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FOLHA UNIVERSAL E A DOMINAO MASCULINA: UMA ANLISE DO
DISCURSO DA MDIA IMPRESSA RELIGIOSA
Wellton da Silva de Fatima1
RESUMO
Este trabalho busca compreender os processos de constituio de sentidos sobre a
mulher no discurso do Jornal Folha Universal da Igreja Universal do Reino de Deus,
tendo como pressuposto a dominao masculina com base no referencial terico e
metodolgico da Anlise do Discurso de linha francesa. O corpus se constitui de duas
edies da coluna Folha Mulher, mais especificamente dos enunciados destacados nos
chamados olhos caractersticos do discurso jornalstico. Buscamos estabelecer nessas
anlises a existncia dos sentidos estabilizados, mas tambm a possibilidade de
rupturas, de deslocamentos. Quanto construo da identidade da mulher, levamos em
considerao e operamos com os conceitos de memria, interdiscurso, formaes
discursivas e formaes ideolgicas; focando nas possibilidades que se do com as
expresses e cadeias parafrsticas.
Introduo
Religio, dominao masculina e mdia
A noo de dominao masculina em que estaremos inscritos no decorrer desse
trabalho est ancorado nos estudos elaborados por Pierre Bourdieu e se refere,
primordialmente, s relaes de poder que eternizam, arbitrariamente, o masculino em
detrimento do feminino no que consiste ao convvio em sociedade, a partir de uma
perspectiva discursiva.
Portanto, nos caro aprofundarmo-nos nesse conceito em uma perspectiva mais
ampla, afunilando as possibilidades de transversalidade do domnio masculino nas
relaes de poder e suas manifestaes atravs do discurso.
A partir de uma viso ampliada, Bourdieu (2014) ressalta a eternizao do
carter arbitrrio da dominao masculina, espantando-se em relao a ordem do
mundo, com seus sentidos nicos e seus sentidos proibidos. ordem estabelecida, com
suas relaes de dominao, seus direitos e suas imunidades, seus privilgios e suas
injustias, perpetue-se apesar de tudo [...]. Sendo assim, a perspectiva que se parte de
estranhamento do perpetuamento dessas estruturas, mesmo diante de um dado cenrio a
que a sociedade encontra-se imersa em seus determinados recortes de momentos
histricos e suas (incertas) progresses de pensamento social.
H, nesse sentido, uma incorporao de esquemas inconscientes de percepo
das estruturas histricas da ordem masculina, havendo a necessidade, portanto, da busca
de uma estratgia que consista em transformar um exerccio de reflexo transcendental
visando explorar as categorias de entendimento ou as formas de classificao com
as quais construmos o mundo. Tudo isso diante de um panorama etnogrfico de
1 Graduando em Letras/Literaturas pela UFRRJ Bolsista PIBIC/CNPq malcon.welton1@gmail.com
estruturas objetivos baseados em uma viso falo-narcsica e na cosmologia
androcntrica.
A respeito do componente etnogrfico percebido no que se refere a construo
social dos corpos h um trato da ordem da sexualidade comparada a dois universos
diferentes, sendo um deles a sociedade Cabila; no tocante a incorporao da dominao,
a ideia da definio social do corpo e dos rgos sexuais est evidenciada medida que
se compreende aqui o produto desses dois fatores enquanto um trabalho de construo
social. A violncia simblica, na perspectiva da dominao masculina, consiste no
aparato no qual se encontram reunidas todas as condies do pleno exerccio da
sobreposio da masculinidade, atravs de estruturas sociais e atividades produtivas e
reprodutivas, com base em uma diviso sexual do trabalho.
relevante notar, tambm, que na gnese do habitus feminino e nas condies
sociais de sua realizao tudo concorre para fazer da experincia feminina do corpo o
limite da experincia universal do corpo-para-o-outro, desse modo, o corpo percebido
duplamente determinado socialmente. Postula-se que atravs daquele que detm o
monoplio da violncia simblica legtima dentro da famlia que se exerce a ao
psicossomtica que leva somatizao da lei, dessa forma a adeso a ordem das coisas,
do princpio das tendncias afetivas atribudos mulher na diviso do trabalho de
dominao, da socializao diferencial que predispe os homens a amar os jogos de
poder e as mulheres a amar os homens que os jogam.
Portanto, compreende-se que o panorama de dominao atual tende
perpetuao tendo como contracondutas algumas possibilidades como o trabalho
histrico de des-historicizao no qual preciso reconstruir a histria do trabalho
histrico de des-historicizao, sendo importante a pesquisa histrica que, por sua vez,
no pode se limitar a descrever as transformaes da condio das mulheres no decorrer
dos tempos. No que se refere a possibilidade de mudana h de positivo o fato de que a
dominao masculina no impe mais com a evidncia de algo que indiscutvel. E de
todos os fatores de mudana, os mais importantes so os que esto relacionados com a
transformao decisiva da funo de dadas instituies que funcionam como aparelhos
ideolgicos do estado (Althusser, 1998), na reproduo da diferena entre os gneros.
Observando fenmenos inerentes s relaes humanas em uma perspectiva atual,
pode-se afirmar que a sociedade se circunscreve, ainda, em um regime estrutural
estritamente patriarcal, estando esse regime anterior a agentes sociais como, por
exemplo, a famlia e a igreja, os quais se configuram enquanto aparelhos ideolgicos do
Estado (Althusser, 1998). A organizao do patriarcado coloca a figura masculina no
centro do poder, estando submetidas a ela as demais instncias. Desse modo, as
mulheres j se inscrevem na perspectiva da diferena j que se encontram submetidas
masculinidade. A dominao masculina, que constitui as mulheres como objetos
simblicos [...] tem por efeito coloca-las em permanente estado de insegurana corporal,
ou melhor, de dependncia simblica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos
outros [...] (Bourdieu, 2014, p. 96). Ainda de acordo com Bourdieu, as relaes entre
os gneros se do conforme algumas associaes que se do em uma perspectiva
perpetuadamente simblica nas quais, por exemplo, as mulheres sempre esto
associadas ao espao interno, enquanto os homens estaro associados ao espao externo.
Nesse sentido, a masculinidade pressuposto fundamental para se exercer determinadas
posies no que se refere aos pares opositivos que contrapem a vida pblica e a vida
privada, o viril e o sensvel, entre outras coisas:
Nas faculdades de medicina, a poro de mulheres decresce
medida que se sobe na hierarquia das especialidades, algumas
das quais, como a cirurgia, lhes esto praticamente interditadas,
ao passo que outras, como a pediatria, ou a ginecologia, lhes
esto quase que reservadas. Como se v a estrutura se perpetua
nos pares de oposio homlogos s grandes divises
tradicionais, com a oposio entre as grandes escolas e as
faculdades de direito e de medicina e as faculdades de letras, ou,
dentro destas, entre a filosofia ou a sociologia e a psicologia ou
histria da arte. E sabido que o mesmo princpio de diviso
ainda aplicado, dentro de cada disciplina, atribuindo aos homens
o mais nobre, o mais sinttico, o mais terico e s mulheres o
mais analtico, o mais prtico, o menos prestigioso. (Bourdieu,
2014, p. 127)
Ainda luz dos estudos de Pierre Bourdieu, e na perspectiva sobre os pares
opositivos que evidenciam as divises dos papis de gnero, possvel perceber que h
lugares determinados aos quais somos designados e pr-dispostos ao sermos, no
momento do nascimento, designados segundo a genitlia. Sendo o feminino o lado
onerado dessa determinao social, indagam-se os motivos pelos quais a insurgncia de
negao a esse destino no seja um procedimento comum mesmo na
contemporaneidade, todavia, e seguindo a noo de habitus, entende-se que o processo
to naturalizado que a problematizao cotidiana fica comprometida, mesmo por parte
das mulheres: [...] as meninas incorporam, sob forma de esquemas de percepo e de
avaliao dificilmente acessveis conscincia, os princpios da viso dominante que as
leva a achar normal, ou mesmo natural, a ordem social tal como [...] (Bourdieu, 2014,
p.13).
A dominao masculina est enraizada na sociedade e as suas manifestaes
perpassam a perspectiva discursiva j que se inscrevem nela componentes ideolgicos
cujos sentidos so construdos historicamente. Esses sentidos, ao longo do tempo e das
transformaes pelas quais a sociedade passa, perpetuam-se e continuam a fixar a
masculinidade, simbolicamente, como centro do poder em detrimento da figura
feminina. Nesse sentido, compreender as diversas nuances pelas quais se manifestam e
se perpetuam essas estruturas de dominao torna-se urgente.
Refletindo a partir da ideia de prtica e de divindade caractersticas das religies
monotestas, encontramos processos similares principalmente entre as religies da
descendncia de Abrao, tais processos respaldados no texto sagrado e estruturado em
um modus operandis hierrquico que pe em evidencia a figura masculina para alm
apenas do embate homem/mulher. Alis, a fundao a que pod