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Fontes históricas e ditadura: usos e abordagens no ensino de História. Jaqueline Ap. M. Zarbato ( UFMS/CPTL) 1 A história é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta disso. Já que é, de fato uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tão pouco o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não é o dos atores, é uma narração, o que permite evitar alguns falsos problemas. (VEYNE, 1998, p.18) Quando Paul Veyne aponta que a história é uma narrativa de eventos, possibilita a análise das diferentes fontes históricas, indo além da utilização do documento escrito, ampliando assim, os ‘olhares’ sobre a produção do conhecimento histórico. Refletindo sobre essas concepções, esse artigo visa analisar os usos e as abordagens das imagens representadas em duas coleções de Livros didáticos de História, do Ensino Fundamental sobre o papel da mulher no período da Ditadura Militar no Brasil. A utilização das fontes históricas em sala de aula, são muitas vezes, veículos que produzem interpretações do passado. E as interpretações projetadas pelos livros didáticos, possibilitam diferentes encaminhamentos e interpretações do conhecimento histórico, além de permitir a construção de conceitos históricos. O uso das fontes na sala de aula também tem uma história porque os interesses dos historiadores variavam no tempo e no espaço, em relação direta com as circunstâncias de suas trajetórias pessoais e com suas identidades culturais.( Janotti, 2011, p 10) A discussão sobre as escolhas das fontes ou a concepção cultural que impulsiona a abordagem metodológica, com relação estreita com os conceitos históricos e a cultura histórica. Encaminhando assim, a concepção de sentido para as práticas. Pois como aponta Jorn Rusen( 2014, p 179) a formação histórica de sentido a quinta- 1 Professora Doutora formada pela UFSC, atualmente docente no Curso de História, UFMS/CPTL. Responsável pelos Estágio Supervisionado em História e prática de ensino de História.

Fontes históricas e ditadura: usos e abordagens no ensino ... · A utilização das fontes históricas em sala de aula, são muitas vezes, veículos que produzem interpretações

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Page 1: Fontes históricas e ditadura: usos e abordagens no ensino ... · A utilização das fontes históricas em sala de aula, são muitas vezes, veículos que produzem interpretações

Fontes históricas e ditadura: usos e abordagens no ensino de História.

Jaqueline Ap. M. Zarbato ( UFMS/CPTL)1

A história é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta disso. Já que é, de fato uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tão pouco o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não é o dos atores, é uma narração, o que permite evitar alguns falsos problemas. (VEYNE, 1998, p.18)

Quando Paul Veyne aponta que a história é uma narrativa de eventos, possibilita

a análise das diferentes fontes históricas, indo além da utilização do documento escrito,

ampliando assim, os ‘olhares’ sobre a produção do conhecimento histórico.

Refletindo sobre essas concepções, esse artigo visa analisar os usos e as

abordagens das imagens representadas em duas coleções de Livros didáticos de

História, do Ensino Fundamental sobre o papel da mulher no período da Ditadura

Militar no Brasil.

A utilização das fontes históricas em sala de aula, são muitas vezes, veículos

que produzem interpretações do passado. E as interpretações projetadas pelos livros

didáticos, possibilitam diferentes encaminhamentos e interpretações do conhecimento

histórico, além de permitir a construção de conceitos históricos.

O uso das fontes na sala de aula também tem uma história porque os interesses

dos historiadores variavam no tempo e no espaço, em relação direta com as

circunstâncias de suas trajetórias pessoais e com suas identidades culturais.( Janotti,

2011, p 10) A discussão sobre as escolhas das fontes ou a concepção cultural que

impulsiona a abordagem metodológica, com relação estreita com os conceitos históricos

e a cultura histórica. Encaminhando assim, a concepção de sentido para as práticas.

Pois como aponta Jorn Rusen( 2014, p 179) a formação histórica de sentido a quinta-

1 Professora Doutora formada pela UFSC, atualmente docente no Curso de História, UFMS/CPTL.

Responsável pelos Estágio Supervisionado em História e prática de ensino de História.

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essência dos procedimentos e atividades mentais mediante as quais a experiência do

passado é interpretada e atualizada como história.

Na discussão sobre o desenvolvimento da consciência histórica, o/a aluno/a está

no lugar principal na construção do conhecimento histórico, para obtê-lo é necessário

que compreenda que a História é formada por teorias, que podem ocorrer mudanças e,

após essa análise, o/a aluno/a deve ser capaz de entender as diferentes relações presentes

nos diferentes processos das sociedades. Sobre isso, Jorn Rüsen destaca que ( 1992):

"A aprendizagem histórica é um processo de desenvolvimento da consciência histórica no qual deve adquirir competências da memória histórica.As consciências que permitem efetuar uma idéia de organização cronológica que, com coerência interna entre passado , presente e futuro,permitirá organizar a própria experiência de vida, são as mesmas competências que se necessitam para poder

receber e também poder produzir historias"

Desta forma, na abordagem sobre a utilização de fontes históricas: documentos

escritos, imagens, objetos, depoimentos, etc, oferece um aprofundamento acerca dos

conceitos e acontecimentos históricos, com diferentes perspectivas para os discursos

históricos, já que:

[…] o discurso histórico, mesmo acompanhado pelas indicações das atividades e metodologias do historiador, cria, constantemente, o paradoxo de mascarar as condições de sua produção e colocar em cena uma realidade com que ele tende, abusivamente, a se confundir. Assim, para o ensino da História, o trabalho para entender e desvelar o discurso histórico impõe uma atividade incessante e sistemática com o documento em sala de aula (Schmidt; Cainelli, 2004, p.89)

Ampliar as concepções históricas com o uso de fontes históricas indicam

possibilidades de estender e aprofundar o conhecimento na sala de aula. Assim, as

fontes históricas são o material o qual os historiadores se apropriam por meio de

abordagens específicas, métodos diferentes, técnicas variadas para tecerem seus

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discursos históricos. (Pinsky, 2005, p 07). Desta forma, o conceito de fonte histórica

ampliou-se significativamente, com implicações de discursos, imagens, documentos.

Porém, fica a cargo do/a professor/a historicizar, contextualizar e interpretar as fontes.

Além disso, devem também ser interpretadas como artefatos culturalmente construídos

e repletos de intencionalidade pelos grupos que a originaram, pois: “tudo que o homem

diz ou escreve, tudo que fabrica tudo o que toca pode e deve informar sobre ele”.

(Bloch, 2001, p.79.)

A compreensão das narrativas através dos usos das fontes históricas, possibilita

que se torne significativa a prática, para que, como afirma Jorn Rüsen (2007, p 133):

“permita ao indivíduo a indagação sobre o passado de forma que a resposta lhe faça

algum sentido no presente e que de alguma maneira esse sujeito encontre uma

orientação histórica para a sua vida cotidiana”. Por mais que as fontes históricas estejam

disponíveis para o trabalho didático nas aulas de História, percebe-se que o uso de

algumas imagens e representações sobre o período da Ditadura Militar são recorrentes.

Talvez porque, as fontes históricas assumem um papel fundamental na prática do ensino

de história, uma vez que são capazes de ajudar o aluno a fazer diferenciações,

abstrações que entre outros aspectos é uma dificuldade quando tratamos de crianças e

jovens em desenvolvimento cognitivo. No entanto, diversificar as fontes utilizadas em

sala de aula tem sido o maior desafio dos professores na atualidade (FONSECA, 2005,

p.56).

2. A Ditadura Militar no Brasil e as representações no ensino de História.

O período do Regime Militar no Brasil tem conotações históricas que

fundamentam a institucionalização do Estado. Maria Jose Resende, em seu estudo

sobre a Ditadura militar no Brasil, apresenta a contextualização histórica, versando

sobre o processo repressivo e a pretensão da legitimidade. Assim, aprofunda as

discussões a partir dos órgãos governamentais e a ações em torno do controle social.

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Segundo a autora, nos anos que antecederam ao golpe, a movimentação das

camadas populares, dos sindicatos, dos estudantes, a organização de um congresso de

trabalhadores rurais em Belo Horizonte (1961) e a criação da Central Geral dos

Trabalhadores (CGT), encontrava-se permeada pelo contexto internacional de “guerra

fria”, constituindo-se reflexo desta ameaça.

Ainda sob essa análise, a autora aponta as questões econômicas, enfocando o

“milagre econômico”, o qual trouxe demandas sociais bem significativas, como o

“arrocho salarial”, impulsionando a criação de uma nova legislação trabalhista em

1965. Assim, insere-se na questão econômica a concentração oligopolística das

empresas nacionais e estrangeiras e, por outro lado, a emissão de moedas desencadearia

uma onda inflacionária.

Neste processo, a política econômica adotada, agregou também de um aparato

repressivo que garantisse a desmobilização dos setores oposicionistas. Entram em cena,

os Atos Institucionais, como o n˚. 5, considerado uma das medidas mais repressoras, o

qual suspendia todas garantias individuais e constitucionais, sem prazo de vigência.

O empenho da ditadura militar, durante toda a sua vigência (1964-1984), para

demonstrar que suas ações, medidas, atos e desígnios se consubstanciavam em um

determinado sistema de idéias e valores sobre uma suposta democracia se constituiu em

um dos pilares de sua pretensão de legitimidade.( Resende, 2013. p 01)

A ditadura orientou, no entanto, sua busca de legitimidade através de uma

hipotética pretensão democrática que se constituiu numa espécie de fio condutor

presente em todos os governos militares. A construção de um suposto ideário de

democracia enquanto um sistema que sedimentasse determinados interesses e valores

sociais foi, sem nenhuma dúvida, uma das grandes prioridades daquele período o que

remete à necessidade de investigar ao mesmo tempo quais eram os elementos subjetivos

e objetivos definidores daquele processo.( Resende, 2013. p 02)

Percebe-se que o período de 1964 à 1984 foi compreendido como um período

conturbado da História brasileira, em que a democracia foi adormecida e em seu lugar

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as ações e medidas repressivas tomaram conta de todos os espaços. Mas, como a

ditadura militar é trabalhada e representada na prática educativa de História? Quais as

representações são mais publicizadas nas aulas de História? Que usos e materiais são

utilizados para abordar a Ditadura Militar?

Ao abordar o período da Ditadura Militar remete-se o estudo da História do

Tempo Presente, mas com a utilização de elementos da memória histórica é possível

problematizar as representações e discursos que foram produzidos neste período. A

memória contribui através dos relatos, imagens, indícios que são conhecidos e outros

que são desconhecidos, produzindo através da fonte histórica, um processo de

investigação científica.

Algumas imagens, representações impressas nos livros didáticos enfocam as

questões da Ditadura Militar, a partir de discursos que produzem e cristalizam

discussões sobre a História do Brasil.

Neste sentido, elencou-se em duas coleções de livro didático, que tem uma

unidade voltada à questão da Ditadura, com o intuito de analisar o enfoque, as

concepções descritas sobre os sujeitos envolvidos neste contexto; as descrições das

mobilizações; as imagens relacionadas aos eventos políticos que são narrados nos

livros. A intenção é perscrutar as narrativas impressas nas unidades dos livros, que

produzem concepções de sentido.

As imagens e representações dos livros didáticos: A produção de sentidos.

O livro do Ensino Fundamental, faz parte de uma coleção intitulada Projeto

Araribá, publicada em 2007. E tem como editora responsável Maria Raquel Apolinário

e organizado pela Editora Moderna, tem a Unidade 7 destinada ao tema geral:

Democracia e Ditadura no Brasil.

A unidade 7 é dividida em temas: O Brasil depois de 1945; os ‘anos dourados’; o

governo João Goulart e o golpe de 1964; o fim das liberdades democráticas; repressão e

abertura; a redemocratização e o governo Sarney.

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Assim, nos temas são abordadas as reflexões sobre o período que concebe o

contexto de 1945 à 1986. Em cada um dos temas, apresenta-se textos, imagens,

atividades direcionadas, encaminhando a leitura para o entendimento do processo

histórico que culmina com a Ditadura Militar e o período após a Ditadura.

Como a intenção proposta neste artigo é analisar as imagens, representações e

produção de sentido sobre a Ditadura Militar, selecionou-se especialmente o tema 4,

devido a reprodução dos textos e as imagens que são projetadas no livro didático, já que

destaca a ‘luta armada’ no Brasil.

O tema 4: O fim das liberdades democráticas tem como objetivo, segundo

apresenta o texto do livro didático, compreender o que aconteceu durante o regime

militar, em que “os brasileiros viveram um período sombrio: perseguições, mortes e

torturas nas prisões” ( p214)

O texto introdutório possui um linguagem coerente, de fácil assimilação por

parte dos leitores. O tema é dividido em quatro subitens, enfocando principalmente a

dualidade entre ‘militares” e a “UNE”( União Nacional de Estudante). No item sobre o

regime apoiado na repressão o texto deixa evidente que “ os militares governaram por

meio de Atos Institucionais”. ( 214)

Mas, não há menção no texto para explicar o que significa um Ato Institucional,

ou seja, a explicação ficaria, talvez, a cargo do/a professor/a. Em contraponto a isso, há

a descrição dos nomes dos políticos famosos que também foram cassados: Leonel

Brizola, João Goulart,Jânio Quadros, Juscelino Kubistschek.

Percebe-se que a maneira de descrever o contexto histórico utiliza os elementos

explicativos relacionados à História política, com pouco enfoque aos elementos

culturais. Sendo assim, os significados impressos nas páginas do livro didático

apropriam-se de conceitos políticos, delimitando os encaminhamentos para a

construção, representação e produção de sentidos. Chartier (1988, p. 26), destaca que

“a apropriação, tal como a entendemos, tem por objectivo uma história social das

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interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais,

institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem.

A imagem que é apresentada no livro didático, destaca os presos políticos. Com

o seguinte texto explicativo: “ presos políticos do regime militar, momentos antes de

partir para o exílio, em setembro de 1969. Eles foram libertados em troca do

embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick, sequestrado pelos guerrilheiros” ( 215)

Percebe-se que a imagem é a única utilizada para representar o processo da

Ditadura. O que nos impulsiona a discutir a relação do texto com a imagem produzida.

Nesta imagem estão representados os ‘presos políticos’, de forma genérica. Não há

menção no texto de quem esses sujeitos, as ações durante o período da Ditadura, quem

eram? O que faziam? As implicações das ações que cometeram? Faziam parte de que

grupos políticos?

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Essas inquietações acerca do silenciamento relativo aos sujeitos que fizeram

parte do processo político é incomum, pois muitas das narrativas e descrições dos

presos políticos ressaltam as informações integrais sobre os mesmos. Desta forma,

pode dizer que o texto do livro analisado procura fazer um panorama sobre a Ditadura

Militar, com um enfoque muito particular e direcionado, como afirma Chartier (1995), “o

objeto impresso buscou sempre instaurar uma ordem; fosse à ordem de sua decifração, a ordem no

interior da qual ele deve ser entendido ou, mais, a ordem almejada pelo olhar da autoridade

que o encomenda ou permite a sua publicação e circulação” (p.11-20).

O segundo livro analisado faz parte da coleção Caminhos da História, publicado

em 2005. E tem como organizadores, Marco Antonio Villa e Joaci Pereira Furtado,

produzido pela Editora Ática. A proposta desta livro destaca na sua apresentação

trabalhar com o Brasil, desde a Independência aos nossos dias.

E destina o capítulo 17 a abordar os anos de chumbo: a ditadura militar( 1964-1985). A

abertura do capítulo traz o seguinte texto:

“ Na manhã de 1º de abril de 1964, os jornais noticiaram em grandes manchetes a decisão das forças armadas de tirar João Goulart da Presidência da República pela força. Atendendo às reinvindicações dos setores conservadores da sociedade brasileira, que não admitiam mudanças que reduzissem seus privilégios, os altos oficiais decidiram acabar com a democracia e impor ao país uma ditadura militar” ( p.163)

Esse trecho descreve sucintamente o que culminou no período intitulado “anos

de chumbo”, mas não apresenta um diálogo anterior que contextualize porque chegou-se

ao embate que culminou com a repressão. De certa maneira, já há um posicionamento

teórico-metodológico em encaminhar a discussão a partir dos “anos de chumbo”, com

uma fundamentação para a produção de sentido impressa no texto do livro didático.

Segundo Chartier (1998):

[...] entre o texto e o sujeito que lê, coloca-se uma teoria da leitura capaz de compreender a apropriação dos discursos, a maneira como estes afetam o leitor e o conduzem a uma nova forma de compreensão de si próprio e do mundo. O autor

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esclarece que os agenciamentos discursivos e as categorias que os fundam – como os sistemas de classificação, os critérios de recorte, os modos de representações – não se reduzem absolutamente às idéias que enunciam ou aos temas que contêm, mas possuem sua lógica própria – e uma lógica que pode muito bem ser contraditória, em seus efeitos, como letra da mensagem (p.87)

Na imagem representa-se um dos tanques durante o golpe militar. Mas, a disposição da

foto evidencia dois sujeitos lendo, sentados no tanque. O que em certa medida, não esta

em consonância com o que o texto apresenta. Percebe-se então, uma lacuna entre o

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texto e a imagem. A representação produzida nesta parte do livro, que visa

primeiramente fundamentar os ‘anos de chumbo’, apontam superficialmente as

questões. O que nos encaminha para a importância e abordagem contida no livro

didático de História, envolvendo conteúdo, produção e difusão deste recurso didático.

Pois, segundo Choppin, 2004, p 563):

No espaço educacional, o livro didático, abrange as diversas etapas do livro escolar, envolvendo a concepção, a produção e a difusão, particularmente nos países em que os livros são produzidos pelas empresas privadas. Se a história das edições didáticas só tem sido abordada recentemente, a despeito do peso econômico considerável do setor, é certamente porque os livros didáticos, desprezados por muito tempo pelos bibliógrafos e bibliotecários, acenderam apenas tardiamente ao status de livro. Mas é também porque encontramos muitas dificuldades, exceto talvez no período mais recente, em delimitar com exatidão esse setor de

atividade.

Na mesma página, ao lado do texto sobre o golpe contra o presidente João

Goulart, há o texto sobre as forças armadas. Com o seguinte texto:

Soldados fortemente armados, caminhões e jipes do exército ocuparam as ruas das principais cidades do país. Sedes de partidos, associações e movimentos que apoiavam as reformas sociais foram tomados pelos soldados. A sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, foi incendiada. Da noite para o dia, o Brasil saiu de um regime democrático para entrar num regime ditatorial. ( p 163)

O texto segue pontuando que o país deixe de ter um regime em que as pessoas

tinham liberdade, para “mergulhar” num regime de terror. Percebe-se que o texto tem

um cunho político-ideológico, e a imagem relacionada ao texto, apresenta a sede da

UNE, com estudantes estendendo faixas na frente da sede.

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A importância em relacionar o texto com a imagem produzida, contribui para o

entendimento de forma ampla, aprofundada sobre o período da Ditadura Militar. Neste

sentido, a concepção teórico-metodológica de cada coleção apresenta recortes,

definições, atividades, proposições que demarcam o campo epistemológico e

historiográfico do qual os autores se baseiam.

E o livro didático é também um depositário dos conteúdos escolares, suporte

básico e sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados pelas propostas

curriculares: é por seu intermédio que são passados os conhecimentos e técnicas

consideradas fundamentais de uma sociedade em determinada época. O livro didático

realiza uma transposição do saber acadêmico para o saber escolar no processo de

explicitação curricular. Nesse processo, ele cria padrões lingüísticos e formas de

comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulário próprio, ordenando

capítulos e conceitos, selecionando ilustrações, fazendo resumos etc. (Bittencourt, 1997:

72).

Em suma, analisar o livro didático de história, com enfoque em um tema

especifico, a Ditadura Militar, requer que seja analisado com a singularidade que

merece, como um instrumento que produz sentidos, em que suas representações vão

além da mera imagem, apresentam discursos e podem formar opiniões de diferentes

formas.

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Logo, compreender o livro didático como um objeto, de extrema complexidade

contribui para desnaturalizar processos e práticas educativas, propiciando leituras e

interpretações de forma crítica e participativa, em constante negociação.

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