Florística e Estrutura Do Componente Arbóreo de Remanescentes

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  • 7/25/2019 Florstica e Estrutura Do Componente Arbreo de Remanescentes

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    Resumo

    A Mata Atlntica do mdio rio Doce considerada uma das formaes vegetais mais ameaadas de Minas Gerais,

    devido intensa destruio ocorrida no passado. As florestas encontradas representam a nica fonte de informao

    sobre a vegetao da regio. O objetivo deste estudo foi caracterizar algumas comunidades arbreas do Parque Estadual

    do Rio Doce e de fragmentos do entorno quanto estrutura, composio, similaridade florstica e distribuio das

    espcies. Foram estudadas seis reas usando o mtodo de ponto quadrante. Em cada rea foram amostrados 70 pontos

    tomando-se as medidas de circunferncia (> 15 cm) e altura das rvores. No total foram identificadas 61 famlias, 195

    gneros e 373 espcies. O nmero de famlias variou de 30 a 36 por rea de estudo e o de espcies de 80 a 101. Asimilaridade florstica (Jaccard) entre as reas variou de 6,3 a 24,1 %, mostrando serem as florestas bastante distintas.

    Houve correlao significativa (CCA) entre a distribuio de espcies e as variveis de solo. Os ndices de diversidade

    de Shannon (H) variaram de 3,66 a 4,10. O valor mediano dos dimetros variou de 8,0 a 10,9 cm e o das alturas de 7,0

    a 10,0 m. A heterogeneidade florstica encontrada no Parque Estadual do Rio Doce e nos fragmentos do entorno refletiu

    o histrico de perturbaes e a influncia dos fatores edficos na distribuio das espcies arbreas no mdio rio Doce.

    Palavras-chave: comunidade arbrea, fitossociologia, heterogeneidade.

    Abstract

    The Atlantic Forest of the middle Rio Doce is considered one of the most endangered vegetation of Minas Gerais,

    because of intensive destruction occurred in the past. The forests are the only sources of information of the original

    vegetation in the region. The aim of this study was to characterize the floristic composition, structure, floristic similarity

    and the species distribution of the forest community from Rio Doce state park and neighboring areas. We studied six

    sites, using the point-centered quarter method. In each area, we sampled 70 points, and measured circumference (> 15

    cm) and height of trees. We found 61 families, 195 genera and 373 species. The number of families varied from 30 to

    36 for study area and, the number of species from 80 to 101. Floristic similarity indexes (Jaccard) among areas ranged

    from 6.3 to 24.1 %, showing that the areas were very different. There was significant relationship between species

    distribution and soil variables. Shannon Diversity Indexes varied from 3.66 to 4.10. The median diameter varied from

    8.0 to 10.9 cm and the height from 7.0 to 10.0 m. The floristic heterogeneity seems to reflect the disturbance history

    and the influence of soil factors in the distribution of tree species in the middle Rio Doce.

    Key words: tree community, phytosociology, heterogeneity.

    Florstica e estrutura do componente arbreo de remanescentesde Mata Atlntica do mdio rio Doce, Minas Gerais, BrasilFloristic and structure analysis of a tree component in remnants of Atlantic forestin the Middle Rio Doce, Minas Gerais, Brazil

    Glauco Santos Frana1,3

    &Joo Renato Stehmann2

    Rodrigusia 64(3): 607-624. 2013

    http://rodriguesia.jbrj.gov.br

    1Parte da tese de Doutorado Ps-Graduao em Biologia Vegetal, ICB, UFMG.2Universidade Federal de Minas Gerais, Inst. Cincias Biolgicas, Depto. Botnica, Av. Antnio Carlos 6627, 31270-110, Belo Horizonte, MG, Brasil.3Autor para correspondncia: [email protected]

    Introduo

    A Mata Atlntica e seus ecossistemas associadoscobriam originalmente uma rea de 1.110.000 km2,que correspondia a aproximadamente 15% doterritrio brasileiro (Fundao SOS Mata Atlntica/INPE/ISA 1998). O processo de ocupao do Brasillevou a drstica reduo de sua cobertura vegetal e

    calcula-se que 88,27% da Floresta Atlntica originaltenha sido perdida, restando hoje 11,73% (16.377.472ha) de vegetao remanescente, disposta de maneiraesparsa ao longo da costa brasileira e no interiordas Regies Sul e Sudeste, alm de importantesfragmentos no sul dos estados de Gois e Mato Grossodo Sul e no interior dos estados do Nordeste (Ribeiro

    Este artigo possui material adicional em sua verso eletrnica.

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    et al. 2009). Em Minas Gerais, a porcentagem decobertura florestal natural em relao rea doestado foi reduzida de 46%, em 1500, para apenas9,64% (2.624.626 ha) em 2010 (Fundao SOS MataAtlntica/INPE/ISA 2008-2010).

    No Sudeste do Brasil, as bacias do leste,localizadas no sul da Bahia, Esprito Santo, MinasGerais e norte do Rio de Janeiro, compreendiam umagrande extenso contnua de florestas estacionais eombrfilas, que foram destrudas ou severamentefragmentadas nos ltimos quarenta anos. Essa regiocompreende as formaes florestais associadass bacias dos rios Jequitinhonha, Mucuri e Doce(Oliveira-Filho et al. 2005).

    A bacia do rio Doce, originalmente quasetotalmente recoberta com vegetao caracterstica deflorestas semideciduais pertencentes ao domnio da

    Mata Atlntica, possui altssima riqueza e diversidadebiolgica, alm de abrigar grande nmero de espciesda fauna e da flora com distribuio restrita a esseecossistema (Fonseca 1997). A regio do mdiorio Doce apresenta remanescentes de florestas quesofreram diferentes graus de perturbao, seja pelaao de desmatamentos, corte seletivo de madeirae/ou fogo. Alguns remanescentes encontram-sepreservados, principalmente aqueles localizados emUnidades de Conservao como Parques Estaduaise Reservas Particulares do Patrimnio Natural(RPPNs).

    Existem poucos levantamentos sobre a floraarbrea do mdio rio Doce, destacando-se os estudosfitossociolgicos realizados no Parque Estadualdo Rio Doce (PERD) (CETEC 1981; Lopes 2002;Camargos et al. 2008), o estudo das tipologiasflorestais do referido Parque realizado por Andradeetal.(1997), os trabalhos sobre a composio florsticado PERD e da RPPN Feliciano Miguel Abdala(Caratinga), apresentados por Lombardi & Gonalves(2000) e Gonalves & Lombardi (2004) e os estudossobre alguns grupos de famlias arbreas (Pedralli etal.1986; Bortoluzzi et al. 2004; Nunes et al. 2007).

    Padres florsticos de distribuio das espciesarbreas, associados s variveis geogrficas eclimticas, tm sido analisados para o sul da Bahia,estados de So Paulo e Rio de Janeiro (Oliveira-Filho & Fontes 2000; Oliveira-Filho et al. 2005).Dentre eles podemos citar o padro relacionado asazonalidade da precipitao que interfere na distinoentre florestas ombrfilas e semidecduas. O segundopadro refere-se variao latitudinal associada aoregime de chuvas, que afetaria a distribuio florstica,principalmente em florestas ombrfilas. O terceiro

    padro florstico trata das variaes altitudinaistanto nas florestas ombrfilas quanto semideciduais.Contudo, estes estudos evidenciaram tambm umaescassez de informaes para grande parte da regiodas bacias do Leste, em especial o leste de MinasGerais e sul do Esprito Santo.

    Portanto, os objetivos deste trabalhocompreenderam a caracterizao da composioflorstica e da estrutura de algumas comunidadesflorestais arbreas do mdio rio Doce, alm da anlisedas variveis do solo e das relaes florsticas entreas formaes florestais.

    Material e MtodosO presente estudo foi realizado em reas de

    Floresta Estacional Semidecidual Submontana ede Terras Baixas (Oliveira-Filho & Fontes 2000;

    Oliveira-Filhoet al. 2006), tambm classificadas comoFloresta Estacional Semideciduiflia SubmontanaCrassisslica Pauperintrica e de Baixada (Oliveira-Filho 2009a, b), pertencentes ao domnio MataAtlntica, na regio do mdio rio Doce, no Leste doEstado de Minas Gerais (Fig. 1). Trs remanescenteslocalizaram-se no interior do PERD (Campolina- CAM, Macuco - MAC e Mumbaa - MUMB),nos municpios de Dionsio e Timteo, e trs noseu entorno (RPPN Fazenda Macednia - MACE,RPPN Fazenda Sacramento - SACR e RPPN Morrodo Gavio - GAV), nos municpios de Ipaba, Pingo

    dgua e Dionsio, respectivamente.O PERD possui 35.974 ha com altitudes

    entre 230 a 515 m. Seus limites naturais so o rioDoce Leste e o rio Piracicaba ao Norte (Andradeet al. 1997). Os fragmentos estudados no entornodo Parque apresentaram reas que variaram de282 a 560 ha e altitudes entre 220 a 586 m. Ossolos predominantes na regio so os LatossolosHmicos, Podzlico Vermelho-Amarelo Eutrficoe Aluviais Eutrficos (IGA 1982; EMBRAPA2007). O clima da regio do tipo Aw de Kppen(Tropical mido de Savana, megatrmico, com

    inverno seco e vero chuvoso). A temperaturamdia do ms mais frio superior a 18C. Aprecipitao do ms mais seco inferior a 60 mm(Antunes 1986). Os dados fornecidos pela EstaoMeteorolgica da CENIBRA, em Belo Oriente,MG (1920 S 4224 W, 216 m.), no perodode janeiro de 1985 a dezembro de 2004, mostraramvalores mdios de temperatura de 24,8C e precipitaoanual mdia de 1.204,3 mm. Observou-se um longoperodo de dficit hdrico, principalmente nos mesesde abril a setembro. Tal fato afeta significativamente a

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    Florstica e estrutura de remanescentes de Mata Atlntica

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    fisionomia das florestas da regio, com uma caducifoliatpica das florestas semideciduais submontanas.

    Cinco reas so constitudas por uma vegetaoclassificada como Floresta Estacional Semidecidualde Terras Baixas (Oliveira-Filho & Fontes 2000) eocorrem em reas de baixada, prximas a lagoasou rios. Um dos fragmentos, GAV, formado porFloresta Estacional Semidecidual Submontana,localiza-se em rea de encosta, sem colees de guae em topografia mais inclinada (Tab 1).

    Para a realizao do levantamento florsticoforam coletados espcimes frteis prximos s reasde amostragem. Eles foram herborizados (Fidalgo& Bononi 1984) e incorporados ao HerbrioBHCB, do Departamento de Botnica do Institutode Cincias Biolgicas da Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG). As identificaes foramfeitas por comparao com espcimes depositadosna coleo do herbrio BHCB, alm de consultas literatura taxonmica especializada e enviode duplicatas para especialistas em instituiesnacionais e estrangeiras. As espcies foramclassificadas nas famlias seguindo o sistema daAPG II (2003).

    O estudo fitossociolgico foi realizado atravsda marcao de 420 pontos quadrantes, sendo 70pontos em cada uma das seis reas estudadas. Ospontos foram distribudos em sete linhas amostraisde 135 m, distanciadas em 15 m e orientadas pelabssola na direo Norte-Sul, para duas reas(SACR e GAV) e Noroeste-Sudeste para as demaisreas. Em cada linha foram marcados, atravs deestacas, 10 pontos quadrantes (equidistantes em 15m), sendo amostrada uma rvore em cada quadrante,totalizando quatro por ponto. Foram amostradosao todo 1.680 indivduos arbreos (280 por rea),perfazendo aproximadamente 1,35 ha de reaequivalente. Utilizou-se como critrio de inclusoaqueles indivduos arbreos que apresentaram CAP(Circunferncia a Altura do Peito) > 15 cm, a 1,30 mdo solo. Os indivduos foram marcados com placasde alumnio, sendo estimados a altura da copa, ofuste (altura da primeira ramificao), com auxliode podo telescpico, medido o CAP e coletadasamostras de material botnico.

    Para o clculo dos parmetros fitossociolgicosforam includas todas as rvores vivas amostradas,inclusive as espcies no identificadas. Estas foramnumeradas e includas no levantamento comoindeterminadas. J para os clculos de porcentagemde nmero de espcies, nmero de indivduose nmero de famlias, as indeterminadas foramexcludas da anlise. Os parmetros calculados naanlise fitossociolgica foram: densidade relativa(DR), frequncia relativa (FR), dominnciarelativa (DoR), valor de importncia (VI) e valorde cobertura (VC). Foi utilizado, na anlise, oprograma FITOPAC verso 1.0 (Shepherd 1994).Foram elaborados histogramas de frequncia declasses de dimetro e altura das rvores encontradasem cada rea. Utilizou-se tambm o teste no-paramtrico de Kolmogorov-Smirnov (Sokal & Rohlf1995) para verificar as diferenas estruturais entre

    Figura 1 reas de floresta estudadas no mdio rioDoce. Campolina (A1), Macuco (A2), Mumbaa (A3),Fazenda Macednia (A4), Fazenda Sacramento (A5) eMorro do Gavio (A6). GV (Governador Valadares);

    I (Ipatinga); CF (Coronel Fabriciano); T (Timteo); C(Caratinga); D (Dionsio); SJG (So Jos do Goiabal);RC (Rio Casca); PN (Ponte Nova); 1 (Rio Santo); 2 (RioPiracicaba). Fonte: IEF (2001) (modificado).Figure 1 Forest areas studied in the Middle Rio Doce. Campolina(A1), Macuco (A2), Mumbaa (A3), Farm Macednia (A4), FarmSacramento (A5) e Morro do Gavio (A6). GV (GovernadorValadares); I (Ipatinga); CF (Coronel Fabriciano); T (Timteo);C (Caratinga); D (Dionsio); SJG (So Jos do Goiabal); RC (RioCasca); PN (Ponte Nova); 1 (Santo River); 2 (Piracicaba River).Source: IEF (2001) (modified).

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    reas, considerando-se os valores de dimetro e alturadas espcies. Os clculos foram realizados atravsdo programa STATISTICA for Windows verso 4.3.

    Foi calculado o ndice de diversidade deShannon (H), na base logartmica natural, e aequabilidade de Pielou correspondente (J) (Zar1999). Para a anlise de similaridade florsticaentre as reas utilizou-se o coeficiente de Jaccard.

    A comparao entre as matrizes de distnciageogrfica e similaridade foi realizada atravs doteste de Mantel (Sokal & Rohlf 1995), usando umteste de Monte Carlo com 5.000 permutaes paraavaliar a significncia. Os testes foram realizadosutilizando-se o programa PC-ORD for Windowsverso 5 (McCune & Mefford 1999).

    Foram coletadas amostras simples de solosuperficial (020 cm), na poro mediana decada linha de amostragem, sendo posteriormentemisturadas e enviadas ao Instituto Mineiro deAgropecuria (IMA), para a obteno das variveis:

    pH em gua; teores K, P, Ca, Mg e Al; soma de bases(SB), saturao por bases (V), capacidade de troca dections(T), capacidade efetiva de troca de ctions(t), ndice de saturao por alumnio (m), ndice desaturao por bases (V), matria orgnica (MO), C eN; e propores de areia (grossa e fina), silte e argila.

    Para o estudo das correlaes entre a distribuiodas espcies arbreas e as variveis ambientaisrealizou-se a anlise de correspondncia cannica,CCA (ter Braak 1995), utilizando-se o programaPC-ORD for Windows verso 5 (McCune & Mefford

    1999). A matriz de abundncia das espcies consistiudo nmero de indivduos em relao ao somatriodas linhas de amostragem de cada rea, considerandocomo uma nica parcela. Foram includas apenasas espcies com N 10 indivduos. A matriz de

    variveis de solo por parcela incluiu inicialmenteonze variveis de solo (pH, H + Al, Al, t, m, V,M.O., areia grossa, areia fina, silte e argila). Aps

    anlise preliminar, seis destas foram eliminadas porapresentarem redundncias ou correlaes fracas (