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ISSN: 2175-8875 www.enanpege.ggf.br/2017 13046 FLUXOS MIGRATÓRIOS NO SUDESTE BRASILEIRO: DO CRESCIMENTO ECONÔMICO À CRISE EDNELSON MARIANO DOTA 1 Resumo O Brasil vive uma forte crise econômica e política após uma década de crescimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda. A migração, como fenômeno social e em muitos casos estratégia de sobrevivência dos grupos sociais tende a se modificar diante da conjuntura econômica vivenciada pelo país. O presente artigo analisa os impactos da crise na migração inter-regional do Sudeste, comparando os períodos 2005-2010 e 2010-2015. Os resultados indicam uma intensa queda dos volumes de migração do Sudeste, principalmente nas trocas com o Nordeste, tanto pela redução da imigração como aumento da emigração de retorno. Palavras-chave: Migração; Crise; Crescimento econômico. MIGRATORY FLOWS IN SOUTHEAST BRAZIL: FROM ECONOMIC GROWTH TO CRISIS Abstract: Brazil is experiencing a intense economic and political crisis after a decade of economic growth, job creation and income distribution. Migration, as a social phenomenon and in many cases a strategy of social groups, tends to change in the face of the economic situation experienced. This article analyzes the impacts of the crisis on the interregional migration of the Southeast, comparing the periods 2005- 2010 and 2010-2015. The results show a intense decrease in the migration volumes of the Southeast, mainly in the exchanges with the Northeast by the reduction of immigration and the increase of return emigration. Key-words: Migration; Crisis; Economic growth. 1 - Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador do CEPID/Fapesp Centro de Estudos de Metrópole (CEM). E-mail de contato: [email protected].

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FLUXOS MIGRATÓRIOS NO SUDESTE BRASILEIRO: DO CRESCIMENTO ECONÔMICO À CRISE

EDNELSON MARIANO DOTA1

Resumo O Brasil vive uma forte crise econômica e política após uma década de crescimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda. A migração, como fenômeno social e em muitos casos estratégia de sobrevivência dos grupos sociais tende a se modificar diante da conjuntura econômica vivenciada pelo país. O presente artigo analisa os impactos da crise na migração inter-regional do Sudeste, comparando os períodos 2005-2010 e 2010-2015. Os resultados indicam uma intensa queda dos volumes de migração do Sudeste, principalmente nas trocas com o Nordeste, tanto pela redução da imigração como aumento da emigração de retorno.

Palavras-chave: Migração; Crise; Crescimento econômico.

MIGRATORY FLOWS IN SOUTHEAST BRAZIL: FROM ECONOMIC

GROWTH TO CRISIS Abstract:

Brazil is experiencing a intense economic and political crisis after a decade of economic growth, job creation and income distribution. Migration, as a social phenomenon and in many cases a strategy of social groups, tends to change in the face of the economic situation experienced. This article analyzes the impacts of the crisis on the interregional migration of the Southeast, comparing the periods 2005-2010 and 2010-2015. The results show a intense decrease in the migration volumes of the Southeast, mainly in the exchanges with the Northeast by the reduction of immigration and the increase of return emigration.

Key-words: Migration; Crisis; Economic growth.

1 - Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador do CEPID/Fapesp – Centro de Estudos de Metrópole (CEM). E-mail de contato: [email protected].

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1 – Introdução

Os períodos de crise vivenciados nas economias capitalistas são recorrentes

e seus impactos dramáticos, pois dilaceram as condições de vida da população.

Nesses momentos críticos a sociedade lança mão de estratégias de amenização

dos problemas, como apoio em redes sociais e familiares ou até em deslocamentos

espaciais em busca de melhores oportunidades em outra localidade. São os

deslocamentos em tempos de crise que este artigo analisa, mais especificamente

motivados pelo seguinte questionamento: estaria a crise atual provocando impactos

na dinâmica migratória inter-regional do Sudeste?

Cabe destacar que esta crise sucedeu uma década de crescimento

econômico, geração de empregos e distribuição de renda (DIEESE, 2012). Análises

da década de 1980 indicaram que a crise representou um freio à mobilidade de

longa distância pela falta de perspectiva para a mobilidade (MARTINE; NEIVA;

MACEDO, 1984; PACHECO; PATARRA, 1998).

Nos dias de hoje, do ponto de vista econômico, político, social, demográfico

e territorial o Brasil se encontra em outro patamar. Nesse sentido, seria de se

esperar que os impactos da crise na migração inter-regional tenderiam a ser

diferentes do observado 30 anos atrás. De todo modo, a resposta para esta questão

está intimamente relacionada à importância da dimensão econômica como

condicionante para os fluxos migratórios e as persistentes desigualdades regionais.

Para analisar os impactos da crise na migração inter-regional o recorte

analítico são as UFs (Unidades da Federação) do Sudeste, analisando as trocas

migratórias entre os anos de 2005 e 2015. A escolha do Sudeste se justifica por ser

historicamente o principal destino dos fluxos migratórios nacionais de longa

distância, com destaque para São Paulo.

Os dez anos entre 2005 e 2015 serão analisados comparativamente, sendo

a primeira parte (2005-2010) o período do crescimento econômico e a segunda

(2010-2015) o período impactado pela crise. Espera-se, como resultado, contribuir

para um melhor entendimento dos impactos da crise na migração de longa distância

e da relação atual entre esses fluxos e a conjuntura econômica.

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2 – Questões econômicas e os fluxos migratórios inter-regionais

A relação entre a migração e as questões econômicas é grande e

extensivamente explorada pelos estudiosos do tema. Sejam nas teorias

neoclássicas, em que a migração é analisada como resultado de escolhas

individuais ou nas histórico-estruturais, onde os condicionantes estruturais e

conjunturais predominam na explicação dos movimentos, a relação aparece como

fator de primeira ordem para a interpretação dos volumes e padrões dos fluxos

observados.

Como fenômeno social, os condicionantes congregam múltiplas facetas

inviabilizando a elaboração de uma teoria conclusiva (ZELINSKY, 1980). Essa

complexidade emana da natureza multidisciplinar do fenômeno (CASTIGLIONI,

2009) e envereda por questões conceituais, metodológicas e de disponibilidade de

dados para comprovação empírica (CUNHA, 2011).

Ao longo do século XX, os fatores de expulsão e estagnação do campo

(SINGER, 1976) levaram milhões de trabalhadores para as cidades, e parte

considerável dos fluxos se destinaram à São Paulo, atraídas pelo destacado

desenvolvimento industrial e da agricultura (PACHECO; PATARRA, 1998). A

capacidade de inserir produtivamente os imigrantes que vigorou até a década de

1970 sustentou os volumosos fluxos para São Paulo originados principalmente no

Nordeste e no norte de Minas Gerais. Nos anos 1980, entretanto, alterações

consideráveis foram observadas: segundo Pacheco e Patarra (1998), a crise

econômica vivenciada pelo país resultou em fluxos menos volumosos se dirigindo às

metrópoles concomitantemente ao aumento da migração de retorno.

Junto à recessão econômica, outras mudanças em curso foram impactadas

e serviram como alternativa (MARTINE; NEIVA; MACEDO, 1984). Como destaca

Cunha e Baeninger (2007), a interiorização do desenvolvimento a partir da

desconcentração industrial gerou novas centralidades e “espaços de migração” que,

no momento de crise, serviram como alternativa à mobilidade de longa distância.

A complexidade da migração se evidencia na constatação de que a década

de 1980 não representou, como esperado pelos especialistas, um ponto de inflexão.

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Na década seguinte, os volumes de migração voltaram a crescer com padrões

semelhantes (CUNHA; BAENINGER, 2007), apesar das mudanças econômicas e

territoriais vivenciadas pelo país. Destaca-se, neste caso, a emigração a partir do

Nordeste, que se esperava menor por conta dos investimentos recebidos por esta

região.

Nos anos 2000, momento em que vários dos processos em ebulição nas

décadas anteriores já estavam arrefecidos, como a desconcentração industrial e a

urbanização, a migração apresentou novas tendências: segundo Baeninger (2008),

os movimentos de longa distância apresentaram novos trajetos e significados, ao

mesmo tempo em que as dinâmicas regionais imprimiram especificidades aos

movimentos com origem e destino nas áreas urbanas, predominantes desde os anos

1980.

A novidade nas interpretações sugere uma relativização da importância do

fator econômico como condicionante dos fluxos de longa distância, sobretudo para

aqueles do Nordeste para São Paulo. Segundo Brito (2015), tendo em vista que não

há mais inserção produtiva como antes, não haveria sustentação para a atratividade

por parte de São Paulo. O autor entende que a manutenção de volumosos fluxos

seria resultado de uma cultura da migração e que as redes migratórias e sociais

formadas ao longo de décadas de idas e vindas, juntamente com as desigualdades

econômicas e sociais, espacialmente materializadas, é que sustentariam a

continuidade dos movimentos.

[...] como as trajetórias são caminhos estruturais e têm, portanto, uma dimensão social e cultural, um fator inercial pode mantê-las, mesmo que as condições objetivas da economia e da sociedade já não precisem tanto da força de trabalho que transita por elas (BRITO, 2015, p.13).

A relativização do fator econômico levaria a supor que os impactos de uma

crise econômica seriam sentidos com menor intensidade do que em décadas

anteriores. Para a década de 1980, Martine, Neiva e Macedo (1984) consideravam

duas possibilidades contraditórias como resultado: (1) o aumento da mobilidade e

dos fluxos como resposta à busca pela sobrevivência inviabilizada pela crise ou (2) a

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redução dos volumes pela falta de oportunidades generalizadas, que anulariam o

motivo de se deslocar.

Se na década de 1980 a crise reduziu os fluxos inter-regionais e aumentou o

retorno e os fluxos de média e curta distância (MARTINE; NEIVA; MACEDO, 1984;

CUNHA; BAENINGER, 2007; BRITO, 2015), espera-se no contexto atual que os

resultados da crise na dinâmica migratória incidam mais intensamente no volume

dos fluxos de longa distância com pouca ou nenhuma modificação das tendências

apresentadas. Essa perspectiva, mesmo num contexto diferenciado em relação a 30

anos atrás, se assenta na continuidade da relevância do contexto econômico como

condicionante da migração ao mesmo tempo que as desigualdades regionais

persistem.

3 – O contexto econômico pós-2000

Analisar a relação entre migração e crises não é uma tarefa trivial, tendo em

vista os múltiplos fatores que contribuem para a geração e o direcionamento dos

fluxos. Martine, Neiva e Macedo (1984), refletindo sobre os condicionantes da

migração, ressaltam que mesmo a mobilidade tendo outras motivações, a relação

com o trabalho é quase sempre garantida pela necessidade do emprego e de um

nível de renda condizente para que a motivação seja satisfeita.

Partindo dessa premissa, nesta seção será realizada uma análise da

evolução dos empregos e da população em idade ativa (PIA) nas grandes regiões

brasileiras, de modo a compreender como a crise pode ter impactado a existência e

o surgimento de oportunidades laborais.

Na década de 1990, mais especificamente entre os anos de 1990 e 2003, a

dinâmica do mercado de trabalho não apresentou bons resultados, já que o PIB

(Produto interno bruto) do período foi menor do que o incremento de pessoas na PIA

(DEDECCA; ROSANDISKI, 2006). Os anos subsequentes do século XXI foram

marcados por melhores resultados. Entre 2003 e 2013 observou-se crescimento

econômico com geração de empregos (DIEESE, 2012) e melhoria dos salários,

reestruturando o mercado de trabalho no Brasil (CAMPOS, 2016).

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Entre 2005 e 2015, 19,1 milhões de pessoas ingressaram na população em

idade ativa (PIA - 15 a 64 anos) no Brasil, volume que é fruto das mudanças na

estrutura etária brasileira. O país passa pelo período denominado de “janela de

oportunidades”, em que a proporção de pessoas em idade ativa torna-se alto

comparativamente à proporção de crianças e idosos, considerados potencialmente

dependentes. Se do ponto de vista econômico este equilíbrio é favorável para a

geração de riquezas, ao mesmo tempo é desafiador, pois significa um rápido

crescimento da população potencialmente ativa e aumenta a demanda por

empregos.

No mesmo período, o volume de pessoas ocupadas aumentou em 9,1

milhões, indicando que a abertura de novas oportunidades de trabalho não foi

suficiente para cobrir o crescimento da demanda em potencial do país. Apesar da

evolução nos indicadores de emprego e renda para o país como um todo, as regiões

Norte e Nordeste permaneceram com resultados inferiores quando comparado às

outras regiões (DIEESE, 2012).

Gráfico 1. Crescimento percentual da população ocupada e da população em idade ativa

(PIA). Grandes regiões e Brasil, 2005/2015.

Fonte: Fundação IBGE. PNAD de 2005 e 2015.

0,0

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População em idade ativa População ocupada

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Essas diferenças regionais são observadas na comparação entre o

crescimento percentual da PIA e da população ocupada entre 2005 e 2015 (Gráfico

1): os dados indicam que enquanto no Centro-Oeste a população ocupada cresceu

mais do que a PIA, no Sudeste houve equilíbrio, e no Norte, Sul e principalmente

Nordeste o mercado de trabalho não acompanhou a entrada de pessoas nas idades

potencialmente produtivas, aumentando a pressão por novas vagas nestas regiões.

No Nordeste, onde a diferença foi maior, 11,8 milhões de pessoas passaram

a fazer parte da PIA enquanto o número de pessoas ocupadas aumentou em 5,2

milhões. Em termos de taxa de participação (Gráfico 2), ou seja, a proporção da PIA

ocupada, as diferenças regionais são marcantes: no Brasil, aproximadamente 64%

da PIA esteve ocupada nos três períodos considerados (2005-2008, 2009-2011 e

2012-2015), sendo que a região Sul apresentou os valores mais altos (70,7%, 69,0%

e 67,5%, respectivamente) e o Nordeste os menores (64,7%, 61,2% e 60,2%

respectivamente).

Gráfico 2. Taxa média de participação da população em idade ativa. Grandes regiões e Brasil,

2005-2015.

Fonte: Fundação IBGE. PNAD de 2005 a 2015.

Em todas as regiões houve recuo da participação. As variações verificadas

estão associadas à conjuntura econômica dos períodos: entre 2005 e 2008 o país

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2005-2008 2009-2011 2012-2015

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passava por um período de crescimento consistente com forte geração de

empregos. Em 2009 sofreu os impactos da crise imobiliária americana de 2008, que

culminou na redução verificada. No período posterior, os primeiros anos (2010 a

2012) marcaram uma retomada do crescimento econômico e na geração de

empregos em relação ao período anterior, mas a instabilidade política e econômica a

partir de 2013 impactou o mercado de trabalho: em 2014 o crescimento das ofertas

cessou, iniciando, no ano seguinte, o aumento do número de desempregados, que

se materializou na redução verificada.

A dinâmica do mercado de trabalho, portanto, apresenta momentos distintos

entre o primeiro (2005-2010) e o segundo momento (2010-2015): no primeiro, o

crescimento econômico e a geração de empregos relativizou o considerável ingresso

de pessoas no grupo potencialmente ativo. No segundo período, a desaceleração

provocada pela crise representa redução considerável da taxa de participação em

todas as regiões, com destaque para o Nordeste.

4 – O Sudeste nas trocas migratórias inter-regionais

Para a análise da migração no período proposto neste artigo, entre os anos

de 2005 e 2015, serão utilizados os microdados do Censo Demográfico de 2010 e

da PNAD (Pesquisa nacional por amostras de domicílio) de 2015. Apesar das

diferenças entre as duas pesquisas, sobretudo quanto à dimensão da amostra, a

comparação entre os dados é possibilitada pelas metodologias semelhantes e, no

caso da migração, quesitos idênticos.

Nas duas pesquisas serão analisados os dados de migração do quesito

“data-fixa”, que capta o local de residência cinco anos antes da data de referência da

mesma, ou seja, a residência em 2005 nos dados do Censo de 2010 e a de 2010

nos dados da PNAD de 2015, o que permitirá comparabilidade entre os dados e o

acompanhamento das tendências.

Conforme o Gráfico 3, houve pouca variação nas trocas do Sudeste com as

regiões Norte, Centro-Oeste e Sul nos dois períodos analisados. Por outro lado, nas

trocas com o Nordeste o saldo migratório diminuiu drasticamente, passando de

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aproximadamente 441 mil no primeiro período para pouco mais de 74 mil no

segundo, impactando decisivamente o saldo migratório do Sudeste.

Entre 2010 e 2015 aproximadamente 1,6 milhões de pessoas participaram

das trocas inter-regionais com o Sudeste, volume consideravelmente menor se

comparado aos mais de 3,2 milhões observados no período anterior. Neste sentido,

enquanto o volume da imigração do Sudeste caiu 53,1%, a emigração retraiu em

41,5%, fato que culminou no saldo negativo apresentado pela região no segundo

período.

Gráfico 3. Saldo migratório da região Sudeste nas trocas migratórias inter-regionais. Sudeste

e grandes regiões, 2005/2010 e 2010/2015.

Fonte: Fundação IBGE. PNAD de 2005 a 2015.

Quando se observam as variações em cada uma das UFs que compõem a

região Sudeste, o principal destaque fica por conta das diferenças da dinâmica

migratória como resultado do papel desempenhado historicamente nas redes

migratórias em nível nacional.

Apesar da redução da imigração e da emigração em todas as UFs no

segundo período, São Paulo e o Rio de Janeiro apresentaram redução na imigração

mais intensa do que a emigração, resultando em saldo migratório negativo no último

período após um resultado positivo no período anterior. Minas Gerais, com dinâmica

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Norte Nordeste Sul Centro-Oeste Total

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exclusiva e inversa dos anteriores, reduziu mais intensamente a emigração,

invertendo o saldo migratório do primeiro período, que havia sido negativo.

O Espírito Santo, por fim, apresentou redução proporcional da imigração e

da emigração, apresentando saldo migratório positivo nos dois períodos, com

volume menor no segundo.

Gráfico 4. Imigração, emigração e saldo migratório. Estados da região Sudeste, 2005/2010 e

2010/2015.

Fonte: Fundação IBGE. PNAD de 2005 a 2015.

Os resultados apontam para um papel preponderante da migração de

retorno nas mudanças verificadas entre os dois períodos, principalmente para os

estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Nos dois primeiros, principais

destinos nacionais dos movimentos de longa distância, a redução moderada da

emigração quando comparado com a imigração é indicativo do aumento do retorno.

Minas Gerais, por outro lado, com uma das principais UFs de origem de migrantes

em nível nacional pode ter reduzido a imigração de forma menos intensa pelo

recebimento dos retornados, ao mesmo tempo em que reduziu a emigração para

outras localidades, fundamentalmente São Paulo e Rio de Janeiro.

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Minas Gerais Espírito Santo Rio de Janeiro São Paulo

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O comportamento da migração de retorno do período 2010/2015, conforme

Tabela 1, reforça essas evidências. Nas trocas entre as UFs do Sudeste, Minas

Gerais foi a única que apresentou saldo migratório positivo de mais de 38 mil

pessoas. Espírito Santo (-4,2 mil), Rio de Janeiro (-13,2 mil) e São Paulo (-20,8 mil)

tiveram resultados negativos, evidenciando a concentração de migração de retorno

em nível intra-regional em Minas Gerais.

Tabela 1. Matriz da migração de retorno. UFs do Sudeste e grandes regiões, 2010/2015.

UFs/Regiões Imigração

Minas Gerais

Espírito Santo

Rio de Janeiro

São Paulo Norte Nordeste Sul

Centro-Oeste Total

Emig

raçã

o

Minas Gerais - 1.200 2.610 17.075 0 13.030 3.360 776 38.051

Espírito Santo 7.846 - 658 1.148 0 5.118 0 649 15.419

Rio de Janeiro 12.130 2.995 - 6.597 325 30.936 2.435 442 55.860

São Paulo 39.282 1.200 5.196 - 998 130.175 26.011 11.085 213.947

Norte 3.198 1.800 0 5.667 - 20.937 3.336 6.132 20.133

Nordeste 4.284 1.200 6.353 13.267 6.874 - 2.985 4.090 59.990

Sul 2.324 1.799 1.270 17.002 992 13.461 - 4.296 41.144

Centro-Oeste 10.893 599 636 3.298 11.578 38.854 8.779 - 74.637

Total 79.957 10.793 16.723 64.054 20.767 252.511 46.906 27.470 519.181

Fonte: Fundação IBGE. PNAD de 2015.

Nas trocas com outras grandes regiões, as características históricas da

migração em cada um dos estados se sobressaem: Minas Gerais apresenta saldo

positivo de aproximadamente 3,5 mil pessoas, resultado das trocas positivas com

Norte (3,2 mil) e Centro-Oeste (10,1 mil), e negativo nas trocas com o Nordeste (8,7

mil).

O Nordeste, que historicamente desempenha o papel de principal origem de

migrantes de longa distância, teve saldo migratório de retorno positivo de

aproximadamente 192 mil pessoas, 80,0% nas trocas com as UFs do Sudeste e,

especificamente com São Paulo, um saldo de mais de 116 mil pessoas.

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5 – Considerações Finais

Os dados comparativos da migração inter-regional do Sudeste da segunda

metade da década de 2000 e primeira metade da década de 2010 permitem afirmar

que a crise afetou drasticamente as trocas migratórias com o Nordeste, ao mesmo

tempo que não apresentou impactos relevantes com as outras regiões. Assim como

observado na década de 1980 (MARTINE; NEIVA; MACEDO, 1984; PACHECO;

PATARRA, 1998; CUNHA; BAENINGER, 2007), houve redução da imigração e da

emigração no Sudeste, mas a segunda com menor intensidade como resultado do

aumento do retorno.

Neste contexto os resultados mostram-se consistentes com os papeis

historicamente desempenhados pelas grandes regiões e as UFs do Sudeste na

dinâmica migratória em nível nacional. Enquanto em São Paulo e no Rio de Janeiro -

os principais receptores de migração – a emigração apresentou queda menos

acentuada do que a imigração no segundo período, em Minas Gerais ocorreu o

inverso, foi a imigração que apresentou queda menor. Nas trocas com o Nordeste, a

queda do saldo reforçam as evidências.

As transformações territoriais, sociais e econômicas ocorridas nestes 30

anos que separam as décadas de 1980 e 2010 não foram suficientes para modificar

os resultados da dinâmica migratória entre o Sudeste e o Nordeste, ao menos nas

trocas diretas entre ambas. De todo modo, cabe destacar que a análise realizada se

restringiu a apenas uma modalidade migratória (inter-regional) e, justamente por

isso, não abrange as inúmeras possibilidades existentes, sobretudos dos

movimentos de curta distância.

Neste sentido, mostra-se necessário avançar conjuntamente sobre as

modalidades de média e curta distância, de modo a verificar possíveis modificações

nos fluxos e direcionamentos como resultado da crise em andamento.

Por fim, as desigualdades regionais continuam a condicionar os fenômenos

sociais, apesar das transformações vivenciadas pelo país e por suas regiões no

período considerado. A dimensão econômica, associadas a estas desigualdades,

Page 13: FLUXOS MIGRATÓRIOS NO SUDESTE ... - enanpege.ggf.br 44/378.pdf e seus impactos dramáticos, pois dilaceram as condições de vida da população. ... 2 – Questões econômicas e

ISSN: 2175-8875 www.enanpege.ggf.br/2017

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parece permanecer em destaque tanto quanto antes, o que impõe a necessidade de

aprofundar sua análise.

6 – Referências Bibliográficas

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