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o BRASIL REPUBLICANO --. "0 coronelismo de cada urn". Revista Dados", v. 23, n. 1 Levine, Robert. 1995. 0 sertao prometido: 0 massacre de Canudos. Sao Paulol Ild Macedo. Nertan. 1964. Memorial Vilanova. Rio de Janeiro: 0 Cruzeiro. Martins, Paulo Emilio M. 2001. A reinvenfao do sertao: a estrategia organizacloll.1 Canudos. Rio de Janeiro: Funda~ao Getulio Vargas. Micelli, Sergio. 1988. A elite eclesiastica brasileira: Rio de Janeiro: Bertrand BrnHll. Moniz, Edmundo. 1978. A guerra social de Canudos. Rio de Janeiro: Civiliza~lIo II leira. Monteiro, Duglas Teixeira. 1974. Errantes do novo seculo: urn estudo sobre 0 Surto 11I1 narista do Contestado. Sao Paulo: Livraria Duas Cidades. -. 1985. "Urn confronto entre Juazeiro, Canudos e Contestado". In Fausto; II (dir.). 0 Brasil Republicano, vol.2: Sociedade e institui~6es (1889-1930), S1\oII 10: Difel. (Cole~ao Hist6ria Geral da Civiliza~ao Brasileira, tomo III). Montenegro, Abelardo. 1973. Fanaticos e cangaceiros. Fortaleza: Henriqueta Gall.1l1 Moura, Sergio L. de; Almeida, Jose Maria Gouvea de. 1985. '~Igreja na Primeira H blica". In Fausto, Boris (dir.). 0 Brasil Republicano, vol.2: Sociedade e institul~ (1889-1930). Sao Paulo: Difel. (Cole~ao Hist6ria Geral da Civi1iza~ao Bras/Jui tomo III). Nogueira, Ataliba. 1978. Antonio Conselheiro e Canudos. Sao Paulo: Companhia ill/it ra Nacional. (Cole~ao Brasiliana, vol. 355). Oliveira, Pedro A. Ribeiro de. 1985. Religiao e dominafao de classe: Genese, estrutur fun~ao do catolicismo romanizado no Brasil. Petr6polis: Vozes. Queiroz, Maria Isaura Pereira de. 1957. "La guerre sainte au Bresil: Ie mouVClIllI1I messianique du 'Contestado'". Boletim n. 187, Sociologia I, n. 5, FFCI./USp. --. 1976. 0 messianismo no Brasil e no mundo. 2" edi~ao revista e aumentada. S Paulo: Alfa-Omega. Queiroz, Mauricio Vinhas de. 1981. Messianismo e conflito social: A guerra sertano/II till Contestado: 1912-1916. Sao Paulo: Atica. Queiroz, Suely Robles Reis de. 1986. Os radicais ciaRepublica. Sao Paulo: Brasilioll Reverbel, Carlos. 1985. Maragatos e pica-paus: Guerra civil e degola no Rio Grolld Porto Alegre: L&PM. Rodrigues, R. Nina. 1897. A loucura epidemica de Canudos. Rio de Janeiro: Sociedllli Revista Brasileiraffypographia do Brasil. Sampaio, Consuelo Novais (org.). 1999. Canudos: Cartas para 0 barao. Sao Paulo: Edll~JI Sampaio Neto, Jose Augusto V. et al. 1986. Canudos. Subsidios para sua reavalia~ilo h t6rica. Rio de Janeiro: Funda~ao Casa de Rui Barbosa. Torres, Joao Camilo de Oliveira. 1968. Hist6ria ciasideias religiosas no Brasil. S1\oI'lm 10: Grijalbo. Villa, Marco Antonio. 1995. Canudos. 0 povo da terra. SilO Paulo: Atica. Zaluar, Alba. 1986. "Os movimentos messianico,q brnR//(l/t'ONI !llIln Illiturn". AnIJOCl. () que deve-se ler em Ciencias Sociais no Brasil. sno 1'111I10' COI'torl AllpOCN. 1 (I II Forma~ao da classe operaria e projetos de identidade coletiva Claudio H. M. Batalha Professor Assistente Doutor do Departamento de Hist6ria da Unicamp.

Formação da classe operária

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o BRASIL REPUBLICANO

--. "0 coronelismo de cada urn". Revista Dados", v. 23, n. 1Levine, Robert. 1995. 0 sertao prometido: 0 massacre de Canudos. Sao Paulol IldMacedo. Nertan. 1964. Memorial Vilanova. Rio de Janeiro: 0 Cruzeiro.Martins, Paulo Emilio M. 2001. A reinvenfao do sertao: a estrategia organizacloll.1

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Monteiro, Duglas Teixeira. 1974. Errantes do novo seculo: urn estudo sobre 0 Surto 11I1narista do Contestado. Sao Paulo: Livraria Duas Cidades.

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--. 1976. 0 messianismo no Brasil e no mundo. 2" edi~ao revista e aumentada. SPaulo: Alfa-Omega.

Queiroz, Mauricio Vinhas de. 1981. Messianismo e conflito social: Aguerra sertano/II tillContestado: 1912-1916. Sao Paulo: Atica.

Queiroz, Suely Robles Reis de. 1986. Os radicais ciaRepublica. Sao Paulo: BrasiliollReverbel, Carlos. 1985. Maragatos e pica-paus: Guerra civil e degola no Rio Grolld

Porto Alegre: L&PM.

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t6rica. Rio de Janeiro: Funda~ao Casa de Rui Barbosa.Torres, Joao Camilo de Oliveira. 1968. Hist6ria ciasideias religiosas no Brasil. S1\oI'lm

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Villa, Marco Antonio. 1995. Canudos. 0 povo da terra. SilO Paulo: Atica.Zaluar, Alba. 1986. "Os movimentos messianico,q brnR//(l/t'ONI!llIln Illiturn". AnIJOCl. ()

que deve-se ler em Ciencias Sociais no Brasil. sno 1'111I10' COI'torl AllpOCN.

1 (I II

Forma~ao da classe operaria eprojetos de identidade coletivaClaudio H. M. BatalhaProfessor Assistente Doutor do Departamento deHist6ria da Unicamp.

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1111!lilll

l'ORMAc;Ao DA CLASSE OPERARIA: UM FENCMENO ECONCMIC07

rma<;ao da classe openiria e freqiientemente pensada como urn fenome-I

IIIJ purament: ~conomic~ associado ao surgim~nto da ind~stria. Desse mo~o, Ilnsse operana no BrasIl costuma ter sua orIgem assoclada ao sur to de m- .

hllJtrializa<;ao da decada de 1880, quando 0 numero de estabelecimentos I~.Ihhlustriais triplica, passando de pouco mais de 200 em 1881 para mais de ';111

()O em 1889 (Prado JUnior, 1976, p. 259). .Uma das critic as aos estudos calcados nessa perspectiva e que "tomavam .!~/

loese como urn efeito quase mecanico da estrutura produtiva" (Petersen,1101, p. 13), deixando de considerar que a existencia de trabalhadores fa-

IIIIH. em si, nao assegura a existencia de uma ciasse, 0 que pressup6e in teres-oletivos constitufdos na experiencia com urn. A formac;ao de classe e, Ii.

I'lII'tonto, urn processo mais ou men os demorado, cujos resultados pOdem:.1rificados na medida em que concep<;6es, a~6es e institui<;6es coletivas, ·1:

lasse, tornam-se uma realidade.1111,igualmente, an:Hises que, alem do surgirnento da industria, associam

11)1'1U1l!raoda classe operaria a plena imposi~ao do trabalho assalariado sem\lcorrencia do trabalho escravo. Nessa concep~ao a escravidao dificulta-

Ic6 entravaria 0 processo de forma<;ao do proletariado como classe (Footol1nrdi, 1982, p. 109), partindo de uma suposta oposi<;ao entre trabalho

I "IlVO e trabalho livre, que, na pratica, esta longe de ser verificada, postomesmo em fabricas, as duas formas de trabalho podiam coexistir.n!o considerar os escravos como sujeitos dotados de qualquer au-

Bsa prodll~ito sacralizou uma divisao por perfodos da hist6ria dorllndndu exclusivnmcnte cm crit~rios econ()micos e em marcos po-

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o BRASil REPUBLICANO

, t

""M"~Ao DA ClASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COlETIVA

lfticos (como 1889, 1930 e assim por diante), incapaz de perceber contindades de urn periodo para outro e, sobretudo, desatenta para a dina,mlespedfica do processo de forma<;ao da classe operaria.

Em urn caso como no outro - 0 crescimento industrial da decad!1880 ou a aboli<;ao da escravidao -, seriam determina<;6es objetivas, inpendentes do modo como os homens e as mulheres inseridos no trabalhfabril viam a si pr6prios e as rela<;6es a que estavam submetidos, que conflrariam a existencia de uma classe operaria. Evidentemente, isso nao quer cl~que 0 processo de trabalho, 0 tipo de estabelecimento industrial, 0 graumecaniza<;ao da produ<;ao, 0 numero de trabalhadores por empresa fosfatores irre1evantes na experiencia dos trabalhadores. No entanto, isso ndeve conduzir a estabelecer uma rela<;ao automatica entre a forma assumlpelo trabalho e a existencia da classe operaria, que, mais que uma decorrcia da forma de trabalho, e 0 modo como esses trabalhadores se perceb

mao capital da Republica e ainda nao superada por Sao Paulo comoIttdpal cidade industrial do pafs - apontava para 0 predomfnio de medias11'l'tINaS,que, segundo os criterios adotados nesse caso, eram as empresas

Itl pOBsufamentre seise 40 operarios (Lobo, 1978, p. 487-488). A despei-.III canher parcial desse levantamento e dos discutfveis criterios que con-

hlQIII.vom como grandes empresas aque1as que tivessem mais de 40 operarios,It· 118pequenas e medias empresas correspondiam a 720/0 do total. Nessehli1m, 0 trabalho em industrias modernas e mecanizadas, como as texteis,II' ,'ollniam centenas e ate mil hares de operarios, representava ainda umaIIIlrlenciavivida por uma minoria, ainda que numericamente muito expres-

I~II.dOB trabalhadores ..1'01' tim, no que diz respeito a dimensao masculina da classe operaria, de

1111111 Primeira Republica prevalecem os hom ens no trabalho manufatureiroIIlllllHtrial.Entretanto, a mao-de-obra feminina foi muito significativa emIII1IM como 0 textil e 0 de vestuario, chegando a ser majorit;iria em alguns

11114111'(% De qualquer modo, 0 que e importante ressaltar e que 0 peso doIttl"dho feminino esteve sub-representado na face rriais visfve1da classe ope-IIII - suas organiza<;6es. Inclusive nas organiza<;6es de setores que conta-'" l'om presen~a significativa e ate mesmo majoritaria de mulheres, como

IHHocia<;6esde trabalhadores texteis, elas estavam quase que invariave1-Itliln nusentes dos quadros diretores. As uni6es de costureiras, surgidas em

ItJ. no Rio de Janeiro e na cidade de Sao Paulo, estao entre as poucasS de organiza<;6es sindicais compostas e dirigidas por trabalhadoras,

III 11'leSmOpor se tratar de urn setor exclusivamente feminino.

A COMPOSIc;:Ao DA CLASSE OPERARIA

A imagem associada a classe operaria na Primeira Republica e de que esta f,"branca, fabril e masculina". Cada urn desses atributos falseia a realidadseu modo.

Falar de uma classe operaria "branca", composta em sua maioria de igrantes europeus, e sem duvida uma avalia<;ao globalmente correta parestados de Sao Paulo e do Sui, mas desconsidera 0 peso do operariado I'ncional", com significativa participa<;ao de negros e mulatos no restantpais. Alem disso, mesmo em estados com grande presen~a de imigranteropeus, ha situa<;6es particulares que contradizem a generaliza<;ao de ~lJ

classe operaria branca e estrangeira, caso das cidades de Rio Grande e, mAlparticularmente, de Pe1otas, no Rio Grande do SuI (Loner, 2001, p. 85).

Por outro lado, 0 caniter fabril do operariado foi grandemente exa,do nas fontes disponiveis, pois, de modo geral, os levantamcntos publiprivados do periodo tenderam a desconsiderar as mnnufnturns e oficinas,pequeno numero de opetarios e com trabalho mnnnol, Allicin Ilssim, em 190urn levantamento realizado pelo Centro huillmllli dll 1h'IINII lIO Rio de JIIII

Ao E ORGANIZAc;:Ao OPERARIA

un deSliecessario ressaltar 0 imenso significado da imigra~ao no surgimentodu Ideologias negadoras do sistema vigente no pals e na ado<;:aode modelosOfBuI1lzat6rios pela classe operaria" (Fausto, 1977, p. 32).

1lI11111t:I1mito tempo vigorou a tese de que havia uma correla<;ao direta entre111111'11.'11 )1resell~n de ilnigrol'ltcs no Sudeste e 110 Sui do pais e a militancia do

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o BRASIL REPUBllCANO

movimento operario e a difusao de certas ideologias, como fica evidente nacitas;ao acima. Na medida, porem, em que os estudos sobre a imigra<;ao seaprofundaram, essa rela<;ao passou a ser vista com crescente reserva. Minai,o que esses estudos mostraram e que a imensa maioria dos imigrantes provi-nha do campo e, na maioria das vezes, nao tinha qualquer experiencia pre-via de engajamento sindical ou polftico. Isso, evidentemente, nao quer dizerque nao existissem imigrantes com experiencia previa nos seus pafses de ori·gem e cuja emigra<;ao se devia nao a raz6es de ordem economica, mas a pro-blemas polfticos. Particularmente entre os militantes operarios em Sao Pauloe possfve! encontrar varios casos que se encaixam nesse perfil.

Paradoxalmente a composi<;ao etnica pode ser vista mais como urn elM.mento de dissenso do que de consenso entre os trabalhadores. A origem ru·ral da imensa maioria dos imigrantes, sem experiencia sindical ou polfticnanterior, a perspectiva de ascensao social e as diferens;as culturais, tanto entre os diferentes grupos de imigrantes como destes com re!a<;ao ao opernriado nativo, que freqiientemente resultam em conflitos etnicos, sao algutfatores que dificultam a organiza<;ao operaria (Hall e Pinheiro, 1990). Elltretanto, se nao ha duvida quanta a exist encia desses fatores, e muito dWellavaliar 0 seu peso efetivo e em que momentos tendem a exercer maior influallcia. No caso dos conflitos etnicos, por exemplo - sobre os quais nao falClIl1ltestemunhos -, resta saber em que medida se trata de urn fenomeno dcrtvudo da xenofobia e de identidades nacionais antagonicas dentro do movimclll1lloperario ou se se trata de urn fenomeno conjuntural, relacionado, por 0,,"0111

plo, com momentos de maior disputa pelo mercado de trabalho.Se 0 mito do imigrante militante, que traz da Europa experiencia shlill

cal e polftica, incapaz de se sustentar diante da evidencia empfrica que 11111

trava uma maioria de imigrantes provenientes de areas rurais atrasadnH BIt

seus pafses de origem, foi, em grande medida, abandonado nos estudoll I

centes, outros argumentos tambem contribufram para enfraquecer 06Nt! tll'llde interpreta<;ao. E lembrado, por exemplo, com pertinencia, de quo II I"pria op<;ao pela emigras;ao para fugir da miseria mostra a inexistel'lcln <InIIII!cren<;a na possibilidade de mudan<;a da situa~ao atravcs da Ileao slndlwllpolftica (Maram, 1977, p. 189).

QRMA<;Ao DA ClASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COlETIVA

Nos pafses em que a imigras;ao teve urn peso fundamental, ComO no Bra-ntre os fatores que dificultam a organiza<;ao openiria, em prirtleiro lu-oostumam figurar as divis6es etnicas e os conflitos que delas derivam.

Idllldos problemas que naturalmente decorrem da convivencia de grupos11100sque nem ao menos possuem uma lfngua comum, ha problemas entre

rupos instalados ha mais tempo nos centros urbanos brasileiro5 e os deIda mais recente. Isso vale tanto para os conflitos entre brasileiros ernntes, como para os conflitos entre diferentes grupos etnicos de imi-

IIIIlvalia<;6esfeitas pelos militantes da epoca tendem a confirmar a ideia

I"C n imigras;ao podia, em muitos casos, ser uma fonte de dificuldade paraIlIlizas;aooperaria. Como escreveu 0 socialista italiano Alceste de Ambris:

IIIn.o se deve esquecer que a c1asse trabalhadora no Brasil e cOllstitufdaIrillentos dfspares e variados em ra<;a, lfngua, temperamento, cultura e

I 0 que torna mais diffcil 0 entendimento e a organiza<;ao."lIlIrn dimensao da "cultura" do imigrante freqiientemente apontada porYlldores contempod.neos, e que refor<;a sua resistencia a as;iiode dasse,I'lipoctiva de "fazer a America", ou seja, de enriquecer e voltar ao pais

1141111\, Mas a despeito do fndice relativamente alto de retorno - 45%II (lo estado de Sao Paulo -, como aponta Michael Hall, ha poucaIII de que os que retornaram tivessem efetivamente consegUido al-

IlbJctivo de enriquecer (Hall, 1975, p. 400). Por outro lado, se allyn de enriquecimento rapido podia estar presente no imigranteInpuls de sua chegada, e pouco provavel que com 0 passar dos anos,

hiM dificuldades enfrentadas, essa cren<;a se mantivesse, comO perti-l1SCriuSheldon Maram ao analisar a participa<;ao de ol'erarios

11011 movimentos grevistas de 1917-1920 (Maram, 1977, p. 192).lIuNltos ctnicos sao freqiientes, quase sempre assumem a carater

ntre setores organizados e nao organizados do proleta-ntra nao-grevistas ou fura-greves. Trabalhadores empre-

11I1I'U1doli por sua organiza<;ao sindical contra recem-cbegadosIt III tit! \IIllll orgnniza~ao profissional. Sao raros os conflitos en-lUllduh. llldoll cotcgorias organizadas que assumem uma diJ1lensao

JIIII\lIl1ll'UN l'II/lOH couh\Jcldos foJ 0 confUto violento que sC seguiu

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o BRASIL REPUBLICANO

a elei~ao para a diretoria da Sociedade de Resistencia dos Trabalhadores emTrapiche e Cafe, no Rio de Janeiro, em 1908, de uma chapa que contavacom a presen<;a de imigrantes, enquanto a maioria da categoria era compos-ta por negros e mulatos, que ate entao dominavam as diretorias (Maram1979, p. 31). Mesmo nesse caso, porem, e discutfvel ate que ponto a compo-si<;aoetnica de cada urn dos grupos explica 0 conflito, posto que nao faltamoutros exemplos de confrontos ffsicos violentos entre fac<;6es dos sindicatoportuarios do Rio de Janeiro sem que a diferen<;a etnica estivesse presente.Pode-se ate falar de uma cultura da violencia nas associa<;6es portuarias tanto no Rio como em Santos, que nao tern qualquer liga~ao direta com a opsi<;ao entre grupos etnicos (Gitahy, 1992, p, 122).

Por outro lado, se ha uma serie de categorias profissionais que sao doll'nadas por determinados grupos etnicos, 0 que freqiientemente provoca (I

afastamento dos trabalhadores de outras etnias das organiza<;6es profisslnnais controladas pelo grupo majoritario, a organiza<;ao dos trabalhadores COlli

base na nacionalidade e relativamente pouco significativa. Assim, Michnl'lHall (1975, p. 398) cita 0 exemplo, entre os chapeleiros de Sao Paulo IIfI

decada de 1890, dos trabalhadores brasileiros, alemaes, espanh6is e portllgueses que se sentiam marginalizados pelos italianos, que controlavam 1\11

socia<;aoda categoria, on de 0 italiano prevalecia como lfngua ate nos estatlllilParece provavel, portanto, que grupos nacionais minoritarios enfrentasHf'1Ialgum grau de dificuldade em categorias como os vidreiros da Agua Broilem Sao Paulo, de maioria francesa, os trabalhadores de cafes, bares e rOHllI1Irantes no Rio, de maioria espanhola, ou a constru<;ao civil em SantoH1 IImaioria portuguesa. Nesse sentido, seria 16gico supor que, se a identhhllletnica fosse urn fator fundamental em meio ao operariado organizado, 1"liferariam associa<;6es operarias organizadas exclusivamente com bltNI' I

nacionalidade ou na origem etnica, mas os exemplos nesse sentido sOo I" I

co numerosos. No Rio de Janeiro existiu, nos primeiros anos do s6cul{1uma Liga Operaria Italiana que desapareceu depois do Primeiro COllatOperario Brasileiro de 1906. Ja em Sao Paulo, a mais celebre assoCIIl~nlltrangeira foi a associa<;ao geral dos trabalhadores alemaes, AlIp.t11111'1Deutscher Arbeiterverein, de orienta !tao socio\·(\cllwc\'nca. allvn <III d

FORMA~AO DA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COLETIVA

de 1890 ate pelo menos a de 1920, sem, no entanto, jamais ter desempenha-do urn papel de peso no conjunto do movimento operario.

No infcio de 1913 0 movimento operario chegou a organizar uma cam-nha contra a emigra~ao para 0 Brasil, decidindo, em reuni6es realizadasRio de Janeiro, em Santos e em Sao Paulo, pelo envio de representantes

Europa a fim de fazer propaganda.3 Essa campanha, porem, longe de re-resentar uma rea<;ao contra os imigrantes, visava a fazer conhecer aos can-Idatos potenciais a emigra~ao, assim como aos seus govern os, as condi~6es

favoraveis que encontrariam no Brasil. Tratava-se da resposta dada pelovimento as expuls6es de operarios imigrantes que participaram das gre-m Santos em 1912 e a amplias;ao dos dispositivos da Lei de Expulsao de

trangeiros de 1907, aprovada pelo Congresso Nacional em 1913 (Gitahy,2, p. 69-71).

que mais tern mudado com as analises mais recentes e a tendencia atlzar a avalia<;ao - que passou a vigorar como rea<;ao ao automatismo da

Ift~noentre imigra~ao e militancia - de que muitas vezes a imigra<;ao con-hn em si elementos capazes de dificultar a organiza<;ao operaria. Todavia,

1110 levando em conta diferen<;as etnicas, religiosas, regionais e lingiifsti-I"e podem contribuir para a divisao do operariado, essa tendencia busca

superestimar. As dificuldades de comunica<;ao entre imigrantes pro-lites de diferentes regi6es da Italia, por exemplo, sao menos significati-

IIlre imigrantes adultos, hom ens que prestaram servi<;o militar antes delI'em, onde tiveram no italiano a lfngua comum (Biondi, 2002), do que

11\ pnrecer em urn primeiro momento. Entretanto, a experiencia comumIrhdn6rios de regi6es diversas ao longo do servi<;o militar nao signifi-

nriamente que a identidade nacional suplantaria no curto prazo ashilldtllll'cgionais. Uma demonstra<;ao disso e que ate 1896 na cidade de"Ill, no passo que existiam organiza<;6es de alemaes, franceses, espa-JllII'llIgllcses, nao existia uma organiza<;ao comum dos italianos, mas\'1(1 tltl Ilssocia!toes regionais de meridionais, calabreses, venetos etc.

11)1)0, p. 41).lll'IIIHMo11 ser tirnda da produ!tao que relaciona a imigra<;ao com a

III L'lIlHHoopcl'Mln IJO BI'nsil6 0 abandono por completo das anali-.. _",!iUI "Ill d'~I(,I'1l1huH.:l'Itltl CIIII'\1ll11'olll. Cllle poditltn conduzir tanto aver

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o BRASIL REPUBLICANO

necessariamente em todo imigrante urn anarquista ou, ao contrario, percebe-10 como exc1usivamente movido pe10 interesse individual de enriquecimen-to, 0 que tomaria implausfve1 sua participa<;ao em movimentos coletivos. Seexistiam dificuldades objetivas para a organizarrao coletiva dos imigrantes edas classes trabalhadoras de modo geral, nao faltaram exemplos, ao longoda hist6ria da Primeira Republica, de momentos em que essas dificuldadesforam suplantadas.

A CLASSE COMO MANIFESTAc;,A.O HIST6RlCA

Os segmentos da c1asse openiria que mais facilmente se organizaram, emmuitos casos desde 0 seculo XIX, foram os trabalhadores qualificados, dtentores de urn oficio. Tip6grafos, alfaiates, sapateiros, pedreiros, marcenolros, padeiros estavam a frente da mobiliza<;ao openiria de Belem a PorteAlegre. Esses trabalhadores geralmente nao eram mais artesaos independtes, mas assalariados submetidos a urn patdo; no entanto, detinham urnber de offcio que Ihes conferia urn certo poder de barganha nas negocia9por me1hores sahirios ou condi<;6es de trabalho. Alem disso, estavam mprotegidos do infortunio que os trabalhadores desqualificados, por soralllmais bern pagos e possufrem maior facilidade de coloca<;ao no mercado IItrabalho, mas tambem por contarem com mecanismos de proterrao 'COIIII

doen<;as e mesmo 0 eventual desemprego, quer atraves de sociedades m\111!listas de oficio, quer atraves dos seus sindicatos. Essas caracterfsticas nao tlrlll

uma exclusividade do caso brasileiro, pois, mesmo em pafses europO\1dustrializados, ate 1914, a base do movimento operario era constitufdl1l1f'11Itrabalhadores qualificados, e a maioria dos trabalhadores, isto e, os dO'II11lificados, estava fora dos sindicatos (Geary, 1984, p. 16-17).

A despeito da situa~ao vantajosa dos trabalhadores qualificadparados aos sem qualifica<;ao, as transforma<;6es na produ~aono processo de trabalho amea<;avam essa situarrao. Em multotrabalhadores de offcio viam sua importancia decrescer com a inu'ochl\nlnovas tecnicas de produrrao, de mecaniza~ao e de mfio-clc-obrn 11111111 IIcomo 0 trabalho feminino. A nostnhda de Ull1 pnHNl1du Idonlhwlo dll

FORMA<;AO DA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COlETIVA

° lamento da arte (saber de oficio) perdida marcam 0 discurso dos porta-Vozesdesses trabalhadores.

Em janeiro de 1913, no Rio de Janeiro, 0 socialista Mariano Garcia, quera cigarreiro, ao comentar sobre a situa<;ao de sua categoria e a perspectivaque a Sociedade Beneficente dos Cigarreiros viesse a desaparecer por fal-de gente disposta a assumir a dire tori a, atribuia as dificuldades a mecani-Ao da produ~ao e a introdu<;ao do trabalho de mulheres, que haviamrretado a queda de salarios e 0 afastamento de antigos cigarreiros.4Como resposta ao processo de desqualificarrao, mecanismos de contraleIprendizado chegaram a ser propostos por sociedades openirias, como a

11\0dos Trabalhadores Graficos de Sao Paulo, que, em 1905, propos a cria-de uma Escola do Livro com esse intuito (Vitorino, 2000, p. 145-146).

b a lideran<;a de trabalhadores qualificados de oficio, 0 movimentorio foi moldado pelo discurso e pelas formas de organiza<;ao desses tra-dores. Ate 1917, em cidades como 0 Rio de Janeiro e Sao Paulo, osIhlldores fabris tiveram pouco peso na condu<;ao do movimento opera-despeito de ser 0 setor que mais cresci a e cujas empresas reuniam 0n(lmero de operarios. 0 pr6prio predominio, ate a segunda metadedn de 1910, de organizarr6es sindicais fundadas sobre 0 offcio emlito das organiza~6es baseadas no ramo de atividade ou no setor in-

Iuificultava uma maior participa<;ao de operarios fabris nos movimen-l'llvos. Os varios offcios da constru~ao civil foram reunidos no Rio de

III 1915, pela Uniao Geral da Constru~ao Civil, que logo se desar-voltondo a organizar-se em 1917. Em Sao Paulo, a uniao dos offciosI(lr Ocorre em 1919 com a forma<;ao da Liga Operaria da Constru-I. Pcn8meno semelhante se produziu entre os metalurgicos, que s6Illl'lcndos no Rio de Janeiro em 1917, na Uniao Geral dos Metalur-

Paulo em 1919, na Uniao dos Operarios MetalUrgicos. A'''Wc~no fI essa 16gica e 0 caso dos operarios texteis, cujas organiza-

ON I')rimciros snos do seculo XX foram formadas com base naIllIhnm In(ullcras dificuldades para mobilizar 0 grande nume-IIII'CI do Notor.

11111, Ij(I rill wnndc l1Iodldn1110 X.X to 1IIIIIdlldo pol

movhnento operario das primeirasfrnbnlhadoros clUl'\lificadosde oficio,

Page 7: Formação da classe operária

o BRASIL REPUBLICANO

isso em absoluto nao significa endossar a teoria de que doutrinas como 0

anarquismo seriam caracteristicas de trabalhadores ainda nao plenamenteinseridos no trabalho industrial. Esse tipo de visao e marcada por urn viesideol6gico que pressup6e que trabalhadores industrializados deveriam ado-tar como ideario urn socialismo de cunho marxista. Implica, portanto, urn,valoriza<;ao desse ultimo e uma percep<;ao negativa do anarquismo. Entre-tanto, tanto 0 socialismo como 0 anarquismo eram doutrinas presentes nes.se movimento operario. 0 que levou 0 anarquismo a suplantar 0 socialismna preferencia de muitos militantes operarios deve-se menos as caracteristlcas do tipo de trabalhador que militava nesse movimento e muito mais ~condi~6es politicas do Brasil da Primeira Republica. Pois e diflcil supor quurn socialismo em grande parte voltado para a mudan<;a atraves do proceSS{Ieleitoral, que distingue 0 socialismo da Segunda Internacional, pudesse florescer em urn quadro politico em que 0 espa<;o para a participa<;ao eleitornldos trabalhadores fosse tao limitado quanta 0 caso brasileiro. Entretanto.como veremos adiante, essa explica~ao esta longe de ser satisfat6ria.

A organiza~ao dos trabalhadores, fossem eles qualificados ou nao, e \1111tra<;omarcante do Brasil da Primeira Republica. 0 volume deassocia<;6escriadlltendia a ser particularmente visfvel em momentos de ascenso do movimellilloperario, quando condi~6es econ6micas favoraveis conferiam urn maior ))(1

der de barganha ao operariado e os movimentos grevistas tinham maiO.1chances de sucesso. Assim, de 1917 a 1919, nas cidades do Rio de Janeiro 0 IISao Paulo, foram criadas mais organiza<;6es operarias do queem qualquer 01111

perfodo de tempo equivalente. Essa tendencia pode ser lida como urn indicallvdo carater efemero das sociedades operarias e de sua instabilidade, mas 111111

bern pode ser interpretada como uma demonstra<;ao de que, a despeito IIcondi<;6es adversas (recessao economica, repressao etc,) que podiam comllillao fechamento das associa<;6es, a cada con juntura mais favoravel, 0 operrllldo estava propenso a reconstituir e ampliar suaorganiza~ao.

Os momentos de mobiliza<;ao em varias cidades brasileiras, como 0

yes de 1902-1903, 1906-1907, 1917-1919 ou 0 movimento contra a COl'

de vida de 1913, apontam para uma outra questao: a deque esses mOJ1H1ttfmpares da a<;aocoletiva envolviam muito mai-sgente do que 0 l1UIneJ'(1 ,

trito de trabalhadores - sobretudo qualificados - percel1centes ~!l sod

FORMAC;Ao DA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COLETIVA

des operarias. Sao nesses process os que a c1asse como uma realidade hist6ri-ca aparece, na medida em que os interesses coletivos se sobrepoem aos inte-l1essesindividuais e corporativos. E entao que podemos falar de forma<;ao deolasse operaria, nao como 0 resultado mecanico da existencia da industriaou da abo1i~ao da escravidao, mas como urn processo conflituoso, marcadoor avan~os e recuos, pelo fazer-se e pelo desfazer-se da dasse, que surge narganiza~ao, na a~ao coletiva, em toda a manifesta~ao que afirma seu cara-r de c1asse.

'rande esperan~a suscitada nos meios organizados do operariado pelovento da Republica em 1889, recebida como marco inaugural de uma novade direitos politicos e sociais, pode ser comprovada pela passagem do

horial da Voz do Povo, jornal que tinha como subtftulo "6rgao open1rioIctados Unidos do Brasil".

Novas harizontes se abrem ao povo brasileiro, com 0 estabelecimento daforma republicana de governa no pals.

democracia, que na sua acep!rao pura [...J eo regime de igualdade dos di.ttos como dos deveres, veio enfim nivelar todas as classes na partilha dos

h~ns sOciais, libertando-as do privilegio de umas sobre outras.

Proletariado nacional, que ate hoje foi apenas uma for!ra anonima servin.Jo tie base a todas as ambi!roes, por inconfessaveis que fossem, passou destarte

r uma far!ra preponderante na sociedade, urn elemento de prosperi dade,rlqueza e de progresso.

1111It base da ardem, representada pelos poderes que se constitulram, ahlduMtriol/smo tomara ingente impulso, valorizando a entidade moral e social

II11lHm1rlo, que e modestamente 0 grande fator da civiliza!rao e da grandeza"ovo,,'

m 0 novo regime foi seguida de uma igualmenteIIdn Cl\l que osee se mostTOU incapaz de atender aos

I dtlHlluNno d III1l ICllln 0110 npnrccc reperld

Page 8: Formação da classe operária

o BRASIL REPUBLICANO

vezes na imprensa operaria nos anos que se seguiram ao 15 de novembro de1889. Muitos dos futuros socialistas, como 0 gaucho Francisco Xavier daCosta (Schmidt, 2002, p. 365-367), bern como futuros anarquistas, como 0

paulistas Benjamim Mota e Edgard Leuenroth (Toledo, 1998, p. 102), che-garam a essas concep<;6es a medida que viram a Republica fechar as portastoda esperan~a de transforma~ao efetiva.

Essa desilusao propiciou tres tipos de resposta de parte do movimentopenlrio. A primeira foi a da busca de obten~ao de direitos sociais, sentquestionamento do sistema politico, sustentada pelo positivismo, coopertivistas e toda uma serie de manifesta<;6es do sindicalismo reformista. Comdeixa claro 0 oficio circular de outubro de 1909 do Cfrculo dos Operarlda Uniao, com sede no Rio de Janeiro, que proclamava entre seus objetiv"Pugnar dentro da mais absoluta ordem e do respeito a lei, perante os pores constitufdos do palS, pelos direitos e interesses legftimos da classe, outgados pela liberrima Constitui~ao de 24 de fevereiro [de 1891],descuidados ate hoje, .."6

A segunda resposta foi aquela que propunha a conquista de direitociais aliada a direitos politicos, visando a mudan~a do sistema pela partiel\,~ao no processo politico-eleitoral, posi<;ao dos socialistas e dos setores 111111

politizados do sindicalismo reformista.o programa do Partido Operario Brasileiro de 1893 justifica

~amento com base no argumento de que "a emancipa~ao econ6miclasse trabalhadora e inseparave1 da sua emancipa~ao poiftica"7,punha em seu programa a elei~ao direta para todos os cargos eletivsufragio universal e a possibilidade de revoga~ao dos mandat ...",como a extensao do direito de voto a todos os indivfduos que atlno "estado civil" (21 anos). Cinco anos mais tarde, 0 socialista VlcolltSouza escreveria:

o Socialismo, no Brasil, perante a forma republicana, j~ agora Uudldem todas as rela~6es que serviram de base a propaganda e tis pIhe em seu seio a grande multidao dOll que esperam alndrepublicanismo radical.

'ORMA«;AO OA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IOENTIOAOE COlETIVA

Nao ha, nao po de haver antagonismo entre as duas denomina~6es pois que 0

SOcialismo, em sua inteira e exata acep~ao, e a forma social e polftica querealiza todas as promessas, todas as aspira~6es e todas as solu~6es do proble-ma republicano.8

oncep~ao de Vicente de Souza fica evidente que apenas 0 socialismoII capaz de levar a cabo as promessas da Republica. Torna-se comum aoslalistas brasiIeiros, a partir da decada de 1890, a transposi<;ao para a Re-Ilea do mesmo raciocfnio ja empregado pelo movimento socialista comIto a Revolu~ao Francesa, 0 de que uma e outra seriam processos ini-, porem deixados incompletos, cabendo, portanto, aos socialistas leva-lunte.

'Innlm~nte, a posi~ao de nega~ao da polftica irlstitucional, depositandodireta a forma de pres sao necessaria para a obten~ao de conquistas,

Ida por sindicalistas revolucionarios e anarquistas. Apesar das impli-lIdo inteiramente iguais em urn caso e no outro da no~ao de a~ao di-

ambos a a<;ao direta passava pela rejei<;ao de intermediarios, de5, fossem esses mediadores os partidos polfticos, indivfduos ountes do governo.

ngresso Operario Brasileiro, realizado em abril de 1906 na capitalhUe!, em cujas resolu~6es prevaleceu uma orienta~ao sindicalista

ria, a resolu~ao que respondia ao tema 1, em que era pergunta-Itldades operarias deveriam aderir a uma "polftica de partido" ounoutralidade, dizia:

ndo que 0 operariado se acha extremamente dividido pelas suaspolrtlcas e religiosasj

Illllea base s6lida de acordo e de a~ao Sao os interesses economicosda Q cJasse operaria, os de mais clara e pronta compreensao;

11111 (II trabalhadores, ensinados pela experiencia e desiludidos da saJ-Y/IIIlA d~ fora cIasua vontade e a~ao, reconhecem a necessidade iniludivel

ell\()mlcn dlreta de pressao e resistencia, sem a qual, ainda para osIIt~r/o.1nnO ltd lei que valhal

, Opurrtrlo Rcol1selho 0 prolctnrlado a organlzar-se em socieda-l_"IILlh,CI~OIl()lIIhJI\, ngrupllllulUCo IlIlIH.mclnl(I, 80111nbondonnr a dofo.

Page 9: Formação da classe operária

o BRAS'L REPUBLICANO 'ORMA~AO DA ClASSE OPERAR'A E PROJETOS DE IDENT'DADE COLETIVA

sa, pela a~ao direta dos rudimentares direitos polfticos de que neClllINlrl1111

organiza~6es econamicas, a par fora do sindicato a luta polftica csptlclHll1urn partido e as rivalidades que resultariam da ado~ao, pela associo~nu!III I

sistencia, de uma doutrina polftica ou religiosa, ou de urn progrnl1ln01011111,,,(Pinheiro e Hall, 1979, p. 46-47).

ja eo corporativismo, que, sem uma rela<;ao direta com 0 positivismo,ervam essa mesma concep~ao.A posi<;ao positivista no meio operario foi representada especialmente

10ja mencionado Cfrculo dos Operarios da Uniao - Culto do Trabalho,niza~ao que atuou, sobretudo, na entao capital da Republica com rami-Oespe10s estados vizinhos entre 1909 e a decada de 1920. Urn dos me-S exemplos das posi<;6es adotadas por essa organiza~ao e a carta

re~ada aos organizadores do IV Congresso Operario Brasileiro que pu-n no diario carioca A Epoca em 24 de outubro de 1912. 0 Cfrculo, atra-

seu vice-presidente Abflio de Santana, agradeceu, porem recusou 0vlte para participar do congresso alegando dever aguardar ° tramite dosletos "sujeitos as sabias, doutas e criteriosas delibera~6es do PoderINlntivo", bern como "esperar as resolu<;6es do Exmo. Sr. Presidente dahlica, pe10s esclarecidos 6rgaos do seu governo" com respeito as solici-que 0 Cfrculo encaminhara pelas reformas do "atual regime do traba-Uexto do Cfrculo tambem mostra "plena convic~ao de que a mascula

1(') soverno, ou antes, a eleva~ao de vistas dos poderes publicos" serapcrante os patr6es, pois uma legisla~ao para os operarios da Uniaof1exos sobre os trabalhadores do setor privado (Confedera~ao Brasi-

In Trabalho, 1913, p. 178-179). Dentro dessa perspectiva, qualquerIe mobiliza<;ao ou pressao era vista como prejudicial a obten<;ao dospleiteados. as integrantes do Cfrculo eram movidos pela cren<;a de

pnrlamentares e 0 governo nao poderiam deixar de tomar uma atitu-1110 da justeza das reivindica~6es apresentadas. Prevalece, portanto,

I11lza.~aouma perspectiva que descarta a luta polftica e 0 conflito.IIlldo, 0 Cfrculo representa urn tipo bastante peculiar de organiza-

Imhnlhndores, agindo muito mais como grupo de pressao moral do11111 IIlnclicnto. Ja na circular do Cfrculo, anteriormente citada, envia-IIll1rhlndc.:sem outubro de 1909, na qual anuncia estar em funciona-

,\tl.litn opoio "moral e cfvico", inclui entre seus fins:

Resolu<;6es dentro do mesmo espfrito foram aprovadas nos constOIl"!)"UI'rarios brasileiros de 1913 e 1920, e, inclusive, a maioria dos anarqlllHIII~1111

atuavam no movimento sindical passa a defender essa postura, CnClII'lIl1ll11

op<;ao pelo ideario anarquista como uma escolha individual fora du IIhllllto. Ainda em 1906, 0 jornal anarquista gaucho A Luta refor~adentro dos sindicatos.

Como temos procurado explicar, sempre que tratamos de sindlassocia~6es operiirias desse genero, devem ser exclufdas todaticas, religiosas ou filos6ficas, e apenas prevalecer a de uma conaUIN1I1mica pela a~ao direta dos indivfduos solidarios e conscientes,P

A LUTA POR DIREITOS SOCIAlS

Como resposta a exclusao social e poiftica que nao terminouda Republica, parte substancial dos setores organizados depriorizou a luta por direitos sociais. Mas as raz6es que conduzClHldireitos sociais, muitas vezes em separado e em prejufzo da tutu )11I1 tllI..1poifticos, variam considerave1mente de corrente para corrente do 1I1IIVilli

operario. Destacam-se, entre as correntes que por razoes OpOHllIN \'lIh.1I

para a luta por direitos sociais, tanto as circunscritas e Ihnitndosl1ll111lh"1de positivismo no meio operario como a face mais visfvel do Hhllllnlll~1I1Primeira Republica, que foi a corrente sindicalista rcvolnc.ion

A concep~ao comtiana da incorpora~ao do operodlulderna, largamente divulgada pelos positivistas brasilclrusociais, e nao a direitos polfticos (Carvalho, 1987, p.toda uma serie de projetos de oriacns divcl'lIns. COlli

'olnbornr com 0 Governo nas medidas que tenham por fito me-n1l 11I1L1011dl~rI(l1i de vldn dus classes trabalhadoras, de que somos parte,IlIl.IYlllldll IIHIIIIII 11 C()l)Frfll'!l1'1111.n~t\odna classes produtoras em geral, e 0

Page 10: Formação da classe operária

o BRASIL REPUBLICANO

feliz cons6rcio entre 0 Capital e 0 Trabalho pelas formas enunciadas no regi-me de arbitragem, de modo que cesse de vez, na especie humana, a luta dcastas que entorpece 0 surto da unidade de vistas altruisticas [..,].10

Nesse caso, nao creio que conceitos como 0 de "estadania" (Carvalho, 1981p. 54-55), que foi forjado para designar a posi~ao de correntes openirias quse deixavam cooptar pelo Estado, contribuam para a compreensao dessposi<;6es. A separa<;ao entre direitos sociais e direitos polfticos que norteiaconcep<;ao do Cfrculo nao e urn tra~o exclusivo da cultura iberica nelltampouco das caracterfsticas especfficas da cidade do Rio de Janeiro, qllservem de fundamento para 0 conceito (Carvalho, 1987, p. 149-152), Pnao faltam exemplos semelhantes em outros contextos. Operar com modlos ideais de cidadania nao permite ver que 0 que de fato 0 Cfrculo fnzconferir ao Estado 0 papel de avalista de direitos que ele, Cfrculo, julgatir. Nao ha capitula<;ao diante do Estado, mas negocia<;ao com este no to,fl

no moral escolhido pelos partidarios do Culto do Trabalho. 0 fato dprojeto nao ter obtido sucesso nao deve servir de pretexto para sua desetllll

lifica<;ao pe1a posteridade.Partindo de uma perspectiva completamente diversa, mas guardanclo fli

comum com as posi<;6es anteriormente descritas a separa<;ao entre dirtlhllpolfticos e direitos sociais, situava-se a corrente de maior visibilidndo IIsindicalismo brasileiro: 0 sindicalismo revolucionario. Essa corlenl'freqiientemente foi design ada por divers os autores como "anarco-sinclta", nao foi uma mera ramifica~ao do anarquismo, mas uma correnttl (\III

noma, fundamentada em uma doutrina propria, que conservavn 11111elementos do anarquismo, como a a~ao direta e 0 federalismo, COIII II

marxismo, a exemplo da luta de classes (Toledo, 2002, p. 7-8). EntrellllHlconfusao com 0 anarquismo em parte se justifica na medida em qUI! v~11dos dirigentes do movimento operario eram anarquistas que defencllollvim os, a ado<;ao de urn programa sindicalista revolucionario pclull UI

~6es de cunho sindical. Essa corrente, que dominou os tres cong""YOrarios brasileiros realizados durante a Primeira Republica. rCC\lHilVIl

polftica nao por conformismo com a ordem vigente, tT

praticas e1eitorais e parlamentares a possibilidndc de \'r{\U

FORMAC;Ao DA ClASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COlETlVA

e. E atraves da luta economico-sindical em torno das condi~6es e da remu-nera<;ao do trahalho, e adotando por metodo a a<;aodireta particularmente

pressa em movimentos grevistas, que 0 sindicalismo revolucionario pre-ndia alcan~ar a emancipa~ao dos trabalhadores.

Em 1904, Elfsio de Carvalho escreveu no jornal anarquista a Amigo do/10:

A a'i=8.odireta, como meio revolucionario e de emancipa~~l0economica, e atatica a mais consentanea com os princfpios positivos do anarquismoinsurrecional.Esta nova forma de a'i=aorevolucionaria e libertadora e 0 metodo de luta 0

rnais eficaz que possui 0 proletariado contra os seus opressores e os seus ex-ploradores. [...]A a~8.odireta, consciente e ativa, manifestada em todos os terrenos, traz ain-da consigo a bancarrota do reformismo e a desmoraliza'i=aodo parlamentaris-lllO, e1iminaessa corja de charlataes [sic] que vivem da miseria do operariadol~l1orante, e a morte de todos os partidos politicos que tern por campo delutn0 parlamento, e como arma de combate 0 sufrdgio universal, as duas gros-

!t'asi1us6esque ainda alimentam 0 cerebro domesticado dos ineptos.l1

1Ill'!\riode outras correntes que buscavam a gar anti a de direitos sociaisIn legisla<;ao, 0 sindicalismo revolucionario acreditava unicamente

tl'ldade de mobiliza<;ao dos trahalhadores para garantir que os patr6esVCI_Mtltn as conquistas ohtidas em greves.

Inda11iafoi de tal modo vulgarizado que pode ser utilizado nasIVPINItN sitlla~6es, Sindicatos, empresas, govern os empregam 0 termoIlIdll Ilttl os mais divers os significados, 0 que tern conduzido muitos a

11111crescellte ceticismo e ate a contrapo-Io a uma perspectiva clas-IIII"wll.:kl, ] 998).

1'(11111111polrticl1s do movimento opera,rio na Prime ira Republica, osIII JIll 1'1kllIIIt', pl'opunhol1l em SCllS pl'ogl'fllnnS nno apenas direitos

Page 11: Formação da classe operária

o BRASIL REPUBLICANO

sociais, mas tambem a amplia<;ao dos direitos politicos, por exemplo, atra-yes da extensao do direito de voto. Nesse sentido, podemos dizer que luta-yam pela cidadania, ainda que 0 termo nao fosse usual no vocabulario daepoca. Partanto, seu usa requer cuidado e, sobretudo, deve vir acompanha-do de uma explica<;ao sobre seu significado dentro de cada contexto.

A resposta encontrada pelas classes trabalhadoras durante a PrimeiraRepublica a urn sistema que levava a sua exclusao social e politica esta emparte no mundo associativo criado. 0 associativismo nesse perfodo das clas-ses trabalhadoras em geral, e da classe operaria em particular, se expresSQatraves de uma rede extremamente diversificada e rica de associa<;6es, Socie·dades recreativas, carnavalescas, dan<;antes, esportivas, conviviam lado a ladcom sociedades mutualistas, culturais e educativas e, tambem, com socied,,·des profissionais, classistas e politicas. Em que medida toda e qualquer sn.ciedade composta por trabalhadores, independentemente de seus objetivvl1,expressa identidade de classe ainda e objeto de controversia. Ha aqueles quassociam a identidade operaria a form as de a<;aocoletivas e associa<;6es q\1

reivindiquem seu carater de classe (Batalha, 1991-1992), ao passo que 011

tros veem em toda sociedade composta por trabalhadores, inclusive clulde futebol, uma forma de identidade classista (Pereira, 2000, p. 255-280),

Todavia, se 0 mundo associativo possibilitava urn espa<;o de participn~nllpolitica, que em grande medida nao dependia das normas legais que rCHIIII!!a politica formal, constituindo uma especie de contra-sociedade, governlllipor outros valares, a capacidade e mesmo a vontade por parte dessas s(wldades de buscar espa~os na politica formal eram relativamente limlclHluCoube as organiza<;6es de cunho eminentemente politico, os particlos 011111

rios, desempenhar esse pape!.Desde a ultima decada do seculo XIX, a maioria dos programas pO)(WIl

de organiza<;6es que, sob a denomina<;ao de partidos operarios OU 8m 11111tas, tinham como objetivo a defesa dos interesses da classe trabalhutlOl'ul'sava pela amplia<;ao dos direitos poifticos, em particular proponcio I'oft 11111

do sistema eleitora!' No sistema vigente votavam apenas os hOInOllS, 111'1I_11ros, maiores de 21 anos, alfabetizados e alistados como eJ(li~OI'dl" '111111

processo eleitoral era controlado pelo partido situQcionistn, I'ropkhll IIIIIdes, e nao havia voto secreto, deixando os clcicores ~ IIHlrI.le dClttHllI tit

II

'ORMA~AO DA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COLETIVA

ssao. Assim, durante a Primeira Republica, as elei<;6es de candidatos ope-los foram fenomenos raros, limitados a uns poucos casos: como a do ti-rafo Joao Ezequiel, eleito deputado estadual, em 1913, em Pernambucos a sua inclusao na lista oficial do governador general Dantas Barreto;

m 1928, a elei<;ao dos comunistas Minervino de Oliveira e Octaviondao para 0 Conselho Municipal do Distrito Federal pelo Bloco Opera-

Camp ones. As caracteristicas do funcionamento dos legislativos, comntia de ampla maioria para 0 situacionismo, tornavam as elei<;6es detuais candidatos operarios muito mais urn feito propagandistico do quepossibilidade para mudan<;as significativas no sistema politico.lias, sera precisamente a aportunidade para a propaganda politica que

1.190espropiciavam que 0 Partido Camunista - Se<;aoBrasileira da In-lonal Comunista usava, nos anos 20, como justificativa para participar

sso.

rtigo em fevereiro de 1928, publicado no jornal A Esquerda, assina-n Lavinsky (que deve ser urn pseudonimo), essa posi<;ao e explicitada:

1,.. 186 nos devem encher de satisfa~ao as novas diretivas que vern adotando 0

IllOvlmento proletario entre nos, arregimentando suas forifas para futuras1I\I11as eleitorais, que inaugurarao uma fase na poiftica, fazendo com que 0

I'IIltltariado entre em cena, independente dos chorrilhos polfticos da bur-In, manifestando sua vontade firme de afirmar-se numa classe forte e

llltlcnmente capaz de escolher seus mais dedicados membros para asYClHtlduraslegislativas.

r4 11111 dos muitos meios de alargar sua luta geral contra os exploradores,IlIlIdp mna nova frente de combate e preparando com ela novas bases paraI III1tIHlargo movimento de massas capaz de derrubar definitivamente osI.PKJllorndores e leva-los a definitiva vit6ria Contra os seus inimigos secu-

/'11I1110 cOl1clamando os operarios ao alistamento eleitoral.I cOt\lIlnisto 110 questao eleitoral acaba sendo urn meio-termoIUN HoclllllRtnse das demais correntes reformistas que advoga-

() alell'Ornl, c nqucln de rejei{ti\o dos procedimentos e ins-

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o BRASIL REPUBlICANO

titui<;6es poHtico-parlamentares, que marca a atua<;ao de anarquistas e de sin-dicalistas revolucionarios. Como os primeiros, os comunistas defendemparticipa~ao no processo eleitoral, nao compartilhando, porem, da esperau~a de que a via poHtico-parlamentar possibilite mudan<;as. Assim, comoultimos, e na revolu<;ao, e nao na via parlamentar, que concebem a unica psibilidade de rupturas; entretanto, nao deixam de ver a luta e1eitoral COI1I(1

mais urn espa<;o de exerdcio da luta poHtica.Voltando ao tema da exclusao poHtica da classe operaria e das respostll

a essa situa~ao, 0 "Programa mfnimo" do Partido Socialista Brasileiro, <IIIconsta do seu "Manifesto" de 1902, propunha, entre outras medidas,guintes pontos:

3 - Trabalho permanente de qualifica~ao eleitoral, e demais refortn(\~ liltfacilitem a a~ao eleitoral. [... ] 8 - Reconhecimento do direito de cidndnlltodos os estrangeiros que tenham urn ana de residencia no pais. [... J toRevogabilidade dos representantes eleitos no caso de nao cumprirem () 1111111

dato popular. (... ) 19 - Referendum polftico e econ6mico, por voto dhHde iniciativa popular. [...] 22 - Igualdade polftica e juridica para 08 dillxos. 23 - Voto polftico para todos os cidadaos, como tambem para II~III

lheres, desde a idade de 18 anosY

Afora a aparente falta de logica na ordem desses objetivos poifticQ8, qllmesclam com outros objetivos poHticos e economicos no "Progrnlllll III

mo", chama a aten<;ao 0 fato de que, passados 100 anos, alguns dUM I"citados continuam a fazer parte do programa da esquerda, como n /11/,dum popular, Outros, como a revogabilidade dos mandatos, estEionlmllilde figurarem urn horizonte proximo.

Nesse "Manifesto" do PSB, partido em grande medidatrabalhadores, aparece uma concep<;ao de cidadania que n~melhores condi~6es de trabalho, protegendo 0 trabalhadorcanismos legais, prop on do a promo<;ao de uma maior jU8tj~1\

tudo atraves de medidas fiscais, como vincula de forma indlllHusociais a direitos poHticos, sustentando que a ObCCllCI\O de \III

outros.

, II

FORMA<;AO DA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COlETIVA

Se sob 0 olhar de hoje 0 diagnostico da situa<;ao e as propostas Contidasno Manifesto do PSB parecem justos, a pergunta inevitave1 e: por que naohouve urn partido socialista operario de peso no Brasil?

Para nao falarmos de exemplos mais distantes da realidade brasileira, tantoChile como a Argentina constitufram a partir de certo momento partidoscialistas unificados (a despeito de divis6es esporadicas) de maior ou me-r peso e estabilidade, ao passo que no Brasil da Primeira Republica 0 quelive foi uma sucessao de agremia<;6es polfticas operarias de curta dura~ao,qUentemente concorrentes, e de implanta<;ao puramente local ou, quan-muito, estadual. E verdade que 0 caso do Chile tern algumas caracterfsti-que dificultam a compara<;ao, como uma classe operaria em que aI'nS;aoteve pouco peso, portanto mais homogenea, e urn sistema politico

despeito de fraudes e manipula<;6es, contava com 0 sufragio masculi-o voto secreto desde a decada de 1880 (DeShazo, 1983, p. 43; 117-

). No caso argentino, porem, a imigra<;ao teve urn papel ainda maisIflcntivo que no Brasil, tendo sido 0 principal destino na America Latina

l't1igra~aoeuropeia. Assim como a cidade de Sao Paulo das primeiras1118 do seculo xx (que estava longe de constituir a regra no caso brasi-

), II maioria da popula<;ao economicamente ativa de Buenos Aires, entre1914, era composta por estrangeiros (Coggiola e Bilsky, 1999, p. 15;). No que tange ao sistema polftico, a lei eleitoral de 1912, sob a

lIl'!n de Saenz Pena, tornou 0 voto universal e obrigatorio para osII'HCll1tinosmaiores de 18 anos, 0 que a curto prazo nao incluiu 0

hHlo maJoritariamente estrangeiro, mas que ate 0 fim dos anos 20I 11111 /tumento da base e1eitoral e uma crescente participa<;ao opera-

II, poif.tica (Coggiola e Bilsky, 1999, p. 55).1111 IlIdo, 0 sistema polftico brasileiro nao passou por nenhuma re-

11111160 un Primeira Republica que ampliasse a participa<;ao politica,1I1111s oxcludente que seus congeneres argentino e chileno; por

linn UC()I'I'CU nenhuma campanha sistematica por parte da !ide-,I., 1111 BrusH no seJ1tido do alistamento eleitoral ou da naturali-

1"IIIIII!lO d~ ol'igom cstrangeira. Apelos visando a participa~ao/Oltllllll, ,'OIHO 0 do Mnnifcsto de 1902 ou do artigo de 1928ja

huulll'Hlh () \lOIlICl d~ LnvlllNky, ano excmplos de manifesto-

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o BRASil REPUBLICANO

~oes que ocorreram de forma esporadica, geralmente pr6ximas a realiza~aode pleitos, cujo resultado pnitico foi limitado.

No Brasil e na Argentina, particularmente antes da reform a de 1912(Falc6n, 1984, p. 102), a op~ao pela naturaliza~ao nao atraia 0 imigrante,tanto pelas caracteristicas do sistema poHtico, como pela perda de certa pro-te~ao que teriam na condi~ao de cidadaos de paises europeus. Alem disso, ~preciso levar em conta que a imigrante que tivesse como projeto 0 retorno aterra patria dificilmente abriria mao de sua cidadania. 0 pouco interesse pelnaturaliza~ao pode ser medido por diversos dados. Segundo estimativas durn funcionario italiano em 1906, 90% de seus conterdineos no Brasil reu-niam as condi<;oes necessarias para solicitar a cidadania brasileira, mas as nn.turaliza<;oes eram raras (Hall, 1975, p. 405). Essa situar;ao nao pareceu mudsubstancialmente com 0 passar do tempo, pois, de acordo com 0 censo d1920, somente cerca de 1,5% dos estrangeiros nas cidades do Rio de Janeie de Sao Paulo optaram pela cidadania brasileira (Maram, 1979, p. 33).

Ha ainda que acrescentar que as organiza!roes de carater polftico consttuidas por imigrantes no Brasil, que poderiam exercer urn papel de incentlvna naturaliza<;ao, freqiientemente estavam mais voltadas para a polftica noseus paises de origem do que preocupadas em intervir na polftica brasilelo caso do grupo socialista italiano que publicava 0 jomal Avanti!, emPaulo, e paradigmatico. Depois de buscar aproxima<;oes com os socialibrasileiros e tentar influir no movimento nos seus primeiros anos de ativJdde, 0 jomal, fundado em 1900, com 0 passar do tempo, volta-se cada V

mais para a patria de origem.De qualquer modo, como esperar que os estrangeiros se naturaliZRHHC'I

a fim de poder participar do processo eleitoral ou buscassem interferh' I

polftica, se os pr6prios brasileiros que podiam ser eleitores mostravam )1111

co ou nenhum interesse no voto?Mariano Garcia, em 1913, ao tentar explicar esse desinteresse d

tariado pelas elei<;oes, atribui parte do problema a "a!rao dos pclibertarios", acrescentando, porem, em seguida:

[... ] devemos dizer, em nome da justi~a e da verdadc, que innisdo para 0 afastamento do operariado pel os seus dircltoll nolrclc(

FORMAC;AO DA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COLETIVA

de seriedade de todos os politicantes que se tern guindado aos cargos de e1ei-~ao popular, que faltos de ideias e de valor e merito para conquistar essasposicr6es, tern procurado transformar 0 sistema eleitoral em uma coisa des-prezfvel em que nao se respeita 0 voto, onde so se elege, com as atas falsas, osindivfduos indigitados pelos mand6es dominantes, por sua vez tambem e1e-vados pelos mesmos process os fraudulentos, indignos de quem se presa.14

lara percep~ao de que 0 sistema eleitoraI era fraudulento tendia a afastarioria dos eleitores potenciais, restando como participantes do processoles que auferiam beneffcios atraves de rela!roes clientelistas com os che-olfticos, aqueles que de aIgum modo eram coagidos a participar e, final-te, os poucos que acreditavam poder mudar a situar;ao atraves dalcipar;ao.

utro aspecto a ser Ievado em conta era a maneira como as classes domi-e os governantes brasileiros estavam acostumados a Iidar com as classesrnas: a repressao. Prisoes arbitrarias, fechamento de associa!roes, depor-s estrangeiros, desterro para a Amazonia dos nacionais - ainda que ao da nacionalidade exata dos atingidos por esses dois tipos de medi-lalha - sao parte do arsenal de medidas repressivas tomadas pelosnstituidos contra 0 movimento openirio. Essas medidas tornaram-

illtematicas depois das greves de 1917 e 1919, e atingiram seu apiceverno de Artur Bernardes (1922-1926). "Entretanto, a despeito da vio-

pressao sobre 0 operariado no Brasil, esta mantinha-se menos mortal11I0 tempo mais eficaz que suas congeneres na Argentina, particular-

,hlle, onde chegaram a ser perpetrados massacres de trabalhadores1983, p. XXIX; Hall e Pinheiro, 1983, p, 5).

£ntores podem ajudar a entender as dificuldades e os obstiiwIIhtdos para a constitui~ao de urn partido polftico socialista, ten-

11l81lC opcrl1rin, no Brasil de Primeira Republica. Todevia, net'nem em conjunto, csses Iotores de fato explicam 0 Ir

1'0111 bit/un olhnr porn 0 caso argentino pot'a encontrar urnIIl'l1(lIdo de crln~no de mn partido /loclnli

II POt'III/ltr110 CIINO IJrlIIIUo!ro, '1'1fill II cllI'dlar iUIOU/'II{(CIIIIIClilltl d

lll-

Page 14: Formação da classe operária

o BRASIL REPUBLICANO

4. Mariano Garcia, "Os cigarreiros".AEpoca, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1913, p. 6.S. "0 openirio e a Republica". Voz do Povo, 1 (2), Rio de Janeiro, 7 de janeiro de

1890, p. 1.

6. Oficio circular do Circulo dos Operarios da Uniao, 14 de outubro de 1909 (umac6pia desse impresso encontra-se na correspondencia recebida pelo Arquivo Na-cional),

,. Reproduzido por Evaristo de Moraes Filho (1998, p. 404).• Vicente de Souza, "Socialismo e Republica". 1°de Maio, Rio de Janeiro, nOespecial,

10 de maio de 1898, p. 1.

I "Duas palavras". A Luta, Porto Alegre, 10 de outubro de 1906, reproduzido emI'etersen e Lucas (1992, p, 143).

, Ibid., 0 Amigo do Povo. Sao Paulo, 19 de mar~o de 1904, reproduzido em Carone (1979,

Il.352).

Usquerda. Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1928, reproduzido em Carone (1982,• (9).

1'lIrl'ldoSocialista Brasileiro. "0 Conselho Geral do Partido - Aos habitantes dorltHU,especialmente aos proletarios - Manifesto". 0 Estado de S.Paulo, 28/8/1902,

FORMA<;:AO DA CLASSE OPERARIA E PROJETOS DE IDENTIDADE COLETIVA

operario, com varios polos distribuidos nas principais cidades brasileira(sobretudo as capitais) e em algumas poucas cidades do interior de algunestados. Ao lange da Primeira Republica, 0 movimento operario nao consguiu jamais uma efetiva coordena<;ao nacional. As confedera<;6es, que em t

exerceriam esse pape1, tiveram uma existencia mais nominal do que real, comua Confedera<;ao Operaria Brasileira, de orienta<;ao sindicalista revolucionria, que nos perfodos em que funcionou, 1908-1909 e 1913-1915, foi mulfl!mais uma extensao da Federa<;ao Operaria do Rio de Janeiro, limitada a ~I'''"de atua<;ao daque1a federa<;ao.

Com os partidos operarios a situa<;ao nao foi diferente. Esses parcldllinvariavelmente, atuaram apenas na escala municipal ou, em alguns CIINII

estadual, sem uma dimensao nacional. A unica exce<;ao a essa regra e c()II~'1tu{da pelo Partido Comunista, mas mesmo este come<;ou majoritarialllt'llIcomposto por quadros da capital federal. Portanto, 0 projeto de cidndllllioperaria, que marca os muitos programas dos partidos operarios da PI'11I1

ra Republica, esbarrou na falta de organiza<;6es adequadas - partido. III

solidados - para leva-lo adiante.A his tori a da classe operaria no Brasil percorreu urn longo caminitll

elei<;ao de urn dos seus membros a Presidencia da Republica em 2()Oelei<;ao por si nao garante que uma concep<;ao operaria da cidadanln I'vigorar, mas nos deixa sem duvida mais proximos daquilo que oJIIIl'1Manifesto de 1902.

NOTAs

rlllllO Garcia. "0 nosso partido". A Epoca, Rio de Janeiro, 8 de abril de 1913, p. 7.

1. Alceste de Ambris. "II movimento operaio nello Stato de Sao Paulo", III 1/gli italiani. Floren~a, 1906, reproduzido em Pinheiro e Holl (1l)7Y, 11,111

2. Ver, por exemplo, "Domingo Sangrento: Um grande conflllO 11I1IllilFloriano". A Epoca, 25/8/1913, p. 3; Mariano Gorcio, "'Nn hl'tllll,d28/8/1913, p. 7; Joel Persil, "Fatos reprovaveis: 0 tcrrorlHllIo 1111111111111ciac;:aooperaria". A Voz do Trabalhador, 7 (46), 1°/1/19 t'I<, p•• 1,

3. '~lei de expulsao de estrangeiros". A a/Joca, 2Vl/ll) t:l, (I; III 1I(1I1111t

contra a lei de expulsao". A £1)OC(I, 2.9/1/1!) 13.