203
Universidade Federal do Rio de Janeiro FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA NO RIO GRANDE DO SUL Juliana Bublitz 2010

FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

  • Upload
    vuthuy

  • View
    221

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

Universidade Federal do Rio de Janeiro

FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:

UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA

NO RIO GRANDE DO SUL

Juliana Bublitz

2010

Page 2: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:

UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA

NO RIO GRANDE DO SUL

Juliana Bublitz

Tese de doutorado apresentada ao Programa

de Pós-graduação em História Social da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de doutor em História Social.

Orientador: José Augusto Pádua

Rio de Janeiro

Março de 2010

Page 4: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:

UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA

NO RIO GRANDE DO SUL

Juliana Bublitz

José Augusto Pádua

Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Social

da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de doutor em História Social.

Aprovada por:

__________________________________

Presidente, Prof. Dr. José Augusto Pádua (UFRJ)

__________________________________

Prof. Dr. João Klug (UFSC)

__________________________________

Prof.ª Dra. Maria Verónica Secreto (UFF)

__________________________________

Prof.ª Dra. Andrea Casa Nova Maia (UFRJ)

__________________________________

Prof. Dr. Marcos Luiz Bretas (UFRJ)

Rio de Janeiro

Março de 2010

Page 5: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

Bublitz, Juliana.

Forasteiros na floresta subtropical: Uma história ambiental da colonização européia no Rio Grande do Sul/ Juliana Bublitz. Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGHIS, 2010.

x, 190f.: il.; ...cm. Orientador: José Augusto Pádua Tese (doutorado) – UFRJ/ PPGHIS/ Programa de Pós-Gradação em História

Social, 2010. Referências bibliográficas: f.184-200. 1. História ambiental. 2. Colonização européia. I. Pádua, José Augusto. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. III. Título.

Page 6: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

RESUMO

FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL:

UMA HISTÓRIA AMBIENTAL DA COLONIZAÇÃO EUROPÉIA

NO RIO GRANDE DO SUL

Juliana Bublitz

Orientador: José Augusto Pádua

Resumo da tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de doutor em História Social.

A presente pesquisa propõe uma revisão histórica da colonização européia

desencadeada no Rio Grande do Sul do século 19 a partir da perspectiva de abordagem

da história ambiental, com foco nas antigas colônias alemãs e italianas. Além de

examinar seu impacto ambiental, procurou-se demonstrar que a floresta subtropical,

vista pelos colonos como uma fronteira verde aberta e inesgotável, foi mais do que

simples “palco dos acontecimentos”, condicionando o tipo de sistema produtivo e as

formas de organização social adotadas na nova terra.

Palavras-chave: colonização européia, história ambiental, Rio Grande do Sul

Rio de Janeiro

Março de 2010

Page 7: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

ABSTRACT

FOREIGNERS IN THE SUBTROPICAL FOREST:

AN ENVIRONMENTAL HISTORY OF EUROPEAN COLONIZATION IN

RIO GRANDE DO SUL

Juliana Bublitz

Orientador: José Augusto Pádua

Abstract da tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de doutor em História Social.

This study presents a historical review about the European colonization in Rio

Grande do Sul during the 19th century from the perspective of the environmental

history, focusing on German and Italian colonies. In addition to examining the

ecological impact of the colonies, this research shows that the subtropical forest, which

the colonists saw as a green frontier open and inexhaustible, was much more than just

the "stage of events," tying the type of production system and the ways of social

organization adopted in the new land.

Keywords: colonization, environmental history, Rio Grande do Sul

Rio de Janeiro

Março de 2010

Page 8: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

Da amurada do navio, Willy olha a cidade que os casais de

açorianos fundaram. Desembarca meio estonteado, de mãos dadas com a mulher: Hänsel e Gretel, coitados, perdidos na floresta. Num batelão com as outras famílias de imigrantes

sobem o Rio dos Sinos, de águas barrentas e margens baixas, rio sem história, sem castelos, sem ondinas nem Loreleis.

Tornam a pisar terra firme, entram num carro de bois. Este é o lote que te toca, Willy. Agora não passarás mais fome, como em

tua terra natal. Willy olha a mata. Verflucht! É preciso derrubar as árvores, virar a terra e antes de mais nada fazer

uma casa. Mas o alfaiate Willy não sabe construir casas. Senta-se numa pedra e fica olhando as nuvens e achando que Gott

wird helfen.

Erico Verissimo

O Tempo e o Vento (1949)

A expansão das colônias transformou-se bem cedo numa verdadeira corrida para a mata vigem [...]. Uma série de

fenômenos naturais e sociais se deve a esse fato. Antes de tudo, é o desmatamento progressivo da fralda da serra.

Praticamente todos os terrenos já perderam sua capa silvática; o que resta são os trechos imprestáveis nos flancos mais

íngremes e rochosos das montanhas e as cintas de mato que ladeiam os degraus da serra. Capoeiras e matos secundários

sujos caracterizam a estrada trilhada pela agricultura de exploração dos cem anos passados.

Balduíno Rambo

A fisionomia do Rio Grande do Sul (1942)

Page 9: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

Dedico este trabalho aos meus antepassados, que no século 19 cruzaram o oceano em busca do sonho de uma nova

vida no Sul do Brasil.

Page 10: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

AGRADECIMENTOS

A conclusão deste trabalho não seria possível sem que houvesse uma conjunção

de fatores. Em primeiro lugar, quero agradecer ao meu orientador, professor José

Augusto Pádua, por ter apostado em meu projeto de pesquisa, assim como o Programa

de Pós-Graduação em História Social. Também não posso deixar de mostrar minha

gratidão à amiga Cirlei Santos, que tornou possível minha estadia no Rio de Janeiro em

2006, quando cursei as disciplinas do doutorado, assim como aos meus pais e ao meu

companheiro, Cristiano José Sehn, pelo apoio incondicional e pelo auxílio na pesquisa.

À amiga de muitos carnavais, Josiane Rovedder, meu sincero reconhecimento pela

ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um

agradecimento especial ao jornal Zero Hora, principalmente aos editores Diego Araújo

e Alexandre Elmi e à chefe de reportagem Ângela Ravazzolo, por terem permitido que

eu me ausentasse da redação por 30 dias, com licença remunerada, para a finalização da

tese – que, sem esse voto de confiança, certamente não estaria concluída.

Page 11: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 13

1. DECIFRANDO FRONTEIRAS.............................................................................. 24

1.1. Frederick Jackson Turner e a tese da fronteira ................................................... 26 1.2. A conquista do Oeste na historiografia brasileira............................................... 35 1.3. A fronteira verde no Sul do Brasil...................................................................... 43

2. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ALEMÃ: PONTO DE

PARTIDA NA CONQUISTA DA FRONTEIRA VERDE ....................................... 55

2.1. O colono adentra a floresta................................................................................. 57 2.2. O “desmatamento civilizador” ............................................................................ 72 2.3. Mudança de hábitos no limite da fronteira ......................................................... 85 2.4. Reconstruindo ecossistemas ............................................................................. 101 2.5. Caboclização ou tropicalização? O novo na fronteira ...................................... 107

3. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ITALIANA: O

AVANÇO RUMO À SERRA .................................................................................... 117

3.1. A escalada da Serra............................................................................................ 119 3.2. A sensação de isolamento nas montanhas ......................................................... 131 3.3. A irresistível predileção pela “técnica do fósforo”............................................ 140 3.4. O domínio da floresta na terra das Araucárias ................................................. 145 3.5. Os parreirais avançam sobre a mata .................................................................. 161 3.6. A busca por novas terras continua..................................................................... 173

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 180

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 184

Page 12: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

ÍNDICE DE MAPAS

Mapa 1 – Localização das principais colônias alemãs e italianas................................. 19

Mapa 2 – Vegetação nativa do Rio Grande do Sul........................................................ 44

Mapa 3 – Zonas de povoamento do Rio Grande do Sul................................................ 45

Mapa 4 – Relevo do Rio Grande do Sul...................................................................... 121

Mapa 5 – Diagrama morfológico do Nordeste do RS................................................. 122

Mapa 6 – Processo de ocupação do território gaúcho................................................. 174

Page 13: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

ÍNDICE DE IMAGENS

Imagem 1 – A demarcação dos lotes............................................................................. 63

Imagem 2 – A construção da primeira casa................................................................... 64

Imagem 3 – A devastação no coração da floresta.......................................................... 75

Imagem 4 – O tronco abatido........................................................................................ 78

Imagem 5 – Desmatamento civilizador......................................................................... 79

Imagem 6 – Senhores da floresta................................................................................... 80

Imagem 7 – A caçada – parte I...................................................................................... 89

Imagem 8 – A caçada – parte II..................................................................................... 90

Imagem 9 – Paisagem serrana..................................................................................... 123

Imagem 10 – Morro desmatado................................................................................... 125

Imagem 11 – Abertura de estrada na mata.................................................................. 133

Imagem 12 – O domínio da floresta – parte I.............................................................. 154

Imagem 13 – O domínio da floresta – parte II............................................................. 155

Imagem 14 – O domínio da floresta – parte III........................................................... 156

Imagem 15 – Natureza domesticada............................................................................ 158

Imagem 16 – Nos trilhos do trem................................................................................ 159

Imagem 17 – O parreiral avança na mata – parte I...................................................... 166

Imagem 18 – O parreiral avança na mata – parte II................................................... 167

Imagem 19 – O parreiral avança na mata – parte III.................................................. 168

Page 14: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

INTRODUÇÃO

Movidos pelo sonho da posse da terra, milhares de imigrantes europeus deixaram

para trás o Velho Mundo, no início do século 19, e partiram em uma viagem sem volta

rumo ao Sul do Brasil – mais precisamente à Província de São Pedro, sobre a qual

pouco ou nada sabiam. Com a bagagem e a prole nas costas, esses homens e mulheres

depararam com densas florestas subtropicais, tão fascinantes e assustadoras como

jamais haviam visto. Para sobreviver na terra prometida, tiveram de se adaptar ao novo

ecossistema. Aprenderam a empunhar o machado e especializaram-se nas derrubadas e

queimadas, que avançaram impiedosamente mata adentro e se repetiram sem trégua.

Em uma centena de anos, ocuparam cada quilômetro quadrado da fronteira verde que se

abria diante de seus olhos e imprimiram marcas indeléveis na paisagem e na memória

gaúchas. Essa história é o tema da presente pesquisa.

Parte de um projeto mais amplo de imigração planejada e subsidiada pelo Estado,

a profusão de núcleos coloniais no Rio Grande do Sul teve início em 1824, com a

criação da Colônia de São Leopoldo, às margens do Rio dos Sinos, na área da antiga

Real Feitoria do Linho Cânhamo. Por meio de iniciativas como essa, o governo imperial

pretendia ocupar, tornar produtivas e valorizadas terras devolutas, assim como garantir

o abastecimento do mercado interno com produtos agrícolas e criar uma classe social

intermediária entre os grandes proprietários e os escravos (Iotti, 2001, p.21).

No caso específico do Rio Grande do Sul, segundo a historiadora Helga Piccolo

(2004), diferentes fatores contribuíram para que a região se tornasse palco das principais

experiências coloniais empreendidas no Brasil. Por um lado, havia um claro interesse

em arrefecer o poderio e a autonomia conquistados pelos estancieiros, considerados um

obstáculo à construção do Estado nacional. Por outro, com a emancipação política,

impunha-se o desafio de garantir a integridade territorial do jovem país. Com a

implantação de colônias, buscava-se assegurar a posse do território na Província, cujas

fronteiras ainda sofriam ameaças.

Page 15: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

14

Somava-se a isso o fato de que, no Rio Grande do Sul, o governo imperial possuía

grandes áreas disponíveis à colonização. Terras de topografia irregular, cobertas de

mato e inviáveis para a pecuária extensiva. Pouco atrativas, portanto, para os grandes

fazendeiros, que compunham parte importante da elite política e econômica da

Província. Sem a oposição dos latifundiários, não havia empecilhos para dar início às

experiências coloniais na região – que começaram por vontade do Império e aos poucos

também passaram a ser incentivadas pelo governo provincial e pela iniciativa privada.

Foram predominantemente alemães os primeiros a fincar os pés nos lotes que

começaram a ser demarcados na fronteira verde. As primeiras colônias abrangeram

principalmente a região da Depressão Central e a Encosta do Nordeste, alongando-se

pelos Vales dos rios dos Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí. Somente entre 1824 e 1830,

5.350 colonos estabeleceram-se no Rio Grande do Sul (Pesavento, 1980, p.35). Com a

Guerra dos Farrapos, o fluxo foi momentaneamente interrompido, mas ao final do

confronto a imigração recomeçou com força. Sob o controle da Província, surgiram

núcleos como Santa Cruz (1849), Santo Ângelo (1857), Nova Petrópolis (1858) e

Monte Alverne (1859). Também nasceram colônias particulares, entre elas Estrela

(1853), Soledade (1857), Teutônia (1858) e Candelária (1863). Nos anos de 1848 a

1874, entraram no Rio Grande do Sul mais de 22 mil imigrantes, entre eles, 19.607

alemães (Maestri, 2000, p.20).

Com a força de um exército, os forasteiros avançaram na mata e se multiplicaram.

O resultado foi tão expressivo que, a partir de 1874, o governo imperial decidiu investir

na criação dos primeiros núcleos italianos. Dessa vez, porém, o alvo seria a região

serrana da Província, situada a mais de 300 metros de altitude e preterida tanto pelos

alemães, devido às dificuldades de acesso, quanto pelos fazendeiros. As primeiras

colônias fundadas no pico da fronteira verde foram Caixas, Princesa Isabel (Bento

Gonçalves) e Conde D’Eu (Garibaldi), entre 1874 e 1875. Em seguida, vieram colônias

como Guaporé e Nova Prata.

Apesar da primeira leva de colonos italianos ter chegado em 1875, somente nos

anos de 1876 e 1877 a imigração de fato se intensificaria na região, com a vinda de três

a quatro mil pessoas por ano à Província. Esse número atingiria cifras ainda mais

elevadas, como a que se registrou em 1891, quando chegaram à Serra cerca de nove mil

imigrantes. Em 33 anos de colonização, a soma total ultrapassou a marca de 70 mil

pessoas (Azevedo, 1982, p.110), que se espalharam por uma área de 370 mil hectares. A

irradiação italiana, conforme Manfroi (1987, p.178), marchou na direção Noroeste,

Page 16: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

15

atingiu toda a margem meridional do Planalto e, a Leste, alcançou os Aparados da

Serra.

No último quartel do século 19, a “febre migratória”, nas palavras de Theodor

Amstad (1924), chegaria a seu auge. As antigas regiões coloniais já se encontravam

saturadas. A explosão demográfica e a degradação do solo desencadearam a ocupação

das últimas reservas florestais gaúchas, acompanhando os trilhos do trem (Gelpi e

Wickert, 2005) e fazendo recuar os grupos indígenas remanescentes. A marcha

engrossava à medida que eram implantadas as chamadas “colônias novas” na Região

Noroeste, rapidamente povoadas pelos filhos e netos dos pioneiros alemães e italianos e

também por gente das mais variadas nacionalidades, que continuava a chegar, porém em

menor número. Em 1924, portanto 100 anos após o início da colonização, todas as áreas

de mata da Província estavam ocupadas.

Pelo papel de destaque assumido na economia gaúcha e pela força transformadora,

o sistema de colonização responsável por assentar milhares de colonos europeus no

coração da floresta tornou-se sinônimo de desenvolvimento no Rio Grande do Sul. No

longínquo século 19, quando as primeiras experiências baseadas na imigração

espontânea começaram a dar resultados, presidentes da Província e deputados já

vislumbraram na política de imigração a principal solução para transformar, em uma só

tacada, áreas tidas como selvagens e ociosas em verdadeiros oásis do progresso.

A associação entre colonização e desenvolvimento não tardaria a ganhar destaque

nas principais obras produzidas sobre o tema ao longo do século 20, a começar pelos

livros publicados no centenário da colonização alemã – entre eles Cem anos de

germanidade (1924), organizado por Theodor Amstad, e A Colonização Germânica no

Rio Grande do Sul (1924), de Ernesto Pellanda. Ambos exaltaram a importância

econômica e cultural da iniciativa, tal como Aurélio Porto, dez anos mais tarde, no

clássico O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul (1934). Em 1939, coube a Limeira

Tejo consolidar a relação entre colonização e modernização, abrindo caminho para

versões apologéticas do empreendedorismo imigrante, tanto na historiografia quanto na

literatura regionais.

Mais tarde, nas décadas de 1960 e 70, o êxito colonial continuou em voga em

obras como A contribuição teuta à formação da nação brasileira (1968), de Carlos

Oberacker, e A colonização alemã e o Rio Grande do Sul (1969), de Jean Roche, que

em dois volumes esquadrinhou os rumos trilhados pelos imigrantes no Estado. Na

Page 17: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

16

literatura regional, foi Josué Guimarães, em A ferro e fogo (1973), o principal escritor a

reforçar a visão épica da conquista da terra pelos colonizadores.

Na década de 80, veio a lume uma nova coletânea sobre os aspectos econômicos,

sociais, políticos e religiosos dos núcleos fundados por alemães e italianos. Organizada

por José Dacanal, a obra incluiu artigos sobre a relação entre imigração e

industrialização (Lagemann, 1980), a inserção da economia imigrante na economia

gaúcha (Moure, 1980) e a ligação entre capitalismo e colonização alemã no Rio Grande

do Sul (Lando e Barros, 1980). Virou referência nas escolas e universidades.

Na raiz de praticamente todas as análises, imperou a valorização do padrão de

ocupação colonial, associado à pequena propriedade rural, à policultura e à mão-de-obra

predominantemente livre do imigrante. A transformação (leia-se civilização) do “Rio

Grande das Matas”, na expressão de Roche (1969), em um “Rio Grande das lavouras”

foi considerada a grande contribuição de alemães, italianos, poloneses e tantos outros

grupos que atravessaram o oceano por uma mudança de status no Brasil. O crescimento

demográfico relacionado a esse processo e a sua importância para a ocupação produtiva

das áreas florestais seriam provas cabais do poder emanado do projeto colonizador,

igualmente vinculado ao incremento da indústria, à modernização da agricultura e ao

florescimento do comércio.

O que poucos perceberam, porém, é que junto dessa impressionante pujança

econômica, fartamente estudada e documentada por historiadores, economistas e

sociólogos, vieram drásticas alterações ambientais. O modelo de desenvolvimento

amparado na colonização, especialmente a alemã e a italiana, contribuiu de forma

significativa para o desmatamento das áreas florestais da Província, que um dia

chegaram a representar 36% do território, tanto quanto para a degradação do solo, a

extinção de animais silvestres e o assoreamento de rios. Sintomaticamente, o impacto

ambiental implícito a esse processo permanece à espera de estudos mais aprofundados.

Durante décadas, na historiografia ocidental, seres humanos foram retratados

como protagonistas de superioridade inconteste frente à natureza, como se fossem

imunes ao meio físico ou simplesmente estivessem acima dele. Passaram-se os anos, e

essa velha história baseada em fatos e em heróis já não podia mais responder às novas

indagações. Na esteira das mudanças desencadeadas com o surgimento da Nova

História, vieram também distintas e promissoras correntes de pesquisa.

Fundada oficialmente nos anos de 1970, nos Estados Unidos, a história ambiental

foi uma delas. Surgiu como uma resposta aos movimentos ambientalistas e às

Page 18: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

17

conferências sobre a crise global, num momento em que o mundo ocidental parecia

finalmente dar-se conta de que o velho “sonho do progresso” (Barrillon, 2004),

transfigurado no “mito do desenvolvimento” (Sachs, 2000), começava a ruir. Passava a

ser necessário, mais do que nunca, recolocar a sociedade na natureza (Cronon, 1983) e

incorporar variáveis naturais ao repertório das disciplinas ligadas às ciências sociais

(Drummond, 1991, p.180).

Em 1974, a eco-história seria tema de um número especial da revista dos Annales,

na França. Na apresentação da edição, Emmanuel le Roy Ladurie, um dos discípulos de

Marc Bloch e Lucien Febvre, anunciava a difusão do novo campo como uma mudança

definitiva nos rumos da historiografia. Desde então, proliferaram-se historiadores

dispostos a não mais ignorar as conseqüências ecológicas dos feitos humanos (Worster,

1991, p.199). Inclusive no Brasil.

Por aqui, a perspectiva ambiental já havia sido cotejada por estudiosos ilustres,

como Sérgio Buarque de Holanda (1936, 1985) e Gilberto Freyre (1933, 1985), com

obras seminais. A partir de 1990, porém, ganhou espaço uma nova etapa dessa

abordagem, mais institucionalizada e consciente de si mesma, inaugurada a partir dos

trabalhos de Warren Dean (1990 e 1995) e de José Augusto Pádua (2002). Tais

pesquisas acabaram influenciando diretamente a produção de inúmeras teses e

dissertações, voltadas principalmente à devastação da Mata Atlântica brasileira.

Se em outras regiões do Brasil os germes para uma história ambiental surgiram a

partir de estudos como os de Freyre e Sérgio Buarque, na região Sul o mesmo se pode

dizer a respeito de Balduíno Rambo (1942) e de Jean Roche (1969). Apesar disso, foi a

partir dos anos 2000 que começaram a aparecer pesquisas efetivamente filiadas à eco-

história na região. Esses estudos passaram a ser desenvolvidos principalmente na

Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, por iniciativa de Gilmar Arruda (2001,

2005), e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por pesquisadores

vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História, como Eunice Nodari (2003 e

2005) e João Klug (2005), e seus orientandos.

No Rio Grande do Sul, o primeiro livro vinculado oficialmente à história

ecológica foi lançado em 2006, mas se restringiu a uma introdução ao tema1. Mais

recentemente, em 2009, foi publicada a dissertação de mestrado de Marcos Gerhardt,

1 Para mais informações, ver BUBLITZ, Juliana e CORREA, Silvio. Terra de Promissão: Uma introdução à Eco-história da colonização européia no Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul/Passo Fundo: Edunisc/Editora da UPF

Page 19: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

18

que se concentrou na história ambiental da Colônia de Ijuí, fundada no final do século

19, no Noroeste gaúcho. Outros trabalhos surgiram em congressos e revistas

acadêmicas nesse meio tempo, mas ainda restam muitas perguntas sem resposta.

É nesse âmbito teórico que se inscreve a presente pesquisa, que propõe uma

revisão da história da colonização européia no Rio Grande do Sul dos séculos 19 e 20 a

partir da perspectiva de abordagem da história ambiental – o que não significa, por

outro lado, fazer tábula rasa de tudo o que já foi produzido sobre o tema, nem tampouco

negar as contribuições de outras correntes historiográficas, e sim preencher algumas de

suas lacunas e apontar para novos caminhos, que levem em conta, também, as ciências

naturais e os seus conceitos.

Nas páginas que seguem, procurou-se analisar, entre outros aspectos, o modo

como os colonos se relacionaram com a floresta e viram a natureza sulina, o papel da

fronteira verde no processo de tropicalização dos imigrantes e na constituição dos

padrões de organização social e de produção, as relações estabelecidas entre os

forasteiros, os indígenas e a fauna regional, e as formas e tecnologias de exploração

adotadas na nova terra – atentando principalmente para as adaptações pelas quais

passaram os recém-chegados e para as alterações que provocaram no meio ambiente.

Também se buscou examinar de que forma agentes do Estado se posicionaram

perante as transformações ambientais relacionadas à implantação e expansão das

colônias e investigar até que ponto os imigrantes efetivamente reproduziram em solo

colonial a sua própria biota por meio de uma “expansão biológica”, testando a hipótese

de constituição do que Crosby (1986) denominou de “Neo-Europa”.

Para tanto, como mostra o mapa a seguir, optou-se por concentrar o estudo em

duas regiões coloniais distintas, cultural, econômica e ecologicamente: a antiga área de

colonização alemã2 – cujo povoamento teve início em 1824 e se estendeu

principalmente pela região dos Vales, da Depressão Central à Encosta da Serra – e a

antiga área de colonização italiana3 – com a ocupação iniciada em 1875, a uma altitude

superior a 300 metros, ao longo da Serra gaúcha, tendo a margem do Rio das Antas

como ponto de partida.

2 As antigas colônias alemãs, conforme classificação de Jean Roche (1969), são 21: São Leopoldo, Novo Hamburgo, Caí, Montenegro, Taquara, Rolante, Três Forquilhas, Torres, Gramado, Nova Petrópolis, Estrela, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Venâncio Aires, Santa Cruz, Candelária, Sobradinho, São Lourenço, São Feliciano, Barão do Triunfo. Merece especial atenção a Colônia de São Leopoldo, por ter sido a primeira e ser considerada paradigmática. 3 As antigas colônias italianas, também com base na classificação de Roche (1969), são basicamente cinco: Caixas, Princesa Isabel (Garibaldi), Conde D’Eu (Bento Gonçalves), Guaporé e Nova Prata.

Page 20: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

19

Mapa 1 – Localização das principais colônias alemãs e italianas

Page 21: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

20

Como recorte temporal, estabeleceu-se o período correspondente aos primeiros 50

anos de cada zona colonial – de 1824 a 1874, na alemã, e de 1875 a 1925, na italiana.

De modo geral, o período abrange as diferentes fases da colonização, desde os primeiros

contatos entre o imigrante europeu, a nova terra, sua fauna e flora e os seus antigos

habitantes, até a ocupação dos últimos lotes e o domínio da floresta. Em 1924, segundo

Bernardes (1997), todas as áreas de mata da Província estavam praticamente tomadas.

Em termos metodológicos, a análise de discursos foi o principal método de

pesquisa adotado, tendo em vista os tipos de fonte utilizados. Basicamente, foram

relatórios de diretores de colônias e de inspetores e agentes de colonização, documentos

redigidos por presidentes da Província, ministros e agrimensores, descrições de

cônsules e agentes diplomáticos, assim como relatos de viajantes e cartas, memórias e

diários de colonos. Narrativas como a do imigrante Josef Umann, que de operário da

indústria do vidro na Boemia tornou-se agricultor – a fórceps, diga-se de passagem – no

mato emaranhado da Colônia alemã de Venâncio Aires.

A julgar por relatos como o dele – escrito no fim do século 19, resguardado

durante anos pela família e publicado em livro em 1981 –, a floresta subtropical

figurava como uma imensidão tão misteriosa quanto temida para os alemães. Poucos

imigrantes, segundo Umann (1981, p.78), sabiam exatamente o que significava o termo

“selva”. Mesmo os conhecedores das obras de viajantes consideravam o início na mata

“muito mais difícil do que haviam imaginado”. Tinham o corpo inteiro ferido e sofriam

com o clima, as picadas de insetos e as condições precárias de moradia e alimentação.

Apenas começando, queriam desistir.

Alguns, de fato, abandonaram a fronteira verde e acabaram buscando abrigo nas

cidades, onde se tornaram artesãos e comerciantes. Outros, como o italiano Giulio

Lorenzoni, perpetuaram a sina da colonização, abrindo clareiras na mata, erguendo suas

casas e cultivando até que a terra se tornasse infértil e os empurrasse para uma nova

migração, ainda mais fundo na floresta. Como Umann, Lorenzoni imortalizou em um

diário – escrito no início do século 20 e publicado em 1975 – a experiência vivida no

Rio Grande do Sul, quando, em 1883, ao lado da esposa, do filho, dos sogros e do

cunhado, subiu a Serra em busca de vida nova.

A cada árvore derrubada, o sentimento era de vitória. Em seu relato, Lorenzoni

(1975, p.65) contava que "o estrondo que a queda daqueles gigantes da floresta fazia ao

cair era enorme, mais ainda pelo ecoar nos vales que havia ao redor". O barulho

Page 22: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

21

dilacerante, segundo ele, "repetia-se nos dias seguintes dezenas e dezenas de vezes,

proveniente de todos os lotes ocupados naquela periferia". Generalizados, os sons da

devastação soavam como música para os ouvidos dos colonos. Eram a certeza da vitória

sobre a natureza, tanto quanto o crepitar do fogo se alastrando pelos troncos e galhos

abatidos na floresta.

Intermitentes e avassaladores, os incêndios provocados pelos agricultores foram

relatados em minúcias, como se verá aqui, por viajantes europeus que percorreram a

região. Entre eles, o alemão Oscar Canstatt (2002[1871], p.421), que durante sua estadia

em São Leopoldo, em 1871, contou ter presenciado um “belo espetáculo”. Em frente à

sua janela, colonos “puseram fogo a um roçado na encosta [...], um trecho de floresta

destinado à plantação”. Pouco preocupados com a possibilidade de que as chamas se

alastrassem, eles aguardavam satisfeitos a hora certa de semear a terra nua. Outro

viajante a dedicar espaço ao tema foi o médico alemão Robert Avé-Lallemant

(1980[1858], p.177-178), impressionado com o que chamou, em 1858, de “cenário

caótico da floresta, verde e carbonizado”.

Se documentos como esses fornecem pistas valiosas para uma história ambiental

da colonização, o mesmo se pode dizer da iconografia disponível em museus e

universidades. São imagens como as que se encontram nas páginas 155 e 156 deste

trabalho, pertencentes a um acervo do século 19 doado ao Museu Histórico de Caxias

do Sul. Cenas que ajudam a contar um pouco da trajetória da colônia serrana fundada na

mata de araucárias e hoje transformada em um dos municípios mais prósperos do

Estado. Também é o caso das fotografias expostas nas páginas 79 e 80, que retratam

uma realidade comum aos primeiros anos da colonização alemã no Estado. Ambas

mostram colonos posando orgulhosos ao lado de troncos gigantescos recém-abatidos –

uma metáfora emblemática da postura dominadora adotada diante da natureza.

Apesar de constatações como essa, é importante destacar que não se pretende aqui

incorrer no anacronismo histórico, culpando os colonos pela destruição das áreas verdes

no Estado – até porque, como se verá a seguir, indiretamente eles acabaram

contribuindo para a formação de novos ecossistemas regionais. O fato é que a maioria

deles sequer imaginava que seus atos poderiam resultar em futuros problemas de ordem

ecológica, e seria um erro atribuir apenas a eles a responsabilidade pelos danos

ambientais. Se o desmatamento e a extinção de algumas espécies tiveram grande

influência das primeiras gerações de colonos, a poluição do solo e dos recursos hídricos

Page 23: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

22

se deu bem mais tarde – em grande parte, com a introdução de herbicidas e agrotóxicos

nas lavouras a partir da Revolução Verde das décadas de 1960 e 70.

Feita a devida ressalva, vamos às apresentações. A seguir, o primeiro capítulo da

pesquisa abre uma discussão sobre o conceito de fronteira verde enquanto categoria

explicativa para a história ambiental da colonização e fio condutor da análise. Parte-se

do pressuposto de que, para entender o processo de desenvolvimento da região e suas

conseqüências ambientais, é preciso atentar para sua condição fronteiriça no período.

Onde hoje pulsam cidades, lavouras e estradas, antes imperava uma extensa área

florestal, considerada inesgotável pelos imigrantes e por seus descendentes.

No segundo capítulo, a análise recai sobre a antiga zona de colonização alemã – o

ponto de partida na conquista da fronteira verde. Em primeiro lugar, examinam-se as

relações estabelecidas entre os colonos e a floresta subtropical e o chamado

“desmatamento civilizador” empreendido pelos forasteiros em seu embate com a

floresta.

Na seqüência, a análise ocupa-se das mudanças culturais em gestação na zona

colonial à medida que se avançava na linha fronteiriça – mudanças, estas, visíveis

principalmente no vestuário, nas formas de moradia e na dieta alimentar. Por fim, o

segundo capítulo discute o papel dos imigrantes no surgimento de novos ecossistemas

regionais, que mesclaram elementos nativos e exóticos, e examina o processo de

tropicalização desses homens e mulheres, que incluiu, entre outros aspectos, a

construção de uma nova identidade, que se relacionava de forma ambígua com a

floresta.

No terceiro capítulo, o foco volta-se à zona de colonização italiana, constituída

cinco décadas depois do primeiro núcleo alemão, no trecho mais alto e acidentado da

fronteira verde. Como ponto de partida, a análise acompanha os italianos na difícil

escalada da Serra, quando travaram os primeiros contatos com a floresta, vista desde o

início como um entrave a ser removido.

O texto segue com uma discussão sobre os sentimentos de abandono e de

isolamento associados ao exílio nas montanhas e traduzidos em ações concretas no meio

ambiente. Em seguida, apresenta uma crítica à reprodução, também na Serra, do sistema

baseado nas queimadas e na rotação de terras, já adotado pelos alemães. Feito isso, na

quarta e quinta partes desse capítulo, recebem atenção dois exemplos de especialização

produtiva adotados na Serra, responsáveis por mudanças drásticas na paisagem regional:

a exploração das araucárias pelas serrarias, que se multiplicaram com rapidez

Page 24: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

23

inigualável, e a difusão dos parreirais e da vitivinicultura. Para encerrar, o texto segue

rumo à última zona florestal da Província, quando os descendentes dos italianos

decidiram atravessar o Rio das Antas e liderar, junto com os filhos dos alemães e os

recém-chegados de outras nacionalidades, a corrida por novas terras no limite da

fronteira.

Além de examinar os danos ambientais decorrentes da colonização, a presente

pesquisa procurou demonstrar, acima de tudo, que a floresta subtropical, vista pelos

colonos como uma fronteira verde aberta e infinita, foi mais do que o mero “palco dos

acontecimentos” – como sugere a maioria das obras até então publicadas sobre o tema.

Tanto o tipo de sistema produtivo adotado nas colônias, quanto a forma de organização

social reproduzida em cada uma delas, foram fortemente influenciados, desde o

princípio, pela presença dessa imensidão verde, que deu aos recém-chegados a chance

de se tornarem proprietários e de adquirirem um novo status econômico e social. Não

por menos, o desmatamento acabou se mostrando a principal forma de colonização, e as

terras supostamente livres da fronteira verde, seu principal combustível, tanto quanto a

biomassa da floresta.

Page 25: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

24

1. DECIFRANDO FRONTEIRAS

Compreender o processo de desenvolvimento experimentado no Sul do Brasil, nas

áreas marcadas pela colonização européia ao longo do século 19, é atentar, antes de

tudo, para a condição fronteiriça dessa região, naquele período. Onde hoje pulsam

cidades como São Leopoldo, antiga colônia alemã, e Caxias do Sul, antiga colônia

italiana, antes imperava uma imensa e até certo ponto desconhecida fronteira verde,

composta por centenas de quilômetros de densas e vicejantes florestas. Terras um dia

consideradas ociosas e promissoras, assim como selvagens e incômodas para a maior

parte dos governantes da época.

Delineada por contornos dinâmicos e nem sempre nítidos, essa fronteira natural –

mas também cultural – assume aqui um papel de fundamental importância. Parte-se do

pressuposto de que tratar desse marco divisor – ou ponto de encontro – é tratar de um

conceito-chave para a compreensão histórico-ambiental do processo em questão. Faz-se

necessário, assim, mergulhar no “oceano de matas” um dia onipresente na região

colonial, como descreveu o viajante alemão Robert Avé-Lallemant (1858), e decifrar as

características dessa linha fronteiriça, onde os pioneiros e seus descendentes abriram

trilhas e clarões e ergueram suas casas e plantações, desencadeando transformações

decisivas na história regional.

Para isso, no presente capítulo, propõe-se inicialmente uma discussão sobre o

tema da fronteira na historiografia, tendo como base a crítica à frontier thesis, criada

pelo historiador norte-americano Frederick Jackson Turner entre o fim do século 19 e

início do século 20. Tese que, durante muito tempo, gozou de grande reputação entre os

historiadores americanos e figurou como a principal explicação para a formação e o

desenvolvimento histórico dos Estados Unidos e da identidade nacional norte-

americana. Suas influências ultrapassaram os limites do território norte-americano e se

fizeram sentir inclusive no Brasil, reverberando entre estudiosos de renome, como

Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Vianna Moog.

Page 26: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

25

Também estes analisaram, à sua maneira, as peculiaridades da marcha rumo ao Oeste

brasileiro ou, em termos turneanos, da conquista da fronteira – “o pico da crista de uma

onda, o ponto de contato entre o mundo selvagem e a civilização” (Turner, 1893).

Após tratar dos principais aspectos e das críticas à tese defendida pelo autor norte-

americano, o presente capítulo traz uma breve revisão do tema na historiografia

brasileira, revendo algumas das principais obras sobre fronteiras já produzidas no país,

com destaque para Sérgio Buarque de Holanda e sua obra relativa à conquista do Oeste.

É significativo notar que, desde o século 16, referências ao sertão – a “fronteira” no

Brasil – aparecem em inúmeros relatos de cronistas e viajantes, assim como nas

primeiras tentativas de elaboração de uma história do Brasil, a partir do século 17.

Como concluiu Janaína Amado (1995), entre as últimas décadas do século 19 e as

primeiras do século 20, o sertão chegou a constituir uma categoria absolutamente

essencial (mesmo quando rejeitada) em todas as construções historiográficas que tinham

como tema básico a nação brasileira.

A partir dessa discussão mais ampla, o foco da análise fecha-se no extremo Sul do

Brasil. Atentando para as semelhanças históricas entre o avanço norte-americano ao

Oeste e a conquista da mata pelas frentes colonizadoras no Rio Grande, assim como

para as diferenças entre este processo e o avanço ibérico no Brasil, buscou-se conceituar

a fronteira verde sulina enquanto categoria explicativa para a história ambiental da

colonização européia no Rio Grande do Sul.

Mais do que o simples cenário de um desenvolvimento regional atribuído à

chegada e instalação dos colonos europeus no sul do Brasil, a fronteira verde foi um

agente ativo na transformação dos próprios imigrantes e de seus descendentes. Foi

também uma influência decisiva no modo como esses homens e mulheres-fronteira

agiram na nova terra, alterando para sempre a paisagem regional.

Page 27: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

26

1.1. Frederick Jackson Turner e a tese da fronteira

Em 1893, quando Frederick Jackson Turner apresentou pela primeira vez, na

World’s Columbian Exposition, suas considerações sobre o significado da fronteira para

a história norte-americana, poucos lhe deram atenção. Em sua fala, Turner procurava

demonstrar que o desenvolvimento histórico dos Estados Unidos estava intrinsecamente

ligado às terras (supostamente) livres do Oeste, uma região ainda pouco explorada nas

análises de seus pares. A conquista dessa fronteira aberta, na opinião dele, teria sido o

elemento desencadeador da democracia norte-americana e da própria identidade

nacional.

Na ocasião, a possibilidade levantada por Turner não chegou a suscitar grandes

debates, como demonstrou Arthur Ávila (2006). À época, a comunidade historiográfica

norte-americana ancorava-se em outra tese já bastante difundida e amplamente aceita

para explicar a formação da sociedade naquele pedaço do globo. Tratava-se da teoria do

germe – ou germ theory –, elaborada por Herbert Baxter Adams, fundador e então

presidente da Associação Americana de História. Para os adeptos dessa teoria, as

características elencadas por Turner nada mais eram do que heranças “genéticas”

herdadas pelos colonizadores anglo-saxões de seus ancestrais germânicos.

Em outras palavras, as instituições criadas em solo norte-americano eram

consideradas uma espécie de continuidade das instituições européias – e parecia não

haver muitas dúvidas disso. Tanto assim que a apresentação de Turner sobre a tese da

fronteira despertou pouca atenção do público presente naquele evento. Como relatou

Ray Billington (1971, p.129), a exposição foi recebida com apatia:

Page 28: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

27

“Aqueles que não haviam ido embora ou não haviam caído no sono estavam tão presos à crença de que os ‘germes’ das instituições norte-americanas haviam sido gerados nas florestas da antiga Germânia que simplesmente não podiam compreender uma doutrina que rompia com toda a ‘tradição’ e o ‘senso comum’”.

Somente mais de uma década depois da primeira aparição, a frontier thesis seria

alçada ao centro das atenções. Decidido a convencer os pares, Turner conseguiu

repercussão nacional por meio de uma série de conferências proferidas em todo o país.

Aos poucos, suas idéias difundiram-se e ganharam adeptos, principalmente fora dos

círculos acadêmicos. Ao final de alguns anos, a fama surpreendente conquistada pela

tese da fronteira acabaria por lhe propiciar o inusitado título de pai da historiografia

moderna nos Estados Unidos (Wegner, 2000, p.96-97; Ávila, 2006, p.9). Sua obra,

segundo Paulo Knauss (2004, p.10), acabou se tornando um marco da ideologia da

democracia americana, num tempo em que a historiografia daquele país tentava se

afastar da arte literária e se fundamentar no conhecimento científico.

Ao demonstrar que a presença dessa fronteira aberta teria funcionado como uma

espécie de fermento para a profusão da democracia norte-americana, Turner nada mais

fez do que ressaltar a singularidade da experiência histórica dos Estados Unidos,

minando o paradigma de uma suposta hereditariedade genética européia e trazendo à

tona uma explicação funcional para a história norte-americana4. Com sua tese, como

destacou Ávila (2006), o historiador do Oeste tornava possível, enfim, um

redimensionamento da identidade nacional.

Acima de tudo, o criador da tese da fronteira acreditava que, ao empreender a

marcha rumo ao Oeste, o imigrante europeu abandonava parte de seu legado cultural –

e, portanto, parte da herança que trazia do continente de origem – e se transformava. Ao

adaptar-se à nova terra, ele assumia uma nova feição – que, não por acaso, ganharia

inclusive contornos heróicos. Distante do solo pátrio, recomeçando a vida em uma

região remota e selvagem, o pioneiro desenhado por Turner sofria uma espécie de

4 Segundo Richard Morse (1965), o estudo histórico do continente americano vinha sendo marcado

por duas linhas básicas de interpretação: a funcional ou situacional e a genética. Esta última, segundo ele, tomava o Novo Mundo como um simples repositório das idéias, dos valores e das instituições provenientes da Europa, uma espécie de lócus da continuidade histórica do Velho Mundo. Já a outra perspectiva, ao contrário, procurava destacar a existência de uma dinâmica própria às terras do novo continente, que lhe conferia traços singulares, apesar de exibir inevitáveis influências européias. Nesse sentido, o enfoque funcional ou situacional destacava o chamado processo de americanização vivenciado no continente (Morse, 1965, p.28), ao qual se enquadraria a obra de Turner.

Page 29: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

28

mutação causada pelo meio e assim ressurgia “americano”, senhor do Novo Mundo.

Nas palavras de Turner (1893, p.4):

“A fronteira é a mais rápida e mais efetiva forma de americanização. Ali, a natureza inóspita e remota domina o colono. Ela reconhece o colono como europeu na indumentária, nas indústrias, nas ferramentas, nas modalidades de viajar, na forma de pensar. Retira-o do vagão de trem e o coloca numa canoa de madeira. Tira-lhe as roupas da civilização, guarnecendo-o com camisa de caça e mocassim. Põe o colono na cabana dos índios cheroquis e iroqueses e levanta uma paliçada indígena em torno dele. Logo ele começa a plantar milho indígena e a arar a terra com um bastão afiado; ele brada o grito de guerra e escalpa à moda indígena ortodoxa. Em suma, na fronteira, acima de tudo, o meio ambiente é duro demais para o homem. Ele tem que aceitar as condições que esse meio ambiente lhe oferece, ou perecer, e assim ele se ajusta às roças abertas dos índios e segue as trilhas indígenas. Pouco a pouco ele transforma a terra remota e inóspita de wilderness, mas o resultado não é a velha Europa, não é simplesmente o desenvolvimento das raízes germânicas [...] O fato é que aqui há um novo produto, que é americano.”

A fronteira, portanto, forçaria o imigrante a se desprender de seu passado europeu,

num momento em que o ambiente falava mais alto – “the wilderness masters the

colonist”, escreveu Turner. Mas esse homem – e o pai da frontier thesis efetivamente

omitiu as mulheres de sua história – não permaneceria indefinidamente “rebaixado” ao

suposto primitivismo ameríndio. Se num primeiro momento a paisagem natural

imperava sobre o pioneiro, obrigando-o a se desprender de seu antigo modo de vida e

fazendo com que ele se apropriasse do modus vivendi indígena, pouco a pouco, sua

índole civilizada (e civilizadora) suplantaria a temporária, selvagem. O balanço entre o

ambiente e a cultura então se inverteria.

O colonizador, segundo Turner, aceitava as condições impostas pelo meio, para

assim dominá-lo e então transformá-lo. Ao passo que a fronteira se expandia para o

Oeste, a influência européia declinaria em face da americanização, de forma definitiva.

E isso também teria relação com os constantes confrontos desferidos contra os índios,

que para o historiador estimulavam o surgimento de uma força unificadora solidária e

serviam para desenvolver as qualidades de “bravura” do homem da fronteira. Durante as

lutas e a conquista das áreas tidas como selvagens, os imigrantes de diferentes origens

teriam se unido, mesclando-se em uma nacionalidade mista, por si só americanizada.

O desenvolvimento dessas regiões, segundo Turner (1893, p.3), não teria

avançado ao longo de “uma única linha”, mas se caracterizado por um contínuo retorno

às “condições primitivas”, ao passo que novas levas de colonos seguiam suas marchas

Page 30: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

29

rumo a Oeste. Diferentemente de outras nações, nas quais o desenvolvimento se dava

em áreas limitadas, no caso norte-americano Turner (1893, p.3-4) identificava um

processo intermitente de renascimento e de renovação. Tratava-se de um processo

singular, com características distintas daquelas experimentadas pelos países europeus ao

longo de sua formação. Esse processo também estaria ligado àquilo que o historiador do

Oeste chamou de safety valve – ou válvula de segurança –, um dos conceitos-chave no

desenvolvimento de sua tese.

Embora em seu primeiro artigo ele não tenha utilizado precisamente esse termo,

mas a expressão gate of scape – portão de escape –, o historiador já se referia ao papel

da fronteira como uma espécie de “saída de emergência” para os conflitos sociais

registrados nas áreas mais densamente povoadas. Esse mecanismo, durante muito

tempo, teria contribuído para tornar intermitente o avanço a novas terras ou, nas

palavras de Turner, às “condições livres da fronteira”. Mais tarde, em novos textos, o

autor aprofundaria o tema. Para ele (2004[1903], p.84),

“sempre que as condições sociais tendiam a se cristalizar no Leste, sempre que o capital tendia a pressionar por restrições trabalhistas ou políticas, a fim de impedir a liberdade das massas, havia essa válvula de escape para as condições livres da fronteira. Essas terras livres promoveram o individualismo, a igualdade econômica, a afirmação da liberdade, a democracia.”

A fronteira turneana era móvel, à medida que as terras já tomadas se

transformavam e recebiam um sistema agrícola e um governo estável. Mas mesmo as

regiões já colonizadas conservavam de certo modo as características da experiência

formativa de um dia terem sido fronteira. Na concepção de Turner (2004[1903], p.84),

“esse constante renascimento, essa fluidez da vida americana, essa expansão rumo ao Oeste com suas novas oportunidades, seu contato permanente com a simplicidade da sociedade primitiva, propiciam as forças que cunham o caráter americano.”

Essa fronteira – definida como “o pico da crista de uma onda, o ponto de contato

entre o mundo selvagem e a civilização” – teria sido a responsável por forjar não apenas

o “caráter americano”, mas as instituições criadas no país. Os “homens do Mundo do

Page 31: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

30

Oeste”, nas palavras de Turner (2004[1903], p.79), “viraram as costas para o Oceano

Atlântico e, com uma energia e autoconfiança inflexíveis, começaram a construir uma

sociedade livre do domínio dos modelos antigos”. A fronteira, segundo Lígia Osório

Silva (2003, p.2), "significava o retorno às ‘condições primitivas’ e dava aos pioneiros a

oportunidade de construir sua sociedade de modo novo. Esta era uma idéia muito

atraente do ponto de vista ideológico, num século dominado pelo romantismo".

Não é difícil perceber que o criador da frontier thesis se apropriou do Mito da

Fronteira, com toda a sua força de expressão na cultura norte-americana, e lhe concedeu

uma roupagem científica, angariando, com essa operação, ilustres adeptos nos Estados

Unidos – entre eles dois presidentes da República, já no início do século 20 (Ávila,

2006, p.10). Tamanho foi o sucesso experimentado pela interpretação, que, ainda em

princípios de 1930, a tese turneana era considerada “virtualmente inquestionável”,

como ressaltou Ray Allen Billington (1966, p.3). Chegou a ser apontada como a

“explicação ambiental do norte-americanismo” (Potter, 1954, p.22) e, possivelmente,

uma das teses mais influentes de determinismo ambiental da história ocidental (Arnold,

1996, p.95), levando Michael Steiner (1995, p.480) a afirmar que Turner teria se

tornado, em função desse trabalho, o mais influente historiador desde Karl Marx.

A tese da fronteira, segundo John Mack Faragher (1993, p.107), em artigo

publicado na revista The American Historical Review, tornou-se não apenas “a visão

dominante do passado americano”, como “o único pensamento na escola, explorado por

políticos e veiculado nos cinemas locais nas tardes de sábado”. Como descreveu Paulo

Knauss (2004, p. 13), o Oeste americano, como fronteira, passou a ser “um dos temas

da identidade nacional nos EUA, e sua imagem transformou-se em um ícone dos

tempos contemporâneos”, refletindo-se em diferentes áreas, da literatura e aos

comerciais de TV.

Em 1920, quase 30 anos após sua publicação, The Fronteir in American History

ganhou o Pulitzer. Em 1952, conforme Faragher, o livro ainda mantinha a segunda

posição na lista dos favoritos entre as obras historiográficas. Em 1964, uma pesquisa

com cerca de 300 historiadores norte-americanos demonstrou que as idéias de Turner

permaneciam praticamente imperturbáveis. Em suma, conforme Lígia Osório Silva

(2003, p.1-2), "a tese conheceu grande sucesso porque contribuiu para fortalecer o

sentimento dos americanos de fazerem parte de uma sociedade única, ao mesmo tempo

em que fornecia uma explicação sobre o que era ser americano”.

Page 32: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

31

Mas a crença no poder da fronteira não seria imune a críticas – e elas foram

duríssimas. Segundo Faragher (1993, p.108-109), muitos historiadores começaram a

atacar a tese de Turner já no início de 1920, quando um importante componente de

radicalismo intelectual ganhou a forma de uma “tese da fronteira invertida”, invocando

o passado do Oeste para responder a muitos dos aspectos negativos da civilização

americana. A fronteira, segundo declarou John Dewey (apud Nash, 1992, p.22-24) em

1922, teria sido mais notável por seu “efeito depressivo” do que qualquer outra coisa.

Alguns estudiosos passaram também a questionar as definições de Turner, sua suposta

inconsistência teórica e sua lógica considerada muitas vezes problemática. Charles

Beard, segundo Faragher (1993, p.109), chegou a criticar os historiadores “ortodoxos”

por enfatizarem a tese da fronteira a ponto de excluírem todas as outras interpretações,

criando uma espécie de tabu historiográfico.

A partir da década de 1930, pouco depois da morte de Truner, de acordo com

Hilda Stadniky (2007, p.10), novos estudos críticos repercutiram no meio acadêmico e

passaram a propor leituras alternativas da frontier thesis. Faragher cita a tese de Paul

Wallace Gates (1936), que afirmou nunca ter havido terras livres no Oeste em função da

presença indígena, a interpretação de Louis B. Wright (1930), segundo a qual as

instituições democráticas teriam sido importadas do Leste, assim como a afirmação de

Fred Shannon (1936), de que o Oeste nunca foi uma válvula de segurança para citadinos

descontentes, e a conclusão de Mody C. Boatright (1941), que pôs em xeque a tese do

individualismo na fronteira. A conclusão sumária, no início dos anos 1940, segundo

Hilda Stadniky (2007, p.10), “era de que a tese da fronteira exigia uma revisão completa

no que havia proposto para explicar o desenvolvimento americano”.

Nessa linha, Howard Lamar e Leonard Thompson (1981, p.4) chamariam atenção

para o fato de que a tese de Turner fora formulada em um contexto de exacerbação do

nacionalismo norte-americano, impregnado de darwinismo social e relacionado à

ascensão dos Estados Unidos à categoria de grande potencia mundial.

Para Roger Nichols (1986, p.2), apesar de fundamental em seu trabalho, Turner

teria usado o conceito de “fronteira” de forma descuidada ou mesmo

indiscriminadamente. Vale ressaltar, no entanto, que a idéia de fronteira, no sentido

turneano, deve ser entendida como um amálgama de forças físicas e culturais, como

observa David Arnold (1996, p.101), que considera duras as críticas ao historiador do

Oeste, principalmente por parte de pesquisadores de tendência esquerdista, que

definiram sua produção como “racista, sexista e imperialista”. Desse ângulo, a fronteira

Page 33: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

32

teria representado a subordinação racial e a exclusão social – inclusive porque, para

Turner, os ameríndios eram povos inferiores que deviam ser dominados, como uma

forma de evolução social, numa evidente influência darwiniana.

Aos poucos, a comunidade historiográfica norte-americana acompanhou o

surgimento de uma corrente de pensamento alternativa, denominada Nova História do

Oeste, que passou a ganhar adeptos e uma série de trabalhos significativos. Arthur Ávila

(2005, p.370) afirma que esse movimento teve como principais objetivos a

“desmistificação do Oeste e da fronteira, a inclusão de personagens excluídos da

historiografia tradicional, como negros, índios, mulheres, hispânicos e imigrantes não-

anglos, e de temas também relegados ao segundo plano, como a questão ambiental”.

Segundo Hilda Stadniky (2007, p.11), a nova corrente contou com a participação de

historiadores “atingidos pela experiência do Vietnã e pelas contestações nacionais”,

decididos a derrubar a percepção essencialmente progressista e nacionalista do

desenvolvimento da região na historiografia.

Faragher (1993, p.109) cita vários exemplos disso, entre eles Herbert Eugene

Bolton (1933), que clamou por uma história multinacional e multiétnica do noroeste

americano, Walter Prescott Webb (1957), que descreveu o Oeste como uma região árida

e, tal qual Bernard DeVoto (1934), sugeriu que se tratava de uma “província saqueada”,

James C. Malin (1935 e 1936), que produziu um trabalho pioneiro de história ambiental

e social do Oeste, Carey McWilliams (1949), responsável por inaugurar a história

urbana do Oeste, e Earl Pomeroy (1955), que insistiu que os habitantes do Oeste eram

“fundamentalmente imitadores e não inovadores”.

Atualmente, um dos principais representantes da Nova História do Oeste é Donald

Worster, que também se notabilizou como um dos criadores da História Ambiental, a

partir das décadas de 70/80. Em 1982, com a publicação de Dust bowl – The southern

plains in the 1930's, Worster lançou as bases para o que se poderia chamar de uma eco-

história do Oeste norte-americano.

Nesse livro, como destaca José Augusto Drummond (1991, p.186), ele traça uma

história natural da região do Kansas e investiga os problemas de adaptação dos europeus

às terras áridas locais. Em pouco mais de três décadas, na passagem do século 19 para o

20, esses personagens contribuíram para o surgimento de problemas ambientais

gravíssimos, ocasionados pelo uso de uma tecnologia agrícola inadequada. As técnicas

dos colonos, segundo Worster, acabaram por alterar drasticamente a composição física

Page 34: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

33

do solo e propiciaram tempestades de poeira que sufocaram a região nos anos de 1930 –

fenômeno, este, conhecido como dust bowl.

Três anos mais tarde, em Rivers of empire – Water, aridity and the growth of the

American West (1985), Worster atentaria ainda para as conseqüências ambientais e

sociais da irrigação das terras ressequidas do Oeste. A capacidade de manipulação da

água, nesse caso, teria sido a chave para a prosperidade de determinados grupos nessas

áreas, entre elas Utah, Nevada, Arizona e Califórnia. Segundo ele, o uso político do

recurso natural escasso acabou por gerar uma agricultura extremamente capitalizada,

com custos sociais e ambientais muito altos.

Mais recentemente, na coletânea de ensaios intitulada Under Western Skies:

Nature and History in the American West (1992), Worster trouxe à tona uma revisão da

velha história do Oeste e, apesar de reconhecer que Turner ainda “reina” nesse campo

historiográfico “como o Espírito Santo”, ele clama por “uma história melhor” do que

aquela que vinha sendo contada sobre o Oeste. Uma história mais crítica e, sem dúvida,

mais realista.

Nem a Nova História do Oeste, porém, escapou das críticas, especialmente

daqueles que consideram equivocada a negação completa da obra de Turner. Para

Michael Steiner (1995, p.480), a fronteira foi apenas uma parte do trabalho de Turner.

Steiner (1995, p.481) afirma que “a obsessão pela fronteira e por banir esse conceito”

acabou blindando muitos pesquisadores, “especialmente os novos historiadores do

Oeste”. Estes, segundo ele, teriam criticado Turner “por deseconrajar a história regional

e local”, o que, na opinião de Steiner seria um erro, já que ele próprio teria sido um

“pioneiro” nesse tipo de abordagem, ao criar o conceito de seções e incentivar, em uma

de suas obras (Turner, 1925), as análises regionais5. Vale lembrar, porém, que, se

Turner efetivamente tratou das seções, ele não chegou a se aprofundar no tema.

Discussões à parte, passados 115 anos da primeira apresentação da tese de Turner,

não restam dúvidas de que algumas de suas idéias fundamentais ainda ecoam na

5 Em 1925, Turner (2004 [1925], p.105) afirmou ser “evidente, desde o princípio do estudo do

movimento fronteiriço, que o povo americano não se tornaria monotonamente uniforme”. Isso porque, “mesmo no período colonial, já se estavam lançando as bases de províncias geográficas sucessivas e diversificadas”. Com o fim das terras livres e, portanto, do avanço da fronteira, ele acreditava que o seccionalismo passaria a ter papel fundamental no desenvolvimento dos Estados Unidos. Além disso, alertaria (Turner, 2004 [1925], p.106) para a importância de uma abordagem regional e interdisciplinar na historiografia: “Nossos historiadores”, escrevia ele, “têm tratado principalmente da história local, da história dos Estados, da história nacional, mas muito pouco da história secional”. Apesar disso, “uma das características mais interessantes dos estudos geográficos recentes é a ênfase colocada na geografia regional e humana”.

Page 35: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

34

historiografia. Como escreveu Paulo Knauss (2004, p.13), interessa destacar o fato de

que o autor consubstanciou criticamente a categoria de fronteira como noção

instrumental e explicativa aplicada à história dos EUA, tomando o espaço como um

“objeto social”. De certa forma, segundo Knauss (2004, p.13), Turner “concebeu a

fronteira pelo movimento expansivo da sociedade”, em contraposição ao caráter estático

comumente relegado à fronteira natural, o que por si só representou um grande avanço.

Se ao longo do tempo sua obra se mostrou racista, sexista e imperialista, ela

também possibilitou um diálogo pioneiro – ainda que incipiente – entre a geografia, a

história e a ecologia, de maneira interdisciplinar, como prega a moderna reflexão social.

Após passar por uma necessária revisão, inclusive sob o ponto de vista da história

ambiental produzida atualmente nos Estados Unidos e no mundo, a tese da fronteira

ainda é ponto de partida de muitos trabalhos, com enfoques algumas vezes inovadores.

Page 36: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

35

1.2. A conquista do Oeste na historiografia brasileira

A exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, a expansão territorial também foi -

e continua sendo – um tema freqüente na história do Brasil. Não foram poucos os

pesquisadores brasileiros que abordaram a tese da fronteira, apontando semelhanças e

diferenças entre a conquista do Oeste no território norte-americano e a marcha rumo aos

confins do Brasil. O próprio Turner sugeriu, em várias ocasiões, que sua tese poderia ser

testada em outras áreas para além dos Estados Unidos. Conforme Ray Allen Billington

(1973, p.182 e 459), o criador da frontier thesis chegou a destacar que a América do Sul

figurava como um rico campo de pesquisas para aqueles que se dispusessem a analisar o

desenvolvimento da região a partir de seus conceitos.

Na historiografia brasileira, porém, o termo "fronteira" raramente foi utilizado

para denotar o sentido empregado por Turner. No Brasil, é a palavra "sertão" que ganha

destaque quando o assunto é a expansão rumo ao interior do continente. Desde o

período colonial, foi este o termo mais utilizado para definir as terras ainda distantes e

até certo ponto desconhecidas dos colonizadores portugueses.

Às vésperas da independência, conforme Janaína Amado (1995, p.150), as

palavras "sertão" ou "certão" – grafia comum em documentos da época – já tinham no

Brasil uma noção difundida e carregada de significados. De forma geral, sertões eram

sinônimos de "terras sem fé, lei ou rei", ou, em outras palavras, de áreas extensas

afastadas do litoral, de natureza ainda indomada, habitadas por índios "selvagens" e

animais bravios. Segundo Janaína Amado (1995, p.145),

"no conjunto da história do Brasil, em termos de senso comum, pensamento social e imaginário, poucas categorias têm sido tão importantes para designar uma ou mais regiões, quanto a de "sertão". Conhecido desde antes da chegada dos portugueses, cinco séculos depois "sertão" permanece vivo no pensamento e no cotidiano do Brasil, materializando-se de norte a sul do país como sua mais relevante categoria espacial".

Page 37: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

36

O termo, porém, apresentou diferentes conotações ao longo dos anos – ora

positivas, ora negativas. Conforme Lúcia Lippi Oliveira (1998), nesse lugar inóspito e

desconhecido, região agreste e semi-árida, onde predominam tradições e costumes

antigos, a figura do cabra, do cangaceiro ou do caboclo apareceu muitas vezes como a

encarnação do herói sertanejo – quase como o pioneiro norte-americano. De uma

perspectiva positiva e até romântica, esse personagem se tornaria um "símbolo da

nacionalidade pelo seu admirável modo de vida", opondo-se à vida degradada e

corrompida do litoral, ou seja, das cidades. Porém, de uma perspectiva realista (e

negativa), a vida no interior perderia essa visão idealizada, e o "sertão passaria a ser

visto como um problema para a nação" (Oliveira, 1998). Influenciadas pelo

cientificismo do final do século 19, "as explicações raciais sustentaram uma suspeita

sobre os tipos miscigenados", considerando-os "portadores da degeneração" (Oliveira,

1998).

Criticado ou enaltecido, o sertão aparece nos relatos de cronistas e de viajantes

que visitaram o país desde o século 16 (Amado, 1995, p.146), assim como nas primeiras

tentativas de elaboração de uma história do Brasil escritas a partir do século 17, como

aquela empreendida por frei Vicente do Salvador (1627). Mais tarde, entre o fim do

século 19 e meados do século 20, o termo sertão chegou a constituir, como destacou

Janaína Amado, uma categoria absolutamente essencial, mesmo quando rejeitada, em

todas as construções historiográficas que tinham como tema básico a nação brasileira.

Historiadores agregados ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como

Varnhagen, Capistrano de Abreu e Oliveira Vianna, utilizaram e refinaram o conceito.

Outros estudiosos importantes do período, como Euclides da Cunha e Cassiano Ricardo,

também trabalharam, de diferentes formas, com a categoria "sertão".

Vale lembrar que o tema também aparece, com muita freqüência, na música, no

cinema, no teatro, na pintura e na literatura brasileiras. Grande parte da chamada

"literatura regionalista" tem o sertão como cenário central ou trata diretamente dele. A

geração de 1930, representada por autores como Graciliano Ramos e José Lins do Rego,

pode ser considerada a principal responsável pela construção dos conturbados sertões

nordestinos, de forte conotação social, sem esquecer João Guimarães Rosa, mais tarde

notabilizado por seu sertão misterioso e mítico (Amado, 1995, p.147).

Page 38: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

37

Entre os estudiosos que, ao longo desse período, trataram do sertão brasileiro,

Mary Lombardi (1975, p.442) destaca a importância de Capistrano de Abreu (1853-

1927), conhecido por nutrir uma visão bastante positiva do interior. Em seus Capítulos

de História Colonial (1500-1800), de 1907, tanto quanto na obra Caminhos Antigos e

Povoamento do Brasil, publicado a partir de 1899, Capistrano enfatizou o papel

desempenhado pelo sertão no que se referia ao desenvolvimento do Brasil e ao caráter

nacional. Diferentemente de outros historiadores de sua época, ele deu menos atenção às

influências européias na América Portuguesa e procurou destacar a singularidade do

Novo Mundo.

Ao comparar as obras de Capistrano e de Frederick Jackson Turner, José Honório

Rodrigues (1953, p.120-138) concluiu que o historiador brasileiro de certa forma repetiu

os passos do colega norte-americano. Sua abordagem foi considerada por Rodrigues

(1953, p.135-137) uma reação aos predecessores e um reflexo do desejo de Capistrano

de nacionalizar a história do país, chamando atenção para aquilo que ocorria nos confins

do Brasil e não apenas na costa.

O curioso, como apontou Bradford Burns (1995, p.9), é que, ao pontuar a

influência da fronteira na formação da nação brasileira, Capistrano de Abreu

aparentemente desconhecia o trabalho de Turner, publicado quatro anos antes.

Reforçando a conclusão de José Honório Rodrigues, Burns ressaltou que Capistrano

escreveu a primeira história do Brasil na qual o povo aparecia no papel principal. "Se as

massas fizeram história", escreveu o autor norte-americano (1995, p.8) sobre

Capistrano, "foi o interior que constituiu o verdadeiro Brasil, a realidade nacional". Para

Burns, "somente quando os habitantes do Litoral viraram as costas para o mar e

penetraram no interior, eles abandonaram as influências européias e se tornaram

brasileiros" – uma conclusão, aliás, muito semelhante à apresentada por Turner (1893)

em relação aos norte-americanos e sua conquista do Oeste. Além de exaltar essa

população até então menosprezada por muitos de seus pares, Capistrano inovou ao

incluir os fatores ecológicos em sua análise, citando a importância dos rios como

caminhos de penetração e dos recursos naturais disponíveis aos caboclos.

No século 20, muitos historiadores brasileiros seguiram os passos de Capistrano e

abordaram o tema da fronteira no Brasil a partir desse viés – alguns, inclusive, se

aproximaram ainda mais de Turner, ao fazer uso explícito de seus conceitos. O principal

deles, sem dúvida, foi Sérgio Buarque de Holanda, cuja produção teórica envolvendo o

tema da fronteira se tornou referência no país e ganhou fama internacional.

Page 39: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

38

Ao longo de quatro temporadas de estudos nos Estados Unidos – em 1941, 1965,

1966 e 1967 –, o pesquisador brasileiro não apenas conheceu o trabalho de colegas

norte-americanos, como participou dos debates acerca dos novos enfoques relacionados

à história das Américas. Tamanho envolvimento contribuiu, inclusive, para um

redimensionamento de suas conclusões sobre a trajetória brasileira – mudança que pode

ser observada em sua obra sobre a conquista do Oeste, principalmente nos livros

Monções (1945) e Caminhos e Fronteiras (1957), ambos produzidos sob significativa

influência de Frederick Jackson Turner.

Conforme Robert Wegner (2000), principal intérprete do tema da fronteira no

pensamento de Sérgio Buarque, ao retornar de sua primeira viagem de estudo aos

Estados Unidos, o historiador destacou, em um artigo intitulado Considerações sobre o

Americanismo (1941), a necessidade de se deixar de estudar o Brasil em contraposição

aos vizinhos norte-americanos. A par da obra de Turner, Sérgio Buarque sugeriu que a

frontier thesis poderia aproximar as análises acerca das histórias dos dois países, muitas

vezes consideradas radicalmente distintas – leia-se, por exemplo, Bandeirantes e

Pioneiros (1954), no qual Vianna Moog traça um "paralelo entre duas culturas",

destacando diferenças, muitas vezes extremas, entre Estados Unidos e Brasil. No caso

de Sérgio Buarque, a busca pelos elementos comuns na história de ambos os países

estava relacionada com a percepção de que se tratava de duas sociedades de fronteira,

fundadas no processo de americanização.

Especialmente em Caminhos e Fronteiras (1957), o estudioso estabeleceu

inúmeras conexões com a tese turneana, destacando, entre outras coisas, que tanto em

solo brasileiro quanto norte-americano o colonizador passou por um grande processo de

adaptação, apropriando-se de técnicas utilizadas pelos nativos em sua luta diária pela

sobrevivência. Se a percepção dessa capacidade adaptativa do colonizador português já

aparecia em Raízes do Brasil (1936), agora o sentido era outro, como demonstrou

Wegner (2000)6.

6 Em Raízes do Brasil, publicado inicialmente em 1936 (portanto antes da primeira temporada nos

Estados Unidos), Sérgio Buarque destacou a dificuldade de haver um rompimento definitivo entre a herança ibérica, tão arraigada na cultura brasileira e tão carregada de tradição, e o devir americano, que representava a modernização. Como demonstrou Wegner (2000), naquele momento, o historiador optava por uma chave explicativa genética para analisar a história do Brasil. A plasticidade lusitana concorreria para a recriação do Velho Mundo em terras brasílicas, o que por si só impediria rupturas radicais. Desse ponto de vista, logo que se instalaram na nova colônia, os portugueses trataram de reproduzir aqui os traços da terra natal, recriando instituições e formas de convívio. Para Sérgio Buarque (1936, p.25), de Portugal vinha "a forma atual de nossa cultura", e os colonizadores, "procurando recriar aqui o meio de sua origem, fizeram-no com uma destreza que ainda não encontrou

Page 40: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

39

De forma geral, percebe-se que, após entrar em contato com as discussões

historiográficas em voga nos Estados Unidos, o autor passou a tecer suas considerações

pensando o Brasil enquanto uma sociedade fronteiriça, na qual o contato entre

colonizadores e nativos desencadearia o surgimento de algo novo – e não mais da

recriação do Velho Mundo e da herança ibérica em terras brasileiras. Segundo Sérgio

Buarque (1957, p.183), "o recurso a numerosas técnicas primitivas, em parte ainda

persistentes, de aproveitamento do solo americano, resultou, sem dúvida, dos contatos

mais ou menos íntimos que manteve o colonizador europeu com os antigos naturais da

terra". Tais contatos, de acordo com autor, "foram assíduos [...] e não deixaram de

exercer sua ação transformadora". Ação, esta, também observada no caso norte-

americano e ressaltada por Sérgio Buarque (1957, p.183), que inclusive fez referências a

Turner:

"Conhece-se o caso daqueles puritanos da Nova Inglaterra que, regressando do cativeiro entre tribos do Oeste, surgiram em suas cidades pintados ou paramentados ao modo dos índios e falando idiomas nativos. Ou o das crianças mestiças, filhas de mulheres puritanas aprisionadas. Contudo, o historiador F. J. Turner, que alude a esses episódios, apresenta-os como ocasionais nas possessões anglo-saxônicas. Seriam o lado excepcional, quase escandaloso, da história dessas possessões."

Apesar das ponderações, o historiador brasileiro concluiu que "em alguns lugares

do mundo americano [...] esses casos puderam ser quase regra", especialmente no

Brasil. Segundo ele (Holanda, 1957, p.183), "em São Paulo, por exemplo, e nas terras

descobertas e primeiramente povoadas pelos paulistas [...] atestam numerosos

documentos a permanência generalizada do bilingüismo tupi-português através de todo

o século 17". Tratava-se de experiências semelhantes, porém com diferentes

intensidades, típicas de sociedades fronteiriças.

Mais tarde, no texto Movimentos da população em São Paulo do século 17 (1966,

p. 103-105), Sérgio Buarque voltou ao tema da fronteira no Brasil e relegou especial

atenção ao conceito de "válvula de segurança", fundamental na tese de Turner. Ao

longo do artigo, o historiador brasileiro identificou uma relação entre a saturação dos segundo exemplo na história". Sua plasticidade, sua impressionante capacidade de adaptação, não conduziria para algo novo nessa análise, mas para uma espécie de duplicata de Portugal na América. Somente "o aniquilamento das raízes ibéricas" poderia concorrer, enfim, "para a inauguração de um estilo novo" (Holanda, 1995[1936], p. 172). Em outras palavras, o legado ibérico impedia o desencadeamento de um vigoroso processo de americanização em terras brasileiras. Com tal conclusão, Sérgio Buarque distanciava, irremediavelmente, as experiências históricas do Brasil e dos Estados Unidos, o que se modificaria anos mais tarde, com a publicação de sua obra sobre a fronteira.

Page 41: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

40

núcleos primitivos de povoamento em São Paulo e a conseqüente migração

populacional rumo a novos núcleos. Além disso, atentou para a degradação de terras

devido ao uso de métodos predatórios de cultivo. Tanto o aumento excessivo da

população quanto o mau uso dos recursos naturais foram fatores decisivos, segundo ele,

para manter em funcionamento a válvula de escape, fenômeno que de certa forma ditou

a dinâmica populacional no planalto paulista do século 17. De acordo com o historiador

brasileiro (1966, p.104):

"... a criação de sucessivos núcleos urbanos obedecera a uma necessidade vital dos seus habitantes. Pois se de um lado era suscitada pela própria estrutura social e econômica em que tradicionalmente assentava a vida das mesmas capitanias, de outro devia servir para conservar intacta aquela estrutura, ameaçada de deteriorar-se sempre que faltassem escoadouros por onde se verteriam os excedentes da população das vilas."

A semelhança em relação ao caso norte-americano não passaria despercebida ao

autor e seria expressa logo adiante, por meio do seguinte questionamento (Holanda,

1966, p.104):

"Não faz isso lembrar um pouco certa doutrina que nos meados do século passado chegou a alcançar enorme prestígio nos Estados Unidos: a de que o Oeste norte-americano, área largamente desocupada que se abria além da fronteira do povoamento regular, devia agir ao modo de uma válvula de segurança para resguardar o Leste atlântico do risco de perturbações internas que sem ela pareciam inevitáveis?"

Em seguida, o historiador reafirmaria a existência de aspectos comuns entre a

marcha rumo ao oeste norte-americano e a ocupação do interior do Brasil por parte dos

paulistas, destacando que:

"...a função que vinham tendo no século 17 os espaços livres e utilizáveis ainda existentes ao redor do velho núcleo piratiningano, de assegurar a sobrevivência do tipo de sociedade ali formada desde os inícios da colonização, assemelhava-se, rigorosamente, à espécie de safety valve que há cem anos inflamara imaginações anglo-saxônicas no norte do Continente".

Apesar disso, Sérgio Buarque reconheceria que, no caso paulista, esse mecanismo

não teve a mesma força que nos Estados Unidos: "Se diferença houvesse, estaria nisso,

Page 42: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

41

que aqueles espaços livres, em vez de tingidos de cores tão idílicas, deviam parecer, em

geral, uma realidade descolorida e chã, mais refrigério talvez do que esperança"

(Holanda, 1966, p.104). É significativo notar que, para Sérgio Buarque, a conquista do

Oeste, no caso brasileiro, envolveu fatores excepcionais em relação ao processo

desencadeado em terras da Nova Inglaterra. O mais importante deles talvez tenha sido o

fato de que a fronteira brasileira foi mantida sob estrito controle da metrópole durante

anos, a fim de evitar a dispersão demográfica do litoral brasileiro.

Tal constatação aparece, por exemplo, em Piratininga, artigo publicado pelo autor

em 1954. Já estaria manifesta nas cartas de doação das capitanias, segundo Sérgio

Buarque, a repressão da Coroa Portuguesa às expedições que pudessem culminar no

surgimento de novos núcleos de povoação no interior do Brasil. Tais documentos,

conforme o historiador (Holanda, 1954, p.37-38), permitiam aos donatários "erigirem

tantas vilas quantas queiram junto ao mar ou aos rios navegáveis", mas não "terra

dentro", exceto "se entre uma e outra corra espaço mínimo de seis léguas". A intenção,

de acordo com Sérgio Buarque, era "conterem-se os povoadores nas imediações dos

portos de embarque e pontos vulneráveis da costa, pois não seriam os colonos em

tamanho número que pudessem ser encaminhados ao sertão sem se despovoarem

aqueles sítios".

Dessa maneira, mesmo que o processo de interiorização tenha sido precoce no

Brasil e tenha apresentado semelhanças em relação ao caso estadunidense, seu

desenvolvimento acabou se mostrando lento e apático e não apresentou, evidentemente,

o mesmo impacto verificado nos Estados Unidos, onde houve uma verdadeira corrida

para o Oeste. Além disso, Sérgio Buarque deixou claro que, no caso brasileiro, não

existiu uma grande fronteira, mas frentes distintas, em diferentes períodos7.

Nos primeiros anos de colonização, as incursões para o interior com o objetivo de

formar núcleos de povoamento eram exceções na América Portuguesa – muito embora o

próprio Sérgio Buarque tenha chamado atenção para o fato de que "a exceção existe", e

7 Alguns anos antes de Sérgio Buarque, Roy Nash, na obra Conquest of Brazil (1926), já havia destacado que, nos Estados Unidos, ao contrário do caso brasileiro, sucessivas ondas de colonização cruzaram todo o continente de modo que todos partilharam da lógica da fronteira. No Brasil, o movimento de populações teria se dado de forma muito mais descontínua por conta de demandas externas específicas. Conforme Nash (1926), à medida que a economia agro-exportadora mudava de foco, novas regiões com potencial para suprir as novas demandas eram povoadas, ao passo que outras entravam em decadência. Essa característica também viria a ser apontada por Richard Morse (1962) como uma das razões pelas quais, segundo ele, a versão norte-americana da fronteira não teve paralelo no Brasil. Apesar disso, autores como J. F. Normano (1935) concluíram que o modelo turneano se aplicaria com sucesso ao processo de colonização de qualquer país vasto, como o Brasil.

Page 43: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

42

o exemplo mais claro disso, segundo ele, foi o bandeirantismo, que já no segundo

século de colonização irrompeu sertão adentro.

Ainda assim, o avanço da fronteira foi considerado um processo descompassado

no Brasil e começou pelo menos duzentos anos antes da avassaladora marcha norte-

americana, como destacou Sérgio Buarque. Afora isso, Wegner (2000) aponta uma

outra diferença: se no caso norte-americano teve destaque a concepção de que as terras a

serem conquistas deveriam ser transformadas (civilizadas) pelos colonizadores, no caso

luso-brasileiro predominou a idéia de que as terras fronteiriças estavam ali para serem

desfrutadas – num claro exemplo do chamado espírito de aventura, comum aos

colonizadores lusitanos, como concluiu o autor de Raízes do Brasil.

Em outras palavras, a marcha rumo ao sertão brasileiro teve características únicas

se comparadas à corrida ao Oeste nos Estados Unidos, mas também algumas

semelhanças. Com todas as particularidades assumidas no Brasil, a conquista da

fronteira transformou o legado ibérico – muito mais, possivelmente, do que o próprio

Sérgio Buarque de Holanda poderia imaginar. Talvez por isso, segundo Burns (1995,

p.1), a fronteira represente mais do que um simples espaço físico na historiografia

brasileira. Não por menos, o sertão se tornou uma categoria de entendimento do Brasil.

Tão comum nos livros de história produzidos na atualidade, quando nos últimos dois

séculos.

Page 44: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

43

1.3. A fronteira verde no Sul do Brasil

Se na historiografia brasileira a fronteira é o sertão e o seu protagonista é o

sertanejo, na historiografia regional produzida no Rio Grande do Sul a idéia

predominante de fronteira está vinculada aos Pampas e o seu personagem por excelência

é o gaucho. Foi essa fronteira, marcada por um bioma específico e por limites políticos

tortuosos, palco de constantes disputas e de embates sangrentos, que preponderou nas

análises de uma determinada corrente de historiadores. Nesse caso, porém, não se

relegou contornos heróicos à figura do cabra, mas à do “centauro dos Pampas”, uma

alegoria explorada à exaustão na literatura e na música regionais, assim como no

cinema.

Outras divisas, no entanto, marcaram o Rio Grande ao longo de sua história, e não

se restringiram à Campanha. Implantadas a partir de 1824 nas áreas de mata do Rio

Grande do Sul, as colônias européias também foram, de certa forma, marcos de

fronteira. Ano após ano, ao longo de um século, núcleos de povoamento surgiram e

empurraram para mais longe a linha fronteiriça, onde milhares de imigrantes, em um

processo contínuo que só teria fim na primeira metade do século 20, depararam com

densas, vicejantes e aparentemente intermináveis florestas subtropicais.

Foi ao longo dessa fronteira verde, na transição do campo para a floresta, da faixa

central ao extremo norte e noroeste da Província (veja o mapa a seguir), que esses

homens e mulheres aprenderam a desmatar, ergueram casas, semearam lavouras e

fundaram cidades, impondo seu domínio ao meio ambiente.

Page 45: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

44

Mapa 2 – Vegetação nativa do Rio Grande do Sul

Page 46: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

45

Mapa 3 – Zonas de povoamento do Rio Grande do Sul

Page 47: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

46

Marcada por contornos dinâmicos e nem sempre nítidos, essa fronteira natural e,

ao mesmo tempo, cultural, constitui um conceito-chave para a compreensão histórico-

ambiental do processo de desenvolvimento experimentado no Sul do Brasil. Zona

preterida pela elite latifundiária sul-rio-grandense, a mata foi o lócus de transformações

significativas para a história regional, embora apareça como um elemento passivo – e

até desimportante, muitas vezes – na maioria dos livros já produzidos sobre o tema.

Ao tratar da natureza enquanto problema historiográfico, David Arnold (1996,

p.101) afirma que o interesse pelo tema da fronteira e, em especial, pelas questões

ecológicas por detrás da tese de Frederick J. Turner tem ganhado espaço entre novos

historiadores, especialmente aqueles ligados à história ambiental. Segundo ele, mesmo

que a fronteira não tenha representado tudo o que Turner supôs em relação à história

dos Estados Unidos, ela se constituiu, de fato, no cenário de muitos de seus episódios

formativos. No caso da colonização européia no Rio Grande do Sul, não foi diferente. A

fronteira verde onipresente no território gaúcho pode ser considerada igualmente o

cenário e, mais do que isso, um agente ativo no processo de tropicalização dos

imigrantes e de seus descendentes nascidos em solo brasileiro.

Porém, ao mesmo tempo em que a presença das terras cobertas de mata na então

Província de São Pedro moldou e condicionou em muitos aspectos a ação dos europeus

em solo sul-rio-grandense, esses homens e mulheres também imprimiram suas marcas

na paisagem, reinventando a si próprios e alterando de forma decisiva os ecossistemas

regionais – não apenas por meio das derrubadas e queimadas, mas também da “biota

portátil”, formada principalmente por mudas e sementes que trouxeram na bagagem

(Crosby, 1986). O que mais seria o processo de “caboclização” dos colonos,

identificado (e condenado, diga-se de passagem) por alguns dos principais

pesquisadores dedicados ao tema (Weibel, 1958, e Roche, 1969), senão a própria

“tropicalização” dos imigrantes europeus em plena efervescência nas matas?

As florestas subtropicais características da região representaram uma fronteira

polissêmica, porque física e simbólica. Em termos simbólicos, por um lado, tratava-se

do paraíso terreno idealizado pelos imigrantes europeus, tal como exaltou, em 1862, a

imigrante Marie van Langendonck (2002[1862], 49-50), ao reconhecer traços divinos na

natureza sul-rio-grandense. É bem verdade, no entanto, que a realidade vivenciada nas

colônias se mostrou bastante diversa do paraíso bíblico prometido pelos agentes de

imigração e imaginado por esses homens e mulheres quando colocaram os pés pela

primeira vez na nova terra.

Page 48: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

47

Em seus escritos, teólogos do início do período moderno difundiram a idéia de que

o Jardim do Éden, antes da Queda, era um lugar aprazível e bucólico (Thomas, 1999,

p.22). Na Província de São Pedro, onde uma massa disforme de vegetação surpreendeu

os pioneiros no limite entre o mundo selvagem e o civilizado, a realidade era bem

diferente. Como descreveu Roche (1969, p.52), “elevavam-se as árvores monstruosas,

estreitavam-se os arbustos e as plantas do sub-bosque, enlaçavam-se os cipós” e tudo,

absolutamente tudo, precisava ser conquistado à floresta. Até mesmo a luz do sol.

A crença na fronteira verde enquanto terra de promissão, no entanto, resistiu à

aparente discrepância. E a explicação para isso estava na religiosidade fervorosa dos

colonos – ou pelo menos da maioria deles. A transformação do jardim edênico em um

lugar infestado de feras e de espinhos, como descrevia o Antigo Testamento, deveu-se à

afronta às leis divinas. E cabia aos homens a missão de domesticar a natureza hostil para

que voltasse a ser como antes (Thomas, 1999, p.22). A fé que acompanhava os

imigrantes em sua longa viagem forneceria, assim, os alicerces morais para o

predomínio humano inconteste sobre o mundo natural. Era preciso vencer a floresta,

tomada desde o início como sombra da civilização (Harrison, 1993).

Mais do que um símbolo do paraíso divino, a fronteira verde esculpida nos

confins do Rio Grande era concreta. Fisicamente, o tapete verde que se erguia no

território gaúcho constituía-se de um denso e rico conjunto de vegetação, banhado por

rios caudalosos e habitado por milhares de formas de vida, que se exibiam aos olhos

surpresos dos recém-chegados. Tratava-se, segundo o relato do viajante alemão Robert

Avé-Lallemant (1980[1858], p.119), de um “labirinto” de grandes árvores e “vigorosos

troncos”, ou, como descreveu o alemão Carl Seidler (1976[1835], p.110), de um

conjunto de “formidáveis troncos de árvores”. Tão formidáveis que, em pouco tempo,

viriam abaixo chamuscados pelo fogo da coivara.

A farta disponibilidade de recursos naturais, para Warren Dean (1996, p.57),

confere ao “Rio Grande das Matas” – tanto quanto às florestas da Nova Inglaterra e às

pradarias das Grandes Planícies, nos Estados Unidos – a categoria de fronteira. A

definição é válida, segundo Dean, porque, quando os europeus e seus descendentes

chegaram, essas áreas ainda “apresentavam um arranjo de recursos que os invasores

poderiam instantaneamente converter em consumo abundante”. Em outras palavras,

como destacou Walter Prescott Webb (1952), ainda dispunham de uma “herança” a ser

usufruída.

Page 49: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

48

Entretanto, ao contrário do caso norte-americano, a fronteira verde sulina não

seguiu uma linha geograficamente horizontal (no sentido leste-oeste), mas

vertical/diagonal, da Depressão Central ao norte e noroeste da Província. Não seria

possível, aliás, uma expansão colonial em direção ao Sul, por se tratar de um território

historicamente ocupado pelos grandes estancieiros, com suas criações de animais e suas

charqueadas. Este limite representado pela Campanha já estava posto ao imigrante, e os

campos naturais não seriam sua zona de expansão, mas as florestas desvalorizadas e

preteridas pela elite latifundiária regional. As mesmas florestas que, para os europeus,

surgiam como a esperança de uma nova condição de vida – a de proprietários de terras.

Por conta desse processo e pela própria lógica da natureza, a fronteira verde

jamais foi homogênea ou estática. Pelo contrário: foi uma área em permanente estado de

transformação, composta por um elenco extraordinariamente diversificado de

habitantes, que se modificava constantemente, à medida que se avançava na mata. Para

sobreviver nesse ambiente, diferente de tudo o que conheciam, os colonos

desenvolveram algumas estratégias de sobrevivência específicas, com o auxílio de

agentes e inspetores coloniais.

Em primeiro lugar, acabaram por adotar um sistema de produção característico,

composto por três etapas, que se repetiram em todos os núcleos coloniais erguidos na

Província. A primeira etapa resumia-se ao desmatamento propriamente dito, feito a

partir das derrubadas em massa e do uso intensivo das queimadas. A segunda,

compreendia o cultivo do solo, feito de forma rudimentar na terra ainda coberta de

cinzas e surpreendentemente fértil. A terceira e última etapa era marcada pela rotação de

terras – e não de culturas – calcada na aparente inesgotabilidade da fronteira verde e, ao

mesmo tempo, resultante da degradação do solo devido aos métodos precários de

cultivo. Insustentável do ponto de vista ecológico e econômico, a reprodução desse

modelo só foi possível enquanto os colonos e seus descendentes puderam avançar na

fronteira verde.

Apesar dos danos ambientais, as derrubadas e queimadas acabaram se tornando o

principal instrumento de colonização – que no Sul do Brasil se mostrou singular ao

incorporar pessoas que imigraram de forma espontânea, muitas por incentivo do

governo brasileiro, com o objetivo de construir vida nova. Homens e mulheres que, nas

terras de origem, possivelmente jamais haviam deparado com florestas semelhantes às

então existentes no Rio Grande do Sul. Se o desmatamento acabou se tornando a

principal forma de colonização, as terras supostamente livres e cobertas de vegetação

Page 50: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

49

foram o seu combustível. Tanto assim que, com exceção das áreas onde predominava a

criação de gado, na Campanha e na Fronteira Oeste, a maior parte do território da

Província só foi ocupada com a chegada dos imigrantes (Schneider, 2004).

Além de condicionar o sistema produtivo adotado pelos colonos, a presença da

floresta enquanto fronteira aberta foi decisiva para a constituição de um determinado

tipo de organização social nas colônias, que também seguiu um padrão. A marca

principal do modo de vida levado nesses núcleos foi a autossuficiência – não

necessariamente econômica.

Para a perpetuação do caráter relativamente autárquico dessas comunidades

fundadas no seio da floresta, contribuíram vários fatores. Em primeiro lugar, a forma de

ocupação da fronteira verde baseava-se na abertura de caminhos isolados na mata,

chamados de linhas ou picadas. Ao longo desses caminhos solitários, rodeados por

árvores imensas e vegetação cerrada, os lotes eram demarcados e entregues aos

imigrantes, que iam se instalando ao longo da estrada e dando início às derrubadas com

as poucas ferramentas que recebiam. As dificuldades impostas pelo meio eram tantas e

tamanhas que as famílias tiveram de se unir nas tarefas de desmatar e de semear as

primeiras lavouras.

Da adversidade, brotaram intensos laços de solidariedade. Mas não foi só isso. Da

necessidade de sobreviver na fronteira verde, um ambiente completamente novo,

marcado por dificuldades de comunicação, pela distancia em relação aos principais

centros e pela relativa ausência do poder do Estado, acabaram por surgir sociedades

bastante fechadas em si mesmas, com alto grau de endogamia e marcadas por intensas

relações de parentesco e de religiosidade (Schneider, 2004).

Isso não significa, por outro lado, que os imigrantes estavam efetivamente

sozinhos no coração da floresta. Ao contrário do que supunha certa tradição

historiográfica, os imigrantes e seus descendentes interagiram com os povos que

habitavam a zona de fronteira – por vezes de forma violenta e impiedosa. A crença na

existência de “terras livres” não passou de mais um mito. Tal como concluiu Dean

(1996, p.57) ao tratar da Mata Atlântica brasileira, “havia homens do outro lado do que

tem sido designado como fronteira, [...] mas suas técnicas de subsistência eram muito

menos perturbadoras que as dos invasores”. O mesmo se deu no Sul do Brasil, onde a

coivara indígena, até então aplicada de forma esparsa e nômade, acabou sendo

apropriada pelos colonos e utilizada em larga e destruidora escala.

Page 51: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

50

Para além das relações esporádicas com índios e caboclos, o principal mecanismo

de contato dos colonos com a sociedade gaúcha se deu a partir do sistema comercial

desenvolvido nas próprias colônias. Donos de pequenos armazéns, alguns colonos se

encarregavam de transportar e vender os alimentos produzidos pelos demais nos centros

urbanos mais próximos. Eles também eram responsáveis por trazer de volta às colônias

produtos manufaturados de difícil acesso na fronteira verde, como ferramentas e

tecidos. Essas relações, segundo Sergio Schneider (2004, p.23), foram fundamentais

para cimentar o modo de vida nas colônias sulinas, que se diferiu de todas as

experiências do tipo já praticadas no Brasil. Além dessa especificidade, o avanço da

colonização européia ao longo da fronteira verde apresentou características singulares

se comparado à conquista do Oeste brasileiro – que, para Sérgio Buarque de Holanda,

foi um processo precoce, mas ao mesmo tempo lento, irregular e descontínuo, como se

viu anteriormente.

No caso das colônias criadas no Sul do Brasil, a expansão das frentes pioneiras foi

bem mais tardia – tendo início apenas no século 19 –, de ação relativamente rápida e

com conseqüências drásticas, tanto socioeconômicas quanto ambientais, convergindo

muito mais com o caso norte-americano do que com a marcha luso-brasileira rumo ao

interior. Como resume Maria Verónica Secreto (2001, p.6), "a particularidade do

movimento de fronteiras do século 19 é a decisão das nações americanas independentes

de colonizarem-se a si mesmas". O que aconteceu no Rio Grande do Sul foi

precisamente o ápice dessa onda.

A inserção de milhares de imigrantes nas áreas de mata da Província e a abertura

de novas colônias ano a ano, com incentivo dos governos imperial e provincial e da

iniciativa privada, implicaram uma conquista em massa, espacialmente ampla, em um

curto período de tempo, desde cedo forjada pela lógica de fronteira. Um exemplo desse

avanço avassalador foi a criação da Colônia de Conde D’Eu, em 1875, na Serra gaúcha.

Por meio da correspondência do seu diretor, João Jacintho Ferreira8, sabe-se que

inicialmente chegaram 48 colonos à região, no dia três de setembro daquele ano. No dia

oito, os imigrantes tinham tomado posse de seus lotes e, segundo Ferreira, “apesar de

não estarem habituados ao trabalho com foice e machado, tem algum matto derrubado, e

ainda farão este anno as suas plantações”. Cerca de um mês mais tarde, o diretor 8 FERREIRA, João Jacintho. Ofícios de 3/9/1875, 8/9/1875, 18/9/1875, 21/9/1875, 3/10/1875, 4/10/1875, 10/12/1875, 19/12/1875 e 21/12/1875, dirigidos a José Maria da Fontoura Palmeira, delegado da Repartição das Terras Públicas e Colonização. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, caixa 29, maço 55.

Page 52: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

51

anunciava a chegada de mais 31 colonos ao local. Três meses depois, no dia dez de

dezembro de 1875, relatava a instalação de outros 200 imigrantes e, apenas 11 dias

depois, de mais 400 pessoas, número que continuou aumentando, mês a mês, em

progressão geométrica.

Isso significa que, em menos de quatro meses, cerca de 700 colonos foram

inseridos naquela área, provocando imediatas alterações ambientais. Embora os lotes

entregues às famílias não passassem de 25 hectares em média no período9, a área

ocupada aumentou rapidamente, na mesma proporção em que as árvores vinham abaixo.

Em ofício de 21 de setembro do mesmo ano, Ferreira pedia autorização da Repartição

das Terras Públicas e Colonização para “mandar fazer as derrubadas e as casas

provisórias” dos colonos que iam chegando, acelerando ainda mais o processo de

transformação da paisagem e de ocupação da floresta.

Como se viu na obra de Sérgio Buarque, no Brasil, de um modo geral, a fronteira

foi mantida sob estrito controle da metrópole por algum tempo. Essa característica não

se repetiu nas colônias estabelecidas na Província de São Pedro. Tomando-se por base

relatórios de presidentes provinciais e documentos elaborados por inspetores de

colonização e agentes intérpretes, é evidente que o Estado incentivou a conquista da

fronteira verde.

Embora com o passar dos anos tenham surgido discussões na Assembléia

Legislativa sobre os supostos perigos de um “enquistamento étnico” – justamente em

função das características autárquicas dos núcleos fundados na região –, a expansão das

colônias e a conseqüente difusão do ordenamento territorial agrícola sobre o “caos” da

floresta foram considerados, desde o início, imperativos civilizatórios vitais para o

desenvolvimento regional. A ocupação em massa da floresta foi premeditada – embora

muitos de seus efeitos não tenham sido calculados, entre eles impactos ambientais

negativos, como a erosão dos solos, o assoreamento dos rios e a extinção de algumas

espécies de animais nativos.

O incentivo do Estado à rápida ocupação das florestas é visível, por exemplo, no

Relatório da Administração Central das Colônias, apresentado pelo agente intérprete

Carl von Koseritz em 1867. Nele, Koseritz (1867, p.17) ressaltou que “as nossas

colônias abrangem hoje uma grande parte da província e [...] formão uma riquíssima e 9 Em 1824, os alemães receberam lotes coloniais de 77 hectares. Em 1848, as propriedades foram reduzidas para 48 hectares. Em 1875, os lotes foram alternados para 25 hectares, medindo 200 a 250 metros de frente e mil a 1.250 metros de profundidade, conforme descreve Jean Roche (1969) em seu estudo sobre a colonização alemã no Rio Grande do Sul.

Page 53: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

52

vasta zona”. Zona, esta, que continuava a se expandir, pois, segundo Koseritz (1867,

p.12), “do Maratá até a Vaccaria de Cima da Serra, se estendem ainda muitas e ricas

terras e [...] todas serão entregues aos laboriosos braços de colonos”.

Quase vinte anos depois, o ajudante da Inspetoria Geral das Terras e Colonização,

Manoel Maria de Carvalho (1886, p.7), apresentaria dados estatísticos para evidenciar o

extraordinário (e comemorado) impulso da marcha colonial na fronteira verde. Segundo

ele, “há uma imensa differença a favor do Rio Grande do Sul, pois nos dois últimos

annos recebeu cerca de seis vezes mais immigrantes do que no mesmo período de tempo

as províncias reunidas de Santa Catharina, Paraná e Espírito Santo”.

Em sua esmagadora maioria, esse contingente de colonos não era formado por

ibéricos – protagonistas por excelência das análises de Sérgio Buarque sobre a formação

da sociedade brasileira. No projeto de colonização empreendido nas florestas do

extremo sul do Brasil, foram principalmente imigrantes oriundos das áreas hoje

pertencentes à Alemanha e à Itália, além de poloneses, suíços, belgas e franceses, entre

outros, os responsáveis por transpor a vasta fronteira que se impunha em direção à Serra

Geral. Gente considerada “obreira” na visão de muitos dos idealizadores das colônias.

Homens e mulheres que cruzavam o oceano com famílias inteiras sem planos de um dia

voltar. Talvez por isso a ética do trabalho tenha sido a tônica da conquista, e não o

espírito de aventura que segundo Sérgio Buarque teria predominado entre os ibéricos

responsáveis pela colonização do Brasil. Ao invés de terras a usufruir, os lotes coloniais

foram encarados como terras a transformar, a civilizar.

Não por menos, a expansão na zona de fronteira resultou inicialmente em uma

escalada na produção agrícola. A difusão das lavouras na mata foi considerada por

Manoel Maria de Carvalho (1886, p.24) uma “prova evidente da importância e

progresso destes estabelecimentos, assim como das vantagens que se provém de

colonizar-se o paiz e da conveniência, portanto, de continuar o Governo a dar largo e

não interrompido desenvolvimento a este serviço”. Satisfeito com a performance dos

pioneiros, o ex-diretor e inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.48) também ressaltou

a “actividade e perseverança dos exploradores coloniais” em sua conquista da fronteira

verde.

Pouco a pouco, porém, o esgotamento do solo se tornaria um pesadelo para as

famílias – e para as autoridades. Nas primeiras áreas ocupadas pelos imigrantes de

origem alemã, a produção agrícola apresentaria claros sinais de regressão

principalmente a partir de 1890. Nessa época, segundo Jean Roche (1969, p.272), a

Page 54: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

53

fertilidade do solo e os níveis de produtividade decaíram de forma expressiva e

irrevogável. Apesar disso, o sistema de produção colonial ganhou sobrevida a partir de

algumas estratégias de sobrevivência (Schneider, 2004, p.28).

A primeira delas foi a substituição da policultura por outras formas de renda, entre

elas, especificamente no que diz respeito às antigas áreas de colonização alemã, a

criação de suínos. A segunda, que de certa forma é uma conseqüência do problema, foi

a migração em massa das colônias velhas – que viveram uma brusca regressão

demográfica – para as novas, inflada pelas dificuldades de reprodução do sistema

produtivo.

Ao longo de 1880, segundo Arthur Blásio Rambo (2004, p.70-71), esgotaram-se

as últimas reservas de terra disponíveis nas bacias dos rios dos Sinos, Caí, Taquari,

Pardo e Jacuí. A pressão por mais terras aumentava a cada dia. Na época, conforme

Rambo, a “única forma de aliviar a tensão encontrava-se na abertura de novas fronteiras

de colonização”, e a lógica então apontou para o norte e o oeste, em direção a imensas

áreas florestais na Serra e no Alto Uruguai.

Diante da urgência, a região das colônias novas transformou-se, conforme Rambo

(2004, p.71), em um “grande laboratório de experiências de colonização”. Enquanto a

Colônia de Ijuí surgia de uma iniciativa do governo federal, a de Santa Rosa era criada

pelo governo Estadual e a de Santo Ângelo, nas Missões, resultava de um projeto

municipal. Outras dezenas de novos núcleos vingavam a partir de empreendimentos

particulares.

Na obra Cem Anos de Germanidade, Amstad chegou a se referir a uma verdadeira

“febre migratória” acometendo colonos de todas as regiões na segunda metade do

século 19 – que também atingiu os italianos, na Serra. Essa febre, segundo Rambo

(2004, p.73), “empurrara os excedentes, tanto das colônias alemãs como das italianas,

até a barranca do rio Uruguai em toda sua extensão norte e noroeste do Rio Grande do

Sul”. O ímpeto da nova geração à procura de terras foi estimulado pelas “matas virgens

intactas na margem direita do rio, tanto no vizinho Estado de Santa Catarina, como

também na Argentina”.

Os novos núcleos abertos na fronteira verde, que ao fim do século 19 já era

cortada por trilhos de trem e por novas estradas, funcionaram como verdadeiras válvulas

de escape, tal como sugeriu Turner em relação aos Estados Unidos. Ao passo que novos

imigrantes eram direcionados pelo governo ou por companhias particulares a essas

povoações, os filhos dos pioneiros também migravam, imbuídos da promessa de

Page 55: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

54

encontrar novas e fecundas terras. Esse processo contínuo implicou severas

conseqüências ambientais – alterações que, embora também tenham marcado a marcha

rumo ao Oeste norte-americano, não fizeram parte da análise turneana.

Na década de 1920, quando praticamente todas as terras já haviam sido ocupadas

no Rio Grande do Sul, a fronteira verde sulina dava-se por conquistada, mas muitos

“eurobrasileiros” continuaram sua diáspora. Legaram cidades prósperas do ponto de

vista econômico, como São Leopoldo e Caxias do Sul, mas também houve degradação

dos solos, assoreamento dos rios e o desmatamento de áreas consideráveis _ dos 36% de

mata nativa que um dia mancharam de verde o Rio Grande do Sul, restavam apenas

5,62% em 1983, segundo a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Em sua

marcha por Estados como Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso, as novas gerações

repetiram os passos dos antepassados. E a obsessão por novas terras, em pleno século

21, ainda não terminou, com a expansão para o Mato Grosso e a Amazônia.

Page 56: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

55

2. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ALEMÃ:

PONTO DE PARTIDA NA CONQUISTA DA FRONTEIRA VERDE

Açoitados pelos ventos gélidos da estação mais fria do ano no extremo Sul do

Brasil, 38 imigrantes alemães pisaram pela primeira vez o solo da Colônia de São

Leopoldo, na antiga Real Feitoria do Linho Cânhamo, em julho de 1824. Depois de

mais de dois meses de travessia oceânica, perturbados por agruras e incertezas de todos

os tipos, os forasteiros finalmente deparavam com a sua terra de promissão, concedida

pelo Império brasileiro na longínqua e desconhecida Província de São Pedro.

Muitos sequer conheciam florestas nativas ou mesmo secundárias maduras em

suas terras de origem. A partir dos registros governamentais, é possível constatar que a

maioria vivia em lugares antropizados havia milênios. E alguns sequer eram

agricultores. Dos primeiros imigrantes chegados à Colônia de São Leopoldo, a maior

parte vinha do Noroeste do território que hoje pertence à Alemanha (Hamburgo,

Holstein, Hanover, Mecklenburg). Sabe-se que havia pelo menos sete agricultores, dois

carpinteiros, um pedreiro, um ferreiro e um empregado da indústria de papel. Na

segunda leva, constituída de 81 pessoas, o número de agricultores declarados chegou a

16, mas também havia um pedreiro, um pintor, um ferreiro, quatro carpinteiros e um

sapateiro (Rambo, 1956, p.80). Não por menos, a maioria sentiu-se aturdida diante da

realidade encontrada na zona colonial.

No lugar de campos tranqüilos e bucólicos, como muitos imaginaram, ou mesmo

de áreas já domesticadas pela mão humana, com as quais estavam acostumados, os

forasteiros encontraram um cenário intimidador. Ali, nos confins do Brasil meridional,

como mostra a primeira parte deste capítulo, imperava a chamada Urwald – palavra que

se tornaria uma constante nas cartas e diários desses homens e mulheres. Era a "floresta

virgem", feita de imensos exemplares de cedros, cabriúvas, angicos e canafístulas e de

emaranhados de cipós e trepadeiras. Uma paisagem ambígua, que despertou medo e, ao

mesmo tempo, fascínio.

Page 57: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

56

Além de analisar as relações estabelecidas entre os colonos alemães e a floresta

subtropical – aqui definida em um sentido amplo, como o conjunto da vegetação, do

relevo, da hidrografia e de seus habitantes nativos –, o presente capítulo apresenta uma

discussão sobre o “desmatamento civilizador” empreendido pelos forasteiros em seu

embate com a floresta. Entre outros aspectos, ganham destaque as técnicas de

desbravamento e de plantio adotadas no limite da fronteira, baseadas na lâmina do

machado e no poder devastador do fogo, cujas chamas eram associadas à idéia de

progresso.

Na seqüência, o foco da análise passa a ser o cotidiano dos colonos, com atenção

especial a algumas das mudanças culturais pelas quais passaram esses homens,

mulheres e crianças. Mudanças, estas, relacionadas principalmente ao vestuário, que

incorporou, por exemplo, o poncho à moda rio-grandense; às formas de moradia,

condicionadas, no início, à biomassa da floresta; e à nova dieta alimentar adotada pelos

pioneiros, constituída de ingredientes como o milho, o aipim, o ananás, e também da

carne de animais silvestres, como antas, macacos e papagaios.

O surgimento de novos ecossistemas regionais, resultantes de uma mescla de

elementos nativos e exóticos, é o tema da quarta parte do capítulo. Na bagagem, como

demonstram documentos oficiais e cartas dos próprios colonos, muitos imigrantes

trouxeram mais do que apenas mudas de roupas: carregaram consigo sementes de

plantas com as quais estavam acostumados – como o centeio e a aveia – e, com elas,

procuraram tornar a nova terra familiar.

Por fim, o presente capítulo encerra-se com uma discussão sobre o novo na

fronteira. A chamada “caboclização”, desencadeada a partir da apropriação de hábitos

indígenas, caboclos e luso-brasileiros e condenada por alguns historiadores por

significar uma suposta “regressão”, é tratada aqui como uma nuance de um processo

mais amplo: o processo de tropicalização, que incluiu, entre outros aspectos, a

construção de uma nova identidade e de uma nova terra.

Page 58: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

57

2.1. O colono adentra a floresta

“No horror profundo da floresta,

Onde leões e tigres imperam, O homem forjou planícies floridas E promove, cuidadoso, a cultura,

Em lugar do sussurrar sinistro das matas Ecoa agora o canto alemão,

Os animais selvagens escutam, Temerosos, estes sons raros.”

Do mato fechado de Linha Cecília, na Colônia alemã de Venâncio Aires, os versos

escritos no final do século 19 pelo imigrante Josef Umann ganham eco, melodia e voz.

Musicadas pela Sociedade de Canto criada pelo próprio colono, as palavras que

reforçam o embate travado entre civilização e floresta nos confins da Província de São

Pedro difundem a mentalidade de conquista que forjou, em grande medida, as ações dos

europeus na nova terra. A julgar pelo relato do colono, guardado durante anos pela

família e publicado em livro em 1981, a floresta subtropical figurava como uma

imensidão tão misteriosa quanto temida.

As surpresas começavam logo na chegada à Província de São Pedro e se sucediam

ao longo do percurso rumo às colônias alemãs, que, a partir de 1824, iam sendo

erguidas em uma região de vales entrecortada por rios caudalosos e nem sempre

navegáveis. No início, esse trajeto era feito a pé ou no lombo de mulas, por meio de

estreitas estradas abertas no interior da floresta ou de velhos caminhos de tropeiros. Os

colonos não apenas se surpreendiam com o tamanho das árvores, mas também com o

grande número de espécies, assim como as distintas dinâmicas ecológicas de

crescimento, sucessão e clímax, com o tipo de solo e as “pragas”.

Nessa aventura pela mata, segundo Umann (1981, p.78), poucos imigrantes

sabiam exatamente o que significava o termo “selva”. Da mesma forma, para os colonos

Rudolf e Anna Gressler (apud Martin, 1999, p.32), que habitavam a Colônia alemã de

Santa Cruz, fundada em 1849 a pouco mais de cem quilômetros da pioneira São

Page 59: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

58

Leopoldo, a força da vegetação era tanta, que excedia “toda e qualquer imaginação”.

Mesmo os conhecedores das obras de viajantes, conforme Umann (1981, p.61-62),

consideravam “o início na mata muito mais difícil do que haviam imaginado”. Haveria,

para ele, uma “grande diferença” entre um viajante europeu “e um homem que em terra

estranha deseja fundar um lar para si e sua família em meio à mata virgem”, descrita por

Umann (1981, p.61, 62 e 63) como uma “mata escura, com seus cipós entrelaçados e

suas árvores gigantescas”.

Em seu relatório de 1850, encontrado no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

(AHRGS), o diretor da Colônia de Santa Cruz, Martin Buff (1850), diria inclusive que

“para a gente que vem da Europa he muito penozo acostumarem-se no matto nos

primeiros tempos, por isso vivem sempre incomodados e doentes”. Como destacou o

historiador Olgário Vogt (1997, p.62), os imigrantes “vinham completamente iludidos

quanto ao tipo de vida que teriam no Sul do Brasil” e mostravam-se “despreparados

para enfrentar as agruras da vida que os aguardava”. O relato de Carl Friedmund

Niederhut (1924, p.40-41) dá conta disso:

“Vinham [os colonos] exhaustos por uma longuíssima e penosa viagem de mezes e mezes em barcos de vela, sem conforto, com alimentação deficiente, victimas do enjôo e da falta de recursos. Quando aqui chegavam viam-se numa terra inculta e bravia, coberta de densas e impenetráveis florestas (...)”

Para piorar a situação, muitos chegavam sob os rigores do inverno na região. As

baixas temperaturas, aliadas à umidade e às más condições de moradia, alimentação e

vestuário, deixaram muitos enfermos. Como destacou o inspetor Martin Buff (1851) em

um relatório manuscrito datado de 16 de julho de 1851, “chegão quase sempre os

colonos em tempo impróprio, sem que possão 6 ou 8 mezes fazer maiores serviços, por

ser tudo mato virgem, o que não aconteceria se chegassem no princípio do verão, tempo

próprio para plantações”10. Na longa espera pela passagem do inverno, as famílias eram

obrigadas, na maioria dos casos, a permanecerem nos barracões – precárias habitações

coletivas erguidas em meio à floresta, onde dormiam sob o mesmo teto e tentavam, às

vezes inutilmente, se proteger do frio.

10 Os agentes e inspetores coloniais, como veremos mais adiante, instruíam os colonos a derrubarem a mata nos meses de seca, pois era preciso deixar os galhos e as toras secando por dias para só então atear fogo e garantir o sucesso da queimada.

Page 60: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

59

Nessas matas, por todos os lados, segundo Jean Roche (1969, p.52), “elevavam-se

as árvores monstruosas, estreitavam-se os arbustos e as plantas do sub-bosque,

enlaçavam-se os cipós”. A vegetação, conforme o relato de viagem do médico alemão

Robert Avé-Lallemant, que em 1858 visitou as colônias alemãs, confundia os recém-

chegados. Seu diário, recheado de informações preciosas sobre os núcleos de imigrantes

da Província de São Pedro, foi publicado em português em 1980. Segundo Avé-

Lallemant (1980[1858], p.119):

“Mal se adivinham, no labirinto, as grandes árvores. Os vigorosos troncos, cuja elevação longitudinal e contorsões dão a idéia de serem diferentes indivíduos que se ligaram durante o crescimento, são geralmente mirtáceas, pois esse grupo de plantas é que caracteriza a floresta. Em algumas figueiras essa contorsão e ligação de partes do tronco é ainda mais notável [...] Inextricável é o emaranhado das lianas. Descem geralmente em linha reta das copas das árvores para a terra.”

As características da mata subtropical também impressionaram o viajante inglês

Michael Mulhall, que em 1873 publicou um livro intitulado Rio Grande do Sul and its

German Colonies, informando detalhes de sua passagem pela região. Segundo Mulhall

(1873, p.109), “a paisagem florestal” variava “a cada turno”, mesclando “solidão e

grandeza”. Árvores de laranja e de figos selvagens apareciam, por vezes, “entre as

espessas florestas de madeiras valiosas, de uma dúzia de tipos”, rodeadas por

trepadeiras e “tão estreitamente interligadas que seria difícil tentar passar através delas”.

Ao narrar a história de um indígena que teria raptado a família de um imigrante

alemão no século 19, o monsenhor Matias José Gansweidt também tentou traduzir em

palavras, a partir de fontes orais, a biodiversidade encontrada na região das colônias.

Gansweidt (1929, p.19-20) destacou a beleza das árvores e das orquídeas selvagens:

“Os gigantes da floresta levantam seus troncos colossais para a altura, onde os galhos nodosos de uns se entrelaçam com os vizinhos em harmoniosa camaradagem [...] Daquelas alturas, pendem barbas patriarcais, tecidas dos fios enovelados do musgo grisalho, e que as brisas meneiam ou os ventos sacodem. Engastadas, quer nas frondes, quer nas forquilhas dos ramos, mil epífitas ostentam as cores mais variegadas das suas flores [...] Do chão brotam cipós da grossura de um braço e se alçam, aprumados quais serpentes gigantescas, para as copas onde se agarram e bifurcam nos galhos, os enlaçam e emaranham, buscando por meio de suas ultimas ramificações, a luz e o ar por cima da mata. Em meio a esta exuberância, orquídeas de forma exótica, fixas em ramos podres, balouçam no ar seus hastis coroados de mimosas flores e formam um conjunto de belezas tantas e tão raras que nenhum pincel de artista as pode retratar.”

Page 61: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

60

Por meio de sua escrita quase poética, Gansweidt (1929, p.19-20) também

procurou descrever a riqueza da fauna regional. Segundo ele, “nas alturas [...] vive um

outro mundo”. Em seguida, citou a beleza das “borboletas de asas azuis e brancas”,

além de “abelhas aos milhares, besouros, cigarras, umas mais bizarras em cores e

formas que as outras”, sem contar os “bandos de papagaios verdes e da cor do sangue,

fazendo dos frutos lauto banquete”. Entre as aves encontradas na região, Gansweidt

também destacou os “pica-paus”, os “nhambus”, os “tucanos de bico amarelo”, as

“arapongas”, os “colibris”e as “gralhas”.

Narrativas como essa repetiram-se em inúmeros relatos e em diferentes línguas.

Chegado à Província de São Pedro para integrar as tropas luso-brasileiras na campanha

contra Rosas, o mercenário alemão Joseph Hörmeyer (1854) também teceu um registro

detalhado – intitulado Descrição da Província do Rio Grande do Sul no Brasil

Meridional – sobre as riquezas naturais da região. Publicado originalmente em alemão,

o livro foi traduzido por Heinrich Bunse e lançado em português em 1986. Nesse

trabalho, Hörmeyer (1986[1854], p.45) descreve a “mata virgem” como “rica nas

melhores e mais bonitas madeiras”, em especial “o pinheiro, a palmeira, o ipê e a

figueira-braba”, nas quais “os troncos gigantescos” apareciam quase sempre

“enroscados pelos braços flexíveis das jibóias do reino vegetal, os cipós”.

Em sua “vegetação baixa”, segundo Hörmeyer (1986[1854], p.45), a floresta

reunia exemplares de “abacaxi selvagem”, “taquara” e “amora silvestre”. No que se

referia à fauna típica da região, se destacavam “o tigre e o leão-americano, a anta, o tatu

e a cutia, os bandos imensamente variados de macacos, os inúmeros bandos de

papagaios, perus e de outras espécies de aves, muitas vezes ainda desconhecidas, desde

o beija-flor até o tucano”.

Por meio de registros como esses, é fácil perceber que havia diferenças flagrantes

entre as florestas subtropicais e os bosques europeus, a começar pelas espécies

predominantes em ambas as paisagens. Os carvalhos, abetos, tílias, plátanos,

castanheiras e bétulas, típicos do continente do qual provinham os imigrantes, davam

lugar, nas matas do Rio Grande do Sul, a louros, cedros, cabriúvas, angicos, canafístulas

e araucárias. Para além destas últimas, que começavam a aparecer em altitudes

superiores a 300 metros, não havia coníferas de maior destaque (A. Rambo, 2004, p.34).

Mas a flora regional incluía ainda milhares de outras espécies. Em 1834, ao passar

pela Colônia de São Leopoldo quando esta tinha cerca de dez anos, o viajante francês

Page 62: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

61

Arsène Isabelle registrou em detalhes tamanha diversidade – o relato foi publicado em

livro em 1835 e lançado em português em 1983. Hospedado na casa de João Daniel

Hillebrand, diretor da Colônia, ele pôde observar mais de trinta espécies vegetais cujas

madeiras tinham utilidade na época – entre elas ipês, goiabeiras, aroeiras e araçás.

Como demonstra o trecho a seguir, transcrito de seu diário, publicado em português em

1983, Isabelle não escrevia propriamente para exaltar a biodiversidade do ecossistema

regional ou a importância de preservá-lo, mas com um intuito utilitarista, chamando

atenção para os benefícios econômicos existentes e pouco aproveitados naquelas matas.

Segundo Isabelle (1983[1835], p.95):

“O ipê-preto ou negro, o ipê-branco e o ipê propriamente dito são madeiras muito duráveis e de uma utilidade geral. O tajuba lembra o limoeiro, é amarelo e se emprega em marcenaria por causa de sua leveza e os reflexos de seu verniz. A canela burra, a canela de brejo e a canelinha são madeiras pouco pesadas, que se empregam em marcenaria e carpintaria. A goiabeira é uma linda madeira cor de rosa, textura lisa e compacta, muito leve e própria para marcenaria. O cedro vermelho e o cedro branco são cedros da América, cujas qualidades já são conhecidas. O ubá é uma madeira de textura cerrada, dura, pesada e muito durável: própria para carroças e construção de navios. O sobreji é uma madeira bastante linda, de um branco puxando para amarelo e de utilidade geral. O angico é marrom, bastante leve, procurado principalmente para carpintaria. A cangerana é vermelha, leve, de textura porosa, mas entretanto conveniente para marcenaria por causa de sua cor; recebe, ademais, muito bem o verniz. A cabrinha, impropriamente chamada amarela, pois sua cor é acinzentada, é de excelente uso em carpintaria e marcenaria. A aroeira é amarela, mesclada de preto, tomando muito bem o verniz; é mais empregada em carroceria e carpintaria do que em marcenaria, por causa de seu peso. A Santa Rita é também uma linda madeira, própria para marcenaria; o córtex fornece uma casca muito estimada dos curtidores. O araçá, uma das melhores madeiras de marcenaria, é também recomendável por sua casca, que serve para os curtidores, e por seu fruto saboroso. O taúba é uma árvore de tamanho médio, cuja casca é um drástico muito forte, experimentado pelo Dr. Hillebrand. O pinheiro (araucária), cujo fruto é chamado pinhão, foi descrito por Azara.”

Além de listar em minúcias todas essas espécies, Isabelle (1983[1834], p.75) fez

questão de ressaltar que a região deveria “ser visitada pelos naturalistas e amadores da

bela natureza”, porque ali se encontravam “todas as produções da província do reino

orgânico: lindos pássaros, insetos raros, mamíferos estranhos e plantas preciosas, tudo

se reúne nesta localidade para excitar a admiração dos curiosos”. Ele ainda ressaltou que

“numerosos caminhos abertos no meio dos matos permitem aos caçadores percorrer os

arredores de S. Leopoldo sem serem incomodados pelo calor, gozando, ao contrário, da

Page 63: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

62

frescura de uma multidão de árvores de espécies bastante variadas e que dão muita

sombra” (grifo meu).

Afora as árvores de maior porte, difundia-se pela floresta uma densa vegetação

rasteira e arbustiva, composta de milhares de espécies, quase impenetrável e às vezes

repleta de espinhos. Essa cobertura verde espalhava-se ao longo de grandes vales,

entrecortados por morros e boqueirões. Mesmo estando abaixo da Serra Geral, mais

tarde ocupada por imigrantes italianos, tratava-se de uma região de difícil acesso para

quem, via de regra, não fosse nativo, principalmente em função da mata fechada e do

relevo acidentado. Além disso, a região era entrecortada por cursos d’água

encachoeirados em sua maior parte, que nos meses de inverno inchavam e

ultrapassavam seus leitos, dificultando ainda mais os deslocamentos.

Duas imagens, a seguir, dão uma mostra do tipo de paisagem encontrada pelos

imigrantes em sua chegada ao Sul do Brasil, no início do processo de colonização. A

primeira delas, do arquivo do jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul (RS), foi

registrada possivelmente do fim do século 19 e mostra agrimensores e agentes do

governo trabalhando na demarcação de lotes no interior da mata, na então Colônia de

Santa Cruz.

A segunda, com a legenda “Der anfgang in der Urwald”, ou “o começo na mata

virgem”, revela as dificuldades iniciais dos imigrantes na Colônia de São Leopoldo,

provavelmente ainda no século 19. Com a ajuda dos machados, homens, mulheres e até

crianças trabalhavam de sol a sol para erguer a primeira casa na mata.

Page 64: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

63

Imagem 1 – A demarcação dos lotes

Demarcação de lotes na mata. Colônia de Santa Cruz. Sem data. Fonte: Arquivo do jornal Gazeta do Sul.

Page 65: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

64

Imagem 2 – A construção da primeira casa

“O começo na mata virgem”. Sem data. Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo.

Page 66: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

65

Nesse cenário caótico aos olhos dos imigrantes, abriam-se as primeiras Picadas,

também conhecidas como travessas, travessões e linhas – que, para Guttfreind, Arendt e

Dreher (2001, p.1), eram a “forma básica de penetração na floresta subtropical”. Com os

instrumentos disponíveis, essas vias eram abertas sempre o mais próximo possível de

rios, cujas margens eram logo desbastadas11. Ao longo delas, iam sendo instalados os

imigrantes, nos lotes que lhes eram designados. As distâncias entre as terras recém-

demarcadas, inicialmente com 77 hectares em média, eram grandes o bastante para

preocupar muitos dos recém-chegados, que em suas cartas aos parentes que ficaram no

Velho Mundo relatavam noites de pavor vividas no interior da mata, onde ouviam sons

desconhecidos e pressentiam ameaças concretas. A floresta era um obstáculo difícil a

ser vencido, como mostra o relato a seguir, escrito pelo descendente de um colono

alemão (Gressler, 1949, p.173-174):

“O maior dos desenganos sofridos pelos imigrantes foi o fato de que os sonhos creados pela imaginação fértil em sua terra natal, não foi possível realizá-los de pronto. Haviam-se tornado grandes proprietários de terra, mas estavam escravizados a ela. Cada qual era escravo da floresta virgem, que chamavam sua propriedade, e do duro trabalho a que estavam obrigados pela posse da mata, pois si eles não a vencessem, seriam vencidos por ela. Havia de lutar, para que com o tempo e a custa de muito esforço, fosse possível tornar-se senhor de suas rendas e homem livre [...] Muito suor se derramou e muito golpe de machado foi dado em vão, pois faltava-lhe o conhecimento e a habilidade para a execução de trabalhos a que não estava acostumado.” [grifo meu]

De certa forma, esse relato traduz um dos significados da floresta para os

imigrantes alemães nesses primeiros anos. Enquanto se mantinha vicejante e robusta, a

mata foi considerada, muitas vezes, uma prisão. Como ressaltou Roche (1969, p.52), “a

terra arável, o espaço, a luz, tudo devia ser conquistado à floresta”. Era preciso trabalhar

com afinco, em uma luta sem trégua, para derrubar a vegetação e impor o domínio sobre

a natureza. Floresta derrubada era sinônimo de progresso. Era a garantia, enfim, de 11 Como informou o viajante Oscar Canstatt em 1871 (2002[1871], p.424), “na escolha da região onde foram fundadas essas colônias, predominou em regra a idéia de que deviam ficar à margem de um rio navegável”. Por essa e por outras razões, a mata ciliar dos principais afluentes da região – os rios dos Sinos, Jacuí, Taquari e Pardinho – foi diminuída drasticamente com a colonização alemã. No caso da localidade de Rio Pardinho, na Colônia de Santa Cruz, alterações do tipo já eram percebidas em maio de 1858. Ao noticiar a grande enchente que destruiu completamente a ponte do vilarejo, o diretor Martin Buff atribuiu a violência das águas ao desmatamento nas margens do rio (Martin, 1979, p.115). No mesmo ano, o médico alemão Robert Avé-Lallemant (1980[1858], p.176) registrou ter encontrado o Rio Pardinho com o nível de água tão baixo que lhe pareceu impossível navegá-lo em qualquer parte da picada, “sobretudo quando se pensa que, abatendo-se as matas em milhas de extensão, diminuirá a formação da água”.

Page 67: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

66

sucesso na nova pátria, para onde a maioria dos imigrantes se mudava em definitivo,

sem pretensões de um dia voltar à terra natal.

No início, mais do que qualquer outro sentimento, a mata suscitava medo. Não

apenas devido à força da vegetação, por si só intimidadora, mas também devido aos

povos, aos animais e aos insetos que a habitavam. Em uma carta datada de sete de

novembro de 1850, resguardada pelo AHRGS, o subdiretor da Colônia alemã de Santa

Cruz, Evaristo Alves D’Oliveira, escrevia sobre um desses perigos ao então presidente

da Província, José Antônio Pimenta Bueno. Segundo Oliveira (1850), “tigres

incomodarão nas habitações, matando os cães, que se achavão presos em correntes”.

Diante do pavor experimentado pelos colonos, o subdiretor informava ter

procurado “evitar que eles deixassem suas famílias expostas às feras”. Os colonos,

segundo ele, eram “pacíficos, laboriosos e constantes no trabalho, e só estes males he

que os affligem”, por conta disso, não pouparia esforços “para os tranqüilizar e afastar

do perigo”. Embora o desfecho dessa história não tenha sido registrado na carta de

Oliveira, supõe-se que muitos “tigres” e “feras” padeceram em caçadas ordenadas pelos

inspetores coloniais para minimizar a aflição dos pioneiros.

Além disso, não se pode esquecer que a instalação na mata incluiu inevitáveis

interações, na maioria dos casos violentas, com os povos indígenas que viviam na

floresta, principalmente Coroados. Os chamados “wilden Menschen”, ou homens

selvagens, como definiu o colono alemão Mathias Franzen (1832), de São Leopoldo,

eram considerados um “grande mal” pela maioria dos imigrantes. Em uma carta

endereçada à família, Franzen contou que os indígenas vinham “tornando inseguras as

matas, já tendo tirado a vida de 21 alemães” – uma evidência de que a convivência entre

esses grupos, em geral, não foi pacífica.

Haveria nos indígenas, na visão etnocêntrica de Franzen, um “impetuoso instinto

de roubar e matar”, e os colonos apelavam à proteção divina para sobreviver na mata,

sem perceber, talvez, que os intrusos eram eles: “Deus nosso Senhor”, clamava Franzen,

“queira por sua graça proteger-nos desses selvagens, cabendo a nós, todavia, sermos os

vigilantes como um soldado que monta guarda sabendo que há inimigos por perto”.

Sobre os confrontos interétnicos, também o viajante alemão Robert Avé-

Lallemant (1980[1858], p.131) teceu um relato carregado de etnocentrismo, baseado no

que diz ter ouvido dos próprios colonos. No trecho a seguir, pinçado de seu diário de

viagem, o alemão chama os índios de “gente infeliz” e os define como seres inferiores e

violentos, ao passo que os imigrantes aparecem invariavelmente como vítimas e como

Page 68: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

67

vetores da civilização. Para ele, assim como para os governantes, a matança indígena

promovida pelos alemães era plenamente justificável. Segundo Avé-Lallemant

(1980[1858], p.131):

“Quando São Leopoldo foi fundada, os bugres ou índios selvagens – pois a palavra bugre não indica nenhuma tribo, mas o estado de selvageria – viviam no campo, distante do Monte Hamburgo. Retiraram-se dali para a serra, mas desde então atacaram as picadas e as colônias. Deram-se encontros sangrentos. Num desses ataques foram mortas onze pessoas. Os bugres raptaram das plantações mulheres e crianças, só um ano depois reconquistadas. Uma jovem senhora grávida teve o filho entre os índios e, logo que a criança chorou, eles a tomaram e diante dos olhos da mãe a despedaçaram, batendo-lhe com a cabeça contra o tronco de uma árvore, pois não toleravam criança chorando, que podia trair-lhes o esconderijo. Com seus próprios filhos devem ter feito várias vezes a mesma coisa. Assim me contaram nas picadas. Com tais acontecimentos, não podia haver relações entre os colonos e os bugres. Quando aparecia um selvagem nu – e todos andam completamente nus e assim tinham de andar entre eles os prisioneiros, mesmo as mulheres – sem dizer água vai, atiravam-lhe uma bala na carne. E essa ultima rerum ratio surtiu efeito: há três anos não se fala de índios na colônia. O governo estabeleceu numa parte da colônia alguns chamados ‘índios mansos’, pois em algum lugar há que ficar essa gente infeliz. Conservam-se, porém, inteiramente à parte e acredita-se que podem um dia lançar fora a roupa e voltar para a sua vida na selva.”

Opiniões como a de Avé-Lallemant também eram compartilhadas por funcionários

do governo. Um exemplo disso foi o inspetor colonial Adalberto Jahn, que publicou um

livro em 1871, intitulado As colônias de São Leopoldo na Província Brasileira do Rio

Grande do Sul e reflexões gerais sobre a imigração espontânea e colonização no

Brazil, encontrado no setor de obras raras da Biblioteca Nacional. Conforme Jahn

(1871, p.7), “a invasão dos indígenas selvagens nas proximidades das divisas dos

prazos coloniaes com os mattos virgens” (grifo meu) contribuiu para “embaraçar seu

desenvolvimento”, dificultando “o progresso de sua laboriosa população”.

De uma forma geral, tomando-se por base relatos como esse, é possível concluir

que os indígenas eram não apenas desprezados mas considerados verdadeiros entraves

ao progresso, tanto quanto a floresta, quando não estava domesticada. Sobre o contato

entre colonos e indígenas em São Leopoldo, Jahn (1871, p.8 e 9) registrou mais uma

história que mostra o papel desempenhado pelos imigrantes na expulsão e no extermínio

dos antigos moradores da região:

Page 69: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

68

“Quando em 1832 os habitantes da Picada Dous Irmãos forão extraordinariamente incommodados pelos indígenas selvagens, resolverão quatro moços robustos e corajosos estabelecer-se nos fundos dos primeiros dezesseis prazos coloniaes da ala de Leste da dita Picada, e ahi fundarão a Linha denominada: Quatro Colônias, constituindo-se assim uns baluartes contra aquelles indígenas [...] Passados os anos, não havia mais o que recear de taes selvagens”

Nem sempre, porém, os colonos saíram ganhando nos conflitos travados com os

indígenas. Segundo um memorando manuscrito sobre a Colônia alemã de Mundo Novo

(Taquara), guardado no ARHGS e assinado pelo diretor colonial Sebastião José de

Monteiro em 7 de julho de 1854, “a flagrante e contínua invasão dos bugres e correrias

de tigres trouxe constantemente todos os moradores da Mundo Novo em vigília e

sobressalto” – repare que, mais uma vez, os indígenas aparecem nos registros oficiais

como invasores. Um desses episódios, talvez o mais dramático deles, foi registrado em

minúcias por Monteiro (1854), no trecho abaixo transcrito:

“A localidade da colônia com a riqueza de suas mattas e terras prometia aos colonos um rico futuro – essa convicção os tornou firmes nos trabalhos e unidos na vigilância contra os inimigos selvagens. Entretanto, a 8 de janeiro de 1852, os bugres attacarão e saquearão a colônia do infeliz Watterpoall, a quem mattarão, levando para as mattas sua desgraçada mulher, uma filha casada e cinco filhas menores: este triste acontecimento encheu de dor e horror, inquietação e irresolução aos colonos; momento quando o governo provincial de então, não rogou posição de força para amparar tantas vidas e interesses. Essa crise fatal motivou o descontentamento a tal ponto que quase os colonos se retirarão; porém o amor à propriedade e interesses do futuro nos obrigou a usar dos próprios recursos, os quais forão logo que se sentirão vestígios de bugres, armar gente própria para percorrer as mattas na vizinhança da colônia; esse serviço era pago por todos os colonos voluntariamente para o resgate da infeliz família Watterpoall fizemos uma subscrição e contratamos com Phillipi José de Souza – amigo dos bugres mansos para que esses se encarregassem do resgate mediante o pagamento de uma onça por cada pessoa resgatada do poder dos bugres bravos; esse resgate felizmente foi feito. Então ao Ex.Sr. Sinimbu houve por bem mandar pagar o prometido pelo resgate, como também as dilligencias. A quitação dos bugres presentemente restabeleceu o descanço dos colonos, os quais desde então vivem felizes, voltando ao trabalho.” (grifo meu)

A aparente trégua conquistada à custa de muito sangue derramado (inclusive de

onças, como nesse caso) não garantia segurança aos colonos. Histórias desse tipo

repetiram-se em outras colônias, e o medo sentido pelos imigrantes ficou registrado em

cartas e diários. Ao referir-se ao “horror profundo da floresta”, o velho Umann, por

exemplo, usou o termo “Waldesgrauen”, que significa, literalmente, floresta que faz

Page 70: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

69

tremer. É a floresta medonha, a paisagem assustadora e sombria que, em princípio,

ganha espaço no imaginário de muitos desses imigrantes – principalmente entre aqueles

colonos provenientes de regiões onde restavam poucas florestas ou estas já se

encontravam domesticadas pela mão humana, que de fato representavam a maioria dos

recém-chegados12.

O sentimento de medo nutrido por muitos deles acusa algumas das surpreendentes

permanências, ao longo dos séculos, de camadas e camadas de lembranças e

representações ligadas à natureza (Shama, 1996). Tida como o lócus do paganismo, a

floresta tornou-se, principalmente a partir da baixa Idade Média, um alvo constante da

Igreja Católica no Velho Mundo (Harrison, 1993, p.62). Era considerada abrigo de

marginais, loucos, fugitivos, selvagens e de hereges. Os muros do feudo excluíram a

floresta, que passou a ser foris, significando literalmente fora e denotando perigo e

insegurança. Condenados ao fogo do inferno estariam aqueles que se rendessem aos

demônios e espíritos da floresta – e a Igreja tinha boas razões para difundir esse

terrorismo, pois as seitas pagãs permaneciam vivas na memória popular e ameaçavam a

expansão da civilização judaico-cristã. Como afirma Harrison, para a Igreja, as florestas

representavam o lado obscuro do mundo ordenado, e os seus padres trataram de

popularizar tal posicionamento.

As origens desse terror judaico-cristão frente às terras selvagens, para o

historiador Frederick Turner (1990), homônimo do pai da tese da fronteira, estão no

antigo Oriente Médio, onde os humanos “começaram a realizar o sonho de controlar o

mundo natural”. A principal via de transmissão dessas atitudes para a civilização

ocidental, conforme Turner (1990, p.22), foi a história sagrada dos antigos israelitas,

matriz espiritual da qual derivou o cristianismo. Os israelitas compartilharam com

sumérios, babilônios, canaanitas e hititas um meio ambiente bastante parecido e deram

às terras incultas a fama de lugares proibidos. Depois de perambular pelo deserto por 40

anos, eles se tornaram agricultores sedentários e passaram a encarar com medo o mundo

selvagem e caótico que antes foram obrigados a enfrentar.

Em todas as épocas subseqüentes, segundo Turner, (1990, p.47), “os povos que

adotaram o Velho Testamento estigmatizaram a natureza selvagem: era um lugar 12 Segundo Rambo (1956, p.82), “a quase totalidade dos troncos entrados no Brasil [...] reconduz ao vale do Mosela entre Coblenza e Treves (Trier), ao Hunsrück entre o Mosela e o Palatinado, ao vale do Sarre, e à região montanhosa da Eifel ao norte do Mosela. Nestas regiões, o superpovoamento relativo, a pobreza do solo e o depauperamento subseqüente ao domínio napoleônico, convidavam, com particular insistência, para a emigração”.

Page 71: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

70

enorme e terrível onde ocorriam coisas terríveis”. Grande parte dessa percepção

sobreviveu ao tempo e continuou, de forma ressignificada, influenciando visões de

mundo – inclusive o comportamento dos colonos cristãos estabelecidos em terras

sulinas, no interior da mata.

É possível que a imagem mitificada de uma Arcádia primitiva, infestada de feras e

de homens bestificados, também estivesse presente, de alguma forma, no imaginário

desses homens e mulheres muito antes de sua chegada ao Brasil. E talvez se

assemelhasse muito mais às “caóticas” florestas sul-rio-grandenses do que a imagem de

uma paisagem idílica e pastoril, tal como propalavam os agentes de colonização na

ânsia de angariar imigrantes para o projeto colonizador empreendido pelo governo

imperial e, mais tarde, também pelas províncias e pela iniciativa privada.

Por outro lado, também é importante lembrar que, se a Igreja Católica, assim

como a protestante, hostilizava a floresta, muitas de suas “almas” mais devotas

acabaram buscando nela, paradoxalmente, um exílio para a “corrupção da sociedade” e

um contato mais próximo com Deus. Na escuridão das matas, muitos fiéis viveram

como eremitas, fechando-se ao mundo ao seu redor em busca de retiro espiritual e

transformando a floresta no lócus da ambigüidade cristã (Harrison, 1993). Ambigüidade

igualmente presente nas representações culturais que os imigrantes estabelecidos no

“Rio Grande das matas” construíram no limite da fronteira.

Ao passo que impunham medo, as florestas subtropicais também exerciam grande

fascínio entre os alemães estabelecidos nas colônias. Vale lembrar que a posse daquela

área, no ponto de encontro do mundo civilizado e do selvagem, trazia aos colonos uma

significativa mudança de status, que se fazia presente em quase todas as cartas enviadas

aos parentes na terra natal: a partir daquele momento, apesar de todas as agruras e

dificuldades, apesar das “feras” e dos “bugres”, eles passavam a ser proprietários de

terras. Para Arthur Rambo (2004, p.37), o encantamento pela mata foi tamanho,

“...que o termo ‘mata virgem’ – ‘Urwald’ – vinha acompanhado por um apelo irresistível. Do quotidiano dos imigrantes, faziam parte termos como ‘colono da mata virgem’, ‘pioneiro da mata virgem’, ‘solo da mata virgem’, ‘gigantes da mata virgem’ (Urwaldbauer, Urwaldpioner, Urwaldbooden, Urwaldriesen). Nos relatos históricos sobre a imigração e colonização alemã no Sul do Brasil, fala-se até numa relação quase doentia com a mata virgem que fazia com que não poucos fossem incapazes de viver longe dela, encontrando-se constantemente em migração para novas fronteiras de colonização.” [grifo meu]

Page 72: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

71

Toda essa obsessão pela exploração da “mata virgem” – que, para eles, em última

instância, era sinônimo de terra fértil – traduziu-se em um ímpeto predatório sem

precedentes e sem limites, mesmo que os colonos não tivessem consciência disso. Boa

parte deles manteve-se em constante migração rumo à “fronteira verde” a fim de

conseguir novas terras, já que as antigas aos poucos se tornavam pequenas demais para

o grande número de filhos gerados no Brasil e também degradadas demais, a ponto de

já não fornecerem alimentos como antes. Para o historiador Jean Roche (1969, p.378),

essa eterna busca por novas terras podia ser classificada como uma espécie de

“enxamagem colonial”.

Tal como a migração dos enxames de abelhas para locais em que o néctar

necessário à reprodução é mais abundante, os colonos avançavam a linha da fronteira e

deixavam para trás lotes desgastados pelo uso excessivo e insustentável. Segundo

Roche (1969, p.378), surgia “a impossibilidade de continuar a viver em um mesmo

sítio, sem estar sujeito à regressão econômica quando as terras cultivadas ficavam

depauperadas”. Com isso, a migração era contínua – assim como entre as abelhas. Mas,

ao contrário do papel benéfico desempenhado por esses insetos nos diferentes

ecossistemas, a enxamagem dos colonos implicou graves conseqüências ambientais.

O fato é que, desde o princípio da colonização, a vitória sobre o “caos” da floresta

era celebrada pelos imigrantes. As derrubadas e queimadas eram plenamente

justificadas não apenas para fins econômicos ou para garantir a sobrevivência, mas pela

orientação religiosa dos colonos, aos quais caberia a “domesticação” da natureza e a sua

transformação.

Tanto assim que sempre que um grupo de colonos iniciava a abertura de uma nova

picada mata adentro, vencendo a “fronteira verde”, realizava-se uma missa ou um culto

“à sombra dos gigantes da mata”, como conta Arthur Rambo. O ato religioso dependia

da presença de um padre ou de um pastor e era realizado sempre que possível. Na

implantação da Colônia de Santa Cruz, segundo o relato do padre Ambrosio Schupp

(1889), uma missa foi rezada sob uma enorme figueira. O que se celebrava, porém, não

era exatamente a exuberância da floresta, mas o início de sua derrubada.

Page 73: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

72

2.2. O “desmatamento civilizador”

Quaisquer que fossem os sentimentos nutridos pelos recém-chegados em relação à

mata, uma questão prática passava a ser fundamental e prioritária a partir do momento

em que punham os pés na fronteira verde: eles precisavam aprender a lidar com a

floresta, por uma questão de sobrevivência. A situação agravava-se, segundo Vogt

(1997, p.63), porque lhes faltavam ferramentas, alimentos, dinheiro e conhecimentos a

respeito dos recursos que a natureza poderia lhes oferecer.

Em outras palavras, os alemães se viam obrigados a aprender, o mais rápido

possível, a desbravar – e esse foi o primeiro passo (e talvez o mais difícil) do processo

de tropicalização a que se submeteram nos confins do Rio Grande. Assim que recebiam

seus lotes, precisavam agir rápido para garantir o futuro. E muito mais o presente.

Em suas memórias do fim do século 19, o imigrante Josef Umann (1981, p.55)

contou que “a escura floresta virgem com suas árvores colossais e a impenetrável

vegetação rasteira que tínhamos de conquistar palmo a palmo [...] exigia de nós um

serviço árduo e não habituado”. Segundo ele, “a maioria no início fica sem saber o que

fazer”. Mesmo alguns instrumentos entregues pelos diretores coloniais para auxiliar no

trabalho eram desconhecidos dos colonos. Em seu manuscrito de março de 1851, o

agente intérprete da colonização, Pedro Kleugden (1851), listava as ferramentas então

prometidas aos imigrantes. Entre elas, estavam:

“huma foice grande de roça, huma enchada grande de roça, huma serra braçal grande, um facão de matto reforçado, huma pá de ferro com cabo, huma pequena de três quinas, huma lima maior de três quinas, huma lima grande de meia canna, hum torques de carpinteiro, hum arado de colher, hum martelo grande, hum formão de carpinteiro estreito, hum formão de carpinteiro largo, [...] huma espingarda de meia balla e de espoleta, quatro libras de chumbo de caça, huma caixinha de espoletas, huma libra de pólvora de caça”.

Page 74: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

73

A posse de tais equipamentos, porém, não significava êxito – inclusive porque, em

muitos casos, nem a metade do prometido foi, de fato, cumprido pelo governo. Em

1899, o imigrante Henz (apud Rambo 1956, p. 101) registrou que “ninguém de nós

sabia como aqui se deve trabalhar”, complementando:

“Derrubávamos um pequeno trecho de mato [...], cortávamos todos os galhos e os amontoávamos para queimar, pois não tínhamos coragem de pôr fogo nas derrubadas, temendo que o fogo invadisse o mato e destruísse tudo. Depois, nos metíamos a escavar os tocos, pois nós, alemães, não podíamos imaginar como entre as raízes poderia crescer qualquer coisa.”

Instruídos pelos inspetores e diretores coloniais e depois também pelos colonos

mais antigos, os imigrantes perceberam que era necessário, primeiro, cortar a vegetação

de menor porte para poder entrar na mata. Depois, derrubavam-se as árvores maiores, o

que muitas vezes exigia dias de trabalho pesado. Esse processo foi registrado no relato

do viajante alemão Carl Seidler durante sua passagem por São Leopoldo, em 1835. Seu

diário foi publicado em livro em 1976. Segundo ele (1976[1835], p.110),

“em primeiro lugar, há que derrubar os formidáveis troncos de árvores, que se apresentam densamente juntos [...] Já isso é um trabalho gigantesco, pois a madeira, notadamente a de uma espécie chamada pau ferro, é tão dura que a cada machadada saltam chispas de fogo e às vezes se gasta um dia inteiro num único tronco. Quando por fim se tem roçado uma certa área, amontoam-se os troncos e ateia-se fogo. Mas também acabada a fogueira pode-se logo começar a plantar e a construir.”

Para abrir uma passagem na mata, conforme Roche (1969, p.52), os colonos

procuravam trabalhar em duplas. Assim, um dos homens cortava a parte debaixo dos

caules com o facão ou com um machado, enquanto que o outro, munido de uma foice

com cabo, cortava pelo alto os ramos e os cipós, que se confundiam. Mas as

dificuldades eram tantas que, conforme Josef Umann (1981, p.62-63), “a maioria,

apenas começando, quer desanimar quando as mãos estão feridas e cheias de bolhas.

Mesmo assim, é preciso continuar o trabalho, por mais que aperte a dor”. Para ele, não

havia alternativa para o colono “senão reprimir o sofrimento e trabalhar, trabalhar e

Page 75: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

74

novamente trabalhar, até que a primeira roça esteja queimada e plantada e a primeira

choupana provisória erguida”.

Esse, no entanto, não foi um processo simples. Conforme Carl Friedmund

Niederhut (1924, p.41), “tudo era novo e desconhecido, tudo era diferente do meio

habitual”. De acordo com seu relato, os colonos “não conheciam nem plantas nem os

animaes, não conheciam as sementes que lhes eram dadas para plantar nem os alimentos

que lhes eram fornecidos para se sustentar”. Além disso, “viam-se isolados, perdidos na

imensidade de suas colônias”. Todas essas novidades, como ressaltou Roche (1969,

p.53), bastavam para desorientar o imigrante entregue a si mesmo. Até aqueles que

haviam sido agricultores na Europa tinham de reaprender praticamente tudo.

Quando finalmente compreenderam os métodos mais eficazes para a realizar as

derrubadas, os colonos também passaram a aplicar a técnica da queimada, ensinada

pelos diretores e inspetores coloniais e repassada pelos pioneiros aos imigrantes recém-

chegados. Transmitido de geração em geração, esse método acabou se tornando um

padrão, que se repetiria em todas as colônias, sem exceção, inclusive entre colonos de

outras nacionalidades.

Tratava-se do resultado da apropriação e da adaptação de uma tecnologia

indígena, que a partir de então passava a ser utilizada em grande escala e de forma

agressiva, implicando alterações ecológicas drásticas13. Apesar disso, no início, como se

verá a seguir, os colonos relutavam em adotar tal procedimento – especialmente aqueles

que já atuavam como agricultores antes da travessia. Não se tratava, porém, de uma

crítica ambiental, pois foram poucos aqueles que, no Brasil oitocentista, atentaram para

questões desse tipo (Pádua, 2002). Além do mais, diante da imensidão da floresta,

considerada inesgotável, parecia não haver problemas em incendiar grandes áreas.

Tratava-se, sim, de conceber uma nova relação com a natureza, diferente daquela

vivenciada em sua terra natal.

13 É importante ressaltar que os indígenas também alteraram a paisagem com o uso da coivara. Entretanto, o modo como faziam isso era menos agressivo do que os colonos, porque, entre outros fatores, eram povos semi-nômades (ver Dean, 1995). Os pequenos trechos de mata queimados, geralmente de um em um hectare, depois de colhida a plantação, eram deixados para trás e se regeneravam. No caso dos colonos, o uso das queimadas foi sucessivo. A técnica era aplicada às vezes duas ou três vezes ao ano, sempre em um mesmo local, exaurindo a terra e alterando drasticamente o meio ambiente.

Page 76: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

75

Imagem 3 – A devastação no coração da floresta

Colonos alemães erguem casas em meio à floresta, na Colônia de Santa Cruz. Sem data.

Fonte: arquivo jornal Gazeta do Sul, SCS-RS.

Como registrou Roche (1969, p.52-53), o colono devia “resistir à tentação de

limpar o terreno e de preparar imediatamente uma terra arável, devia aprender a queimar

as ramas secas, desprezando os troncos e os cepos”. Era necessário esquecer por um

momento tudo o que sabiam sobre agricultura para aprenderem as técnicas de plantio

supostamente mais apropriadas ao novo ambiente – ou mais rápidas para o avanço

civilizatório na fronteira verde. Entretanto, de acordo com Balduíno Rambo (1956,

p.101), “os imigrantes viviam debaixo da obsessão de que só em roças livres de pedras,

tocos e raízes e com solo arável se podia fazer agricultura”.

A teimosia em aceitar as instruções dos agentes coloniais em relação aos métodos

de preparo da terra e de plantio ganhou espaço no diário do viajante inglês Michael

Mulhall. Ao citar observações feitas por um inspetor colonial sobre os alemães, Mulhall

(1873, p149) escreveu que os imigrantes tinham “alguns defeitos” e que o principal

deles se resumia a “hábitos rotineiros que os tornavam avessos a qualquer mudança”.

Assim, muitos tentaram, inutilmente, repetir em terras sul-rio-grandenses o

modelo que conheciam. Perceberam logo, porém, que o uso do arado não lograria êxito

Page 77: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

76

imediato no solo irregular e repleto de raízes encontrado no Sul do Brasil. Segundo

Umann (1997, p.62):

“Tudo isto tinha de ser aprendido, e nos custou, no início, muito tempo de aprendizado, a nós operários de fábrica que desconhecíamos a arte de serrar as tábuas, fazer cercas, lascar ripas de madeira para telhado, construir choupanas e galpões e muitas outras atividades, na maioria pesadas e fatigantes. Poucos de nós haviam trabalhado na agricultura na velha pátria, e mesmo para estes as atividades aqui no mato apresentaram-se de maneira totalmente nova, de sorte que muitas vezes precisavam dispor de tanto ou mais aprendizado que os outros, pois empregavam aqui os mesmos métodos usados na pátria, o que lhes dava prejuízo e os fazia perder tempo precioso.”

Umann (1997, p.57) conta, inclusive, detalhes sobre as dificuldades relacionadas à

coivara. De acordo com seu relato, era preciso aguardar tempo bom para pôr fogo nos

troncos já derrubados e no que restava da mata. Apesar disso, “alguns, cheios de

impaciência, faziam arder as roças desmatadas e ainda não murchas, com o que

estragavam tudo”. Mesmo ele e seus vizinhos próximos não aguardaram clima favorável

e incendiaram tudo “cedo demais, pelo que trechos do roçado queimaram mal”,

provocando grande prejuízo.

Em um livro publicado originalmente em 1828 e relançado em português em

1992, o alemão Friedrich von Weech procurava auxiliar as famílias de origem

germânica que pretendiam imigrar rumo às colônias sul-rio-grandenses, informando

alguns detalhes sobre a técnica das queimadas. Segundo Weech (1992[1828], p.114),

“mostrando-se a rossada inteiramente apta para a queima, para a qual não se deve omitir

o momento mais propício, escolhe-se o meio-dia, aqui geralmente acompanhado de um

vento leve, ateia-se nesta fogo”. Se tudo der certo, “em menos de uma hora, toda a rossa

escurece, fumegando diante dos olhos do colono satisfeito”. Porém, o êxito do processo,

segundo ele, também dependia de tempo quente e seco.

Caso a queima fosse empreendida sob a chuva ou umidade, corria-se o risco de

que os troncos permanecessem verdes, o que, para Weech, deveria “ser encarado como

uma verdadeira desgraça”. Para ele, “se a queima fracassar, e se puder encontrar um

local que ofereça as mesmas comodidades para a colonização, é preferível derrubar uma

nova rossada”, deixando todo o resto para trás. Como ressalta Sérgio Buarque (apud

Pádua, 2002, p.76), frente à abundância da natureza e às riquezas aparentemente

ilimitadas do Brasil, “a terra era para gastar e arruinar, não para proteger ciosamente”.

Page 78: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

77

Como Weech, o mercenário alemão Joseph Hörmeyer, em seu relato de 1854,

também escreveu sobre os novos métodos adotados pelos alemães nas colônias.

Segundo Hörmeyer (1986[1854], p.46-47), o mato devia ser “derrubado na estação seca

(de março até julho)” e “deixado durante 3 a 4 semanas para secar”, para só então ser

“incendiado”. Com isso, “os cipós, a madeira miúda e os galhos queimam”, mas os

“grossos troncos” eram deixados “sobre o chão”. Depois disso, segundo Hörmeyer

(1986[1854], p.46-47), a terra estava pronta para ser cultivada. Mas a realidade não era

tão simples.

Na luta para vencer a floresta, muitos colonos enfrentaram problemas ao iniciar as

derrubadas, entre eles a imigrante Emilie Freundenberger, que por pouco não foi

esmagada por um conjunto de árvores, enquanto auxiliava a desbravar um terreno. O

relato da colona, do fim do século 19, foi publicado junto com o diário de Josef Umann,

em 1981. Segundo Emilie (1981, p.85):

“Em uma certa ocasião também passei por perigo mortal. Ajudava meu pai na derrubada da mata. Ele deixava cortar os troncos mais grossos e nós abatíamos os mais finos. Um canto da mata não queria cair de jeito nenhum, pois tudo estava entremeado de cipós. Já havíamos cortado a maioria das árvores e continuávamos trabalhando em meio aos troncos, sem que se pudesse saber para que lado penderia o todo. A qualquer momento poderíamos ser esmagados... Felizmente à noite uma ventania mais forte nos livrou do perigo, derrubando tudo.”

Outros imigrantes passaram por situações semelhantes, mas não tiveram a mesma

sorte de Frau Freundenberger. Há relatos de colonos que se feriram gravemente na luta

contra a floresta e de outros que morreram esmagados por toras. Além disso, não eram

incomuns os casos de abandono de lotes. Segundo Hardy Martin (1979, p.78), somente

na Colônia de Santa Cruz, entre 1849 e 1854, 53 pessoas deixaram suas terras, sendo

que, neste último ano, a população registrada era de 891 habitantes (Vogt, 1997, p.73).

A maioria seguia para os centros urbanos, especialmente Porto Alegre, onde passava a

exercer funções variadas, em geral como artesãos ou comerciantes.

Mas, para aqueles que resistiam, a mata aos poucos adquiria um outro sentido,

bem menos concreto e talvez nem sempre perceptível. Como já apontou Robert

Harrison (1993, p.7), homens e mulheres não têm explorado as florestas apenas

materialmente; eles também se utilizam delas para forjar seus símbolos, suas analogias,

suas estruturas de pensamento e seus emblemas de identidade. Em última instância, a

Page 79: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

78

fronteira verde demarcava o mundo civilizado para os colonos estabelecidos no Rio

Grande do Sul. E foi em oposição a ela que eles definiram sua própria identidade na

nova terra.

Como aponta o historiador Sílvio Correa (2004, p.34), “na fase pioneira da

imigração alemã, a densa floresta condicionou, junto com o contato raro e esporádico

com os outros grupos, a formação de um grupo étnico ‘alemão’ enquanto um tipo de

organização social”. É possível dizer mais: a floresta foi, sem dúvida, um elemento

definidor do que se poderia chamar de uma “identidade colonial”, figurando como um

elemento unificador. Os colonos, em ultima instância, orgulhavam-se do trabalho na

mata – especialmente quando esta já se encontrava no chão.

Imagem 4 – O tronco abatido

Em Santa Cruz, no início do século 20, colonos são fotografados junto de tronco recém abatido.

Fonte: Arquivo do Colégio Mauá, Santa Cruz do Sul – RS.

Page 80: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

79

Não são poucas as fotografias encontradas em arquivos públicos e particulares

localizados na região de colonização alemã, nas quais os imigrantes e os seus

descendentes aparecem posando sobre troncos recém-abatidos no limite da fronteira.

Num tempo em que fotografias eram artigos raros, é significativo o fato de que famílias

inteiras faziam questão de ser registradas empunhando facões e machados, com os pés

apoiados sobre árvores derrubadas, como verdadeiros senhores da floresta. Isso também

fica evidente nas cartas e nos diários desses imigrantes, que costumavam relatar, com

orgulho, a transformação imposta ao meio ambiente – ou, em outras palavras, o novo

papel por eles assumido, de civilizadores.

Imagem 5 – Desmatamento civilizador

Colonos alemães posam para foto em meio a desbravamento. Sem data.

Fonte: Arquivo do jornal Gazeta do Sul, Santa Cruz do Sul - RS

Page 81: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

80

Imagem 6 – Senhores da floresta

Colonos carregam tronco no interior da antiga colônia de Venâncio Aires. Sem data.

Fonte: Museu de Venâncio Aires - RS.

Foi vencendo as frondosas árvores, algumas com mais de 30 metros de altura, o

aglomerado de cipós às vezes impenetrável, os arbustos e os espinhos, que esses

colonos se definiram como trabalhadores austeros e obstinados – imagem que ainda

hoje permanece viva na região. Vale lembrar que essa identidade, antípoda à floresta,

foi uma construção coletiva, com a participação de inspetores e diretores de colônias,

presidentes de província, agrimensores e mesmo por viajantes que passaram pela

Província ao longo do século 19.

Em seu relatório sobre a Colônia de São Leopoldo, encontrado no Arquivo

Histórico do Rio Grande do Sul, José Joaquim Rodrigues Lopes (1867, p.6) exaltaria,

por exemplo, a capacidade dos alemães de domarem a mata. Segundo ele, “este povo,

que há mais de 4 décadas se separou do tronco materno, circundado pelas montanhas de

nossos sertões, aninhado na poética solidão de nossos bellos valles, com uma natureza

inteiramente nova, conserva-se impassível aos risos d’ella”. Para Lopes, os colonos

eram capazes de superar todas as dificuldades inerentes à domesticação da floresta,

mesmo quando a natureza lhes pregava peças.

Page 82: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

81

Ao visitar a colônia alemã de Mundo Novo, o então presidente da Província de

São Pedro, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu (1853, p.22), também registrou que

se tratava de uma população “orgulhosa de ter fundado no seio de nossas florestas uma

Pátria para seus filhos”. Por se sobrepor à floresta, “o elemento alemão”, nas palavras

do agrimensor alemão Maximilano Beschoren (1989, p.35), em seu diário de viagem

escrito entre 1875 e 1887 e publicado em 1989, possuía “uma posição dominadora” em

solo sul-rio-grandense. Tal concepção foi igualmente destacada pelo viajante alemão

Robert Avé-Lallemant (1980, p.155), quando o mesmo exaltou o trabalho alemão em

seu diário, em 1858, conforme o trecho a seguir:

“Assim vencem, trabalhando, esses pioneiros da disciplina, da laboriosidade e dos costumes alemães, penetrando cada vez mais nas selvas, de elevação em elevação, de vale em vale, de serra em serra, de rio em rio! [...] Essa é a missão dos alemães, o seu dever, a sua vontade; que Deus os ajude a realizá-la!”.

De mesma opinião, João Bittencourt de Menezes (1914, p.24), secretário geral de

Santa Cruz e autor de um livro de memórias sobre a colônia do início do século 20,

afirmou que: “embora lutando muitas vezes com os obstáculos que lhes opunha a

natureza agreste, galgando serros eriçados de mataria virgem ou descendo às canhadas

escuras, onde não raro ecoava o bramir das feras, foram eles abatendo as árvores”. Em

princípio, segundo ele, as plantações esboçadas na colônia “forneciam apenas o

indispensável para a alimentação, mas dentro em breve foram o desafogo e depois a

fartura”.

Em outras palavras, colono e civilizador tornaram-se sinônimos. Conforme

Homem de Mello (1868), presidente da Província em 1868, “há pouco tempo existia

aqui apenas um vazio, povoado somente por animais. Hoje este chão se transformou e

foi entregue para sempre ao homem civilizado devido ao esforço de um povo cheio de

energia e religiosidade” (grifos meus). Ou seja, uma área até então “devoluta” e “vazia”

(apesar da presença indígena e de uma biodiversidade extremamente rica), segundo a

concepção desse governante, ganhou um novo significado a partir do momento em que

os colonos ali se estabeleceram e empreenderam seu “desmatamento civilizador”. Essa

fronteira aberta, preterida pela elite agrária gaúcha, foi a área oferecida aos imigrantes

com o intuito de que fosse transformada, rápida e definitivamente, em espaço civilizado

e produtivo. Não foi à toa, como lembrou Roche (1969, p.53), que esses imigrantes

adquiriram a reputação de “excelentes fabricantes de terra”.

Page 83: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

82

Como fronteira, a floresta foi mais do que um marco divisor, pois fronteiras

também são linhas unificadoras. Esta foi, além disso, uma linha móvel. Divisora, à

medida que demarcou dois espaços distintos: o civilizado, marcado pela agricultura

colonial, e o inculto, marcado pela própria mata. Unificadora, à medida que sua

presença forjou uma identidade colonial, marcada por fortes laços de solidariedade e

religiosidade, que, mesmo longe de ser homogênea, permitiu que os imigrantes se

tornassem parte da sociedade sul-rio-grandense ainda em formação.

Com o passar dos anos, a floresta também passou a ser aproveitada

economicamente pelos alemães, a partir do comércio de madeiras – embora as

queimadas continuassem a pleno vapor. Se no início isso não era possível,

principalmente pela falta de vias de transporte adequadas e pelas dificuldades para a

comercialização das toras, a partir da segunda metade do século 19 o cenário começava

a mudar.

Segundo o inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.48), “todo o terreno alto e

montanhoso é coberto de magnífico e gigantesco matto virgem, que, posto assaz

devastado nas colônias, fornece preciosas qualidades de madeira de lei, desconhecidas

na Allemanha”. Jahn confirma que “a maior parte dessa madeira se perde com as

queimadas dos roçados”, o que não ocorria, porém, “nos lugares que facultão navegação

fluvial, taes como Mundo Novo e Pinhal, donde é transportada em jangadas, ou serrada

em taboas, para os mercados de São Leopoldo e Porto Alegre”. Ainda de acordo com o

ex-inspetor colonial (Jahn, 1871, p.49), “as qualidades mais conhecidas de madeira de

lei são: o cedro, canjerama, louro, timbauba, sobragy, arrueira, canella, o ipê, angica e

outras, além do araçá, canellinha, etc”.

No entanto, embora as serrarias tenham se difundido pela zona de colonização

alemã, o boom da indústria madeireira se daria principalmente nas colônias

estabelecidas mais tarde, na serra e no planalto sul-rio-grandenses, onde a Araucaria

Angustifolia, que compunha um ecossistema exclusivo do sul do Brasil, se tornou alvo

de centenas de serrarias, como será demonstrado no capítulo seguinte.

Poucos foram, entretanto, aqueles que atentaram para os danos do tipo de relação

estabelecido com a floresta, tanto entre colonos quanto entre funcionários provinciais e

imperiais. Algumas críticas registradas ainda no século 19 tiveram como alvo a

devastação das árvores de erva mate por parte dos colonos. Da mata nativa derrubada,

os ervais representavam uma importante atividade de subsistência para caboclos e

indígenas. Mas não foi exatamente por isso que a sua destruição foi criticada, senão pelo

Page 84: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

83

fato de que, desse modo, não poderiam os imigrantes tirar proveito econômico da

planta. Em 1858, o então presidente da Província Ângelo M. da Silva Ferraz alertou

para o fato de que, no futuro, poderia não haver mais erva-mate, dada a gravidade da

situação. Segundo Ferraz (1858, p.33): “À vista da negligência com que se tratão os hervaes, e dos estragos que estes sofrem quotidianamente, é de presumir que de futuro se dê a escassez deste importante ramo da riqueza provincial. Os colonos estragão os hervaes, e os derrubão, porque ainda não se compenetrárão da necessidade de os beneficiar.”

Quatro anos mais tarde, o assunto voltaria a ser mencionado em um relatório,

dessa vez assinado pelo presidente Joaquim Antão Fernandes Leão. Segundo ele (1861,

p.49), a erva-mate era um “riquíssimo ramo de produção da província”, mas continuava

em vias de desaparecer. Leão admitia carecer de meios para “impedir os estragos”,

provocados principalmente pelo desleixo da população.

O assunto também aparece nos relatos de viajantes. Durante sua estada em São

Leopoldo, Avé-Lallemant (1980[1858], p.140) afirmou que “parte do distrito florestal

ainda não utilizado encerra muita erva-mate”. O mesmo viajante (1980[1858], p.150)

apresenta um cálculo de lucratividade da extração silvícola que permite uma avaliação

do impacto ambiental em relação aos ervais:

“Depois de ter extirpado por ignorância, as árvores que cresciam abundantemente, se se quisessem replanta-las, 100 braças quadradas comportariam 1.600 árvores, cada uma das quais, depois do sétimo ano daria duas a três arrobas (1 arroba = 30 libras) de chá; e depois todas juntas, produziriam a renda anual de quatro contos (3.200 táleres prussianos)”

O tema também foi abordado pelo agrimensor Maximiliano Beschoren. Em seu

diário escrito no século 19, o viajante considerou inadequada a exploração dos ervais,

“devastados irresponsavelmente”, segundo ele. Como Ave-Lallemant, Beschoren

(1989[1887], p.22) também apresentou uma visão utilitarista e racional da natureza: “Se

as florestas de mate fossem tratadas e cultivadas adequadamente [...] contaríamos com

um lucro bem mais significativo e com um produto melhor”.

As preocupações com o tipo de postura adotada pelos imigrantes diante da floresta

também apareceram em um documento sobre a ex-Colônia de São Leopoldo, anexo ao

relatório do Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em

Page 85: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

84

1867. Nele, o funcionário público José Joaquim Rodrigues Lopes (1867, p.3) afirma

que:

“Fatal é por sem dúvida o systema geralmente seguido das derrubadas do matto em busca dos terrenos de maior uberdade, porque faz esquecer a cultura permanente pelo roteamento e adubo do solo. Infelizmente ainda aqui se acha vulgarizada a blasphemia e insulto à natureza ao dizer – abandonemos as terras cançadas – cançadas estão ellas somente na imaginação de quem ignora os preceitos da agricultura. Que conseqüências não acarreta uma tal prática! Uma dellas, sem dúvida, é serem as chamadas terras cançadas invadidas pelas formigas, que, estabelecendo alli suas infindas republicas, partem depois em columnas cerradas e invadem as plantações visinhas.”

Devido às queimadas e derrubadas, Lopes calculava que São Leopoldo tinha

“mais de um terço de sua superfície desaproveitado”, pois os lotes que no passado

foram intensamente cultivados jaziam degradados em 1867, tornando-se “campos

artificiaes”. Ainda conforme Lopes (1867, p.3), “com quanto esses campos artificiaes se

prestem às pastagens, [...] entretem-se n’elles muitos animaes, que difficultão de dia em

dia a alimentação do gado, até que o criador diz por seu turno – o campo não presta

mais, e se foi bom, hoje está doente”. A despeito disso, as queimadas e derrubadas

continuaram em escala crescente, rumo a outras regiões da Província, como parte

indissociável do sistema produtivo baseado na rotação de terras, considerado pelos

colonos a melhor e mais eficaz opção para garantir sua sobrevivência, já que viam a

fronteira verde como uma imensidão inesgotável.

Conforme constatou Lopes (1867, p.3), “tal é a riqueza do solo, tanta é a

dedicação dos ex-colonos ao trabalho, que, a despeito dessa educação rotineira [de

derrubadas e queimadas], a ex-colônia tem atingido formas gigantescas em seu

progresso”. Nada, enfim, parecia impedir o “desmatamento civilizador” empreendido

pelos colonos.

Page 86: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

85

2.3. Mudança de hábitos no limite da fronteira

À medida que avançavam na linha de fronteira, impondo seu domínio sobre a

natureza, os colonos tiveram de abrir mão, entre outros aspectos, de antigos hábitos

alimentares, de sua antiga forma de vestir e do modo como construíam seus lares e neles

viviam. Foram levados, também, a desenvolver novas formas de organização social –

desde cedo caracterizadas pela autossuficiência. Ao atravessar o Atlântico e iniciar uma

nova vida no coração da floresta subtropical, ainda que conservassem a língua materna,

esses homens e mulheres já não eram os mesmos. A floresta foi um agente ativo nesse

processo.

Como no caso norte-americano, retratado por Turner (1893), as condições de vida

na fronteira levaram o imigrante a se desprender de parte de seu passado europeu.

Alienígena na nova terra, o recém-chegado ajustou-se ao novo ecossistema para não

perecer. Aprendeu a viver na floresta e, pouco a pouco, impôs seu domínio à natureza.

O resultado desse processo foi um produto novo, “eurobrasileiro”.

As mudanças no limite da fronteira eram visíveis, por exemplo, à mesa. Desde o

princípio, as refeições dependiam dos recursos disponíveis na região, incluindo vegetais

americanos, como o milho e a mandioca, a carne de macaco, anta e papagaio, entre

outros animais silvestres, assim como as frutas da estação. O pão de trigo ou de centeio,

a batata inglesa e os legumes diversos, que constituíam a base da alimentação do

camponês na Europa, adquiriam novas versões no Brasil. Conforme Roche (1969,

p.269), "tratava-se de produtos locais adotados sob a pressão da necessidade".

No início, o trigo e o centeio foram substituídos pela farinha de milho ou de

mandioca, e a batata inglesa dividiu espaço com o aipim ou o palmito. Leite, ovos,

queijo, lingüiça e carne fresca de gado ou de porco, no princípio, eram artigos raros, que

só depois de alguns anos de trabalho e com o desenvolvimento da lavoura e da pecuária

passaram a integrar o cardápio dos colonos.

Page 87: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

86

Em São Leopoldo, nos primeiros tempos, conforme o historiador Carlos de Souza

Moraes (1981, p.82), a administração colonial fornecia pão e farinha de mandioca aos

imigrantes. Este alimento, segundo um documento redigido pelo diretor da colônia, José

Tomás de Lima, em 14 de janeiro de 1825, era "indispensável porque os Colonos gostão

muito delle". O apreço pela farinha à base do aipim apareceria, de fato, em muitas cartas

escritas por imigrantes aos familiares que ficaram no Velho Mundo.

Em pouco tempo, os colonos aprenderam a cultivar a mandioca, e ela passou a

representar papel preponderante na sua alimentação, oferecendo outras utilidades além

do pão, entre elas papas e paçocas. Segundo o viajante Avé-Lallemant (1980[1858],

p.150), “a tapioca, amido extraído da mandioca, serve para a feitura de pastelaria fina

que se prepara muito bem na colônia” de São Leopoldo. Em uma carta enviada à família

em 1832, o alemão Mathias Franzen confirma a importância desse tipo de fécula nos

hábitos alimentares adquiridos em solo sul-rio-grandense:

“A mandioca (ou ‘raiz de farinha’), que é dos principais alimentos daqui, dá sobremaneira bem, tendo um gosto ainda melhor do que as batatas. Da raiz da mandioca se extrai um polvilho finíssimo, que se conserva durante muito tempo, sendo consumido pelos portugueses em lugar de pão, e adicionado a muitos alimentos...”

Tamanha foi a receptividade por parte dos colonos que, em 1842, a Colônia de

São Leopoldo já exportava farinha de mandioca para Porto Alegre. Pouco mais de uma

década depois, o Rio Grande forneceria o produto para outras províncias brasileiras.

Entre os anos de 1858 e 1859, segundo Roche (1969, p.263), a exportação chegaria a

4.196 toneladas de farinha, sendo que, no fim do século 19, o número atingiria uma

marca ainda maior: 33.940 toneladas.

Embora tenha assumido papel de destaque na mesa dos pioneiros, a farinha de

mandioca não foi o único alimento de origem nativa apropriado com sucesso pelos

colonos, nesse processo de “tropicalização”. O viajante alemão Carl Seidler

(1976[1835], p.110), ao passar pela área de colonização alemã, ressaltou que "pelo

menos milho e abóbora, que é por onde se começa, dão na certa". Há inúmeros registros

do uso dessas plantas. Conforme Avé-Lallemant (1980[1858], p.152), “espécies

características de abóbora são cultivadas em grande quantidade [...] É um excelente

alimento para o homem”. Segundo o imigrante Josef Umann (1997, p.65), "feita a

Page 88: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

87

primeira colheita”, o imigrante tinha “feijão, batata inglesa e milho, terminando sua

preocupação pela sobrevivência".

O milho, aliás, foi considerado a principal planta cultivada na floresta subtropical

queimada, e tudo nele podia ser aproveitado. Conforme o relato do viajante alemão

Oscar Canstatt (2002[1871], p.412), "no gordo e fértil solo da floresta", os colonos

plantavam "subseqüentes e exuberantes plantações de milho".

Assim que começaram a produzir as primeiras espigas, eles aprenderam que

podiam consumir o milho verde ou na forma de farinha e que também poderiam

alimentar os animais de criação. Aprenderam ainda que o bagaço que restava depois da

debulha dos grãos servia para fazer fogo; que as folhas secas forneciam forragem e

palha e que as mais finas poderiam ser usadas para rechear colchões e até para enrolar

cigarros à moda nativa (Roche, 1969, p.256).

Segundo Avé-Lallemant (1980[1858], p.150), “em São Leopoldo, até cerveja e

aguardente se faz de milho”. Mesmo o fubá, pelo que se apreende das correspondências

do diretor da colônia de São Leopoldo, era presença constante no cardápio dos

imigrantes. Segundo Tomás de Lima (1825), "em Sapucaia há hum homem chamado

João Alz. Teixeira que se obriga a dar todo o Fubá que for necessário para os Colonos,

pagando-se-lhe quatro patacas o Saco".

Também o cultivo do amendoim, em São Leopoldo, chamou a atenção de

viajantes como Avé-Lallemant. Em seu diário, ele (1980[1858], p.152) destinou várias

linhas para tratar detidamente da “Arachis hypogea”:

“O fruto chama-se mendubim ou, mais corretamente, amendoim, tem gosto semelhante à avelã, é apreciado pelas crianças, é preparado pelos confeiteiros e serve especialmente para a extração de óleo [...] O sabão que com ele se fabrica é branco, sólido e inodoro. As tortas dão uma boa forragem para o gado; e, misturadas com a terça parte de farinha de trigo, produzem um pão saboroso e nutritivo.”

Apesar de relatos como esse, é importante ressaltar que, na fase inicial das

colônias, isto é, nos primeiros dez anos pelo menos, não foram poucas as dificuldades

alimentares enfrentadas pelos recém-chegados. Conforme Moraes (1981, p.84), entre

1825 e 1830, a "situação alimentar na Colônia [de São Leopoldo] não foi boa,

principalmente para os imigrantes que iam chegando e se instalando, porque sua

subsistência dependia tão-somente do recebimento do subsídio de 160 réis no primeiro

Page 89: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

88

ano e da metade no segundo", que o governo pagava a cada família. O dinheiro, porém,

chegava com atraso – quando chegava.

Muitos então apelavam para o que dispunha a floresta, principalmente no que diz

respeito às frutas e aos animais. Pouco a pouco, munidos de espingardas e facões, os

colonos passaram a organizar caçadas floresta adentro, atirando em qualquer coisa que

se mexesse. Em uma de suas cartas, o imigrante Gressler (apud Martin, 1991)

mencionou que todos podiam caçar e em todas as épocas do ano. O alemão Mathias

Franzen (1832) também escreveu que “guardas-florestais não existem e também não são

necessários".

A caça generalizada e intermitente afetou a reprodução de espécies locais,

causando até mesmo a extinção de algumas delas, como a onça, e não se restringiu aos

primeiros anos das colônias. Se muitos animais eram mortos por razões alimentícias,

outros padeciam por invadir e muitas vezes destruir as plantações dos colonos. Esse foi

o caso, por exemplo, da anta e do bugio, considerados inimigos dos milharais. Outras

espécies também ficaram ameaçadas ou chegaram mesmo à extinção por motivos

indiretos. Desmatamento, pecuária, lavoura e habitações humanas provocaram

alterações no ecossistema, comprometendo a preservação da fauna e da flora locais.

Em grupo, os homens se embrenhavam na mata atrás de carne para o almoço e

para o jantar, muitas vezes com a ajuda de conhecedores da região, como caixeiros

viajantes e tropeiros. Na volta, orgulhosos, posavam para fotografias junto às presas

abatidas, entre elas jaguatiricas e veados, como na imagem a seguir, em que também

aparece uma criança empunhando uma espingarda. As aves, entre elas marrecos e

perdizes, também eram muito apreciados à mesa, como se pode perceber pela imagem

posterior, onde aparecem várias delas abatidas.

Page 90: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

89

Imagem 7 – A caçada – parte I

Moradores da Colônia de Santa Cruz comemoram o sucesso da caçada, que incluiu um veado e uma

jaguatirica, diante de uma casa típica colonial, com telhas de madeira lascada. Sem data. Fonte: Arquivo Histórico do Colégio Mauá (SCS-RS).

Page 91: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

90

Imagem 8 – A caçada – parte II

Colonos comemoram o sucesso da caçada de marrecos e perdizes na zona de colonização alemã. Sem

data. Fonte: Arquivo Histórico do Colégio Mauá (Santa Cruz do Sul-RS).

A variedade de espécies existentes na província surpreendeu os imigrantes, entre

os quais o próprio Franzen (1832), que chegou a citar "leões, tigres, gato-do-mato,

veados, tamanduás bandeira, antas, tatus, coatís, macacos, javalis, capivaras", todos

vistos nas imediações da Colônia de São Leopoldo. O mesmo imigrante ressaltou a

grande quantidade de "pássaros muito variados, tais como pica-pau, avestruzes,

cegonha, aves de caça diversas, papagaios que comem muitos grãos, colibris e muitos

outros", sendo que "nenhum pássaro se parece com os da Alemanha".

Já Avé-Lallemant, além de ter observado uma fauna variada (em seu relato

aparecem tartarugas, jacarés, falcões, garças e quero-queros, entre outros bichos),

escreveu sobre as constantes matanças de papagaios, considerados pragas para os

milharais e, ao mesmo tempo, presas de carne apreciada pelos colonos. Segundo ele

(1980[1858], p.128):

Page 92: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

91

“... sobre os galhos secos pousavam bandos de papagaios e asseavam seus coloridos vestidos de penas, levantando vôo em infernal gritaria ao aproximarmo-nos ou até ao pararmos o cavalo. Sabem muito bem esses insignes inimigos do milharal que quem está parado pode facilmente disparar um tiro, com o que o caçador e o colono têm um inimigo a menos e à mesa um assado a mais, pois o papagaio fornece saborosa carne.”

Ainda segundo Avé-Lallemant (1980[1858], p.128), a caça era “abundante”,

contando com “numerosos veados, porcos do mato e, conforme o gosto, mesmo antas,

que se encontram em quantidade nos terrenos úmidos”. Todos acabavam nas panelas

dos pioneiros. Já a onça, conforme o viajante, ocorria “muito mais raramente” – vale

lembrar que ele passou pelas colônias alemãs em 1858, quando São Leopoldo contava

com 34 anos de existência, ou seja: 34 anos de caçadas e queimadas ininterruptas, que

certamente contribuíram para a matança dos animais e também para que muitos deles se

refugiassem mais longe na floresta, onde estariam a salvo, mas por pouco tempo.

No fim do século 19, o relato de uma imigrante belga moradora de uma colônia

mista fundada quando a zona alemã já havia sido quase totalmente povoada evidencia o

ápice desse processo iniciado em 1824. O diário foi publicado em português em 2002.

Atenta aos resultados da caça predatória empreendida pelos colonizadores, Marie van

Langendonck (2002, p.75) relatou que, "à medida que a colônia era povoada, a caça

recuava até as florestas não exploradas". Segundo ela, "as jacutingas, espécie de faisão,

inicialmente muito abundantes, tinham-se tornado muito raras". Por conta disso, "os

caçadores estavam reduzidos aos papagaios e aos macacos, mas o número destes

diminuía consideravelmente; os tatus tinham desaparecido e a caça livre, em todas as

estações, havia privado a colônia de várias espécies de perdiz, que se matava mesmo na

época da ninhada".

Além de reforçar a alimentação com a carne de animais locais, os colonos

aprenderam a tirar proveito das árvores nativas, principalmente das frutíferas. Em 1832,

Franzen chegou a registrar que "não damos conta de comer todas as frutas, as quais dão

muito bem aqui". As mais comuns, segundo ele, eram as laranjas, bananas, limas e

limões, assim como os ananazes, os melões e as melancias. Mas também havia "muita

cana-de-açúcar e uvas, estas muito perseguidas pelas formigas". Outro produto coletado

na floresta, como já foi observado, vinha das abelhas: "no mato", conforme Franzen, "se

encontra muito mel silvestre".

Page 93: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

92

Conforme o inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.49), apesar do

desmatamento desenfreado da erva-mate, também não foi necessário muito tempo para

que os colonos tomassem gosto pelo chimarrão, que segundo ele era "uma espécie de

chá muito usado no Brazil e nos Estados do Rio da Prata", corriqueiro entre os

indígenas. De acordo com Jahn, "este chá, de um gosto amargo, é mui saudável e

indispensável aos povos", inclusive aos colonos, que nitidamente se tropicalizavam na

alimentação. Josef Umann, por exemplo, foi um dos imigrantes a ressaltar, no fim do

século 19, a apropriação do mate em seu dia-a-dia. Segundo ele (1997, p.67), "em

atenção à carteira vazia que nos primeiros anos não nos permitiu comprar bebidas caras,

como cerveja ou vinho, cedo nos habituamos ao chimarrão tão estimulante ao espírito".

Mas a adoção das frutas, das carnes e de outros alimentos locais não garantia

fartura. Somente a partir de 1830, no caso de São Leopoldo, a situação de fato começou

a melhorar em termos alimentares. Segundo Moraes (1981, p.85), a promessa de

distribuição de bois, vacas e porcos na colônia foi, aos poucos, se "tornando realidade",

e os colonos conseguiram iniciar sua própria criação de animais e produzir queijo,

manteiga e banha. Inicialmente, tais produtos serviam apenas para consumo próprio,

mas não demorou muito para que passassem a ser revendidos e conquistassem mercado.

O processo de adaptação dos colonos na linha fronteiriça, porém, não se restringiu

à alimentação. As famílias também tiveram de se adaptar em termos de moradia. No

início, era preciso erguer as casas, que não passavam de cabanas construídas a partir da

biomassa rústica da floresta, em meio a clarões abertos na mata. Habituados a casas

feitas de pedras, tijolos e tábuas, os colonos foram obrigados a se submeter a mudanças

radicais no Novo Mundo para não ficarem ao relento.

Como destacou Moraes (1981, p.49), eles desconheciam os tipos de madeira

existentes na região, sequer tinham tábuas uniformes e também não possuíam cal para

obter argamassa. Eram incapazes, na sua maioria, segundo Roche (1969, p.199), "de

construir outro abrigo que não uma choça”, assentando “uma cobertura de ramas sobre

uma viga sustentada por dois postes fixados no solo; ficavam mal protegidos contra a

chuva e, mais ainda, contra o vento e o frio". Tiveram de aceitar a ajuda de

desconhecidos, ligados à administração colonial, ou mesmo de caboclos vizinhos, que

viviam da extração de mate e de outros produtos da floresta, para construir uma

primeira choupana mais sólida – o rancho de pau-a-pique. Muitos, porém, eram "pela

maior parte um pouco desconfiados" e recusavam "muitas vezes os bons conselhos,

Page 94: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

93

sofrendo por isso alguns prejuízos", segundo relatou o inspetor Adalberto Jahn (1871,

p.XII).

Foi o caso do colono Josef Umann e de sua família. Em seu diário, ao comentar os

primeiros dias na colônia e os passos iniciais para a construção da primeira choupana,

ele admitiu que se tivesse ouvido os conselhos dos administradores, ao invés de seguir

os compatriotas, teria conseguido melhores resultados:

“Teríamos feito melhor se tivéssemos atendido ao sr. Richter, que nos aconselhou desmatarmos primeiramente uma pequena roça, queimar e limpá-la, e construir uma choupana provisória na qual moraríamos temporariamente, até abrir um roçado maior, no qual escolheríamos o melhor lugar para construir uma habitação mais condizente.”

Ao invés de seguir os conselhos da administração, Umann preferiu confiar nas

orientações dos colonos que já estavam em seus lotes e que se solidarizavam. Ele e a

família hospedaram-se na casa de alemães e, diariamente, Umann e o filho mais velho

caminhavam por cerca de uma hora na picada para chegar até o lote destinado à família.

Ali trabalhavam um dia inteiro no desmatamento e depois retornavam ao ponto de

partida. "Confiamos mais nos conselhos dos colonos já radicados que de boa vontade

nos acolheram", escreveu Umann, que depois concluiu que poderia ter "poupado muito

tempo e caminhadas em meio a estradas péssimas" se tivesse ouvido o funcionário da

colônia.

A choupana, primeira habitação edificada pelos imigrantes, em geral empregava

varas de madeira ou taquara, ramos de árvores, capim, cipó e barro. Constituía-se de

quatro postes cravados no solo, cujas paredes eram feitas de ramos de árvores ou de

varas cobertas com barro, não apenas para garantir a fixação, mas para proteger

minimamente das intempéries. Havia uma abertura para a porta e, às vezes, um buraco

para a janela. A cobertura, inicialmente, era feita de capim ou de folhagens. Os pregos,

por inexistirem, eram substituídos por cipós, e o piso era feito de terra batida.

Conforme o registro de Josef Umann (1997, p.65), "mais difícil que para o

homem, foi o começo para as mulheres". Isso porque, segundo ele, "na pátria de origem

elas eram pobres e moravam em espaço limitado, mas podiam ter tudo

escrupulosamente limpo. Lá havia o pequeno fogão, zelosamente limpo, que servia

também de calefatório". Para Umann, "era tudo diferente" na Colônia. A primeira

choupana era "minúscula e improvisada", considerada "por demais exígua para

Page 95: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

94

acomodar os objetos e permitir um lugar para dormir". Mas, na primeira noite na nova

casa, nem o vento e a chuva desanimaram o imigrante (Umann, 1997, p.55-56):

“A primeira noite que lá passamos, eu conseguira fechar melhor apenas um canto da nova morada, para que o vento e a chuva não nos molestassem tanto. Com dobrada razão podia cantar: Espaço há na choupana mais pequena... pois, afora o telhado que nos abrigava precariamente contra a chuva, o espaço ia até o infinito. A cobertura não abrigava somente a mim e a minha família, mas também cão e gato se alojaram ali, e ainda um certo número de galináceos, que se acomodaram nas vigas enquanto não houvesse um galinheiro para eles. Indiferente do meu sono, o galo em plena madrugada me irritava com seu kikeriki. Apesar disso tudo, acredito que nenhum rei em seu palácio possa se sentir mais feliz que eu outrora, em minha primeira choupana, a qual sabia ser minha, e mesmo que deixasse muito a desejar em todo o sentido, tínhamos a esperança de que com o correr do tempo ela poderia ser melhorada, e sobretudo, sabíamos que ninguém podia nos obrigar a abandonarmos a nossa morada!”

No interior dessa primeira casa, as camas, segundo Umann (1997, p.66), eram

feitas com “varas de palmito”. Já os bancos, surgiam a partir de toras retiradas da

floresta, e as mesas acabavam sendo improvisadas com baús que os imigrantes traziam

consigo na longa viagem rumo ao Brasil. No lugar de um polido fogão, “espetava-se

duas forquilhas no chão e sobre elas se deitava uma pequena vara, na qual se

dependurava uma ou duas chaleiras”. Inicialmente, esse fogão improvisado ficava ao

relento. Ainda segundo Umann, “não faltava, evidentemente, lenha para arder”:

“Mas que aparência tinha! Toda chamuscada, preta! Fácil é imaginar que muita mulher dengosa se arrepiava quando tinha que lidar com os troncos enegrecidos pelo carvão [...] Mesmo com esse empecilho, pouco a pouco as mulheres se arranjaram. Quando uma nova cozinha surge, bastante espaçosa e com chão de terra batida, é comum economizar-se o trabalho de serrar os troncos. Toros inteiros são trazidos à cozinha, onde às vezes ardem dias inteiros. Nas longas noites de inverno, jovens e velhos neles aquecem os pés antes de deitarem.”

As dificuldades encontradas pelos colonos para dar forma às primeiras casas não

passaram despercebidas pelos administradores coloniais. Em 16 de setembro de 1824, o

então diretor da Colônia de São Leopoldo, José Tomás de Lima (1824), escreveu ao

presidente da Província para pedir auxílio. Na carta, resguardada no AHRGS, ele dizia

ser “indispensável alugar-se gente para fazer Cazas dos ditos Colonos, porque além de

pouco geito q. divizo nelles para esse fim, acresce tão bem inconveniente de não

Page 96: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

95

conhecerem as madeiras”. Mais tarde, em cinco de janeiro de 1825, Lima voltaria a

escrever nesses termos para o presidente provincial:

“Participo a V.Exa. que os Colonos da maneira que trabalhão nem em um ano acabão seus arranchamentos; e sendo necessário que eles se facão o mais breve possível he indispensável alugar-se gente; e no caso de ser do agrado de V.Exa. eu me encarregarei de procurar por aqui mesmo homens dezimbarasados para similhante serviços, e os ajustarei pelo presso mais módico q. me for possível, ficando V.Exa. serto q. sem q. se tomem estas medidas nada se faz, porq a maior parte dos Colonos nem ao menos sabem cortar um pão. Rogo a V.Exa. queira perdoar a franqueza com q. fallo, pois se conhecesse dezimbarasso, e agilidade nos Colonos para semelhante serviço não importunaria a V.Exa.”

Após os sucessivos pedidos, Lima conseguiu autorização para mandar erguer

algumas casas na Colônia. Um ano depois da fundação de São Leopoldo, porém, ainda

faltava material para que os imigrantes pudessem deixar os barracões para começar vida

nova nos próprios lotes. Em 12 de fevereiro de 1825, quando a Colônia já contava com

cerca de 200 habitantes, Lima (1825) faria um novo pedido, dessa vez a Visconde de

São Leopoldo:

“Tendo-se já promptificado algumas Cazas, convem para serem ocupadas pelos donos, se lhes ponham portas, e janellas, sem o q. será impraticável a sua serventia, e pr. isso necessita-se de uma porção de taboado para q. fiquem de todo completos estes arranchamentos.”

Mesmo rodeados de árvores, eles precisavam de tábuas, porque ainda não havia

serrarias, que surgiram mais tarde, e não tinham habilidade para cortar os troncos, que

em sua maioria acabavam queimados. Em outra carta, datada de 23 de julho do mesmo

ano, o diretor da Colônia voltaria a pedir tábuas para as portas e janelas, assim como

“feixaduras e mais ferrages para as ditas portas”. Em função da demora, muitos colonos

se mudaram para as choupanas sem as mesmas terem sido finalizadas. Para evitar que o

frio, a chuva e o vento entrassem nas casas, as famílias improvisaram tapumes para as

portas e janelas, com matéria-prima coletada na floresta, isto é, folhas e barro.

Somente mais tarde, com o desenvolvimento das colônias e a prosperidade de seus

moradores, os casebres de pau-a-pique puderam ser, aos poucos, substituídos. A

segunda fase em termos de habitação, conforme Roche (1969, p.199), foi a do enxaimel

(ou Fachwerk), uma técnica de construção que consistia basicamente no encaixe de

Page 97: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

96

hastes de madeiras em diferentes posições, preenchidas com pedras ou tijolos.

Gradativamente, como aponta Moraes (1981, p.52), o bambu, os ramos de árvores e as

varas nas paredes deram lugar a um material mais consistente e duradouro, formado por

grandes troncos de árvores falquejados pelo machado e também por tijolos de barro

batido feitos à mão.

As serrarias, como destacado anteriormente, ainda não eram comuns, e o preparo

dessas vigas mais resistentes, de quatro a cinco metros de cumprimento e de 20 a 25

centímetros de largura, exigia habilidade, que começava a ser conquistada. Como as

tábuas ainda eram de difícil obtenção, o piso das moradias permanecia desnudo. Quanto

ao telhado, aos poucos os ramos de folhas foram substituídos por pequenas telhas

retangulares de madeira (como na foto da caçada exibida anteriormente) ou mesmo por

telhas de barro, com o desenvolvimento das olarias.

A partir de 1870, segundo Roche, um terceiro tipo de moradia começa a se

destacar nas antigas colônias alemãs. Eram as casas totalmente à base de tijolos. Com o

aproveitamento da força dos rios e a difusão das serrarias, também passou a ser

possível, finalmente, revestir os tetos e pisos das antigas casas com tábuas. Outra

novidade foi a troca dos cipós, que até então seguravam a estrutura, por pregos ou

cravos produzidos nas ferrarias que iam aparecendo.

A partir daí, a última fase destacada por Roche (1969, p.207) é a da casa

estandardizada, quando o campo passa a imitar as formas da cidade. Desde o início da

Segunda Guerra, segundo ele, “vê-se surgir nas aldeias, e mesmo em lotes isolados, a

casa feita de tijolos e cimento”, em estilo “moderno”.

Para alguns autores, como o geógrafo Leo Waibel (1949), as casas desenvolvidas

pelos colonos, especialmente as de tipo enxaimel, seriam resultado de um costume

trazido pelos imigrantes da Alemanha, uma herança cultural que passou a ser aplicada

na nova terra assim que houve condições para tanto. Outros pesquisadores, como

Moraes (1981, p.61), argumentam que todos os tipos de moradia observados ao longo

do desenvolvimento das colônias nada mais foram do que “produtos do meio”. Para ele,

“não pôde o colono, como aconteceu em muitos hábitos alimentares, impor nenhum tipo

de moradia que caracteriza a região donde proviera”.

Conhecedor profundo da história da colonização alemã no Rio Grande do Sul,

Jean Roche (1969, p.199) apresentou uma terceira via de análise, que parece ser a mais

provável. Ele concluiu que as residências erguidas pelos colonos, especialmente na fase

do enxaimel, não foram resultantes da pura e simples reprodução de uma “herança

Page 98: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

97

genética” nem unicamente produto da influência do meio. Foram, sim, uma síntese de

elementos trazidos pelos imigrantes (em sua bagagem cultural, por assim dizer) e de

elementos encontrados no novo meio. Segundo Roche (1969, p.207):

“a evolução da casa rural teuto-brasileira, nas antigas colônias, foi, pois, particularmente reveladora da influência recíproca do meio e do homem. A choupana de paredes de barro, a casa de enxaimel, a casa de tijolos e cimento corresponderam, cada uma em seu tempo, a uma utilização racional dos recursos locais em função das necessidades, das técnicas e das possibilidades financeiras. Graças aos recursos de areia (indispensável para a argamassa, mas intransportável a grande distância), graças à multiplicação do artesanato de tijolos e telhas, a casa das antigas colônias certamente representou uma vitória de adaptação ao meio. Mas nos parece ter sido, sobretudo, a prova da vitória do homem sobre a floresta”

Essa luta em termos de adaptação, que em um segundo momento permitiu aos

colonos a domesticação da natureza, também passou pelo vestuário. Os tecidos de lã e

de linho, comuns nas regiões de procedência dos alemães, passaram a dividir espaço

principalmente com roupas de algodão. Por certo, essa alteração foi bastante

influenciada, entre outros fatores, pelo clima que os imigrantes encontraram na nova

terra, cujas temperaturas, mesmo no inverno, dificilmente atingiam marcas tão baixas

quanto aquelas registradas nos meses mais frios, no continente europeu.

Entretanto, é importante lembrar que a maioria dos colonos, ao chegar à província,

vinha praticamente sem recursos e com apenas algumas poucas peças de vestuário na

bagagem. Não foram poucos aqueles que vieram somente com as roupas do corpo,

segundo se conclui de uma carta escrita pelo diretor da Colônia de São Leopoldo em 25

de julho de 1824, data da chegada da primeira leva de imigrantes à Província, no

inverno gaúcho. Segundo José Tomás de Lima (1824),

“os Colonos Allemaens q p.ª ali forão há pouco mandados, acham-se inteiramente destituídos de vestuário, cuja falta lhes he muito penosa na presente Estação, e sem meios de areparar: conseguintemente he de maior necessidade que se fornessa a cada homem daquelles indivíduos, pelo menos, uma coberta, ou ponche, uma jaqueta e pantalona de pano azul, e uma camisa, devendo este fornecimento ser extensivo aos adultos e menores.”

Após receber a carta do diretor, o então presidente da província, José Feliciano

Fernandes Pinheiro, enviou um ofício ao subordinado pedindo que mandasse fazer “o

Page 99: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

98

quanto antes por Official Alfaiate o orçamento do panno azul, baeta e panno de Linho

sufficiente para vistidura dos Collonos tanto adultos, como menores”. Ainda no que se

refere à falta de roupas apropriadas, Moraes (1981, p.73) cita um trecho de outra carta

escrita por Tomás de Lima, de maio de 1825, solicitando a remessa de “secenta e oito

ponches” e “quarenta cobertores” a São Leopoldo.

De modo geral, os documentos indicam que, aos homens, nessa fase inicial da

colônia, era entregue uma camisa, uma calça, uma jaqueta e um poncho. Às mulheres,

uma camisa, um vestido e um cobertor. Assim, muito em função das condições

encontradas na floresta subtropical, da penúria vivida na fronteira verde e da

dependência em relação ao Estado, os colonos acabaram modificando padrões de

indumentária, incorporando tecidos locais à nova forma de vestir. A partir daí, o uso do

pala ou do poncho, típico do vestuário sul-rio-grandense, se tornou comum também

entre os recém-chegados.

Vale ressaltar que, mais do que qualquer outro tecido, o algodão assumiu papel

principal no guarda-roupa constituído nas colônias. Especialmente na Colônia de São

Leopoldo, o diretor Tomás de Lima informava, já em 1822, portanto antes da chegada

das primeiras levas de imigrantes, ter iniciado uma plantação de algodão. Na época, a

produção ainda serviria para os escravos. Segundo ele, naquele ano, foram colhidas cem

arrobas “q se tem tecido, e se vae tecendo, e distribuindo pelos mais precizados”. Essa

produção, porém, ainda era considerada insuficiente. Conforme Tomás de Lima, “era

precizo meterem-se na Fazenda dois outros rebanhos de Ovelhas, q montassem pelo

menos a mil e quinhentas; para da lan se tecerem ponches e vestuário próprio p. o

inverno p.ª Escravatura, pois q he mui difficil a esta rigorosa estação tão mal vestidos

como actualmente elles estão”.

Documentos atestam que a produção de algodão foi mantida após a instalação da

colônia no local. Em seu relatório datado de 1854, o diretor João Daniel Hillebrand

afirma que “a colheita d’algodão nesta Colônia tem subido de 3.500 a 4.000 arrobas no

anno de 1853; das quaes mais da metade foi exportado, e o restante empregado nesta

Colônia para a fabricação de pannos grossos para camisas dos trabalhadores”.

Além das fazendas à base deste produto, Moraes (1981, p.75) ressalta que a ganga,

uma espécie de tecido do mesmo fio, porém originária da Índia, e a baeta, de lã felpuda

e grosseira, também passaram a compor os trajes dos colonos. Já o linho, por conta das

dificuldades de produção nessa primeira fase, raramente aparecia, embora os colonos

Page 100: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

99

tenham, aos poucos, iniciado seu cultivo. Mas a experiência, pelo menos em São

Leopoldo, mostrou-se bastante complicada, segundo o relatório de Hillebrand (1854):

“Os ensaios feitos naquelle Real estabelecimento bastante provarão a importância que se podia dar a essa cultura, cujo resultado no fim de tantos annos de trabalho e de enormes despesas, apenas deixou vestígios de sua cultura aos Colonos Alemães que vierão estabelecer-se em 1824 nos mesmos terrenos em que aquella interessante e util planta tinha sido cultivada. Nem sequer semente havia daquellas plantas, por pouco que fosse, para distribuir-se entre os primeiros Colonos que desde logo na chegada procurarão cultival-a e para poder-se conseguir esse fim, alguns Colonos mandarão vir da Europa sementes que plantarão nas suas terras, e donde provem hoje em dia o linho que se cultiva na Colônia. Poucos terrenos da Europa me são conhecidos, onde o linho prospera melhor do que nesta Colônia, ou nesta Província em geral; e com tudo a sua cultura tão vantajosa é mui limitada, para não dizer de um todo abandonada. Apenas os Colonos Alemães plantão linho para o seo próprio consumo e uso”

Mesmo quando o linho passou a ser mais comum, elementos do ecossistema local

eram misturados ao tecido. Um exemplo disso é a carta de um colono chegado em 1828

a São Leopoldo (apud Moraes, 1981, p.75), na qual ele informa que “fabricávamos as

fazendas para nosso uso e com tintas extraídas de cipós as tingíamos em várias cores: e

si as nossas roupas não eram lá muito elegantes, não deixavam de ser bastante

resistentes”.

Todas essas transformações observadas na indumentária do imigrante alemão

também não passaram incólumes em se tratando dos calçados – ou da falta deles. Em

sua passagem pela Colônia de São Leopoldo em meados do século 19, o viajante Avé-

Lallemant (1980[1858], p.124) percebeu que os colonos “não usam sapatos, nem

meias”. Segundo ele, “o pé fica nu”. Além disso, o viajante foi surpreendido pelo fato

de que muitos montavam a cavalo igualmente sem sapatos, da mesma forma que o

gaúcho: “às vezes só o polegar, à verdadeira moda rio-grandense, se apóia num pequeno

estribo e a vigorosa perna nua se cola firmemente à cavalgadura”.

A esse respeito, Moraes (1981, p.79) afirma que a dificuldade de se conseguir

botas, chinelos ou tamancos, assim como a natureza acidentada do terreno, que nas

regiões mais baixas era constituído de banhados e de superfícies inundáveis, “teriam de

convertê-lo [o colono], como aconteceu com o luso e seus descendentes, num

permanente agricultor de pé no chão” – coisa que até hoje se vê na região.

Embora muitos pesquisadores argumentem que a distribuição dos imigrantes em

“quistos étnicos” tenha contribuído para reforçar as identidades originais – nesse caso

Page 101: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

100

uma identidade alemã –, os imigrantes se “tropicalizavam”. Ainda falavam o alemão,

mas agora usavam poncho. Tomavam mate. Comiam milho, mandioca, ananás, carne de

anta, bugio e papagaio. Viviam em casas rústicas, em que o cipó foi substituído pelo

prego somente muito tempo depois do início da vida na fronteira. Em que a biomassa da

floresta dava forma às paredes e alimentava o fogo de chão. No limite da fronteira

verde, tudo, enfim, se modificava.

Page 102: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

101

2.4. Reconstruindo ecossistemas

As mudanças culturais pelas quais os imigrantes passaram nesse processo de

adaptação ao ecossistema regional se refletiram na paisagem. E o impacto ambiental

implícito ao empreendimento colonizador não se restringiu às derrubadas, queimadas e

caçadas. No caso das colônias alemãs, tanto documentos oficiais quanto cartas de

imigrantes e relatos de viajantes demonstram que muitas plantas típicas do Velho

Mundo acabaram sendo aclimatadas, com relativo sucesso, no continente americano –

numa tentativa, de alguma forma, de tornar a nova terra familiar. O mesmo se repetiria

entre imigrantes de outras nacionalidades. Sabe-se que, além dos pertences pessoais,

muitos trouxeram consigo, na bagagem, sementes de aveia e de centeio, por exemplo.

Outras mudas e grãos foram repassados pelos próprios diretores e inspetores coloniais,

como no caso do trigo.

Em suas andanças pelas colônias alemãs, viajantes relataram com certa surpresa a

presença de plantas européias e de outras partes do mundo se desenvolvendo na área.

Robert Avé-Lallemant (1980[1858], p.150) informou, por exemplo, que com o chá

chinês “foram feitas experiências” em São Leopoldo e que o arbusto crescia

“perfeitamente bem”. O médico alemão (1980[1858], p.153) também registrou que se

tentara “ultimamente a sericicultura”, produzindo-se “belíssima seda”.

Em seu diário datado de 1854, o mercenário alemão Joseph Hörmeyer

(1986[1854], p.46) destacou que as “plantas européias que aqui medram”. Entre elas,

estavam “a cevada e o trigo”, principalmente nas colônias ao norte do Rio Jacuí. Ainda

conforme Hörmeyer (1986[1854], p.48), “das restantes plantas usuais medram quase

todas as verduras européias: repolho, couve-roxa, couve-de-savoia, couve-flor, nabos,

cenouras e beterrabas; todas as espécies de alface, legumes e outras variedades da

horticultura”, notadamente “em imensos tamanhos e quantidades e de excelente

qualidade”. Apenas “as batatas-inglesas”, embora fornecessem “numerosas colheitas”,

Page 103: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

102

ficariam longe, “em qualidade, das européias, por conter uma quantidade menor de

amido”.

A difusão das plantas exóticas também foi percebida pelo viajante alemão Carl

Seidler. Segundo ele (1976[1835], p.110), "à direita e à esquerda, vêem-se as diversas

colônias, a maior parte já libertas da mata, tão cultivadas pelo trabalho alemão que

produzem a maior parte dos legumes e frutos europeus". Como o compatriota, o

inspetor colonial Adalberto Jahn (1871, p.49) igualmente impressionou-se com o fato de

que as “árvores européias” cresciam pujantes na região:

“Com quanto não sejão as madeiras européias nativas na Província, contudo várias qualidades dellas prosperão em seu solo, sendo plantadas em lugares competentes e estação própria; tais são o carvalho, o álamo e o salgueiro, dos quais existem bonitos espécimes nas immediações de São Leopoldo. A macieira, a pereira, o pessegueiro e outras árvores furctiferas aclimatão-se bem; seus frutos porém não são tão saborosos como os da zona temperada septentrional”.

Em muitas de suas cartas, colonos confirmam tais informações, ressaltando que o

clima temperado – parecido com o europeu – facilitava o cultivo de sementes trazidas

do Velho Mundo. Conforme o imigrante Mathias Franzen (1832), "nesta província

temos o melhor clima, nem quente, nem frio demais, ar limpo, água doce de boa

potabilidade, só raramente cai neve, e mesmo então é rapidamente derretida pelo sol".

Com isso, escrevia o alemão, "todas as plantas da roça e da horta alemãs, aqui também

crescem".

Ao chegar à Colônia de Santa Cruz em 1849, o colono alemão Peter Thoes (1850)

contou em uma carta à família que "tudo era floresta virgem" e exaltou a fecundidade

do solo, que já produzia tabaco, feijão e batata e, em breve, seria semeado também com

"plantas européias". O diretor Hillebrand, em seu relatório de 1854, confirmou que

"alguns Colonos mandarão vir da Europa sementes que plantarão nas suas terras, e

donde provem hoje em dia o linho que se cultiva na Colônia".

Porém, por serem plantas exóticas aos ecossistemas regionais, muitas delas se

mostraram frágeis às “pragas”. O problema era tão recorrente que muitos colonos

apelavam a artimanhas de todo tipo para se verem livres de insetos e animais com os

quais eram obrigados a disputar os frutos de suas plantações. No livro Aus Deutsch-

Brasilien. Bilder aus dem Leben der Deutschen im Staate Rio Grande do Sul, lançado

Page 104: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

103

em 1902, o alemão Alfred Funke dá uma mostra disso. Ao escrever sobre a vida dos

alemães nas colônias, Funke (1902, p.91) reproduziu versos que os imigrantes e seus

descendentes proferiam, em alto e bom som, na tentativa de acabar com o que

consideravam verdadeiras pragas:

Bons dias lagartas, A planta que comeis E a Deus não louvais, Amaldiçoadas sejaes! Por S. Pedro e S. Paulo E a todos os santos Da corte do céu: Deixae esta planta Que é meu alimento, E as folhas do matto virgem Serão vosso sustento!

Uma das plantas exóticas mais atacadas, segundo os registros de época, foi o trigo.

Conforme o historiador Carlos de Souza Moraes (1981, p.87), "a produção de trigo e

centeio, embora sua cultura fosse tentada com insistência, mormente à daquele, não

correspondeu à expectativa". Avé-Lallemant (1980[1858], p.152) também teceu

algumas palavras sobre os cereais de origem européia. De acordo com seu relato,

“o trigo medra a princípio, mas sofre depois todo o ano de ferrugem e por algum tempo deixou-se de cultivá-lo. Mas já se recomeçou a plantá-lo. O centeio dá melhor, mas até agora [1858] não pode ser considerado artigo importante, como tão pouco a cevada. A aveia dá muito bem, não estando, porém, o mercado brasileiro habituado a ela; continua-se a alimentar os animais com milho, embora este, como forragem para os cavalos, seja inferior à aveia.”

Mesmo que a difusão dessas espécies não tenha sido imediata, sem dúvida

provocou alterações na cadeia alimentar. A partir da segunda geração de colonos, esses

produtos ganharam mais e mais espaço nas lavouras, principalmente com as gradativas

melhorias tecnológicas. Mas as mudanças não se restringiram à flora.

Ao analisar as alterações ambientais na fronteira verde, também não se pode

desprezar o impacto ambiental decorrente da inserção de animais até então criados

basicamente nos campos sul-rio-grandenses. Bovinos, ovinos e eqüinos, assim como

porcos e galinhas, aos poucos, passaram a fazer parte da paisagem colonial e se

Page 105: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

104

reproduziram com rapidez – tanto quanto cães e gatos. Apesar disso, ao passar por São

Leopoldo em 1858, Avé-Lallemant (1980[1858], p.152) informava que, “quanto aos

rebanhos, dada a natureza do solo e a falta de pastagens, mormente ‘na floresta’, não foi

possível desenvolvê-los tanto como em outras partes da Província”. Mas eles, sem

dúvida, estavam presentes.

Conforme o mesmo viajante, a colônia já exportava “bons cavalos, especialmente

os adestrados, que encontram bom mercado em Porto Alegre”. Além disso, assim que

os colonos de São Leopoldo superaram a fase inicial de dificuldades, muitos curtumes

foram estabelecidos na região, onde se fabricavam, segundo Avé-Lallemant, “as

afamadas selas, inteiramente diferentes do que chamamos de sela”.

A importância desses animais para os colonos pode ser medida através da carta do

alemão Mathias Franzen (1832) à família. Segundo ele, “após dois anos e oito meses

que moramos na nossa colônia, [...] tenho duas vacas com dois terneiros, dois cavalos,

20 porcos, mais de 100 galinhas, além de dois cães de caça”. Com isso, ao vender

“manteiga, frangos, ovos, temos dinheiro a cada semana”.

Em seu diário, Avé-Lallemant (1980[1858], p.153-154) destacou ainda outras

informações curiosas sobre a inserção de espécies exóticas nas colônias. O médico

(1980[1858], p.176) descreveu, por exemplo, o incômodo provocado por “percevejos

indo-germânicos, espalhados [...] com a imigração alemã” – nesse caso,

inadvertidamente. Em outro trecho de seu diário, ele também revelou que muitos

imigrantes trouxeram abelhas da Europa, que “ficaram produzindo mel com admirável

diligência”. Mais do que isso, “multiplicaram-se enormemente”, enxameando “doze a

quatorze vezes por ano”.

Quer seja por meio das abelhas, como descreveu Avé-Lallemant, ou das sementes

de aveia e de centeio, a conquista da fronteira verde implicou alterações profundas no

ecossistema regional. Mas, se o imperialismo ecológico de fato marcou a diáspora

européia mundo afora, como concluiu Alfred Crosby (1986), e o êxito dessa expansão

deveu-se também a fatores de ordem biológica, parece arriscado concluir que as

colônias sul-rio-grandenses tenham se tornado simples cópias genéticas do Velho

Mundo. O conceito de "Neo-Europa", cunhado pelo próprio Crosby (1986), nesse caso,

parece não dar conta da complexidade do tema. Além disso, Crosby supõe o sucesso

inconteste das plantações européias nas áreas colonizadas, o que, pelo menos num

primeiro momento, não ocorreu no Rio Grande do Sul, como vimos no caso do trigo.

Page 106: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

105

Ao mesmo tempo em que plantas européias foram aclimatadas nas colônias

alemãs, espécies nativas continuaram sendo cultivadas em abundância pelos colonos e

jamais foram totalmente substituídas. Adalberto Jahn (1871, p.49) confirmou, por

exemplo, que "as plantas próprias da zona tropical” haviam caído no gosto dos colonos

e que era comum se encontrar, “ao lado do carvalho e do louro, a bananeira e a

laranjeira, e ao lado da canna d'assucar, as plantações de batatas em terrenos

semelhantes".

Hörmeyer (1986[1857], p.50), por sua vez, mencionou que nas colônias crescia

“uma espécie de palmeira que tem coquinhos semelhantes às cerejas, de sabor um pouco

azedo” (possivelmente o butiá), “um cacto, a tuna, cujos frutos também o gado gosta de

comer e o ananás, que se planta aqui em grandes quantidades e excelente qualidade”.

Ele (1986[1857], p.51) também relatou que “o colonos alemães, procedentes do

Hunsrück e da região do Mosela, plantam quase só cereais e verduras, como milho,

centeio, batatas, feijão e mandioca”, mesclando alimentos nativos e exóticos em sua

nova dieta.

Após exaltar a facilidade do cultivo de "plantas alemãs", o colono Mathias

Franzen (1832) também ressaltou a importância dos alimentos nativos para a vida nas

colônias. Segundo ele, "há tanto alimento e frutas gostosas, que seriam necessárias duas

folhas de papel para sua descrição". Essas variedades foram, enfim, incorporadas à mesa

dos recém-chegados e se perpetuaram, passadas de geração em geração, como veremos

em mais detalhes a seguir.

Ao analisar os aspectos ambientais da diáspora inglesa para os Estados Unidos,

Canadá, Austrália e Nova Zelândia, o pesquisador Thomas Robert Dunlap (1999, p.47)

concluiu que os imigrantes procuraram, de certa forma, tornar a nova terra familiar.

Entre os colonos alemães estabelecidos no Rio Grande do Sul, a vontade de refazer a

terra natal foi igualmente recorrente – não por menos, a expressão Heimatland aparece

com freqüência nas cartas e diários dos imigrantes, assim como em muitos de seus

versos e canções. Esse foi um tema quase obsessivo para esses homens e mulheres, o

que não significou, no entanto, que eles de fato tenham recriado duplicatas da biota

européia no Brasil ou “Neo-Europas” – mesmo que, em sua organização social, as

colônias tenham se tornado núcleos bastante (não totalmente) fechados, marcados pela

endogamia e pela autossuficiência.

Reconstruir o solo pátrio, como aponta Dunlap, implicava destruir para recriar.

Os colonos usaram plantas, animais europeus e ferramentas da civilização industrial,

Page 107: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

106

como rifles, machados e mais tarde estradas de ferro, tanto quanto instrumentos e

técnicas nativas para derrubar centenas de quilômetros de florestas, expulsar as

populações indígenas e dizimar animais silvestres. No entanto, quando passaram a ter

maior acesso às sementes das plantas que conheciam no Velho Mundo, não deixaram de

cultivar produtos nativos na terra nua e coberta de cinzas das queimadas. Os melhores

exemplos disso são o aipim, o milho e o ananás, aos quais se adaptaram e dos quais

jamais abriram mão. De um lado, esse processo resultou em um “desmatamento

civilizador” sem precedentes. De outro, acabou por originar novos ecossistemas, que

incluíram plantas nativas e exóticas, numa escala igualmente nunca vista na história

humana.

Page 108: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

107

2.5. Caboclização ou tropicalização? O novo na fronteira

Apesar de relegarem à natureza, de uma forma geral, o papel de agente passivo no

desenvolvimento das colônias, os historiadores regionais atentaram para as

transformações vividas na fronteira verde. Porém, em muitos casos, a apropriação de

hábitos indígenas, caboclos e luso-brasileiros por parte dos imigrantes foi vista como

uma regressão, uma mancha incômoda em uma história de desenvolvimento regional

ou, como muitos preferiram definir, de progresso.

Para Jean Roche (1969, p.52-53), ainda hoje considerado um dos mais importantes

estudiosos da colonização alemã no Rio Grande do Sul, "a necessidade de dobrar-se à

técnica do desflorestamento forçou o europeu a cair ao nível do índio ou do caboclo". E

a chamada "caboclização" foi considerada, não apenas por ele, mas por muitos outros

pesquisadores, entre os quais o geógrafo Leo Waibel (1958), um verdadeiro retrocesso,

tomando tais culturas como inferiores, a partir de um ponto de vista evolucionista – da

mesma forma como fez Turner (1893) no caso norte-americano. Segundo Waibel (1979,

p.246),

"os pequenos proprietários europeus não poderiam aplicar, por gerações sucessivas, o sistema agrícola mais extensivo e mais primitivo do mundo sem abrir mão e perder elementos essenciais de sua cultura e tradição. Especialmente nas áreas montanhosas, de povoamento antigo, e nas regiões remotas, muitos colonos alemães, italianos, polacos e ucranianos tornaram-se verdadeiros 'caboclos', gente extremamente pobre, com muito pouca ou nenhuma educação e vivendo nas casas mais primitivas."

Em sua análise, Waibel distinguiu a ocorrência de três principais sistemas

agrícolas nas áreas florestais colonizadas, que, segundo ele (1979, p.246), representaram

estágios sucessivos do desenvolvimento histórico da paisagem agrícola. Esses três

estágios, conforme sua classificação, foram os seguintes: primeiro, o sistema de rotação

Page 109: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

108

de terras primitivo; em seguida, o sistema de rotação de terras melhorado; e, por fim, a

rotação de culturas combinada com a criação de gado.

Para Waibel, "apenas em poucas áreas o desenvolvimento real da paisagem

cultural passou pelos três estágios", sendo que a maioria delas teria estagnado na

segunda ou mesmo na primeira etapa. É exatamente neste estágio inicial que Waibel vê

a "caboclização", cujo desencadeamento estaria relacionado às formas de uso da terra,

nesse caso, muito semelhantes ao modus operandi indígena, considerado por ele um

sistema primitivo.

Esse primeiro estágio, segundo Waibel (1979, p.246-247), tinha início quando

uma "família pioneira" comprava terras em uma área de mata "desabitada". Em seguida,

esses imigrantes derrubavam e queimavam a floresta, "à maneira dos índios”, plantavam

“milho, feijão preto e mandioca usando cavadeira e enxada”, e construíam “uma casa

primitiva, primeiramente de folhas de palmeiras e, depois, de tábuas".

Nesse primeiro estágio, segundo o geógrafo, o núcleo familiar tinha ligação "com

o mundo exterior apenas por uma picada ou por estradas primitivas” e vivia “em grande

isolamento", e os seus filhos só iam à escola “durante um ou dois anos". Nessas

circunstâncias, concluiu Waibel (1979, p.247), era "muito difícil uma elevação do nível

social e cultural da família, e uma estagnação, se não decadência, em breve se

registrava". O pesquisador afirmou ainda que os colonos nesse "estágio primitivo"

acabavam perdendo sua "capacidade de resistência à influência negativa do meio

físico", o que levaria inevitavelmente à "caboclização".

Essa questão também aparece na obra de Sérgio Buarque de Holanda,

especialmente no apêndice posteriormente acrescentado ao segundo capítulo de Raízes

do Brasil (1936), acerca da persistência da lavoura de tipo predatório. Nesse trabalho, o

historiador reproduz trechos do testemunho do observador norte-americano R. Cleary,

que exerceu a profissão de médico em Lajes, Santa Catarina. No manuscrito, o

estrangeiro escreveu acerca dos colonos alemães de São Leopoldo, afirmando que nada

trouxeram de novo ao país adotivo, limitando-se a plantar o que os brasileiros já

plantavam e do mesmo modo grosseiro. Segundo Cleary (apud Holanda, 2003, p.66):

"Conheci um irlandês em Porto Alegre [...] que tentou introduzir o uso do arado entre os alemães. Não obteve o menor resultado, pois os colonos preferiam recorrer a enxadas e pás e, na grande maioria dos casos, a simples cavadeiras de pau, com o que abriam covas para as sementes. Este último pormenor requer explicação: nossos próprios trabalhadores rurais ficarão

Page 110: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

109

sem dúvida estarrecidos se eu lhes disser que a lavoura aqui é feita, em geral, com o auxílio de enxadas, mais raramente pás – e isso onde o lavrador é suficientemente esclarecido para resistir ao hábito corrente, que consiste em fazer abrir as covas com auxílio de um simples pedaço de pau, a fim de nelas se colocarem as sementes. É verdade, como acima se disse, que alguns, muito poucos, se socorrem de pás; estas, porém, não passam de pobres sucedâneos para o grande símbolo da civilização, a última palavra de Tubalcain (o salvador do mundo) que é o arado."

Desde então, conforme Sérgio Buarque (2003, p.67), "a aquisição de técnicas

superiores, equivalente a uma subversão dos processos herdados dos antigos naturais da

terra, não caminhou na progressão que seria para desejar". O desenvolvimento técnico

teria visado, na opinião desse historiador, muito mais a "economizar esforços" do que a

aumentar a produtividade do solo. Por outro lado, o próprio estudioso admite que os

descendentes dos colonos se mostraram, via de regra, "mais bem dispostos do que os

luso-brasileiros a acolher as formas de agricultura intensiva". Ainda assim, Sérgio

Buarque (2003, p.67) se pergunta sobre qual seria a razão, no Brasil e na América

Latina, pela qual "os colonizadores europeus retrocederam, geralmente, da lavoura de

arado para a de enxada, quando não se conformaram simplesmente aos primitivos

processos dos indígenas"?

Ao discorrer sobre essa questão, o estudioso citaria ainda a obra Probleme der

Urwaldkolonisation in Südamerika (Problema da colonização da floresta virgem na

América do Sul), publicada em 1940, em Berlim, por Herbert Wilhelmy. Nesse

trabalho, o autor mostrou como o recurso às queimadas pareceu aos colonos uma

necessidade tão patente que não lhes ocorreu a lembrança de outros métodos de

desbravamento. Segundo Wilhelmy (apud Holanda, 2003, p.67), mesmo os colonos

alemães que tentaram empregar técnicas menos devastadoras ao meio ambiente

acabaram sucumbindo ao tradicional sistema brasileiro.

Duas causas, para ele, explicam a persistência do método "primitivo" nas colônias

alemãs do Sul do Brasil. A primeira, como citou Sérgio Buarque (2003, p.69), estaria

nas condições do relevo, já que os núcleos de povoamento eram constituídos, em sua

maioria, em áreas de terreno acidentado, às vezes nas encostas de morros, em direção

aos vales. Por si só, a conformação do terreno impedia o uso do arado.

A outra causa, de acordo com Wilhelmy (apud Holanda, 2003, p.69), estaria

relacionada à experiência de vários colonos, segundo a qual o emprego do arado era

contraproducente em certas terras tropicais e subtropicais. Nas palavras de Sérgio

Page 111: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

110

Buarque (2003, p.69), "muitos colonos, dos mais progressistas, tiveram de pagar caro

por semelhante experiência", pois, conforme um depoimento da época, ao se revolver o

solo profundamente com o arado, subiam à superfície corpúsculos minerais que

impediam o crescimento das plantas.

Entretanto, reconhecida a causa do insucesso, segundo Sérgio Buarque, muitos

passaram a praticar uma aradura de superfície, com bons resultados, em outros

continentes – como na África Central, onde uma grande fábrica de tecidos de Leipzig

promoveu plantações de algodão a partir de métodos modernos, por exemplo. Inclusive

nas missões jesuíticas do Paraguai a lavoura de arado seria comum. As ferramentas

trazidas pelos espanhóis, porém, lavravam a pouca profundidade, e a experiência teve

êxito. No entanto, "à América portuguesa mal chegaram esses e outros progressos

técnicos". E a lavoura, segundo Sérgio Buarque (2003, p.70), "continuou a fazer-se nas

florestas e à custa delas".

O impacto ambiental desse processo foi, sem dúvida, muito grande. Por outro

lado, a chamada "caboclização" nada mais era do que o prelúdio de um processo mais

amplo de adaptação ao mundo tropical. É importante ressaltar que o suposto

"retrocesso" parece ter sido uma opção consciente do imigrante, em prol de sua própria

sobrevivência – num tempo em que preocupações de ordem ecológica ainda se

limitavam a círculos restritos (Pádua, 2002). Um exemplo disso é a explicação dada

pelo mercenário alemão Joseph Hörmeyer (1986[1854], p.46). Segundo ele, aquela era

certamente “uma maneira curiosa de agricultura”:

“... e cada economista condená-lá-á, mas além de ser um testemunho favorável para o solo do país pelo êxito de semeaduras feitas dessa maneira, é desejável para o recém-chegado colono a grande economia de tempo, visto que tem, ainda, de construir sua casa e executar outros trabalhos de igual necessidade, e a colheita também não falha dessa maneira”. (grifo meu)

Repare que Hörmeyer também não se deu conta, na época, das conseqüências

ambientais desse processo. Tudo indica que os colonos igualmente desconheciam os

problemas que poderiam decorrer do uso contínuo dessa técnica – afora isso, é

importante lembrar que eles viram a fronteira verde, desde o início, como uma

imensidão inesgotável de terras férteis e supostamente livres.

Page 112: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

111

Conforme Hörmeyer (1986[1854], p.51-52), os instrumentos agrícolas eram “tão

simples quanto o próprio processo”, já que “um machado, uma enxada e uma foice”

bastavam para o começo. Além disso, o adubo era produzido “deixando-se crescer,

despreocupadamente, numa roça já colhida, o inço e a brotação nova”. Na época certa,

essa vegetação era roçada com “uma foice” e deixada “ao sol para secar”. Depois, era

queimada e funcionava como adubo para o solo. Para Hörmeyer, “diante dessa maneira

de preparar a terra, apenas se pode atribuir ao magnífico clima, bem como à fertilidade

inesgotável do solo o fato de que possam ser colhidos duas até três vezes por ano, por

exemplo, milho, feijão e batata, numa e na mesma roça” (grifo meu).

A inesgotabilidade do solo era uma certeza. As características da fronteira verde

condicionaram o tipo de sistema produtivo adotado na floresta subtropical, tanto quando

a forma de organização social das colônias. Segundo ressaltou o imigrante Josef Umann

(1997, p.69) ao final do século 19, "como sabíamos que não podíamos esperar nenhuma

ajuda do Governo, ou de quem quer que fosse, não nos restava senão executar nós

mesmos o trabalho árduo e não habituado". Tais condições incluíram a adoção das

técnicas indígenas e caboclas por parte dos pioneiros, inclusive com certa resistência,

como vimos anteriormente. Diante do solo acidentado, coberto de raízes grossas e

profundas, quando não de rochas, o modo mais fácil e eficaz de preparação da terra era,

sim, a derrubada, seguida das queimadas. Quando semearam em meio às cinzas e

perceberam o vigor com que germinavam as plantas, muitos colonos de fato se

convenceram de que esse era o método mais adequado ao ambiente ao qual estavam

inseridos. Como a cada plantio as plantas vinham mais fortes, especialmente nos

primeiros anos, entenderam que não havia mal nas queimadas – somente em 1890, no

caso das colônias alemãs, é que começaram a aparecer com mais virulência os primeiros

sinais de esgotamento.

Alguns colonos, segundo Umann (1997, p.62), chegaram a empregar “os mesmos

métodos usados na pátria, o que lhes dava prejuízo e os fazia perder tempo precioso”.

Mas a raiz de todo o problema, para o funcionário público José Joaquim Rodrigues

Lopes (1867, p.3), autor de um relatório sobre São Leopoldo, residia no fato de que

muitos dos imigrantes estabelecidos naquela colônia eram operários, e não agricultores.

Assim, “completamente ignaros dos preceitos de tão nobre profissão, se entregarão com

ardor à rotina dos agricultores indígenas”, fazendo uso da coivara sem questionar as

conseqüências desse método.

Page 113: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

112

Por sua adoção em massa, as queimadas foram percebidas e registradas por vários

viajantes que circularam pelas colônias alemãs. Em alguns relatos, como o do médico

Robert Avé-Lallemant, datado de 1858, o tema é recorrente. E é significativo notar que,

em nenhum dos casos analisados, esses viajantes europeus criticaram os colonos por um

possível "retrocesso cultural" em terras sul-rio-grandenses. Pelo contrário. Em seus

relatos, teceram elogios intermináveis aos imigrantes, considerados verdadeiros heróis

civilizadores, motores do progresso. A idéia de retrocesso seria imputada aos imigrantes

somente mais tarde por historiadores e geógrafos, principalmente no decorrer do século

20, muitas vezes de forma anacrônica.

Ao passar por Rio Pardinho, no interior da Colônia de Santa Cruz, Avé-Lallemant

(1980[1858], p.175) registrou ter visto, "em toda parte, troncos de árvores meio

carbonizados e cinzentos", que considerou "restos do voraz incêndio da mata na floresta

semi-tostada". Para o forasteiro, as queimadas haviam se tornado parte integrante da

paisagem local: ao passo que imperava, "para todos os lados, um oceano de matas",

segundo ele (1980[1858], p.172), "só a fumaça, que sobe lentamente de alguns pontos,

anuncia que audazes agricultores já se estabeleceram no vale solitário, que do caos da

natureza selvagem brotará uma cultura policiada!".

A luta contra o "caos da natureza selvagem", para usar as palavras do próprio Avé-

Lallemant, também foi admirada, em São Leopoldo, pelo viajante alemão Oscar

Canstatt (2002[1871], p.420-421). Para o estrangeiro, as queimadas eram uma prova da

superioridade humana frente à floresta e mereciam elogios:

"Tive ocasião de apreciar um belo espetáculo, numa das noites seguintes, quando, exatamente defronte de minha janela, puseram fogo a um roçado na encosta, isto é, a um trecho de floresta destinado à plantação, que tinha sido derrubado e havia semanas vinha secando e estavam queimando para ser lavrado e semeado. O valor da custosa madeira não tinha importância no caso, porque não havia caminho, nem meios, para tira-la da floresta. Nas grandes estiagens acontece, muitas vezes, que desse sistema de tornar cultiváveis grandes extensões de terra resulta os incêndios se propagarem e tornarem-se perigosos para as habitações mais próximas. Geralmente o colono assiste tranqüilamente à queima do roçado, porque o fogo não se comunica facilmente à madeira dura e aos maciços de plantas próximas, muito ricas de seiva. Também costumam, anualmente, na época de maior estiagem, pôr fogo aos potreiros ou cercados para gado, para fazer, por esse modo, crescer o pasto."

Page 114: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

113

Esse tipo de relação com a floresta repetiu-se em todas as colônias, de forma

padronizada, sendo adotado sucessivamente pelas levas que iam povoando os limites da

fronteira verde. Só começaria a se modificar com a inserção de técnicas diferenciadas

ao longo do século 20, quando os próprios colonos, principalmente os descendentes dos

pioneiros, finalmente se dariam conta de que a persistência desse método acabava por

tornar a terra imprestável. Antes disso, porém, no núcleo alemão de Santo Ângelo, por

exemplo, o médico Avé-Lallemant (1980[1858], p199) percebeu que as formas de

preparo da terra eram "exatamente como em Santa Cruz". Segundo ele, "o machado e o

fogo são os instrumentos de desbravamento e brotam das cinzas, excelentemente, o

milho, o feijão, a batata".

Nem por isso, contudo, a coivara passou incólume ao olhar desse viajante, que

chegou a tecer uma breve crítica ao uso desse método – não exatamente por questões

ecológicas ou por considerá-la um retrocesso, mas por questões estritamente

econômicas. "Bela madeira!", exaltou ele em seu diário (Avé-Lallemant, 1980[1858],

p.181-182), para complementar em seguida, com pesar: "O que aqui a civilização fazia

era uma fantástica e lamentável obra de incendiário". Críticas desse tipo, porém, foram

raras. Para o viajante francês Arsène Isabelle (1983[1835], p.73), os colonos tinham "a

obrigação de derrubar os matos". E deviam ser respeitados por isso.

Como concluiu Frederick Jackson Turner (1893) em relação aos pioneiros norte-

americanos (caçadores, cowboys, trappers, comerciantes e fazendeiros, entre outros

personagens), houve inicialmente uma apropriação de certas características nativas por

parte dos colonos. Isso não impediu, entretanto, que no futuro esses agricultores

voltassem a utilizar o arado e passassem a cultivar sementes tipicamente européias – o

que de fato acabaria ocorrendo no caso sulino, embora ainda hoje, em algumas

localidades mais isoladas, a técnica da queimada continue em uso. Como detalhou o

viajante Carl Seidler (1976[1835], p.111), com o passar dos anos, foi "introduzido o

arado, que dantes não se conhecia no Brasil, e assim atualmente a terra é cultivada à

européia".

Por outro lado, como vimos anteriormente, muitas das características apropriadas

dos nativos tiveram continuidade entre os descendentes dos colonos, como o uso de

certos alimentos (pinhão, mandioca, abóbora, milho, etc.) e de bebidas (o chimarrão, por

exemplo). Seria um erro afirmar que esses grupos tenham se "rebaixado" a um "nível

cultural inferior" ou "primitivo", como sentenciou Waibel, em uma conclusão simplista.

É evidente que esses colonos, em seu dia a dia, viveram um processo de hibridismo

Page 115: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

114

cultural e de adaptação ao mundo tropical – o que seria a "Kuchen de abacaxi”, se não o

exemplo mais concreto dessa transformação?

Essas mudanças culturais, como já destacou Correa (2005), foram igualmente

percebidas pelo olhar de estranhamento dos viajantes europeus. Em seu diário, Avé-

Lallemant (1980[1858], p.133) fez questão de alertar seu leitor da importância desses

pormenores:

“Decerto ao leitor de uma descrição de viagem no Brasil parecerão supérfluos esses pequenos detalhes, que julga poder encontrar em todas as aldeias alemãs. Todavia, são o tom fundamental, traços distintos do quadro colonial sul-americano.” (grifo meu)

Ao passar por Santa Maria, no centro da Província, Avé-Lallemant (1980[1858],

p.214) notou que "o dialeto do Palatinado se fala aqui nas ruas, como língua do país, e,

como lá, se ouve em toda parte". No entanto, segundo ele, "no 'palatinatismo' se

intromete a originalidade da vida sul-rio-grandense" (grifo meu). Em outra ocasião,

visitando uma casa "perfeitamente alemã", o mesmo viajante surpreendeu-se ao notar

um "traço de gaucharia" em um dos filhos de seu hospedeiro: "O rapazote", conforme

Avé-Lallemant (1980[1858], p.191), "era dos pés à cabeça um gaúcho, um centauro!".

Apesar disso, continuava se comunicando em alemão.

A manutenção desse hábito, mesmo em face de todas as alterações que se

processavam, também chamou atenção do alemão Friedrich Von Weech (1982[1828],

p.186). Vale ressaltar que, ainda hoje, no interior de municípios como São Leopoldo e

Santa Cruz do Sul, famílias inteiras continuam se comunicando na língua materna dos

antepassados. Mesmo esta, no entanto, também sofreu modificações.

Dinâmica, a linguagem acompanhou as transformações pelas quais passaram os

descendentes dos primeiros imigrantes. Novas palavras e expressões foram, aos poucos,

incorporadas ao idioma original. E é curioso atentar para o fato de que, como destaca

Arthur Rambo (2004, p.37), algumas das expressões em voga na nova terra incluíram os

nomes de árvores nativas. Exemplos disso são as frases "incorruptível como o cerne da

cabriúva" e "sólido como a canafístula", que, em alemão, se tornaram comuns entre os

colonos.

A marcha rumo à fronteira verde e o contato com o novo ecossistema impuseram

uma série de escolhas aos colonos, que se repetiram nas demais colônias e devem ser

analisadas a partir de um processo de alteridade. Como escreveu Avé-Lallemant

Page 116: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

115

(1980[1858], p.134), “do caos da mata aniquilada, brotava vida nova” – com todas as

implicações ambientais decorrentes disso. Weech também percebeu a mudança em

curso. Segundo ele (1982[1828], p.186), "uma nova geração, que só conhece a Europa

de nome, que está habituada aos usos, costumes e modo de vida do país [...] toma o

lugar da antiga geração". Mas isso não era visto de forma negativa. Como afirma Ave-

Lallemant (1980[1858], p.185),

"a segunda geração nascida em clima feliz, geração mais genial, diria eu, de homens jovens, vivos, independentes, de moças esbeltas, cheias de vida, conscientes de si mesmas, como os vi em São Leopoldo. Lá se tornaram mais nobres e melhores do que seus pais, desalentados, na pátria, com o fardo do trabalho infrutífero e dos preconceitos. Livres no solo livre dos pais. E isso também se manifesta no seu proceder, no porte, no movimento, no vestuário; tudo que fazem expressa decisão, segurança e certa flexibilidade que de algum modo já se poderia chamar educação, mesmo sem nenhuma verdadeira cultura escolar."

Além disso, essa nova geração híbrida carregava um ímpeto migratório – aspecto

também apontado por Turner em sua análise sobre a conquista do Oeste nos Estados

Unidos. Foram principalmente os filhos e netos dos antigos colonos que ganharam a

fronteira verde e chegaram mais longe. Se de fato se pode dizer que no caso norte-

americano foi entre esses conquistadores que nasceu o verdadeiro “espírito

democrático” (Turner, 1893), no caso sul-rio-grandense há uma versão semelhante. Sem

mencionar a frontier thesis, René Gertz (2003, p.122) afirma que "os que migram são os

mais dinâmicos, os que têm espírito de iniciativa para tentar um futuro melhor".

Analisando o comportamento político das populações das regiões de colonização alemã

do Estado, Gertz (2003, p.122) concluiu que "nas 'colônias antigas', em contrapartida,

permanecem os mais acomodados, os mais conservadores".

Para Avé-Lallemant, tudo apontava para isso. "Parece-me", registrou ele em 1858

(1980, p.121), "que os nossos bons compatriotas nesta natureza sul-americana livre,

onde estão expostos a lutas peculiares contra obstáculos naturais, desenvolvem ainda

mais determinação em resolver e em agir". Ainda segundo o viajante, esses alemães

passavam a se sentir livres, "porque aprenderam a ser livres". Quando crianças, "os

filhos montam a cavalo e percorrem destemidamente a planície". Aos olhos de Avé-

Lallemant (1980[1858], p.122),

Page 117: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

116

"sentem-se bem dispostos e livres e por isso são corajosos e muito ativos, quando os encontramos em caminho. E este elemento de uma grande determinação e energia desenvolve-se também nas moças, desde a sua tenra juventude. Montam sem esforço, elas próprias selam o cavalo e não precisam esperar por um irmão ou por um cavalariço para viajar a cavalo. Aprendem a não fazer distinção humilhante entre a filha do camponês e a moça da sociedade. Isto trazem escrito na fisionomia, na atitude esbelta e firme do corpo, nos ativos olhos azuis."

Em suas observações, Avé-Lallemant se deu conta de que as meninas também

andavam a cavalo descalças, com apenas um dos dedos apoiados no estribo, "à

verdadeira moda rio-grandense". Segundo ele (1980[1858], p.124), essas moças

"nascidas na mata" estavam "intimamente familiarizadas com a natureza". Tudo isso, de

um modo geral, encantava esses viajantes, especialmente os de origem alemã, quando se

punham a registrar suas impressões – na maioria das vezes positivas e eurocêntricas ao

extremo – sobre os jovens nascidos em solo americano e sobre as transformações que

impuseram ao meio ambiente.

Fruto de uma de regressão a padrões “primitivos” ou não, o fato é que a vida na

fronteira verde implicou o surgimento de novos hábitos e, aparentemente, de uma nova

gente. Seria impossível simplesmente repetir em solo americano o mesmo modo de vida

que esses homens e mulheres tinham em sua terra natal. Em termos ambientais, ao que

tudo indica, esse processo teve uma profusão de efeitos não premeditados pelos

promotores e organizadores do empreendimento colonizador. Nem por eles, nem pelos

colonos.

Page 118: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

117

3. O RIO GRANDE DAS MATAS E A COLONIZAÇÃO ITALIANA:

O AVANÇO RUMO À SERRA

Cinco décadas após o início da colonização alemã no Rio Grande do Sul, que

nesse período já se difundira pelos vales dos rios Jacuí, Caí, Sinos e Taquari, uma nova

onda de imigração canalizou para a região serrana da Província milhares de novas

famílias, vindas principalmente do Norte da Itália. Coube a elas o desafio de escalar a

Serra e ocupar as áreas de mato esculpidas sobre escarpas rochosas a mais de 700

metros de altitude – o trecho mais acidentado da fronteira verde, preterido pelas elites

latifundiárias regionais, tanto quanto pelos colonos alemães.

No coração da floresta subtropical, delineada no alto pelas copas de majestosas

araucárias, mais de 70 mil italianos tiveram de aprender, tanto quanto os predecessores

germânicos, a lidar com o ecossistema regional para sobreviver. O êxito foi tamanho

que, no fim do século 19, esse contingente já se espalhava por uma área de mais de 370

mil hectares, que envolvia sete colônias, e continuava a se expandir sem trégua.

Desde o início, os imigrantes enfrentaram uma série de desafios até chegar aos

seus lotes, a começar pela escalada abrupta da Serra – tema da primeira parte deste

capítulo. Foi na dura subida por caminhos íngremes, abertos a facão no meio da mata

cerrada, que os recém-chegados travaram os primeiros contatos com a floresta e

contemplaram, estupefatos, toda a sua biodiversidade – onde “mesmo ao meio dia reina

[...] apenas uma luz enfraquecida, porque entre a densa ramagem quase nunca se

enxerga uma réstia de céu azul”, como registrou em 1893 o naturalista sueco Carl

Lindmann (apud Maestri, 1999, p.203).

Superados os obstáculos iniciais, os imigrantes eram conduzidos até seus lotes,

onde deveriam começar vida nova – seguindo os passos, mais uma vez, dos colonos de

origem alemã, a partir das mesmas orientações de inspetores e diretores coloniais.

Exilados nas montanhas, esses homens e mulheres-fronteira parecem ter experimentado

Page 119: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

118

com maior intensidade sentimentos de abandono e de isolamento, expressos à exaustão

em cartas e diários. Embora ilusórias e até exageradas aos olhos do observador atual,

como demonstra a segunda parte deste capítulo, tais sensações se traduziram em ações

concretas, transcendendo o plano simbólico e produzindo alterações profundas no meio

ambiente.

Em dez anos, as modificações na paisagem eram visíveis. Nos altos da Serra,

como nas colônias que se proliferaram pelos vales, os métodos de preparo e cultivo do

solo, no início, seguiram o mesmo padrão. Também ali, como o leitor verá na terceira

parte deste capítulo, imperou o “desmatamento civilizador” já imposto pelos alemães

em seu embate com a floresta, em uma versão muito semelhante. Na Serra, a predileção

pela “técnica do fósforo”, como definiu o historiador Olívio Manfroi (1975), igualmente

transformou milhares de hectares de matas em cinzas. Mas nem todos os padrões se

repetiram.

Ao contrário dos colonos alemães, que investiram em uma produção diversificada

e, dessa forma, conquistaram os principais mercados regionais e nacionais e

descobriram o caminho para o desenvolvimento econômico, os italianos buscaram na

especialização produtiva o seu diferencial – que em pouco tempo se tornou visível

também na paisagem colonial.

De um lado, tendo as araucárias como a principal matéria-prima, os imigrantes

apostaram na exploração madeireira dessas árvores com características únicas, feitas de

troncos retilíneos e madeira nobre, que deram aos futuros municípios da região a fama

de fabricantes de “móveis coloniais”. De outro, aproveitando o clima propício, muito

semelhante ao clima do setentrião italiano, importaram mudas e sementes dos mais

variados tipos de uvas e difundiram os parreirais pela Serra, que acabaram por tornar a

região igualmente conhecida pela produção de vinho. Tanto a indústria madeireira

quanto a vitivinicultura, como mostram a quarta e a quinta parte desta análise,

transformaram para sempre o ecossistema regional.

Por fim, no fechamento do presente capítulo, a análise segue rumo à última zona

florestal da Província. No fim do século 19, os italianos e principalmente seus

descendentes decidiram cruzar o Rio das Antas e liderar uma corrida por novas terras, a

Noroeste do Rio Grande do Sul, no limite da fronteira verde – para onde também

convergiram os descendentes de alemães e imigrantes de outras etnias. Uma marcha que

prosseguiu e de certa forma se renovou com destino a outras paragens e, até hoje, não

teve fim.

Page 120: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

119

3.1. A escalada da Serra

“Do alto daquela serra, em certos pontos, descortinava-se um panorama

maravilhoso. A floresta virgem que se perdia à vista d’olhos, os vales de um verde-escuro, sucedendo-se como as ondas do mar, e as vastas extensões de pinheirais seculares (araucárias) que, ao longe, enfeitavam o horizonte com suas copas, quais sombrinhas gigantescas, e, acima de nossa cabeça um céu

límpido e azul e um sol majestoso, que se refletia na selva áspera e forte, que, infelizmente, em menos de quarenta anos, ia ser devastada e abatida

pelo braço forte do colono italiano.”

Imigrante Giulio Lorenzoni

Embevecido com a floresta que se descortinava aos seus pés, o colono italiano

Giulio Lorenzoni imortalizou em seu diário – escrito no início do século 20 e publicado

em 1975 – uma lembrança que diz muito da especificidade ecológica da colonização

européia na Serra gaúcha. Foi em finais de 1883, ao lado da esposa, do filho, dos sogros

e do cunhado, que Lorenzoni adentrou a fronteira verde em seu trecho mais acidentado,

vencendo as dificuldades impostas por um terreno íngreme, coberto de mata nativa e em

grande parte ainda desconhecido das autoridades brasileiras. Serpenteando árvores

gigantescas, ele foi um dos muitos colonos que transpuseram a Serra Geral em nome de

um sonho: tornar-se proprietário de terras.

Durante muitos anos, principalmente por suas dificuldades de acesso, a região da

Encosta Superior do Nordeste rio-grandense esteve em segundo plano nos projetos de

colonização. Como descreveu Olívio Manfroi (1975, p.69-70), “a densidade da floresta

subtropical, os profundos vales e a falta de estradas tornavam a região hostil e de difícil

exploração”. Em 1875, as melhores terras da Província já estavam ocupadas pela

população luso-brasileira e por colonos de origem alemã em sua maioria. Inicialmente,

os empreendimentos coloniais abrangeram regiões mais próximas de Porto Alegre e, em

geral, mais acessíveis aos recém-chegados.

Entre os imigrantes alemães, a maioria, no fim do século 19, já havia ocupado a

planície dos vales – principalmente do Caí e do Rio dos Sinos –, chegando, quando

Page 121: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

120

muito, aos primeiros contrafortes da Serra (a cerca de 300 metros de altitude).

Rapidamente, a colonização alemã se difundiu ao longo dos rios navegáveis da região,

mas evitou a escalada abrupta da Encosta pelos perigos que representava.

Nessa região, porém, restava ainda uma considerável área de terras “devolutas”,

cuja exploração, apesar das dificuldades, interessava ao governo provincial. A área,

segundo Azevedo (1982, p.48), ficava entre as pradarias do Nordeste – território das

vacarias – e a borda do paredão da Serra Geral, ao Sul. Em meados do século 19, era

cortada por antigas estradas de tropeiros, estreitas e mal conservadas, tomadas pelo

mato. Essa região – tida como selvagem, improdutiva e deserta pelo governo – tornou-

se alvo efetivo de um projeto de colonização somente quando os vales já se

encontravam ocupados, 50 anos após a chegada dos primeiros imigrantes alemães.

Em 1870, um trecho inicial de 32 léguas quadradas (correspondente a cerca de 115

mil hectares), localizado exatamente naquele ponto da Serra, foi cedido pelo governo

imperial ao governo provincial para que introduzisse anualmente de 2 mil a 6 mil

colonos. Por dificuldades administrativas, a Província acabou devolvendo a área

praticamente intacta ao governo central, que deu continuidade ao projeto e, a partir de

1875, iniciou o povoamento intensivo da região. Data desse período o surgimento dos

núcleos de Conde d'Eu, Dona Isabel e Caxias – esta última, inicialmente denominada

Campo dos Bugres, em referência à ocupação indígena original.

Durante uma visita a essas colônias, em 1883, o cônsul italiano Enrico Perrod

(1883, p.15) contou ter sido informado de que, antes da chegada dos imigrantes

italianos, “alguns colonos alemães arriscaram-se a ir desmatar aquelas selvas, mas todos

eles acabaram retrocedendo” devido às dificuldades que encontraram pelo caminho. Ali,

a fronteira verde assumia a forma de uma barreira natural quase intransponível (veja os

mapas a seguir).

Para o agente consular italiano Luigi Petrocchi (1906, p.10), havia um sentido

bastante claro na iniciativa do governo de criar as colônias italianas na Serra. Segundo

Petrocchi (1906, p.10), o Estado planejava encaminhar a nova corrente migratória para

aqueles “montes abruptos e impraticáveis” com o estrito objetivo de “não manter

isoladas as colônias alemãs”. A intenção, porém, não levava em consideração, segundo

ele, “os acidentes ou a qualidade do terreno”, que Petrocchi considerava “em grande

parte rochoso” e, por conta disso, pouco visado.

Page 122: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

121

Mapa 4: Relevo do Rio Grande do Sul

A área circulada indica a região onde teve início a colonização italiana no RS.

Fonte: Atlas Socioeconômico do RS. Porto Alegre: SCP, 2002, 2ªed.

Page 123: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

122

Mapa 5: Diagrama morfológico do Nordeste do RS

O relevo da Encosta do Nordeste do RS, que teve de ser escalada pelos imigrantes italianos. Fonte:

FALCADE, I. (Org.) 1999. Vale dos Vinhedos: Caracterização geográfica da região. Caxias, Educs.

A recusa dos alemães e teuto-brasileiros em explorar aquelas florestas, para Nilo

Bernardes (1997, p.75), tinha uma explicação relativamente simples: segundo ele, os

imigrantes de origem germânica não gostavam de “terra de pinheiro” e por isso teriam

preferido os torrões escondidos sob as matas latifoliadas das planícies. Entretanto, é

evidente que os alemães e seus descendentes, assim como os colonos de outras etnias,

viam na encosta um obstáculo concreto e, por esse motivo, não tinham interesse

naquelas terras – pelo menos inicialmente, quando ainda não havia infraestrutura

adequada.

Page 124: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

123

Imagem 9 – Paisagem serrana

Vista de uma queda d'água entre duas paredes de rocha na zona colonial italiana na Serra gaúcha, entre 1875 e 1900. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami

Page 125: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

124

Alguns chegaram a avançar até a beirada da Serra. Outros, como apontou

Bernardes (1997, p.75), infiltraram-se pelos grandes vales até os patamares onde

começavam a ocorrer as araucárias. Dali para cima, as terras mais acidentadas acabaram

sendo ocupadas essencialmente pelos italianos – embora imigrantes de outras

procedências, como franceses e poloneses, também tenham se dirigido à região, porém

em muito menor escala. Reféns de uma crise aguda que se aprofundava a cada dia14,

foram principalmente os habitantes do norte da Itália que engrossaram as fileiras da

imigração e, sem muitas alternativas, aceitaram as terras que lhes foram apresentadas.

Poucos, entretanto, sabiam o que realmente lhes aguardava.

Naquela região, as frentes pioneiras tiveram de aprender a lidar com

características ambientais distintas daquelas com as quais se depararam alemães e teuto-

brasileiros. Desde cedo, os italianos perceberam que tais características – como o

escarpamento abrupto e a existência de entalhes profundos nos vales fluviais, a exemplo

da imagem anterior e da próxima, do fim do século 19 – tornavam a conquista da

fronteira verde naquele trecho um verdadeiro desafio. De certa forma, desde o início da

colonização, as condições físicas e naturais condicionaram o uso do território (Etges,

2001, p.352). Nesse caso ainda mais, principalmente para qualquer um que não fosse

nativo ou conhecedor daquelas áreas – como Caingangues e luso-brasileiros que viviam

de atividades extrativistas na floresta ou de tropear o gado.

Para atingir os altos da Serra, segundo Thales de Azevedo (1982, p.47), era

preciso “vencer uma escarpa de dificultosa conquista”, que representava uma escalada

de 700 a mil metros de altitude, num tempo em que sequer existiam estradas

apropriadas na região, que também não podia ser alcançada de trem. Conforme o Atlas

Socioeconômico do Rio Grande do Sul (2002, p.11), as terras mais altas do Planalto no

Nordeste gaúcho alcançam exatos 1.398 metros de altura – efetivamente o pico da

fronteira verde.

14 A crise que acabou por desencadear uma emigração em massa na Itália estava relacionada, em grande parte, à unificação italiana, a partir de 1870. Para mais informações, ver De Boni e Costa (1984, p.49-61), Manfroi (1975, p.94-96) e Azevedo (1982, p.63-73).

Page 126: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

125

Imagem 10 – Morro desmatado

Morro parcialmente desmatado, à margem de um rio na região colonial italiana, na Serra gaúcha, entre 1875 e 1900. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami

Pouco a pouco, porém, o governo imperial deu início às medições de terras na

região e conduziu imigrantes às nascentes colônias italianas, que seguiriam o mesmo

esquema já aplicado com sucesso nas colônias alemãs – baseado na abertura de linhas

ou picadas nas proximidades de cursos d’água e na distribuição de pequenos lotes na

mata serrada. O fluxo migratório intensificou-se principalmente a partir dos anos de

1876 e 1877, com a vinda de três a quatro mil pessoas por ano à Província, e foi ainda

maior em 1891, quando chegaram cerca de 9 mil imigrantes. Nos primeiros 33 anos de

colonização, registros indicam que a soma total de italianos vindos ao Estado

ultrapassou os 70 mil (Azevedo, 1982, p.110). No fim do século 19, toda essa gente

acabou se espalhando por uma área de mais de 370 mil hectares, que já envolvia sete

colônias.

Page 127: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

126

No começo, como destacou Manfroi (1975, p.113), o percurso rumo à terra

prometida em nada se comparava a “um simples caminhar pela mata”, mas a uma

marcha em meio a “vales e precipícios”. Em três dias, segundo ele, passava-se de 10 a

800 metros de altitude. Foi nesse percurso repleto de incertezas que os colonos travaram

as primeiras relações com o ecossistema regional. O trecho mais difícil do itinerário,

segundo relatos da época, correspondia aos quilômetros finais do percurso, feitos em

uma estradinha íngreme e quase intransitável, na maioria das vezes a pé. Segundo Mário

Maestri (2000, p.59),

“o vale do Caí era o principal caminho ligando a Encosta Superior à Depressão Central. Por ele transitavam tradicionalmente os tropeiros que viajavam de Vacaria a Montenegro. Alguns imigrantes estabeleciam-se nas cidades. A grande maioria partia de Porto Alegre para a Serra, embarcada em pequenos vapores, que navegavam pelo Caí por umas sete horas. Os colonos que desembarcavam em São João de Montenegro, na margem esquerda do Caí, e alojavam-se em velha casa antes de se dirigirem, através de uma picada, às colônias de Conde D’Eu e Dona Isabel.”

No início, segundo Maestri (2000, p.59), a estreita e íngreme picada aberta na

mata era vencida em um período de três a oito dias. Contando com 66 quilômetros até

região colonial serrana, esse caminho encravado no meio da floresta – espécie de

corredor de acesso à “fronteira verde” – era um verdadeiro tormento para os imigrantes.

As primeiras levas, conforme Ernesto Pellanda (1956, p.139), fizeram a ascensão a pé,

carregando a bagagem e a prole nas costas. A estrada lamacenta e inclinada era

percorrida lentamente pelos colonos, tão desorientados quanto assustados, surpresos

com a imensidão verde que os circundava. Tratava-se, segundo Azevedo (1982, p.142),

de “maus caminhos, abertos a facão e foice, imperfeitamente destocados, com um leito

útil de 3 metros sobre uma faixa derrubada de 16 metros de largura”, onde nem carretas

conseguiam passar. Para que conseguissem chegar ao seu destino, as caravanas de

forasteiros eram orientadas por guias ou vaqueanos. Nos primeiros anos, o principal

desses guias foi o português Antônio José Ribeiro Mendes, que, segundo Azevedo, se

fizera exímio conhecedor da região ainda pouco desbravada e pouco conhecida por

integrantes do governo provincial.

Os longos dias de caminhada Serra acima, aliados à má alimentação, à falta de

abrigo e de roupas adequadas, deixavam muitos colonos doentes. Aqueles que morriam

durante a subida da Serra, de acordo com Maestri (2000, p.59), eram enterrados ali

mesmo, à beira da estrada, no meio do mato. Os que sobreviviam não raro chegavam

Page 128: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

127

enfermos e famintos ao seu destino. De acordo com o relatório escrito em dezembro de

1905 pelo agente consular italiano Luigi Petrocchi (1906, p.10), “muitos imigrantes

italianos, principalmente os mais jovens, morreram sem a menor assistência, logo ao

chegar, devido à penúria e às fadigas da viagem”.

Inúmeros relatos do fim do século 19 são indícios das dificuldades desses

primeiros contatos com a terra prometida. Em 1874, o agrimensor alemão Maximiliano

Beschoren empreendeu uma viagem com destino ao Alto Uruguai, no extremo Norte da

Província, com o objetivo de realizar levantamentos topográficos para o governo central

na região – onde, na virada do século 19 para o 20, surgiriam as chamadas “colônias

novas”. Em seu diário, escrito entre 1875 e 1887 e publicado em 1989, ele relata sua

“passagem pela Serra”. Embora Beschoren não tenha chegado a passar especificamente

pela região colonial italiana, ele cruzou o Planalto e, para atingir seu destino, também

teve de vencer a Encosta.

A aventura teve início quando Beschoren (1989[1887], p.18) deixou a colônia

alemã de Santa Cruz e, tomando um desvio na mata, penetrou "o caminho da Serra".

Até chegar ao sopé da Encosta, que ele chamou de "montanha principal", não se

registraram maiores dificuldades. A partir dali, no entanto, o alemão destacou que a

subida tornava-se "constante". Era tão acentuada, segundo seu relato, que o grupo com o

qual viajava era obrigado a apear dos cavalos e jumentos a toda hora para aliviar os

animais. Em seu diário, Beschoren (1989[1887], p.18) conta que, para piorar a situação,

um temporal irrompeu com fúria sobre os viajantes, tornando a subida ainda mais

difícil:

“Foi uma caminhada horrível! A estrada estreita, quatro passos de largura, arrastava-se em pequenas curvas abruptamente para o alto. Pedras soltas e grandes blocos de rochedos dificultavam a passada. Tudo pesava sobre mim: o poncho e as pesadas esporas. Como se não bastasse, a teimosia do burro, que eu levava pela rédea, de jeito nenhum queria me seguir pelo pedregulho [...] De tempo em tempo, descansávamos para reunir a gente e a tropa. Depois de cinco quartos de hora, chegamos ao ‘Cimo da Serra’, mortos de cansados.”

Ao longo do caminho, segundo ele (Beschoren, 1989[1887], p.19), “os cargueiros

chocavam-se nas árvores com a volumosa bagagem e enroscavam-se nos cipós

pendentes”. Também “os cavaleiros se desviavam dos espinhos, das trepadeiras e dos

juncos caídos no chão pelo temporal”. Quietos, os integrantes do grupo cavalgavam um

Page 129: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

128

atrás do outro. O silêncio era interrompido apenas “pelo praguejar de quem era agredido

por galhos espinhentos, por taquaras que batiam no rosto e pelo murmúrio da chuva”.

Histórias semelhantes pululam os relatos de colonos. Uma velha imigrante contou

que “a certa altura do caminho”, quando, ainda pequena, seguia com os familiares para

a região colonial italiana, seu cabelo – então “comprido e crespo” – ficou preso em

“espinilhos” (apud De Boni e Costa, 1984, p.104). Ela relatou que “os adultos iam a pé”

e que ela e um irmão pequeno foram “colocados em dois cestos”, acomodados sobre o

lombo de um animal. Na travessia, como no caso de Beschoren, um inesperado

temporal desabou sobre os imigrantes. Cansados e doentes, eles eram obrigados a

caminhar no lodo e, não raro, se machucavam ao pisar em plantas que jamais haviam

visto ou ao ser picados por insetos que lhes eram completamente estranhos.

Relatos como esses são reforçados pelo relatório do agente consular italiano Luigi

Petrocchi (1906, p.10). Segundo o registro, realizado durante uma de suas visitas à

região, “não havia estradas, mas somente alguns caminhos estreitos traçados através de

vales e despenhadeiros da floresta, onde não batia o sol, cheios de poças d’água e

estrepes, onde a cada passo deixava-se um pedaço de roupa”. Para muitos, porém, o que

mais assustava não eram necessariamente as más condições desses caminhos, mas as

características ambientais da região. Um imigrante polonês chamado Jan

Wietrzykowski, que em 1891 passava pela Colônia de Caxias com destino à Colônia de

São Marcos, registrou que “estaria tudo bem se não houvesse montanhas tão altas que

chegam a furar as nuvens”.

Mais de dez anos depois das primeiras levas terem vencido o paredão, outros

registros indicam que pouca coisa havia mudado no que se refere à escalada. Conforme

Ernesto Pellanda (1956, p.139), somente anos mais tarde os colonos puderam contar

com o transporte de carroça. A informação é corroborada pelo relatório do engenheiro e

ajudante da Inspetoria Geral das Terras e Colonização, Manoel Maria de Carvalho, que,

em 1886, escreveu sobre a situação da Colônia de Caxias para o governo central.

Segundo ele, os colonos continuavam “a ser transportados muito poucas vezes em

carretas e algumas em animais, quase sempre xucros, de maneira que a maior parte faz a

pé essas longas travessias”. Carvalho afirmou ainda que os imigrantes não recebiam

“abrigo nem alimentação durante os dias em que assim viajam”.

As más impressões foram compartilhadas por funcionários do serviço diplomático

italiano. Em 1883, o cônsul Enrico Perrod decidiu deixar Porto Alegre para conhecer de

perto as colônias italianas na Serra gaúcha. A aventura morro acima foi registrada por

Page 130: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

129

ele e também se perpetuou no diário escrito no fim do século 19 pelo colono Giulio

Lorenzoni (1975, p.142-143).

Em seu relatório, Perrod (1883) destacou que “a estrada, através de florestas e

mata ainda virgem, é horrenda, e tão ruim que na Itália apenas cabras a percorreriam,

com banhados a cada passo e sem pontes”. Nas palavras de Lorenzoni, que havia

percorrido o mesmo trajeto alguns meses antes, o cônsul teve de vencer "estradas

primitivas”, que naquela época serviam de passagem “a tropas de gado e a seus

corajosos tropeiros, práticos em atravessar a cerrada floresta". Ainda de acordo com o

colono (1975, p.142), "o ilustre viajante por várias vezes teve a infelicidade de ser

jogado da sela [...], não deixando de maldizer, por milhares de vezes, a América com

seus bosques seculares".

Mesmo Lorenzoni, que já conhecia as florestas subtropicais por ter vivido na

colônia italiana de Silveira Martins antes de migrar para os Altos da Serra, sentiu

dificuldades na escalada. Acompanhado da família, ele se mudou para a colônia Dona

Isabel em 1883 – seis anos depois de ter chegado à Província com os pais. Sobre a

subida da Encosta, contou ter seguido por “uma estrada ainda em construção” – a

mesma percorrida por Perrod e tantos outros. Para amenizar as dificuldades, usou parte

de suas economias para contratar um carreteiro, mas, mesmo assim, passou trabalho.

Em seu diário, Lorenzoni (1975, p.109) relatou ter trilhado “um terreno arenoso,

onde a carreta, embora puxada por cinco boas mulas, tinha dificuldade em avançar e

pouca carga podia agüentar”. Por conta disso, parte da família teve de fazer a travessia a

pé, o que, segundo o colono, foi “um martírio”:

“Resolvemos fazer uma pequena parada e, após, continuamos a nossa marcha, subindo o morro, por uma estrada em construção, se estrada podia se chamar o que não é possível descrever. Nossa carreta enterrava suas rodas na terra remexida recentemente e os animais caminhavam com tanto esforço, que era necessário fazer pequenas paradas, quase a cada cem metros. A primeira subida, que teria talvez três quilômetros, levamos mais de duas horas para realizá-la.”

Após encontrar um grupo de colonos que trabalhava na estrada, Lorenzoni (1975,

p.111) e a família decidiram passar a noite em uma cabana vazia, encontrada na mata,

na localidade de Linha Bonita. No dia seguinte, retomaram a viagem. Para desânimo da

família, “a estrada continuava pesada, subindo sempre, com terreno ora barrento, ora

pedregoso, de modo que a viagem tornava-se intediosa e insuportável”. Ao final, os

Page 131: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

130

colonos eram instalados em barracões, exatamente como no modelo já testado com os

colonos alemães, onde aguardavam a indicação de seus lotes e curavam suas feridas.

Realizada a duras penas, a subida da Serra, para esses imigrantes, representou

apenas o começo de uma grande jornada ao desconhecido. Como concluiu a geógrafa

Ivanira Falcade (et all, 1999, p.35), a colonização italiana foi implantada nas bordas e

praticamente no topo de um dos patamares mais elevados do extenso Planalto das

Araucárias, região de relevo bastante recortado, que integra a Serra Geral, formada por

uma sucessão de derrames de rochas efusivas.

Foi ao longo da escalada desse paredão que os italianos e seus descendentes

começaram a perceber o que de fato os aguardava na terra prometida. Lá de cima, do

alto da Encosta, como um dia descreveu o colono Giulio Lorenzoni (1975, p.111),

observaram estupefatos a massa de vegetação "que se perdia à vista d'olhos" e que em

algumas décadas estaria transformada por mãos até então alheias ao facão. A escalada

da Serra foi o primeiro passo dessa nova frente povoadora que se abriu na “fronteira

verde”. Fronteira que, no topo daquelas colinas, apresentou características únicas, que

originaram diferentes formas de apropriação da natureza, porém tão predatórias como

aquelas desenvolvidas na zona de colonização alemã.

Page 132: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

131

3.2. A sensação de isolamento nas montanhas

As características ambientais singulares, aliadas à experiência de vida dos

imigrantes e a um conjunto de novas medidas governamentais relacionadas ao projeto

colonizador, também contribuíram para disseminar entre os colonos, já desorientados e

aturdidos pela escalada, os sentimentos de abandono e de isolamento nas montanhas.

Embora provavelmente ilusórias e até exageradas aos olhos do observador atual, essas

sensações se traduziram em ações concretas, transcendendo o plano simbólico e

produzindo alterações no meio ambiente.

Instalados no coração da Serra gaúcha, esses homens e mulheres-fronteira foram

protagonistas de uma revolução. Em 1875, a Serra ainda era considerada por muitos

"um muro verde e abrupto" (Manfroi, 1975, p.70), um verdadeiro obstáculo separando a

Capital da região Norte da Província e atravancando o progresso do Rio Grande do Sul.

Além do desafio de vencer a Encosta, por si só traumático, os imigrantes italianos

tiveram de lidar com situações pelas quais os colonos que ocuparam as planícies não

passaram – a começar por algumas mudanças na configuração do projeto colonizador,

que foram pequenas, mas se refletiram diretamente no modo como os novos imigrantes

se relacionaram com a terra prometida.

Essas modificações ocorreram, em parte, devido ao receio de setores da elite

provincial de que, dando continuidade ao empreendimento colonizador, o governo

poderia fomentar a formação de novos “enquistamentos étnicos” no território rio-

grandense (Manfroi, 1975, p.70). A força política e econômica alcançada por muitos

alemães e teuto-brasileiros na Província foi suficiente para que os legisladores vissem

com desconfiança a formação de novas colônias, o que gerou discussões acaloradas na

Assembléia Legislativa15.

15 Para mais informações acerca do imaginário brasileiro sobre os alemães no Rio Grande do Sul, veja O perigo alemão, de René Gertz (1991).

Page 133: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

132

Para resolver o impasse, o governo adotou medidas como intercalar as colônias

recém-fundadas e terras particulares pertencentes a brasileiros. Assim, pretendia não

apenas acelerar o processo de adaptação dos estrangeiros à vida nacional como evitar a

homogeneidade étnica. A medida, porém, teve efeitos inesperados e acabou por reforçar

a sensação de desamparo vivenciada pelos recém-chegados. Como as terras

pertencentes a brasileiros em sua maioria permaneciam abandonadas pelos proprietários

e ainda cobertas de matas, os colonos sentiram-se entregues à própria sorte nos altos da

Serra – o que acabou por reforçar os laços de solidariedade e endogamia entre eles,

assim como a autossuficiência das colônias. Além disso, ao contrário do que haviam

planejado os legisladores, a abertura de estradas para ligar a Capital ao Norte da

Província ficou prejudicada pela presença dessas propriedades.

Ainda na tentativa de evitar a formação de novos conglomerados étnicos na

Província, os organizadores da colonização procuraram distribuir imigrantes de

diferentes regiões nesses novos núcleos – embora a maioria fosse de origem italiana.

Como no caso anterior, a proposta acabou desvirtuada de sua função inicial. Segundo

Ranieri Pesciolini Venerosi (1904, p.125), os colonos "sentiram a necessidade de se

reunir por etnias, o que permitia a solidariedade e a ajuda recíproca". Mesmo que o

Estado tentasse evitar a aproximação dos grupos étnicos iguais, a distribuição inicial dos

lotes acabou modificada por iniciativa dos próprios imigrantes – o que, para Manfroi

(1975, p.125), foi uma reação espontânea aos sentimentos de isolamento e de abandono

de que se ressentiram os colonos.

Essa reação também veio acompanhada de críticas ao tratamento recebido por

parte do governo, principalmente a partir de 1879, quando foram suspensos os auxílios

até então prestados em favor dos imigrantes. Como a maior parte dos colonos chegou à

Serra depois dessa data, a medida pôs em risco a sobrevivência de muitos deles.

Conforme Manoel Maria de Carvalho (1886), a transição para esse novo modelo, em

que a presença do Estado se tornava ainda mais longínqua, "foi tão radical que [...] por

mais laborioso e ativo que seja, o imigrante perde muito tempo e desanima, quase

sempre, diante das dificuldades e privações". A única forma de auxílio que ainda

persistiu foi o trabalho remunerado na abertura de estradas e caminhos coloniais em

locais de difícil acesso. Quando nem essa atividade, retratada na imagem a seguir, era

possível, a fome e a revolta se instalavam entre a população, como ocorreu em Conde

D'Eu e Dona Isabel em 1879 (Manfroi, 1975, p.117).

Page 134: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

133

Imagem 11 – Abertura de estrada na mata

Grupo de colonos trabalhando na abertura de estrada na Colônia de Caxias, entre 1875 e 1900.

Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul

As dificuldades enfrentadas pela frente pioneira nos altos da Serra não tardaram a

chegar ao conhecimento dos imigrantes de origem alemã – inclusive porque muitos

deles atuavam como comerciantes no sopé da Serra e interagiram com os recém-

chegados. Nos jornais que circulavam nas colônias germânicas, segundo Dietrich

Delhaes-Guenther (1973), os colonos alemães e seus descendentes ressaltavam que não

teriam aceitado aqueles "montes cobertos de selva". No início da ocupação italiana, um

agente de colonização de Montenegro teria tentado, inclusive, convencer famílias

alemãs a migrarem para Conde D'Eu. Apesar das investidas, os colonos se recusavam,

alegando que a região era distante, inóspita e perigosa.

Uma edição do jornal Deutsche Zeitung de 1878, que circulava nas colônias

alemãs, informava que, "dos 10 mil colonos italianos na Serra, apenas 1/5 se sustentava

com o próprio trabalho" e que "os demais (8 mil) não dispunham nem de dinheiro, nem

Page 135: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

134

de crédito, nem de campos cultivados e nem mesmo podiam contar com os pagamentos

do governo, que chegavam sempre com atraso" (apud Delhaes-Guenther, 1973). O

periódico destacava que reinava "a pobreza em Caxias, Conde D'Eu e Dona Isabel" e

que "desde muito tempo" não havia "mais no mato nenhuma palmeira comestível, nem

frutos, nem animais selvagens, porque já foram todos mortos por caçadores

esfaimados". Ainda de acordo com o jornal, "as pessoas chegaram ao ponto de cortar as

hastes do pé de milho para fazer uma sopa". Tratava-se de "famílias numerosas" e,

segundo o jornal, as crianças eram as que mais sofriam com a "miséria".

Salvo eventuais exageros, inclusive porque havia entre os alemães a tendência de

exaltar o sucesso de sua experiência em comparação às novas colônias, esses problemas

também apareceram nos registros dos próprios colonos italianos. Ao escrever sobre os

primeiros anos da colônia Dona Isabel, o imigrante Giulio Lorenzoni (1975[1883],

p.131) contou que, por “mais de vinte dias”, os colonos foram “obrigados a se alimentar

de pinhões, que iam recolher no bosque ao pé dos pinheiros". Em um relato do

imigrante Pedro Tommasi, que foi um dos primeiros a chegar a Caxias e teve sua

história registrada por D. José Barea (in Fortini, 1950, p.26-28), o pioneiro também

contava que "se não fossem os pinhões", não sabia como teriam sobrevivido, já que não

puderam contar com praticamente nenhum tipo de auxílio e se viram sozinhos na

floresta.

Ainda segundo esse colono (Fortini, 1950, p.26-28), quando finalmente

conseguiram colher a primeira safra na nova terra, constataram que “ela era disputada

por muitos pretendentes, entre os quais macacos, papagaios e outros animais e aves que

em grande número investiam contra as plantações”. Armados com espingardas, os

italianos matavam muitos desses “concorrentes”. Não foram poucos, segundo o mesmo

colono ouvido dom José Barea, que encheram suas panelas, proporcionando “um caldo

e uma carne mais que saborosa”. Quanto aos porcos, relatou o pioneiro, “não nos

contentava afastá-los por meio de tiros de espingardas, disparadas ao cair da noite, nos

lugares das plantações onde desejávamos apanhá-los”. Eles abriam buracos, cobriam

com folhagens e, quando os animais passavam, capturavam um a um, “havendo assim

muita facilidade”. Em tempos de carência alimentar, os bichos eram devorados.

A situação foi registrada também por inspetores e agentes colonizadores. Em

ofício de 18 de setembro de 1875, o diretor colonial João Jacintho Ferreira alertava ao

delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização que os colonos de Conde d’Eu

encontravam-se totalmente “isolados no meio do sertão”, sendo eles “os primeiros

Page 136: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

135

povoadores” daquelas florestas – note-se que ele ignorava totalmente a presença da

população cabocla e indígena na região, com quem os imigrantes tiveram contato.

Preocupado com a sobrevivência dos pioneiros, Ferreira ressaltava que, se lhes faltasse

“a mão protectora do governo”, os danos poderiam ser irreparáveis.

As dificuldades foram igualmente detalhadas nos registros deixados por jesuítas

alemães sobre os princípios da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Segundo o

padre jesuíta Ambrósio Schupp, em um texto publicado originalmente em 1889 na

revista alemã Alte und Neue Welt e reeditado em 1978 (Rabuske, p.26-27), "de início os

filhos da 'Irredenta' aqui tiveram que passar bastante mal". Schupp conta que "foram

constantes as notícias relativas à penúria e miséria, que imperavam no Campo dos

Bugres", a Colônia de Caxias. As dificuldades, conforme o padre, teriam resultado

inclusive em "revoltas e assassinatos", o que chegou a suscitar "o temor de que

houvesse dessa parte colonial perigos sérios para a Província inteira".

Embora a sensação de isolamento e de desamparo pareça ter sido mais aguda entre

os italianos, sua reação diante da floresta não foi muito diferente daquela experimentada

pelos alemães e teuto-brasileiros. De um lado, a mata representava grande possibilidade

de riqueza e de fartura, principalmente por conta dos pinheirais, como veremos a seguir;

de outro, era motivo de medo e desconforto. Era o paraíso e o inferno ao mesmo tempo.

Nesse caso, porém, o temor não se originava apenas da presença da mata em si mesma,

mas da localização da região e de suas características ambientais singulares.

Fora o que já havia sido desbastado pelos colonos, o que restava era considerado

“uma densa floresta, que impõe terror”, segundo registrou, em 1883, o cônsul Enrico

Perrod. Ou, nas palavras do imigrante italiano Emmanuele Santini (apud Campos Neto,

1939, p.13), uma “mata virgem com uma infinda série de animais selvagens, casas de

paus rachados em forma de tábuas, verdadeiras choças no silêncio das selvas,

isolamento, deserto de florestas impenetráveis".

Nos primeiros tempos na mata, conforme o relato do colono Pedro Tommasi (in

Fortini, 1950, p.26-28), "de dia se trabalhava com muito medo dos índios [...] e, de

noite, alguém montava guarda" na tentativa de garantir segurança na fronteira verde.

Grandes fogueiras, segundo Lorenzoni (1975[1883], p.130-131) "eram acesas dia e

noite [...], queimando árvores, galhos secos, ervas, etc." para "conservar afastadas as

feras que infelizmente se movimentavam por perto, ameaçando atacar, de um modo

especial à noite". Para o padre capuchinho Bernardin D'Apremont (1914, p.14), o

Page 137: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

136

colono precisava "de muita coragem no início", quando se via sozinho naquelas

florestas.

Os relatos sobre os sentimentos de abandono e de solidão no pico da fronteira

verde foram recorrentes e permaneceram vivos na memória dos descendentes dos

pioneiros. Entretanto, para estudiosos como Mário Maestri (1999, p.205), o isolamento

registrado pelos imigrantes não correspondeu efetivamente à realidade. Segundo

Maestri, na mesma época em que eles se queixavam do abandono nas montanhas, os

estancieiros e peões da Campanha, da Fronteira e de outras regiões da Província

encontravam-se demográfica e socialmente muito mais isolados do que os colonos em

suas glebas, mas, nem por isso, sentiam-se “abandonados”.

O sentimento de isolamento das famílias de imigrantes, conforme Maestri (1999,

p.205), deveu-se, em parte, à dimensão de seus lotes (de 25 hectares em média), que era

grande se comparada às parcelas agrícolas italianas, e à distância entre eles. Tratava-se,

portanto, de um isolamento relativo. Ainda conforme Maestri, “fora casos singulares, os

imigrantes jamais desbravaram, isolados, as matas gaúchas”. Desde o início, o sistema

de ocupação da Encosta Superior da Serra, segundo ele (1999, p.204), baseou-se no

“sistema de glebas coloniais contínuas”, no qual os colonos inseriam-se em uma rede

administrativa e comercial bastante atuante e complexa, em que um ajudava o outro.

Disposto a desmistificar a idéia de que os colonos viviam exilados nas montanhas,

Maestri (1999, p.204) ressaltou que eles se encontravam a “apenas algumas horas de

caminhada” das sedes coloniais. E, sobretudo, “encontravam-se próximos aos vizinhos,

que desbravavam igualmente seus lotes, a apenas algumas centenas de metros”, sendo

que também interagiam com colonos alemães que trabalhavam com comércio, com

tropeiros e com criadores de gado que habitavam os campos de Vacaria16.

Esses contatos, mesmo esporádicos, aos poucos também levaram a mudanças no

jeito de falar e no modo de vida dos italianos. Nos primeiros anos na Serra, como

destacaram De Boni e Costa (1984, p.83), os colonos continuaram a usar normalmente a

língua de origem. O português, porém, infiltrou-se nas colônias. Essa mudança,

aparentemente mais lenta do que o processo de tropicalização desencadeado nas áreas

de ocupação germânica, geograficamente mais próximas aos centros luso-brasileiros e,

16 Para mais informações sobre essa relação com os pecuaristas dos campos de cima da Serra, ver GIRON, Loraine Slomp (Org.). 2001. Colonos e Fazendeiros: Imigrantes italianos nos campos de Vacaria. Porto Alegre, EST.

Page 138: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

137

portanto, mais acessíveis às interações, teve início a partir de alterações sutis nos

dialetos falados pelos italianos.

Aos poucos, os diferentes dialetos fundiram-se e surgiu uma língua geral, que os

lingüistas passaram a chamar de “koiné”. Segundo De Boni e Costa (1984, p.83), “em

seu dinamismo, tal língua tomou inúmeras palavras do português, pois havia toda uma

nova realidade, para qual os dialetos italianos não tinham palavras específicas”. Assim,

a tropicalização começou a aparecer na linguagem, com a adoção de termos como

sorasco (churrasco), bombassa (bombacha), poéra (capoeira).

Muitas palavras portuguesas também passaram a ser preferidas em comparação

com suas correspondentes dialetais, originando, como concluíram De Boné e Costa,

“uma língua nova, muito semelhante aos dialetos vênetos falados na Itália, mas

diferente de qualquer um deles”. Essas diferenças, também observadas no caso das

colônias alemãs, indicam que os núcleos serranos, mesmo supostamente mais isolados,

jamais se constituíram em “Neo-Europas” (Crosby, 1989) – tanto quanto as

predecessoras germânicas.

Se a língua e os costumes adotados na nova terra ainda contrastavam com o modo

luso-brasileiro de vida, aos olhos de agentes consulares e governamentais italianos a

realidade encontrada no Rio Grande do Sul era completamente nova. Isto é, mesmo que

os colonos reclamassem do abandono nas montanhas, já apareciam os primeiros

esboços de uma nova forma de ser brasileiro ou europeu, dependendo do ponto de vista,

como destacaram De Boni e Costa (1984, p.84).

Muitos queriam simplesmente esquecer a vida na Itália, onde passaram maus

bocados, e viver a nova condição de proprietários de terras. Uma das explicações,

segundo De Boni e Costa (1984, p.85), para que desprezassem o passado e acelerassem

o processo de adaptação à nova vida seria justamente o fascínio pela posse da terra. E a

vontade de garantir a consolidação desse novo status contribuiu para que o processo de

tropicalização se concretizasse, relativizando a propalada sensação de insulamento nas

montanhas.

Certo dia, o agente de imigração Vittorio Bucelli (1906) caminhava em Bento

Gonçalves na companhia de dois colonos italianos, que lhe falavam sobre a vida no Sul

do Brasil. Um deles, segundo Bucelli, “recordava o triste período da guerra civil, e o

fazia com uma linguagem quase incompreensível, uma mistura esquisita de português e

de italiano”. Além disso, o agente relatou que “muitos italianos tornaram-se criadores de

animais bovinos e eqüinos, e tomaram ares de verdadeiros gaúchos, dignos de

Page 139: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

138

admiração pela desenvoltura e garbo com que cavalgam” – como havia acontecido com

os alemães.

Em Bento Gonçalves, Bucelli (1906) chegou a acompanhar uma “corrida de

cavalos”, junto de “mais de 50 pessoas”. A tal corrida seria disputada por dois gaúchos,

“que montavam lindos animais nacionais, sem arreio algum”. A disputa foi “rápida,

breve e emocionante ao extremo”, com cavalos e cavaleiros formando “um só corpo” e

renovando “a ilusão e a lenda dos centauros”. Ao mesmo tempo em que registrava

detalhes que considerava típicos de gaúchos, Bucelli afirmou que “parecia estar revendo

as festas campestres no interior da Sicília”, devido à mistura de costumes.

No dia seguinte, “uma comitiva de cerca de 20 pessoas” partiu da colônia para a

“estância do feliz vencedor, acompanhada por uma das pequenas bandas de música que

existem em Bento Gonçalves, e que se colocou em movimento ao compasso da marcha

da Aída”. Lá, saborearam todos um delicioso churrasco.

Além de apreciar a carne assada no espeto à moda rio-grandense, os italianos,

segundo o relato de 1893 do agente consular Eduardo dos Condes C. de Brichanteau

(1893), “jamais deixaram de festejar [...] o 20 de setembro17, que no Rio Grande do Sul

possui uma dupla importância, recordando ao mesmo tempo as datas da tomada de

Roma e da República Rio-Grandense”.

Com base em depoimentos como esse e nos avanços recentes da historiografia

regional, entre eles as críticas tecidas por Mário Maestri, não restam dúvidas de que os

imigrantes italianos não viviam em uma “ilha deserta”. Apesar da precariedade das

estradas, eles estabeleceram relações com pessoas que não eram de origem italiana e

mantiveram contatos mais ou menos freqüentes com essas populações. Se não fosse

assim, não seria possível perceber todas as alterações pelas quais passaram em seus

primeiros anos na floresta.

No entanto, também não há dúvidas de que os primeiros imigrantes estabelecidos

na Serra de fato se sentiram isolados e abandonados – como indicam as impressões

registradas em suas cartas e diários. Tais sentimentos transcenderam o plano simbólico,

refletindo-se no plano ambiental, e, exatamente por isso, não podem ser menosprezados.

Em primeiro lugar, as florestas subtropicais eram absolutamente desconhecidas na

Itália setentrional – como o eram para os predecessores alemães. Provenientes do 17 O dia 20 de setembro é considerado a “data máxima” para os gaúchos, quando se comemoram as “proezas” da Revolução Farroupilha. Foi o dia em que as tropas lideradas por Bento Gonçalves marcharam para Porto Alegre e tomaram a capital gaúcha, dando início à guerra, que teve como ápice a proclamação da república rio-grandense.

Page 140: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

139

mundo rural em sua maioria, os imigrantes passaram a viver uma situação

completamente nova nos altos da Serra, carregada de tensão e de angústia. Como

apontou o próprio Maestri (1999, p.203), esses homens e mulheres habitavam

comunidades aldeãs com grande concentração demográfica, e as florestas brasileiras

assombravam seu imaginário desde o momento que decidiam partir.

Quando iniciaram a escalada da Serra e foram instalados na floresta a mais de 700

metros de altitude, em meio a despenhadeiros e vales profundos, os imigrantes não

poderiam nutrir outro sentimento que não aquele. A sensação de isolamento surgia em

contraposição às lembranças que traziam da terra natal – o que levava a maioria a

considerar grande a distância de 250/500 metros entre as casas construídas em plena

mata.

Instalados inicialmente na borda da Serra, em um lugar diferente de tudo que já

haviam visto, esses imigrantes também não tinham o conhecimento geográfico de que

dispomos hoje e é possível que sequer conhecessem a real distância até os núcleos

urbanos mais próximos, o que intensificava a sensação de desorientação naquele trecho

da fronteira verde. O sentimento de abandono e de desamparo aumentava ainda mais

quando os estrangeiros percebiam que não havia médicos à sua disposição, que o

auxílio prestado pelos funcionários do governo era relapso ou inexistente, que as

estradas não passavam de estreitos caminhos abertos a facão no meio de uma vegetação

aparentemente interminável e ameaçadora. Para completar, a relação com os índios era

pouco amistosa e havia desconfiança em relação aos caboclos.

Para eles, mesmo que ilusória ou relativa, a sensação de isolamento e de abandono

era um reflexo de sua realidade no momento, que de forma alguma pode ser comparada

à realidade então vivenciada pelos pecuaristas da Campanha gaúcha, resultante de um

processo histórico totalmente diverso. No caso dos italianos, o que realmente importa é

que o predomínio desses sentimentos – fossem eles frutos da realidade ou da mais pura

fantasia – ganharam forma em atitudes concretas. Ou as derrubadas desenfreadas que se

processaram naquelas montanhas não teriam sido também um resultado desse “estado

de espírito”? À medida que a vegetação era abatida e queimada, as distâncias

diminuíam. Desmatando, os colonos venciam o isolamento ao seu redor, ficavam mais

próximos e visíveis, afastavam as “feras” que tanto os amedrontavam e, mais do que

qualquer outra coisa, tornavam a nova terra familiar.

Page 141: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

140

3.3. A irresistível predileção pela “técnica do fósforo”

Se os sentimentos de isolamento e de abandono foram possivelmente mais agudos

entre os italianos, as técnicas de preparo da terra e de plantio usadas nos altos da Serra

pouco diferiram dos métodos inicialmente empregados pelos alemães. Na zona ocupada

pelos colonos oriundos da Península Itálica, a ação antrópica sobre o meio ambiente foi

tão predatória como nas demais colônias e também resultou na constituição de uma

nova paisagem ecológica. Além disso, o processo de “enxamagem” (Roche, 1969),

caracterizado pela busca interminável por novas terras, continuou ocorrendo nos

patamares mais elevados da fronteira verde, apesar de todas as dificuldades.

Para Thales de Azevedo (1975, p.104-105), “o surgimento de novas colônias e a

presença de números significativos de italianos fora da área inicial de fixação resultou

de um processo já verificado com os alemães”. O mesmo ecological push observado

nas colônias germânicas repetiu-se com a enxamagem italiana à medida que, como

notaram De Boni e Costa (1979, p.99), “o sistema de cultivo, imitando nisto a

colonização alemã [...], era da derrubada e queimada da mata”.

Ao passo que Roche (1969, p.296) acentuou a irresistível predileção dos colonos

alemães pelo ferro e fogo enquanto técnica de domínio da natureza, no caso italiano, a

terra desmatada foi igualmente “esgotada pela técnica do fósforo” (Manfroi, 1987,

p.179), deixando de ser almejada pelos filhos do pioneiro. Segundo Manfroi, foi assim

que “a rotação de terras no lote colonial tornou-se, pela ação dos imigrantes italianos e

de seus descendentes, uma rotação de colônias nos territórios ainda desertos [sic] do

Rio Grande do Sul, do Oeste catarinense e paranaense”.

Para os colonos, a primeira preocupação era tomar posse do lote, tal como entre

os alemães. Não se tratava de derrubar as árvores para comercializá-las, mas sim para

sobreviver. Esses primeiros passos na nova terra foram narrados em detalhes pelo

imigrante Lorenzoni em 1883. Cabia ao "chefe da família", segundo ele (1975[1883],

p.64), iniciar o trabalho no lote ainda coberto de mato, auxiliado pelos filhos homens, se

Page 142: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

141

os tinha. "Armado de facão e machado", levando consigo "uma pequena e magra

provisão de alimentos e uma coberta para defender-se do frio", o colono caminhava até

sua propriedade e "procurava, abatendo a vegetação que fechava e sombreava tudo,

abrir uma clareira", onde "tratava de armar uma cabana com paus a pique".

No dia seguinte, de acordo com Lorenzoni (1975, p.65), "todas as pessoas aptas ao

trabalho davam início ao desbravamento, uns com machados, outros com foices, facões

e outros instrumentos, cortando as árvores inúteis e plantas rasteiras, macegas, ervas

daninhas". Só sobrava em pé "o que servisse para sombra e as árvores com mais de dez

centímetros de diâmetro". Tudo isso, segundo Lorenzoni, "era feito no espaço de um

hectare, mais ou menos, e, depois, os homens começavam a derrubada de árvores

maiores", sendo que algumas delas "requeriam o trabalho de um dia ou mais para serem

abatidas". O apoio do governo, ao longo desse processo, era praticamente nulo. Da

maneira que podiam, os colonos davam cabo da floresta e procuravam ajudar uns aos

outros nesse processo, fechando-se em si mesmos.

Como nos relatos de alemães e teuto-brasileiros, Lorenzoni fez referência, em seu

diário, aos perigos que representavam as derrubadas, que de fato feriram e tiraram a

vida de muitos estrangeiros despreparados. Essas tragédias também apareceram em

cartas enviadas pelos imigrantes para os diretores coloniais, como fizeram os italianos

Maria Bellini e Nosari Laccaria, em 1878. Manuscritas, as correspondências estão

guardadas no Arquivo Histórico de Caxias do Sul, e retratam a face mais perigosa do

avanço na floresta.

Ao escrever para o diretor da colônia de Caxias pedindo ajuda, Maria (1878)

contou que o colono Pietro Fiorelli, morador da 8ª légua e do prazo colonial número 28,

sofreu “a desgraça de quebrar-se uma perna, na occasião que estaba trabalhando no seu

lote”, no dia 10 de julho de 1877. Para piorar, “por não haber tido os necessários

socorros [...] ficou com a perna defectuosa e anda sempre doente, por conseguinte

inabilitado ao trabalho”. Já um amigo de Laccaria (1878) informava que ele

“desgraçadamente tem-se ferido gravemente no braço direito que desde então ficou

impotente a qualquer trabalho pesado”. Por conta disso, a família se achava “no apogeo

da miséria”.

Outros dois casos foram citados, em ofício de 4 de outubro de 1875, dirigido pelo

diretor da colônia de Conde D’Eu, João Jacintho Ferreira (1875), ao delegado da

Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura Palmeira.

Conforme Ferreira, o colono “Daniel Pasch, um dos melhores trabalhadores da Colônia,

Page 143: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

142

[...] deixou cahir sobre um joelho no dia 28 do mês passado um grande pau, produzindo

uma enorme ferida e o deslocamento do osso do joelho”. Problema semelhante

enfrentou o colono Jeurdan Jaques, que, “fazendo a derrubada de sua colônia, recebeu a

queda d’um pau que lhe quebrou duas costelas”.

Embora perigosas, as derrubadas também animavam os colonos, que venciam a

sensação de isolamento, garantiam sua sobrevivência e impunham seu domínio por

meio delas. Em seu relato, Giulio Lorenzoni (1975[1883], p.65) lembrou que "o

estrondo que a queda daqueles gigantes da floresta fazia ao cair era enorme, mais ainda

pelo ecoar nos vales que havia ao redor". O barulho dilacerante "repetia-se nos dias

seguintes dezenas e dezenas de vezes, proveniente de todos os lotes ocupados naquela

periferia". Os estrondos soavam como música para os ouvidos dos colonos e eram

generalizados.

Feita a derrubada, segundo relatou Lorenzoni (1975[1883], p.67), "o trecho de

mato já limpo estava pronto para a queima". O que se seguia era uma cópia das técnicas

já aplicadas na zona colonial alemã, que também se difundiram na Serra por meio das

orientações de diretores e inspetores coloniais. Em uma "hora determinada do dia [...],

quase sempre uma ou duas horas depois do almoço, era ateado fogo em diversos pontos,

sempre do lado em que o vento favorecia". Cerca de duas horas depois, "tudo ficava

destruído, só restando os grossos troncos à espera de secarem de todo, talvez no ano

seguinte, e que poderiam ir desaparecendo". Em sua estadia na colônia italiana de

Silveira Martins, Lorenzoni (1975, p.58) chegou a se surpreender com os incêndios

florestais provocados pelos colonos:

"Prendendo fogo em diversos lugares, em poucos minutos as chamas chegavam a alturas colossais e, dentro de duas horas, tudo ficou destruído, só sendo conservados os grossos troncos, ao lado dos cepos fumegantes, por vários dias. Fiquei deveras estupefato por ver abatidas aquelas enormes árvores."

Aos poucos, as queimadas e derrubadas passaram a fazer parte da rotina das

famílias, que no início, como os alemães, sentiram dificuldades para semear as

primeiras plantações sobre as cinzas da floresta carbonizada. Segundo o relatório do

cônsul italiano Petrocchi (1906), "semeava-se ao acaso, sem saber se se obteria alguma

colheita". Segundo ele, o maior problema era que "os colonos não conheciam o clima e

as estações locais", que eram "diferentes e opostas às da Itália". Além disso, não havia

Page 144: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

143

entre eles, "como fazem hoje quase todos, alguém que pudesse julgar com uma olhada

se um local da floresta virgem era fértil, e se convinha talvez desmatá-lo".

Em seu diário, Lorenzoni (1975[1883], p.67-68) descreveu em detalhes o método

de cultivo aprendido e aplicado na nova terra:

"E como poderia plantar o seu terreno, ainda cheio de ramos, raízes, etc., que não haviam sido queimados totalmente? Foi fácil, isto é, adotando o costume da terra. Armado, o plantador, de um grosso pau, praticava, no terreno, buracos da largura de uns quatro centímetros, com uns cinco de profundidade, longe um metro mais ou menos um do outro, depositando uns três ou quatro grãos de milho em cada um, nada mais que isto, e, com o pé, ia cobrindo-o de terra, e assim percorria todo o espaço livre, na superfície queimada, até o fim. E por que o grão vinha plantado daquela maneira e não com a enxada? A resposta é muito fácil. Em primeiro lugar, porque assim era mais expedito e, em segundo lugar, para evitar que os passarinhos, esgravatando, descobrissem os grãos e os comessem."

Mais tarde se veria, como aconteceu na zona de colonização alemã, que a adoção

do "costume da terra" acabaria trazendo conseqüências desastrosas ao meio ambiente.

No caso específico da colonização italiana, sobretudo no início, como ressalta Maestri

(2000, p.70), as técnicas eram bastante rústicas – ou “caboclizadas”, como diria Leo

Waibel. A aparente inesgotabilidade da terra e a qualidade do solo, assim como a

escassez relativa de braços para trabalhar na lavoura, contribuíram para que os

imigrantes imitassem mais uma vez a coivara indígena – da mesma forma como ocorreu

nas colônias alemãs. Para Maestri (2000, p.70), como para Waibel, "a agricultura

colonial involuiu em relação aos métodos e técnicas italianos".

Para observadores da época, ao contrário, o papel dos italianos ao levar o

“progresso” à Serra merecia o mais eloqüentes elogios. Inclusive nos jornais que

circulavam no período. Em 1883, por exemplo, o jornalista e deputado de origem alemã

Carl von Kosertiz (apud Azevedo, 1975, p.137) publicou um artigo na Gazeta de Porto

Alegre, fazendo uma verdadeira ode ao trabalho realizado pelos italianos:

“Fomos daqueles que receberam a imigração italiana com um certo grau de desconfiança. O que ali se criou entretanto, no espaço de seis anos, parece-nos um sonho das Mil-e-Uma-Noites. Manda a justiça confessar que a colonização norte-italiana é excelente, que progride com extraordinária rapidez, que é altamente inteligente e industrial, afazendo-se com facilidade às condições de nossa vida sul-americana. Quem atravessa as 3 grandes colônias italianas do Estado, como nós atravessamos, e vê as numerosas roças que foram abertas no mato virgem, as parreiras, sem-número e sem-conta, as bem construídas casas de tábuas, os numerosos moinhos, fábricas

Page 145: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

144

de vinho, cerveja e aguardente, fábricas de móveis de madeira e palha, os teares, as oficinas, que existem por toda parte, fica realmente surpreendido por tão extraordinário progresso.”

Todo esse desenvolvimento, que, aliás, contribuiu para fazer de Caxias do Sul,

hoje, uma das cidades com o maior Índice de Desenvolvimento Humano do Estado,

também teve como base o sistema agrícola de rotação de terras, não de culturas, como

era comum no modelo de agricultura europeu. Conforme Vânia Herédia (1997, p.54),

esse sistema de lavoura, chamado "rotação de terras melhorada", prosperou apesar do

gradativo enfraquecimento do solo. O milho, segundo ela, era cultivado

consecutivamente no mesmo terreno por um período de seis a dez anos, sendo que a

terra só "descansava" quando apresentava sintomas visíveis de esgotamento.

Somente com o tempo, segundo Herédia (1997, p.56), os descendentes dos

imigrantes italianos alteraram o sistema de plantio. Entretanto, não havia preocupação

com a natureza, até porque as questões ambientais, como se verificou entre os alemães,

não faziam parte da realidade desses homens e mulheres, para quem, pouco a pouco, a

floresta deixou de ser motivo de medo. Dos sentimentos de solidão e do abandono,

travestidos na obsessão pelo desmatamento, surgiram prósperas e promissoras colônias.

Page 146: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

145

3.4. O domínio da floresta na terra das Araucárias

A inexistência de uma consciência de conservação dos recursos naturais entre os

colonos italianos não se refletiu apenas no sistema de lavoura por eles adotado ou na

técnica das queimadas. Com o passar do tempo, a paisagem colonial serrana foi tomada

pelas serrarias, e a exploração madeireira se tornou mais um elemento importante de

degradação ambiental.

Além de estar situada centenas de metros acima do nível do mar, a região possuía

outra característica ecológica distinta da alemã, que logo cedo despertou a atenção dos

recém-chegados: toda a zona era caracterizada pela presença massiva do pinheiro – a

Araucaria angustifolia, árvore exclusiva do Sul do Brasil, especialmente do Planalto.

Sua presença, segundo o biólogo Balduíno Rambo (1994, p.263), era suficiente para

"determinar a fisionomia geral dos matos" na região.

A estrutura dos pinheirais, conforme Rambo (1994, p.264), era composta

basicamente de duas partes: o andar inferior, com "árvores de meia altura e algumas

mais altas", e o andar superior, repleto de "araucárias". Na parte inferior, estavam as

"árvores baixas, ou antes, arbustos arborescentes e muito ramificados, pertencentes em

grande parte às mirtáceas". No alto, o que se via era o domínio absoluto do pinheiro –

que, para Rambo (1994, p.265), deveria ser chamado "de hóspede estranho na vegetação

rio-grandense", tamanha a sua diferenciação em comparação às outras árvores. Essa

diferença, conforme o biólogo, manifestava-se principalmente pela predominância

absoluta do tronco – que freqüentemente ultrapassava os 30 metros de altura – em

relação aos galhos e à copa, e pela própria linearidade do caule, raras vezes torcido ou

desviado da linha vertical.

Não por menos, milhares dessas "princesas da floresta", como foram denominadas

pelo viajante alemão Robert Avé-Lallemant (1858), caíram a golpes de machado e

acabaram revestindo as casas e munindo as serrarias criadas pelos italianos,

transformando-se em tábuas e móveis. Para os imigrantes, como destacou Corteze (apud

Page 147: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

146

Wentz, 2004, p.28), a mata não era apenas um sinônimo de terra fértil, mas também de

"madeira a ser mercantilizada e aproveitada como matéria-prima". Vale lembrar que as

araucárias não faziam parte da paisagem gaúcha inferior aos 300 metros de altitude.

Como o povoamento luso-brasileiro inicial ocorreu nas regiões baixas e a colonização

alemã não ultrapassou os primeiros contrafortes da Serra Geral, a destruição das

florestas de araucárias começou basicamente na segunda metade do século 19,

justamente com a imigração e a colonização italiana. Atualmente, essas coníferas

correm o risco de extinção.

Logo que botaram os pés em seus lotes e começaram a erguer suas casas, muitos

colonos destacaram a fartura de madeira em suas cartas e diários, como fez o imigrante

italiano Paolo Rossato, cuja produção encontra-se resguardada no Arquivo Histórico de

Caxias do Sul. Em uma correspondência datada de 24 de abril de 1884, Rossato revelou

ao pai, com orgulho, as características que considerava mais promissoras de seu lote,

especialmente a fartura de lenha:

"Caro pai, você deveria ver que bela colônia comprei! Está bem colocada e deve ser boa. E se visse quanta lenha existe nela! Em Valdagno seria rico quem tivesse tanta madeira. Estou ansioso que venham meus irmãos e toda a família. Lá éramos servos e aqui somos senhores."

Dois meses depois, em outra carta destinada aos familiares que ficaram na Itália,

Rossato (1884) pedia que os parentes trouxessem equipamentos adequados – raramente

fornecidos pelo governo – para dar cabo das árvores mais rapidamente: "Você, pai",

pedia ele, "traga todos os instrumentos de carpinteiro, e se puder compre também um

serrote, para fazer tábuas (há disso também por aqui)". Na mesma carta, ele ainda

solicitava que os familiares trouxessem "quatro machados" para auxiliar nas derrubadas.

O assunto continuou aparecendo em novas correspondências. Em 27 de julho de

1884, Rossato insistia: "Não esqueçam de duas serras, daquelas de serrar tábuas [...]

Tragam também todos os instrumentos de carpinteiro e a pedra pequena de afiar". Além

de serrotes, o colono pedia outros "dois machados", em carta de 2 de fevereiro de 1885.

Em 14 de junho daquele mesmo ano, Rossato (1885) mais uma vez ordenava, dessa vez

a um dos irmãos: "Trate, porém, de trazer todos os objetos da família e mais 3 ferros de

plaina, uma plaina grande [...] e a pedra de afiar e aquela pedra do Agno, para afiar as

lâminas da plaina".

Page 148: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

147

Em 1876, o colono Michele Madalozzo, nascido em 1831 em Vicenza, na Itália,

também escreveu ao pai, revelando o espanto em relação à grande quantidade de árvores

que encontrou na Serra. Junto da mulher, Angela Maschio, e de seus quatro filhos, ele

foi um dos primeiros a se instalar na Colônia de Caxias. Em sua carta, encontrada no

Arquivo Histórico de Caxias do Sul, Madalozzo (1876) registrou que "há uma grande

quantia de árvores e são aproximadamente 150 campos, onde podem viver umas 60

famílias".

Outro colono que escreveu sobre a vegetação foi Giulio Lorenzoni. Em um

capítulo de seu diário dedicado especialmente às árvores encontradas nas colônias

italianas, o imigrante (1975[1883], p.79) destacou as "florestas virgens, cheias de

árvores apreciadíssimas para construções" e revelou certo deslumbramento com a

riqueza do ecossistema regional – destacando não apenas a araucária, mas outras

árvores que considerava úteis. Segundo ele:

"Desde os frágeis fetos até a gigantesca araucária, das elegantes palmeiras às mais variadas formas de orquídeas e parasitas, do frágil umbu ao duríssimo pau-de-bugre, desde o ananás até a árvore da China, da cana-de-açúcar até a salsaparrilha, dos arbustos de climas frios aos de climas tropicais, tudo aqui vive e desenvolve galhardamente."

Para Lorenzoni (1975[1883], p.79), "saber decifrar tão estranha confusão nas

vegetações de climas tão diferentes" não era "coisa fácil". Apesar disso, ele reconheceu

o valor econômico dos recursos naturais existentes naquelas terras, ressaltando que "é

tal e tanta a riqueza e a variedade de madeiras nestes montes que, se cada colono nosso

pudesse ter enviado para a Europa as que lhe pertenciam, encontradas em seus lotes,

teria enriquecido". "Infelizmente", continuava ele, "pela necessidade e pressa de cultivar

um pouco de milho e trigo e, às vezes, por verdadeira ignorância, somente o fogo se

encarregava de destruir aquelas florestas seculares, sem proveito para ninguém". O

problema, como se percebe, não era propriamente o impacto ambiental decorrente desse

tipo de ação, mas o fato de não se ter aproveitado suficientemente tais recursos.

Preocupado com o desperdício e a conseqüente extinção de espécies que

compunham a fronteira verde – e também "para lembrar aos nossos filhos e netos

quanta riqueza existia naqueles bosques" –, o colono decidiu listar em seu diário 50

árvores que chegou a conhecer na região colonial italiana. Entre outras espécies,

Lorenzoni (1975[1883], p.80-87) citou plantas como o ipê, que considerava uma

Page 149: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

148

madeira "ótima para construções, porém muito difícil de ser trabalhada", a guajuvira,

"empregada na confecção de móveis de luxo", o angico, "excelente para qualquer

espécie de construção", o louro, que se prestava "bem para confeccionar as tabuinhas de

cobertura das casas", e a canela-sassafrás, que servia "para muitos usos". Para o

pinheiro, dedicou mais espaço. Eis a sua definição da araucária (Lorenzoni, 1975[1883],

p.87):

"Esta é uma árvore majestosa, com folhas ásperas e escamosas. O tronco atinge muitas vezes alturas superiores a trinta metros, com um metro ou mais de diâmetro. As frutas são as pinhas, maiores que a cabeça de um homem e, abrindo-as, encontram-se pinhões, de formato oblongo, cheios e vazios, alternadamente. Comem-se cozidos n'água ou torrados. São uma espécie de castanha. A madeira serve a muitos usos: tábuas, tabuinhas, vigas, coberturas, etc., etc. Cresce em lugares elevados, motivo pelo qual [...] é abundante nas outras Colônias de Caxias, Dona Isabel e Conde D'Eu."

Ao final do texto, Lorenzoni (1975[1883], p.88) voltaria a ressaltar que "os

tesouros que poderiam ter se conseguido com as madeiras indígenas, dificilmente se

calculariam". De fato, antes de conseguir transformar aquelas árvores gigantescas em

tábuas, móveis ou toras para exportação, os colonos tiveram de aprender, tanto quanto

os alemães, a lidar com a floresta e a sobreviver na nova terra.

Além disso, a falta quase total de vias de comunicação na fase inicial da

colonização italiana não permitia que a madeira fosse enviada para os mercados

consumidores. Em função da precariedade do sistema de transportes, as derrubadas não

tinham fins econômicos no começo – exatamente como aconteceu com os alemães.

Toras gigantescas eram abatidas apenas para dar espaço às primeiras lavouras e para

permitir a sobrevivência dos colonos, servindo de matéria-prima para as primeiras

habitações e de combustível para o preparo de alimentos e o aquecimento deles. Não

raro, o excedente apodrecia no solo. Do desmatamento inicial do lote à comercialização

da madeira nele existente passaram-se anos, porque disso dependia o desenvolvimento

de vias de transporte adequadas.

Como ressalta Liliane Wentz (2004, p.29), "o desmatamento feito pelos imigrantes

era imprescindível para a produção agrícola" e foi dessa forma que teve início o

trabalho com a madeira no nordeste do Rio Grande do Sul. No início, a exploração das

toras foi quase que uma conseqüência das lavouras e, quando deixaram de ser

Page 150: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

149

simplesmente queimadas ou abandonadas no solo, elas serviram para uso próprio ou,

quando muito, como moeda de troca nas colônias.

Foi esse o caso, por exemplo, do colono Giovanni Micheli (1881). Em carta

datada de 23 de julho de 1881, encontrada no Arquivo Histórico de Caxias do Sul, ele

escreveu ao diretor da Colônia de Caxias para reclamar da atitude de um outro colono,

chamado Josué Vacaro, que não teria cumprido um trato firmado entre os dois. Na

correspondência, Micheli (1881) afirma ter dado permissão para que o conhecido

cortasse, em seu lote, "115 pinheiros", sendo que Vacaro se comprometia, em

contrapartida, a fornecer-lhe "67 metros de taboas" em um prazo de dois meses. Até

aquela data, porém, Micheli alegava não ter recebido nada, sendo que tinha

"necessidade de construir uma casa" e que precisava do material.

Embora trocas desse tipo fossem corriqueiras, apenas gradualmente a instalação de

serrarias se tornou mais intensa na Serra. Somente depois de terem conseguido erguer

suas casas e cultivar as primeiras sementes de milho é que os colonos iniciaram a

construção das primeiras serrarias movidas à água. Mesmo que à época da imigração

grandes florestas já não existissem mais na península itálica, muitos colonos trouxeram

consigo técnicas de exploração madeireira bastante desenvolvidas. Segundo Maestri

(1999, p.204), "havia séculos, nas regiões montanhosas do setentrião italiano [de onde

veio a maioria dos imigrantes que se estabeleceram na Serra], desenvolvera-se uma

importante atividade madeireira" (grifo meu). Ainda segundo ele, "no Trentino, desde

os anos 1200, aproveitava-se a força hidráulica nas primeiras serrarias da região". O

imigrante Rossato (1883), numa carta escrita à família em 27 de dezembro de 1883,

atestava essa informação. Escrevia ele que "no rio da nossa colônia pode-se montar um

moinho e uma serraria movida a água", coisa que não demorou muito a fazer.

Os esforços dos colonos para conseguir arrastar as toras abatidas para as serrarias

surpreenderam o agente de imigração Vittorio Bucelli, que publicou, em 1906, na Itália,

um relato intitulado Un viaggio a Rio Grande del Sud. Em seu diário, o observador fez

menção ao trabalho dos colonos que percorriam “vias abertas na mata”, muitas vezes

“reconhecíveis somente por pessoas com muita prática na floresta”, com “enormes

troncos”. A madeira, segundo ele (1906), era puxada por “duas, quatro, seis e até oito

juntas de bois” pelo interior da fronteira verde. Ouvir os sons dessa movimentação na

floresta, para Bucelli (1906), “era o sinal de que, sobre aquela massa aparente de verde

melancólico e silencioso, fervilhava com sua febril tenacidade o trabalho assíduo dos

nossos colonos”.

Page 151: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

150

Nas correspondências dos diretores coloniais da época, resguardadas no Arquivo

Histórico Municipal de Caxias do Sul, a preocupação em estabelecer serrarias e

moinhos nas colônias serranas era constante. Em ofício datado de 23 de janeiro de 1884,

José Júlio de Albuquerque Barros (1884), da 5ª Diretoria do Palácio do Governo,

comunica ao diretor da Colônia de Caxias a concessão de dois lotes urbanos para um

colono identificado como João Moratori, com a condição de que ele estabelecesse uma

serraria à vapor no local. Da mesma forma, em ofício de 5 de dezembro de 1888, o

inspetor especial de terras e colonização Manoel Barata Góes (1888) comunica ao

engenheiro chefe da Comissão de Trabalhos em Caixas o requerimento de um colono

para comprar "terras devolutas em Antonio Prado, para manter engenho de serraria".

Nos relatórios dos agentes consulares e de imigração que passaram pelas colônias

italianas, as citações relacionadas às madeireiras também foram freqüentes. Em 1884,

segundo o cônsul Antonio Greppi (1884), havia pelo menos oito serrarias movidas à

água, somente na sede de Conde D'Eu. Em 1904, o agente consular Luigi Petrocchi

(1904) referia-se com satisfação aos "extensos pinhais situados na zona leste", que

permitiam "o funcionamento de diversas serrarias a água e a vapor" em toda a região.

Nesses estabelecimentos, de acordo como agente, já eram "empregados muitos

operários". Dois anos depois, Petrocchi (1906) voltaria a ressaltar que "aos poucos,

começaram a surgir de cá e de lá [em Dona Isabel] pequenos moinhos e serrarias

movidas a água". Algumas dessas serrarias, por sinal, foram visitadas pelo agente de

imigração Bucelli (1906). Conforme seu relato, praticamente todas ficavam “próximas

aos cursos d’água, em vastos espaços desmatados em meio às florestas”. À primeira

vista, segundo ele, pareciam “acampamentos de bárbaros devastadores”.

Além das serrarias, relatos de época referem-se ao Rio das Antas, que corta a

região, como um canal utilizado para o transporte da madeira no fim do século 19 – o

cônsul Enrico Perrod já fazia essa relação em 1883. Em 1906, o transporte de madeira

por balsas chamou atenção do agente de imigração Vittorio Bucelli. Em seu diário, ele

(Bucelli, 1906) contou que, ao passar pelo Rio das Antas, viu uma “nova espécie de

arsenal”, ou estaleiro, onde trabalhavam alguns balseiros. Tratava-se, segundo ele, de

“uma forma característica” do modo como se fazia o transporte de “tábuas e de

madeiras”, que existiam em “grande número naquele vale”.

Observador aguçado, Bucelli (1906) descreveu em todos os detalhes como as

balsas eram preparadas para viagem. Conforme o agente, “depois de cortados em

tamanhos iguais, os troncos das árvores, brutos ou reduzidos a grossas tábuas”, eram

Page 152: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

151

levados até as margens, onde eram “amarrados uns aos outros com arame ou com cipós

muito resistentes da floresta, de modo a formarem superfícies retangulares de tamanhos

diversos, entre 300 e 600 metros quadrados, conforme o comprimento e a grossura dos

troncos”.

O próximo passo, segundo ele, era a amarração transversal de “tábuas ou traves

mais leves”, por cima das toras já dispostas. Por vezes, construía-se ainda uma espécie

de cabana sobre toda a madeira, “onde duas ou três pessoas” podiam se proteger “das

intempéries e dos raios de sol”. Concluída esta “construção rudimentar”, que, segundo o

estrangeiro, navegava “admiravelmente”, suspendia-se na parte posterior da embarcação

“três varas compridas, destinadas a servir de timão”, e, não raro, outras tábuas nos

lados, “para servirem de remos”. Feito isso, a balsa era largada na correnteza, que a

levava lentamente até o rio Taquari e deste, pelo Jacuí, até Porto Alegre (Bucelli, 1906).

Ao todo, a viagem até a Capital costumava durar, conforme o relato de Bucelli

(1906), de 15 a 16 dias. Em Porto Alegre, enfim, as balsas eram recolhidas a “algumas

enseadas”, chamadas de “balseiras”, onde permaneciam por algum tempo à disposição

dos destinatários. Estes, conforme o agente italiano, iam retirando o madeirame segundo

as necessidades e abastecendo as serrarias locais. Esse era o motivo, segundo Bucelli,

pelo qual as “melhores qualidades de madeira” eram “tão baratas” em Porto Alegre,

sendo “exportadas em grandes partidas para Buenos Aires”, assim como, por via

terrestre, ao “território uruguaio”.

Para o autor do relato, era um espetáculo à parte ver em pleno funcionamento

algumas daquelas balsas artesanais. A navegação, porém, enfrentava restrições naturais:

só era possível transportar as toras rio abaixo nos meses de cheias, notadamente no

inverno, quando as chuvas torrenciais aumentavam o volume das águas. No verão, havia

o “perigo das cachoeiras”. Seja como for, Bucelli (1906) acreditava que as balsas

representavam “uma das indústrias mais remuneradoras de toda a região serrana”. Mal

sabia ele que, em quatro anos, com a chegada da ferrovia à região, o transporte fluvial

acabaria preterido pela agilidade e segurança dos trens.

Como destaca Vania Herédia (1999, p.398), "a extração da madeira foi o

sustentáculo da indústria extrativa e manufatureira tendo um rápido desenvolvimento na

região". Em 1892, havia 13 serrarias na Colônia de Caixas. Em 1932, a indústria da

madeira já contava com 42 estabelecimentos e com 169 operários, segundo dados do

Censo Municipal daquele ano. Dezesseis anos mais tarde, o número de estabelecimentos

do tipo passaria a 61 e o número de funcionários a 550 (Herédia, 1999, p.81).

Page 153: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

152

Quadro 1: Estabelecimento comerciais e industriais: Colônia de Caxias – 1892: Estabelecimentos Números Estabelecimentos Números

Serrarias 10 Ferrarias 14

Serrarias a vapor 3 Funilarias 5

Moinhos a vapor 2 Marcenarias 8

Moinhos hidráulicos 50 Sapatarias 25

Curtumes 7 Alfaiatarias 12

Fábricas de cerveja 7 Tanoarias 1

Licores 3 Selarias 2

Gasosa 1 Lombilharias 2

Chapéus 3 Alambiques 26

Obras de vime 1 Teares 3

Pó inseticida 1 Casas de comércio diversas/sabão 2

Fonte: Pellanda (1950) apud Herédia (2003)

No final do século 19, Caxias já vivia um processo intenso de desenvolvimento.

Segundo Pellanda (1950, p.57), a vila contava com várias "serrarias [...], moinhos,

curtumes, fábricas de cerveja, licores, gasosa, chapéus, obras de vime, pó inseticida,

sabão, além de ferrarias, funilarias, marcenarias, sapatarias, alfaiatarias, tanoaria,

selarias, lombilharias, alambiques e teares". O crescimento desses estabelecimentos

comerciais e das atividades manufatureiras e industriais na região continuou nas

décadas seguintes. Boa parte da energia empregada nesta fase inicial da industrialização

foi, sem dúvida, a madeira. Com a urbanização, o uso domiciliar de lenha também

aumentou – até 1930, as toras eram utilizadas em quase todas as casas para cozinhar e

aquecer. As cidades cresciam consumindo a vegetação ao seu redor.

Poucos foram aqueles que questionaram esse avanço sem controle sobre a floresta.

Em 1894, o intendente municipal de Caxias do Sul, José Domingues de Almeida,

escreveu um ofício ao presidente da Província, no qual solicitava a concessão de uma

área a fim de preservá-la do crescimento “sem methodo, nem ordem” da cidade.

Almeida (1894) criticou o “direito que cada um se julga ter de derrubar mattos aqui e

ali”, sendo que “os mattos do mesmo logradouro teem sido devastados”.

Em outro ofício, datado de 15 de maio de 1895, Almeida (1895) voltou a tocar no

assunto para justificar seu pedido feito um ano antes, afirmando que “quem conhece a

Page 154: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

153

topographia desta sede há-de dar-me razão, porque a população em um futuro não muito

longínquo há-de ressentir-se da pequenez a que criminosas concessões e abusivas

medições reduziram a área do mesmo logradouro”. Apesar da insistência, a resposta do

governo veio apenas em 1897, quando já era tarde demais. A área que Almeida

pretendia preservar já havia sido inclusive loteada. E o mato derrubado.

Esse processo de desenvolvimento desencadeado à custa das florestas, e a

conseqüente transformação da paisagem regional, podem ser visualizados a partir de

uma série de fotografias do fim do século 19, que integram um acervo particular doado

pela família Darsie ao Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.

Intitulado "Recordação das Colônias Conde D'Eu, Dona Isabel, Alfredo Chaves,

Antônio Prado e Caxias", o álbum é composto de 67 imagens, sendo que, da maioria

delas, não se sabe o autor. Trata-se de fotografias variadas, que mostram desde planos

gerais das colônias até reproduções das primeiras casas construídas na região. Percebe-

se, por meio delas, a preocupação do(s) fotógrafo(s) em retratar o desenvolvimento dos

núcleos italianos e em reforçar a imagem dos colonos enquanto civilizadores.

Observe a seqüência de fotografias a seguir. Todas foram captadas na então Rua

Silveira Martins ou Rua Grande, como era chamada pelos colonos a atual Avenida Julio

de Castilhos, principal via de Caxias, em diferentes momentos entre os anos de 1875 e

1900:

Page 155: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

154

Imagem 12 – O domínio da floresta – parte I

Abertura da rua principal da então Colônia de Caxias, no fim do século 19.

Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul

Page 156: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

155

Imagem 13 – O domínio da floresta – parte II

Vista da rua principal da então Colônia de Caxias, no fim do século 19.

Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul

Page 157: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

156

Imagem 14 – O domínio da floresta – parte III

Vista da rua principal da Colônia de Caxias, sem data. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul

Page 158: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

157

No conjunto de fotos apresentado, são visíveis as transformações pelas quais

passou a principal rua da sede colonial, hoje situada no centro do município de Caxias

do Sul, com 400 mil habitantes. Em todas as três fotos, a floresta de araucárias aparece

em segundo plano, ao fundo, em parte já devastada pelos imigrantes. A floresta, nesse

caso, não era o foco das imagens, mas a rua, elemento associado à civilização e ao

progresso e, nesse caso, símbolo maior do início do fim da floresta e do avanço na

fronteira verde.

Como um corte profundo no meio da mata, a Rua Grande ainda estava sendo

aberta pelos colonos na primeira foto, auxiliados por caboclos e supervisionados por

agentes do governo. Lutando contra o relevo irregular, característica ambiental marcante

da região, um grupo de trabalhadores aparece ao fundo, atuando no rebaixamento da

futura Avenida Julio de Castilhos. Depois de limpar o terreno, derrubando todas as

árvores que ali havia, a intenção era torná-lo plano, domesticando e civilizando a

natureza.

Se na primeira imagem as majestosas árvores que tanto marcaram o ecossistema

regional ainda eram visíveis e abundantes na paisagem, na segunda e na terceira, as

alterações ambientais processadas pelos colonos se tornaram mais evidentes. Na última

foto, os pinheirais praticamente já não aparecem no quadro, exceto por um pequeno

trecho de mata ao fundo, no canto esquerdo da imagem. O ângulo escolhido torna a

floresta ainda mais insignificante, destacando, por outro lado, as casas de um e de dois

pisos enfileiradas uma após a outra e a rua larga e livre de matos e macegas – sem

nenhuma "erva daninha" sequer, nem para fazer sombra nos dias escaldantes do verão.

Para completar a composição da última foto, à frente, no lado esquerdo, dois

colonos aparecem em primeiro plano. Foram eternizados pelas lentes do fotógrafo

anônimo como verdadeiros senhores da nova terra.

Page 159: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

158

Imagem 15 – Natureza domesticada

Vista parcial da Colônia de Caxias registrada entre os anos de 1875 e 1900. Fotógrafo: Gio-Batta

Serafini. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami.

Tal qual as imagens anteriores, a fotografia acima pode ser tomada como outro

ícone do avanço colonial na “fronteira verde” e da forma como esse avanço se

processou. Nesse caso, o autor da foto, tirada entre 1875 e 1900, é o fotógrafo italiano

Gio-Batta Serafini. Na composição, alguns elementos chamam atenção: o muro reto,

feito de pedras, ordenando o espaço; a ampla área desmatada e aparentemente

terraplanada; a grande quantidade de casas de madeira bem estruturadas, com os

colonos e alguns animais domésticos diante delas, e, ao fundo, não exatamente a floresta

em si, mas o que restava dela, sendo consumida pelas derrubadas.

Talvez por orgulho do trabalho dos compatriotas na Colônia de Caxias, Serafini

deu destaque a elementos que, mais uma vez, exaltam a ação dos imigrantes na terra de

promissão. O muro de pedras construído com precisão sobre um terreno amplo e

Page 160: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

159

totalmente desprovido de vegetação aumenta a sensação de ordenamento da paisagem.

Logo em seguida, o que se vê é o grupo de colonos, soberano, com seus filhos e alguns

animais, olhando na direção da câmera. Atrás dos imigrantes, bem ao fundo, a floresta

aparentemente passiva, coadjuvante.

Parte dela simplesmente sucumbiu às queimadas e ao avanço das lavouras. Em

termos econômicos, os pinheirais só passaram a ganhar maior valor por parte dos

colonos a partir do início do século 20, mais precisamente com a inauguração da estrada

de ferro que ligou Caxias a Montenegro, em 1910. A partir dessa data, pela facilidade de

transporte aos centros consumidores, as araucárias tornaram-se mercadorias de

exportação.

Imagem 16 – Nos trilhos do trem

Inauguração da estrada de ferro Montenegro-Caxias do Sul, em Caxias, 1910. Fonte: Fotógrafo

Domingos Mancuso. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.

Essa valorização econômica, conforme Liliane Wentz (2004, p.26), também teve

relação com as características dessas árvores que, "crescendo até 45 metros, com

troncos cuja grossura varia entre 1 e 3 metros, em geral, [...] produzem, cada uma, oito a

dez dúzias de tábuas". Entre outras utilidades, segundo a historiadora, o pinho foi muito

Page 161: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

160

usado para se fazer assoalhos, forros, mastros e vergas. Além disso, sua resina substituiu

a terebintina e seus nós serviram para obras de adorno, bem como para combustível,

fornecendo carvão. Outro produto que podia ser extraído dos nós de pinho era o alcatrão

e o carbolineu – este último usado para preparar móveis.

Por todas essas utilidades, pouco a pouco, as araucárias foram desaparecendo da

paisagem serrana – e, conseqüentemente, das fotografias. Depois de visitar as colônias

italianas no início do século 20, Ranieri Pesciolini Venerosi publicou um artigo, em

1914, no qual detectou esse processo de extinção. Segundo ele (1914), os terrenos

“outrora estavam cobertos de pinheiros, mas hoje a madeira foi cortada nas serrarias,

que são particularmente numerosas no município [Garibaldi], constituindo-se numa das

principais indústrias”. O que se via nessas áreas, conforme Venerosi (1914), eram

“amplos espaços de terrenos não cultivados, cobertos por altos arbustos (capoeiras), e já

pobres devido às plantações sucessivas”.

À medida que as terras na região escasseavam e perdiam a fertilidade inicial,

muitos descendentes dos antigos colonos deixaram o seio de suas famílias e partiram em

busca de novas terras. Esse movimento populacional corroboraria, no final do século 19,

com o início da ocupação das últimas áreas florestais da Província, no Planalto

setentrional, a Oeste das colônias italianas. Naquele trecho, jazia praticamente intocada

uma ampla mata de pinhais e uma grossa cobertura florestal subtropical, como atestou o

agrimensor Maximiliano Beschoren, em 1887. Essa área foi aos poucos desbravada

principalmente por colonos vindos dos núcleos italianos. O desflorestamento

acompanhou os trilhos do trem.

Com isso, a partir do primeiro decênio do século 20, o Rio Grande do Sul viveu

um boom da indústria madeireira. Nessa época, as colônias mistas do Planalto

passariam a figurar no cenário regional como as principais produtoras de madeira da

Província. Em 1916, segundo Roche (1969, p.89), os municípios do Planalto já eram

responsáveis pelo fornecimento de 49% de toda a madeira produzida no Rio Grande do

Sul, sendo que em poucos anos o volume exportado pelo Estado apresentou um

crescimento significativo: de 39.499 toneladas, em 1931, para 76.814, em 1940, quando

o Rio Grande do Sul ocupava o primeiro lugar entre os Estados brasileiros, graças à

exploração das enormes reservas de araucárias do Planalto.

Page 162: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

161

3.5. Os parreirais avançam sobre a mata

Paralelamente à exploração madeireira, os colonos italianos e seus descendentes

deram início a um outro tipo de especialização produtiva na região serrana – a

vitivinicultura. Tanto a experiência pregressa dos colonos e seus hábitos na terra de

origem, quanto as características ecológicas encontradas naquele trecho específico da

fronteira verde foram determinantes para a difusão dos parreirais, que avançaram sobre

as terras desmatadas e se tornaram marcos da paisagem colonial serrana, contribuindo

para a constituição de uma nova paisagem ecológica.

No século 19, as colônias alemãs e italianas ainda se assemelhavam em diversos

aspectos, principalmente naquilo que produziam, isto é, quase todo tipo de alimentos

necessários à sobrevivência. A proximidade de Porto Alegre, no entanto, colocava a

zona germânica em vantagem na comercialização desses produtos – entre eles, banha,

manteiga, couro, milho e fumo. Mesmo realizado em estradas carroçáveis, conforme

Maestri (2000, p.82), o transporte onerava a comercialização da produção italiana,

sobretudo “de baixa relação valor/peso”, como o feijão, o milho e o trigo. Além disso,

inicialmente, tanto a exportação quanto a importação das colônias serranas era

intermediada por comerciantes alemães e teuto-brasileiros, estrategicamente localizados

no sopé da Serra. Tudo isso contribuiu para que os colonos italianos e seus

descendentes buscassem alternativas em atividades diferenciadas, que pudessem render

maiores lucros ao burlar a concorrência alemã.

Embora os italianos e ítalo-brasileiros tenham mantido parte da produção

diversificada – apenas com o passar dos anos o caráter policultor da economia colonial

sofreu efetivo declínio (Maestri, 2000, p.72) –, aos poucos, os parreirais espalharam-se

pela Serra e se tornaram predominantes na paisagem. Não por menos, Rambo (2000,

p.312) registrou que, “em toda parte, onde o descendente da Itália põe o pé, brota, como

por encanto, a videira, estendendo sua folhagem sobre os troncos carbonizados das

derrubadas, pesada de cachos”.

Page 163: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

162

Se não foram os responsáveis pela introdução das vides no Rio Grande do Sul, os

colonos italianos ficaram conhecidos como excelentes produtores de vinho e

efetivamente se especializaram nesse ramo – basta uma caminhada pelo interior dos

municípios de Caxias do Sul e de Bento Gonçalves, ainda hoje, para constatar isso. A

paisagem atual revela os caminhos da história ambiental da região, onde, conforme

Maestri (2000, p.72), a viticultura desempenhou um “papel único”.

Inicialmente, segundo ele, o cultivo de uvas e o fabrico de um vinho rústico

destinavam-se ao consumo familiar. À medida que as colheitas aumentaram, esse vinho

passou a ser consumido nas sedes coloniais, para, pouco depois, abastecer o mercado

consumidor provincial – que até então era abastecido pelo vinho português e, em menor

escala, pelo vinho artesanal feito na zona colonial alemã, considerado de baixa

qualidade. O vinho italiano, conforme Maestri (2000, p.72), inicialmente era exportado

através de São Sebastião de Caí e Montenegro para Porto Alegre. Aos poucos,

cargueiros passaram a escoar algum vinho por terra, por Santa Catarina, até São Paulo.

A elevada relação valor/peso do vinho justificava o transporte do produto.

A predileção pelo cultivo de uvas está presente em muitas cartas escritas pelos

colonos e, ao que tudo indica, não foi uma escolha estritamente econômica, mas

também cultural. Havia uma necessidade concreta e também simbólica de moldar o

território conforme os padrões que já faziam parte das tradições culturais desses

imigrantes – como se constatou no caso dos alemães e também se verificou em outras

correntes migratórias, nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e a Nova Zelândia

(Dunlap, 1999).

A difusão dos parreirais também teve um fundo religioso, porque o vinho era

essencial para as cerimônias cristãs, e os imigrantes italianos, católicos em sua maioria,

agarraram-se à fé para sobreviver nas montanhas e tornaram-se praticantes ainda mais

fervorosos. Inúmeros pesquisadores já destacaram a importância do catolicismo para

esses homens e mulheres. Poucos, no entanto, enfatizaram o papel dessa crença no tipo

de postura adotada pelos pioneiros diante da floresta subtropical.

Quase todos compartilharam do consenso de que o catolicismo teria sido o

elemento unificador que, segundo Manfroi (1975), impediu a “desintegração social” do

colono. É possível afirmar, no entanto, que a fé não apenas impediu a desintegração

social do imigrante e possibilitou o seu reencontro com a própria identidade cultural,

Page 164: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

163

como também imprimiu nos colonos um determinado tipo de ação no mundo,

eminentemente predatório.

As memórias do primeiro assentamento, expressas através desse catolicismo

fervoroso, orientaram a interação com o novo meio. Na época da imigração, o

desmatamento da península itálica já estava muito avançado, e as matas selvagens eram

desconhecidas no norte da Itália (Maestri, 2000, p.38). Quando os imigrantes se

instalaram no Sul do Brasil, isso se refletiu em uma incansável luta pela domesticação

da natureza, que implicou severas alterações ambientais. Como escreveu o alfaiate

Luigi Toniazzo (apud De Boni, 1977, p.18), autor de uma memória escrita em 1893, “a

natureza é perfeita em todas as coisas e parece ter sido criada para servir à utilidade do

homem” (grifo meu).

Em outras palavras, tornar a nova terra familiar – como também se verificou no

caso alemão – era o objetivo maior desses forasteiros. E foram as referências tomadas a

partir da sociedade rural italiana que balizaram a ação dos colonos nas florestas do Sul

do Brasil, condicionada pela existência de uma fronteira verde aberta à exploração

colonial. Essa ação implicou desmatamento e, em seguida, se traduziu na tentativa de

repetir, em solo americano, algumas das culturas com as quais já haviam tido contato na

península itálica – entre elas, principalmente, a viticultura e também as plantações de

trigo.

Na nova terra, porém, as técnicas utilizadas para o plantio da uva sofreram

alterações. Além disso, as mudas e sementes importadas não substituíram de todo as

nativas, mas foram enxertadas e misturaram-se a elas. Em carta datada de 17 de

fevereiro de 1884, o imigrante Paolo Rossato (1884), ressaltava as principais diferenças

no modo de plantio adotado pelos colonos na Serra. Segundo ele, os imigrantes não

plantavam as vinhas “pelos campos, como na Itália”, mas sempre “próximo à

residência”, aproveitando cada naco de terra, inclusive nas áreas mais íngremes. A

armação que serviria de base às videiras era feita perto de casa para facilitar a vida dos

colonos e garantir êxito no plantio. Assim, se surgissem formigas “no tempo da

brotação”, Rossato (1884) ressaltava que logo podiam exterminá-las, jogando “água

quente [...] nos formigueiros”. Com esses parcos cuidados – pois se acreditava que a

terra faria o resto –, “poucas videiras” originavam “muitos barris de vinho”. E Rossato

(1884) chegou mesmo a se surpreender com o rápido crescimento das plantas nessas

condições: “Vocês nem imaginam”, escrevia ele aos parentes, “como uma vinha cresce,

aqui, em três anos”.

Page 165: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

164

O interesse pelo cultivo de uva era tanto que ele chegou a pedir aos familiares que

trouxessem várias mudas “de uva negrara, xebido, docana, corbina, cagina e todas as

que quiserem” para a colônia, em carta datada de 22 de junho de 1884. Para garantir que

as plantas chegassem intactas à Serra e pudessem ser transplantadas com sucesso,

Rossato (1884) ainda especificava: “Coloquem estas plantas em uma lata, daquelas de

petróleo, com um pouco de areia e musgo, e verão como chegam todas bem até aqui”. A

sugestão deu tão certo que, em 1889, o colono fundaria a primeira vinícola da região,

em parceria com três irmãos. Segundo Luis De Boni (1977, p.28), também teriam sido

eles os primeiros a transportar vinho da Serra para Porto Alegre, onde, em 1914,

chegariam a abrir uma filial.

Quase dez anos antes desse pedido feito por Rossato, em carta endereçada ao pai

em 16 de outubro de 1876, o imigrante Michele Madalozzo (1876), instalado em

Caxias, também pedia que os familiares trouxessem à colônia sementes de videira. Ao

que tudo indica, centenas de mudas exóticas foram plantadas e se desenvolveram bem

no trecho serrano da fronteira verde. Junto de outras amostras vegetais, as mudas e

sementes de vides compuseram boa parte da “biota portátil”, para usar o termo de

Crosby (1986), trazida na bagagem dos colonos. E de fato se espalharam pela paisagem

serrana, sobrepondo-se às florestas nativas, que, aos poucos, desapareciam.

Em relatório publicado em 1905, o cônsul Petrocchi relatou ter ouvido dos

imigrantes que “neste Estado toda a espécie de videira pode desenvolver-se bem,

principalmente se enxertada sobre a americana, que resiste ao ataque da filoxera e

cresce até os Campos de Cima da Serra”. As videiras americanas mais comuns na região

colonial italiana, segundo ele (1905), eram a Isabel, a Concord e a Campbel’s Earls, esta

última proveniente dos Estados Unidos. As uvas estrangeiras, chamadas de “vides

francesas”, eram, conforme o cônsul, a Herbemont e a Conningham, “que crescem

vigorosamente”. Ele contou que, em 1902, havia plantado uma muda desta última

espécie no pátio de uma escola local e que, em 1905, ela já tinha “54 cachos, um mais

lindo que o outro” – uma prova da adaptação da espécie exótica ao novo ecossistema,

assim como o relato de Rossato (1884) sobre a grande difusão de um tipo de “uva-

morango” que ele conhecera nas terras de seu antigo “locador”, na Itália. Em terras

sulinas, porém, o colono concluiu que a fruta era “muito melhor”.

Familiarizados com as vides, os colonos aparentemente não tiveram grandes

dificuldades para fazê-las vingar em seus lotes e logo cedo perceberam que poderiam ter

bons resultados naqueles morros. As alterações na paisagem regional, por conta dessa

Page 166: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

165

disseminação em grande escala, foram relativamente rápidas e drásticas. Em seu relato

datado de 1906, o agente de imigração Vittorio Bucelli viu nos arredores de Bento

Gonçalves “longas e espessas fileiras de parreiras, amarradas em forma de pérgula”.

Surpreso com a difusão dessas plantas na região, o italiano (1906) ressaltou ainda ter

observado “parreirais que escalam as colinas com uma simetria que parece dirigida por

experiente desenhista”.

A forma simétrica das “latadas” – grades de varas fincadas na terra para sustentar

as parreiras – foi, sem dúvida, um fator importante de modelagem da paisagem colonial.

De certa forma, as extensas fileiras, alinhadas paralelamente ao longo dos morros, se

constituíram em uma estratégia de ordenamento e de domesticação da natureza. Onde os

parreirais vingaram, o mato sucumbiu. As vides eram a prova inconteste da vitória dos

colonos sobre o meio ambiente e, conseqüentemente, aludiam à civilização. Quanto

mais desenvolvidos e mais carregados, maior era a sensação de prosperidade alcançada

pelos italianos, maior era seu domínio sobre a natureza.

Tanto que muitas famílias faziam questão de posar para fotografias diante de suas

videiras. Dentre as imagens que integram um acervo particular doado pela família

Darsie ao Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul, pelo menos duas retratam o

orgulho em relação aos parreirais. Mais uma vez, por meio delas, é possível perceber a

preocupação do(s) fotógrafo(s) em demonstrar o desenvolvimento dos núcleos italianos

e em reforçar a imagem dos colonos enquanto civilizadores.

Page 167: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

166

Imagem 17 – O parreiral avança na mata – parte I

Família não-identificada em frente a parreiral em seu lote, entre 1875 e 1900, em uma das colônias serranas. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul.

Na imagem acima, assim como na próxima fotografia, o posicionamento dos

parreirais corrobora a informação fornecida por Rossato, de que as armações eram feitas

perto das casas. Para isso, usava-se madeira abatida no próprio lote. Atrás da casa à

direita, percebe-se ainda que uma parte do morro já se encontrava desmatada,

possivelmente para a expansão das videiras. Na foto a seguir, a floresta já não existia.

Em meio à capoeira, praticamente toda a área dá espaço às latadas.

Page 168: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

167

Imagem 18 – O parreiral avança na mata – parte II

Vista da estrutura de sustentação de um parreiral e de casas coloniais entre 1875-1900 em uma das colônias serranas. Ao fundo, no centro, um grupo de pessoas. Fonte: Coleção Família Darsie. Acervo: Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami.

Page 169: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

168

Imagem 19 – O parreiral avança na mata – parte III

Paisagem atual da região conhecida como Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, marcada por

milhares de parreirais. Fonte: prefeitura municipal de Bento Gonçalves

Page 170: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

169

A rápida propagação das parreiras – que resultou em paisagens como a registrada

na foto anterior, da região conhecida como Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves –

chamou a atenção dos agentes consulares italianos que mantinham contato freqüente

com as colônias. Em praticamente todos os relatórios elaborados entre 1883 e o início

do século 20, a produção de uvas foi citada como uma das principais alternativas

econômicas locais e como exemplo de desenvolvimento regional.

Sempre que visitavam as colônias, os agentes consulares eram recebidos com

copos cheios de vinho. Foi o que ocorreu durante a visita a Conde D’Eu, em 1884, do

cônsul italiano Pascoale Corte. Ele registrou (1884) a “entusiástica acolhida” que

recebeu dos moradores locais, complementando: “E foi tanto vinho que, malgrado meu

dever, sorvi para acompanhar e retribuir aos brindes que me dirigiam.” Corte ficou

impressionado ao saber que, na colheita de 1883, os habitantes de Conde D’Eu havia

produzido “2.759.600 litros de vinho”.

Outro cônsul a tratar do tema foi Enrico Perrod. Em seu relatório de 1883, ele

registrou que “a videira cresce de modo surpreendente”, sendo que “já no segundo ano

dá uvas e no terceiro a colheita é abundante”. Conforme Perrod (1883), as geadas, que

na Itália costumavam estragar toda a colheita, na Serra gaúcha tinham “pouca força

sobre as plantas”, que podiam “suportar duas ou três” sem que deixassem de “germinar

e produzir seu delicado fruto”.

A espantosa proliferação dos parreirais, para ele (1883), se devia ao fato dos

colonos terem encontrado na região “uma temperatura semelhante à de sua pátria e um

solo fertilíssimo”. O mesmo diria o cônsul Luigi Petrocchi em seu relatório de 1905.

Segundo ele (1905), “as colinas do Rio Grande do Sul, tanto pelo clima temperado,

quanto pela sua posição e pelas condições do solo”, eram bastante “aptas à cultura da

videira”. A constatação era reforçada por Venerosi (1914), para quem “os terrenos

secos rochosos” adaptavam-se “muito bem” ao cultivo da uva.

Ainda segundo Perrod (1883), embora cada colono procurasse produzir “um

pouco de tudo”, era “natural” que uns cultivassem “um gênero mais que outros,

movidos [...] pelas tradições de família ou pela natureza do solo”. Por conta disso, a

videira, segundo ele, era a planta que recebia mais atenção, porque possibilitava “os

maiores lucros” e já era conhecida. Havia colonos, conforme o cônsul, que, “após só

três anos de cultivo”, já conseguiam obter de 3 a 5 mil francos com a venda do produto

por ano. Para melhorar a qualidade da bebida produzida nas colônias, Perrod contava

Page 171: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

170

que os imigrantes estavam introduzindo “cepas italianas”, que produziam um vinho

“igual” ao da pátria de origem “e sem comparação melhor que o feito com as vides

nativas”.

Em Porto Alegre, de acordo com Perrod (1883), “o vinho das colônias” já

substituía “o vinho tinto de Bordéus e aquele muito forte de Portugal”. Para ele, “em

poucos anos”, as colônias poderiam inclusive “abastecer os países vizinhos com este

importante produto”. Satisfeito com a previsão, Perrod finalizava: “E, no caso, de quem

será a glória e o lucro? Exclusivamente dos colonos italianos e tiroleses, visto que os

alemães e brasileiros não entendem deste ramo e nem querem dedicar-se a ele.”

Ao escrever sobre Garibaldi – como passou a se chamar a colônia de Conde D’Eu

após a emancipação –, o agente de imigração Bucelli (1906), exaltou a vitivinicultura

tanto quanto a produção madeireira. Para ele, as indústrias eram “pouco ou nada

desenvolvidas, excetuada a da madeira, que conta com 22 serrarias, e a do vinho, que

constitui a principal ocupação dos colonos”. Sempre que um estabelecimento desse tipo

era aberto, Bucelli (1906) contava que ocorriam grandes festas, envolvendo toda a

comunidade. Era a celebração da vitória sobre a floresta.

Em certa ocasião, o italiano teve a oportunidade de conhecer duas propriedades

coloniais que lhe chamaram particular atenção. A primeira delas, pertencente a

Giuseppe Nicolini, possuía o que Bucelli (1906) chamou de “parreiral modelo”,

exemplo de ordem e produtividade. Conforme o agente, Nicolini havia cortado “um

pedaço de mato em uma elevação”, onde decidiu plantar as mudas. O parreiral, segundo

ele, havia sido “levantado a metro e meio de altura”, crescia “muito bem” e estava

“sobrecarregado de uva”. Já o colono Romedio Emez, conforme Bucelli (1906), “quis

tirar proveito da topografia de seu magnífico parreiral, situado em um declive, e adotou,

para os produtos recolhidos em sua pequena casa, que é ponto mais elevado, um sistema

de transporte aéreo simples e engenhoso”. A invenção era feita com dois longos arames,

“mais grossos que fios de telégrafos”, presos a dois postes, “duas vezes mais altos que

os da vinha”. Por meio deles, o colono podia carregar objetos com facilidade e burlar as

dificuldades impostas pelo relevo acidentado.

Aos poucos, o desenvolvimento da viticultura propiciou a realização de grandes

eventos na região, que contavam com apoio governamental. Em livro publicado em

1914, Ranieri Pesciolini Venerosi exaltava uma das primeiras “exposições de uvas” das

antigas colônias. No evento, transcorrido em fevereiro de 1912, foram expostas,

Page 172: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

171

segundo ele, “38 diferentes variedades por parte dos colonos italianos”18. Para Venerosi

(1914), isso demonstrava que os colonos trabalhavam para “introduzir vides européias”

na Serra, lado a lado à nativa Isabel. Conforme o italiano, em 1912, a importação de

videiras também fazia parte das preocupações da “autoridade municipal”. De um modo

geral, para ele, o cultivo da uva era “muito bem feito”.

Nem todos os agentes consulares, porém, eram tão otimistas. Em seu relatório de

1905, publicado no Bolletino dell’Emigrazione, o cônsul Luigi Petrocchi fez severas

críticas ao modo como se fazia viticultura nas colônias. Para ele, as técnicas utilizadas

pelos colonos eram rudimentares e irracionais e, por conta disso, impediam a ocorrência

de melhores colheitas. Segundo Petrocchi (1905):

“Nas colônias italianas começou-se há cerca de 24 anos a plantar videiras. Os primeiros viticultores talvez não conhecessem bem o oficio, ou lhes faltassem os instrumentos necessários, o certo é que escolhiam um local o mais próximo possível da residência, e com um pedaço de lenha ponteagudo faziam buracos no chão menos pedregoso, plantando nele os bacelos, que deixavam crescer livremente, sustentados por galhos secos e mal cortados. No segundo ou terceiro ano, visto que as videiras se estendiam muito e carregavam-se de uvas, começaram a fazer enormes latadas; sem pensar no provérbio relativo à vide que diz: Faz-me pobre e far-te-ei rico, seu único interesse era o de deixar que a parreira produzisse o maior número possível de ramos e gravinhas, a fim de obter uma abundante safra. [..] Da primavera ao outono, preocupavam-se apenas em destruir com água fervente as formigas que devoravam os brotos. A máquina inseticida não lhes era conhecida, e nem trataram de capinar, de virar fundamente a terra ou de adubar as vinhas.”

Frustrado com os métodos adotados na nova terra – repare que, como os alemães,

os italianos também preferiam usar a “cavadeira” para fazer buracos no solo –,

Petrocchi (1905) complementava: “Não sei se por indolência inata, ou porque se

percebeu que a videira se carrega de uvas mesmo sem que se a cultive, ainda hoje não se

faz nada de melhor”. Da mesma foram como cultivavam as sementes de outras plantas –

como o milho –, os imigrantes apenas enterravam as mudas “em buracos estreitos e

profundos cerca de meio braço, sem podá-los convenientemente”, deixando que

crescessem “com plena liberdade”. Por conta desse crescimento desenfreado, o cônsul

percebeu que não penetrava “nem um fio de luz naqueles imensos parreirais, que por

18 Hoje, a Festa da Uva, realizada anualmente em Caxias do Sul, é conhecida no país inteiro e atrai milhares de turistas à Serra.

Page 173: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

172

vezes cobrem diversos hectares de terra”. A falta de iluminação adequada, segundo ele,

impedia que os frutos amadurecessem suficientemente. Essa característica, conforme

Petrocchi (1905), resultava na obtenção de um “vinho um tanto ácido, carente de

açúcar”.

Outro problema constatado pelo agente referia-se às podas, que, segundo ele,

deveriam ser feitas no outono, mas, nas colônias, ocorriam na primavera. Experiente no

ramo, Petrocchi (1905) também criticou a forma de preparo do vinho. Segundo ele, a

uva estava sujeita “à destruição, devido às pequenas mariposas e a outros insetos,

podendo, além disso, apodrecer facilmente”. Os colonos não esperavam a maturação

completa e não esmagavam as uvas o suficiente e as deixavam fermentar “em lugares

onde falta a temperatura exigida”. O resultado disso, segundo Petrocchi, era o seguinte:

“Um tal vinho, feito com uvas azedas, frutos de vinhas mal cultivadas, e conservado em locais onde a temperatura sobe e desce continuamente, não pode purificar-se [...] Tomam, pois, ou colocam à venda um tal produto, que de vinho possui apenas o nome e que, se fosse analisado pela Comissão de Higiene, deveria ser lançado em um rio.”

Apesar disso, nas primeiras décadas do século 20, a região vivenciou o boom da

indústria do vinho, redundando na criação da Sociedade Vinícola Rio-grandense Ltda.

(Tavares, 1992, p.140). Os colonos não se preocupavam em melhorar as técnicas, por

acreditarem que não havia necessidade – isso só ocorreu décadas mais tarde. O cultivo

da uva, que em 1920 já cobria 11.380 hectares de terras, chegou a responder por 47.682

hectares na década de 1970. Hoje, conforme dados da Fundação de Economia e

Estatística do Rio Grande do Sul, os municípios serranos possuem 31.775 hectares

cultivados com a fruta, o que representa 71,73% de toda a produção do Estado.

Page 174: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

173

3.6. A busca por novas terras continua

Menos de dez anos depois da criação das colônias serranas, a marcha por novas

terras se acelerou. Não demorou muito para que os descendentes dos primeiros colonos

italianos atravessassem o Rio das Antas e ocupassem áreas do Planalto Médio e do Alto

Uruguai, no extremo norte e noroeste do Rio Grande do Sul, seguidos por colonos de

outras nacionalidades vindos principalmente das antigas colônias, mas também

diretamente da Europa.

No final do século 19 e início do 20, a frente colonizadora marchou em direção às

florestas ainda não desbravadas localizadas no limite da Província, onde passaram a ser

constituídas as chamadas “colônias novas” (veja o mapa a seguir). Como numa reprise

dos casos anteriores, densas florestas caracterizadas por uma enorme biodiversidade

sucumbiram ao “desmatamento civilizador” imposto pelos povoadores, que moldaram a

paisagem a seu modo, reconstituindo ecossistemas e tornando a nova terra familiar.

Até o início da colonização, mato e campo coexistiam no Planalto setentrional –

suas linhas divisórias não eram bem definidas. Na borda da serra e no Alto Uruguai,

havia ainda florestas densas, nativas, “matas de galeria coalescidas pela vizinhança das

bacias fluviais”, como destacou Balduíno Rambo (2000, p.256), para quem o quadro

vegetal do Planalto representava efetivamente a “cópia mais ampla e mais rica do que já

estudamos na campanha, no sudeste, na Depressão Central e parcialmente até no

litoral”. Conforme o botânico suíço C. Lindmann (apud Rambo, 2000, p.256), as

“grandes florestas do Brasil” apareciam típicas “especialmente nas vertentes dos

planaltos”.

Page 175: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

174

Mapa 6: Processo de ocupação do território gaúcho

Fonte: Atlas Socioeconômico do RS. Porto Alegre: SCP, 2002, 2ªed.

A despeito dos campos, esparsamente ocupados por criadores de gado luso-

brasileiros desde 1828, foi na floresta subtropical de folhas caducas, de solo

considerado mais fértil, que se constituíram boa parte das novas colônias (Roche, 1969,

p.50-51). Essa área estendia-se por pelo menos duas grandes zonas do Planalto: o Alto

Jacuí, aberto à colonização no início do século 20, e a região do Alto Uruguai, abrigo

das primeiras colônias locais e, ao mesmo tempo, última zona pioneira do Estado, cujas

bordas foram ocupadas mais tarde, durante as duas grandes guerras mundiais.

Page 176: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

175

A partir do final do século 19, dois processos simultâneos marcaram o

desenvolvimento da Província: ao passo que imensas massas florestais desapareciam em

velocidade vertiginosa, as colônias floresciam, acompanhando os trilhos do trem (Gelpi

e Wickert 2005) e fazendo recuar os grupos indígenas remanescentes. Da nova leva de

colônias criadas pelo governo provincial, os primeiros núcleos foram Mariana Pimentel

(1888) e Barão do Triunfo (1888), entre a Depressão Central e a Serra do Sudoeste; Vila

Nova (1888) e Marquês do Herval (1891), na borda da Serra geral; Antônio Prado

(1889) e Guaporé (1892), no centro; Dona Francisca e Botucaraí (1890), em Cachoeira;

Jaguari (1889), a Oeste e, no Planalto setentrional, Ijuí (1890) e Guarani (1891).

Mas esses núcleos não foram suficientes para absorver os imigrantes que

continuavam a desembarcar no Brasil meridional e mesmo os descendentes dos

pioneiros – inclusive porque, após a proclamação da República, o governo provincial

passaria gradativamente a rejeitar a grande imigração, preferindo resolver o problema

da população colonial interna excedente, ou seja, dos filhos dos primeiros colonos que

buscavam assento nas terras “livres” da fronteira verde – que funcionavam como

“válvula de segurança”, no sentido turneano.

Assim, o governo da Província acabaria criando mais uma leva de colônias no

Planalto, ampliando a zona pioneira: surgiriam Erechim, em 1908, Ijuizinho, em 1910, e

Santa Rosa, em 1915, entre outras. Nesse período, também seriam criadas inúmeras

colônias particulares no Estado, inclusive Planalto adentro, como Não-me-Toque

(1897), General Osório (1898), Dona Ernestina (1900), Selbach (1906), Dona Júlia

(1912) e Guarita (1917). Esse conjunto de núcleos, segundo Nilo Bernardes (1997,

p.77), abriria “enormes clareiras na mata”, das quais seria impulsionado o povoamento

em todas as direções, estabelecendo a junção entre os núcleos iniciais.

O processo de constituição dessas colônias teve relação direta com a implantação

das ferrovias e a abertura de estradas na região, acelerando ainda mais o avanço na

fronteira verde – e as alterações ambientais, muito mais drásticas e visíveis se

comparadas ao processo ocorrido nos primeiros 50 anos da colonização alemã, por

exemplo. Em 1894, os trilhos de trem chegariam à colônia de Cruz Alta e, poucos anos

depois, a Passo Fundo, Erechim, Marcelino Ramos, Ijuí e Santo Ângelo, todas

localizadas na região setentrional do Estado. Com a implantação das estradas de ferro,

houve uma acentuada valorização de terras na região (Roche 1969, p.63) e um

significativo incremento populacional. Foi nessa época que a exploração madeireira

Page 177: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

176

atingiu suas maiores cifras, inclusive porque havia agora maior facilidade no

escoamento das toras para os mercados consumidores.

Somente Erechim, cinco anos após a sua criação, já contava com 18 mil habitantes

(Ducatti Neto,1981). Ali, cerca de 40 mil hectares de uma área coberta florestas

estavam sob os domínios da Empresa Colonizadora Luce, Rosa e Cia. Ltda., que dividiu

esse espaço em 1.279 lotes, sendo que “toda esta área estava coberta de mata virgem”,

segundo Ducatti Neto (1981, p.93). O mesmo autor informa que até 1922 a empresa

abriu 120 quilômetros de estradas de rodagem, 110 quilômetros de estradas vicinais e

530 quilômetros de estradas para tropas. No ano de seu cinqüentenário, a ex-colônia

seria definida, em reportagem publicada no jornal Correio do Povo, por Rubem Neis

(1958), como a “nova Terra de Promissão”, para onde se deu “um verdadeiro êxodo das

colônias velhas”. Teria sido a “excelência das terras”, segundo Frainer, autor do Álbum

do município de Erechim, o principal atrativo da colônia.

Embora o impacto ambiental tenha sido profundo naquela região, Ducatti Neto

(1981, p.93-94) registraria sua simpatia pela atuação da empresa colonizadora. Segundo

ele, o município de Erechim teria “um dever especial de gratidão para com essa

empresa, que colaborou para sua mais rápida colonização e progresso, introduzindo

nesses territórios gente ordeira e trabalhadora”, gente que, “substituindo as seculares

árvores gigantescas pelo pé de trigo, transformara a ‘Rainha do Mato’ em Capital do

Trigo”.

Um dos relatos mais significativos acerca do território que deu espaço a esses

últimos núcleos coloniais instalados no Rio Grande do Sul partiu do viajante e

agrimensor alemão Maximiliano Beschoren, que inclusive trabalhou na demarcação das

terras que viriam a abrigar as novas colônias. Impressionado com a riqueza e

grandiosidade das matas que conheceu na região, antes do início de sua colonização, o

alemão chegou a dedicar um capítulo inteiro de seu diário ao que chamou de

“extraordinária vegetação da floresta do Alto Uruguai”. Trata-se de um relato

importante para uma história ambiental da região.

A floresta que adentrou, segundo Beschoren (1989[1887], p.49), era “formada por

pinheiros, erva-mate e pequenas ilhas de mata rasteira” e surpreendia pela densidade:

“Eu nunca havia encontrado uma mata assim, tão fechada!”, admitiu o alemão. Ainda

conforme o viajante (1989[1887], p.104), tratava-se de “uma magnífica floresta” que

cobria “muitas léguas à margem do rio Uruguai e seus afluentes” – num tempo em que

a mata ciliar ainda se mantinha praticamente intacta ali. A “maior parte da floresta”,

Page 178: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

177

segundo ele, era constituída “de mato branco, perto dos campos e florestas de araucária

nas elevações, formando ilhas dentro do extenso mar de floresta de folha caduca”.

Impressionado com a força das araucárias do Planalto, Beschoren (1989[1887],

p.104) escreveu que essas árvores se erguiam “em direção ao céu [...] como colunas de

um templo”. Na opinião do agrimensor (1989[1887], p.104), a única forma de transpor

a densa vegetação local era “com fortes golpes de facão” e, ainda assim, o alemão

considerava o trabalho difícil. Para Beschoren, a natureza selvagem era opressora: “Que

imensa e variada vegetação opõe-se a nós!”, refletia ele, complementando: “A selva

arma e atemoriza o invasor, pela impressão causada dos vegetais e o caos inextricável”.

Esse sentimento não foi uma exclusividade de Beschoren. A questão também

aparecia em relatórios provinciais, em textos redigidos por políticos e intelectuais luso-

brasileiros e nas obras dos historiadores do Brasil do século 19. É o caso de Varnhagen.

No primeiro tomo de sua História Geral do Brasil, o sorocabano apresentou uma

minuciosa descrição do país, na qual ressaltou não apenas a diversidade da flora e da

fauna, mas também o embate constantemente travado entre a civilização e a natureza.

Segundo Varnhagen (1975[1854], p.16), “o braço do homem, com auxílio do

machado, mal pode vencer os obstáculos que de contínuo encontra na energia selvagem

da vegetação”. Energia, esta, que o historiador descreveu quase como uma barreira à

dominação humana: “É tanta a força vegetativa que, ao derrubar-se e queimar-se

qualquer mato-virgem, se o deixais em abandono, dentro em poucos anos aí vereis já

uma nova mata intransitável”. Ao percorrer o sul do Brasil ao final do século 19,

Beschoren teria a mesma sensação. Ao mesmo tempo, porém, ressaltaria os benefícios

dessa biodiversidade, que estaria à espera da operosidade humana: “neste Vale”,

afirmava ele (Beschoren, 1989[1887], p.51), “a mãe natureza oferece por si mesma a

dádiva da abundância, facilitando a vida dos homens”.

Para o agrimensor, as árvores encontradas no Alto Uruguai naquela época eram

pouco aproveitadas. Beschoren (1989[1887],p.49) citava o exemplo do Sassafrás, que

atualmente está em extinção e que, segundo ele, abundava na região e oferecia uma

“madeira resistente”. Também havia a Guariganga, que o viajante classificou como uma

“palmeira-anã”, cujas folhas poderiam fornecer material “para a cobertura dos ranchos”.

Outra planta que lhe chamou atenção foi a Paineira, que poderia ser aproveitada por

produzir “uma matéria fibrosa, semelhante ao algodão”, útil para o “enchimento de

travesseiros”.

Page 179: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

178

Por essa e por outras razões, Beschoren (1989[1887], p.51) lamentava o fato de

que a onipresente floresta do Alto Uuruguai permanecia pouco explorada à época em

que passou pela região. Até então, as “esplêndidas matas” por onde o agrimensor

andava compreendiam uma “extensa área quase sem caminhos e atalhos”. Quando

muito, Beschoren (1989[1887], p.103) dizia encontrar “antigos caminhos pouco usados,

trilhados pelos índios, para chegarem aos lugares de caça e pesca”, onde ele trabalhava

para “abrir as linhas de medição na floresta”.

Apesar disso, o agrimensor esperava (1989[1887], p.51) que, “com o correr do

tempo”, a situação se modificasse. Para ele, “quando iniciar a colonização do Alto

Uruguai, então ela arrastará as regiões do Goio-En, expandindo-se até às margens da

Província do Paraná, cujas imensas e inexploradas florestas serão colonizadas”. Na

concepção desse europeu, caberia ao braço do colono a missão de vencer a floresta, de

civilizar aquelas terras e de levar o almejado progresso à região. Beschoren não previu,

no entanto, o impacto ambiental aliado a esse empreendimento.

De um modo geral, a implantação das colônias novas seguiu a mesma lógica de

constituição dos antigos núcleos coloniais da Província, nos quais se dava preferência

para áreas localizadas às margens de rios e cobertas por grandes florestas. Além disso, o

combustível do avanço até o limite da fronteira verde no Rio Grande do Sul foi a

crença, generalizada entre os colonos, de que as melhores terras para agricultura eram

as de mata – devidamente abatida e queimada.

Em termos governamentais, somente a partir dos anos 1910 apareceriam críticas

mais contundentes à devastação promovida nas zonas coloniais. Em mensagem enviada

à Assembléia Legislativa em setembro de 1913, Borges de Medeiros (1913, p.44) foi

um dos poucos governantes a apontar o problema. Segundo ele, “o desmatamento nas

regiões colonizadas, restringindo continuamente a área florestal do Estado, impõe o

dever de zellar a conservação das mattas, a exemplo dos países mais adiantados, que lhe

dedicam pacientes cuidados e gastos avultados”. Para o presidente, “a indústria humana

não pode prescindir dessa matéria prima”, isto é, da natureza enquanto fonte de recursos

funcionais, destinados à produção de mercadorias. A preocupação de Borges de

Medeiros deu origem a uma lei que passaria a regular a exploração madeireira no

Estado. A iniciativa, porém, aconteceu depois de quase cem anos de derrubadas sem

trégua, quando mais da metade da zona florestal já estava ocupada por lavouras e

cidades.

Page 180: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

179

Atento às questões ambientais e possivelmente um dos precursores da história

ecológica no Sul do Brasil, Rambo (2000, p.313) também se deu conta do “grave

inconveniente” relacionado ao modelo de apropriação de terras que considerava

absolutamente insustentável. Para ele, “a expansão rápida das colônias transformou-se

bem cedo numa verdadeira corrida para a mata virgem”, explicada por uma série de

fenômenos naturais e sociais.

Entre eles, segundo Rambo, o desmatamento progressivo da fralda da Serra, já

que praticamente todos os terrenos já haviam perdido sua capa silvática e restavam

apenas “trechos imprestáveis nos flancos mais íngremes e rochosos das montanhas”.

Para ele, “capoeiras e matos secundários sujos” caracterizaram a “estrada trilhada pela

agricultura de exploração dos cem anos passados”. Talvez nem Rambo imaginasse que

essa estrada, em pleno século 21, ainda não chegaria a seu fim. Se no Rio Grande do

Sul, em 1924, todas as áreas de mata já estavam ocupadas, o avanço moldado pela

fronteira verde ultrapassou os limites do Estado. Segue alheio à degradação ambiental.

Page 181: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

180

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil nasceu, na expressão de José Augusto Pádua (2004, p.13), de um “macro

projeto de exploração ecológica”, no qual a biodiversidade e os complexos biomas

nativos foram considerados verdadeiros entraves ao progresso. Não por menos, desde o

início, a colonização da América portuguesa impôs alterações profundas – por vezes

sem volta – à exuberante natureza local e a seus habitantes nativos.

Entre elas, uma drástica redução demográfica da população indígena, que acabou

expulsa de suas terras ou mesmo exterminada, e um golpe certeiro nos biomas nativos,

entre os quais poucos restariam incólumes ao longo de séculos de exploração

desenfreada, inclusive após a proclamação da independência. Florestas inteiras vieram

abaixo e foram substituídas, sem maiores questionamentos, pelas monoculturas – da

cana, do algodão, do café.

Desde a historiografia produzida nas décadas de 1930 e 40 por pesquisadores

como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, até estudos mais recentes,

vinculados à história ambiental, o latifúndio escravista tem sido encarado como o

principal vetor de destruição da flora e da fauna brasileiras. Ao criticar o potencial

destrutivo da monocultura, Freyre (1942) chegou a fazer um apelo pela valorização do

pequeno lavrador, que considerava o “agricultor verdadeiro”. Para ele, a monocultura

latifundiária e escravocrata teria impossibilitado que se esboçasse no Brasil o “homem

do campo” ideal, tal como se encontrava na Alemanha e na Itália. Curiosamente, em sua

produção teórica, em nenhum momento o sociólogo pernambucano citou a experiência

baseada no minifúndio, na policultura e na mão-de-obra livre do imigrante posta em

prática no Rio Grande do Sul a partir do século 19. O que dizer, então, das alterações

ambientais decorrentes desse modelo socioeconômico com características tão distintas e

até opostas às do latifúndio monocultor?

Até bem pouco tempo atrás, imperou um incômodo silêncio em torno do poder

destruidor da instalação das colônias européias no coração da floresta um dia

onipresente no Rio Grande do Sul. Como se viu ao longo destas páginas, o

Page 182: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

181

empreendimento colonizador sempre esteve associado, nos livros e no senso comum, à

idéia de progresso. Com a presente pesquisa, e com outros trabalhos recentemente

publicados sobre o tema, esse cenário de visibilidade míope começa a se modificar. Não

restam dúvidas de que a política de imigração trouxe desenvolvimento ao Estado. Cabe

perguntar, no entanto, que tipo de desenvolvimento foi esse. A resposta, certamente, não

incluirá a palavra “sustentável”.

Como se viu aqui, extensas florestas, outrora encaradas como grandes “vazios”

selvagens por setores das elites políticas e intelectuais, viraram cinzas ou acabaram

alimentando serrarias. Na expansão colonial, que acompanhou os cursos d’água,

restaram rios assoreados em função da ocupação sem nenhum cuidado. Devido às

caçadas intermitentes, padeceram dezenas de espécies de animais silvestres. Em uma

centena de anos, quilômetros e quilômetros de mata desapareceram sob a lâmina afiada

do “machado civilizador” do imigrante e de seus descendentes. Derrubadas e queimadas

foram a tônica da conquista, incentivada e comemorada pelo Estado. Se nesse processo

surgiram novos ecossistemas regionais, como se demonstrou aqui, é fundamental não

perder de vista a dimensão do impacto ambiental dessas mudanças e a importância de

uma revisão histórica desse processo.

Além de examinar danos ambientais decorrentes da colonização, a presente

pesquisa procurou mostrar que a floresta subtropical, vista pelos colonos como uma

fronteira verde aberta e inesgotável, foi mais do que o mero “palco dos

acontecimentos” – como sugere a maioria das obras até então publicadas sobre o tema.

Tanto o tipo de sistema produtivo adotado nas colônias, quanto a forma de organização

social reproduzida em cada uma delas foram fortemente influenciados, desde o

princípio, pela presença dessa imensidão verde, que deu aos recém-chegados a chance

de se tornarem proprietários e de adquirirem um novo status econômico e social.

Muitos agricultores tentaram, inutilmente, reproduzir na mata subtropical as

técnicas agrícolas que conheciam de sua vida pregressa. Não tiveram sucesso. Puseram

de lado o arado e renderam-se à coivara, cujas cinzas, surpreendentemente, revelavam

solos fertilíssimos. Logo perceberam, porém, que tamanha riqueza desaparecia num

piscar de olhos. Como solução, confiantes na inesgotabilidade da floresta e incentivados

por diretores e inspetores coloniais, recorreram ao sistema de rotação de terras – e não

de culturas, como se praticava no Velho Mundo, onde a terra era escassa e antropizada

havia milênios. Criava-se, assim, um ciclo vicioso insustentável, cuja marca foi a busca

Page 183: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

182

constante por novas áreas de plantio e cuja reprodução só foi possível enquanto ainda

havia árvores de pé.

Não por menos, o desmatamento acabou se mostrando a principal forma de

colonização, e as terras supostamente livres da fronteira verde, seu principal

combustível – assim como a biomassa da floresta. No início, salvo raras exceções, não

houve grandes preocupações em relação à degradação ambiental, que acabaria por

escancarar as fragilidades e dificuldades de reprodução desse sistema, com reflexos

profundos nos ecossistemas regionais.

Frente à abundância e às riquezas aparentemente ilimitadas, “a terra era para

gastar e arruinar, não para proteger ciosamente”, como concluiu Sérgio Buarque (1936)

em sua interpretação do Brasil. No caso do Rio Grande do Sul, tudo leva a crer que a

colonização européia teve uma profusão de efeitos não premeditados por seus

promotores e organizadores.

Essa constatação é reforçada por documentos oitocentistas, como um curioso

relatório elaborado em 1888 pelo vice-presidente da Província, Barão de Santa Thecla

(1888, p.19). No texto, o governante defendia a aceleração do processo de ocupação

colonial para garantir “o direito à gratidão das gerações por vir”. A atenção voltada às

futuras gerações – por ironia hoje fortemente vinculada ao conceito de desenvolvimento

sustentável – surgiria novamente ao final do relatório. Para o vice-presidente, “tudo o

que neste sentido autorisar e decretar a Assembleia Legislativa [...] será obra de

patriotismo que melhorará as condições de vida para as gerações próximas”.

Ao apostar no avanço da colonização como um alento para seus filhos, netos e

bisnetos, Santa Thecla tomava por base o salto econômico vivenciado na Província nas

primeiras décadas após a chegada dos imigrantes. Junto desse desenvolvimento, porém,

veio também a degradação dos solos e, conseqüentemente, o aparecimento da miséria

no campo e o êxodo rural – que hoje são uma realidade no Rio Grande do Sul. Também

residem aí, sintomaticamente, as origens do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra (MST) no Estado, cujas fileiras foram engrossadas por descendentes das primeiras

gerações de imigrantes, que não encontraram mais espaço na fronteira verde ou que se

desfizeram do torrão sob seus pés por alguns trocados, quando a terra já não servia mais

à agricultura.

Nessa história de luta e devastação, muitos “fazedores de terra” deram

continuidade à sina de seus antepassados. A tentativa de reprodução do sistema movido

à custa das florestas ultrapassou os limites políticos do Rio Grande e seguiu rumo ao

Page 184: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

183

noroeste, a começar por Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, onde se

multiplicaram as fazendas encabeçadas por migrantes gaúchos, assim como os Centros

de Tradição Gaúcha (CTGs) e as rodas de chimarrão. A busca por novas terras foi ainda

mais longe e, desde a década de 1970, acompanha a última fronteira agrícola brasileira.

São principalmente descendentes de italianos e alemães os homens e mulheres que hoje

desbastam a floresta amazônica para plantar soja, criar gado, abrir madeireiras e

estabelecer vida nova nos confins do Brasil.

A presente pesquisa deteve-se a apenas uma pequena parte desse processo. Não

teve a pretensão de abarcar toda a complexidade do tema, nem tampouco esgotar os

questionamentos em torno de uma história ambiental da colonização. Restam ainda

muitos caminhos por trilhar, e novas pesquisas poderão contribuir para responder as

perguntas que persistem e lançar uma nova perspectiva sobre o estudo da colonização.

A importância de se atentar para esses aspectos do processo histórico, como concluiu

Enrique Leff (2005, p.21), está também na possibilidade de se estabelecer um vínculo

entre o passado insustentável e, quem sabe, um futuro sustentável.

Page 185: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

184

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Capistrano de. 1988. Capítulos de história colonial. São Paulo, Edusp.

______. 1975. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira.

ALMACK, John C. "The Shibboleth of the Frontier" In: Historical Outlook, 16 (May

1925), p.197-202.

ALMEIDA, José Domingues de. Ofício nº 13, de 23 de outubro de 1894. In: Arquivo

Histórico Municipal de Caxias do Sul.

______. Ofício datado de 15 de maio de 1895. In: Arquivo Histórico de Caxias do Sul.

AMADO, Janaína. “Região, Sertão, Nação”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.8,

n.15, 1995, p. 145-151.

AMSTAD, Theodor (Org). 1924. Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul –

1824-1924. Trad. de Arthur B. Rambo. São Leopoldo, Unisinos, 1999.

ANAIS do I e do II Fórum de Estudos Italo-Brasileiros. Imigração Italiana; Estudos.

Instituto Superior Brasileiro-Italiano de Estudos e Pesquisa. 1979. Porto Alegre, EST;

Caxias do Sul: Educs.

ARNOLD, David. 1996. La naturaleza como problema histórico. México, Fondo de

Cultura.

ARRUDA, G. (Org.) 2005. Natureza, fronteiras e territórios: imagens e narrativas.

Londrina, Eduel.

ARRUDA, G. TORRES, D. V. e ZUPPA, G. (Org.) 2001. Natureza na América Latina:

apropriações e representações. Londrina, Editora UEL.

ATLAS Socioeconômico: Rio Grande do Sul. 2002. Porto Alegre, Secretaria da

Coordenação e Planejamento. 2. ed., 112p.

AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1980. Viagem pela província do Rio Grande do Sul

(1858). Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Edusp.

Page 186: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

185

ÁVILA, Arthur Lima de. 2006. E da fronteira veio um pioneiro: a frontier thesis de

Frederick Jackson Turner. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-

Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

AZEVEDO, Thales de. 1982. Italianos e Gaúchos. Os anos pioneiros da colonização

italiana no Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, Cátedra; Brasília, Instituto Nacional do

Livro (INL).

BARRILLON, Michel. 2004. « Faut-il refuser le « progrès »? Le mythe du progrès au

regard de la « critique sociale ». I Journées du Développement du GRES - Le concept

de développement en débat. Université de Montesquieu-Bordeaux 4.

BARROS, José Júlio de Albuquerque. 1884. Ofício datado de 23 de janeiro de 1884,

assinado por José Júlio de Albuquerque Barros, da 5ª Diretoria do Palácio do Governo.

Arquivo Histórico Municipal de Caxias do Sul-RS.

BELLINI, Maria.1878. Carta manuscrita. Arquivo Histórico Municipal de Caxias do

Sul - RS.

BERNARDES, Nilo. 1997. Bases geográficas do povoamento do Estado do Rio Grande

do Sul. Ijuí, Ed. Unijuí.

BESCHOREN, Maximiliano. 1989. Impressões de viagem na Província do Rio Grande

do Sul (1875-1887). Porto Alegre, Martins Livreiro.

BILLINGTON, Ray Allen. 1966. The frontier thesis: Valid interpretation of American

History.

BOATRIGHT, Mody C. "The Myth of Frontier Individualism”. In: Southwestern Social

Science Quarterly, 22 (1941), p.14-32.

BOLTON, Herbert Eugene. "The Epic of Greater America". In: American History

Review, 38 (April 1933): 448-74;

BOWMAN, Isaiah Bowman. The Pioneer Fringe. New York, 1931.

BRICHANTEAU, Eduardo dos Condes C. de. Emigrazione e Colonie. Rapporti di RR.

Agenti Diplomatici e Consolari. Roma, Tipografia Nazionale di G. Bertero, 1893,

p.108-128. Traduzido por Costa et all, 1992.

BUBLITZ, Juliana. 2008. “Forasteiros na floresta subtropical: Notas para uma história

ambiental da colonização alemã no Rio Grande do Sul”. Campinas, Revista Ambiente

& Sociedade. Vol.XI, n.2, p.323-340

_____. 2008. “O recomeço na mata: Notas para uma história ambiental da colonização

alemã no Rio Grande do Sul”. In: Revista Unisinos, dossiê especial sobre história

ambiental. V.12, n.3, set/dez 2008, p.207-218.

Page 187: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

186

______. 2004. “A Eco-História da Colonização Italiana no Rio Grande do Sul”. Revista

Métis, EDUCS, Caxias do Sul, v.3, n.6, p.179 – 200.

BUBLITZ, Juliana e CORREA, Sílvio M. S. 2006. Terra de Promissão: Uma

introdução à eco-história da colonização do Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul:

Edunisc; Passo Fundo: UPF.

BUCELLI, Vittorio. 1906. Un viaggio a Rio Grande del Sud. Milão, Pallestrini e Cia.

Traduzido por Costa et all, 1992.

BUFF, João M. 1850. Relatório manuscrito do então diretor da colônia de Santa Cruz,

João Martinho Buff, ao presidente da Província, Conde de Caxias. Arquivo Histórico

do Rio Grande do Sul, caixa 33, maço 62.

______. 1854. Relatório de João Martinho Buff, diretor da Colônia de Santa Cruz, ao

presidente da Província, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, de 15 de setembro de

1854. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Caixa 33, maço 62.

______. 1854. Relatório de João Martinho Buff, diretor da Colônia de Santa Cruz, ao

presidente da Província, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, de 31 de dezembro de

1854. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Caixa 33, maço 62.

BURNS, E. Bradford. Brazil: Frontier and Ideology. The Pacific Historical Review,

Vol. 64, No. 1. (Feb., 1995), pp. 1-18.

CAMPOS NETO, Aristides G. 1939. Uma vida exemplar de persistência e operosidade.

Porto Alegre, Tipologia Santo Antônio do Pão dos Pobres.

CANSTATT, Oscar. 2002. Brasil: Terra e Gente (1871). Brasília, Editora do Senado

Federal.

CARVALHO, Manoel Maria de. 1886. Immigração e Colonisação. Relatório sobre o

serviço de immigração e colonisação na Província do Rio Grande do Sul apresentado a

S. Ex. Sr. Conselheiro Antonio da Silva Prado, ministro e secretário de Estado dos

Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas. Rio de Janeiro, Imprensa

Nacional, Catálogo de Obras Raras da BN: 74,6,1.

CEM anos de germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924. 1999. Trad. de Arthur

B. Rambo. São Leopoldo, Unisinos.

CORREA, Silvio. 2004. “Identidade alemã e alteridade no Rio Grande do Sul”. In:

Cultura Alemã 180 Anos. Porto Alegre: Nova Prova.

______. 2006. “Territorialidade e etnicidade: Outras fronteiras do Brasil meridional” In:

Seminário Internacional Imigração e Relações Interétnicas e XVII Simpósio de

Imigração e Colonização. São Leopoldo, Unisinos.

Page 188: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

187

______. 2005. “Narrativas sobre o Brasil alemão ou a Alemanha brasileira: Etnicidade e

alteridade através da literatura de viagem”. In: Revista Anos 90, UFRGS, Porto Alegre.

CORTE, Parcoale. 1884. As colônias agrícolas italianas da Província do Rio Grande

do Sul. Montevidéu, 98p. Traduzido por Costa et all, 1992.

COSTA, Rovílio et all. 1992. As colônias italianas Dona Isabel e Conde d’Eu. Porto

Alegre, EST, 434p.

CRONON, William. 1983. Changes in the land – indians, colonists and the ecology of

New England. New York, Hill and Wang.

CROSBY, Alfred W. 1993. Imperialismo ecológico. São Paulo, Editora Companhia das

Letras.

CUNHA, Jorge. 1991. Os Colonos Alemães e a Fumicultura. Santa Cruz do Sul, editora

da FISC.

D’APREMONT, Bernardin. 1914. La Mission des Pères capucins de Savoie et les

colons italiens du Rio Grande do Sul-Brésil. Roma, 317p.

DACANAL, José e GONZAGA, Sergius (Org.). 1980. RS: Imigração & Colonização.

Porto Alegre, Mercado Aberto.

DEAN, Warren. 1996. A ferro e fogo: a história da devastação da Mata Atlântica

brasileira. São Paulo, Cia das Letras.

______. 1990. O Brasil e a luta pela borracha. São Paulo, Editora Nobel.

DE BONI, Luis A. e COSTA, Rovilho. 1984. Os italianos do Rio Grande do Sul. Porto

Alegre, EST; Caxias do Sul: Educs, Correio Riograndense, 244p.

DE BONI, Luis A. (Org.) 1987. A Presença Italiana no Brasil. Vol 1, 2 e 3. Porto

Alegre, EST.

DE BONI, Luis A. 1977. La Mérica. Caxias do Sul, Editora da Universidade de Caxoas

do Sul (Educs).

DELHAES-GUENTHER, Dietrich von. 1973. Industrialisierung in Südbrasilien:

Die deutsche Einwanderung und die Anfánge der Industrialisierung in Rio

Grande do Sul. Köln, Böhlau.

DE VOTO, Bernard. "The West: A Plundered Province," Harper's, 169 (August 1934):

355-64

DREYS, Nicolau.1990. Notícia Descritiva da Província de São Pedro do Rio Grande

do Sul. Porto Alegre, Editora Nova Dimensão.

DRUMMOND, José Augusto. 1991. “A História Ambiental: temas, fontes e linhas de

pesquisa”. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, nº 8, p.177-197.

Page 189: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

188

______. 2003. “Por que estudar a história ambiental do Brasil?”. Varia História, Belo

Horizonte, v. 26, p.13-32, 2003.

DUARTE, Regina Horta. 2005. História & Natureza. Belo Horizonte, Editora

Autêntica.

DUCATTI NETO, Antônio. 1981. O grande Erechim e sua história. Porto Alegre,

Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brin.

DUNLAP, Thomas R. 1999. Nature and the English Diaspora: Environment and

History in the United States, Canada, Australia, and New Zealand. New. York,

Cambridge University Press.

ETGES, Virgínia Elisabeta. 2001. “A região no contexto da Globalização – o caso do

Vale do Rio Pardo”. In: VOGT, Olgário Paulo e SILVEIRA, Rogério (Org). Vale do

Rio Pardo: (re)conhecendo a região. Santa Cruz do Sul, EDUNISC.

FABRIS, Carlin. 1977. “Istoria de Conceição”. In: DE BONI, Luis A. La Mérica.

Caxias do Sul, Educs, p.74-89.

FALCADE, Ivanira (Org.) 1999. Vale dos Vinhedos: Caracterização geográfica da

região. Caxias do Sul, Educs, 144p.

FARAGHER, John Mack. The Frontier Trail: Rethinking Turner and Reimagining the

American West. The American Historical Review, Vol. 98, No. 1. (Feb., 1993), pp. 106-

117.

FERRAZ, Ângelo M. da Silva. 1858. Relatório do Presidente da Província de S. Pedro

do Rio Grande do Sul Ângelo Moniz da Silva Ferraz apresentado à Assembléia

Legislativa Provincial na 1ª sessão da 8ª legislatura. Porto Alegre, Typographia do

Correio do Sul, 1858. Imigração e colonização, páginas 14 a 28.

FERREIRA, João Jacintho. Ofício de 8 de setembro de 1875 da diretoria da Colônia de

Conde d’Eu, assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho

Ferreira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

______. Ofício de 3 de setembro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,

assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira.

Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

______. Ofício de 18 de setembro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,

assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao

delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura

Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

Page 190: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

189

______. Ofício de 21 de setembro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,

assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao

delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura

Palmeira. Caixa 29, maço 55.

_____. Ofício de 3 de outubro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu, assinado

pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao delegado da

Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura Palmeira.

Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

______. Ofício de 4 de outubro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,

assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao

delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura

Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

______. Ofício de 10 de dezembro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,

assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao

delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura

Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

______. Ofício de 19 de dezembro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,

assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao

delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura

Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

_____. Ofício de 21 de dezembro de 1875 da diretoria da Colônia de Conde d’Eu,

assinado pelo encarregado do estabelecimento de colonos, João Jacintho Ferreira, ao

delegado da Repartição de Terras Públicas e Colonização, José Maria da Fontoura

Palmeira. Arquivo Histórico do RS, Caixa 29, maço 55.

FORTINI, A. 1950. O 75º aniversário da colonização italiana no RS. Porto Alegre,

Sulina.

FRANZEN, Mathias. 1922. Carta de 27 de agosto de 1832, Colônia de São Leopoldo.

Familien Freund.

FREUDENBERGER, Emilie. 1981. Relato. In: UMANN, Josef. Memórias de um

imigrante boêmio. Porto Alegre: EST.

FREYRE, Gilberto. 2002[1933]. Casa-Grande e Senzala. Rio de Janeiro, Record.

______. Nordeste. 1985. Rio de Janeiro, José Olímpio; Recife, Fundação do Patrimônio

histórico e Artístico de Pernambuco.

______. Novo mundo nos trópicos. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000.

Page 191: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

190

FUNKE, Alfred. 1902. Aus Deutsch-Brasilien. Bilder aus dem Leben der Deutschen im

Staate Rio Grande do Sul. Leipzig: Druck und Verlag Von B. G. Teubner.

GANSWEIDT, Matias José. Luis Buger und die Opfer seiner Rache (As vítimas do

Bugre). Tradução de Irmão Eugenio Damião. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1946.

Originalmente finalizada em 1929.

GATES, Paul Wallace. "The Homestead Law in an Incongruous Land System" In:

AHR, 41 (July 1936), p.652-81.

GELPI, Adriana e WICKERT, Ana P. 2005. “Processo de ocupação e produção do

território da região norte do RS a partir da implantação da ferrovia Santa Maria a

Itararé”. In: Anais do II Congresso Sul-Americano de História. Passo Fundo, UPF (cd-

room).

GERHARDT, Marcos. 2009. História ambiental da Colônias Ijuhy. Ijuí, editora da

Unijuí, 192p.

GERTZ, René. 2003. “A Alemanha e os teuto-brasileiros”. In: NEVES et all (org.)

Sociologia, pesquisa e cooperação: Achim Schrader, homenagem a um cientista social.

Porto Alegre, editora e museu da UFRGS.

GIRON, Loraine S. (Org.) 2001. Colonos e Fazendeiros: Imigrantes italianos nos

campos de Vacaria. Porto Alegre, EST.

GÓES, Manoel Barata. 1888. Ofício de 5 de dezembro de 1888, do inspetor especial de

terras e colonização Manoel Barata Góes ao engenheiro chefe da Comissão de

Trabalhos em Caixas. Arquivo Histórico de Caxias do Sul-RS.

GREPPI, Antonio. 1884. Algumas notícias sobre as colônias Conde D’Eu e Dona

Isabel. Bollettino Consolare, V.XX, de Roma, p.595-612. Traduzido por Costa et all,

1992.

GRESSLER, Paulo. Os velhos Gressler. Candelária: Tipografia Francisco Schmidt,

1949.

GUIMARÃES, Josué. 1973. A ferro e fogo. Rio de Janeiro, José Olympio.

GUTRFREIND, Ieda; ARENDT, Isabel; DREHER, Martin (Org). Imigrantes alemães e

descendentes no Rio Grande do Sul: histórias de vida (catálogo). São Leopoldo:

Editora Unisinos, 2001.

HARRISON, Robert P. 1993. Forests – Shadow of Civilization. University of Chicago

Press.

Page 192: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

191

HERÉDIA, Vânia. 1997. O processo de industrialização da zona colonial italiana:

estudo de caso da primeira indústria têxtil do Nordeste do estado do Rio Grande do

Sul. Caxias do Sul, Educs, 240 p.

______. 1999. “Condições socioeconômicas do processo de industrialização no

município de Caxias do Sul”. In: DAL BÓ, Juventino et all (Org). Anais do Simpósio

Internacional sobre Imigração Italiana e IX Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiros. Caxias

do Sul, Educs, p.396-412.

HILLEBRAND, João Daniel. 1848. Relatório manuscrito de João Daniel Hillebrand,

diretor geral de Colônias, 1º de outubro de 1848. Arquivo Histórico do RS, Caixa 36,

maço 67.

______. 1854. Relatório apresentado ao presidente da Província João Lins Vieira

Cansanção Sinimbu. Revista do Arquivo Público do RS, n.15-16.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. 1945. Monções. São Paulo, Cia. Editora Nacional.

______.1957. Caminhos e fronteiras. São Paulo, Brasiliense.

______. 1986. O extremo oeste. São Paulo, Brasiliense.

______. 1936. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

HÖRMEYER, Joseph. 1854. O Rio Grande do Sul de 1850. Descrição da Província do

Rio Grande do Sul no Brasil Meridional. Porto Alegre, D.C. Luzzatto Ed. E EDUNI-

SUL, 1986.

IMIGRAÇÃO Italiana e Estudos Ítalo-Brasileiros. 1999. Anais do Simpósio

Internacional sobre Imigração Italiana e IX Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiros. BÓ,

Juventino Dal et all (Org.) Caxias do Sul, Educs.

IOTTI, Luiza H. 2001. Imigração e colonização: legislação de 1747 a 1915. Porto

Alegre, Assembléia Legislativa, Caxias do Sul, Educs, 864p.

ISABELLE, Arsène. 1983. Viagem ao Rio Grande do Sul, 1830-1834. Porto Alegre,

Martins Livreiro.

JAHN, Adalberto. 1871. As colônias de São Leopoldo na Província Brasileira do Rio

Grande do Sul e reflexões gerais sobre a imigração espontânea e colonização no

Brazil. Leipzig. Biblioteca Nacional, setor de obras raras, código 103, 5, 3.

KATZMAN, Martin. The Brazilian Frontier in Comparative Perspective. Comparative

Studies in Society and History, Vol. 17, No. 3. (Jul., 1975), pp. 266-285.

KLEUGDEN, Pedro. 1851. Manuscrito do agente intérprete da colonização, Pedro

Kleugden, datado de 1851. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, caixa 20, maço 37.

Page 193: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

192

KLUG, João. 2005. Padrões de ocupação do espaço nas colônias alemãs de Santa

Catarina e o perigo da “caboclização”. In: II Congresso Sul-Americano de História,

Passo Fundo, UPF.

KNAUSS, Paulo (Org). 2004. Oeste Americano. Rio de Janeiro, Eduff.

KOSERITZ, Carl von. 1867. Relatório da Administração Central das Colônias da

Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do RS, Caixa 16, maço

25.

LACCARIA, Nosari. 1878. Carta manuscrita. Arquivo Histórico de Caxias do Sul.

LAGEMANN, E. 1980. “Imigração e Industrialização”. In: Dacanal, José H. e Gonzaga,

Sérgius (org.). RS: Imigração e Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980

LANDO, Aldair e BARROS, Eliane. 1980. “Capitalismo e Colonização – Os Alemães

no Rio Grande do Sul”. In: DACANAL, José e GONZAGA, Sergius (Org.). RS:

Imigração & Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.

LANGENDONCK, Marie van. 2002. Uma Colônia no Brasil. Santa Cruz do Sul,

EDUNISC.

LAMAR, Howard e THOMPSON, Leonard. 1981. The Frontier in History: North

America and Southern Africa Compared.

LEÃO, Joaquim A. Fernandes. 1859. Relatório apresentado à Assembléia Legislativa de

S. Pedro do Rio Grande do Sul na 2ª sessão da 8ª legislatura pelo conselheiro Joaquim

Antão Fernandes Leão. Porto Alegre, Typographia do Correio do Sul, 1859. Imigração,

páginas 34 a 49.

LEFF, Enrique. 2005 “Vetas y vertientes de la historia ambiental latinoamericana –

Uma nota metofologica y epistemológica”. In: Revista Varia História, Belo Horizonte,

nº 33.

LIMA, Tomás de. 1825. Correspondência de José Tomás de Lima dirigida a José

Feliciano Fernandes Pinheiro em 14/1/1825. Arquivo Histórico do RS. Colonização.

______. 1824. Carta de José Tomás de Lima dirigida a José Feliciano Fernandes

Pinheiro em 16/9/1824. Arquivo Histórico do RS. Colonização.

______. 1825. Correspondência de José Tomás de Lima dirigida a José Feliciano

Fernandes Pinheiro em 5/1/1825. Revista do Arquivo Público do RS, n.15-16.

______. 1825. Ofício de José Tomás de Lima dirigida a Visconde de São Leopoldo de

12/2/1825. Arquivo Histórico do RS, Colonização.

LINDMANN, Carl e FERRI, M. 1974. A vegetação no Rio Grande do Sul. Belo

Horizonte, Itatiaia, São Paulo, Edusp.

Page 194: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

193

LOPES, José Joaquim Rodrigues. 1867. “Considerações gerais sobre a ex-Colônia de

São Leopoldo”. In: Relatório apresentado à Assembléia geral Legislativa pelo ministro

e secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,

Manoel Pinto de Souza Dantas. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança.

Malone, "Beyond the Last Frontier: Toward a New Approach to Western American

History," Westen Historical Quartdy, XX (1989), 409,410)

LORENZONI, Júlio. 1975. Memórias de um imigrante. Porto Alegre, Sulina, 264p.

MADALOZZO, Michele. 1876. Carta datada de 16 de outubro de 1876. In: STOLTZ,

Roger (Org). 1997. Cartas de imigrantes. Porto Alegre, EST.

MAESTRI, Mário. 1999. “A travessia e a mata: memória e história”. In: DAL BÓ,

Juventino et all (Org). Anais do Simpósio Internacional sobre Imigração Italiana e IX

Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiros. Caxias do Sul, Educs, p.190-207.

______. 2000. Os Senhores da Serra. A Colonização Italiana no Rio Grande do Sul

(1875-1914). Passo Fundo, UPF, 111p.

MALIN, James C. “The Turnover of Farm Population in Kansas" In: Kansas Historical

Quarterly, vol 4 (1935), p.339-72.

______. "The Adaptation of the Agricultural System to Sub-Humid Environment" In:

Agricultural History, 10 (1936): 118-41;

MANFROI, Olívio. 1975. A Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. Implicações

Econômicas, Políticas e Culturais. Porto Alegre, Grafosul, Instituto Estadual do Livro,

218p.

______. 1987. “Italianos no Rio Grande do Sul”. In: DE BONI, Luis A. (Org.) A

Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre, EST, p.169-186.

MARTIN, Hardy. Recortes do passado de Santa Cruz. Santa Cruz do Sul: Edunisc,

1999.

______. 1979. Santa Cruz do Sul: de colônia a freguesia, 1849-1859. Santa Cruz do

Sul, Associação Pró-Ensino em Santa Cruz do Sul.

MCWILLIAMS, Carey. "Introduction" In: Rocky Mountain Cities, Ray B. West, New

York, 1949.

MEDEIROS, Borges. 1913. Mensagem enviada à Assembléia Legislativa. In: Arquivo

Histórico do RS.

MELLO, Homem. 1868. Relatório do Presidente da Província de São Pedro do Rio

Grande do Sul. Porto Alegre: Typographia do Mercantil.

Page 195: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

194

MENEZES, João Bittencourt de. 1914. Município de Santa Cruz. Santa Cruz do Sul:

EDUNISC, 2005.

MICHELI, Giovanni. 1881. Carta manuscrita de 23 de julho de 1881. Arquivo Histórico

de Caxias do Sul-RS.

MOURE, Telmo.1980. “A inserção da economia imigrante na economia gaúcha”. In:

Dacanal, José H. e Gonzaga, Sérgius (org.). RS: Imigração e Colonização. Porto

Alegre: Mercado Aberto, 1980.

MONTEIRO, Sebastião José. 1854. Memorando sobre a Colônia de Mundo Novo.

Manuscrito datado de 7 de julho de 1854. Arquivo Histórico do RS, na caixa 31, no

maço 58.

MORAES, Carlos de Souza. 1981. O colono alemão – uma experiência vitoriosa a

partir de São Leopoldo. Porto Alegre, EST, 160p.

MORSE, Richard. 1965. The bandeirantes: the historical role of the Brazilian

pathfinders. New York, Knopf.

MULHALL, Michael. 1873. Rio Grande do Sul and its German Colonies. London,

Longmans, Green and Co.

NASH, Gerald. Creating the West: Historical interpretations, 1890-1990. The Western

Historical Quarterly, Vol. 23, No. 4 (Nov., 1992), pp. 498-499

NICHOLS, Roger. 1986. The American Frontier and Western Issues: A

Historiographical Review. Westport, Conn.

NIEDERHUT, Carl F. 1924. 100 Jahre Deutsches Leben in Brasilien. São Leopoldo,

Rotermund.

NORMANO, J. F. Brazil: A study of economic types. New York, 1935.

NODARI, E. e KLANOVICZ, Jó. 2005. Das araucárias às Macieiras. Transformações

da paisagem em Fraiburgo – Santa Catarina. Florianópilis, Insular.

NODARI, E. S. e CARVALHO, E. B. 2003. “Os agricultores e a floresta: um estudo da

inter-relação entre agricultores e a floresta no município de Engenheiro Beltrão, Paraná

(1948-1970)”. Simpósio de Historia Ambiental Americana, Santiago, p. 1-35.

OBERACKER Jr. Carlos H. 1968. A Contribuição Teuta à Formação da Nação

Brasileira. Rio de Janeiro, Editora Presença.

OLIVEIRA, Evaristo A. de. Carta de Evaristo Alves D’Oliveira, sub-diretor da Colônia

de Santa Cruz, a Pedro Ferreira de Oliveira, presidente da Província de São Pedro do

Rio Grande do Sul, de 27 de novembro de 1850. Arquivo Histórico do Rio Grande do

Sul, caixa 33, maço 62.

Page 196: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

195

______. 1850. Correspondência de Evaristo Alves D’Oliveira, sub-diretor da Colônia de

Santa Cruz, a José Antônio Pimenta Bueno, presidente da Província de São Pedro do

Rio Grande do Sul, datada de 7 de novembro de 1850. Arquivo Histórico do RS. Caixa

33, maço 62.

______. 1850. Relatório de Evaristo Alves D’Oliveira, sub-diretor da Colônia de Santa

Cruz, ao presidente da Província Pedro Ferreira de Oliveira, datado de 26 de dezembro

de 1850. Arquivo Histórico do RS. Caixa 33, maço 62.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A conquista do espaço: sertão e fronteira no pensamento

brasileiro. Hist. cienc. saúde-Manguinhos, July 1998, vol.5 suppl, p.195-215.

PÁDUA, José A. 2002. Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica

Ambiental no Brasil Escravista (1786-1888). Rio de Janeiro, Jorge Zahar.

______. 2004. “Defensores da Mata Atlântica no Brasil” In: Revista Nossa História,

n.6.

______. 2000. “A profecia dos Desertos da Líbia: Conservação da Natureza e

Construção Nacional no Pensamento de José Bonifácio”. In: Revista Brasileira de

Ciências Sociais, v.15, n.44, São Paulo.

______. 2006. “Inventar uma selva: as metamorfoses da floresta da Tijuca na história do

Rio de Janeiro (1550 – 1890)”. In: III Simpósio Latino-Americano de Caribenho de

História Ambiental, Sevilha.

PELLANDA, Ernesto A. 1925. A Colonização Germânica do Rio Grande do Sul. Porto

Alegre, Livraria do Globo.

______. 1950. “Aspectos gerais da colonização italiana no Rio Grande do Sul”. In:

Álbum comemorativo do 75º aniversário da colonização italiana no Rio Grande do Sul.

Porto Alegre.

______. 1956. “Imigração e colonização italiana”. In: Enciclopédia rio-grandense – O

Rio Grande Antigo. V.1. Canoas, Editora Regional Ltda, p.127-140.

PEREIRA JR., José Fernandes da Costa. 1872. Relatório com que o Ex. Sr. José

Fernandes da Costa Pereira Júnior presidente desta Província passou a administração da

mesma ao Ex. Sr. Dr. João Pedro Carvalho de Moraes. Porto Alegre, Typ. do

Constitucional.

PERROD, Enrico. 1883. “As colônias brasileiras de Conde D’Eu e Dona Isabel”. In:

Bollettino Consolare, v. XIX, Roma, Liberia dei Fratelli Bocca, p. 297-320. Traduzido

por Costa et all, 1992.

Page 197: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

196

PESAVENTO, Sandra J. 1980. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Mercado

Aberto.

PETROCCHI, Luigi. 1904. “As colônias italianas do Distrito de Bento Gonçalves”. In:

Bollettino Dell’Emigrazione, nº13, Roma, Tipografia Nazionale di G. Bertero & C.,

p.17-18. Traduzido por Costa et all, 1992.

______. 1904. “Os italianos do Distrito Consular de Bento Gonçalves, 1904, 1905”. In:

Bollettino Dell’Emigrazione, nº18, Roma, Tipografia Nazionale di G. Bertero & C., p.3-

13. Traduzido por Costa et all, 1992.

______. 1905. “As colônias italianas do Distrito de Bento Gonçalves – Rio Grande do

Sul – Brasil”. In: Bollettino Dell’Emigrazione, nº8, Roma, Tipografia Nazionale di G.

Bertero & C., p.3-15. Traduzido por Costa et all, 1992.

______. 1906. “As colônias italianas no Distrito de Bento Gonçalves – Rio Grande do

Sul – Brasil”. In: Bollettino Dell’Emigrazione, nº5, Roma, Tipografia Nazionale di G.

Bertero & C., p.10-31. Traduzido por Costa et all, 1992.

PICCOLO, Helga. 2004. Rio Grande do Sul, século XIX: A imigração alemã e o

processo de construção de identidades. A questão da nacionalidade.

POMEROY, Earl. "Towards a Reorientation of Western History: Continuity and

Environment". In: Mississippi. Historical Review, v. 41, 1955, p.57.

PORTO, Aurélio. 1934. O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre,

Martim Fontes, 1996.

POTTER, David. People of Plenty: Economic Abundance and the American Character.

Chicago, 1954.

PRADO JUNIOR, Caio. 1999. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo:

Brasiliense.

QUEVEDO, J. e SANTOS, T. 2002. Rio Grande do Sul: Aspectos da História. Porto

Alegre, Martins Livreiro.

RABUSKE, Arthur. 1978. Os inícios da colônia italiana do Rio Grande do Sul em

escritos de jesuítas alemães. Caxias do Sul, Educs; Porto Alegre, Escola Superior de

Teologia (EST), 125p.

RAMBO, Arthur B. 2004. Às sombras do Carvalho. Organizado por Antonio Sidekum.

São Leopoldo, Nova Harmonia.

RAMBO, Balduíno. 1942. A fisionomia do Rio Grande do Sul. 3ª ed. São Leopoldo,

Editora Unisinos, 2000.

Page 198: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

197

______. 1956. A imigração alemã. In: Enciclopédia Riograndense. O Rio Grande

antigo, v. 1, Canoas, Ed. regional.

RICARDO, Cassiano. 1940. Marcha para o Oeste. Rio de Janeiro, José Olympio.

ROCHE, Jean. 1969. A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre,

Globo.

ROSA, João Guimarães. 1965. Grande sertão: veredas. 4ª ed. Rio de Janeiro, José

Olympio.

ROSSATO, Paolo. Cartas endereçadas à família, datadas de 1883, 1884 e 1885. In:

Arquivo Histórico de Caxias do Sul.

______. 1883. Carta datada de 27 de dezembro de 1883. In: STOLTZ, Roger (Org).

1997. Cartas de imigrantes. Porto Alegre, EST.

______. 1884. Carta datada de 17 de fevereiro de 1884. In: STOLTZ, Roger (Org).

1997. Cartas de imigrantes. Porto Alegre, EST.

SACHS, Wolfgang (Org.). 2000. Dicionário do Desenvolvimento – guia para o

conhecimento como poder. Petrópolis, Vozes.

SALVADOR, Frei Vicente do. 1975. História do Brasil. São Paulo, Melhoramentos;

Brasília, INL.

SCHAMA, Simon. 1996. Paisagem e Memória. São Paulo: Cia das Letras.

SECRETO, Maria Verónica. "Dominando la floresta tropical: Desbravamentos para el

café paulista". In: revista Theomai, primeiro semestre, nº1, Universidade de Quilmes,

Argentina, 2001.

SEIDLER, Carl. 1976. Dez anos no Brasil. São Paulo; Brasília, Martins; Instituto

Nacional do Livro (INL).

SHANNON, Fred A. "The Homestead Act and Labor Surplus" In: AHR, 41 Uuly

(1936), p.637-51.

SHUPP, Padre Ambrósio. 1889. Deutsches Leben auf brasilianischer Erde. Ein

Rundgang durch die deutschen Kolonien in der Provinz Rio Grande do Sul.

Kulturhistorische Betrachtunge, Alte und Neue Welt, 8.

SILVA, Lígia Osório. 2003. “Fronteira e Identidiade Nacional”. In: V Congresso

Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de

Empresas, Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE),

Caxambu (MG), 2003.

SINIMBU, João Lins Vieira Cansansão de. 1853. Relatório do Presidente da Província

de São Pedro do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Typographia do Mercantil.

Page 199: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

198

SMITH, Henry Nash. Virgin Land: The American West us Symbol and Myth.

Cambridge, Mass., 1950.

STEINER, Michael. From Frontier to Region: Frederick Jackson Turner and the New

Western History. The Pacific Historical Review, Vol. 64, No. 4. (Nov., 1995), pp. 479-

501.

STADNIKY, Hilda Pívaro. "Fronteira e mito: Turner e o agrarismo norte-americano".

In: Geografía Económica - Gecon. Suplemento número 7, dez 2007.

TEJO, Limeira. 1939. A indústria rio-grandense em função da economia nacional.

Porto Alegre, Globo.

STOLTZ, Roger (Org). 1997. Cartas de imigrantes. Porto Alegre, Escola Superior de

Teologia (EST), 117p.

THECLA, Barão de. 1888. Relatório do vice-presidente da Província, Barão de Santa

Thecla. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

THOES, Peter. 1850. Carta. Arquivo Histórico do Colégio Mauá, Santa Cruz do Sul,

RS.

THOMAS, Keith. 1999. O Homem e o mundo natural. São Paulo: Cia das Letras, 1999.

TRAMONTINI, Marcos Justo. 2000. Organização social dos imigrantes: a colônia de

São Leopoldo na fase pioneira, 1824-1850. São Leopoldo: Unisinos.

TURNER, Frederick J. 1893. The Significance of the Frontier in American History.

New York, Dover, 1996.

______. 1925. O significado da seção na história americana. In: KNAUSS, Paulo (Org).

Oeste Americano. Rio de Janeiro: Eduff, 2004, p.93-116.

______. O problema do Oeste. In: KNAUSS, Paulo (Org). Oeste Americano. Rio de

Janeiro: Eduff, 2004, p.55-70.

______. Contribuições do Oeste para a democracia americana. In: KNAUSS, Paulo

(Org). Oeste Americano. Rio de Janeiro: Eduff, 2004, p.71-92.

TURNER, Frederick. 1990. O espírito ocidental contra a natureza: mito, história e as

terras selvagens. Rio de Janeiro, Campus, 309p

UMANN, Josef. 1981. Memórias de um imigrante boêmio. Porto Alegre: Escola

Superior de Teologia (EST).

VARNHAGEN, Francisco A. História Geral do Brasil. Tomo I. São Paulo:

Melhoramentos; Brasília: INL, 1975.

VENEROSI, Pesciolini Ranieri. 1914. Le colonie italiane nel Brasile meridionale.

Torino, Fratelli Bocca. Parte do texto está traduzida por Costa et all, 1992, p.101-106.

Page 200: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

199

VERISSIMO, Erico. 1949. O tempo e o Vento. O Continente I. São Paulo: Globo, 1999,

39ª Ed.

VIANA, Oliveira. 1991. Ensaios inéditos. São Paulo, Unicamp.

VOGT, Olgário Paulo. 1997. A produção de fumo em Santa Cruz do Sul, RS: 1849-

1993. Santa Cruz do Sul: EDUNISC.

WAIBEL, Leo. 1958. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. Rio de Janeiro,

IBGE.

______. 1949. Princípios da Colonização Européia no Sul do Brasil. Revista Brasileira

de Geografia, Ano XI, n°2, p.159/217.

WEBB, Walter Prescott. "The American West: Perpetual Mirage" In: Harper's, 214

(May 1957): 25-31

______. 1931. The great plains. Boston, Ginn.

______. 1952. The great frontier. Boston, Houghton Mifllin.

WEECH, Friedrich von. 1992. A agricultura e o comércio do Brasil no sistema colonial

(1828). São Paulo, Martins Fontes.

WEGNER, Robert. 2000. A conquista do Oeste. A fronteira na obra de Sérgio Buarque

de Holanda. Belo Horizonte, Ed. UFMG.

WENTZ, Liliana. 2004. Os caminhos da madeira. Região norte do Rio Grande do Sul

(1902-1950). Passo Fundo, UPF.

WIETRZYKOWSKI, Jan.1891. Carta datada de 26 de janeiro de 1891. In: STOLTZ,

Roger (Org). 1997. Cartas de imigrantes. Porto Alegre, EST.

WILLEMS, Emílio. 1980. A aculturação dos alemães no Brasil. São Paulo, Ed.

Nacional, Brasiliana, v. 250.

WILLIAMS, Raymond. 1980. Ideas of Nature. In: Problems in Materialism and

Culture. Londres.

WORSTER, Donald. 1992. Under Western Skies: Nature and History in the American

West. New York.

______. 1991. “Para fazer história ambiental”. Revista Estudos Históricos, Rio de

Janeiro, vol. 4, nº 8, p.198-215.

______. 1985a. Nature’s Economy – a history of ecological ideas. Cambridge,

Cambridge University Press.

______. 1982. Dust bowl – the southern plains in the 1930’s. Oxford, Oxford

University Press.

Page 201: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

200

______. 1985b. Rivers of empire – water, aridity and the growth of the American West.

New York, Pantheon.

______. 1988. The ends of the earth. Cambridge, Cambridge University Press.

______. et al. 1990. “A round table: environmental history”. The journal of American

History, vol. 76, nº 4, p.1087-1147.

WRIGHT, Louis B. "American Democracy and the Frontier" In: Yale Review, 22

(1930), p.349-65.

Page 202: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 203: FORASTEIROS NA FLORESTA SUBTROPICAL: UMA …livros01.livrosgratis.com.br/cp132039.pdf · ajuda na confecção de um dos mapas apresentados a seguir. Por fim, devo ainda um ... Guerra

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo