emViena, ustria, oportunidade em que o direito ao desenvolvimentooi proclamado como universal e inalienvel; em 1994, ocorreu aConveno Marco para a Proteo das Minorais do Conselho da

    Europa, entre outros textos.

    Essa ase caracterizada tambm pelo surgimento dos movi-mentos antiglobalizao, crticos dos modelos econmicos ecomerciais patrocinados por organizaes como o Banco Mundial,o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e a Organizao Mundialdo Comrcio (OMC), as quais estariam impedindo uma distribui-o mais justa dos recursos do planeta. O principal ponto de ree-rncia desses movimentos oi o Frum Social Mundial de PortoAlegre, Brasil, ocorrido em trs anos sucessivos (2001 a 2003).

    2.4 Perodo ps-onze de setembro de 2001

    Os terrveis atentados de 11 de setembro de 2001 s torresgmeas de Nova York e ao edi cio do Pentgono em Washington,

    EUA, proporcionaram o surgimento de uma nova ase dos direi-tos humanos7, inelizmente de retrocesso, e que se estende at osdias de hoje. Desde aquele atdico dia, a luta contra o terrorismointernacional tem relegado a segundo plano os direitos humanos.O princpio da segurana converteu-se no principal eixo em tornodo qual passaram a girar os direitos humanos.

    7

    Lpez, 2006a, p. 12.

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    O momento vivido hoje, denitivamente, muito delicadopara os direitos humanos, porque tambm os organismos interna-cionais oram aetados, perdendo a sua autonomia. O exemplo mais

    claro o da ONU, que se viu relegada na questo da Guerra doIraque. A deciso pela guerra no partiu da ONU, mas, unilateral-mente, dos EUA e dos pases aliados, o que mostra a perda da suainfuncia na denio da poltica internacional.

    3 Necessidade de uma nova teoria dos direitos

    humanos

    Nessa nova congurao mundial, em que os direitos huma-nos vm sendo relegados, seja por questes polticas, seja por ques-tes econmicas, preciso considerar seriamente se a teoria tradi-cional dos direitos humanos ainda tem algum papel a cumprir ouse no hora de prevalecer uma teoria mais consentnea com oatual contexto.

    preciso admitir que o ambiente em que oram ormuladasas bases mnimas dos direitos humanos muito dierente daqueleque temos hoje. A simples idia de que somos titulares de direitoshumanos no basta mais. O discurso tradicional, segundo o qual ocontedo bsico dos direitos o direito de ter direitos deve sersubstitudo por um outro, que proporcione condies adequadaspara que esses direitos possam eetivamente ser exercidos.

    Uma teoria com essa nalidade h que tomar os direitoshumanos no como direitos propriamente ditos, mas como pro-cessos, como resultado das lutas que os seres humanos empreen-dem para ter acesso aos bens materiais e imateriais necessrios auma vida digna8. Nessa perspectiva, os direitos humanos devem ser

    8

    Flores, 2006a,p. 5.

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    entendidos a partir de sua vinculao com as polticas de desenvol-vimento e com as lutas dos grupos sociais dedicados a promover aemancipao humana.

    Uma concepo histrica e contextualizada dos direitos huma-nos implica a necessria recuperao da ao poltica coletiva, vistoque esses direitos so criados e recriados pelo processo de constru-o social da realidade. Alm disso, requer a ormulao de umalosoa impura dos direitos, ou seja, livre de purismos intelectuaise idealizaes, pois somente o que contaminado pelo contextopode ser objeto de conhecimento (s o impuro cognoscvel).Por m, reclama uma metodologia relacional, j que no podemosentender os direitos humanos isoladamente, seno como parte deprocessos sociais e econmicos que predominam em contextosespaciais e temporais concretos.

    Os direitos humanos so mais que normas ormais; so produ-tos culturais, polticos e sociais. Como produtos culturais, resultam

    da luta pela dignidade humana, criando condies para a imple-mentao de um sentido orte de liberdade. No plano poltico, essesdireitos decorrem da luta contra a expanso material e a ideologiado sistema de relaes imposta por processos de acumulao decapital, abrindo espao para a concretizao do conceito coletivode raternidade. Em sentido social, os direitos humanos so resul-tado das lutas sociais e coletivas por uma vida digna, pretendendo,

    com isso, complementar e ampliar o conceito de igualdade9.

    4 Direito ao desenvolvimento

    Na concepo de uma nova teoria dos direitos humanos, odireito ao desenvolvimento assume papel de destaque. Embora se

    9

    Flores, 2006b, p. 1-26.

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    trate de um direito novo, ele tem sido considerado um direito-sn-tese, por abarcar o conjunto dos direitos humanos. Seu objetivo proporcionar a promoo e a aplicao da totalidade dos direitos

    humanos, em mbito global10, o que requer: 1) a cooperao dosEstados no sentido de se estabelecer uma nova ordem econmicainternacional; 2) a responsabilidade compartilhada entre pasesindustrializados, pases em desenvolvimento e comunidade inter-nacional; 3) a participao popular; 4) o zelo pelo meio ambienteecologicamente equilibrado; 5) a adoo de medidas ecazes emmbito interno e internacional; 6) a cooperao individual, espe-

    cialmente no tocante aos nveis de consumo dos cidados dos pasesdesenvolvidos.

    4.1 Direito de terceira gerao

    O direito ao desenvolvimento compe o quadro dos chamadosdireitos de terceira gerao11 ou direitos solidariedade. Essa gera-

    o de direitos surgiu na dcada de 1970 e, embora com algumasdivergncias, composta do direito ao desenvolvimento, direito aomeio ambiente e direito paz. Os valores que caracterizam essesdireitos so a solidariedade, o seu exerccio coletivo e a sua nali-dade transormadora.

    Apesar da orte resistncia dos pases tradicionalmente conser-vadores em matria de direitos humanos, esses novos direitos tmobtido ampla aceitao. Pode-se dizer mesmo que eles provocaram

    10 Isa, 2006, p. 6.11 Conorme registra Mikel Berraondo Lpez (2006a, nota 2),a diviso dos direitos

    humanos em trs geraes e a ormulao da terceira gerao oram realizadas pelaprimeira vez pelo jurista rancs Karel Vasak, na conerncia inaugural da 10 sessode estudos do Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo, em 1979.Os direitos de primeira gerao so compostos dos direitos civis e polticos. Inte-

    gram os direitos de segunda gerao os direitos econmicos, sociais e cultura is.

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    uma autntica revoluo no processo de positivao dos direitoshumanos, pois exigem uma atitude ativa dos governos para a suarealizao.

    4.2 Evoluo do direito ao desenvolvimento

    O direito ao desenvolvimento como direito humano oi assimdenido pela primeira vez pelo jurista senegals Keba MBaye, noCurso de Direitos Humanos de Estrasburgo, realizado em 197212.Desde ento, passou a azer parte da agenda das Naes Unidas.

    Ocialmente, a existncia de um direito humano ao desen-volvimento oi reconhecida pela Comisso de Direitos Humanosdas Naes Unidas, por meio da Resoluo 4 (XXXIII), de 21 deevereiro de 1977, reiterada pela Resoluo 5 (XXXV), de 2 demaro de 1979. A Assemblia-Geral da Organizao, por sua vez,editou, em 23 de novembro de 1979, a Resoluo 36/46, por meioda qual, pela primeira vez, reconheceu que o direito ao desenvolvi-

    mento um direito humano. Depois, em 4 de dezembro de 1986, amesma Assemblia-Geral editou a Resoluo 41/128, aprovando aDeclarao sobre o Direito ao Desenvolvimento13. Esse documentohistrico constitui hoje o principal instrumento jurdico que reco-nhece o direito ao desenvolvimento como direito humano.

    Posteriormente, em pelo menos quatro eventos promovidospelas Naes Unidas, o direito ao desenvolvimento oi reconhe-

    cido como direito universal, inalienvel e parte integrante dosdireitos humanos undamentais. Foram eles: 1) a Conerncia dasNaes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, reali-

    12 Isa, 2006,p. 2.13 A Declarao oi aprovada com o voto avorvel de 146 Estados que azem parte

    da Assemblia-Geral da ONU. Os EUA votaram contra. Abstiveram-se 8 pases:Dinamarca, Repblica Federal da Alemanha, Reino Unido, Finlndia, Islndia,

    Sucia, Japo e Israel.

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    zada no Rio de Janeiro, em 1992; 2) a Conerncia Mundial deDireitos Humanos de Viena, realizada em 1993; 3) a ConernciaInternacional sobre Populao e Desenvolvimento, celebrada no

    Cairo, em 1994; 4) a Reunio de Cpula sobre DesenvolvimentoSocial, ocorrida em Copenhague, em 1995.

    O ato de no existir nenhum tratado internacional de mbitouniversal reconhecendo o direito ao desenvolvimento como direitohumano tem suscitado algumas vozes contrrias ao postulado. Deato, o direito humano ao desenvolvimento somente oi consagradoexpressamente como um novo direito em resolues da AssembliaGeral e da Comisso de Direitos Humanos das Naes Unidas.Apesar disso, setores da doutrina sustentam que o direito ao desen-volvimento decorre, ainda que no expressamente, de dierentesinstrumentos internacionais de carter convencional, como a Cartadas Naes Unidas e os Pactos Internacionais de Direitos Huma-nos. A posio mais diundida, entretanto, aquela segundo a qualo direito ao desenvolvimento um direito em processo de positi-vao, de consagrao jurdica.

    4.3 Globalizao e direito ao desenvolvimento

    um ato incontestvel que a sociedade contempornea inter-nacional passa por um processo de proundas mudanas. O mda Unio Sovitica, o desaparecimento do confito bipolar e as

    mudanas nas relaes NorteSul proporcionaram uma reorgani-zao do poder e da hegemonia poltica, econmica e militar emescala mundial, bem como o surgimento de novos atores interna-cionais14. Ao mesmo tempo, o enmeno da globalizao gerouuma interdependncia econmica e tecnolgica antes inimagin-vel. Hoje, as economias esto integradas como nunca.

    14

    Perales, 2006,p. 1.

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    22 B. Cient. ESMPU, Braslia, a. 6 n. 22/23, p. 11-27 jan./jun. 2007

    Nesse contexto, as polticas de ajuda externa e cooperaointernacional para o desenvolvimento passam por um perodo detransio, com resultados ainda imprevisveis. O debate interna-

    cional sobre a cooperao para o desenvolvimento se intensicou,estando vinculado a uma polmica mais ampla sobre o processode globalizao. Em questo est o prprio undamento da ajudapara o desenvolvimento, concedida pelos pases ricos aos pasespobres. Dois modelos despontam: o modelo liberal-conservadore o modelo baseado na cidadania global.

    4.3.1 O modelo liberal-conservador da ajuda

    No debate a respeito de qual modelo deve ser seguido, pre-domina a posio que apregoa que a ajuda ao desenvolvimentodeve cumprir dois grandes objetivos. Primeiro, promover, emnvel nacional, a adoo de polticas econmicas e marcos regu-latrios avorveis ao mercado. Segundo, proporcionar, no plano

    internacional, a correo das alhas e impereies do mercado.Esse modelo liberal no campo econmico e conserva-

    dor no plano poltico-institucional. A sua concepo de que odesenvolvimento resultado natural da integrao das economiasnacionais em um mercado regido basicamente pela regra da oertae da procura. O importante a liberalizao dos fuxos de capitaise o acesso ao mercado mundial.

    Nesse modelo, supe-se que, com a adoo de polticas ade-quadas, o capital privado ser suciente para suprir as necessida-des de nanciamento ao desenvolvimento. A ajuda tem um papelresidual e somente de orma marginal contribui para a reduoda pobreza e da desigualdade, objetivo esse que deve ser atin-gido por meio da integrao paulatina das economias ao mercado

    mundial.

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    4.3.2 Cidadania global: um novo modelo de cooperao ao desenvolvimento

    Um outro modelo de cooperao ao desenvolvimento, diver-

    samente, coloca o ser humano no centro das suas refexes. A idia estabelecer um sistema global de bem-estar social, baseado em

    uma ordem democrtica cosmopolita mundial15.

    Parte-se do pressuposto que o declnio dos Estados como

    principais atores do sistema, a paulatina mundializao dasociedade e a centralidade que tem adquirido a dimenso humana

    esto proporcionando o surgimento de uma ordem mundial ps-

    internacional.

    Diante dessa nova realidade, o sistema de ajuda internacional

    inadequado e obsoleto. Importa produzir reormas nas institui-es internacionais que proporcionem a criao de novas insti-tuies monetrias e nanceiras e novos programas de assistncia

    internacional de mbito supranacional, nanciados por uma esp-

    cie de imposto sobre a renda internacional.Para os deensores desse modelo, o atual sistema de coopera-

    o e ajuda ao desenvolvimento corresponde estreita e limitadaviso liberal-conservadora, que precisa ser superada. Um novosistema deve contribuir para a realizao, em mbito planetrio,

    dos ideais de eqidade, justia e democracia, undamentando,assim, a cooperao ao desenvolvimento como resultado de um

    esoro coletivo.

    4.4 Desenvolvimento e luta contra a pobreza

    Os alarmantes nmeros que registram que mais de um milho

    de pessoas esto condenadas a sobreviver com menos de um dlar

    15

    Perales, 2006, p. 14.

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    24 B. Cient. ESMPU, Braslia, a. 6 n. 22/23, p. 11-27 jan./jun. 2007

    por dia, os quais mostram ainda a crescente desigualdade entrericos e pobres16 e denunciam o predomnio das massas miserveisao mesmo tempo em que naes industrializadas tm a sua prospe-

    ridade aumentada, sinalizam que a luta contra a pobreza e a desi-gualdade passa pelo caminho do desenvolvimento. Sem a adoode medidas que promovam o desenvolvimento dos pases pobres, asituao atual atingir, em uturo prximo, nveis insuportveis.

    O comrcio, neste comeo do sculo XXI, uma das orasmais poderosas que atinge a todos e uma onte de riqueza semprecedentes. Entretanto, ao mesmo tempo em que proporciona o

    aumento da prosperidade das naes industrializadas, ele contribuipara o aumento da desigualdade entre pases ricos e pobres. Issoocorre porque as atuais regras que regem o comrcio no mundoglobalizado avorecem os ricos.

    O modelo atual, denitivamente, indeensvel, porque pro-porciona prosperidade mas tambm gera pobreza, convertendo

    amplas zonas do mundo em desenvolvimento em lugares de cres-cente marginalizao. Como o sistema internacional de comrciono uma ora da natureza, mas um sistema, as regras podem seralteradas com o objetivo de se orjar um novo modelo de globali-zao inclusiva, com base em valores compartilhados e princpiosde justia social.

    Um pequeno incremento que ocorra na participao dos

    pases em desenvolvimento no comrcio mundial proporcionariamais benecios para os pobres que a ajuda que eles recebem hoje.O aumento nas exportaes desses pases pode, eetivamente, redu-zir a pobreza de orma mais eciente que a ajuda de carter nan-ceiro. Para isso, necessrio que os pases pobres tenham acessoaos mercados dos pases ricos, por meio da retirada das barreiras

    16

    OxamInternacional, 2006, p. 7.

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    de importao. Essas barreiras comerciais, somadas aos subsdiosque os pases ricos concedem aos seus agricultores, prejudicam emgrande medida os pases pobres.

    As normas internacionais de comrcio constituem hoje umverdadeiro obstculo ao desenvolvimento. O exemplo mais claroso as regras sobre proteo de patentes. A aplicao dessas regrasaos medicamentos tem graves conseqncias para a sade pblica.E, no tocante produo de sementes, causa danos diretos aospequenos agricultores. A incidncia universal dessas regras, por-

    tanto, deve acabar. Em outras palavras, para que a integrao eco-nmica mundial deixe de ser onte de excluso e desigualdade, preciso criar uma nova ordem comercial, com base em novosconceitos de direitos e obrigaes, de modo que os mercados un-cionem em avor dos pobres.

    4 Concluso

    Desde quando oi elaborada a Carta das Naes Unidas, em1945, a legislao internacional acerca de direitos humanos passoupor um processo de desenvolvimento. Os direitos humanos bsicosganharam ora e internacionalizao denitiva. Aps uma pri-meira etapa, de criao normativa, seguiu-se uma segunda etapa,conhecida como etapa de construo institucional, quando, ento,

    surgiram os principais rgos e mecanismos de aplicao, preven-o e proteo dos direitos humanos. Com o m da Guerra Fria,um novo perodo surgiu, agora de debates e de produo de docu-mentos de armao e renovao dos direitos humanos. Nessa ter-ceira etapa oram realizadas as principais conerncias e reuniese surgiram os movimentos antiglobalizao. Com os atentados de11 de setembro, ocorreu um orte retrocesso, que se estende at os

    dias de hoje.

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    A nova congurao mundial reclama o abandono da teoriatradicional dos direitos humanos, que devem undamentar-se emuma teoria crtica que leve em considerao a realidade atual.

    Nesse contexto, o direito ao desenvolvimento tem papel de desta-que, principalmente considerando o enmeno da globalizao, oqual proporciona mais prosperidade para os ricos e mais pobrezapara os pobres.

    O modelo de polticas de ajuda externa e cooperao parao desenvolvimento tem-se mostrado inecaz, passando por umperodo de transio. O debate sobre qual modelo seguir intenso,

    predominando a posio que apregoa a adoo de um modelo libe-ral-conservador, em detrimento da posio mais avanada, quesustenta a idia de um modelo baseado na cidadania global.

    Um terceiro caminho para a superao do vigente modelo deajuda surge com uma concepo segundo a qual o que importa amudana das atuais regras do comrcio internacional, que bene-

    ciam os pases ricos e prejudicam os pases pobres. Uma vez que setrata de uma das oras mais poderosas e onte de riqueza incom-parvel, o comrcio globalizado precisa abrir espao para os pasespobres, de modo que se torne uma via para que esses pases, eeti-vamente, desrutem do direito ao desenvolvimento.

    Reerncias

    Flores, Joaqun Herrera. De qu hablamos cuando hablamos de dere-chos humanos: los derechos humanos como procesos. [Texto dispo-nibilizado no Curso Virtual de Formacin Especializada em DerechosHumanos.]1. ed. Sevilla: Universidad Pablo de Olavide, 2006a.

    ______. La nueva perspectiva de los derechos humanos. [Texto dispo-nibilizado no Curso Virtual de Formacin Especializada em Derechos

    Humanos.]1. ed. Sevilla: Universidad Pablo de Olavide, 2006b.

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    Isa, Felipe Gmez. El derecho al desarrollo como derecho humano.[Texto disponibilizado no Curso Virtual de Formacin Especializadaem Derechos Humanos.]1. ed. Sevilla: Universidad Pablo de Ola-

    vide, 2006.Lpez, Mikel Berraondo. Los derechos humanos ante el nuevo milenio:evolucin y retos para la nueva era de la seguridad.[Texto dispo-nibilizado no Curso Virtual de Formacin Especializada em DerechosHumanos.]1. ed. Sevilla: Universidad Pablo de Olavide, 2006a.

    ______. Proteccin y garanta de los derechos humanos en mbitos interna-cionales. [Texto disponibilizado no Curso Virtual de Formacin Espe-cializada em Derechos Humanos.]1. ed. Sevilla: Universidad Pablo deOlavide, 2006b.

    Oxam Internacional. Cambiar las reglas: comercio, globalizacin y lucha contra la pobreza. [Texto disponibilizado no Curso Vir-tual de Formacin Especializada em Derechos Humanos.]1. ed. Sevilla:Universidad Pablo de Olavide, 2006.

    Perales, Jos Antonio Sanahuja. Cooperacin al desarrollo y globali-zacin: entre la benecencia pblica internacional y el Estado delbienestar mundial. [Texto disponibilizado no Curso Virtual de For-macin Especializada em Derechos Humanos.] 1. ed. Sevilla: Universi-dad Pablo de Olavide, 2006.

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    Seo IIInteresses Difusos e Coletivos

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    A inverso do nus da provana CLT e no CDC

    Flvia Pereira Hill 1*

    Sumrio: 1 Introduo. Breve relato histrico. 2 Conceitoe classicao. 3 Hipteses de inverso do nus da prova:hipossucincia e verossimilhana. 4 Objeto da inverso.5 Momento da decretao da inverso. 5.1 No despacho

    inicial. 5.2 Na sentena. 5.3 Momento antecedente aoincio da instruo. 6 Deciso judicial de decretao dainverso do nus da prova. 7 Eeitos da inverso do nusda prova. 8 Teoria da carga dinmica da prova. 9 Distinoentre nus da produo da prova e nus nanceiro da prova.10 Concluso.

    1 Introduo. Breve relato histrico

    Nas pocas primitivas e brbaras, vigoravam entre os anti-

    gos germnicos as ordlias ou Juzos de Deus. Acreditava-se na

    resposta divina, razo pela qual realizavam-se provas de destreza

    e de ora e empenhava-se o juramento, na crena de que Deus

    auxiliaria no alcance da verdade.

    Em seguida, passou o homem a depositar conana em suaprpria cultura e experincia, aliando a isso a convico na legi-

    timidade das generalizaes quanto valorao das provas, o que

    motivou a edio de normas de undo racional. Diante disso,

    passou a haver previso legal das provas aptas a comprovarem

    * Flvia Pereira Hill tabeli, ps-graduada em Direito Processual e mestranda em

    Direito Processual pela UERJ.

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    os atos relevantes, dando ensejo ao sistema denominado provalegal.

    As Ordenaes do Reino de Portugal, por exemplo, distin-guiam a prova plena da semiplena e rejeitavam os testemunhosdos escravos. H registro, em sede doutrinria, de que haverianoventa e seis regras sobre o valor da prova testemunhal em Por-tugal, demonstrando os valores prevalecentes nessa ase hist-rica1. Aponta-se como reminiscncia desse sistema, entre outros,a vedao comprovao exclusivamente por prova testemunhalem contratos de elevado valor (CPC, art. 401), bem como a exi-

    gncia de que o estado da pessoa prova-se exclusivamente a partirda certido do registro civil.

    Em sentido diametralmente oposto ao sistema da provalegal, merece registro o sistema do ntimo convencimento do

    juiz, segundo o qual poderia o julgador decidir conorme suasimpresses pessoais, ainda que ormasse o seu convencimento a

    partir de sua prpria cincia privada, considerando atos alheiosaos autos, e sem a obrigao de undamentar sua deciso. Essesistema vulnera, a todas as luzes, o princpio da segurana jurdicae do Estado Democrtico de Direito, hoje alados a princpios deelevada estatura. Admite-se, contudo, a subsistncia de resquciosdesse sistema, como o julgamento pelo Tribunal do Jri.

    Diante disso, conclui-se que o Direito Processual Civil

    moderno no se coaduna com os sistemas at aqui expostos. Pre-valece, nos dias atuais, o chamado sistema da persuaso racionaldo juiz ou do livre convencimento motivado, previsto no artigo131 do Cdigo de Processo Civil, segundo o qual cabe ao juizormar o seu convencimento racionalmente e de acordo com aprova constante dos autos. Caber ao juiz, outrossim, undamen-

    1

    Dinamarco, 2001, p.104-105.

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    tar a sua deciso, a m de permitir a sindicabilidade e o controleda deciso, corolrios do Estado Democrtico de Direito.

    Desse modo, cabendo ao juiz, de um lado, ormar o seuconvencimento exclusivamente com base na prova constante dosautos e, de outro lado, diante da vedao do non liquet, cumpre aomagistrado lanar mo dos mecanismos previstos em lei, a m decumprir com o seu mister e decidir o caso concreto com justia.Com eeito, pode o magistrado recorrer ao poder geral instrutrioque lhe conerido por lei (CPC, art. 130), assim como s regrasdo nus da prova (CPC, art. 333), que sero analisadas opor-

    tunamente, visando solucionar adequadamente o caso que lhe submetido.

    Entre as proundas modicaes nas relaes sociais empreen-didas nas ltimas dcadas de nossa histria, vericam-se dois atosrelevantes, a saber: a uma, a atual sociedade de massa ensejou aocorrncia de disparidades, ao se estabelecerem relaes entre

    grandes empresas e indivduos em ampla escala; e, a duas, a velo-cidade da divulgao da inormao e o movimento de acesso Justia geraram a maior procura do Poder Judicirio para a soluodos confitos e, por conseguinte, a maior submisso das relaesantes mencionadas, de desequilbrio, ao Judicirio. A convergn-cia desses dois atores ez surgir a necessidade de se adequarem osinstrumentos processuais a essa nova realidade 2.

    nesse novo contexto que se insere o instituto da inversodo nus da prova, que surge com o escopo de restabelecer o equilbrioentre as partes integrantes da relao jurdica submetida a Juzo,sendo esta a ratio essendido instituto ao qual nos dedicaremos nopresente trabalho3.

    2 Castelo, 2003, p. 377-388.3

    Nesse sentido: TheodoroJunior, 2004, p. 141-166.

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    2 Conceito e classifcao

    Primeiramente, cumpre denir nus da prova, por ser ele umpressuposto conceitual do instituto em anlise. Com eeito, nusda prova o encargo, atribudo pela lei a cada uma das partes, dedemonstrar a ocorrncia dos atos de seu interesse para as decisesque sero proeridas no processo4.

    A doutrina destaca que o nus da prova se apresenta sob doisaspectos. Sob o aspecto subjetivo, constitui uma norma de condutapara os litigantes. De outra parte, sob o aspecto objetivo, uma

    norma de julgamento, segundo a qual, quando altar a prova dosatos relevantes do processo, o juiz dever proerir uma sentenade mrito desavorvel para o litigante que estava encarregado desubministr-la, salvo se houver invertido o nus da prova, tendoem vista que proibida a deciso de non liquet5.

    Em prosseguimento, podemos conceituar inverso do nus da

    prova como a alterao de regra sobre a distribuio desse nus,imposta ou autorizada por lei. Implica a iseno de um nus para oconsumidor ou empregado e no correlato acrscimo desse nus ao or-necedor ou empregador6.

    Tal instituto do direito ptrio no encontra paralelo em orde-namentos aliengenas. Merece registro, contudo, a previso contidano Decreto Presidencial Italiano n. 224/1988, que permite ao juiz

    a transerncia do encargo fnanceiro da prova parte a quem suaproduo, a princpio, desavorea. Trata-se, portanto, de inversodo nus fnanceiro da prova e no do nus de sua produo pro-priamente. Nos Estados Unidos, por outro lado, embora no haja

    4 Dinamarco, 2001, p. 71.5 Mattos, 2001, p. 43-59.6

    Barbosa Moreira, 1997, p. 123-140.

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    Ainda com ulcro na excepcionalidade, a jurista Maristela daSilva Alves deende, a nosso ver com propriedade, que o juiz devevaler-se primeiramente, e sempre que possvel, de seu poder ins-

    trutrio geral, determinando de ocio a produo das provas quereputar necessrias, visto que tal mecanismo atende com maior e-ccia ao princpio da verdade real, devendo relegar a segundo planoa decretao da inverso do nus da prova (carter subsidirio)9.

    Em sentido diametralmente oposto posiciona-se o jurista LuizGuilherme Marinoni, segundo o qual a inverso mostra-se admis-

    svel ainda que no haja previso legal expressa, podendo ser decre-tada sempre que o juiz vericar que se trata de relao jurdicaperigosa ou de responsabilidade decorrente da criao de perigopelo ru ou, ainda, quando diante de relaes jurdicas que emer- jam em decorrncia da violao de deveres legais pelo ru. Paraesse clebre processualista, a regra da inverso do nus da provadecorre, pois, da anlise do direito material.

    Feitas essas consideraes, cumpre analisar as duas hiptesesprevistas no artigo 6, VIII, do CDC, que autorizam a decretaoda inverso do nus da prova, quais sejam, a verossimilhana das ale-gaes e a hipossufcinciada parte. De acordo com a corrente doutri-nria a que se lie entre as duas acima expostas, concluir-se- quea inverso ser possvel apenas nessas duas hipteses (primeira cor-rente supra) ou, de outro lado, entender-se- que se trata de merobalizamento, indicativo dos parmetros a serem adotados no casoconcreto (segunda corrente supra). De qualquer modo, a anlise dashipteses mostra-se de todo valiosa.

    Agura-se assente em sede doutrinria que as duas hiptesesprevistas no artigo 6, VIII, do CDC so alternativas e no cumula-

    9

    Alves, 1999, p. 78-89.

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    tivas, ou seja, basta a vericao de uma das hipteses para que sejaadmissvel a decretao da inverso.

    Com eeito, a primeira hiptese consiste na admisso da inver-so do nus da prova no caso de verossimilhana da alegao do con-sumidor, tratando-se de relao consumerista, ou do empregado,tratando-se de relao empregatcia. Segundo abalizada doutrina,no se trata de autntica inverso. Em verdade, o juiz, de acordocom as mximas de experincia, considera produzida uma provaque incumbe a uma das partes10.

    Dito isso, verica-se que abalizada doutrina11 identica o con-ceito de verossimilhana apto a ensejar a inverso com aquele exi-gido para a concesso de medida cautelar e tutela antecipada. Assimsendo, a delimitao do conceito de verossimilhana no se aguratarea rdua, visto que se mostra possvel aplicar critrios j conhe-cidos pelos operadores do Direito.

    Cumpre, contudo, destacar que a vericao da presena deverossimilhana perpassa necessariamente pelo exame de mate-rial probatrio de eitio indicirio, do qual se consegue ormar aopinio de ser provavelmente verdadeira a verso do consumidorou do empregado. De ato, cabe ao autor azer prova de elemen-tos indicirios, que levem ormao da convico judicial acercada verossimilhana de suas alegaes. Tais indcios conduzem s

    presunes, que, destaque-se, no se conundem com as merassuposies, que consistem em simples especulao e no possuem ocondo de caracterizar a verossimilhana.

    A todas as luzes, destaca Humberto Theodoro Junior que,tendo em vista o carter excepcional da inverso do nus da prova,

    10 Watanabe, 2001.11

    Barbosa Moreira, 1997.

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    necessrio que o autor apresente indcios relativos s suas alega-es, sob pena de se admitir o ajuizamento de demandas absurdas,calcadas em atos e alegaes absolutamente impossveis de serem

    comprovados, o que no deve ser admitido.

    A segunda hiptese prevista no artigo 6 do CDC consiste nahipossucincia do autor. Reconhece a doutrina que se trata, nessecaso, de verdadeira inverso do nus da prova.

    O conceito de hipossucincia no se conunde com aqueleprevisto no artigo 2, pargrao nico, da Lei Federal n. 1.060/1950,

    que se restringe vulnerabilidade econmica. O termo a ser utili-zado no mbito da inverso do nus da prova deve ser mais abran-gente, alcanando no apenas a carncia de recursos nanceiros,mas tambm a vulnerabilidade tcnica e de conhecimento12 e 13.

    O jurista Carlos Roberto Barbosa Moreira, em obra ante-riormente citada, vai alm e arma que a hipossucincia abrangequalquer um que tenha a tarea probatria dicultada no caso con-creto, citando como exemplo o portador de vrus HIV, que o con-traiu h dcadas em transuso de sangue em determinado hospi-

    12 A esse respeito, Watanabe, 2001.13 Nesse sentido posiciona-se o E. TJRJ, consoante inere-se do seguinte aresto: Ape-

    lao. Ao de indenizao por danos morais. Concessionria de servio pblico deteleonia. Inscrio do nome da autora em cadastro restritivo de crdito. Dbitodecorrente de linha telenica no solicitada pela autora. Sentena de procedncia

    do pedido. Inobstante a responsabilidade objetiva, a sistemtica empregada peloCDC imps a inverso do nus da prova em desavor do ornecedor do produto ouservio, em razo da hipossufcincia tcnica e econmica do consumidor. nus da provapassado para a apelante, que no a produziu, adequadamente, para justicar o seuobjetivo no processo. A incluso indevida do nome do consumidor em cadastrorestritivo de crdito aronta a teoria da qualidade. Dano moral in re ipsa. O arbi-tramento do valor da reparao do dano moral deve caracterizar-se por ser mode-rado e proporcional. Modicao do apelo, para se reduzir o quantum indenizat-rio. Provimento parcial do recurso (Ac 28242/2006, rel. des. Ronald Valladares,

    16 Cmara Cvel, julgado em 5.9.2006).

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    tal. Agura-se extremamente dicil para o paciente demonstraro nexo causal entre a transuso realizada anos atrs e a doenacontrada, principalmente porque os pacientes no tm por hbito

    guardar os documentos por longo perodo, mas essa comprovaomostra-se mais cil para o hospital, que tem o dever de mant-losem seus arquivos.

    4 Objeto da inverso

    Conorme entendimento prevalecente em sede doutrinria, o

    objeto da prova consiste nosatos alegados pelas partes14

    .De acordo com a regra geral de distribuio do nus da prova,

    salienta o processualista Wagner Giglio, tratando do Direito Pro-cessual do Trabalho, que a prova cabe a quem alega o ato, devendoser interpretado o artigo 818 da Consolidao das Leis do Trabalho(CLT) luz do artigo 333 do CPC, apesar de no haver propria-mente uma omisso na lei trabalhista, conorme exigido no artigo

    769 da CLT.

    Desse modo, cabe ao reclamanteprovar os atos constitutivosdo direito alegado, enquanto cabe ao reclamado comprovar os atosextintivos, como, por exemplo, o cumprimento integral do con-trato ou o pagamento das indenizaes legais, bem como os atosimpeditivos e modicativos do direito alegado pelo autor, como,

    por exemplo, a existncia de pedido de demisso, a ocorrncia dejusta causa para a despedida ou o gozo de descanso em outro diada semana15.

    Todavia, uma vez decretada a inverso do nus da prova, casubvertida a regra geral de distribuio do nus da prova, devendo

    14 Por todos, Theodoro Junior, 2004.15

    Giglio, 1997.

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    a parte comprovar atos que no oram por ela alegados. Cabe,nesse momento, indagar quais seriam os atos passveis de seremtranseridos parte contrria ou, em outras palavras, qual seria o

    objeto da inverso do nus da prova16.

    A doutrina sustenta que a inverso deve voltar-se para atosque se mostrem:

    (a) relevantes para o deslinde do litgio, quais sejam, aquelesaptos e sucientes para comprovar a existncia do atoconstitutivo do direito do autor;

    (b) controvertidos, ou seja, que tenham sido alegados pelo autore rechaados pelo ru na contestao, sendo certo que atosincontroversos no so objeto de prova, j que sobre elespaira presuno legal de veracidade (CPC, art. 334, III);

    (c) especfcos, vale dizer, atos determinados que tenham sidoapontados pelo autor como sucientes para comprovar o

    seu direito. Assim sendo, sustenta-se que o juiz no deveadmitir que o autor da ao alegueatos abstratos e genricosque apresentem impossibilidade absoluta de comprovao.

    16 O E. TST editou a Smula n. 338, prevendo a possibilidade de inverso do nus daprova quanto ao cumprimento de hora extra, conorme se extrai do teor da citadasmula, in verbis: Jornada de trabalho. Registro. nus da prova. I nusdo empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada

    de trabalho na orma do art. 74, 2, da CLT. A no-apresentao injusticada doscontroles de reqncia gera presuno relativa de veracidade da jornada de traba-lho, a qual pode ser elidida por prova em contrrio (ex-Smula n. 338 Res. 121,DJde 21 nov. 2003). II A presuno de veracidade da jornada de trabalho, aindaque prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrrio(ex-OJ n. 234 Inserida em 20.6.2001). III Os cartes de ponto que demons-tram horrios de entrada e sada uniormes so invlidos como meio de prova,invertendo-se o nus da prova, relativo s horas extras, que passa a ser do emprega-dor, prevalecendo a jornada da inicial se dele no se desincumbir (disponvel em:

    . Acesso em: 20 nov. 2006).

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    visto, a prolao de sentena de improcedncia do pedido autoral17,posio com a qual concordamos.

    A doutrina rejeita a inverso do nus da prova tendo por objetoas chamadasprovas diablicas. Nesse conceito inserem-se no s asprovas baseadas em atos indeterminados ou inespeccos, con-orme destacado nas linhas anteriores, como tambm a prova deato negativo absoluto e indefnido. Por ato negativo tem-se aquele quese dirige a algo que no ocorreu. admissvel, contudo, a inversodo onus probandide ato negativo que possa ser comprovado a partirde um ato positivo, ou seja, partindo-se de algo que ocorreu, con-segue-se comprovar que algo no ocorreu. Por outro lado, no seagura admissvel decretar a inverso do nus da prova acerca deato negativo absoluto e indenido, vale dizer, a comprovao donada, do inexistente, j que tal se mostra impossvel.

    17 Do mesmo modo, no se admite a inverso do nus da prova quando a sua produ-o se revele de cil consecuo pela parte autora. Nesse sentido posiciona-se o

    E. TJRJ, conorme se depreende do seguinte aresto: Responsabilidade civil. Casabancria. Contrato de conta corrente encerrado. Conta sem qualquer movimen-tao. Inscrio no rgo protetivo de crdito no comprovada pela parte. Danomoral inexistente. Relao de consumo inverso do nus da prova art. 6, VIII,do CDC. 1 Alegao de inscrio do nome da correntista no cadastro de proteoao crdito no demonstrada, aps pedido de encerramento de conta. 2 Deverde indenizar inexistente ante a ausncia de dano. 3 Inverso do nus da provasomente aplicvel s provas de dicil produo pela autora, a prova de inscrionos cadastros restritivos de crdito de simples realizao, no cabendo ao ru aproduo de prova negativa. Desprovimento da apelao (Ac 42315/2006, rel. des.

    Antonio Saldanha Palheiro, 5 Cmara Cvel, julgado em 12 set. 2006). O mesmoentendimento dispensado s relaes trabalhistas, conorme se extrai do seguintejulgado: Ementa: nus da prova. Depsitos do FGTS. Correto o raciocnio deque compete, em regra, ao empregador, que dirige a relao empregatcia, a guardados documentos a ela relativos. Todavia, ao alegar o descumprimento de alguma obrigaoatrai o empregado para si o nus da prova, justifcando-se sua inverso somente quando estiverimpossibilitado de a oerecer, o que no o caso do FGTS, visto que tem pleno acesso contavinculada, podendo obter do rgo gestor extratos analticos para azer a prova , mormentequando no dene o perodo no qual no houve o depsito ou houve em valor

    inerior. Inteligncia da OJ n. 301 da SBDI-I do TST (TRT 3 Regio 00413-

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    5 Momento da decretao da inverso

    Paira acirrada divergncia doutrinria e jurisprudencial sobreo momento adequado para a decretao, pelo juiz, da inverso donus da prova. Em sntese, os posicionamentos a respeito do temadividem-se em trs correntes, a seguir expostas.

    5.1 No despacho inicial

    A corrente doutrinria que deende seja a inverso do nus daprova decretada pelo juiz no despacho que recebe a petio inicial

    sustenta que esse seria o momento processual adequado, uma vezque as partes seriam alertadas ab initio acerca de quais seriam osnus que caberiam a cada qual delas provar ao longo do processo.

    Essa corrente recebe acertadas crticas, no sentido de que seriaprematura a decretao da inverso nesse momento, tendo em vistaque, quela altura, o ru sequer teria contestado, razo pela qualainda no se saberia quais atos se tornariam controvertidos. Com

    eeito, conorme salientamos em captulo antecedente, somente osatos controvertidos devem ser objeto de inverso do nus proba-trio. Alie-se a isso o ato de que, justamente por ser excepcional,a inverso do nus da prova deve ser decretada somente quando semostrar necessria, o que resta comprometido com a sua adoologo ao incio do processo.

    5.2 Na sentena

    Segundo o jurista Kazuo Watanabe18, o momento adequadopara a decretao da inverso corresponde sentena, isso porqueo nus da prova consiste em regra de julgamento que orienta o

    2004-093-03-00-4 RO, 5 Turma, rel. juiz Jos Murilo de Moraes, publicado em9 out. 2004. Griou-se).

    18

    Watanabe, 2001.

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    juiz na soluo do caso que lhe submetido. Desse modo, somentequando o juiz se depara, no julgamento da causa, com uma situaode incerteza ou de ausncia de verossimilhana, como preere

    Luiz Guilherme Marinoni quanto aos atos, deve ele valer-se dasregras de distribuio do nus da prova, especialmente sua inver-so, a m de evitar o non liquet.

    De acordo com Kazuo Watanabe, a inverso do nus da provano pode ser decretada em momento anterior, pois eriria o princ-pio da imparcialidade do juiz, que estaria prejulgando o mrito doprocesso ao determinar a inverso.

    Todavia, ousamos discordar desse posicionamento. Com eeito,o ordenamento jurdico ptrio conere ao juiz o poder instrutriogeral, cabendo a ele at mesmo determinar a produo das provasque entender necessrias de ocio, sem que se vislumbre, nesse caso,a violao do dever de imparcialidade. Assim sendo, a inverso donus da prova consiste em instrumento por meio do qual o juiz

    adota postura menos ativa do que ao valer-se do poder instrutriogeral. Isso porque, ao decretar a inverso do nus da prova, o juizno tem a iniciativa de determinar especicamente quais meios deprova sero produzidos a m de comprovar determinados atos rele-vantes, mas apenas transere parte ro respectivo nus, cabendo a eladenir os meios e o modo com que se desincumbir desse nus. Osdeensores da corrente ora em anlise sustentam que, ao inverter onus da prova, o juiz estaria demonstrando uma propenso a julgaravoravelmente parte autora, revelando, pois, um prejulgamento.

    No entanto, essa mesma crtica deveria, ento, ser dirigida aopoder instrutrio geral, visto que, caso o juiz determinasse de ocioa produo de determinada prova a m de demonstrar, por exem-plo, o ato constitutivo do direito do autor, essa medida denota-ria que o juiz no reputa sucientemente provadas as alegaes do

    autor. Nesse caso, estaria, ento, o juiz igualmente externando o

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    seu convencimento. No entanto, oroso convir que tanto o poderinstrutrio geral quanto a inverso do nus da prova no erema imparcialidade do juiz, congurando instrumentos destinados a

    alcanar o acesso justia e a justia e que se harmonizam com apostura ativa do juiz na direo do processo.

    Alie-se a isso o ato de que o nus da prova ostenta dois aspec-tos subjetivo e objetivo consoante apresentado no item 2 dopresente trabalho. Assim sendo, de acordo com o aspecto subjetivo,as normas sobre repartio do nus probatrio so regras de compor-tamento dirigidas s partes litigantes, por meio das quais elas cam

    cientes, com antecedncia, dos atos que cabem a cada qual delasprovar ao longo do processo19.

    Por conseguinte, a decretao da inverso no momento da sen-tena subtrai da parte r qualquer chance de se desincumbir do(novo) nus probatrio, pela simples razo de que a ase instru-tria j se esgotou sem que ela sequer soubesse que mais esse ato

    lhe incumbiria comprovar. Da por que no o ez oportunamente.Se soubesse, decerto teria ao menos tentado comprovar tambmesse ato cujo nus lhe oi transerido. Sob tais undamentos, sus-tenta-se que teriam sido violados os princpios do contraditrio eda ampla deesa.

    Em resposta s crticas ormuladas, Kazuo Watanabe sugereque o juiz alerte abstratamente, por ocasio do despacho saneador,

    sobre o teor do artigo 6, VIII, do CDC, ou seja, que o magistradoaluda possibilidade de ser, na sentena, invertido o nus da prova,sem que isso signique qualquer juzo sobre a utura decretao dainverso em concreto. Com isso, segundo o aludido jurista, estariaaastada qualquer alegao de vulnerao de garantias processuais econstitucionais do ru.

    19

    Barbosa Moreira, 1997, p. 36.

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    Todavia, 23 discute-se qual a natureza da atuao do juiz ao decre-tar a inverso do nus da prova. O processualista Humberto Theo-doro Junior sustenta que se trata de umaaculdade judicial. Segundo

    ele, estando presentes os pressupostos que autorizam a inverso,possui o juiz a aculdade de decret-la.

    No entanto, ousamos divergir de tal posicionamento. A nossosentir, trata-se, em verdade, de um poder-dever do magistrado, eno uma mera aculdade24. Conorme destacado pelo prprio juristaacima mencionado, deve o juiz verifcar a presena dos pressupos-tos autorizadores da inverso. Contudo, caso se entenda que o juiz

    possui uma aculdade, ento, ainda que presentes os requisitos,poder o juiz optardiscricionariamente entre decretar a inverso donus da prova ou no az-lo.

    A nosso ver, contudo, trata-se de poder-dever, cabendo ao juizinverter o nus da prova sempre que considerar presentes os requi-sitos legais autorizadores, a m de acilitar a deesa da parte autora.Em outras palavras, estando presente uma das hipteses legais auto-rizadoras da inverso, emerge para a parte autora o direito de ver onus da prova invertido em seu avor, como orma de reequilibrar arelao processual estabelecida entre as partes.

    Dito isso, preciso traar uma distino. Com eeito, a nossosentir, no h discricionariedade judicial quanto decretao dainverso do nus da prova, ou seja, no h juzo de convenincia e

    moral invocado pelo demandante no restou comprovado nos autos, razo pela qualno se tem como prosperar a pretenso compensatria. Recurso desprovido (AC45527/2006, rel. des. Maria Helena Martins, julgado em 31.10.2006).

    23 Nesse vis de orientao, Barbosa Moreira, 1997; Theodoro Junior, 2004.24 Segundo De Plcido e Silva (1998, p. 344), o termo aculdade signica poder que

    se tem para que se aa alguma coisa, seja de ordem sica ou de ordem moral. [...]exprime apossibilidadede poder azer ou agir, o que se entende ter autoridade paraazer alguma coisa ou agir de certa maneira para deesa ou aquisio de direitos, ou

    para o exerccio de direitos.

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    (a) a iseno ao consumidor de provar o nexo causal, em casode responsabilidade objetiva;

    (b) em caso de responsabilidade subjetiva, iseno ao consu-midor de provar, outrossim, o ato de que o ru teria agidocom culpa ou dolo;

    (c) transerncia, ao ru, do respectivo nus de que ora oautor isentado;

    (d) possibilidade de o ato alegado pelo autor ser reputado ver-

    dadeiro, com a (provvel) conseqncia de ser o mritojulgado avoravelmente ao demandante, caso o ru no sedesincumba do novo nus que lhe oi transerido.

    No entanto, tem-se que a inverso do nus da prova nopossui o condo de liberar o consumidor de comprovar a ocorrnciado dano, o que lhe compete26.

    8 Teoria da carga dinmica da prova

    Cumpre, nesse momento, abordar, ainda que sucintamente,a teoria da carga dinmica da prova, tendo em vista a sua ntimarelao com o tema ora em estudo. Com eeito, a teoria da cargadinmica da prova rompe com a viso esttica tradicional da prviadistribuio do nus da prova entre as partes, a m de adequar adistribuio ao caso concreto, atribuindo o nus da prova parte queestiver em melhor condio de az-lo.

    Essa teoria abandona o prvio e abstrato estabelecimento donus probatrio e sustenta que a atribuio do nus da prova inde-pende da posio que as partes ocupam no processo. De igual sorte,

    26

    Nesse sentido, Barbosa Moreira, 1997.

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    hipossucincia e a verossimilhana. Com eeito, prevalece a distri-buio do nus da prova previsto no artigo 333 do CPC, cabendoao juiz aastar essa regra, em carter excepcional, caso verique o

    preenchimento dos requisitos legais. A teoria da carga dinmica daprova, por outro lado, abandona qualquer previso legal abstrata dedistribuio do nus da prova (como aquela prevista no artigo 333do CPC) e privilegia as particularidades do caso concreto, por-tanto, sem atentar para qualquer balizamento legal, o que ocorrequanto inverso do nus da prova.

    9 Distino entre nus da produo da prova e nus

    fnanceiro da prova

    A jurisprudncia corretamente traou a distino entre nusda produo da prova e nus nanceiro da prova. Com eeito, pelainverso do nus da prova, transere-se ao ru o nus de comprovardeterminado ato, alegado pelo autor. Nesse passo, caso no sejam

    produzidas as provas necessrias a aastar as alegaes tecidas peloautor, elas sero reputadas verdadeiras.

    Com isso no se conunde o nus nanceiro pela produodos meios de prova. Ainda que seja invertido o nus da prova,caso o autor insista na produo de determinada prova, no podero ru ser compelido a seu pagamento. Com eeito, caso a provarequerida pelo autor no venha a ser produzida em razo de o ruter se negado a custe-la e o juiz entender que a parte r no sedesincumbiu do nus que lhe ora imposto em razo da inverso donus da prova, a conseqncia ser a presuno de veracidade dosatos alegados pelo autor, em desavor do ru29.

    29 Nesse sentido se posiciona o E. Superior Tribunal de Justia, consoante se ineredo seguinte aresto: Consumidor. Recurso especial. Inverso do nus da prova.

    Responsabilidade pelo custeio das despesas decorrentes de sua produo. Preceden-

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    10 Concluso

    Por todo o exposto, vericamos que o instituto da inversodo nus da prova consiste em instrumento de vanguarda desti-nado a restabelecer o equilbrio entre as partes do processo, deseitoem razo da hipossucincia da parte autora. Esse desequilbriose verica na relao de direito material seja a relao de con-sumo, seja a relao empregatcia e refete diretamente na relaoprocessual, podendo, inclusive, comprometer o acesso justia e aisonomia.

    Atentos a essa problemtica, tanto o legislador ptrio quantoos tribunais brasileiros vm disciplinando o instituto e acolhen-do-o no quotidiano orense como meio ecaz de garantir a perse-cuo das garantias constitucionais processuais.

    tes. Prova pericial requerida apenas pelo consumidor. nuspelo adiantamento dopagamento dos honorrios do perito. Art. 33 do CPC. Conorme entendimento da

    3 Turma, a inverso donus

    da prova

    no tem o eeito de obrigar a parte contrria a arcarcom as custas da prova requerida pelo consumidor. No entanto, sore as conseqncias

    processuais advindas de sua no-produo. Se a prova pericial oi requerida apenaspelo autor, apenas ele quem deve adiantar o pagamento dos honorrios peri-ciais, conorme determina o art. 33 do CPC, ainda que demanda seja aplicvel oCdigo de Deesa do Consumidor. Recurso especial conhecido e provido (Resp661149/SP, 3 Turma STJ, rel. min. Nancy Andrighi, julgado em 17.8.2006). Nomesmo vis de orientao posiciona-se o E. TJRJ, consoante se inere do seguintejulgado: Consumidor e processual civil. Demanda contra concessionria de servi-os de energia eltrica, sob alegao de irregularidades no sistema de medio sob

    sua responsabilidade, bem como contra cobrana de consumo energtico recupe-rado. Formulao de requerimento de prova pericial por ambas as partes, sendo oautor benecirio da gratuidade de justia. Deciso impugnada que determina apartio por igual do encargo relativo aos honorrios de percia. Inverso do nusda prova. Assistncia judiciria. Aplicao do art. 6, VIII, CDC, e art. 3, V, da Lein. 1.060/50. Inverso do nus probatrio que no produz o eeito de obrigar o ornecedor apagar as custas da prova requer ida por ambas as partes ou somente pelo consumidor, sujeitandoaquele, entretanto, a sorer as conseqncias processuais advindas da alta da respectiva produ-o. Parcial provimento do agravo de instrumento (AI n. 19837/2006, 3 Cmara

    Cvel, rel. des. Luis Fernando de Carvalho, julgado proerido em 4.10.2006).

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    Com eeito, conclui-se que o instituto da inverso do nus daprova, sendo utilizado com racionalidade e prudncia, insere-seno contexto maior de garantia da cidadania e de acesso justia,

    valores to caros ao Estado Democrtico de Direito.

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    Idoso-vtima e idoso-agente:legitimidade da distino

    Paulo Srgio Duarte da Rocha Jnior*

    Sumrio: 1 Introduo. 2 Evoluo do conceito de idosopara ns penais. 3 Inexistncia de dualidade no conceitode idoso para ns penais. 4 Legitimidade na dierenade tratamento entre o idoso-vtima e o idoso-agente.5 Concluso.

    1 Introduo

    A Lei n. 10.741/2003, que instituiu o Estatuto do Idoso, de-niu, em seu art. 1, o conceito de pessoa idosa, ao dizer que se des-tinava a regular os direitos das pessoas com idade igual ou superiora sessenta anos. Como os arts. 65, I, 77, 2, e 115, parte nal, todosdo Cdigo Penal, e o art. 117, I, da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Exe-cuo Penal) conerem um tratamento penal dierenciado somentea quem tem setenta anos, surgiu na doutrina e oi suscitado na casu-stica entendimento conorme o qual seria descabido um regimepenal diverso entre quem tem sessenta e setenta anos, impondo-sea adoo de um conceito uniorme de idoso para ns penais.

    Neste texto, discorrer-se- a respeito do conceito de idosopara ns penais, tentando-se mostrar que o conceito de idoso,inclusive para ns penais, apenas um e isso, por si s, no impedea dierena de tratamento penal entre quem tem sessenta e quemtem setenta anos.

    * Paulo Srgio Duarte da Rocha Jnior Procurador da Repblica, graduado emDireito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e mestrando

    em Direito Processual pela Universidade de So Paulo (USP).

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    58 B. Cient. ESMPU, Braslia, a. 6 n. 22/23, p. 57-68 jan./jun. 2007

    2 Evoluo do conceito de idoso para fns penais

    Segundo se mostrou, hoje o art. 1 da Lei n. 10.741/2003que d o conceito de idoso, considerando como tal a pessoa comidade igual ou superior a sessenta anos. No regime jurdico-penalanterior ao advento do Estatuto do Idoso, o Cdigo Penal, em seuart. 61, II, h, tratando de circunstncias agravantes, no alava emidoso nem em pessoa idosa (termos empregados como sinnimostanto na Lei n. 10.741/2003 quanto neste trabalho). A reern-cia era a velho. Tal dispositivo oi alterado pelo art. 110 da Lein. 10.741/2003 e agora a circunstncia agravante do art. 61, II, h,incide quando o crime or praticado contra pessoa maior de ses-senta anos, ou seja, contra idoso, segundo o reerido art. 1 da Lein. 10.741/2003.

    Em ace da redao anterior do Cdigo Penal, que impunhao aumento da pena no caso de a vtima ser velho, havia enten-dimento segundo o qual, para poder ser aplicada a circunstncia

    agravante, era necessrio que o sujeito passivo (vtima) eetiva-mente estivesse em uma situao de inerioridade em relao aosujeito ativo (agente) do crime, sem o que o aumento da penaera injusticado. No se azia meno a nenhuma idade1. Outracorrente deendia que velho era quem se encontrasse em situaode senilidade, de decrepitude, independentemente da idade, presu-mindo-se, contudo, a velhice no caso de idade igual ou superior a

    setenta anos, por ora do tratamento mais benco que o CdigoPenal dava (e ainda d) s pessoas com essa idade (arts. 65, I, 77, 2, e 115)2. H, inclusive, aresto no qual, tratando especica-

    1 Nesse sentido,Jesus, 2000, p. 216-217.2 Assim Nucci, 2002, p. 252; Mirabete, 2002, p. 300; Delmanto, 2002, p. 122; e

    Capez, 2001, p. 411-412. O Supremo Tribunal Federal tambm assim j decidiu:consoante o sistema do Cdigo Penal, h a presuno juris et de jurede que velho

    aquele que atinge os 70 anos, sendo que, com relao aos de idade inerior a essa,

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    mente da agravante no caso de crime cometido contra velho,l-se que

    o dado cronolgico, por si s, insuciente. S ocorre o recrudes-cimento da pena quando o agente se vale das conseqncias sicas,mentais ou psquicas que a idade pode acarretar. O delinqente,por exemplo, prevalece-se do maior vigor sico para alcanar aconsumao. Urge, pois, caracterizar o aproveitamento das dispa-ridades, ou do enraquecimento das reaes. Caso contrrio, noincidir a agravante. O conceito normativo. Insuciente o dadobiolgico3.

    Na sistemtica atual, o conceito de idoso ou de pessoa idosa objetivo, unicamente cronolgico. Por exemplo, os crimes quealam em idoso ou em pessoa idosa tm como sujeito passivoas pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, no havendomais que se alar em conceito normativo, aberto, a ser determinadopela presena ou no, no caso concreto, de uma situao de inerio-ridade, de maior debilidade ou sensibilidade, at porque, conormea seguir se ver, a razo de ser da proteo ao idoso no reside maisapenas nas condies sicas da pessoa idosa, mas tambm, e prin-cipalmente, em uma tutela de sua qualidade de vida (ver item 4).O Estatuto do Idoso passou a tipicar determinadas condutasquando elas so praticadas contra pessoas de idade igual ou superiora sessenta anos, no sendo legtimo concluir que tal diploma legis-lativo, de cunho assumidamente protetor das vtimas dessa aixa

    no h limite certo para a xao de quando comea a velhice, razo por que o saberse algum, menor de 70 anos, , ou no, velho depende de circunstncias de atoaerveis caso por caso (RE 85414/MG, 2 T., rel. min. Moreira Alves, unnime,j. em 24.8.1976, DJde 29 set. 1976).

    3 Superior Tribunal de Justia, REsp 15340/SP, 6 T., rel. min. Vicente Cernic-chiaro, unnime, j. em 11.2.1992, DJde 23 mar. 1992, p. 3491. Igualmente exi-

    gindo superioridade sica do sujeito ativo, v. Noronha (1997, p. 261).

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    etria, deixou espao para indagaes casusticas sobre a presena desenilidade, inerioridade, decrepitude, enraquecimento ou qual-quer outra circunstncia. Assim como o tratamento mais benco

    para as pessoas maiores de setenta anos que praticam crimes sempreoi e ainda objetivo (Cdigo Penal, arts. 65, I, 77, 2, e 115, eart. 117, I, da Lei n. 7.210/1984), a proteo penal para as de idadeigual ou superior a sessenta anos que so vtimas tambm passou aser, a partir do art. 1 da Lei n. 10.741/2003. A mudana na reda-o do art. 61, II, h, do Cdigo Penal, eita pela Lei n. 10.741/2003(art. 110), trocando a denominao velho por maior de sessenta

    anos, muito signicativa desse tratamento puramente objetivo.

    3 Inexistncia de dualidade no conceito de idoso

    para fns penais

    O art. 61, II, h, do Cdigo Penal, em sua redao atual, agravaa pena quando o crime tiver como vtima pessoa maior de sessenta

    anos. Tambm todos os crimes previstos na Lei n. 10.741/2003tm como vtima o idoso ou a pessoa idosa, assim entendida comoaquela com sessenta anos ou mais (p. ex., arts. 96 a 108 do Estatutodo Idoso). Igualmente aplica-se aos crimes praticados contra vti-mas idosas a causa de aumento de pena prevista no art. 121, 4,do Cdigo Penal, que tambm ala em sessenta anos. Tem-se aqui,nesses casos, a gura do idoso-vtima.

    Os arts. 65, I, 77, 2, 115, todos do Cdigo Penal, e 117, I, daLei de Execuo Penal, por sua vez, do tratamento mais bencoa quem conta setenta anos e sujeito ativo de crime. Com eeito,tais dispositivos atenuam a pena, aumentam o mbito de incidn-cia da suspenso condicional da pena, reduzem o prazo prescri-cional e permitem o cumprimento da pena privativa de liberdadeem regime domiciliar para quem tem mais de setenta anos. Todos

    os dispositivos estabelecem a idade de setenta anos como aquela

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    s tendo sido alterada, conorme se mostrou no item anterior, peloart. 110 do Estatuto do Idoso.

    Pode-se concluir, ento, que em 1940 e de novo em 1984 olegislador do Cdigo Penal tratou de modo diverso o idoso-agente,vinculando objetivamente seu tratamento jurdico dierenciado idade de setenta anos, e o idoso-vtima, para este valendo-se doconceito aberto velho, o qual, como se viu, ligava-se inerio-ridade ou debilidade e no idade. O tratamento jurdico doidoso-vtima e o do idoso-agente, portanto, era dierenciado.A idade do idoso-vtima, em razo da vagueza do conceito de velho,podia ou no coincidir com a idade de setenta anos, que sempre oio (nico) parmetro objetivo para o idoso-agente.

    Essa concluso reorada quando se observa que o art. 117,I, j agora da Lei n. 7.210/1984, mais uma vez, tratando do idoso-agente, valeu-se da idade de setenta anos, quando poderia ter equi-parado o tratamento jurdico do idoso-agente e do idoso-vtima.

    Nesse contexto, a Lei n. 10.741/2003, editada precisa e espe-cicamente para cuidar dos direitos dos idosos, apenas manteve asistemtica anterior de diversidade de tratamento entre o idoso-vtima e o idoso-agente. Por isso, no obstante tenha eito diversasalteraes no Cdigo Penal (v. art. 110 do Estatuto do Idoso), a Lein. 10.741/2003 no procedeu a qualquer mudana nos arts. 65, I,77, 2, e 115, in fne, todos do Cdigo Penal, nem no art. 117, I,

    da Lei n. 7.210/1984. Na verdade, no eetuou nenhuma mudanano tratamento dado ao idoso-agente.

    A dierena de tratamento entre o idoso-vtima e o idoso-agente, inequivocamente mantida e, mais ainda, reorada pelo Esta-tuto do Idoso, no tem o condo de criar uma dualidade no con-ceito de idoso para ns penais. Idoso, ou pessoa idosa, quem tem

    mais de sessenta anos, nos termos do art. 1 da Lei n. 10.741/2003.

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    Esse conceito, alis, vlido para qualquer m e no s para nspenais. O que h a possibilidade de algum j ser idoso e mesmoassim no dispor ainda das benesses coneridas pelos arts. 65, I, 77,

    2, e 115, do Cdigo Penal, e 117, I, da Lei de Execuo Penal,sendo isso pereitamente legtimo.

    4 Legitimidade na dierena de tratamento entre o

    idoso-vtima e o idoso-agente

    No existe antinomia nem agresso ao postulado da igualdade

    quando se trata de modo dierente o idoso-vtima e o idoso-agente,isso porque o critrio utilizado para dierenciao (exigir-se setentaanos para o idoso-agente e s sessenta para o idoso-vtima) per-eitamente razovel. A Lei n. 10.741/2003 legislao que, cientede que a populao brasileira est, por diversos atores, vivendomais, ou seja, de que existe hoje, em relao a pocas anteriores,uma maior quantidade de pessoas idosas, veio xar objetivamente

    o conceito de idoso e conerir a este uma srie de direitos, visandoconcretizar, de modo particular, a sua cidadania e propiciar-lhequalidade de vida.

    No mbito penal, o Estatuto do Idoso buscou proteger, demodo especial, a pessoa idosa contra crimes praticados em seu detri-mento, coerente com a ratio legis de tentar dar aos idosos maior qua-

    lidade de vida. O legislador entendeu que, para o eetivo gozo dosdireitos que estava a assegurar, era preciso um reoro na proteopenal do idoso-vtima de crimes. E, nesse contexto e com esse desi-derato, alterar o tratamento jurdico do idoso-agente seria desvirtuaro objeto e a nalidade da Lei n. 10.741/2003, porquanto estender oregime penal das pessoas maiores de setenta anos agentes de crimepara tambm abranger as de sessenta no tem qualquer relao com

    a pretendida melhoria na qualidade de vida dos idosos.

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    Constituio prev que o cumprimento da pena levar em conta a

    idade do apenado.

    Se antes, quando o tratamento do idoso-vtima tinha por

    razo de ser a presena de senilidade, inerioridade, decrepitude ou

    enraquecimento (ou seja, a ratio da proteo era parecida com os

    motivos humanitrios e de misericrdia que so a base do regime

    destinado ao idoso-agente), j existia uma dierena entre os regi-

    mes do idoso-agente e do idoso-vtima (ver itens 2 e 3), com muito

    mais razo a partir da vigncia da Lei n. 10.741/2003, quando tal

    tratamento do idoso-vtima passou a ser objetivo e puramente cro-nolgico, baseado na tentativa de assegurar s pessoas maiores de

    sessenta anos melhor qualidade de vida.

    Tambm comprova ter legitimidade a opo legislativa por

    tratar dierentemente o idoso-agente e o idoso-vtima que no

    recente, recorde-se (ver item 3) o ato de o ordenamento conhe-

    realizao de direitos de cidadania ou de qualidade de vida (ACR 92030719717/SP, 5 T., rel. juza Ramza Tartuce, j. em 23.6.1997, unnime, DJde 5 ago. 1997,p. 59532). Tambm o Supremo Tribunal Federal tem julgado relativamente aidoso-agente visivelmente apoiado em argumentos humanitr ios e de misericrdia,reorando a concluso de que o tratamento mais benco a ele destinado, alm deser excepcional, tem lastro puramente na piedade. Segue: Habeas Corpus. Pacienteidoso condenado por atentado violento ao pudor. Pretenso de transerncia para priso domi-ciliar em razo do precrio estado de sade do detento. O ato de o paciente estar con-denado por delito tipicado como hediondo no enseja, por si s, uma proibioobjetiva incondicional concesso de priso domiciliar, pois a dignidade da pessoahumana, especialmente a dos idosos, sempre ser preponderante, dada a sua condi-o de princpio undamental da Repblica (art. 1, inciso III, da CF/88). Por outrolado, incontroverso que essa mesma dignidade se encontrar ameaada nas hiptesesexcepcionalssimas em que o apenado idoso estiver acometido de doena grave queexija cuidados especiais, os quais no podem ser ornecidos no local da custdia ouem estabelecimento hospitalar adequado. No caso, deixou de haver demonstraosatisatria da situao extraordinria autorizadora da custdia domiciliar. Habeascorpus indeerido (HC 83358/SP, 1 T., rel. min. Carlos Britto, unnime, j. em

    4.5.2004, DJde 4 jun. 2004, p. 47).

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    cer outras distines igualmente razoveis eitas em razo da idade6.

    Os arts. 227 e 230 da Lei Fundamental conerem uma particular

    proteo s crianas, aos adolescentes e aos idosos. Isso, todavia,

    no impediu que o Cdigo Penal, a exemplo do que ocorre comas pessoas idosas, zesse dierenciaes entre as crianas e os ado-

    lescentes, conorme se observa, por exemplo, nos arts. 121, 4,

    126, pargrao nico, 136, 3, e 224, a, nos quais h uma especialproteo para as pessoas menores de catorze anos. Repare-se que

    nem todos os adolescentes (que so as pessoas entre doze e dezoito

    anos de idade art. 2 da Lei n. 8.069/1990) so abrangidos pela

    tutela penal (que s vai at os catorze anos), sem que se possa alar

    em qualquer alta de razoabilidade no sistema. Verica-se, assim,

    que, apesar de, constitucionalmente, idosos, crianas e adolescen-

    tes serem sujeitos especiais de direitos, as dierenas de tratamento

    outorgadas a uns e outros pela legislao atendem aos padres de

    legitimidade, sendo, por isso mesmo, inteiramente vlidas.

    Assenta-se, portanto, que as disposies dos arts. 65, I, 77, 2,e 115, do Cdigo Penal, e 117, I, da Lei n. 7.210/1984, que tratam,

    respectivamente, de circunstncia atenuante de pena, do mbito de

    incidncia da suspenso condicional da pena, da reduo do prazo

    prescricional e da permisso para o cumprimento da pena privativa

    de liberdade em regi