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CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO SOCIOLÓGICO DAS ADIVINHAS PAULISTANAS (*). 1 — INTRODUÇÃO: As adivinhas, segundo' Amadeu Amaral, constituem "enigmas verbais, que representam o objeto por meio de analogias, mas cujo mútuo concurso o delimita suficientemente" (1). Essa conceitua- ção tem dois méritos: é sintética sem ser obscura. No entanto, incorre no defeito muito grave do dogmatismo. Tomando-se uma coleção qualquer de adivinhas, verifica-se logo que nem sempre "o mútuo concurso" das analogias "delimita suficientemente" o objeto subentendido. Na "lógica" das adivinhas as coisas não se passam com o mesmo rigor e determinação que na lógica formal. Sabe-se, por exemplo, que ainda quando os enigmas são propostos em têr- mos das mesmas analogias (o que nem sempre acontece), e os significados destas são bem conhecidos, o concurso delas pode de- limitar vários objetos diferentes. Parece que dificuldades dêste ti- po levaram os folcloristas a se contentarem com a simples carate- rização das adivinhas. É o qUe faz Pitré, entre outros, e com um sucesso tal que Cocchiara afirma que sua caraterização das adi- vinhas foi aceita "por todos os folcloristas" (2) : "a adivinha é um jogo de palavras, no qual vem compreendida ou suposta qualquer coisa que não se diz, ou uma descrição engenhosa e aguda da coi- sa semelhante, de qualidades e caracteres gerais que se pode atri- buir a outra coisa tendo ou não aquela semelhança ou analogia. Essa descrição é sempre vaga, tão vaga que a pessoa a quem é proposta a questão dirige os pensamentos para éste ou para aquêle significado, incerta quanto à solução a ser encontrada. Pois fre- qüentemente se esconde sob o veu de uma alegoria muito distante, e sob imagens preciosas e agradáveis" (3). Poder-se-ia comparar as adivinhas, mantendo os paralelismos dentro de limites razoáveis, com o raciocínio matemático: através (•). — Trabalho apresentado à cadeira de Antropologia da Faculdade de Fi- losofia, Ciências e Letras, escolhida como uma das disciplinas subsi-' diárias no exame para doutoramento. Amadeu Amaral, Tradições Populares, pág. 278. — Giuseppe Cocchiara, Folklore, pág. 71. — Giuseppe Pitré, Indovinelli, dubbi, seloglilingua, del popolo siciliano, pág. XVIII; apud G. Cocchiara, op. cit., págs. 70-71.

Florestan Adivinhas

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Florestan Fernandes advinhas

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  • CONTRIBUIO PARA O ESTUDO SOCIOLGICO DAS ADIVINHAS PAULISTANAS (*).

    1 INTRODUO:

    As adivinhas, segundo' Amadeu Amaral, constituem "enigmas verbais, que representam o objeto por meio de analogias, mas cujo mtuo concurso o delimita suficientemente" (1). Essa conceitua-o tem dois mritos: sinttica sem ser obscura. No entanto, incorre no defeito muito grave do dogmatismo. Tomando-se uma coleo qualquer de adivinhas, verifica-se logo que nem sempre "o mtuo concurso" das analogias "delimita suficientemente" o objeto subentendido. Na "lgica" das adivinhas as coisas no se passam com o mesmo rigor e determinao que na lgica formal. Sabe-se, por exemplo, que ainda quando os enigmas so propostos em tr-mos das mesmas analogias (o que nem sempre acontece), e os significados destas so bem conhecidos, o concurso delas pode de-limitar vrios objetos diferentes. Parece que dificuldades dste ti-po levaram os folcloristas a se contentarem com a simples carate-rizao das adivinhas. o qUe faz Pitr, entre outros, e com um sucesso tal que Cocchiara afirma que sua caraterizao das adi-vinhas foi aceita "por todos os folcloristas" (2) : "a adivinha um jogo de palavras, no qual vem compreendida ou suposta qualquer coisa que no se diz, ou uma descrio engenhosa e aguda da coi-sa semelhante, de qualidades e caracteres gerais que se pode atri-buir a outra coisa tendo ou no aquela semelhana ou analogia. Essa descrio sempre vaga, to vaga que a pessoa a quem proposta a questo dirige os pensamentos para ste ou para aqule significado, incerta quanto soluo a ser encontrada. Pois fre-qentemente se esconde sob o veu de uma alegoria muito distante, e sob imagens preciosas e agradveis" (3).

    Poder-se-ia comparar as adivinhas, mantendo os paralelismos dentro de limites razoveis, com o raciocnio matemtico: atravs

    (). Trabalho apresentado cadeira de Antropologia da Faculdade de Fi-losofia, Cincias e Letras, escolhida como uma das disciplinas subsi-' dirias no exame para doutoramento.

    Amadeu Amaral, Tradies Populares, pg. 278. Giuseppe Cocchiara, Folklore, pg. 71. Giuseppe Pitr, Indovinelli, dubbi, seloglilingua, del popolo siciliano,

    pg. XVIII; apud G. Cocchiara, op. cit., pgs. 70-71.

  • 108

    de elementos dados, procura-se determinar um elemento suposto. Contudo, os elementos dados so conhecidos por meio de smbo-los que no lembram em nada a preciso racional inerente s for-mas simblicas do raciocnio matemtico, e sua conexo com o elemento suposto no possui um carter de necessidade, mas re-pousa em fundamentos fornecidos pelo pensamento por analogia. No existe nas adivinhas nenhuma evidncia capaz de impor-se por si mesma, excluindo outras significaes provveis, a partir dos elementos dados e segundo uma marcha determinada do esprito. Ao contrrio, esta segue, via de regra, um curso arbitrrio, recor-rendo mais imaginao que ao mtodo, e as prprias analogias exprimem com freqncia, atravs de smbolos idnticos, coisas ou objetos distintos. Explica-se assim porque os folcloristas se des-cuidaram dos processos psquicos envolvidos nessas manifestaes da cultura, enquanto acumulavam enormes colees de adivinhas. que era fcil registrar e classificar as formas objetivas dos "enig-mas verbais", perpetuadas nas tradies dos povos, porm muito difcil e complicado explicar .a sua "lgica", os "princpios" que regem a sua formulao e soluo.

    Em uma pesquisa que realizei em 1941, para a I Cadeira de Sociologia de nossa Faculdade, procurei recolher a maior documen-tao possvel sbre sse setor do folclore paulistano. Ao todo, consegui registrar 60 composies, sendo 56 "adivinhas" e 4 "pro-blemas", segundo as distines estabelecidas pelos prprios infor-mantes. Ordenei-as por ordem alfabtica e dei como ao traba-lho de anlise folclrica, que precisei interromper posteriormente. Por isso, o presente artigo abrange a coletnea de "problemas" e "adivinhas", juntamente com parte do material comparativo de que disponho. Como operei em diversos bairros, indico entre parn-tesis os bairros em que foram registradas as composies. Isso no quer dizer, no entanto, que elas se circunscrevem aos bairros indicados; a maioria corre no s por S. Paulo, mas por outras regies do Brasil, por Portugal, Espanha e outros pases europeus e sulamericanos. Doutro lado, a presente coleo no abrange s-mente as composies colhidas na poca da pesquisa. Acrescen-tei-lhe 5 "adivinhas", 3 "problemas" e 4 "perguntas", recolhidas no ano seguinte. Portanto, esta pequena coletnea compreende 72 composies: 61 "adivinhas", 7 "problemas" e 4 "perguntas".

    2 MATERIAL RECOLHIDO:

    1 o que , que , (Bela Vista) tem coroas e escamas no peixe? -- o abacaxi.

    2 o que , que , (Bom Retiro) cai em p e corre deitada? a gua da chuva.

  • 109

    3 o que , o que , (Lapa) nasce e corre e nunca pra?

    a gua do rio.

    4 o que , o que . (Bela Vista e Lapa) vai e vem com as tripas de fora?

    a agulha.

    5 o que . o que . (Bela 'Vista) quando anda arrasta as tripas? a agulha.

    6 qual a cabea que no tem pena? (Bela Vista) o alfinete.

    7 tem cabea e no gente, (Bela Vista) tem dentes mas no tem boca. . que ? o alho.

    8 qual a ave, (Pari) que no tem pena?

    a Ave-Maria.

    9 o Que . o que , (Pari) desce gritando e sobe chorando?

    balde cheio de gua.

    10 o que , o que , (Bom Retiro) que se pe em cima da mesa corta-se, e no se come?

    o baralho.

    11 o que , o que , (Lapa) entra em casa,

    fica com a cabea de fora? o boto.

    12 de que cr (Bela Vista, Par, Lapa e Belem) era o cavalo branco de Napoleo?

    branco.

    13

    -

    o que , o que , (Pari) tem bico e tem asas, mas no ' va?

    bule.

    14 quanto mais se tira, (Pari) maior ficas que ?

    um buraco.

    15 cru no existe (Bela Vista) cozido no se come, que ?

    a cal.

    16 o que , o que , (Lapa e Bom Retiro) caminha, caminha e no se cansa?

    o caminho.

    17 o que , o que , (Par e Bom Retiro) que caminha, caminha.

    nunca chega ao fim? o caminho.

  • ^~ 110

    18 o que , o que , (Bela Vista) come-se de qualquer jeito, mas se corta chorando?

    a cebola. 19 o que , o que , (Lapa e Bela Vista)

    onde o mdico esconde os seus erros? no cemitrio.

    20 o que , o que , (Bela Vista) de comer e no para comer?

    a colher. 21 o que , o que , (Bom Retiro)

    nasce fechado e cresce fechado, mas tem gua dentro? o cco,

    22 o que , o que , (Bom Retiro) so cinco operrios

    s um usa chapu? os dedos e o dedal.

    23 qual a coisa que, (Bela Vista) quanto maior menos se v?

    a escurido. 24 que uma coisa, (Lapa)

    que tudo devora, mas a gua mata?

    o fogo.

    25 o que , o que , (Bela Vista) tem cora e no rei, tem esporas e no cavalo?

    o galo. 26 o que , o que , (Bom Retiro)

    saiu da terra feio, terra voltou colorido? o ladrilho.

    27 o que , o que , (Lapa) era pisado e feio, depois bonito e pisado? o ladrilho.

    28 o que , o que , (Belem) uma casinha amarela, sem porta nem janela?

    a laranja. 29 o que , o que , (Lapa e Bela Vista)

    que est no meio do rio? a letra i>

    30 o que , que , (Pari) que est acima do po.

    o til. 31 o que , o que r , (Bela Vista)

    Deus tem e o Diabo tambm? reaparece em Deus dar? a letra cl.

  • 32

    o que , o que , (Pari e Liberdade) que est sempre fechada

    sempre molhada? a lngua.

    33

    -

    o que , o que , (Lapa) vermelha por fora

    branca por dentro? a ma.

    34 o que , o que , (Bela Vista) que entra duro

    sai mole? o macarro, quando posto na gua fervendo.

    35 meia meia, meia feita, (Bela Vista) meia meia, por fazer, quantas meias so?

    um quarto de meia. 36 o que , o que , (Par)

    a mulher derrama gua em cima do marido para le trabalhar?

    o monjolo: a bica derrama gua no cocho. 37 o que , o que , (Lapa)

    dono de tim vestbulo, mas nunca o v?

    a orelha. 38 o que , o que , (Bom Retiro e Bela Vista)

    no ar prata - no cho ouro?

    o ovo. 39 o que , o que , (Bom Retiro)

    verde no planta, fala e no gente?

    o papagaio. 40 qual o bicho que anda com as patas? (Bom Retiro)

    -- o pato. 41 redondico, redondaco,

    tem mais que mil buracos? a peneira.

    42

    -

    bate em mim, (Lapa) bate em vs, bate na saia

    bate no cs? a peneira.

    43

    -

    o que , que , (Par) antes de ser j o era?

    a pescada. 44 Maninha vamos fazer (Pari)

    aquilo que Deus consente, juntar plo com plo

    deixar o pelado dentro. O que ?

    fechar os olhos ou encostar as pestanas.

  • - 112

    45 a me verde, (Selem) a filha encarnada, a me mansa

    a filha danada? a pimenta.

    46 qual o animal, (Bela Vista) que anda com os ps na cabea?

    o piolho. 47 o que que vai e vem, (Bela Vista)

    no troca de lugar? a porta.

    48 qual a coisa (Bom Retiro) que quanto mais cresce, mais perto do cho fica? o rabo do burro.

    49 o que , o que , (Lapa) sempre trabalha

    nunca cobra ordenado? o relgio.

    50

    -

    o que , o que , (Lapa) sempre anda

    nunca se cansa? o relgio.

    51 alto est, (Bom Retiro) alto mora, todo o mundo o v, ningum o adora?

    o relgio. 52 o que , o que , (Pari)

    corre, corre, e est sempre no mesmo lugar? o rio.

    53 o que feito para andar, (Lapa e Bela Vista) no anda?

    a rua 54 na gua nasci, (Belem)

    na gua me criei, se nela me botarem, nela morrerei. O que ?

    o sal. 55 o que , o que , (Bela Vista)

    um homem v todo dia, um rei raramente,

    Deus, apesar de todo seu poder, nunca viu? seu semelhante.

    56 o que , o que , (Pari) entra na gua e no se molha? .-- a sombra.

    57 o que , o que , (Bela Vista) tdas as mes tm, sem po no se pode fazer; no inverno le some .

    C

  • - 113 -

    e aparece no vero? o til (cf. acima, nmero 30).

    58 o que , o que , (Lapa). nasce branco, seu natural preto e quanto mais. sade, tem mais tristeza?

    o urub. 59 o que . o que , (Bom Retiro)

    passa tda hora pela gente, mas ningum v?

    o vento. 60 o que . o que , (Bela Vista)

    fecham portas e fecham janelas e le entra por todos os lugares? o vento.

    61 o que . que corre a casa todos os dias, (Bela Vista) e depois volta a esconder-se num canto?

    a vassoura. 62 por que o cachorro entrou na Igreja? (Pari)

    porque encontrou a porta aberta. 63 o que que tem em baixo da cama de casados? (Pari)

    dois pares de chinelos. 64 e em baixo da cama de solteiro? (Par)

    um par de chinelos. 65 por que ona pintada no morde? (Pari)

    porque pintada.

    66 O homem, o lobo, a cabra e o repolho (Bom Retiro) : Um homem devia atravessar um rio numa cana em que s poderia em-

    barcar le e uma das trs coisas que levava : um lobo, uma cabra ou um re-polho. Se le levasse o lobo, a cabra comeria o repolho; se levasse o repo-lho. o lobo comeria a cabra. Que devia fazer?

    Resposta: o homem levou a cabra e deixou o lobo com o repolho. De-pois voltou para pegar o lobo. Colocado o lobo na outra margem, transpor-tou de novo a cabra para a margem oposta, voltando com o repolho. Aps isso, voltou para levar a cabra novamente e continuou o seu caminho.

    67 O homem, a galinha, o milho e a raposa (Bom Retiro) : Um homem devia atravessar um rio,' com uma galinha, uma poro de

    milho e uma raposa, tudo de sua propriedade. Todavia, a cana s compor-tava duas coisas : o homem e um dos animais ou o homem e o milho. Se deixasse a galinha com a raposa, esta comeria a galinha, e se deixasse a gali-nha com o milho, ste seria comido por aquela.

    Resposta : o homem levou a galinha, deixando o milho com a raposa. Depois voltou, e levou a raposa; deixou-a na outra margem do rio, e regres-sou com a galinha. Tomou o milho e o transportou para o outro lado. Vol-tou e transportou a galinha de novo. Estava resolvida a questo.

    68 O homem que quis se suicidar (Bom Retiro): Um homem queria suicidar-se. Porm, tinha medo de falhar. Por isso,

    resolveu combinar diversos recursos. Assim, comprou uma forte dose de es-

  • - 114

    triquinina, uma faca, um revolver, uma corda e foi procura de uma rvore na margem do rio Pinheiros. Achou uma. Fz um lao, bebeu o veneno, jogou-se de cima da rvore, disparou o revlver e desferiu um golpe com a faca. Entretanto, le no morreu. Por que?

    Resposta O homem bebeu o veneno, jogou-se para ser asfixiado; porm, ao dar o tiro estragou tudo, pois a bala rompeu a corda. Ao fazer os mo-vimentos para se esfaquear, a corda acabou de se romper, caindo le dentro do rio. Como passavam uns barqueiros pelo lugar, stes o recolheram para o bote. A gua bebida o fz vomitar e le, apesar de todos os cuidados, con-tinuou vivo...

    69 Os quatro portuguses (Bom Retiro): Quatro portuguses foram a um restaurante e l gastaram vinte e oito

    mil ris. Na hora do pagamento um dles tomou do lapis e fez a diviso da despesa entre os quatro. Estupefao geral; cada um devia dar ao garon a quantia de vinte e cinco mil ris. Os companheiros no concordaram e re-solveram verificar a conta que, segundo o clculo que fizeram, estava real-

    .mente certa. Como foi isso?

    Resposta:

    28 1 4 20 25

    O 25 25 25

    28

    Nota Divide-se o oito por quatro, sendo o resultado indicado em baixo do oito; abaixa-se o dois : vinte dividido por quatro d cinco. Quanto verificao : somam-se todos os cinco, obtendo-se vinte : vinte mais dois quatro vezes d como resultado vinte e oito... Como se v, as adivinhas reproduzem, no folclore paulistano, as representaes do portugus correntes no anedotrio brasileiro.

    70 Pais e filhos (Pari) Dois pais e dois filhos tinham trs mas e comeram uma cada um. Como

    fizeram para dividir as trs mas entre si?

    Resposta : eram trs pessas av, pai e filho.

    71 O fsforo e a luz (Brs) : Uma pessa mora em um bairro onde no h luz eltrica. Tem um can-

    dieiro, mas est na cozinha; uma lmpada a leo, que est no quarto de dor-mir; um lampio, na sala de visitas; uma vela, logo na entrada; e fsforos. O que ela acende primeiro quando chega da rua, fora de horas?

    Resposta : os fsforos.

    72 Como se chama um homem? (Brs) : Um homem, chamado Joquim Tobias de Oliveira, mora em um prdio

    de apartamentos na avenida S. Joo, no quinto andar. O prdio tem dez andares. No primeiro andar mora uma famlia brasileira, que tem um pen-sionista. No segundo andar, uma famlia de italianos, com trs filhos. No terceiro, mora a famlia do dono do prdio. No quarto, uma famlia de alemes. O resto do prdio, fora o quinto andar, ocupado por uma com-

  • 115

    panhia de seguros. As nove horas o prdio est fechado e chega um mensa-geiro com um telegrama para o sr. Joaquim Tobias de Oliveira. O mensa-geiro ento resolve falar com o zelador do prdio. Mas, como se chama o zelador do prdio?

    Resposta : tocando a campainha.

    .* * * 3 CONTRIBUIO PARA O ESTUDO FOLCLRICO

    DAS COMPOSIES RECOLHIDAS:

    sabido que a anlise folclrica esclarece muitas das ques-tes levantadas pela origem, difuso e transformao sofridas pe-las adivinhas. Infelizmente, a documentao acessvel e o tempo disponvel no me permitiram aprofundar as investigaes. Por isso, com o intuito de ser til aos folcloristas que empreenderem as mesmas pesquisas em melhores condies de trabalho, procurei reunir, sob a forma de notas, uma parte dos dados comparativos de que disponho sbre cada uma das adivinhas coligidas. Apesar das limitaes, as notas mostram que vrias das adivinhas j foram registradas anteriormente em S. Paulo (o que atesta, indiretamen-te, o grau de repetio das mesmas) ou em outras regies do Bra-sil (o que demonstra que elas se integram, num sentido mais am-plo, a uma realidade cultural que poderia ser designada como "fol-clore brasileiro"). Em segundo lugar, elas indicam a provvel pro-cedncia da maioria das adivinhas recolhidas em S. Paulo: os mes-mos temas ocorrem, sob formas paralelas, nos folclores ibrico, francs, italiano, etc.. Como as analogias de forma 'e de signifi-cao existentes entre as adivinhas brasileiras e portugusas so muito estreitas, e como foram os portuguses que colonizaram o Brasil, parece que se impe a concluso de que as adivinhas em apro so de origem lusitana ( bvio, quando se toma em con-siderao apenas as fontes imediatas). Alis, esta concluso confirmada pelos resultados das investigaes de Alcides Bezerra, que se refere tambm s provveis conexes dsse setor do fol-clore brasileiro com os folclores nativos e africanos: " insupe-rvel a dificuldade de investigar a origem das adivinhas brasilei-ras. Delas h, e em grande nmero, de procedncia portugusa, delas h de criao indgena, isto , do selvagem e do mestio, e quem sabe se tambm no nas temos vindas da frica na cativa onda negra" (4).

    r\s, (4). A. Bezerra, Adivinhas, pg. 461. Sbre tais cogitaes, conveniente

    lembrar as concluses de Franz Boas : 'este etnlogo assevera que as adivinhas so "quase inteiramente inexistentes" entre os aborgenes da Amrica e que mesmo no Novo Mxico e no Arizona, regies em que ndios e espanhis se mantiveram em contacto durante alguns s-culos, as adivinhas no foram adotadas por aqules (Cf. General An-

  • 116

    Adivinha 1:

    Em sua coleo, Tavares de Lima consigna outra variante paulistana dessa adivinha:

    Tem escamas No peixe; Tem cora

    no rei (5).

    Adivinhas 2 e 3:

    A adivinha 2 foi registrada em S. Paulo de modo ligeiramente diferente por outro folclorista:

    Caio sempre em p corro deitado (6) .

    Segundo Sebastio Almeida de Oliveira, seria corrente em Ta-nab outra verso, mais sinttica:

    Passa de noite sem parar, cuja resposta "a correnteza, o rio" (7). -

    O tema dessa variante aparece mais completo na frmula da coleo de Daniel Gouveia:

    que , o que Corre dia e noite

    nunca tem descanso? (8).

    Todavia, a adivinha 2 conhecida em outras regies do Bra-sil, sendo expressa da seguinte forma no Rio Grande do Norte:

    que , o que ? Que cai em p

    corre deitado? (9).

    O mesmo autor colheu a seguinte variante, relativa ao tema da nossa adivinha 3:

    No tem p e corre, Tem leito e no dorme, Quando pra, morre (10) .

    thropology, pgs. 598-599). Outros especialistas asseveram, no entanto, que as adivinhas constituem, com , relao a algumas tribos norte-ame-ricanas, uma tcnica pr-colombiana (cf. por exemplo: Archer Taylor, American Zndian Riddles, in Journal of ',American Folklore, vol. 57, pgs. 1-15. Com referncia ao folclore de aborgenes sul-americanos, Alfred Mtraux indica que' a tcnica das adivinhas no lhes era fami-liar, com excepo dos Minuano (cf. artigo Riddlcs, in Dictionary of Folklore, iitythology and Legcnd, vol. II, pg. 944).

    Rossini Tavares de Lima, Poesias e Adivinhas, ad. 151. R. T. ad. 171. - Sebastio Almeida de Oliveira, Cem Adivinhas Populares, ad. 80,

    pg. 74. Daniel Gouveia. Folclore Brasileiro, pg. 119. Verssimo de Melo. Adivinhas, ad. 4. pg. 16. V. de Mello, op. cit., ad. 14, pg. 20.

  • 117

    Quanto s origens, lembro que Pires de Lima, em sua cole-o de adivinhas portugusas, consigna uma frmula que apresenta pontos de contacto com as variantes norte-riograndense e paulis-tana:

    Sem voz, encanto quem me ouve; tenho leito e no durmo? como o tempo, corro sempre..., cuja decifrao "a gua dum ribeiro" ( 11 )

    Daniel Gouveia, por sua vez, sugere que o tema e a forma dessa adivinha se extendem a outros folclores europeus, indicando a seguinte verso francesa:

    Dis-moi de grace qui est la chose Qui nuit et jour ne se repose?

    Parece que a frmula da adivinha 2 est sendo aplicada tam-bm a outros temas, no Brasil: pelo menos, um exemplo do folclore alagoano demonstra seu emprgo extensivo ao enigma "canoa":

    Nasce em p. Corre deitada (12).

    No captulo das hipteses, preciso considerar uma sugesto de Arthur Ramos, preocupado com a possvel influncia dos fol-clores africanos nesse setor do folclore brasileiro. Embora na po-ca j pudesse contar com algumas colees de adivinhas, 'que lhe servissem como ponto de referncia para a exegese das origens e dos contactos das adivinhas brasileiras, aqule antroplogo se limi-tou a reunir alguns exemplos de jinongrzongo africanos (13); en-tre outros, transcreve o seguinte, extraido de obra de Dias de Car-valho:

    "Pergunta : Chi uassuta ni uacdi cussla? (Que que est passan-do de noite sem parar?).

    Resposta : Mema ma eito (A gua do rio)."

    Suponho que ste exemplo no d nenhuma base para que se conclua algo a respeito da origem africana de nossa adivinha cor-respondente. Do ponto de vista folclrico, ilustraria antes a con-vergncia temtica e formal que, muitas vzes, aproxima certos ele-

    A. C. Pires de Lima, O Livro das Adivinhas, ad. 205, pg. 102. Tho. Brando, Folclore de Alagoas, ad. 9, pg. 42. Cf. Arthur Ramos, O Folk-toro Negro do Brasil, pgs. 240-243. As alu-

    didas limitaes n.o impediram, no entanto, que Arthur Ramos afir-masse: "J o estudo da paremiologia nos autoriza. porm, a concluir o mesmo para as adivinhas. A influncia africana se entremostra, mesmo a uma anlise superficial. As frmulas usadas, o ritual que acompanha as questes, a ingenuidade de umas adivinhas ao lado do sentido satrico de outras, tudo isso est a indicar o dedo africano". Evidentemente, semelhantes hipteses s6 teriam base se fssem funda-mentadas por anlises comparativas completas, susceptveis de com-provar empiricamente as conexes pressupostas.

  • 118

    mentos de folclores distintos. Cotejadas s duas verses do fol-clore europeu, as variantes de nossa adivinha em questo revelam claramente as marcas das "matrizes" de que procedem.

    Adivinhas 4 e 5:

    Em S. Paulo, o mesmo enigma apresentado sob a seguinte forma:

    Vai de buraco em buraco, Arrastando sempre as tripas, cuja resposta "agulha e

    linha" (14).

    Segundo Cardoso Martha e Augusto Pinto; a verso portu-gusa da nossa adivinha muito popular em Portugal (15). Gos-taria de ajuntar aqui duas variantes lusitanas, uma delas em ga-lego:

    O que que anda de buraco em buraco, com as tripinhas a rasto? (16).

    Qu- unha cousifia cousa? anda de buraco em buraco tuas tripas arrastro? A significao desta ltima "a

    agulha cando se cose" (17).

    Adivinha 6: .

    Existe outra verso mais completa em S. Paulo, usada para referir o "alfinete e agulha" (18) :

    Tem cabea No tem olho, Tem olho No tem cabea.

    Adivinha 7:

    Em- S. Paulo tambm foi recolhida sob formas um pouco di-ferentes:

    Tem cabea e dente Mas no gente.

    Tenho dente E no sou boca, Tenho barba E no sou velho (19).

    R. T. Lima. op. cit.. ad. 122. C. Mirtha e . Pinto, Folclore do Conselho da Foz, pg. 235.

    (16): A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 125, pg. 56. Laureano Prieto, As Adivinhas na Terra da Guditia (Ourenso) e no

    Concelho do Vinhais (Trs os Montes), ad. 11, pg. 34. R. T. Lima. op. cit., ad. 128. R. T. Lima, ads. 104 e 73, respectivamente.

  • -- .119

    No folclore tanabiense foi registrada como segue:

    Tem barba e no homem, Tem dentes e no gente (20).

    Em S. Paulo ainda corrente outra verso:

    Tem barbas e no tem queixo ste bicho montanhs, Tem dentes e no tem boca Tem cabea e no tem ps (21).

    Alcides Bezerra consigna uma variante paraibana desta ver- so:

    Tem balba e no tem rosto, Tem dente sem ser de osso, Tem um palmo de pescoo (22).

    Entretanto, Verssimo de Melo recolheu no Rio Grande do Norte uma composio idntica paulistana (23).

    As nossas adivinhas so de origem ibrica, como se pode in-ferir atravs da comparao , com as frmulas portugusa e espa-nhola. Tefilo Braga consigna a seguinte composio:

    Tem dentes e no come Tem barbas e no homem (24).

    A ela corresponde na Espanha, segundo Marin:

    Tiene diente y no come, Tiene barbas y no es hombre (25).

    Desta adivinha, Moya recolheu uma variante da tradio bue-nairense:

    Tiene diente y no come, Tiene barba, mas no es hombre, y aunque tiene cabeza no ve, no habla. ni piensa ( 26).

    Pires de Lima englobou sua coleo uma adivinha idntica recolhida por Tefilo Braga (cf. adivinha 239), e fornece outra

    S. A. Oliveira, op. cit., ad. 74, pg. 73. R. T. Lima, ad. 42. A. Bezerra, op. cit., pgs. 465 e 470. V. de Melo, op. cit., pg. 35. Tefilo Braga, Cancioneiro o Romanceiro Popular Portugues, pg. 363.

    Pires de Lima assinala que "o povo pronuncia honre, rimando assim a palavra com come" (cf. O livro das Adivinhas, pg. 92, nota 2).

    Francisco Rodrigues Marin, Cantos Populares Espailoles, vol. 1, pg, 232.

    I. Moya, op. cit., pg. 55.

  • 120

    verso portugusa, mais prxima da variante paulistana que consta desta coleo (27) :

    Tem barba e no a corta; tem dentes e no come; tem rabo e no o arrasta.

    Adivinha 8:

    No folclore tanabiense a mesma questo proposta da seguin-te maneira:

    Uma ave que no tem penas A Ave-Maria (28).

    Essa adivinha tambm popular no Rio Grande do Norte, onde aparece levemente complicada:

    Adivinha, adivinha, meu bem : Qual es el ave que no tiene pena.

    Portugal, corre uma verso mais completa (30) :

    N ave nem mulher, E de ambas tem o nome; Viia sem ningum a ver, Tem por Deus grande poder, E nos brados se conhece; Quando esta ave vem, As outras desaparece.

    Todavia, no folclore ibrico_ ocorre sob forma mais sinttica, semelhante corrente em S. Paulo. Nas colees de Rodrigues Marn e de Lehmann Nitsche, por exemplo, pode-se constatar os fundamentos desta afirmao (31) :

    Adivinha por fortuna Qual es el ave nue no tiene pena.

    Adivinha 9:

    Evidentemente, a frmula se associa ao emprgo da tcnica implcita de provimento de gua. Em Portugal, por exemplo, exis-te uma adivinha diferente, mas construida com o mesmo esprito, para significar "cntaro" (32) :

    A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 240, pg. 92. S. A. Oliveira, op. cit., ad. 34, pg. 67. V. de Melo, ad. 25, pg. 2G. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 2, pg. 13. O folclorista citado in-

    forma: "desaparecem (o solecismo vulgar no povo)". F. R. 1Vlarn, op. cit., pg. 300; Lehmann Nitsche, Adivinanzas Rio-

    platenses, pg. 284. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 94, pg. 46.

  • 121 --

    Que , que , que vai para l deitado e vem para c em p? No resta dvida, porm, a procedncia ibrica da nossa adivinha; pode-se estabelecer essa procedncia atravs das composies con-signadas por Lehmann. Nitsche (colhidas em Santa F e Buenos Aires) e por Ismael Moya (recolhida em Buenos Aires) :

    Va gritando Y viene llorando.

    Cuando bafa, va cantando Cuando sube, va llorando (33).

    Baja corriendo sube lloviendo (34).

    Adivinha 10:

    J ouvi tambm: O que , o que , que se pe em cima da mesa, se corta, mas no se come? No Rio Grande do Norte ocor-re uma variante, parecida com as nossas composies:

    O que , o que ? Que parte e se reparte Mas no se come? (35).

    Esta adivinha de origem europia. Em Portugal, ela apa-rece sob forma mais completa: O que , o que , que se pe na mesa, cortado, e nunca se come? (36). Daniel Gouveia, que re-colheu uma das variantes brasileiras dessa adivinha, consigna tam-bm uma verso francesa (37) :

    Qu'est-ce qu'on met sur une table, Qu'on coupe et que ne se mange pas?

    Doutro lado, no folclore buenairense ainda se conserva a ver-so espanhola da mesma adivinha (38) :

    En la mesa se pope, se corta y se reparte, y no se come.

    Adivinha 11:

    Essa adivinha tambm assume forma diversa em S. Paulo:

    O que , o que : Mal entra em casa, Logo sai janela? (39).

    (33). L. Nitsche, op. cit., pg. 106. (34).. I. Moya, op. cit., pg. 70.

    V. de Melo, op. cit., ad. 103, pg. 51. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 63, pg. 37. D. Gouveia, op. cit., pg. 127. I. Moya, op. cit., pg. 75.

    (30). R. T. Lima, ad. 26.

  • 122 --

    Daniel Gouveia consigna, por sua vez: O que , o que , enche uma casa e no enche uma mo? (40). Parece que esta a verso mais difundida no Brasil, pois vem incluida nas colees de Alcides Bezerra, Theo. Brando e Verssimo de Melo, embora nas duas ltimas com algumas variaes formais (41):

    Cabe numa casa. No cabe numa mo.

    Enche uma casa completa, Mas no enche uma mo; Amarrado pelas costas, Entra e sai sem ter porto?

    Tefilo Braga e Pires de Lima fornecem-nos variantes da adi-vinha portugusa, de que se originaram as nossas (42):

    Qual a coisa, Qual ela, Que apenas entra em casa Logo se pe janela?

    Que , que , um morador que, apenas entra em casa, fica logo de fora?

    Adivinha 12:

    Essa adivinha tambm foi registada por Verssimo de Mlo no Rio Grande do Norte (43). Ela s conserva no Brasil, a jul-gar pelas duas amostras, tal e qual a verso lusitana (44).

    Adivinha 13:

    Uma variante paulistana mais completa consta de outra cole-o (45):

    O que , o que : Tem bico e no tem cabea, Tem asa e no tem pena, Tem boca e no tem dentes.

    D. Gouveia op. cit., pg. 104. A. Bezerra, op. cit., pg. 476; quanto s adivinhas transcritas, con,

    forme Theo. Brando, op. cit., ad. 23, pg. 44; V. de Melo, op. cit.., ad. 97, pg. 49.

    T. Braga, op. cit., pg. 364; A. C. Pires de Lima, ad. 71, pg. 40 e nota 2, em que consigna mais duas variantes, que no foram transcri-tas acima.

    V. de Melo, op. cit., ad. 155, pg. 64. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 321, pg. 117. R. T. Lima, op. cit., ad. 203.

  • -- 123

    Para designar "a chaleira", conhecida da seguinte forma em Tanab (46):

    Tem asa e no voa Tem bico e no belisca.

    Esta adivinha foi registrada em outras regies do Brasil, mo-dificando-se muito pouco quanto forma. Na Paraiba e no Rio Grande do Norte significa, como em S. Paulo, "bule"; mas, em Alagoas, o enigma "pote de barro":

    Tem asas mas no voa, Bico mas no belisca, E anda sem ter p (47).

    Que que tem 'bico e no belisca? Tem asa e no voa, Tem boca e no come? (48)

    Tem boca, no fala; Tem asas, no voa; Tem p, no caminha (49).

    As nossas adivinhas procedem do folclore lusitano, como se poder inferir comparando-as com as seguintes composies (50) :

    Qual a cousa, qual ela, Que tem pernas e no anda, Tem boca e no come Tem asas e no voa? ("o pote ou a panela").

    O que , o que , Que tem asas e no voa, E tem bocas e no fala? ("uma janela, um cesto").

    Adivinha 14:

    Essa adivinha foi recolhida em vrias regies do Brasil, com a mesma forma ou apresentando variaes formais insignificantes (51). Sua origem europia indubitvel; mas se incorporou ao nosso folclore atravs das verses portugusas.

    Em Portugal, segundo Cardoso Martha e Augusto Pinto, mais vulgarizada sob outra forma:

    O que , Quanto maior , Menos pesa?

    S. A. Oliveira, op. cit., ad. 56, pg. 71. A. Bezerra, op. cit., pg. 472. V. de Melo, op. cit., ad. 98, pg. 49. T. Brando, op. cit., ad. 12, pg. 42. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 88, pg. 45 e ad. 83, pg. 43, res-

    pectivamente. Daniel Gouveia, loc. cit.; A. Bezerra, op. cit., pg. 471; T. Brando,

    op. cit., ad. 12, pg. 42; V. de Mlo, op. cit., ad. 5, pg. 16.

  • 124

    Os mesmos autores aludem a outra adivinha, cuja significa-o "poo", qual corresponde a nossa composio (52). Apli-cando-se ao enigma de "poo" ou "cova", consta da coleo Pires de Lima (53) :

    Que , que , Que, quanto mais se lhe tira, Maior ?

    Qual a cousa, qual ela, Que, quanto mais se lhe tira, Maior fica (ou mais cresce?).

    Marn consigna a verso espanhola (54) :

    Que cosa ser Y s de entender, Qu, cuanto ms le quitan, Ms grande s?

    Segundo Daniel Gouveia, a adivinha conhecida em Frana na seguinte forma:

    Qu'est-ce qui devient plus grand mesure qu'on te?

    Adivinha 15:

    provvel que essa ?divinha tambm proceda do folclore ib-rico. Sua existncia no fciclore da pennsula atestada pela cole-o "poo", qual corresponde a nossa composio (52). Apli-ma (55) :

    Cal ? Cal ? O nue non-o adivifia ben burro .

    Por sua vez, Daniel Gouveia cita uma verso francesa, que sublinha a: possibilidade indicada; formalmente, so poucas as dis-crepncias que distinguem a nossa adivinha da francesa:

    Qu'est-ce qui ne se trouve point cru Et ne se mange cuit?

    Adivinhas 16 e 17 (Cf. tambm adivinha 53) :

    Para significar "uma estrada", eis como o mesmo tipo de adi-vinha aparece em. Portuga':

    Desce outeiros e sobe outeiros, e est sempre no mesmo stio (56).

    C. Martha, e A.- Pinto, op. cit., pgs. 237 e 24S. A. C. Pires de Lima. op. cit., ad. 07, pg. 47, nota 1. F. R. Marin, op. cit., pg. 305. L. Prieto, op. cit., ad. 38(a), pg. 38. A. C. Pires de Lima; op. cit., ad. 270, pg. 103.

    a

  • 125

    Como exemplo de paralelismo folclrico, apenas, poderia in-dicar ainda duas adivinhas do mesmo tipo, uma quchua (57) e outra sudanesa (58) :

    Va Va Y no vuelve.

    Le cheval de mon pre a couru, il est fatigu, il n'arrivera jamais.

    Adivinha 18:

    baniel Gouveia recolheu outra variante, que j ouvi , em S. Paulo:

    Capa sbre capa Do mais fino pano S adivinhars Se eu disser.

    Alis, em uma coleo recente de adivinhas paulistas consta uma composio completamente diversa da que coligi:

    Chapu sbre chapu, Chapu fino de bom pano, No adivinhas ste ano Seno, quando eu te disser (59).

    Tal como est grafada, corresponde integralmente adivinha paraibana com o mesmo significado, da coleo Alcides Bezerra

    60 ) . A variante brasileira 'que est mais prxima das composies

    lusitanas a que se encontra na coleo Verssimo de Melo (61):

    Capinha sbre capinha, Capinha do mesmo pano; Se eu no te disser agora. No acertas nem para o ano.

    As adivinhas poituguss que conheo so mais parecidas com as variantes de outros estados brasileiros. Assim, comparando-as com as frmulas consignadas por Pires de Lima (62) e Laureano Prieto (63), verificamos - que somente uma delas (a primeira na ordem de apresentao aqui), contm alguns pontos de contacto com a adivinha de nossa coleo:

    L. Nitsche, op. cit., pg. 102. D. Lifchitz e D. Paulme, Devinettes et Proverbes Dogon. R. R. Lima, op. cit., ad. 68. A. Bezerra, op. cit., pg. 474. V. de Mlo, op. cit., ad. 64, pg. 38. A. C. Pires de Lima, op. cit., ads. 238 e 236, pgs. 91 e 92.

    (62). L. Prieto, op. cit., ad. 22, pg. 36 (as duas ltimas adivinhas, no texto acima, so registradas em galego por ste folclorista).

  • 126

    Eu no campo me criei, Metida entre verdes laos; O que mais chora por mim que me faz em pedaos.

    Capinha sbre capinha Capinha do mesmo pano; Se tu no disseres agora, No adivinhas nem num ano.

    Capifia sobre capifia Capifia do mesmo pano; se non digo o qui- ' non acertas n-un ano.

    Capote sbre capote Capote do mesmo pano; non atinas este ano nin pra o ano que vifier se eu non cho dixer.

    No folclore latino-americano ainda se conserva a forma euro-pia tambm nos pases de lngua castelhana; em Buenos Aires. por exemplo, Moya recolheu as duas seguintes variantes (64) :

    Paiito sbre sbre pafiito, otro parlo, nina, si no te lo digo, no aciertas en todo el afio.

    En el campo fui criada, vestida de verdes lazos, aguei que hora por m me est cortando en pedazos.

    No entanto, no folclore rioplatense existem adivinhas que no se conformam a ssi? padro: Lehmann Nitsche encontrou em Ju-ju duas verses, que incorporou sua coleo, nas quais isso se evidencia (65):

    Parar en la horta es mi suerte, Nasco debajo del suelo, Mi fabrica imita al ciclo, Lgrima causo al mas fuerte Sin causarlo desconsuelo.

    Fui a una chacra Compr una doncella, Volvi a mi casa Y llor con ella.

    I. Moya. op. cit., pg. 49. L. Nitsche, op. cit., pgs. 78 e 38.

  • 127

    Adivinha 21:

    Em S. Paulo j foi registrada outra variante:

    Branco por dentro Vermelho por fora, Casinha trancada, Onde a gua mora (66).

    Essa composio, tal como est grafada, lembra-nos a incor-porada por Alcides Bezerra sua coleo de adivinhas da Pa-raba (cf. pg. 475).

    A variante que recolhi conhecida em outras regies do Bra-sil; Daniel Gouveia, por exemplo, fornece-nos uma frmula mais completa:

    Sem entrar gua, Sem entrar vento, Tem um poo De gua dentro (67).

    Atthur Ramos. aproveitando uma descrio de Ladislau Ba-talha, transcreve em seu estudo do folclore negro brasileiro um jinongonongo angolense, cuja decifrao cco:

    "Pergunta : Riganga ria banga Tumba Ndala; riene riri tekel' (A laga que Tumba Ndala fz, enche-se por si mesma.)

    Resposta : Rikky (O ceico) (68).

    Essa adi.?inha angolense deu margem a algumas especulaes. Artes de Arthur Famos publicar seu trabalho, j Alcides Bezer-ra (69) e Joaquim Ribeiro (70) se Eviam referido s possveis li-gaes ds se jinongonongo com a nossa adivinha. Tomando como ponto de referncia a variante recolhida por Daniel Gouveia, Joa-quim Ribeiro concluiu que, provvelmente, a adivinha brasileira ti-nha sua ('ripem na angolense; e asseverava: " claro que em nossa verso brasileira desapareceu a figura mitolgica Tumba Ndala, to comum nos contos populares do quimbundo. A aproximao, porm, no est distanciada, e pode servir de base conjectura da origel africana de nosso enigma popular" (71). Segundo me pa. rece, a interpretao no resolve satisfatriamente as questes que se levantariam a uma anlise comparativa das formas das duas

    R. T. Lima, op. cit., ad. 150. Daniel Gouveia, op. cit., pg. 106.

    68). Arthur Ramos, op. cit., pg. 241; segundo Ladislau Batalha, Tumba Ndala uma "personagem fabulosa da mitologia indgena" (Apud loc. cit., nota 7).

    A. Bezerra, op. cit., pgs. 460 e 475. J. Ribeiro, em trabalho publicado em 6-111-1934 no Jornal do Comrcio,

    reproduzido em Joo Ribeiro, O Elemento Negro, pgs. 174-185. J. Ribeiro, op. cit., pg. 182.

    a

  • 128

    adivinhas, a brasileira e a angolense. Seu principal inconveniente consiste, no entanto, na elaborao defeituosa de um fenmeno de paralelismo folclrico; para dar. fundamento hiptese seria ne-cessrio obter dados especiais. principalmente sbre a ocorrncia da adivinha entre os "afrobrasileiros" e a existncia de frmulas intermedirias. que atestassem formalmente as transies operadas.

    Adivinha 22:

    A mesma adivinha foi registrada em S. Paulo:

    Cinco operrios S um tem chapu (72).

    Todavia, em Tanab em vez de "operrios" ocorre "irmos", em co..rncia com a verso portugusa:

    Somos ao todo cinco irmos, mas um s que usa chapu (73).

    A nossa adivinha simplificou-se muito, com relao s com-posies portugusas:

    Ns somos muitos irmos, Espalhados pelo mundo; Mais ou menos parecidos, Mas nem todos temos fundo; Procuram-nos as mulheres, Homens tambm nos procuram, Mas so todos tam ingratos, Que nos largas mal nos furam; Apesar de ns no sermos Chapus, coifas de enfeitar, Todos nos pem na cabea, Pois l o nosso lugar ("os . dedais na cabea do dedo") (74).

    Lopes Cardoso consigna uniF. variante portugusa mais sim-ples, na qual porm no se evidencia a trans formao operada na variante paulistana, que levou a designar-se os dedos como "ope- rrios", subentendendo-se que so les (e no os dedais) os - ir- mos":

    No chapu, nem carapua, Nem coisa de enfeitiar; Todos o pem na cabea, Por l ser o seu lugar (75).

    R. T. Lima, op. cit., ad. 219. S. A. Oliveira, op. cit., ad. 62, pg. 71; no Rio Grande do Norte existe

    uma verso diferente (cf. V. de Melo, op. cit., ad. 112, pg. 53). Ve-ja-se tambm Tho. Brando, op. cit., ad. 32, pg. 77.

    A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 131, pgs. 57-58; cf. variante por-tugusa em nota de rodap.

    Carlos Lopes Cardoso, Adivinhas (Colhidas em Cote-Paredes), ad. 6, pg. 31.

    4

  • 129

    Adivinha 23:

    Essa frmula consta de outra coleo de adivinhas paulistas, ao lado da seguinte variante:

    Quanto mais preta , menos se enxerga (76).

    Em Alagoas idntica nossa (quanto maior menos se v) (77): mas no Rio Grande do Norte se apresenta de forma dife-rente, semelhante a uma das variantes portugusas transcritas abaixo:

    O que , o que ? Quanto mais crece, Menos se v? (78).

    A adivinha tambm popular em Portugal (79). Tefilo Braga recolheu uma verso que demonstra claramente a procedn-cia da nossa composio:

    Que que , Quanto maior Menos se v? (80).

    Na coletnea Pires de Lima vem consignada uma variante por-tugusa, a que corresponde a frmula norteriograndense:

    Qual a coisa, qual ela . Que, quanto mais cresce, Menos se v? (81).

    Adivinha 21:

    Como exemplo de paralelismo folclrico no Sudo francs foi recolhida uma adivinha do mesmo tipo: "une chose qui mange tout ; si on lui donne de l'eau, elle meurt" (82).

    Adivinha 25:

    Entre as variantes portugusas selecionadas por Pires de Lima vem uma de que se origina, provvelmente, a nossa:

    R. T. Lima, op. cit., ad. 102. Tho. Brando, op. cit., ad. 13, pg. 43. V. do Melo, op. cit., ad. 2, pg. 15. C. Martha e A. Pinto, op. cit., pg. 240. Tefilo Braga, op. cit., pg. 365. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 12, pg. 17.

    (82) D. Lifchitz e D. Pauime, op. cit., pg. 29.

  • 130

    O que , que , Que tem cora e no rei, Esporas, e no cavaleiro, Trabalha no campo E no ganha dinheiro? (83).

    A frmula portugusa mostra que a nossa adivinha no s se simplificou e empobreceu, perdendo os dois ltimos versos, como ainda se deveria dizer "cavaleiro" (e no "cavalo"), para formar sentido.

    Adivinhas 26 e 27:

    Lehmann Nitsche e Ismael Moya consignam a variante ar-gentina:

    De la tierra sali Y a la tierre Al salir sali negro Y al volver volvi colorado (84).

    De la tierra sal, y a la tierra volvi, cuando sal, sal negro, cuando volvi, colorado (85).

    provvel, .pois, que as nossas adivinhas e as argentinas en-contrem uma fonte comum no folclore ibrico.

    Adivinha 28:

    A nossa adivinha em nada difere da verso portugusa:

    Casinha amarela Sem porta nem janela (86).

    Adivinha 30:

    S. A. Oliveira recolheu uma variante dessa adivinha em Ta-nab:

    Est no meio da rua e em cima do cho (87).

    (83). A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 157 e variantes a e .b; acima foi transcrita esta ltima.

    (S4). L. Nitsche, op. cit., pg. 29. I. Moya, op. cit., pg. 88. Tefilo Braga, op. cit., pg. 360; A. C. Pires de Lima, op. cit., ad.

    229, pg. 89. -- S. A. Oliveira, op. cit., ad. 4, pg. 62. O autor observa: "talvez, por

    analogia, o vulgo d ao vocbulo (rua) som nasal e a supe existir um til".

  • 131

    Adivinha 31:

    Pires de Lima consigna as seguintes variantes portugusas (88) :

    Sem mim no havia Deus, Papa sim, cardeal no: A Virgem pode ser Virgem, Mas a donzela, essa no.

    Nasci semelhante ao mundo, Sem ter princpio nem fim: Sem mim no pode haver Deus, Mas rei e prncipes, sim.

    Adivinha 32:

    Em Alagoas e no Rio Grande do Norte o mesmo enigma proposto atravs de outras frmulas:

    Uma pedrinha quadrada. Quer chova. quer faa sol Toda a vida molhada (89).

    Em tbuas estabuladas Tem uma moa encantada: Que o que faa sol, Ela vive esempre molhada (90).

    As verses portugusas que conheo se aproximam mais des-tas variantes brasileiras e, embora se patenteiem alguns pontos de contacto, so bem diferentes da frmula recolhida em S. Paulo:

    Entre trinta e duas pedras brancas Est uma moira encantada, Quer chova, quer faa sol, Sempre est a moira molhada (91).

    Dentro de uma lapinha 'st uma cachopinha: Chove. no chove, 'st sempre molhadinha (92).

    Uma senhorinha Muito assenhoreada; Nunca sai de casa, Sempre est molhada (93).

    . A. C. Pires de Lima, op. cit., ads. 275-276, pg. 105. A. Bezerra, op. cit., pg. 471. . V. de Melo, op. cit., ad. 84, pg. 44. . Tefilo Braga, op. cit., pg. 367. . A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 55, pg. 34. . Idem, ad. 56, pg. 34.

  • 132

    Ao analisar uma das variantes brasileiras da adivinha em questo, Daniel Gouveia transcreveu a verso francesa correspon-dente:

    Qu'est-ce qu est toujours mouill Quoiqu'abrit? (94)

    No' folclore rioplatense esta adivinha ainda se conserva, como em algumas regies do Brasil, dentro do modlo da tradio ib-rica:

    Una seilorita, Muy asefiorada, que siempre anda en coche y siempre est mojada.

    Una seflorita, muy aseziorada, nunca sale de casa y est siempre mojada (95).

    Adivinha 34:

    Em uma variante paulistana, mais maliciosa, acentua-se: sai mole e pingando. sob esta forma que a frmula se aplica a outro enigma, no folclore tanabiense: Entra dura e queimando e sai mole e pingando ("a pimenta, antes e depois de curtida") (96).

    Adivinha 35:

    Esta adivinha de origem portugusa, como se poder infe-rir comparando-a com a seguinte verso lusitana (97) :

    Meia meia meia feita (ou: Uma meia, meia feita) Outra meia por fazer, Diga l minha menina Quantas meias vm, a ser?

    Adivinha 37:

    Uma adivinha sudanesa, que pode ser citada aqui como exem-plo de paralelismo folclrico, prope o mesmo enigma:

    Le propritaire du vestibule ne voit pas son vestibule (98).

    D. Gouveia, op. cit., pg. 124. I. Moya, op. cit., pg. 43.

    (96>. S. A. Oliveira, op. cit., ad. 28, pg. 67. C. Martha e A. Pinto, op. cit., pg. 259: A. C. Pires de Lima, op. cit.,

    ad. 295, pg. 110. Theo. Brando fornece uma variante do norte do Brasil (cf. op. cit., ad. 49, pg. 81).

    D. Lifchitz e D. Paulme, op. cit., pg. 132.

  • 133

    Adivinha 38:

    Daniel Gouveia recolheu, alm de uma idntica nossa, outra variante brasileira que muito vulgarizada em S. Paulo:

    O que , o que , Capelinha branca Sem porta, nem tranca? (99)

    Uma terceira variante paulistana ainda consignada em outra coleo:

    Redondinho, Redondaco, No tem fundo Nem buraco (100).

    Em Tanab circula uma frmula idntica que se incorpora presente coleo:

    Jogando para o ar prata, Caindo no cho ouro (101).

    Todavia, parece que nos folclores paraibano e norteriogran-dense mais vulgar a segunda frmula:

    Uma igrejinha branca Sem trave nem tranca (102).

    Uma igrejinha branca, Sem porta e sem tranca (103).

    Essas adivinhas so de origem portugusa. A variante re-gistrada .nesta coleo encontra, um paralelo na seguinte versa portugusa:

    Qual a cousa. Qual ela, Que branca e, caindo ao cho, Fica amarela? (104).

    No folclore francs essa adivinha se apresenta assim:

    Qu'est-ce qu'on jette blanc et qui retourne jaune? (105)

    D. Gouveia, op. cit., pg. 118. R. T. Lima, op. cit., ad. 34. S. A. Oliveira, op. cit., ad. 8, pg. 63. A. Bezerra, op. cit., pg. 469. V. de Melo, op. cit., ad. 44, pg. 30. Tho. Brando consigna a se-

    guinte composio: Sou redondo como a lua, / Ms em ponto peque-nino; / Sou fmea quando estou nua, / Vestido sou masculino. ("Com casca ovo masculino; sem casca gema e clara femininos"), op. cit., ad. 1, pg. 40. evidente, no entanto, a elaborao erudita dessa "adivinha".

    A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 182, pg. 74. Daniel Gouveia, loc. cit..

    4

  • 134

    A segunda variante ocorre abundantemente nas colees aces-sveis:

    Igreja branca Sem porta nem tranca (106).

    Uma casinha branca Sem porta nem tranca (107).

    Que , ,que , Uma capelinha branca, Sem porta, nem tranca? (108).

    Unha capelifia blanca, sin porta nin tranca (109).

    Quanto terceira variante, Pires de Lima consigna vrias adi-vinhas como esta, aplicadas ao mesmo enigma:

    Redondinho, redondote, No tem fundo, nem batoque...

    Adivinha 39:

    No norte, o mesmo enigma apresentado de forma diferen-te (110). A nossa frmula , provvelmente, de origem portu-gusa:

    Verde como mato, E mato no ; Fala como gente, E gente, no (111).

    Lehmann Nitsche apresenta-a em sua coletnea:

    Verde como el campo, Campo no s; Habla como el hombre, Hombre no S.

    Adivinha 43:

    Eis como formulada "matriz" portugusa da nossa adi,: vinha:

    Qual a coisa, qual ela, Que, antes de o ser, j o era? (112)

    Tefilo Braga, op. cit., pg. 367. C. Martha e A. Pinto, op. cit., pg. 242. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 187, pg. 76. L. Prieto, op. cit., ad. 40, pg. 38. Cf. A. Bezerra, op. cit., pg. 469; e V. de Melo, op. cit., ads. 39 e 40.

    pg. 29. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 167, pg. 70. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 320, pg. 117.

    1

  • 135

    Adivinha 44:

    Em S. Paulo foi registrada uma variante:

    Menina, minha menina, Vai fazer o que Deus mandou, Encostar plo com plo Debaixo do cobertor (113).

    No Rio Grande do Norte, porm, a adivinha sofreu pequenas modificaes, tornando-se mais sinttica:

    O que , o que ? Plo com plo E o pelado dentro? (114)

    Adivinha 45:

    Aplicando-se ao mesmo enigma ("a pimenteira e a pimenta"), circula com forma idntica paulistano em Tanab (115).

    Uma variante muito parecida j foi analisada por Daniel Gou-veia:

    Minha me verde Eu sou encarnada; Minha me mansa Eu sou danada (116).

    Com pequenas diferenas, foi colhida tambm na Paraiba e no Rio Grande do Norte ( 117 ) .

    No sei se a adivinha conhecida, nessa forma, fora do Bra-sil. Em Portugal corre uma verso diversa (118). Tomando co-mo ponto de referncia a composio recolhida por Daniel Gou-veia, afirma enfticamente. Joaquim Ribeiro: "Ora, a origem dessa adivinha negro-africana tambm. Entre os negros de Angola corre a seguinte:

    Kamundele kabuta, katema kiavuli Brancozinho ano qt.r muito bravo

    cuja soluo : Ndungu Pimenta

    R. T. Lima, op. cit., ad. 80. V. de Melo, op. cit., ad. 82, pg. 44. S. A. Oliveira., op. cit., ad. 27, pg. 60. Daniel Gouveia, op. cit., pg. 106. A. Bezerra, op. cit.. p.g. 472; e V. de Melo. op. cit., ad. 71, p.g. 41. .

    (11.8). A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 241, pg. 93: Sou unia velha enear. quilhada. / Neste pais nto fui criada; / Trouxeram-me por tal enge- nho, / Quanto mais me querem, mais eu queimo.

  • 136 --

    No h obscuridade alguma nessa aproximao, que revela, de fato, a origem verdadeira at ento no esclarecida" (119).

    Entretanto, parece-me que a concluso no se impe com ta-manha evidncia. As mesmas dificuldades apontadas acima (cf. notas ,.(livinha 21), precisariam ser removidas, para que a hip-tese est.,:belecida tivesse um fundamento emprico.

    .,,lidivinha 46:

    Em Tanab pergunta-se simplesmente: Anda com os ps na cabea (120). Todavia, no norte se conserva quase idntica variante paulista: o que que anda com os ps na cabea? (121).

    Adivinha 47:

    Em S. Paulo empregam tambm a seguinte frmula: o que e que vai e vem sem sair do lugar Esta variante est mais pr. xima da verso portugusa: Que que vai e vem, sem nunca sair do seu lugar? (122)

    Lehmann Nitsche assinala em La Rioja:

    Juana va, Juana vene, Y en el camino se entretiene.

    Daniel Gouveia, ao estudar a nossa adivinha, cotejou-a com uma verso francesa, fornecida por Rolland: Qu'est-ce qui va vient et ne change pas de 13 -lace?

    Adivinha 48:

    Esta adivinha tambm foi recolhida por Daniel Gouveia (123), No Rio Grande do Norte assume outra forma:

    O que , o que ? QUe s cresce para baixo? (124).

    Adivinhas 49, 50 e 51:

    Uma frmula parecida com a da adivinha 51 foi encontrada em S. Paulo, aplicando-se porm a outro enigma (o "sino - ) :

    No alto mora No alto fica, Todos o ouvem Ningum o adora (125).

    Joaquim Ribeiro, op. cit., pg. 181. S. A. Oliveira, op. cit., ad. 45, pg. 69. V. de Melo, op. cit., ad. 38, pg. 29. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 81, pg. 42. D. Gouveia, op. cit., pg. 105. V. de melo, op. cit., ad. 42, pg. 30. R. T. Lima, op. cit., ad. 48.

  • 137

    Semelhante aplicao da frmula se extende por todo o pas; assim foi a adivinha recolhida pela maioria dos folcloristas que se interessaram pelo assunto:

    No alto, sonora, Enquanto se toca Tudo se adora (126).

    Alto est Alto mora Todos beijam Ninguem adora (127).

    Alto vive, Alto mor, Todos os vm Ninguem o adora (128).

    No alto est, No alto mora, Todos o ouvem, Ninguem o adora (129).

    O entroncamento da segunda adivinha (n. 50) ao folclore ibrico .posto em relvo pela seguinte variante, colhida em Santa F: Siempre anda y nunca se mueve (130).

    A terceira adivinha, enquanto se encarar o assunto do ponto 'de vista das fontes imediatas, de origem portugusa. Joo Ri-beiro, que se dedicou anlise da variante brasileira, cita um tre-cho dos Aplogos Dialogais, de D. Francisco Manoel de Melo, em que o tema j aparece completo: " ... porque diz l um pro-vrbio que a ns outros os relgios todos nos creem, e nenhum nos adora" (131). a seguinte a verso portugusa dessa adi-vinha:

    Alto est, Alto mora; Todos o crem, Ningum o adora (132).

    A adivinha ocorre idnticamente no folclore espanhol:

    Alto me veo Como una mona; Todos me cren Nadie me adora! (133)

    op. cit., ad. 5, pg. 62. (126). A. Oliveira,

  • 138

    E conserva sua forma ibrica no folclore rioplatense:

    Alto vive y alto mora, En el se cre, mas no se adora (134).

    A aplicao da frmula para designar o sino corrente em Portugal e implica algumas alteraes formais (principalmente: "veem", em lugar de "creem") :

    Alto est Alto mora, Todos o veem Ninguem o adora.

    O que , o que , Que alto est e alto mora, E assim que lhe chegam (ou: que lhe batem) Logo chora? (135).

    Alto est, alto mora; todos o vin e nadie o adora (136).

    A variante n. 51 apresenta, no entanto, uma particularidade: conserva-se formalmente segundo o padro da verso lusitana apli-cada ao "sino", embora tenha por fim designar o "relgio".

    Adivinha 52:

    Conforme acima, notas sbre as adivinhas 2 e 3.

    Adivinha 54:

    Em S. Paulo a mesma adivinha apresenta outras variantes:

    Na gua eu nasci, Na gua *me criei, Se na gua me jogarem, Na gua morrerei.

    Fui nascido no mar. No mar eu me criei, Se me botarem no mar Eu ento' morrerei (137).

    L. Nitsche, op. cit., pg. 71. C. Martha e A. Pinto, op. cit., pg. 249; Tefilo Braga, op. cit., pg..

    369; A. C. Pires de Lima, op. cit., pgs. 23-24. Este folclorista con-signa tambm a aplicao da frmula para significar "Deus"; o ter-ceiro verso transforma-se, ento: "... ningum o v..." (cf. ad. 1, pg. 13).

    L. Prieto, op. cit., ad. 42, pg. 38. 11. T. Lima, op. cit., ads. 87 e 232.

  • 139

    No folclore norteriograndense, corre quase com a mesma for-ma que a nossa variante:

    Nasci nagua, Nagua me criei; Se nagua me botarem, Nagua morrerei (138).

    Na coleo Pires de Lima vem uma verso portugusa muita mais completa que as variantes brasileiras:

    Eu fui nascido no mar, Sem ser peixe nem pescdo; Se eu tornar a minha me, Serei logo consumido; Eti vivo s neste mundo, Neste traje descomposto; E, sem cantar, nem bailar, A tudo dou muito gsto; Venho das ondas do mar, Nascido da fresquido; No sou gua, nem sou sol, Trago o tempro na mo (139).

    Adivinha 55:

    Outra variante paulistana:

    que , o que , Deus nunca viu,

    rei v uma vez ou outra, homem v todos os dias (140);

    Daniel Gouveia consigna a mesma adivinha ligeiramente mo-dificada:

    que , que Deus nunca viu, rei uma vez ou outra homem todo dia? (141).

    Em Portugal, a adivinha corre da seguinte maneira:

    Que que Deus nunca viu, rei poucas vzes, ns vemos sempre? (142).

    V. de Melo, op. cit., ad. 13, pg. 19. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 260, pgs. 100-101; cf. variante em-

    nota de rodap e a transcrio de uma passagem referente ao tema, de Francisco Lopes, Passatempo Honesto.

    R. T. Lima, op. cit., ad. 196. D. Gouveia, op. cit., pg. 116. Cf. tambm V. de Melo, op. cit., ad_

    23, pg. 25, e Tho. Brando, op. cit., ad. 12, pg. 75. A. C. Pires de Lima; op. cit., ad. 143, pg. 63.

  • 140

    Um pastor viu na serra o que o sol non pode ver, nin o Papa na sua silla, . nin Dios co seu poder (143).

    Na coleo de Marn consta uma verso castelhana mais com-pleta que ambas (144) :

    Vi el pastor en la montaria Lo que el rey no pudo ver, Ni el pontifice en .su silla Ni Dis con su grande poder Tam poso lo puede ver.

    O mesmo tema se reflete no folclore francs:

    Qu'est-ce qui Dieu ne volt jamais Un roi raretnent? (145).

    Um pouco modificada, com referncia verso espanhola, a mesma adivinha persiste no folclore rioplatense:

    Ve el pastor en su montava Lo que no ve el rey de Espana Ni con todo su poder El mismo Dios no puede ver (146).

    Adivinha 56:

    Em outra coleo, consta uma variante paulistana mais com-pleta:

    O que , o que , Na gua no se molha No fogo no se queima (147).

    Em Tanab dizem simplesmente: passa na gua e no se mo-lha (148).

    Daniel Gouveia registra uma variante brasileira dessa adivi-nha, muito parecida com a variante paulistana citada acima:

    O que , o que , Ngua no se afoga No fogo no se queima? (149).

    L. Prieto, op. cit., ad. 23, pg. 36. F. R. Marn, op. cit., pg. 305. D. Gouveia, loc. cit.. L. Nitsche, op. cit., pg. 58. R. T. Lima, op. cit., ad. 24. S. A. Oliveira, op. cit., ad. 14, pg. 64. D. Gouveia, op. cit., pg. 115.

  • 141

    Contudo, Verssimo de Melo recolheu, no Rio Grande do Norte, uma frmula idntica da presente coleo (150).

    A nossa adivinha de origem ibrica. Marin, por exemplo, consigna uma verso castelhana de que a nossa parece uma tra-duo:

    Que cosa es cosa Que entra en el agua y no se moja? (151).

    Em Portugal a frmula tambm empregada para significar "criana ao colo da me": Quem que passa pela gua e no se molha? (152). J ouvi esta frmula em S. Paulo, com o sentido indicado, mas para designar "a criana na barriga da me".

    Em Salto e em Buenos Aires foram colhidas duas variantes, uma das quais idntica . verso castelhana transcrita nesta nota e, por conseguinte, semelhante nossa:

    Va al campo, no come, Va ai agua, no bebe. Va al fuego. no se quema.

    Una cosa quisicoca Que pasa por el agua y no se moja (153).

    Adivinha 57:

    Conforme acima, nota adivinha 30.

    Adivinhas 59 e 60:

    No folclore norteriograndense o mesmo enigma se apresenta numa variante:

    Que que tem p e corre sem p? (154).

    Esta variante importante: ela completa a nossa composio 59, tornando mais inteligvel sua relao com a verso inclusiva portugusa:

    Que , que . Que corre, corre. Sem ter ps: D-te na cara E no no vs? (155).

    V. de Melo, op. cit., ad. 7, pg. 17. F. R. Marin, op. cit., pg. 302. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 267, pg. 102. L. Nitsche, op. cit., pgs. 98 e 99. V. de Melo, op. cit., ad. 15, pg. 21. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 15, pg. 18.

  • 142

    A variante 60 encontra, por sua vez, um paralelo em outra verso portugusa:

    Qual a coisa, qual ela, Que entra pela porta E sai pela janela? (156).

    Pires de Lima consigna uma verso castelhana, que ainda se reflete profundamente nas variantes rioplatenses do tipo da nossa:

    Vuela sin alas, Silba sin boca, Azota sin manos, Y tu ni lo ves, ni lo tocas (157).

    Vuela sin alas, Silva sin boca, Y no lo ves ni lo tocas (158).

    Que s? Que s? Te da en la cara y no lo ves! (159).

    Adivinha 61:

    Variante norteriograndense:

    que que anda, anda, vai parar detraz da porta? (160).

    Entre as variantes portugusas reunidas por Pires de Lima, suponho que a frmula corrente em S. Paulo se assemelha mais seguinte:

    que que corre a casa tda e vai pr-se a um canto? (161)

    Ao analisar esta adivinha, Daniel Gouveia lanou mo de uma verso francesa: Qu'es-ce qui fait le tour de la chambre et revient toujours dans son petit coin? (162).

    Adivinha 62:

    Essa adivinha registrada do mesmo modo por Sebastio Al-meida Oliveira (quanto ao folclore tanabiense) e por Verssimo de Melo (quanto ao folclore norteriograndense); em castelhano:

    (156) . Idem, ad. 16, pg. 19. Loc. cit., nota de rodap. L. Nitsche, op. cit., pg. 33. I. Moya, op. cit., pg. 41. V. de Melo, op. cit., ad. 125, pg. 56. Op. cit., pg. 44, nota 3 ; cf. tambm ad. 87. D. Gouveia, op. cit., pg. 126.

  • 143

    Por qu entram los perros en las iglesias? Porque hallan las puer-tas abiertas (163).

    Adivinha 65:

    A mesma "pergunta" formulada de outra maneira no Rio Grande do Norte: Porque a ona pintada no pega meni-nos? (164).

    Adivinha 66:

    Joo Ribeiro estuda um "problema" desta espcie (um homem precisa transportar de barco um repolho, um lobo e uma cabra ou ovelha). A soluo a mesma (165). Pires de Lima fornece a verso portugusa (166).

    Adivinha 70:

    Existe uma adivinha portugusa em que o enigma proposto da seguinte maneira:

    Duas mes e duas filhas Vo missa com trs mantilhas... ("me, filha e neta") (167).

    4 AS ADIVINHAS E A MUDANA SOCIAL:

    As notas coligidas na terceira diviso dste trabalho possuem um alcance modesto: elas param por assim dizer onde deveria co-mear a anlise folclrica: prpriamente dita, nos limites do reco-nhecimento das chamadas fontes imediatas das adivinhas recolhi-das. Entretanto, quaisquer que sejam suas limitaes, elas pelo menos propiciam uma parte do conhecimento necessrio para o exame sociolgico das adivinhas (168). Em trmos gerais, a ques-

    S. A. Oliveira, op. cit., ad. 85, pg., 75; V. de Melo, op. cit., ad. 140, pg. 63: a verso castelhana transcrita fornecida por Lus da C-mara Cascudo, no prefcio da obra d verssimo de Melo. Afirma que a pergunta conhecida na Espanha e na Amrica espanhola (op. cit., pg. IV); a variante em questo foi recolhida por Alden Mason em Prto Rico. Amadeu Amaral transcreve a verso italiana dessa adi-vinha (cf. op. cit., pg. 280).

    V. de Melo, op. cit., ad. 151, pg. 64. J. Ribeiro, op. cit., cap. XXVIII. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 310, pg. 114. A. C. Pires de Lima, op. cit., ad. 308, pg. 114. Alguns problemas sociolgicos, provvelmente os mais interessantes do

    ponto de vista da contribuio de pesquisas dste gnero sociologia, no sero discutidos aqui. O exame dles depende da manipulao dos resultados da investigao de outros setores do folclore paulistano e s poder ser tentado com xito quando reunir em um s volume os estudos que venho realizando.

  • 144

    to que se coloca a seguinte: as adivinhas no existem por si e para si, mas como realidades anmicas, que se integram dinmica-mente no comportamento humano, constituindo por isso uma fun-o dos processos que preservam ou modifiCam 'as estruturas so-ciais. A sociologia dispe de vrios "meios" para a abordagem destas realidades. Depende, porm, da anlise folclrica: 1) para selecion-las empiricamente, como e enquanto objetivaes cultu-rais com funo especfica; 2) para situar concretamente suas co-nexes com as estruturas sociais. Segundo suponho, o conheci-mento obtido at agora, convenientemente completado atravs da: prpria anlise folclrica, faculta-nos ambas as coisas.

    Quanto ao primeiro tpico, a anlise folclrica mostra que-59 das 72 composies recolhidas se integram realmente ao fol-clore brasileiro. Isso porque pe em evidncia a sua repetio em . S. Paulo ou em outras regies do Brasil, e porque sugere os con-tactos da maioria delas com as adivinhas do folclore ibrico, em. particular com as portugusas. Ainda assim, das 13 restantes so-mente 6 suscitam dvidas quanto ao grau de repetio ou de ge-neralizao e provvel filiao (as de nmero 19, 20, 33, 35, 58 e 68); provvel que as demais (29, 40, 41, 42, 63, 64 e 69), exa-minadas luz de uma documentao comparativa mais rica, apre-sentem os mesmos caracteres que as 59 adivinhas, de cunho fol-clrico indiscutvel. No entanto, restringindo as inferncias a es-tas 59 adivinhas, observa-se:

    que as adivinhas consignadas nesta coleo, em sua maio-ria, foram transplantadas da Europa para o Brasil, freqentemente atravs de verses lusitanas;

    que a transformao delas tem atingido, sobretudo, a es-trutura formal das composies;

    que a sse processo cultural de transformao da estru-tura das adivinhas se associa um subprocesso de elaborao e de-multiplicao de variantes;

    que a transformao formal no chegou a ser to pro-funda a ponto de determinar uma reformulao verbal dos enigmas propostos nas verses ou variantes originais; grosso modo, reduz-se a "perdas" ou "substituies" parciais;

    que o processo de transformao formal, via de regra.. tem se refletido muito pouco na alterao do contedo ou da signi-' ficao das adivinhas;

    e, por fim, que a persistncia relativa da estrutura for-mal das adivinhas e a conservao quase normal de suas signifi-caes se explicam pela coerncia das mesmas com o contexto cul-tural do meio social ambiente.

    A comparao das colees globais ainda deixa margem para outra inferncia, que completa as duas ltimas observaes (em.

  • 145

    particular a sexta). Os temas dominantes nas colees de adivi-nhas brasileiras e portugusas agrupam-se em trno de centros de in .tersse comuns. Todavia, h.temas freqentes nas colees por-tugusas que se repetem em colees relativas ao folclore nordes-tino, embora no surjam nas colees concernentes ao Rio de Ja-neiro e a S. Paulo, e vice-versa. Segundo suponho, isso indica que o decantado "empobrecimento" das tradies portugusas, transplantadas para o Brasil, constitui primordialmente um dos efei-tos dos processos seletivos, atravs dos quais aquelas tradies fo-ram integradas ao nosso folclore. Muitas adivinhas no se incor-poraram ao folclore brasileiro em virtude de seus prprios temas; certas plantas e as frutas correspondentes, muitos artefatos e tc-nicas, bem como vrias atividades econmicas e sociais, no se transferiram para a nossa cultura, apesar da colonizao portugu-sa. As adivinhas cujos temas se associavam a tais assuntos per-deram, evidentemente, o ponto de referncia concreto que lhes dava sentido. Se chegaram a ser transplantadas para o Brasil (a do-cumentao conhecida nada esclarece a respeito), tornaram-se ana-crnicas e desapareceram, em sua maioria, do nmero de tradies portugusas que se perpetuaram em nosso folclore.

    Doutro lado, a seleo das adivinhas (como a de outros va-lores, transmitidos pelos portuguses) no se processou de modo uniforme. As condies naturais, a flora, a fauna, as atividades de produo e de consumo, a vida social em muitos de seus aspec-tos, variam notavelmente do norte para o sul; de modo que cer-tas tradies portugusas, que acharam meio propcio sua trans-plantao e perpetuao em certas regies do Brasil, no o encon-traram em outras. Isso contribui para explicar, com relao s adivinhas de origem ibrica, as diferenas existentes entre as cole-es de adivinhas organizadas no norte e no sul do pas. Alm disso, as condies do referido processo de seleo e, em conse-qncia, os seus efeitos tm se alterado continuamente, em cone-xo com as transformaes sociais que afetaram a estrutura e a organizao das comunidades brasileiras. Em outras palavras, a transferncia e a integrao de adivinhas de origem ibrica aos folclores regionais do Brasil no poderiam assegurar a perpetua-o delas, a qual depende da atuao de outros processos sociais e culturais. Como a natureza e o rtmo das transformaes sociais atingiram de modo e em grau desiguais as nossas comunidades rurais e urbanas, a preservao das tradies portugusas trans-plantadas tambm se processou de forma heterognea. Isso quer dizer que o decantado "empobrecimento" crescente da herana cul-tural ibrica resulta, secundariamente, das imposies ou dos im-pactos da mudana social. As diferenas globais existentes entre as colees de adivinhas brasileiras j publicadas, no que concerne aos temas dominantes e ao grau de estabilidade cultural, ficam in-teligveis quando encaradas dste angulo.

  • 146

    Tdas as consideraes ocasionadas pelos resultados da an-lise folclrica das adivinhas, desenvolvida na terceira parte dste trabalho, esto, como se v, confinadas aos aspectos estticos dos fenmenos interpretados. Pois elas apenas focalizam o montante das adivinhas que possuem determinada origem, e procuram ex-plic-lo por meio da interpretao das causas e das condies da preservao das adivinhas no Brasil. Duas concluses relevantes e essenciais so postas em evidncia: a) a quase totalidade das adivinhas recolhidas em S. Paulo lana suas razes no folclore ib-rico; b) considervel o grau de estabilidade cultural revelado pela anlise folclrica das adivinhas em questo. Semelhante maneira de encarar o assunto no permite ir alm da constatao geral de que as adivinhas paulistas conservam, em sua maioria (quasi 80% da presente coleo), a forma e a significao de suas matrizes europias, apenas alteradas parcialmente.

    Mas, no haveria outra maneira de encarar o assunto, que permitisse interpretar os mesmos fenmenos de um ngulo mais dinmico? Dentro do esprito do segundo quesito, os folcloristas so levados a concentrar sua ateno no modo de manifestao das tradies no comportamento humano. Pksim, em vez de um inventrio das adivinhas e de suas origens, tratam de indagar quais so as pessoas que as "contam" e como as "contam". Examinan-do-se a questo desse ngulo, verifica-se que a forma de integra-o das adivinhas a vida social tem se modificado profundamente em S. Paulo. A documentao imprica disponvel no favorece uma discusso completa dste problema. Contudo, possvel lan-ar alguma luz sbre le, utilizando a anlise folclrica compara-tivamente.

    Embora a documentao relativa ao folclore paulistano no passado no contenha indicaes sbre a forma de integrao das adivinhas vida social, sabe-se como ela se processava em outras regies do Estado. Em Tanab, por exemplo, as adivinhas so propostas pelos caipiras e camponeses " . quer nos seres para destalar fumo, noite; quer nos mutires para barrear casa, plan-tar roa e limpar os "mantimentos"; em todos os servios feitos em conjunto para matar o tempo entram em ao as perguntas e adivinhaes: Tambm em viagens, a p e a cavalo, e at mesmo em noites de velrio, guardando defunto; nas horas de descanso habitual, dentro e fora da habitao, em tda a parte, em suma, tm cabida como entretenimento, jgo de esprito e passatempo..." (169). Essas informaes so muito esclarecedoras, mas j apa-nham as adivinhas em uma fase de transio e de mudana social. A introduo do elemento profano no velrio seria, verbi gratia, uma prtica recente; Almeida Prado, tratando do assunto com re-

    (169). S. A. Oliveira, op. cit., pg. 61.

  • -- 147

    lao ao folclore do sul do Estado, assevera de passagem que ela data "de uns vinte anos para c" (170). Todavia, as informaes de Almeida Oliveira sugerem que as adivinhas penetravam com-pletamente a vida social dos "caboclos", incorporando-se s prin-cipais situaes sociais vividas pelos indivduos adultos em uma sociedade de "folie'.

    Pode-se acrescentar s suas indicaes certos dados forneci-dos por Lencio de Oliveira, que demonstram a integrao das adi-vinhas a tipos de ao ldica fundamentais da "cultura cabocla". O conto "O Violeiro de So Gonalo" contm uma descrio do desafio entre o devoto e o diabo, no qual so propostos dois enigmas:

    "No requer Devoto intervalo para a pergunta: Pra to forte cantador No farei pergunta ata; Qual a nica coisa Que tem no inferno e que ba?

    Retorquiu o folgador:

    Qual a nica coisa Que tem no inferno e que ba? Pois o que ningum tem Enquanto a hora no soa.

    E num riso sarcstico perguntou:

    Agora tambm me diga Que h no cu e que presta? Olhe, foi pra l levada Por santo amigo de festa.

    Tem oria, no gente; Cintura, sem ser mui; Salua sendo de pu; Me diga, apois, o que ?

    Devoto no se fz esperar:

    Lhe digo j o que : Primeiro, tudo no cu, Tudo presta, porque santo De se tirar o chapu.

    Sua pergunta sem geito Com bons modos eu lhe canto. Vanc qu se arrefir

    viola do meu santo" (171).

    Jos Nascimento de Almeida Prado, Trabalhos Fnebres na Roa, pgs. 27-28.

    Lencio C. de Oliveira, Vida Roceira, pgs. 70-71.

  • 148 --

    A mesma fonte consigna um dos pontos das cantigas de de-safio:

    Folgador que estaes folgando, No meu ponto tome tento: Me diga se fr bom mesmo, Quem corre mais do que o vento?

    No pergunte coisa fcil, Isso ponto de criana. Quem corre mais do que o vento, J lhe digo: a lembrana (172).

    A documentao relativa incorporao das adivinhas aos au-tos populares e ao desafio muito abundante, especialwente no que concerne ao norte do pas; dela extra alguns exemplos, para apresentar aqu. No auto do Bumba meu Boi, o advogado per-gunta:

    Responda ao que lhe pergunto E no me fique calado: O gado comeu a roa Ou a roa comeu o gado?

    E o capito responde:

    Nem o gado comeu a roa, Nem a roa comeu o gado. Mandei chamar o doutor, Porque estou atrapalhado! (173).

    A mesma fonte consigna a seguinte "adevinhao" desafio:

    1. cantador

    Cantador, se s to danado, Me destrinche esta tambm: Duzia e meia de cangalhas Quantos cabeotes tem?

    L. C. de Oliveira, op. cit., pgs. 47-48. Outro exemplo de integrao de adivinha, ao desafio, cf. Jos A. Teixeira, Folklore Goiano, pg. 318. Seria conveniente mencionar tambm os "pontos" que os jon-gueiros cantam. Eles apresentam urna forma parecida das adivi- - nhas ; embora alguns dles possam ser classificados entre as adivi-nhas, no entanto, os pontos do jongo se distinguem destas por seu carter circunstancial e peculiar : so extraidos de acidentes da vida cotidiana, pelos jongueiros, e uma vez decifrados caem no olvido. Al-ceu Maynard de Araujo, que me deu estas informaes, adianta tam-bm que o proponente do "ponto" conhecido como seu "dono" e co-mo "galo", quando o "ponto" difcil (veja-se tambm Jongo, pg. 49).

    Gustavo Barroso, Ao Som da Viola, pg. 283.

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    2. cantador

    Canta o galo no poleiro, Grita o moc no serrote, Urra o touro na malhada, Rincha o pai d'gua no lote: Duzia e meia de cangalhas Tem trinta e seis cabeotes! (174).

    Rodrigues de Carvalho e Cmara Cascudo reuniram diversos desafios em que "adevinhaes" so aproveitadas pelos cantadores:

    "Sales

    O senhor to sabido, Me destrinxe esta conta: Vinte e cinco guardanapos, Dois vintem em cada ponta.

    Neco

    Sales, eu distrinxarei Como bem me parecer, Doze patacas e meia, Quatro mil ris vem a ser (175).

    Esta adivinha de origem portugusa e dela apresenta Pires de Lima duas variantes (176).

    Desafio de Manuel Riacho com

    Senhor Manuel do Riacho, Que comigo vem cantar, O que que os olhos vm Que a mo no pode pegar? De pressinha me responda, Ligeiro sem imaginar.

    Maria Tebana (177):

    Gustavo Barroso, op. cit., pg. 570. Esse aproveitamento da "adevi-nhao" no canto de desafio muito comum. Mesmo na literatura de cordel se encontra exemplos: cf. verbi gratia, J. Grataqus, Lam-peilo Sanguinrio, a descrio do desafio entre Antnio Riacho e "Ch Perigoso". pg. 45.

    Rodrigues de Carvalho, Cancioneiro do Norte, pgs. 237-238. A. C. Pires de Lima, op. cit.: / Quatrocentos guardanapos / Seis vin-

    tens em cada ponta; / Menina, que to fina, / Faa-me l essa conta (ad. 302, pg. 111); Quatrocentos guardanapos, / Que eu tenho no meu tesouro, /. Seis vintens em cada ponta, / faz quantas moedas de ouro? (Ad. 304, pg. 112). Elas ocorrem em Portugal tambm em can-tigas de desafio (cf. adiante, nota de rodap 186). Luis da Cmara Cascudo trata dessas' "perguntas" e consigna em nota de rodap duas variantes brasileiras mais prximas das verses lusitanas (cf. Vaquei-ros e Cantadores, pg. 157).

    R. de Carvalho, op. cit., pgs. 247-249; transcrevi integralmente o de- ' safio, porque construido tendo por base exclusiva as "adivinhaes" e as "respostas". Luis da Cmara Cascudo associa a segunda per- - gunta s adivinhas portugusas transcritas na nota anterior e s suas variantes brasileiras. A ltima, cuja soluo camaleo, encontra-se na coleo V. de Melo (ad. 29, pg. 27).

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    Voc, Maria Tebana, Com isso no me embaraa, Pois o sol, e / a lua, Estrela, fogo e fumaa, Ligeiro lhe respondo, Se tem mais pergunta faa.

    Senhor Manuel do Riacho, Torno outra vez perguntar: Quatrocentos bois correndo, Quantos rastos deixar? Tire a conta, d-me a prova, Depressa, p'ra eu somar.

    Bebend n'uma bebida, Comendo tudo num pasto, Dormindo numa malhada, So mil seiscentos rastos: Some o ponto, tire a prova, Que dste ponto no fasto.

    Leo sem ser de cabelo, Cama sem ser de deitar, De todos os bichos do mato, Entre tudo o que ser? Depressa voc me diga, Sem a ningum perguntar.

    Voc, Maria Tebana, Nisto, no me d lio; Pois um bicho estamento, Chamado camaleo, Que sempre vive trepado, Poucas vzes vem ao cho.

    c) Desafio de Zefinha do Chaboco com Jernimo do Jun-queiro (178) :

    isso mesmo, Gerome, O senhor sabe cant; Qual foi o bruto no mundo Que aprendeu a fal, Morreu chamando Jess. Mas no pde se salv?

    Isso nunca foi pergunta Pra ninguem me pergunt: Foi o Papagaio dum veio Qu'ele ensinou a fal; Morreu chamando Jess Mas no pde se salv...

    (178). L. da Cmara Cascudo, Vaqueiros e Cantadores, pg. 156; s trans-crevi um "pergunta" e a "resposta" correspondente.

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    Essa adivinha consta de duas colees do folclore nordestino (179) e, provvelmente, de erigem ibrica (180).

    d) Desafio de Chica Barrosa com Jos Bandeira (181) :

    Sim-sinh, seu Z Bandeira, J vejo que sabe l; Pelo ponto que eu t vendo Inda capaz de dizer

    que que neste inundo homem v e Deus no v?

    Barroza, os teus ameao Eu no troco pelos meus;

    home v outro home Mas Deus no v outro Deus.

    Sbre esta adivinha, conforme acima, notas composio pau-listana nmero 55 (pgs. 169-170).

    Alm de utilizar as adivinhas nos cantos de desafio, os can-tadores tambm as recitavam isoladamente; Cmara Cascudo trans-creve a seguinte "adivinhao", que foi recitada, em Campina Gran-de, por Bernardo Cintura (182)':

    Um homem houve no mundo Que sem ter culpa morreu, Nasceu primeiro que o pai, Sua me nunca nasceu, Sua av esteve virgem At que o neto morreu...

    Esta adivinha, cuja resposta Ado, est incorporada em sua forma tradicional coleo Tho. Brando (183) e de origem europia, como indica Cmara Cascudo (184).

    sses exemplos mostram que o aproveitamento das adivinhas nos cantos de desafio constitui uma tcnica, nada tendo de pe-culiar ou de pessoal. A elaborao pessoal s se manifesta na maneira de entrozar as adivinhas ao canto e de formular as res-postas. Alis, o emprgo desta tcnica documentado para v-

    Cf. A. Bezerra, op. cit., pg. 409: Criatura que nunca pecou, / Nem pretende pecar, / Chama por Jess Cristo / E nunca se h de salvar. E V. de Melo, op. cit., ad. 39, pg. 29: Verde foi meu nascimento / me ensinaram a falar ; / Eu chamei tanto por Deus / E no pude me salvar?

    L. da Cmara Cascudo transcreve uma verso castelhana, corrente em Prto Rico, cujo significado . cotorra: Una que nunca peco, / Ni supo qu fu pecar, / Mori llamando a Jesus / no su pudo salvar (op. cit., pg. 156, nota de rodap).

    081). L. Cmara Cascudo, op. cit., pg. 157. L. Cmara Cascudo, op. cit., pg. 159. Tho. Brando, op. cit., ad. 25, pg. 45: Era um homem neste mun-:

    do, / Quase sem culpa morreu, / O pai le nunca viu, / A me nunca conheceu, / A av julgou-se em vida (?) / At que o neto morreu

    (Resposta: "Ado e a Terra"). Cf. Anlise que Cmara Cascudo procede, op. cit., pgs. 159-160. im-

    portante assinalar o. papel desempenhado pelo romance "Histria da . Donzela Teodora" na dissiminao da adivinha.

  • 152

    rias sociedades. Lowie se refere sua existncia em sociedades tri-bais (185); e os folcloristas observaram-na freqentemente, por sua vez, em sociedades de folk de pases civilizados. Em Portu-gal, por exemplo, muitas cantigas de desafio so glosas de adivi-nhas (186); a comparao de colees de cantigas de desafio lu-sitanas com os "desafios" nordestinos sugere no s que a tcnica foi transferida do folclore portugus para o brasileiro, mais ainda que algumas composies portugusas, mais ou menos modificadas, se conservaram no norte do Brasil.

    A anlise folclrica deixa entrever, atravs do material ex-posto, duas seqncias caractersticas no desenvolvimento social das adivinhas brasileiras ( que so, bvio, as duas seqncias evolutivas que exprimem a prpria transformao social do folclore brasileiro considerado como um todo). Uma, em que as adivinhas fazem parte das situaes sociais de vida como uma realidade di-nmica, ao mesmo tempo plstica e ativa; elas atuam plenamente, ento, como uma fra social construtiva e constituem uma das ma-nifestaes mais conspcuas do saber popular. A exteriorizao das adivinhas, apesar do sinete da tradio, no tolhe as elabora-es pessoais, o fluxo do pensamento individual e da imaginao_ criadora dos atores ou agentes. E para algumas personalidades, como por exemplo os cantadores do nordeste, as adivinhas se lo-calizam em uma esfera de competio da cultura, graas ao fato de serem uma fonte de prestgio social. Na outra seqncia, as adivinhas continuam a penetrar extensamente as condies de exis-tncia social, impregnando o contedo e o teor das relaes sociais. Mas se ossificam e agem como uma fra social construtiva ape-nas em um sentido conservativo. As adivinhas ganham em fixidz de forma e de significao, comprometendo-se porm a parte de seu contexto subjetivo que emana da expresso de anseios, de emoes e de idias dos agentes ou atores. Quebrada a unidade entre o ritmo de vida psquica e o ritmo de vida social, antes ga-rantida pela vigncia plena das tradies, elas se reduzem progres-sivamente a um expediente destinado a manter o tonus eufrico do convvio social. Segundo uma fonte citada acima, ento as adi-vinhas se transformam em um meio de matar o tempo, tanto para os adultos quanto para as crianas (187). Em sntese, as duas

    Cf. Robert H. Lowie, Cultural Anthropology, pg. 171. Cf. Augusto Csar Pires de Lima, Estudos Etnogrficos, Filolgicos

    o Histricos, vol. III (Tradies Populares de Santo Tirso), pg. 380--385, especialmente composies de nmero 12, 16, 17 e 10; e vol. IV, parte relativa ao Cancioneiro Popular de Cabeceiras do Basto, pgs. 201-203, especialmente as cantigas de desafio sob nmero 1.

    O exemplo em questo/ se refere a uma cidade rural de S. Paulo (cf. acima, pg. 146). Mas esse processo tem ocorrido em outras regies, e um folclorlsta do Rio Grande do Norte que escreve: "No serto, nas pequenas cidades do interior, dizer adivinhas ainda interessante pas-satempo. H pessoas privilegiadas, que sabem tdas as respostas, de-cifram todos os enigmas, por mais intricados que paream" (Verssi-mo de Melo, op. cit., pg. 10; o grifo meu).

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  • 153

    seqncias representam pocas distintas nas transformaes de um mesmo tipo scia' o da sociedade de folk; todavia, a ltima se-qncia corresponde a uma fase estrutural em que se engendra um novo estilo de vida na organizao da sociedade de folk, em con-seqncia da transio incipiente para uma forma social urbana (188).

    As adivinhas recolhidas em S. Paulo correspondem, por sua forma de integrao vida social, a uma dessas pocas de trans-formao social do folclore brasileiro? Algumas evidncias reve-lam que as adivinhas paulistanas, tal como ainda so formuladas, constituem resduos culturais (ou "sobrevivncias") da cultura de folk em desintegrao e que, nesse sentido, elas seriam os ltimos vestgios do estado de semelhantes realidades culturais na segunda seqncia evolutiva por que passou o folclore brasileiro. A con-servao de certas adivinhas, cujos temas se tornaram anacrnicos em um meio social urbano, o grau de ossificao da estrutura for-mal e do significado das composies em apreo e por fim a res-trio de sua funo recreativa s relaes circunstanciais dos in-divduos, eis os principais argumentos dessa interpretao. O pr-prio processo da preservao de tais adivinhas se explicaria social-mente atravs da demora cultural, graas ao carter recente da -urbanizao de S. Paulo e composio heterognea de sua popu-lao, em que os contingentes brasileiros dominantes so. de pro-cedncia rural. Entretanto, a forma de integrao das adivinhas. vida social urbana e a prpria persistncia delas neste meio le-vantam questes que no podem ser respondidas satisfatriamente do ponto de vista indicado. A idia de "inrcia cultural" lana alguma luz sbre tais questes, sem explicar exatamente tudo: em

    (188) Tomando-se o termo poca, no sentido em que fale empregado por F. Tnnies (cf. Communaut et Socit, apndice, itens VII e VIII, esp. pgs. 238-240). Convm notar, no entanto, que as seqncias evoluti-vas concebidas por Tnnies em trmos de pocas da era da comunidade (sociedade de folk, neste trabalho); no se evidenciam com a mesma nitidez no Brasil; segundo suponho porque: 1) as condies de exis-tncia social, em virtude principalmente das formas de adaptao de-senvolvidas, inclusive atravs da escravido dos ndios e dos africa-nos, e da natureza do sistema econmico que as suportava, no favo-receram a transferncia integral do padro de organizao comunitria das sociedades campesinas europias para o Brasil; 2) em conseqn-cia, a evoluo das sociedades de folk apresenta tendncias peculiares no Brasil (e provavelmente em outros pases latino-americanos) : a) permanncia relativa maior de uma das duas pocas da era comuni-tria; b) transio quase abrupta para as formas sociais da vida ur-bana (era da sociedade, segundo Tnnies). Infelizmente, R. Redfield, que tratou de problemas desta espcie com referncia a Yucatan (M-xico), no se interessou por questes como estas (cf. esp. Yucatan, cap. XII).

    provvel que se consiga explicar, orientando a pesquisa socio-lgica neste sentido, as conexes mais profundas do folclore brasileiro com as estruturas em mudana eu em desintegrao das sociedades de folk e com as estruturas em formao das sociedades urbanas. Em particular, possivel que se descubra, assim, as condies e as cau-sas de dois fenmenos que atraem a curiosidade dos especialistas: a ossificao precoce do folclore em zonas rurais em crescimento e a conservao tardia, ainda que como sobrevivncia, das tradies po-pulares em zonas urbanas.

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    particular, ela no esclarece porque a tcnica de formulao de enigmas verbais persiste em uma forma social urbana (ou em ur-banizao). Se as adivinhas fazem parte de uma herana cultural, bvio que elas devem representar de algum modo o passado de-que se originam; restaria saber, porm, se a utilizao delas no responde a necessidades sociais e se, sob esse aspecto, elas no seriam mais do que meras "sobrevivncias" culturais.

    Comparadas s duas pocas esboadas acima, a forma de in-tegrao das adivinhas paulistanas vida social: 1) distingue-se do que acontecia na primeira, porque elas se despojaram do signi-ficado existencial, que lhes era imprimido pela atualizao, po-tico-dramtica, em situaes grupais de vida; 2) caracteriza-se diante do que ocorria na segunda, porque elas atingiram em grau muito maior o carter de "passatempo" individualizado e so pos-tas em prtica em nmero restrito de situaes sociais. A difuso social das adivinhas continua a ser considervel: embora a pre-sente coleo no o aparente, so raros os habitantes da cidade que no possuam seu pequeno repertrio, ou que no se recordem do significado de uma poro delas. Todavia, as flutuaes liga-das com o sexo, a idade e o status social dos indivduos so rele-vantes. Os crculos dentro dos quais elas so mais conhecidas e em que so praticadas com maior intensidade, so" os constituidos: pelas crianas e adolescentes. Entre os adultos, constatei que as mulheres conhecem, em geral, maior nmero de adivinhas do que os homens; as diferenas esto condicionadas, no entanto, pela posio social, pois o intersse dos adultos pelas adivinhas pe-queno na "alta sociedade", aumentando progressivamente me-dida que se passa para as "classes mdias" e para as "camadas populares".

    Quanto ao modo de exteriorizao, as adivinhas so propos-tas realmente como enigmas entre as crianas e adolescentes. A ex-pectativa do proponente que o interlocutor (ou um dos interlo-cutores) descubra por si mesmo a ''resposta". Nesse sentido, a, situao criada se aproxima do padro tradicional das relaes dos participantes na formulao das adivinhas. So numerosas, dou-tro lado, as .oportunidades dos imaturos para "brincar de adivi-nha": quando crianas, nos encontros fortuitos ou regulares ao ir para a escola ou no recreio, em casa, mas principalmente nos gru-pos de folguedo (como as "trempinhas" e as "trocinhas"); quan-do rapazes, particularmente nas conversas na rua (gupos conge-niais) e nos clubes de bairro. J entre os adultos, a e