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FOLHA 13-01-2015 EDITORIAIS Terror na Nigéria Passou quase despercebido, na semana passada, um massacre de proporções catastróficas ocorrido em Baga, cidade no nordeste da Nigéria. Autoridades locais afirmam ter desistido de contar os corpos, e por essa razão não se sabe ao certo quantos são os mortos. Segundo estimativas da Anistia Internacional, seriam cerca de 2.000. Foram todos chacinados por fanáticos da milícia islâmica Boko Haram, que desde 2009 provoca sangrentos conflitos no país mais populoso da África. Calcula-se que a facção tenha assassinado 10 mil pessoas somente em 2014. A espiral de atrocidades inclui o sequestro de quase 300 meninas nigerianas, em abril. De acordo com os relatos de uma fugitiva, algumas reféns sofriam estupros diários; por meio de um vídeo, o grupo afirmou que elas seriam vendidas para "casamento". Até hoje o caso não teve solução. Nenhum ataque do grupo, todavia, havia sido tão mortífero quanto o que devastou Baga. A investida parece fazer parte de uma nova estratégia de conquista territorial --a facção recentemente anunciou a intenção de criar um califado na Nigéria, a exemplo dos fundamentalistas do Estado Islâmico, com atuação na Síria e no Iraque. Calcula-se que o Boko Haram --cujo nome significa "educação ocidental é proibida", na língua hausa-- domine hoje uma área de cerca de 25 mil km2, porção pouco menor que o território da Bélgica. Aproximadamente 1,5 milhão de nigerianos vivem nessas terras. O centro da violência é o isolado nordeste do país, região de maioria muçulmana paupérrima: no norte, 72% vivem na pobreza, contra 27% no sul, de maioria cristã. Essas características demográficas chamam a atenção para um fato que tende a desaparecer das análises sobre atentados como os que mataram 17 pessoas em Paris: quem mais sofre com o extremismo muçulmano são pessoas que seguem o credo islâmico. Informações de 2011 recolhidas pelo Centro Nacional de Contraterrorismo dos EUA mostram que, nos cinco anos anteriores, considerados os episódios em que era possível discernir a religião dos mortos, de 82% a 97% das vítimas do terrorismo eram muçulmanas. O dado indica o quanto há de simplificação no discurso de alguns partidos políticos europeus que, partindo da ideia de "choque de civilizações", propõem

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FOLHA 13-01-2015

EDITORIAIS

Terror na Nigéria

Passou quase despercebido, na semana passada, um massacre de proporções catastróficas ocorrido em Baga, cidade no nordeste da Nigéria. Autoridades locais afirmam ter desistido de contar os corpos, e por essa razão não se sabe ao certo quantos são os mortos. Segundo estimativas da Anistia Internacional, seriam cerca de 2.000.

Foram todos chacinados por fanáticos da milícia islâmica Boko Haram, que desde 2009 provoca sangrentos conflitos no país mais populoso da África. Calcula-se que a facção tenha assassinado 10 mil pessoas somente em 2014.

A espiral de atrocidades inclui o sequestro de quase 300 meninas nigerianas, em abril. De acordo com os relatos de uma fugitiva, algumas reféns sofriam estupros diários; por meio de um vídeo, o grupo afirmou que elas seriam vendidas para "casamento". Até hoje o caso não teve solução.

Nenhum ataque do grupo, todavia, havia sido tão mortífero quanto o que devastou Baga. A investida parece fazer parte de uma nova estratégia de conquista territorial --a facção recentemente anunciou a intenção de criar um califado na Nigéria, a exemplo dos fundamentalistas do Estado Islâmico, com atuação na Síria e no Iraque.

Calcula-se que o Boko Haram --cujo nome significa "educação ocidental é proibida", na língua hausa-- domine hoje uma área de cerca de 25 mil km2, porção pouco menor que o território da Bélgica. Aproximadamente 1,5 milhão de nigerianos vivem nessas terras.

O centro da violência é o isolado nordeste do país, região de maioria muçulmana paupérrima: no norte, 72% vivem na pobreza, contra 27% no sul, de maioria cristã.

Essas características demográficas chamam a atenção para um fato que tende a desaparecer das análises sobre atentados como os que mataram 17 pessoas em Paris: quem mais sofre com o extremismo muçulmano são pessoas que seguem o credo islâmico.

Informações de 2011 recolhidas pelo Centro Nacional de Contraterrorismo dos EUA mostram que, nos cinco anos anteriores, considerados os episódios em que era possível discernir a religião dos mortos, de 82% a 97% das vítimas do terrorismo eram muçulmanas.

O dado indica o quanto há de simplificação no discurso de alguns partidos políticos europeus que, partindo da ideia de "choque de civilizações", propõem

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aumento das restrições aos imigrantes em geral --e aos muçulmanos em particular. O terrorismo precisa ser enfrentado com inteligência e rigor, e explicações fáceis nada contribuem para isso.

HÉLIO SCHWARTSMAN

A roupa nova do rei

SÃO PAULO - Nos últimos dias, muito se escreveu sobre a importância da liberdade de expressão e sobre como a sátira em especial não deve ser limitada pelos mandamentos do politicamente correto. Concordo em gênero, número e caso, mas acho que ficou faltando uma reflexão sobre a função social do humor.

Não sabemos muito bem por que o homem ri, mas o fato é que ele ri. Se formos procurar análogos do riso no comportamento de outros bichos, chegaremos às brincadeiras, frequentes entre filhotes de mamíferos. Ao que tudo indica, a brincadeira --quase sempre uma simulação de perseguições e lutas-- funciona como uma espécie de adestramento para enfrentamentos reais.

O balanço é delicado. Para ser útil, o jogo tem de ser tão realista quanto possível, sem, entretanto, deflagrar um combate que resulte em danos maiores. No caso dos humanos, o humor resolve o dilema. Ao nos remeter para uma linguagem onde as coisas podem significar o contrário do que parecem, ele permite que nos aproximemos do "adversário" já sinalizando que o que soa como hostilidade é, na verdade, um gesto amigável.

Como, ao contrário dos outros mamíferos, humanos brincamos ao longo de toda a vida e não só de lutas, o poder do humor para azeitar as relações sociais não deve ser diminuído. Não é coincidência que as pessoas que costumam lançar bombas sejam fundamentalistas, isto é, gente que não ri e interpreta tudo literalmente. Eles parecem imunes ao humor.

Em sociedades mais complexas, o riso coletivo é capaz de sincronizar reações, o que o torna perigosamente subversivo. O paradigma aqui é a história de Hans Christian Andersen da roupa nova do rei. Na vida real, as piadas sobre as agruras do socialismo real no Leste Europeu permitiram que os cidadãos locais, sem correr riscos excessivos, indicassem uns aos outros que sabiam que o regime estava falido, o que contribuiu bastante para a queda do comunismo.

BERNARDO MELLO FRANCO

Pra que discutir com madame?

BRASÍLIA - "Madame diz que o samba tem pecado / Que o samba é coitado e devia acabar." Trocando o samba pelo PT, Marta Suplicy disse o mesmo na ruidosa entrevista de domingo ao "Estadão". O partido não quer discutir com

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madame, como ensina a composição de Janet de Almeida e Haroldo Barbosa, mas tem motivos para se preocupar.

Marta só pensa em concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2016. No PT, estava condenada a espernear até ser preterida outra vez. Em outra sigla, pode não entrar no páreo como favorita, mas tem tudo para dificultar a reeleição de Fernando Haddad.

O prefeito vinha pavimentando a rota para o segundo mandato. Atendeu aos apelos para sair mais do gabinete e conseguiu deixar o fundo do poço nas pesquisas, embora ainda esteja longe da popularidade do início do governo. Na semana passada, selou uma virtual aliança com o PMDB ao convidar Gabriel Chalita para a Secretaria de Educação.

O rompimento de Marta com o petismo pode jogar Haddad de volta à estaca zero. Aliados reconhecem que a senadora preserva muita força na periferia, que concentra os redutos mais tradicionais do PT. Nessas áreas, ela ainda é venerada por marcas de sua gestão (2001-04) como os CEUs, o Bilhete Único e a distribuição de uniforme escolar.

"O eleitor do PT na periferia não se identifica com o Haddad. A Marta tem o que mostrar lá, e ele ainda não tem", resume um aliado do prefeito. "Apoiar ciclovia e grafite faz sucesso na Vila Madalena, mas não dá voto nos bairros que garantiram a nossa vitória em 2012", acrescenta ele.

Faltando menos de dois anos para a eleição, Haddad não tem tempo para discutir com Marta. Seu desafio é mudar o eixo da administração para fincar estacas na base eleitoral da ex-prefeita. O PT está desgastado em São Paulo, e o apoio de Lula não deverá ser suficiente para decidir a disputa. Em 2014, o candidato dele a governador, Alexandre Padilha, teve apenas 22% dos votos na capital.

CARLOS HEITOR CONY

O quarto Poder

RIO DE JANEIRO - Caí na asneira de ser jornalista antes do tempo, quando era moço, nada conhecia da vida e da profissão, nem a vida e a profissão me conheciam, nem tinham necessidade disso. Só me recuperei bem mais tarde, quando as coisas mudaram no mundo e em mim mesmo. E verdade seja dita, se o mundo e a profissão mudaram para pior, eu mudei para bem pior.

Após quebrar a cara no ofício, cobrindo delegacias, motins em penitenciárias, enchentes em Petrópolis e Barra do Piraí, velórios de imortais da Academia Brasileira de Letras, no Instituto Médico Legal, onde cometi a façanha de entrevistar um defunto esfaqueado em Brás de Pina, defunto que ainda vivia, estrebuchando embora.

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Custei a descobrir o filão mais substancioso do ofício, custei mas descobri. Era o mercado de trabalho nos institutos governamentais e das grandes empresas, estatais ou não, hospedagem em hotéis cinco estrelas, classe executiva nos aviões, isso sem falar na intimidade com funcionários, autoridades e empresários que em momentos de aperto me requisitavam para matérias de emergência.

Profanei a profissão escrevendo um "furo" do Departamento de Águas e Esgotos, sabiamente dirigido pelo engenheiro Amandino de Carvalho, que no dia seguinte faltaria água no Catumbi e bairros adjacentes.

O único favor que me pediam era guardar o sigilo das fontes (ah! as fontes!). A maioria dizia coisas abomináveis, mas exigia o "off". Mesmo assim, consegui ser preso seis vezes durante o regime militar e ser eleito para a Academia, onde me fizeram imortal porque não tenho onde cair morto.

Exemplo famoso de outro imortal, piada conhecidíssima, pediram a Alcindo Guanabara um artigo sobre Jesus Cristo. O jornalista perguntou: "Contra ou a favor?".

VLADIMIR SAFATLE

Guerra ao terror

Depois da semana passada, vemos a afirmação em coro de que o extremismo muçulmano é um dos maiores problemas da atualidade. Mas nem sempre o coro se dispõe a dar um passo à frente e se perguntar pelas coordenadas sociopolíticas do aparecimento de tal problema.

Ao que parece, alguns acreditam que simplesmente colocar a questão nesses termos já é ser cúmplice e não demonstrar solidariedade pelas vítimas. É querer ser racional com o irracional, relativizar o que seria motivado pelo mal radical, pelo ódio milenar contra nós e nossa liberdade, apoiar a superstição contra as luzes. Em nome de tal visão de combate que nada quer saber sobre causas pois não se interessa em mudá-las, estamos em "guerra contra o terror" há quase 15 anos.

No entanto, depois de 15 anos em guerra, não estamos mais seguros do que em 2001. O que temos são: três países invadidos (Afeganistão, Iraque e Mali), um conjunto impressionante de leis e práticas de controle que cerceiam a liberdade em nome da defesa da liberdade, um Estado Islâmico a controlar áreas de antigos países do Oriente Médio, o aumento exponencial da xenofobia e da islamofobia em países europeus e novas levas de jovens muçulmanos europeus dispostos a serem mártires do jihadismo internacional.

Ou seja, enveredar pela "guerra ao terror" é a melhor maneira de se afundar no problema. Pois qual seria o próximo passo: reforçar as fronteiras, uma nova intervenção militar? Mas para que, se os novos jihadistas são cidadãos

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europeus, morando nas periferias? Quem sabe então tentar concentrar os muçulmanos europeus em campos nos quais eles poderiam ser melhor controlados?

Insistiria que, se quisermos vencer o extremismo muçulmano, melhor começar por parar de reeditar teorias coloniais sobre o pretenso caráter arcaico da religião dos antigos colonizados, como se nós mesmos não tivéssemos nos acomodado aos nossos próprios arcaísmos. Pois se tem alguém que agradecerá de joelhos aqueles que usam a imprensa para falar que o islã não é compatível com a democracia (como se alguma religião realmente fosse) são os terroristas da Al Qaeda e do Estado Islâmico. É exatamente o que eles sempre falaram. Infelizmente, para propagar esta boa nova, eles tem bastantes aliados entre nós.

Não é vitimizar assassinos dementes tentar sair desta toada surda e entender o sentimento, a assombrar os descendentes de árabes vivendo na Europa, de impotência política, de exclusão econômica brutal, de não ter ninguém que os defenda de ataques racistas vindos de partidos e da vida ordinária. É a melhor maneira de tentar impedir que novos assassinos apareçam.

KÁTIA ABREU

TENDÊNCIAS/DEBATES

Ideologia? Só durante as férias

Produtores e o agronegócio podem ter certeza de que vou liderar o Ministério da Agricultura para quem, dentro da lei, quer produzir

O agronegócio brasileiro, suas demandas e seu potencial não são novidade para mim. Afinal, já se vão 20 anos de trabalho duro desde o Sindicato Rural de Gurupi, no Tocantins, até o Ministério da Agricultura. Nessa trajetória, procurei agir em sintonia com os anseios daqueles que represento e, ao mesmo tempo, busquei uma interlocução construtiva com o poder público.

Quis mostrar que somos todos --produtores rurais, empresas e governo-- parceiros em uma causa comum: o desenvolvimento do país.

O agronegócio brasileiro é grande e complexo. Há gargalos a serem superados: as dificuldades do setor sucroalcooleiro, a necessidade de aperfeiçoar o processo de registro de agroquímicos e de ampliar a cobertura do seguro rural. Também precisamos adequar a política agrícola às especificidades do Norte e do Nordeste. Graças aos investimentos recentes, ampliamos a infraestrutura, mas temos de fazer mais.

Recebi da presidente Dilma Rousseff determinação para inovar. Pensei sobre isso. O que seria, de fato, inovar em um ministério com mais de 150 anos, que

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ajudou o Brasil a se tornar uma potência exportadora de alimentos e que tem na sua estrutura um ícone da ciência tropical, a Embrapa?

Como inovar quando se está à frente de um setor que, nos últimos 40 anos, contribuiu para reduzir, de 40% para 20% o peso dos alimentos nas despesas das famílias?

Decidi enfrentar o desafio de aumentar o número de produtores da classe média rural. Dos mais de 5 milhões de produtores, 70% são das classes D e E, 6% são das classes A e B e apenas 15%, algo em torno de 800 mil produtores, são da classe média. Estabelecemos como meta dobrar esse número nos próximos quatro anos.

Vamos mapear as 558 microrregiões do país, classificando-as de acordo com suas respectivas dificuldades para formar uma rede de assistência técnica rural, envolvendo órgãos públicos, privados e universidades. Iremos de porteira em porteira para encontrar os que mais precisam de apoio.

Daremos prioridade a tecnologias que aumentem a produtividade. O Brasil tem cerca de 30 milhões de hectares irrigáveis, mas aproveitamos apenas 17% disso. Aliás, a água será o mais novo produto do agronegócio. Nossos produtores de alimentos serão também produtores de água. Quero fortalecer as boas iniciativas nesse sentido.

Para garantir segurança, qualidade e transparência aos que consomem nossos produtos, vamos coordenar um planejamento nacional de defesa agropecuária.

Quero dar ainda mais eficiência ao Ministério da Agricultura por meio de investimento em um modelo de gestão focado em resultados e na transparência. Vamos pôr de pé a Escola Brasileira do Profissional da Agricultura e Pecuária para capacitar e fortalecer os nossos quadros técnicos.

O agronegócio é fundamental para o equilíbrio da economia. Nossos produtores --pequenos, médios ou grandes-- e a agroindústria precisam de um ambiente institucional favorável. Precisam que os custos da burocracia, da regulação ineficiente e, principalmente, que a miopia ideológica de pequenos grupos não inviabilizem a sua atividade.

Todos têm a legítima aspiração de progredir e de melhorar de vida e podem fazê-lo por conta própria --se lhes forem dadas oportunidades. Foi por isso que aceitei o convite da presidente Dilma Rousseff: para ampliar as oportunidades desse importante setor.

Não aceitarei divisão ou segregação. Produtores de todos os portes e as empresas do agronegócio podem ter certeza de que vou liderar o ministério para quem, dentro da lei, quer trabalhar e produzir.

Tenho dito que estarei aberta ao diálogo em torno de ideias e projetos. A sociedade espera de nós trabalho e resultados. A discussão ideológica, por vezes saudável, pode ficar para os momentos de folga.

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KÁTIA ABREU, 52, senadora licenciada pelo PMDB do Tocantins, é ministra de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Novo ministro da Cultura critica Marta em sua posse

Juca Ferreira disse ter levado 'uma bolsada de Louis Vuitton' da 'madame'

Prestigiado no PT e no governo, ele rebateu as críticas da senadora e disse que o problema dela é com o partido

DA ENVIADA A BRASÍLIADE BRASÍLIADE SÃO PAULO

O novo ministro da Cultura, Juca Ferreira (PT), usou sua cerimônia de posse nesta segunda-feira (12) e um encontro com produtores culturais para rebater as críticas feitas a ele pela senadora Marta Suplicy (PT-SP), sua antecessora no cargo.

Juca disse que levou "uma bolsada na cabeça de Louis Vuitton", referindo-se à entrevista, publicada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", em que Marta criticou a presidente Dilma Rousseff e o acusou de cometer irregularidades quando chefiou a pasta no governo Lula, de 2008 a 2010. Segundo Juca, Marta "quis atirar em Deus e acabou acertando no padre de uma paróquia".

"A madame que se cuide, que uma hora dessas eu vou responder plenamente a ela", afirmou. "Eu tinha admiração por ela, e tenho --via ela defendendo o direito ao orgasmo da mulher na televisão. Depois foi uma boa prefeita de São Paulo. Agora, ela não foi uma boa ministra, pra falar a verdade. [...] Ela pegou algumas coisas que a gente fez e deu prosseguimento".

"Eu sou um alvo eventual", ironizou. "O problema dela é com o partido dela --que é o meu também--, é com a presidente da República, é com o desejo já de algum tempo de ser candidata [à prefeitura de São Paulo, em 2016]".

As críticas de Marta na entrevista não foram inéditas. Ao deixar o ministério, em novembro, ela divulgou carta desejando que Dilma escolhesse uma equipe econômica capaz de "resgatar a credibilidade" do governo.

Depois, quando Juca foi anunciado para a Cultura, Marta afirmou na internet que houve "desmandos" durante sua gestão anterior.

"É que fui mais aplaudido que ela num evento cultural. Paciência, não posso ser punido pela popularidade que vocês viram aí", disse ele.

O governo avalia que Marta decidiu fazer as críticas em busca de uma justificativa para deixar o PT e sair candidata a prefeita em São Paulo por outra sigla. "Ou o PT muda, ou acaba", disse ela num trecho da entrevista.

A cúpula da PT foi pega no contrapé. Há menos de um mês, Lula convidou Marta para uma reunião em seu instituto para discutir conjuntura.

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A Folhaapurou que o prefeito Fernando Haddad (PT) também compareceu. "Ela não estava com a cara boa, mas também não reclamou de nada e não fez nenhuma crítica contundente", disse um dos participantes.

No partido, o tom de Marta foi considerado "agressivo". Ainda assim, ninguém cogita expulsá-la da legenda.

"Isso expressa mais o desejo de ser candidata do que propriamente uma contradição com o partido", disse o deputado Jorge Bittar (PT-RJ).

Ex-marido da petista, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) discorda que Marta tenha sido "preterida no PT". "Se houve episódios em que ela não se sentiu considerada pelo partido, vejo muitos outros em que ela foi", afirmou.

Um aliado diz que Marta pode ter elevado o tom com o objetivo de negociar uma candidatura ao governo paulista pelo próprio PT em 2018.

Ministros pontuaram apoio a Juca marcando presença em sua posse. Ao todo, 12 compareceram. Entre eles, Aloizio Mercadante (Casa Civil), um dos mais próximos à Dilma e dos mais alvejados por Marta. Até então, ele não havia ido a nenhuma solenidade do tipo.

Num teatro lotado, Juca assumiu o compromisso de modernizar a legislação de direitos autorais, dar "transparência absoluta" às decisões e aprimorar a Lei Rouanet, mecanismo de incentivo à cultura por meio de renúncia fiscal.

NEGOCIAÇÕES

Desde a saída de Marta da Cultura, seu marido, o empresário Márcio Toledo, assumiu as rédeas das negociações sobre uma possível troca de partido. Em 2014, ele conversou com o vice-presidente, Michel Temer (PMDB), de quem é amigo. Nos últimos dias, sinalizou ao PSB que Marta estaria disposta a conversar.

Em novembro, o PSB já havia procurado a senadora, mas, à época, ela citou como dificuldade a aliança da legenda com o governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Aliados avaliam que a mudança de postura em relação ao PSB deve-se ao acordo PT-PMDB para a reeleição de Haddad em 2016, o que frustraria a chance da candidatura de Marta em qualquer uma das siglas.

(JULIANA GRAGNANI, FLÁVIA FOREQUE, VALDO CRUZ, GUSTAVO URIBE E MARINA DIAS)

JANIO DE FREITAS

A fileira simbólica

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Os chefes presentes em Paris se dividem entre os que ganham com venda de armas e os que compram armas

Olhar para aqueles chefes nacionais apenas pelo que são, sem os relacionar ao simbolismo pretendido de suas insípidas presenças na manifestação parisiense, proporciona uma visão da orientação atual do mundo: desordem e hipocrisia como normas globais.

Dos 25 presidentes e primeiros-ministros na primeira fila, não preenchem cinco dedos os que estejam isentos de envolvimento com algum tipo de violência grave, não sejam coautores da difícil situação do seu país, e não sejam suspeitos de estar ali menos por sinceridade do que por proveito político e eleitoral. Neste caso incluído o próprio e patético presidente francês François Hollande.

Olhar para aqueles chefes nacionais é ter a percepção antecipada do insucesso a que estão fadadas, por longo tempo, as medidas que essa gente aprove contra as aflições do mundo. Com poucas exceções, os presentes ali se dividem entre os que ganham com venda de armas e os que compram armas para aparentar progresso e segurança em seus países. Quando não para oprimir povos mais fracos.

A esperança fica restrita à possível mobilização da inteligência para confrontar análises e propostas, que muitas vezes têm deixado sementes afinal colhidas por poderes como a ONU e a União Europeia. É assim mesmo, como incentivo, que se explica a existência da primeira, como, mais ainda, a da segunda dessas instituições.

HERANÇA

Mais um período crítico no fornecimento de passaportes pela Polícia Federal. São filas enormes para atendimentos que, em mais de um dos cinco postos da PF em São Paulo, estão sendo agendados com espera de dois ou três meses.

Os pretextos podem variar, mas são cíclicos esses períodos desrespeitosos com um direito importante dos cidadãos. Nada os justifica. Já, para começar, da entrega de tal serviço à Polícia Federal. Na ditadura, a paranoia do poder não pensaria senão em vigilância sobre os cidadãos. Mas não há motivo algum para a permanência dessa deformação burocrática. Como em nomeações para o serviço público, por exemplo, a polícia tem que ser, no máximo, órgão consultivo sobre eventual impedimento à liberação de passaporte. Providência que os sistemas informáticos reduziram a segundos.

A incapacidade brasileira de conceder passaportes com presteza e como direito é um resquício ridículo da ditadura, preservado pelo Ministério da Justiça.

NOVIDADE

É cedo para dizer que o novo governo começa nesta semana, com a volta de Dilma Rousseff e o ministério completo, seja lá o que isso expresse. O Congresso está em repouso --este, repouso oficial-- e ainda será preciso ultrapassar o

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Carnaval. Já deu para notar, porém, uma ocorrência inesperada: a preocupação de Joaquim Levy com a opinião pública.

Antes de assumir, Levy reiterou a urgência com que era preciso agir e a noção bem clara do que devia ser feito. Até agora, nenhuma providência nova. Em vez disso, a procura de aparecer para fotos e vídeos, sempre com sorrisos quilométricos, muito atencioso. E até oferecido para um programa de respostas a internautas.

Joaquim Levy busca, primeiro, conquistar simpatia pública, que é sempre um amortecedor eficaz. Uma novidade na era Dilma.

A DONA

Marta Suplicy pode fazer as queixas e acusações que quiser, mas criticar alguém por arrogância, isso não. O atributo é incomparavelmente seu.

Hackers atacam redes sociais do Pentágono

Invasores postaram imagens e vídeos do Estado Islâmico no Twitter e no YouTube; dados de militares são divulgados

Assessores do governo dos EUA dizem que caso é 'constrangedor', mas nenhum documento importante foi vazado

RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON

As contas oficiais do Comando Central militar americano no Twitter e no YouTube foram invadidas por hackers que se dizem parte da milícia radical Estado Islâmico (EI) nesta segunda (12).

Imagens e vídeos do EI foram postados, e as contas foram retiradas do ar.

Com fundo preto e letras brancas, os dizeres "CiberCalifado" e "Te amo, Isis [sigla em inglês da facção]" foram colocados no topo da página do Comando Central no Twitter. Além disso, várias mensagens de ameaça foram incluídas nas páginas.

Os hackers escreveram no Twitter "já estamos aqui, estamos em seus computadores pessoais, em cada base militar" e "invadimos suas redes e aparelhos pessoais. Sabemos tudo sobre vocês, suas mulheres e seus filhos."

O Comando Central Militar fica na cidade de Tampa (Flórida, sul dos EUA), de onde várias operações no Oriente Médio são executadas.

A invasão aconteceu às 12h30 (15h30 em Brasília) desta segunda (12), e a conta do Twitter saiu do ar às 13h09 (16h09 no Brasil).

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Assessores do Pentágono afirmaram à rede CNN que o episódio era "constrangedor, mas não uma ameaça à segurança nacional americana" e que nenhum documento confidencial tinha sido vazado.

Mas os hackers pró-EI postaram nomes, e-mails, endereços comerciais e residenciais e até números de telefone de 3.000 comandantes militares americanos, da ativa e da reserva. Entre eles, o general Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e Ray Odierno, chefe de gabinete do Exército dos EUA.

Os invasores ainda tiveram acesso a apresentações sobre China e Coreia do Norte. O Pentágono diz que não eram informação confidencial.

O porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, afirmou que "há uma diferença significativa entre uma enorme invasão de um banco de dados e o hackeamento de uma conta no Twitter" quando instado a comparar o caso com o episódio envolvendo a Sony.

Em novembro, hackers autointitulados "Guardiões da Paz" e se dizendo a serviço do governo da Coreia do Norte infiltraram os servidores do estúdio de cinema Sony.

Na ocasião, vários e-mails constrangedores entre diretores do estúdio foram vazados. Os hackers ainda ameaçaram divulgar contas bancárias e informação pessoal dos funcionários do estúdio.

O ciberataque acontece na semana em que o presidente americano, Barack Obama, começa a divulgar um plano para "aumentar a confiança na segurança digital". Citando o caso da Sony, Obama disse em discurso: "Há enormes vulnerabilidades para nós como nação, para nossa economia e para nossas famílias".

TERROR EM PARIS

EUA admitem erro sobre presença em ato

Casa Branca reconhece equívoco ao não enviar representante de alto escalão a manifestação contra terror domingo

País foi representado apenas pela sua embaixadora em Paris; Kerry marca visita para a próxima sexta-feira

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

O governo dos Estados Unidos admitiu oficialmente nesta segunda-feira (12) ter errado ao não enviar um representante de alto escalão à marcha em solidariedade às vítimas do ataque ao jornal satírico "Charlie Hebdo".

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A manifestação, que reuniu 3,7 milhões de pessoas na capital e em várias cidades da França no domingo (11), contou com a presença de mais de 40 líderes mundiais em Paris.

Na linha de frente estavam o presidente francês, François Hollande, a chanceler alemã, Angela Merkel, os premiês britânico, David Cameron, e israelense, Binyamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas.

A Casa Branca alegou motivos de segurança para justificar a ausência do evento do presidente dos EUA, Barack Obama, e de seu vice, Joe Biden. O secretário de Estado americano, John Kerry, também não foi enviado a Paris para participar da marcha contra o terrorismo.

O procurador-geral dos EUA, Eric Holder, que estava em Paris no fim de semana para uma reunião convocada após os ataques na capital da França, também não compareceu à passeata.

Apenas a embaixadora americana em Paris, Jane Hartley, representou os EUA na manifestação.

O porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, afirmou: "É justo dizer que deveríamos ter enviado alguém de perfil mais elevado [do que a embaixadora Jane Hartley]".

A presença discreta dos EUA foi alvo de críticas da imprensa do país e de líderes da oposição.

DECEPÇÃO

Em sua capa, o jornal "New York Daily News" estampou fotos de Obama, Biden, Holder e Kerry com a frase "Vocês decepcionaram o mundo".

O senador republicano Ted Cruz, do Texas, disse que "a ausência é sintomática da falta de liderança americana no cenário mundial, e isso é perigoso".

O governo francês, porém, não endossou as críticas.

"Ficamos muito comovidos com as reações das autoridades dos EUA desde o início da crise", disse, em comunicado, a Embaixada da França em Washington.

Diante das críticas, Kerry anunciou que vai a Paris na sexta-feira (16) e recordou a cooperação entre os dois governos desde o início dos ataques, que deixaram 17 mortos em Paris na semana passada.

O porta-voz ressaltou que a ausência de Obama e outros altos funcionários na passeata não diminui o compromisso dos EUA com a segurança e os valores da França e disse que os dois países estão "ombro a ombro".

CLÓVIS ROSSI

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Por que não fomos Charlie?

Da Presidência da República às ruas, o Brasil está sendo incapaz de fazer parte do mundo

O Brasil fez um silêncio ensurdecedor nesses dias de comoção pelos crimes de Paris, em especial no domingo, dia de uma manifestação que até quem, como eu, já acompanhou dezenas delas, só pode qualificar de impressionante.

Pena que o silêncio não tenha sido em sinal de respeito pelos mortos. Foi apenas um clássico brasileiro: a incapacidade ou a inapetência (ou ambas) de se mobilizar, de ganhar a rua, de protestar, de reclamar, de ser inconformista.

Silêncio que começa lá em cima, na Presidência da República. É de uma mentalidade hiperburocrática a decisão de designar o embaixador em Paris como representante do Brasil.

Nem precisava: competente como é, o embaixador José Bustani teria comparecido à manifestação mesmo que não fosse escalado para tanto.

Tudo bem que a agenda de Dilma Rousseff pudesse estar sobrecarregada e que, por isso, ela não pudesse comparecer. Mas custava designar, por exemplo, o vice-presidente, Michel Temer que, de resto, tem substituído a presidente em outros momentos diplomáticos?

Ou o ministro do Exterior? Ou o da Justiça, até porque havia uma reunião para discutir terrorismo, território de responsabilidade de José Eduardo Cardozo?

Nem me venha, por favor, com o exemplo dos Estados Unidos, que também mandaram o seu embaixador (embaixadora no caso). A mídia norte-americana não perdoou. Nem a francesa.

A omissão brasileira torna-se ainda mais problemática quando se computam determinadas presenças.

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, por exemplo, foi aconselhado pela França a não comparecer, para não criar um ambiente de cisão. Foi assim mesmo e ficou na primeira fila, a quatro pessoas de seu adversário, o palestino Mahmoud Abbas.

Outro, aliás, que poderia não ter ido, já que o Ocidente (o sujeito oculto da solidariedade) não faz nem remotamente o necessário para que os palestinos tenham o seu Estado.

A Rússia, em conflito aberto com a Europa, nem por isso deixou de mandar seu chanceler.

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Afinal, quem tem um dedo de visão diplomática sabe que "as grandes manifestações nas ruas legitimam uma luta redobrada contra um terrorismo reduzido à delinquência, e não portador de valores políticos e religiosos", como escreveu Joaquín Prieto em sua coluna para "El País".

Mas a crítica não pode se limitar ao andar de cima. A rua também se omitiu. Não vale dizer que a França é longe. Hoje em dia, nem a China, do outro lado do mundo, é tão distante.

Buenos Aires é ainda mais distante de Paris, o que não impediu cerca de mil pessoas, segundo o jornal "Clarín", de se manifestarem domingo diante da embaixada francesa.

Já na avenida Paulista, na sexta-feira, dia em que também houve manifestações na Europa toda, ninguém se lembrou de parar um minuto o protesto contra o aumento dos transportes para repudiar o terrorismo.

Tudo o que diz respeito à vida humana deveria interessar aos brasileiros. Mas parece que estamos fora do Universo.

P.S.: Rumo a Davos, uma semana de férias.

TERROR EM PARIS

Protesto anti-islamismo reúne 25 mil na Alemanha

Apesar de pressão social, grupo considerado xenófobo fez ato em Dresden

Manifestações contra Pegida ofuscam grupo em Berlim e Munique; Merkel irá a evento da comunidade islâmica

DE SÃO PAULODAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

Cerca de 25 mil pessoas foram nesta segunda-feira (12) às ruas de Dresden, no leste da Alemanha, para um novo protesto anti-islâmico. Alguns manifestantes usavam faixas pretas em sinal de luto pelo ataque ao jornal francês "Charlie Hebdo".

O protesto do grupo Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente (Pegida, sigla em alemão) ocorreu apesar das condenações da chanceler Angela Merkel e de outros políticos alemães, que o consideram xenófobo.

Alguns dos manifestantes carregavam cartazes com os nomes das vítimas e mensagens de apoio aos familiares dos 17 mortos em Paris. "Estes atos terríveis na França mostram que o Pegida é necessário", disse aos espectadores Lutz Bachmann, um dos organizadores do ato.

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Como em outras vezes, porém, a manifestação também atraiu grupos de extrema-direita e neonazistas, contrários à entrada dos imigrantes por considerar que estes prejudicam a cultura alemã.

Além de Dresden, o Pegida e seus aliados conseguiram reunir 1.500 pessoas em Munique e outras 400 na capital Berlim. Nestas cidades, porém, os manifestantes anti-islamismo foram ofuscados pelas contramanifestações.

Sob o lema "Queremos uma Alemanha multicolorida", grupos de esquerda e de partidos aliados ao governo Merkel levaram 20 mil pessoas às ruas de Munique e outras 4.000 ao Portão de Brademburgo, em Berlim, além de 30 mil em Leipzig.

No domingo (11), o ministro da Justiça, Heiko Maas, pediu à população que não participasse dos atos do Pegida e acusou o grupo de querer usar o atentado na França para se promover.

"Em Dresden, as pessoas querem usar uma tarja preta em memória às vítimas de Paris. Há uma semana, essas mesmas pessoas chamaram a imprensa de mentirosa".

MERKEL

Na manha desta segunda, a chanceler Angela Merkel confirmou que vai nesta terça (13) a um ato da comunidade muçulmana em Berlim contra o grupo anti-islâmico.

"O islã é parte da Alemanha e eu sou a chanceler de todos os alemães", afirmou.

O crescimento do Pegida, que fez suas primeiras manifestações em outubro, causou a preocupação dos líderes políticos da Alemanha.

A organização defende maior controle sobre a radicalização islâmica dos europeus e à entrada de ex-combatentes de milícias do Oriente Médio na União Europeia.

Logo após o ataque em Paris, o Pegida criticou os muçulmanos. "Os islamitas mostraram hoje na França que não sabem se comportar em democracia e só contemplam a violência e a morte".

O governo acredita que 550 alemães tenham viajado à Síria e ao Iraque para integrar grupos radicais islâmicos.

Chalita aceita pasta e Haddad muda gestão de olho em 2016

Além de ceder Educação ao PMDB, petista ampliará espaço do PSD e do PR

Acordo do prefeito de São Paulo com partidos visa montar a chapa Haddad-Chalita para as próximas eleições

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DE SÃO PAULO

O deputado federal Gabriel Chalita (PMDB) aceitou a proposta do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), para assumir a Secretaria Municipal da Educação e deu início a uma reforma da gestão petista --que cederá mais espaço a outros partidos de olho nas próximas eleições.

O peemedebista se reuniu na tarde desta segunda-feira (12) com Haddad e aceitou assumir a função, conforme antecipou a Folha, ampliando a participação do PMDB na administração para garantir uma chapa com os dois nomes na disputa de 2016.

Além do partido, que também deve indicar um novo nome para a pasta da Segurança Urbana, Haddad decidiu fortalecer os laços com PSD e PR, aliados da presidente Dilma Rousseff (PT), cedendo a eles cargos no primeiro escalão da prefeitura.

O PSD do ex-prefeito de São Paulo e atual ministro das Cidades, Gilberto Kassab, foi convidado para assumir a Secretaria de Turismo.

O PR, do novo ministro Antonio Carlos Rodrigues (Transportes), aceitou indicar Marcelo Nobre para a Secretaria de Negócios Jurídicos, no lugar de Luís Massonetto, técnico e professor da USP.

Na primeira metade de seu mandato, Haddad enfrentou resistência e desgaste na Câmara com projetos estratégicos, como a aprovação do reajuste do IPTU e do Plano Diretor (que define as diretrizes urbanísticas da cidade).

Para contorná-las, ele já havia flexibilizado em 2014 a atuação das subprefeituras e passou a aceitar indicações políticas para comandá-las.

Chalita almoçou nesta segunda com vereadores da bancada do PMDB na Câmara, quando avisou que aceitaria a proposta de Haddad.

Os parlamentares pediram que ele dê prioridade a um projeto de lei que amplia a oferta de vagas em creches.

Ele deve tomar posse nesta semana, no lugar de Cesar Callegari. O plano dos dois partidos é criar uma chapa Haddad-Chalita na disputa à sucessão na capital em 2016.

O peemedebista tomou a decisão no final de semana, depois de falar com Haddad e com Michel Temer, vice-presidente da República e presidente nacional do PMDB.

A costura partidária dificulta a possibilidade de a senadora Marta Suplicy (PT-SP) filiar-se ao PMDB para disputar a Prefeitura de São Paulo.

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O convite para a pasta municipal, que foi articulado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, faz parte de uma mudança ampla planejada pelo prefeito para a segunda metade do mandato.

Nas eleições municipais passadas, Chalita foi adversário de Haddad, mas deu apoio ao petista no segundo turno. No final do ano passado, ele chegou a ser sondado para a secretaria Estadual da Educação de Geraldo Alckmin (PSDB), posto que já ocupou de 2003 a 2006.

CONTROLADORIA

Outra mudança na gestão Haddad será a nomeação de Roberto Porto, atual secretário de Segurança Urbana, para a Controladoria Geral do Município, que foi uma das vitrines do petista no começo do mandato devido às investigações da máfia do ISS.

O antigo chefe da Controladoria, Mário Vinícius Spinelli, saiu para assumir cargo no governo de Minas.

Porto também é um nome indicado pelo PMDB, que ainda deve indicar os vereadores Ricardo Nunes ou Rubens Calvo para a Segurança.

O PMDB também ocupa hoje as pastas da Assistência Social (Luciana Temer) e Deficiência e Mobilidade Reduzida (Marianne Pinotti).

A Secretaria de Turismo já tinha sido oferecida ao vereador Marco Aurélio Cunha (PSD) em 2013. Haddad voltou a convidá-lo agora e aguarda resposta de Cunha.

Exército critica projeto contra homofobia

Em parecer à Câmara, militares afirmam que proposta pode trazer 'efeitos indesejáveis' para as Forças Armadas

Projeto é impreciso e pode gerar 'reflexos negativos' ao Exército, segundo nota técnica enviada aos deputados

ANDRÉIA SADIDE BRASÍLIA

O Exército brasileiro se posicionou contra a aprovação do projeto que propõe definir em lei crimes de ódio e intolerância, com foco na homofobia, em parecer enviado à Câmara dos Deputados.

O documento afirma que a proposta, caso aprovada, pode trazer ''efeitos indesejáveis'' para as Forças Armadas e "reflexos negativos" ao Exército. A nota técnica é assinada pela assessoria parlamentar do gabinete do comandante do Exército, Enzo Peri, cuja saída foi anunciada pela presidente Dilma Rousseff.

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"A instituição é contra qualquer tipo de agressão ou violação a direitos humanos (..) no entanto, considerando as imprecisões contidas na proposta apresentada, (..) pode trazer efeitos indesejáveis para a Força'', diz o texto.

Procurada, a assessoria do Exército disse que não se manifestaria sobre o assunto.

Um dos argumentos usados pelo órgão no texto é que o projeto de lei está genérico, conduzindo a uma ''subjetividade'' do aplicador da lei.

Pela proposta, constituirá crime de ódio quando a prática incindir em ''impedimento de acesso de pessoas a cargo ou emprego público, ou sua promoção funcional sem justificativa nos parâmetros legalmente estabelecidos, constituindo discriminação''.

Para o Exército, este trecho do projeto teria ''reflexo nas Forças Armadas, inclusive no que tange aos critérios estabelecidos para ingresso e permanência''. A nota não deixa claro quais seriam os reflexos.

"Verifica-se a existência de reflexos negativos para o Exército brasileiro, por serem vislumbradas repercussões contundentes nas esferas operacional, disciplinar, administrativa e do ensino.''

Defensores do projeto avaliam, reservadamente, que o temor do órgão é que o projeto incentivaria homossexuais a se assumirem nos quarteis, uma vez protegidos legalmente de eventuais punições por homofobia.

O projeto, de maio de 2014, é de autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e está sob relatoria do deputado Luiz Couto (PT-PB).

A Folha apurou que o Palácio do Planalto não foi consultado sobre a nota do Exército e orientou o relator a desconsiderá-lo. Couto apresentou parecer favorável à proposta da deputada, que está pronta para ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

A reportagem tentou falar com o deputado federal, mas sua assessoria disse que ele está em recesso parlamentar.

O projeto de lei é a principal proposta que o governo apoiará após arquivamento no Senado de um projeto que criminaliza a homofobia.

A proposta da deputada é mais abrangente que a do Senado: tipifica crimes de ódio e intolerância contra diferentes grupos, como religiosos e migrantes, mas tem a criminalização da homofobia como principal ponto.

Em rede social, PM de SP compara 'black blocs' ao PCC

Manifestante que cobre rosto tem 'maldade no coração', diz perfil; corporação afirma fazer convite à reflexão

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ARTUR RODRIGUESLÍGIA MESQUITADE SÃO PAULO

A Polícia Militar comparou em sua página do Facebook os adeptos da tática "black bloc" (depredação como forma de protesto) aos criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital).

A corporação fez uma montagem mostrando jovens mascarados em um protesto e bandidos em uma rebelião, como revelou o site "Ponte". A imagem tem a seguinte legenda: "Qual é a diferença? Vandalismo é crime!".

O PCC é a facção que domina a maioria dos presídios do Estado de SP.

Já os adeptos da tática "black bloc" costumam ser anarquistas, pichadores e punks que ganharam destaque nos protestos de 2013.

As críticas foram feitas na sexta (9), dia de ato promovido pelo MPL (Movimento Passe Livre) contra a alta das tarifas de transporte público.

No protesto, bancos e concessionárias foram atacados, imóveis foram pichados e houve tentativa de incêndio a um ônibus.

O perfil da PM chama os manifestantes mascarados de criminosos e diz que estão "infiltrados em meio a pessoas de bem que reinvindicam (sic) um Brasil melhor".

A crítica foi feita também na conta oficial do Twitter da corporação (@pmesp), que tem 76 mil seguidores e segue, entre outros, a atriz Giovanna Antonelli e o humorista Rafinha Bastos.

Ao postar foto de manifestantes com camisetas cobrindo o rosto, a PM escreveu: "Pessoas que escondem o rosto em uma manifestação guarda [sic] maldade no coração. Destroem nosso patrimônio e coloca [sic] a vida de pessoas inocentes em risco".

Em outra imagem mostrando uma pedra no chão, a PM indaga: "Atacaram [sic] pedras em viatura da Polícia Militar. Isso é democracia?".

Ao retrucar a crítica de um usuário do Twitter sobre a ação, a corporação postou: "Sobre polícia e futebol qualquer leigo se acha técnico".

Neste ano, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) mudou a cúpula da Segurança Pública. Ricardo Gambaroni assumiu o comando da PM.

Indagada sobre a comparação entre "black blocs e" o PCC, a PM disse que "não faz afirmações nem julgamentos" na postagem. "Apenas faz uma pergunta que convida à reflexão os internautas."

A corporação diz defender a liberdade de expressão, "inclusive a nossa", e que sua premissa em redes sociais é "transmitir informações úteis para seus seguidores".

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Cristiano Ronaldo é o melhor pela 3ª vez e encosta em Messi

BOLA DE OURO Atacante português de 29 anos diz que buscará 4º troféu em 2015 para se igualar ao argentino

DE SÃO PAULO

"Terra à vista!", poderia ter gritado o português ao conquistar o mundo novamente nesta segunda (12), em Zurique, na Suíça.

Mas a reação de Cristiano Ronaldo, 29, no fim de seu discurso na premiação dos melhores do ano da Fifa foi um urro, um "sim", ele explicaria depois. Foi um grito de guerra contra um adversário declarado. "Espero alcançar Messi na próxima temporada", afirmou instantes antes.

O português, agora, navega com três bolas de ouro (2008, 2013 e 2014) contra quatro do rival argentino (2009, 2010, 2011 e 2012).

Ele recebeu 37,66% dos votos de técnicos, capitães e representantes da mídia dos países filiados à Fifa contra 15,76% de Messi e 15,72% do goleiro alemão Neuer.

Desta forma, o atacante do Real Madrid repete a jornada de sucesso de 2008, quando atuava pelo Manchester United e conquistou títulos locais, continentais e mundiais antes da Bola de Ouro.

Em 2014, como há seis anos, o filho da Ilha da Madeira ganhou um torneio nacional (Copa do Rei), a Liga dos Campeões da Europa e o Mundial de Clubes.

Sua atuação na Copa do Mundo ficou aquém do que se esperava, e Portugal caiu ainda na primeira fase. Mas o desempenho discreto por sua seleção no Mundial não foi suficiente para abafar as boas atuações pelo Real.

"Nunca pensei ganhar três vezes esta bolinha, mas espero não parar por aqui", disse. À parte o atleta português, a segunda-feira consagrou o futebol germânico.

Os dois melhores técnicos são alemães: Joachim Löw, que ganhou a Copa, e Ralf Kellermann, do Wolfsburg, clube vencedor da Liga dos Campeões com as mulheres.

A melhor jogadora também foi uma alemã, a meia Nadine Kessler --a brasileira Marta ficou em 2º lugar.

Na seleção dos 11 ideais, a Alemanha foi quem mais teve representantes, com Neuer, o lateral Philipp Lahm e o meia Toni Kroos.

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Brasil, Espanha e Argentina tiveram dois jogadores cada. Portugal e Holanda completam o time. Os brasileiros selecionados são os zagueiros David Luiz e Thiago Silva, que não foram à festa e, assim, não presenciaram mais uma goleada alemã.

OPINIÃO - BOLA DE OURO

Prêmio consolida Cristiano Ronaldo como o melhor português da história

Cada vez mais completo, atacante do Real Madrid está acima de Eusébio, craque dos anos 60

MANUEL CASACAESPECIAL PARA A FOLHA

A terceira Bola de Ouro consagrou definitivamente Cristiano Ronaldo como o melhor jogador português de todos os tempos.

Creio mesmo que já não havia muitas dúvidas, apesar do talento que Eusébio tinha e dos troféus que conquistou ao longo da carreira.

O capitão da seleção portuguesa já tem um currículo individual inigualável no futebol português, com a particularidade de ter apenas 29 anos. Ronaldo está ainda no topo do futebol mundial, sendo difícil e até mesmo ingrato perspectivar se vai ou não ser o melhor jogador mundial de todos os tempos.

Isso torna-se ainda mais complicado quando se antevê muitos anos pela frente ao mais alto nível.

A cerca de um mês de ser trintão, o craque de Portugal e do Real Madrid tem, ao menos, mais cinco anos pela frente a lutar pelos mais valiosos títulos individuais.

Vai certamente ganhar mais Bolas de Ouro porque, com o passar do tempo, vai se tornar cada vez mais um ponta de lança.

Não é a posição que prefere, mas como grande profissional que é vai perceber que é o melhor para ele, para o clube que estiver a representar e para a seleção portuguesa, órfã de um matador.

Nos próximos dois anos, Cristiano Ronaldo continuará a jogar solto no ataque, como tanto gosta, mas a condição física não vai lhe permitir continuar a jogar desta forma porque ao cansaço juntam-se as marcas das lesões.

Ao longo dos tempos, aliás, tem mudado o seu futebol. Longe vai o tempo em que jogava praticamente fixo nas alas, sobretudo na direita, ia à linha de fundo cruzar ou procurava assistir os companheiros, sempre em grande velocidade e com fintas umas atrás das outras.

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Seu futebol está mais completo, fazendo valer todos os recursos que tem: potência de remate com os dois pés, velocidade, capacidade de explosão e impressionante capacidade de impulsão que lhe tem valido muitos e bonitos golos de cabeça.

Tem se adaptado, dessa forma, a um futebol cada vez mais rápido e que cada vez é mais útil para as condições que possui e que tornam cada vez mais complicada a tarefa dos defesas contrários porque é imprevisível.

Quando começar a jogar mais fixo como ponta de lança, será um "animal de área" porque a todas as condições físicas e técnicas que tem acrescentará o instinto matador que sempre teve.

Com muitos mais anos pela frente, vai certamente bater todos os recordes do futebol português. Falta saber se ainda irá contribuir para o primeiro título europeu ou mundial da seleção do país.

O sonho sempre comandou a vida de Cristiano Ronaldo.

MANUEL CASACA é editor de "O Jogo", jornal português de esportes

ANÁLISE

Robben e Kroos se destacam no campo da elegância; já Messi derrapa no vinho

PEDRO DINIZCOLUNISTA DA FOLHA

Mais uma vez o "look" vinho não deu sorte a Messi. Apesar de mais discreto que o duvidoso costume berrante da mesma cor usado por ele no prêmio Bola de Ouro do ano passado, seu terno desta segunda (12), agora puxado para um tom de roxo, não o ajudou a conquistar o prêmio de melhor do mundo da Fifa, em Zurique.

Embora ousado, qualidade rara na moda masculina, o conjunto de colete, calça e blazer do argentino também não lhe renderia o pódio dos mais bem vestidos.

Cortado pela dupla de estilistas italianos Dolce & Gabbana, o terno foi embaçado pelos bons gols dos jogadores para um guarda-roupa de gala.

As camisas brancas e os ternos convencionais deram lugar a produções de preto total, lapelas de cores diferentes e gravatas borboletas mais divertidas, detalhes incomuns em uma seara ainda um tanto machista quanto a do futebol.

O holandês Arjen Robben, por exemplo, deu personalidade ao "look" com uma camisa de botões pretos e uma gravata borboleta na mesma cor repleta de poás brancos --as mesmas bolinhas que Messi optou por usar em 2013, na mesma cerimônia, e escorregou.

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Já o meia Toni Kroos, um dos destaques do Real Madrid, surgiu com um conjunto elegante de preto total, que mesclava tecidos acetinados e opacos. O contraste com a pele branca caiu bem no jogador alemão.

Tanto o português Cristiano Ronaldo quanto o espanhol Andrés Iniesta elegeram a combinação de azul e preto com a variação de cor na lapela. Enquanto Ronaldo usou o azul como cor principal do costume, Iniesta apostou num tom claro de azul na lapela acetinada.

O arrojo estético dos jogadores, além de refletir o interesse crescente dos homens por moda, mostra que o esporte é um terreno cada vez mais disputado pelas grifes, hoje dominado pelas italianas Giorgio Armani, Ermenegildo Zegna e Dolce & Gabbana.

VINHO ARGENTINO

Uma pesquisa feita no Brasil pela consultoria de tendências Box 1824, à época da Copa do Mundo de 2014, revelou que os homens, em geral, veem em jogadores como Neymar, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi seus referenciais de estilo e de comportamento. Ou seja, o vinho-Messi pode, em breve, virar tendência.

COPA DA ÁSIA

Palestina perde em seu primeiro grande jogo

Pela primeira vez em um torneio importante no futebol, a Palestina estreou nesta segunda (12) na Copa da Ásia sendo goleada pelo Japão, 4 a 0.

O jogo foi realizado na cidade de Newcastle, na Austrália --na "geografia" da Fifa, os australianos fazem parte da Ásia.

Pelo Grupo D, os gols da vitória dos japoneses foram de Endo, Okazaki, Honda e Yoshida. Pela mesma chave o Iraque bateu a Jordânia por 1 a 0.

A Palestina faz parte da Fifa desde 1998.

Memórias do cárcere

Mostra em São Paulo reúne objetos criados pelos detentos no extintoCarandiru, de facões enferrujados a altares para Nossa Senhora,adornos das celas daquele que foi o maior presídio da América Latina

SILAS MARTÍDE SÃO PAULO

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Quando esvaziaram o Carandiru para demolir o presídio, o médico Drauzio Varella voltou às celas atrás de imagens de Nossa Senhora feitas pelos presos. Mesmo 13 anos depois, algumas delas continuam em sua sala de visitas.

"Encontrei várias jogadas no chão", conta o colunista da Folha, que passou anos atendendo detentos ali. "Mandaram todo mundo embora, então eles só levavam o que podiam carregar. Algumas são mesmo peças de museu."

Imagens dos altares improvisados pelos presos, filtros de água coloridos, facões feitos com pedaços de ferro e até portas da antiga casa de detenção estão agora em exposição no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, num esforço para relembrar a violenta sobrevivência no cárcere.

"Era um lugar de contradições extraordinárias", diz a fotógrafa Maureen Bisilliat, que organizou a mostra. "Tem essa parte lúgubre e cinza, que as pessoas conhecem, mas tem também a criatividade das ruas que estava lá dentro. Não queremos glamorizar isso, mas além do desespero existia a sobrevivência."

Bisilliat viu de perto essa sobrevivência, gravando cem horas de vídeo dentro do presídio, lugar que passou a frequentar depois que sua filha, Sophia, levou um projeto de teatro para dentro da cadeia.

Erguida nos anos 1920, a maior casa de detenção da América Latina, palco de um massacre de 111 detentos em 1992, quando abrigava 8.000 presos, foi desativada em 2002, com a implosão de três pavilhões para criar um parque na zona norte da cidade.

Nos pavilhões que restaram, hoje funcionam salas de aula de um curso de museologia. Atrás do novo forro dos tetos, ainda estão pinturas e mensagens deixadas pelos detentos --vestígios coloridos de uma vida em reclusão.

"Tinha muita manifestação artística lá dentro, nas portas, nos objetos, nas tatuagens dos presos", conta Cecília Machado, responsável pelo acervo de objetos que restaram do Carandiru. "A gente mapeou toda essa pintura. Aquilo era uma cidade à parte, com outra dinâmica e outra hierarquia."

Um símbolo dessa dinâmica de exceção é o portão amassado da Divineia, como era chamado um dos pátios do presídio. A imensa porta metálica, agora também no museu, virou síntese de existências interrompidas, isoladas do fluxo da vida lá fora.

SEGUNDA SEM LEI

Do lado de dentro, os respiros estéticos nos altares para Nossa Senhora, as colagens de santas e mulheres peladas nas paredes e decorações naïf em filtros de barro, faixas e cartazes serviam de contraponto à rotina sangrenta da casa de detenção.

"Segunda-feira era o dia sem lei", lembra Drauzio Varella. "Era o dia do acerto. Se você tinha uma dívida, você pagava. Toda segunda tinha morte, e todas eram

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horríveis. Um esfaqueava o outro com dez, 20 golpes, sempre na covardia. Eu chegava a liberar quatro corpos de uma vez."

Depois de inspirar livros e um filme, o Carandiru vai ao museu como rude ateliê de artesanato, dos desenhos nas paredes aos facões de metal enferrujado. "Há uma preciosidade nisso", diz Maureen Bisilliat. "Esse é o outro lado do espelho da nossa sociedade."

DEPOIMENTO - EX-CARCEREIRO

Virou uma coisa normal ver um preso enfiar uma faca no outro

MAZOTTO LIMAESPECIAL PARA A FOLHA

Eu fiz parte da primeira turma de funcionários que entrou logo depois do massacre de 1992. O negócio assustava um pouco. O pessoal nos jogava lá no meio dos presos, até 2.000 presos no campo de futebol, e mandava tomar conta deles. Mas como é que você vai controlar 2.000 presos?

A gente chegava de manhã, às 6h30, realizava uma contagem de cela por cela, depois descia para a carceragem para ver se estava batendo com a numeração. Se estivesse tudo certo, a gente soltava os presos para o banho de sol e voltava a trancar só à tarde.

No começo eu tinha medo. Era uma ameaça constante. A primeira morte de um preso que eu vi lá impressionou muito, incomodou muito. Mas depois virou rotina ver um preso enfiar a faca no outro. É como se fosse uma coisa normal. Esses tipos de morte aconteciam todo dia.

Tinha uma seita satânica que mandava comer o coração do morto. Arrancavam a cabeça, jogavam futebol com a cabeça do cara. Os corpos ficavam espalhados pela cadeia. Muitas vezes a gente estava lá na carceragem e chegava um preso com uma cabeça na mão dizendo: "Olha, matei lá".

Passei por várias rebeliões, fiquei muitas vezes de refém, mas nunca tomei tapa ou facada. Já vi outros funcionários levarem tapa, facada na bunda, mas o respeito por nós era grande. Quando um funcionário tomava um tapa de esculacho era porque estava envolvido. O próprio preso às vezes ficava indignado e esculachava o funcionário.

Às vezes pegavam funcionários como moeda de troca. Pensei muitas vezes que não ia sair vivo dali. Era quase uma guerra psicológica.

MAZOTTO LIMA foi carcereiro do Carandiru nos últimos dez anos de funcionamento do presídio. Ele fez um documentário sobre a prisão e deu depoimento à reportagem publicado aqui em formato de artigo.

DEPOIMENTO - EX-DETENTO

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Se não tivesse atitude, virava a mulher dos caras lá dentro

LUIZ ALBERTO MENDESESPECIAL PARA A FOLHA

Eu passei duas vezes pelo Carandiru. Fui processado 47 vezes e condenado 19 vezes, tudo por assalto e homicídio, e matei mais um cara na cadeia.

O cara quis me comer, achei que não devia ser comido e matei ele. Foi assim, simples. A faca era improvisada, um pedaço de ferro. Foram 47 facadas, 47 é um número bom para mim.

Lutei com ele duas horas. O cara era um puta negão e eu era um molequinho, criança de tudo. Lá se você fosse bonitinho e tal, novinho, chegava sendo comprado e vendido. Se não tivesse atitude, virava mulher dos caras. Eu tive atitude, só isso.

Em 1995, era uma regalia ficar na Casa de Detenção. Era perto do centro de São Paulo, podia ter visita todo domingo, ver a família, os amigos. Chegou a quase 8.000 pessoas quando eu estava lá.

Era perigoso, mas ao mesmo tempo não era. O PCC [Primeiro Comando da Capital] já estava tomando conta, então quando eles tomaram conta acabaram os abusos de um preso com outro preso.

Esse negócio de pegar os outros na marra já não existia mais. Estava começando a ser mais disciplinado.

Eu tentei me psicologizar durante um período, porque entrei numa depressão muito grande. Na época, eu tinha casado e tinha um nenê de dez meses. Eu sustentei a mulher e o filho de dentro da cadeia, dando aulas e fazendo bichinhos de pelúcia.

Sobrevivi graças aos livros. Na prisão, descobri que não se morre só da vida. Você pode morrer dos seus sentimentos, e o sentimento do malandro está na sola do pé, para ser pisado em cima.

LUIZ ALBERTO MENDES é autor de "Memórias de um Sobrevivente" (Companhia das Letras), sobre seu tempo no cárcere. Publicará em breve novo volume de memórias. Ele deu este depoimento em conversa com a reportagem.

Contra ditadura, Wolinski cedeu desenhos

Estreia de cartunista assassinado no país foi marcada por censura e engajamento contra regime militar brasileiro

Revistas paulistanas 'Grilo' e 'Bondinho' publicaram por anos o personagem Georges, o Espancador, de graça

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GONÇALO JUNIORESPECIAL PARA A FOLHA

Uma sequência da história em quadrinhos "A Vida Sentimental de Georges", que a revista "Bondinho", de São Paulo, publicou em 17 de fevereiro de 1972, soa hoje como aterradoramente premonitória.

Georges, o Espancador, personagem do cartunista francês Georges Wolinski, entra calmamente no banheiro de um apartamento e mata a presidente vitalícia da França, que está nua na banheira, desprotegida e indefesa.

O trecho remete, é claro, ao massacre na sede do jornal francês "Charlie Hebdo" promovido por extremistas islâmicos na quarta-feira passada (7/1) e que deixou 12 mortos. Entre eles Wolinski, de 80 anos.

A curiosidade vem acompanhada de um detalhe histórico pouco conhecido: Wolinski havia se engajado na luta contra a ditadura no Brasil ao ceder gratuitamente seus quadrinhos e cartuns para as páginas de "Bondinho", "Grilo", "Status" e "Status Humor".

"Seu personagem Georges, o Espancador era um sádico que lembrava os muitos torturadores brasileiros em ação naquele momento", contou em entrevista a este repórter o jornalista e psicanalista Roberto Freire (1927-2008), diretor da Arte & Comunicação, que editava as revistas "Bondinho" e "Grilo" no Brasil.

Por causa dos quadrinhos de Wolinski, o número 32 de "Bondinho", de 6 de janeiro de 1972, foi apreendido pela polícia. Na capa, Georges, o Espancador, escondido em uma esquina, espera alguém com um taco de beisebol em posição de ataque. E diz ao leitor: "Eu espanco as pessoas porque sou um espancador. O melhor da praça".

Para conseguir os direitos de autores europeus que alimentassem suas publicações, Freire viajou para Roma e Paris em outubro de 1971.

"Na primeira, encontrei-me com Guido Crepax. Na segunda, com Georges Wolinski", contou o editor.

Wolinski impressionou bastante Roberto Freire, tanto pelo seu temperamento anárquico quanto pela generosidade.

"Ele era editor da humorística 'Hara-Kiri', uma das mais importantes revistas de humor da Europa, e já colaborava na recém-nascida 'Charlie'. Ele havia estourado com uma personagem de sucesso no ano anterior, lançada em parceria com Georges Pichard: as aventuras eróticas de Paulette, publicadas em capítulos pela 'Charlie', a partir de 1970", relembrou Freire.

Para convencer o parceiro Georges Pichard a liberar "Paulette" por um preço baixo, Wolinski "pegou o telefone e foi logo avisando que o Brasil não é um país rico e nossa editora, menos ainda".

BRIGITTE BARDOT

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Paulette se tornou em pouco tempo célebre pelo traço sensual de Pichard e por não ter nenhum pudor para se exibir a todo momento. Seu ilustrador foi uma das figuras-chaves da revolução sexual dos quadrinhos europeus da segunda metade dos anos de 1960.

A personagem era uma vênus de formas generosas, andava descalça e tinha lábios de Brigitte Bardot. Nas histórias, terminava sempre com suas roupas sugestivamente em farrapos.

Como Justine, de Sade, era vítima de intermináveis armadilhas. Ela vivia como uma rica herdeira que é raptada e, depois, encontra a cura para o tédio burguês em aventuras sexuais pelo mundo. Virou alvo perfeito para bandidos tarados.

"Tenho fome, tenho frio, tenho sede. Preciso de calor humano", repetia ela. Sua melhor amiga e companheira de infortúnios era um velho chamado Joseph, bizarramente transformado em uma bela e lânguida morena por uma toupeira mágica míope.

Apaixonado(a), por si mesmo(a), Joseph não sabia mais se queria voltar a ser um velho ou permanecer num corpo de mulher.

A personagem teve um álbum lançado no Brasil em 1973, pela Arte & Comunicação, e dois volumes com suas melhores histórias, pela L&PM, nos anos de 1990.

GONÇALO JUNIOR é autor de "A Morte do Grilo" (Peixe Grande)

JOÃO PEREIRA COUTINHO

A loucura é contagiosa

Se o 'Charlie Hebdo' nunca tivesse publicado cartoons ofensivos para o islã, será que o massacre teria ocorrido?

Os terroristas franceses já devem estar com as suas 72 virgens no paraíso --e o leitor, no conforto do seu lar, sente que existe uma pergunta lógica, porém desconfortável, que ocupa espaço no seu crânio ecumênico. A saber: se o jornal satírico "Charlie Hebdo" nunca tivesse publicado cartuns ofensivos para a religião muçulmana, será que o massacre teria ocorrido?

Melhor ainda: por que motivo insistimos em "blasfemar" contra a fé dos radicais? Ganhamos alguma coisa com isso?

Para o leitor benemérito, se o Ocidente apagar o mundo islâmico dos seus radares, obedecendo caninamente aos preceitos da sharia, o mundo islâmico também apagará o Ocidente das suas armas. A Deus o que é de Deus, a César o que é de César --e a Alá o que é de Alá. Cada um no seu canto. Em paz e sossego.

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Existem várias formas de lidar com essas perguntas ingênuas. A mais óbvia seria lembrar que o terrorismo islamita não precisa de nenhum pretexto para atacar um "modo de vida" que abomina no seu todo. Se não fossem os cartuns, seria outra coisa qualquer: aos olhos do fanatismo, os "infiéis" não pisam o risco apenas quando usam o lápis.

E, claro, silenciar a liberdade de expressão seria um suicídio civilizacional --e uma vitória para os assassinos.

Mas existe outra forma de responder às inquietações do leitor --e a história do século 20 continua sendo a melhor escola.

Daqui a uns dias, passarão 50 anos desde a morte de Winston Churchill. E um livro recente tem ocupado os meus dias: "The Literary Churchill", de Jonathan Rose (Yale University Press, US$ 25, 528 págs.), uma biografia do velho Winston lançada em 2014 que procura explicar o seu percurso político por meio dos textos que ele leu, escreveu e, naturalmente, representou como grande ator que era.

Um capítulo da obra, porém, merece atenção especial à luz do terrorismo na França: na década de 1930, com a memória da Primeira Guerra Mundial ainda fresca, a elite política (e conservadora) britânica tentava desesperadamente não embarcar em novo conflito contra a Alemanha.

E Lord Halifax, secretário de Relações Exteriores, era apenas um dos rostos dos "appeasers" (pacifistas, em português) que acreditou na possibilidade de manter a fera na sua jaula.

Halifax conheceu pessoalmente Hitler em 1937 e notou que o Führer nutria um ódio insano por dois temas em especial: o comunismo soviético (lógico) e, atenção leitor, a liberdade de expressão da imprensa britânica (ilógico?).

Para Hitler, e para o ministro da Propaganda alemã Goebbels, a imprensa britânica era o grande obstáculo para a paz. Por quê?

Ora, porque bastava ler a prosa antigermânica do "News Chronicle" ou do "Manchester Guardian" para concluir que os jornalistas britânicos não respeitavam a figura sagrada de Hitler, o "profeta" da raça ariana.

E quem diz "ler", diz "ver": no "Daily Herald" ou no "Evening Standard", Hitler não apenas era severamente criticado (por Churchill, por exemplo). Ele era igualmente ridicularizado nos cartuns de Will Dyson ou David Low (os Wolinskis da época).

Halifax, que nunca se notabilizou pela coragem, regressou à Inglaterra com a mesma ideia que o leitor ecumênico tem na cabeça: se ao menos a imprensa se comportasse"¦ Quem sabe? Talvez Hitler ficasse sossegadamente em Berlim, desenhando nas horas livres e constituindo família com Eva Braun.

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Aliás, Halifax não ficou nas ideias: ele convenceu mesmo David Low a moderar os seus desenhos, coisa que o artista fez, mas só até Hitler invadir a Áustria em 1938.

Depois disso, regressaram os cartuns antinazistas (que os "appeasers" continuavam a considerar "gratuitos" e de "mau gosto").

Curioso: Hitler devorava a Europa, pedaço a pedaço, em busca do seu "espaço vital". Mas as avestruzes britânicas acreditavam que tudo seria diferente se o lunático Adolfo tivesse sido tratado com "respeito" pelos jornais.

Churchill nunca mostrou respeito. E, quando finalmente assumiu o governo, em 1940, tratou Hitler com a dureza de sempre. A besta nazista foi derrotada em 1945.

Existe uma moral na história dessa história?

Existe, leitor ecumênico: não somos nós os culpados pela loucura dos outros. Imaginar o contrário, por medo ou ignorância, é simplesmente partilhar a loucura em que eles vivem.