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CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA E CIÊNCIA DOS MATERIAIS, 14., 2000, São Pedro - SP. Anais 28701
FONTES DE ENDURECIMENTO POR PRECIPITAÇÃO EM AÇOS
MICROLIGADOS PARA TIRAS A QUENTE
H.-J. Kestenbach e J. Gallego
Departamento de Engenharia de Materiais
Universidade Federal de São Carlos
RESUMO
Foi re-examinada a precipitação de carbonitretos na austenita como possível fonte de
endurecimento em aços microligados. Microscopia eletrônica de transmissão e o modelo de
Orowan-Ashby foram utilizados para identificar a origem e determinar o potencial de
endurecimento dos carbonitretos encontrados num aço comercial, microligado ao Nb e Ti e
processado sob condições industriais num laminador para tiras a quente. Partículas de 2 nm
em diâmetro foram associadas com a precipitação interfásica, enquanto um tamanho médio de
4.5 nm foi encontrado para as partículas que tinham nascido na austenita. Apesar da sua
distribuição aparentemente mais grosseira, os carbonitretos formados na austenita
apresentaram um potencial de endurecimento não muito inferior ao potencial oferecido pela
precipitação interfásica.
Palavras chave: aços microligados, endurecimento por precipitação, carbonitretos,
precipitação interfásica, microscopia eletrônica de transmissão.
ABSTRACT
The possibility of strengthening microalloyed steels by carbonitride precipitation in austenite
was re-examined. Transmission electron microscopy and the Orowan-Ashby model were
employed in order to identify the origin and determine the strengthening potential of various
types of carbonitride distributions present in a commercial Nb and Ti microalloyed steel
which had been processed under industrial conditions on a hot strip mill. Particle diameters of
about 2 nm could be linked to the event of interphase precipitation, while somewhat larger
particles with an average size of 4.5 nm were found to be the result of austenite precipitation.
Although most of the austenite carbonitrides seemed to be distributed on a coarser scale, their
precipitation strengthening potential was shown to be similar to that of interphase
precipitation.
Keywords: microalloyed steels, precipitation strengthening, carbonitrides, interphase
precipitation, transmission electron microscopy.
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INTRODUÇÃO
O endurecimento por precipitação de carbonitretos é um importante mecanismo que
aumenta a resistência mecânica dos aços microligados. Acreditava-se, geralmente, que um
efeito significativo de endurecimento exigisse partículas muito finas e semicoerentes que
apenas a precipitação na ferrita durante ou após a transformação γ→α poderia fornecer [1].
Desta maneira, a formação de carbonitretos durante a laminação na austenita, embora
importante para o refino de grão, significaria uma perda de elementos de microliga em
solução e, consequentemente, uma redução do endurecimento por precipitação na ferrita [2,3].
Por outro lado, observações recentes de aços microligados comerciais por microscopia
eletrônica sugeriram que a precipitação na austenita também oferece um razoável potencial de
endurecimento [4,5].
Neste trabalho, serão revistos os argumentos antigos a favor do papel exclusivo dos
carbonitretos nucleados na ferrita, e apresentados novos dados teóricos e experimentais que
revelam mais uma vez a contribuição significativa de partículas formadas na austenita. Em
particular, será apresentado como exemplo um aço comercial microligado ao Nb e Ti no qual
tanto a precipitação na austenita como a precipitação interfásica foram encontradas juntas nos
mesmos grãos ferríticos, gerando níveis semelhantes de endurecimento.
1. RESUMO DA LITERATURA ANTIGA
O estudo cuidadoso da literatura original que acompanhou o desenvolvimento dos
aços microligados ao nióbio durante a década de 60 revela claramente a fraqueza dos
argumentos a favor do endurecimento apenas por partículas nucleadas na ferrita. Os seguintes
fatos merecem destaque:
� As primeiras observações por microscopia eletrônica sugeriram que os carbonitretos
formados na ferrita mantinham coerência com a matriz, uma vez que eles podiam ser
encontrados apenas em amostras de folha fina e não em réplicas de extração [6]. Em
comparação, partículas podiam ser extraidas após um tratamento térmico de normalização
que era conhecido pelo seu efeito redutor da resistência mecânica em aços laminados
[6,7]. Portanto, concluiu-se que, durante a normalização, os carbonitretos formados na
ferrita perderiam o seu potencial de endurecimento devido à perda de coerência com a
matriz no momento da transformação α→γ. E o mesmo destino seria reservado às
partículas nucleadas na austenita que perderiam a coerência com a matriz e assim o seu
potencial de endurecimento durante a transformação γ→α. De acordo com cálculos
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teóricos, no entanto, o potential de endurecimento seria pouco afetado pela presença ou
não de coerência, enquanto o mecanismo de Orowan tivesse operando [8]. Além disso,
quando observados no microscópio eletrônico de transmissão, carbonitretos nucleados na
ferrita não exibem aquele contraste típico gerado por precipitados coerentes [9].
Finalmente, outros autores demonstraram, na mesma época ainda, que os carbonitretos
nucleados na ferrita poderiam, sim, ser transferidos para as réplicas de extração com a
simples escolha de um ataque metalográfico mais leve [10].
� Perdas na resistência mecânica foram de fato observadas quando, durante o processa-
mento termomecânico, a precipitação na austenita foi favorecida por baixas temperaturas
de laminação [11] ou pelo resfriamento mais lento durante a laminação [12]. Nestes casos,
porém, foram escolhidas condições de processamento que geraram partículas na austenita
com tamanhos de 20 a 30nm [12]. Tais partículas são muito grandes quando comparadas
com as partículas em torno de 6nm que foram encontradas em aços comerciais para tiras a
quente [4,5].
� Na maioria dos trabalhos iniciais sobre aços ao nióbio, a precipitação de carbonitretos foi
investigada em aços experimentais onde as condições de laminação eram geralmente
diferentes daquelas utilizadas no processamento industrial. Além disso, muitos estudos
por microscopia eletrônica utilizaram amostras em forma de réplicas de extração nas quais
é mais difícil distinguir entre carbonitretos nucleados na austenita ou na ferrita.
� A possibilidade de determinar a origem dos carbonitretos por difração de eletrons,
analisando a sua orientação cristalográfica em relação à ferrita [13], foi demonstrada
muitos anos atrás [14]. No entanto, poucos pesquisadores se aproveitaram desta técnica
em trabalhos posteriores.
2. PREVISÃO DE ENDURECIMENTO POR PRECIPITAÇÃO
A Fig.1 apresenta os efeitos da fração volumétrica e do tamanho de partículas sobre o
endurecimento por precipitação, calculados através do modelo de Orowan-Ashby [15]
d)1630ln(df10.8=σ∆ (1)
onde ∆σ representa o aumento do limite de escoamento em MPa, f a fração volumétrica e d o
diâmetro médio das partículas em µm. Conforme Gladman e colaboradores, este modelo
fornece estimativas quantitativas realísticas para o endurecimento provocado por carbonitretos
em aços microligados [16,17]. Como pode ser visto na Fig.1, a contribuição do
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endurecimento por precipitação depende fortemente da fração volumétrica e muito menos do
tamanho das partículas. Mostraremos em seguida que a precipitação na austenita consegue
contribuir à resistência mecânica do aço principalmente por causa deste efeito pouco
expressivo do tamanho dos precipitados sobre o endurecimento.
Fig.1: Previsão do modelo de Orowan-Ashby a respeito dos efeitos da fração volumétrica f edo diâmetro d de partículas sobre o endurecimento por precipitação ∆σy.
3. PRECIPITAÇÃO DE CARBONITRETOS EM TIRA A QUENTE COMERCIAL
Durante observações recentes por microscopia eletrônica de um aço microligado com
0.12%C, 1.20%Mn, 0.33%Si, 0.06%Nb e 0.05%Ti, processado em condições industriais
numa linha de laminação para tiras a quente, duas populações distintas de carbonitretos foram
encontradas em vários grãos ferríticos, indicando tanto a presença de partículas maiores
formadas na austenita durante a laminação de acabamento como também a presença de
partículas mais finas precipitadas durante a transformação γ→α. O limite de escoamento do
aço atingiu 534 MPa, nível elevado que geralmente sugere uma parcela significativa de
endurecimento por precipitação. A Fig.2(a) apresenta a microestrutura de ferrita + perlita
deste material, enquanto a Fig.2(b) mostra um daqueles grãos ferríticos nos quais a
precipitação fina de carbonitretos foi analisada no microscópio eletrônico de transmissão.
Neste grão, frações volumétricas e o tamanho médio das partículas foram determinados em 3
áreas denominadas “I” (precipitação interfásica), “A” (precipitação na austenita) e “G”
(precipitação geral) na Fig.2(b). Sub-regiões das áreas “I” e “A” são mostradas com maior
aumento na Fig.3.
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(a) (b)Fig.2: Aço comercial microligado ao Nb e Ti e laminado para tira a quente. Microscopia ótica
mostrando microestrutura de ferrita + perlita em (a), microscopia eletrônica de
transmissão de um grão ferrítico apresentando ambas precipitação na austenita e
precipitação interfásica em (b). Contribuições localizadas de endurecimento por
precipitação foram determinadas para as áreas I, G e A através do modelo de Orowan-
Ashby. Ver discussão no texto.
Na Fig.3(a), partículas finas e alinhadas em camadas revelaram a ocorrência de
precipitação interfásica. Apenas estas partículas alinhadas foram incluidas na análise de
endurecimento na área “I” pelo modelo de Orowan-Ashby. Quanto à área “A”, tanto
partículas maiores como menores podiam ser observadas em condições de campo claro na
Fig.3(b), enquanto a maioria das partículas maiores mas nenhuma das partículas menores
apareceram em condições de campo escuro na Fig.3(c). A orientação cristalográfica destas
partículas maiores foi determinada a partir do difratograma apresentado na Fig.3(d), onde a
posição da abertura objetiva identificou a reflexão 200 utilizada para iluminar as partículas da
Fig.3(c). Esta posição não obedece à orientação cristalográfica determinada por Baker e
Nutting [18] para carbonitretos formados na ferrita, comprovando que todas as partículas que
aparecem na Fig.3(c) devem ter nascido na austenita. Assim, apenas as partículas visíveis em
condições de campo escuro conforme Fig.3(c) foram incluidas nas medidas quantitativas da
área “A”. Finalmente, todas as partículas foram contadas e medidas na área “G” que, em
condições de campo claro, deve ter apresentado tanto partículas maiores nascidas na austenita
como partículas menores formadas pela precipitação interfásica.
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(a) (b)
(c) (d)Fig.3: Detalhes da precipitação de carbonitretos no grão ferrítico mostrado na Fig.2(b).
Precipitação interfásica e precipitação geral de carbonitretos em (a). Campo claro de
precipitação geral em (b), campo escuro da mesma área apenas com carbonitretos
nucleados na austenita em (c). Difratograma com o feixe eletrônico paralelo a <110> na
ferrita e mostrando (pela posição da abertura objetiva em exposição fotográfica dupla)
a reflexão 200 dos carbonitretos utilizada na formação do campo escuro em (c).
Para a determinação de frações volumétricas, as franjas nos contornos de grão geradas
sob condições controladas de contraste [19] serviram para medidas da espessura de amostra.
Assim, as franjas na Fig.2(b) revelaram que a espessura aumentava de 88nm no canto baixo
ao lado direito a 117nm no canto alto ao lado esquerdo da figura.
A Tabela 1 apresenta os principais resultados das medidas quantitativas e da análise
pelo modelo de Orowan-Asby. Nesta tabela aparecem, como destaques, os 65 MPa de
endurecimento causados pela precipitação mais grosseira na austenita, ao lado dos 85 MPa de
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endurecimento proporcionado pela precipitação interfásica mais fina. Obviamente, e em
relação ao endurecimento total, o endurecimento pela precipitação na austenita não pode ser
desprezado.
Tabela 1: Estimativas Quantitativas do Endurecimento por Precipitação
Origem dosprecipitados
Área naamostra
Espessura daamostra [nm]
Diâmetro daspartículas [nm]
Fraçãovolumétrica
∆σ[MPa]
Austenita A 100 4.5 1.85 x 10-4 65Interface γ/α I 117 2.0 1.90 x 10-4 85Geral G 111 2.2 3.15 x 10-4 112
4. DISCUSSÃO
No processamento industrial para tiras a quente se destacam a sequência muito rápida
de passes durante a laminação de acabamento e o resfriamento acelerado antes do bobina-
mento. Assim, pouco tempo está à disposição para a precipitação de carbonitretos na
austenita, fato que frequentemente serviu como argumento principal contra uma eventual
contribuição deste modo de precipitação ao endurecimento [2,3]. No entanto, uma vez
nucleadas com a ajuda da deformação na austenita, estas partículas tem todas as
oportunidades de crescer durante o bobinamento, competindo com a “precipitação mais fina
na ferrita” pelos átomos de microliga ainda em solução durante o resfriamento. Como
resultado, precipitação na austenita e precipitação interfásica podem chegar a frações
volumétricas semelhantes, como mostrado na Tabela I.
Na discussão quantitativa do endurecimento por precipitação pelo mecanismo de
Orowan, muita atenção deve ser prestada ao “efeito duplo” do tamanho das partículas.
Embora, para uma determinada fração volumétrica dos precipitados, o aumento do diâmetro
médio das partículas (característico para a precipitação de carbonitretos na austenita quando
comparada à precipitação na ferrita) causasse um aumento linear na distância entre partículas,
o efeito sobre o endurecimento é bem menor (Fig.1). Isto porque o endurecimento é
controlado não pela distância média entre partículas no arranjo tridimensional, mas pela
distância média efetiva entre partículas no plano de deslizamento. E a chance de um
determinado plano de deslizamento cortar as partículas aumenta com o diâmetro médio destas
partículas.
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5. CONCLUSÕES
Os resultados deste trabalho permitem as seguintes conclusões :
� Uma análise crítica da literatura mostrou a fraqueza dos argumentos que foram utilizados
no passado para defender a formação de carbonitretos na ferrita como única fonte de
endurecimento por precipitação em aços microligados.
� Novos resultados experimentais confirmaram a importância da precipitação de
carbonitretos na austenita para o endurecimento por precipitação em tiras a quente.
AGRADECIMENTOS
Os autores reconhecem o apoio financeiro recebido da Fapesp (97/01324-0 e
99/11101-3). Individualmente, HJK agradece ao CNPq e JG à Capes pela concessão de bolsas
no período de realização deste trabalho. Os nossos agradecimentos incluem ainda a Cosipa
pelo fornecimento de amostras do aço comercial.
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