Formação Docente 4 n. 07 Jul. - Dez. 2012

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  • REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAO DE PROFESSORES

    FORMAO

    DOCENTEVolume 04 n. 07 jul . -dez. 2012

    A formao inicial de professores no quadro dos compromissos de Bolonha Contributos para uma reflexo sobre o que foi institudo em Portugal CARLINDA LEITE

    Professores e pesquisa: da formao ao trabalho docente, uma tessitura possvel LUCIANA APARECIDA DE ARAUJO PENITENTE

    Formao do professor pesquisador na perspectiva do professor formador MARLI E. D. A. ANDR, MARLY KRGER DE PESCE

    Professores de Educao Fsica e seus saberes docentes: a gesto do contedo de ensino em questo JOS NGELO GARIGLIO

    A formao inicial de professor: consideraes sobre o programa de licenciaturas internacionais MARIELDA FERREIRA PRYJMA

    Crenas e concepes dos licenciandos em Matemtica sobre a profisso docente MARLI AMLIA LUCAS PEREIRA, MARLI E. D. A. ANDR, FRANCINE DE PAULO MARTINS, ANA MARIA GIMENES CORRA CALIL

    Os processos de construo identitria docente: a dimenso criativa e formadora das crises ECLEIDE CUNICO FURLANETTO

    Encontros e desencontros nos processos de formao continuada de professores em escolas pblicas de educao bsica EDUARDO A. TERRAZZAN, MARIA ELIZA GAMA

    Modalidades de aes desenvolvidas por estagirios e professores da escola bsica supervisores de estgio MARIA DA ASSUNO CALDERANO

    A pesquisa ao-formao como instrumento de formao em servio para integrao das TIC na prtica pedaggica do professor DILMEIRE SANTANNA RAMOS VOSGERAU

  • 1SumrioLinha EditorialConselho editorialNormas Para Submisso de Artigos

    EDITORIAL

    Apresentao Jlio Emlio Diniz-Pereira

    ARTIGOS

    A formao inicial de professores no quadro dos compromissos de Bolonha Contributos para uma reflexo sobre o que foi institudo em Portugal Carlinda Leite

    Professores e pesquisa: da formao ao trabalho docente, uma tessitura possvel Luciana Aparecida de Araujo Penitente

    Formao do professor pesquisador na perspectiva do professor formador Marli E. D. A. Andr, Marly Krger de Pesce

    A pesquisa ao-formao como instrumento de formao em servio para integrao das TIC na prtica pedaggica do professor Dilmeire SantAnna Ramos Vosgerau

    Professores de Educao Fsica e seus saberes docentes: a gesto do contedo de ensino em questo Jos ngelo Gariglio

    A formao inicial de professor: consideraes sobre o programa de licenciaturas internacionais Marielda Ferreira Pryjma

    Os processos de construo identitria docente: a dimenso criativa e formadora das crises Ecleide Cunico Furlanetto

    Crenas e concepes dos licenciandos em Matemtica sobre a profisso docente Marli Amlia Lucas Pereira, Marli E. D. A. Andr, Francine de Paulo Martins, Ana Maria Gimenes Corra Calil

    Encontros e desencontros nos processos de formao continuada de professores em escolas pblicas de educao bsica Eduardo A. Terrazzan, Maria Eliza Gama

    Modalidades de aes desenvolvidas por estagirios e professores da escola bsica supervisores de estgio Maria da Assuno Calderano

    p. 2

    p. 4

    p. 7

    p. 9

    p. 10

    p. 19

    p. 39

    p. 51

    p. 65

    p. 85

    p. 100

    p. 115

    p. 126

    p. 141

  • 2Linha Editorial

    A Formao Docente Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formao de Professores, publicao digital, veiculada semestralmente, de responsabilidade editorial do Grupo de Trabalho Formao de Professores (GT08), da Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), em co-edio com a Editora Autntica.

    A criao do GT08 inicialmente d enominado GT Licenciaturas teve como cenrio o final da dcada de 1970, incio de 1980, momento histrico em que os movimentos sociais se constituram de forma mais vigorosa e alcanaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participao nas decises do Estado autoritrio. medida que o governo militar comeava a emitir difusos sinais de esgotamento, os movimentos sociais conquistaram alguma abertura democrtica o que permitiu investidas, ainda que descontnuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta ocasio, uma crise se enveredava pelas Licenciaturas visto que vigia um modelo de formao, sustentado na teoria tecnicista e atrelado ao cha-mado currculo mnimo nacional.

    Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de resistncia ao modelo tecnicista de formao de professores e passaram a apresentar propostas de mudanas no modelo vigente. Tais aes impulsionaram a mobilizao de alguns profissionais da educao que, durante o I Encontro Nacional de Reformulao dos Cursos de Preparao de Recursos Humanos para a Educao, em Belo Horizonte, em novembro de 1983, firmaram um acordo com membros da Diretoria da ANPEd para se organizar um GT que viesse a tratar das questes que afetavam a formao de educadores.

    Lanada a proposta, o GT Licenciaturas se constituiu e, no ano seguinte, reuniu-se na 7 Reunio Anual (RA) da ANPEd, em Braslia, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discusses para elaborar propostas de formao para as licenciaturas e para o curso de Pedagogia com base nos princpios e orientaes contidos no documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em 1985, ocorreu, em So Paulo, a 8 RA. Nesta, o GT estruturado de forma mais compatvel com as recomendaes da ANPEd, organizou uma sesso para anlise de pesquisas sobre o assunto.

    Em 1993, configurou-se uma nova identidade terico-metodolgica para o Grupo de Trabalho que passou a chamar-se GT08 Formao de Professores, delineando o ethos do renovado GT.

    As primeiras idias sobre a Revista Formao Docente surgiram no comeo da dcada 2000, no en-tanto, foi na 30 RA que se conferiu maior materialidade idia e, em 2008, por ocasio do XIV Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre, pesquisadores do GT08 encaminha-ram decises substantivas sobre sua editorao.

    A Formao Docente pretende ser um canal de divulgao da produo na rea especfica, em di-logo interdisciplinar com as contribuies de pesquisas realizadas pelas reas correlatas que tratam da mesma temtica. Visa, em especial, fomentar e facilitar o intercmbio nacional e internacional do seu

  • 3tema objeto. A Revista dirigida ao pblico de professores, pesquisadores e estudantes das reas de Educao e cincias afins.

    Seguindo as prticas editoriais, a partir de critrios elegidos pelo grupo fundador, a poltica editorial do peridico executada por um Conselho Editorial Executivo e um Conselho Editorial Consultivo (nacional e internacional) de diversificada representatividade. Os artigos so apreciados quanto ao mrito cientfico por meio do sistema de Dupla Avaliao por Pares DAP (Double Blind Review).

    com imenso prazer que apresentamos, ento, ao pblico interessado, a Formao Docente Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formao de Professores e esperamos uma participao efetiva dos cole-gas pesquisadores para que este peridico possa contribuir para a melhoria da qualidade da produo acadmica nesse campo e, por via de consequncia, para a melhoria da prpria formao de educadores em nosso pas.

    Os Editores

  • 4Conselho editorialEDITOR

    n Jlio Emlio Diniz-PereiraDoutor em Educao pela Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos. Professor do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenador da Coleo Docncia - Editora Autntica. Conselho Editorial Executivo

    n Joana RomanowskiPedagoga, doutora em Educao pela USP, professora do Programa de Mestrado em Educao da PUCPR e da FACINTER.

    n Jos Rubens Lima JardilinoDoutor em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), com ps--doutoramento pela Universidade Laval, em Qubec, no Canad. Professor Titular do Departamento de Educao da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).

    n Mrcia de Souza HoboldProfessora Dra. Universidade da Regio de Joinville - UNIVILLE.

    CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (NACIONAL)

    n Betnia Leite RamalhoDoutora em Cincias da Educao pela Universidade Autnoma de Barcelona, na Espanha. Professora do Departamento de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista de Produtividade de Pesquisa do CNPq Nivel 2.

    n Eduardo Adolfo TerrazanDoutor em Educao pela Universidade de So Paulo (USP). Professor do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Nvel 1D.

    n Emlia Freitas de LimaDoutora em Educao pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar), com ps-doutoramento pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Associada da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar).

    n Iria BrzezinskiDoutora em Administrao Escolar pela Universidade de So Paulo (USP), com ps-doutoramento pela Universidade de Aveiro, em Portugal. Professora Titular da Universidade Catlica de Gois (UCG). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Nvel 2.

    n Joana Paulin RomanowskiDoutora em Educao pela Universidade de So Paulo (USP). Professora Adjunta da Pontifcia Universidade Catlica do Paran (PUC-PR). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Nvel 2.

  • 5n Laurizete Farragut PassosDoutora em Educao pela Universidade de So Paulo (USP), com ps-doutoramento pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Assistente da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP).

    n Leny Rodrigues Martins TeixeiraDoutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de So Paulo (USP), com ps-doutoramento pela Universidade de Paris V, na Frana. Professora Titular da Universidade Catlica Dom Bosco.

    n Luis Eduardo Alvarado PradaDoutor em Educao pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com ps-doutoramento pela Universidade de So Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Tringulo Mineiro (UFTM).

    n Mrcia Maria de Oliveira MelloDoutorado em Educao pela Universidade de So Paulo (USP), com ps-doutoramento pela Universidade do Minho, em Portugal. Professora do Programa em Ps-graduao da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

    n Marlia Claret Geraes DurhanDoutora em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), com ps-dou-toramento pela Fundao Carlos Chagas (FCC-SP). Professora do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade Metodista de So Paulo.

    n Marli Eliza Dalmazo Afonso de AndrDoutora em Psicologia da Educao pela Universidade do Estado de Illinois, nos Estados Unidos, com ps-doutoramento pela mesma Universidade. Professora do Programa de Estudos Ps-graduados em Educao da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP).

    n Menga LudkeDoutora em Sociologia da Educao pela Universidade de Paris X, na Frana, com ps-doutoramento pela Universidade do Estado da Califrnia, em Berkley, nos Estados Unidos. Professora Titular da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq Nvel 1A.

    CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (INTERNACIONAL)

    n Carlos Marcelo GarciaProfessor Catedrtico de Didtica e Organizao Escolar da Universidade de Sevilha, na Espanha.

    n Ceclia Maria Ferreira BorgesProfessora e pesquisadora da Universidade de Montreal, no Canad.

    n Clermont GauthierProfessor e pesquisador da Faculdade de Educao da Universidade Laval, em Qubec, no Canad.

  • 6n Emlio Tenti FanfaniProfessor Titular da Faculdade de Cincias Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina.

    n Kenneth M. ZeichnerProfessor Titular da Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.

    n John ElliotProfessor Emrito da Faculdade de Cincias Sociais da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.

    n Maria do Cu RoldoProfessora e pesquisadora da Escola de Educao da Universdade Catlica de Santarm, em Lisboa, Portugal.

    n Rafael vila PenagosProfessor e pesquisador em Educao pela Universidade Pedaggica Nacional de Bogot, na Colmbia.

    n Rui Fernando de Matos Saraiva CanrioProfessor Catedrtico da Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao da Universidade de Lisboa, em Portugal.

  • 7Normas Para Submisso de ArtigosOs artigos submetidos Revista Formao Docente sero apreciados pelo Conselho Executivo quanto pertinncia dos mesmos Linha Editorial do peridico, sua adequao aos requisitos da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT) e s demais instrues editoriais.

    Os textos devem guardar originalidade do tema ou do tratamento a ele concedido na lngua materna. Os artigos recebidos em outro idioma sero submetidos traduo e publicados com a autorizao do autor. Os autores assumem o compromisso de no submeter simultaneamente o texto a outras revistas da rea e cedem Formao Docente o direito de indexao (nacional e internacional). A Revista, ao seu juzo, pode reeditar artigos internacionais de grande relevncia terica ou metodolgica para a rea, que tenham sido publicados em outros veculos de divulgao acadmica, com a devida autorizao de quem detm os direitos autorais.

    O Conselho Executivo poder sugerir aos autores modificaes de ordem tcnica nos textos submetidos e aceitos, a fim de adequ-los publicao.

    de inteira responsabilidade do(s) autor(es) os conceitos, opinies e idias veiculados nos textos.

    Todos os textos aceitos para publicao sero submetidos avaliao de pares acadmicos e lidos por, no mnimo, dois paraceristas ambos do Conselho Consultivo ou um membro do Conselho Consultivo e um ad hoc. A Revista garante o sigilo e anonimato de autores e pareceristas.

    ASPECTOS FORMAIS DO TEXTO

    Os artigos devem conter de 40 a 70 mil caracteres (com espaos) digitados no Word ou programa compa-tvel de editorao, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaamento duplo. O texto deve ser alinhado esquerda e as margens no devem ser inferiores a 3 cm. As palavras estrangeiras devem ser grafadas em itlico, neologismo e/termos incomuns deve ser grafado entre aspas simples.

    Os artigos devem ser enviados em dois arquivos com o mesmo nome, diferenciados pelos numerais 1 e 2. Devem ser nomeados pelo sobrenome do primeiro autor. O primeiro arquivo deve constar a identifi-cao do(s) autor(es): nome(s), instituio(es) de origem e endereos, fsicos e eletrnicos; e resumo expandido de at mil caracteres (aproximadamente, uma pgina) e respectiva traduo em lngua inglesa (abstract). Ambos acompanhados de, no mnimo, trs palavras-chave (e as respectivas keywords). No segundo arquivo, constar o texto na ntegra a ser publicado.

    As normas de referncias bibliogrficas seguidas pela Revista so as da ABNT e devem se restringir ao material citado no corpo do texto. As citaes de fontes, diretas ou indiretas, devem ser inseridas no corpo do texto (AUTOR, data, pgina). As notas, quando necessrias, devem seguir no final do texto com numerao seqencial em algarismos arbicos e antes das referncias bibliogrficas.

    As referncias de material e fontes eletrnico/digitais devem citar o endereo (Web Site ou Home Page) seguida da data de acesso (Acesso em: 25 Fev. 2009).

  • 8Todos os textos devero ser enviados para o endereo eletrnico da Revista Formao Docente ([email protected]). Aps o envio do artigo, o autor receber a confirmao do recebimento da sua mansagem contendo os arquivos, em anexo, com o texto e da adequao (ou no) do mesmo s normas tcnicas. Aps, aproximadamente, 40 dias, o autor receber uma nova mensagem informando sobre o resultado da avaliao acadmica do artigo.

  • 9Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 8-9, jul./dez. 2012.Disponvel em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

    Volume 04, nmero 06, jan./jul. 2012

    APRESENTAO com imenso prazer que apresentamos o nmero 7 da Formao Docente Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formao de Professores, como vocs j sabem, um peridico eletrnico semestral do GT08 da Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), em parceria com a Autntica Editora.

    Este nmero marca alguns avanos conquistados pela Revista. Em primeiro lugar, o primeiro nmero que publicamos depois da segunda avaliao de peridicos da CAPES, em que a Formao Docente foi classificada como B3. Apesar de essa ser ainda uma avaliao muito inferior que almejamos para a nossa Revista, devemos lembrar que, na primeira avaliao, fomos classificados como Imprpria, o que nos deixou, alm de muito tristes, revoltados com a terminologia utilizada pela agncia de fomento. Revistas que ainda lutam para se consolidar deveriam receber um tratamento mais justo e respeitoso, pois, ao ser classificado como Imprprio, o peridico passa a enfrentar ainda mais dificuldades para, por exemplo, receber, de maneira espontnea, bons artigos para serem publicados. No h dvida de que se trata de um termo muito forte e infeliz. Pensemos, por exemplo, em situaes cotidianas em que essa palavra utilizada: Imprpria para menores de 18 anos; Imprpria para consumo; Imprpria para o banho estas duas ltimas referindo-se gua. Quem, em s conscincia, gostaria de ter um artigo publicado em uma revista imprpria? Apesar das consequncias que sofremos com a impropriedade do uso desse termo, aps a primeira avaliao da CAPES, conseguimos superar esse momento difcil e passar, j na avaliao seguinte, para B3.

    Este nmero marca ainda outra conquista: conseguimos publicar, pela primeira vez, dez artigos em um nico nmero! Nos volumes anteriores, vnhamos publicando em mdia sete artigos por nmero. Aquelas pessoas envolvidas na editorao de peridicos cientficos no Brasil sabem bem da dificuldade de se conseguir reunir dez artigos de qualidade para serem publicados em um mesmo nmero. Pois conse-guimos. Neste nmero, voc encontrar artigos muito interessantes que tratam de diferentes temticas da pesquisa sobre formao de professores a partir de diferentes perspectivas e de uma diversidade de referenciais tericos e metodolgicos.

    Por fim, a publicao deste nmero marca tambm a minha sada como editor-chefe deste peridico ele-trnico do GT08 da ANPEd. Assumi essa funo por dois trinios: de 2008 a 2011 e de 2011 a 2014, ou seja, antes mesmo da criao da Revista, em 2009, at agora. Pessoas com mais competncia do que eu e mais experincia com a publicao de peridicos cientficos assumiro essa tarefa, e, a partir deste momento, passo a apoiar a Formao Docente como membro do Conselho Editorial Executivo e em tudo o que for preciso para que este peridico eletrnico cumpra o seu papel de contribuir com a melhoria da qualidade da produo acadmica sobre formao de professores no Brasil.

    Uma boa leitura a todos/as!Um fraterno abrao,

    Jlio Emlio Diniz-Pereira

    EDITORIAL

  • 10 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponvel em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

    ARTIGOS

    A formao inicial de professores no quadro dos compromissos de Bolonha contributos para uma reflexo sobre o que foi institudo em Portugal

    Carlinda Leite

    RESUMO: Este artigo confronta os desafios com que convivem os professores do ensino fundamental, neste sculo XXI, com o modelo de formao inicial que tem vindo a acontecer em Portugal decorrente da adaptao aos compromissos de Bolonha. Neste sentido, caracterizado o modelo de formao de professores institudo aps 2006 e, recorrendo opinio de formadores de professores, so analisadas as possibilidades que ele oferece para socializar os estudantes, futuros professores, com situaes que permitam uma preparao capaz de positivamente enfrentarem os desafios que se colocam no exerccio da profisso.

    PALAVRAS-CHAVE: Formao inicial dos professores em Portugal, Processo de Bolonha, Desafios docncia.

    Teachers initial training in the context of the Bologna process contributions to a reflection of what was implemented in PortugalABSTRACT: This article confronts the challenges that teachers of Basic Education are dealing with in this 21st century, with the training that teachers currently have in Portugal, as a result of the adaptation to the Bologna Process. In this sense, the teachers training model, set up after 2006, is characterized through the opinions of teacher trainers by analyzing the possibilities that it offers for students, future teachers, to socialize with situations that prepare them to face the challenges that arise in their profession.

    KEYWORDS: Initial training teachers in Portugal, Bologna process, Teaching challenges.

  • 11Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponvel em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

    INTRODUO

    Reconhecendo-se que o ofcio de professor/a cada vez mais exigente, os discursos acadmicos e polticos tm reclamado a necessidade de uma formao de qualidade que se amplie para alm dos conhecimentos disciplinares tradicionais (PERRENOUD, 2000; LEITE, 2012). A tese que justifica essa posio afirma que a complexidade das situaes sociais que atravessam a educao escolar exige professores profissionalmente competentes para que, em funo dos contextos em que exercem a atividade profissional, se envolvam na concepo e no desenvolvimento de aes e projetos que promovam aprendizagens significativas e contribu-am para a criao de uma sociedade socialmente mais justa e equitativa (CONNELL, 1993; SANTOM, 2013).

    A par desse discurso, as polticas europeias enunciadas a partir da assinatura da Declarao de Bolonha (1999), e em que foi estabelecida uma matriz comum para as reformas do ensino superior, orientaram-se na inteno de construir um Espao Europeu do Ensino Superior (EEES) competitivo e atrativo, onde sejam oferecidos cursos facilmente legveis e comparveis entre si. Nesse sentido, a organizao dos currculos do ensino superior, nomeadamente no que diz respeito durao desses cursos, passou a ser de 6 a 8 semestres no caso do 1 ciclo (licenciatura), de 4 semestres no 2 ciclo (mestrado) e de 6 semestres no 3 ciclo (doutoramento).

    A formao de professores, contrariamente ao que acontecia e que procurava ter caratersticas de um mo-delo integrado, isto , em que os estudantes, futuros professores, iniciavam a sua formao para o exerccio da docncia desde o primeiro ano do curso, passou a ocorrer apenas ao nvel do 2 ciclo. Quer isso dizer que, com o Processo de Bolonha, e aps a legislao que em 2006 (Decreto de Lei n. 74/2006) instituiu a adaptao dos cursos do ensino superior aos compromissos de Bolonha, os estudantes formam-se como professores em um perodo de tempo que decorre entre um ano e dois anos (conforme os nveis de ensino em que vo leccionar) e depois de terem frequentado um curso de 1 ciclo de carcter generalista (para o caso dos educadores de infncia e professores dos primeiros anos de escolaridade do ensino fundamental) ou focado no saber da rea disciplinar a que tencionam vir a ficar vinculados (no caso dos professores do ensino secundrio/mdio).

    essa situao que examinada neste texto. Para isso, e na inteno de explicitar a grelha de anlise que nos guia, a anteceder a caracterizao do modelo de formao inicial de professores decorrente do Processo de Bolonha, so sistematizados alguns dos desafios que os professores tm de enfrentar no exerccio da atividade profissional neste princpio do sculo XXI. depois disso que, na inteno de triangular a opinio pessoal fundada na experincia pessoal como investigadora da formao de professores e elemento da equipa que, em Portugal, est encarregue de avaliar cursos de formao de professores so apresentados dados de opinio de formadores de professores sobre as vantagens e desvantagens deste modelo, obtidos de uma doutoranda que orientei na sua pesquisa de doutoramento. So esses dados, olhados luz da grelha terica e apresentada, que permitem tecer o conjunto de consideraes gerais com que termina o texto.

    DESAFIOS QUE SE COLOCAM AOS PROFESSORES NESTE SCULO XXI

    Como tem sido amplamente reconhecido, as exigncias profissionais que se colocam aos professores tm-se intensificado, ampliado e complexificado. Esta situao, bem sentida pelos professores nos seus quotidianos profissionais, tem sido tambm expressa quer nos discursos acadmicos (TARDIF; LESSARD, 2005; LEITE; FERNANDES, 2007, 2011), quer nos discursos polticos que apontam para a necessidade

  • 12 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponvel em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

    de se repensar a formao inicial de professores de modo a proporcionar as bases para um adequado exerccio profissional. Como foi expresso no Relatrio da UNESCO da Educao para o sculo XXI, [...] educao cabe fornecer a cartografia de um mundo complexo constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bssola que permita navegar atravs dele (DELORS et al., 1996, p. 77). Por isso, espera-se que a formao de professores seja cada vez mais qualificada e qualificante, e assente em uma socializao com a profisso que permita vivenciar um amplo conjunto de experincias inerentes ao trabalho docen-te e s situaes que esse quotidiano impe quando se assume a educao escolar na sua dimenso social e no compromisso de contribuir para a construo de uma sociedade mais equitativa e mais justa (CONNELL, 1997; LEITE, 2002; LEITE; FERNANDES, 2007; SANTOM, 2013).

    no mbito dessas ideias que se situam os discursos que tm vindo a sustentar a necessidade da formao inicial e da formao continuada se afastarem de orientaes tradicionais e tecnicistas para se aproxima-rem de perspectivas que permitam aprender a lidar com a complexidade das situaes reais com que se confrontam diariamente os professores (PERRENOUD, 2000; LEITE, 2002, 2003; NVOA, 2009; LEITE; FERNANDES, 2011). De facto, a democratizao da educao escolar, ao mesmo tempo em que transportou para o interior das escolas problemas sociais que lhe eram desconhecidos quando o acesso escola era destinado apenas a alguns, trouxe-lhe tambm responsabilidades de positivamente lhes responder. Como nos lembrou Canrio (2005, p. 122), a escola foi invadida por problemas sociais que, antes, lhe eram exte-riores, colocando aos professores problemas novos e de difcil soluo, o que exige uma ateno acrescida aos processos de formao. Por isso, o discurso acadmico tem justificado as vantagens que decorrem de uma socializao precoce dos estudantes com a profisso e com a vivncia de situaes prximas das que tero de exercer no futuro, como professores (ALTET, 2000; BOYD, 2010; KORTAGHEN, 2010).

    Em sentido idntico, Nvoa (2007) sugere ser preciso passar a formao de professores para dentro da profisso sustentando a ideia de que ela se deve estruturar em processos de reanlise das situaes profissionais, sobretudo as que esto relacionadas com o insucesso escolar. Na verdade, tambm neste nvel que, cada vez mais, so feitas exigncias aos professores. Reconhecendo-se a importncia que os professores podero ter nos processos de organizao e desenvolvimento de um currculo que crie melhores condies de aprendizagem para a diversidade de alunos que passaram a estar presentes nas escolas, tem-lhes sido pedido que se envolvam em parcerias capazes de melhor responderem aos desafios especficos de cada situao. Ou seja, aos professores tm sido solicitadas tarefas que vo muito para alm dos saberes tradicionais escolares. Como em outro momento enunciei (LEITE, 2006), entre as inmeras exigncias que so feitas aos professores, pode destacar-se: o envolvimento em projetos educativos e curriculares que deem sentido ao currculo nacional e proporcionem condies de suces-so a todos os alunos; a criao de situaes que eduquem para a vivncia e o exerccio da cidadania e para os direitos humanos, para a promoo de uma vida saudvel e para a defesa do meio ambiente; o desenvolvimento de situaes que promovam uma comunicao intercultural; o desenvolvimento de um trabalho em redes de parcerias com as famlias, as comunidades locais e os seus agentes; a ateno a situaes que se constituam elementos centrais na mudana educacional e na configurao de processos de inovao curricular (BOLVAR, 2007, 2012). Como refere Nvoa (2009) a propsito das disposies que, em seu entender, podem configurar a ideia de um bom professor, o compromisso social com que hoje a realidade da escola convive, obriga-nos a ir alm da escola [...], intervir no espao pblico da educao faz parte do ethos profissional docente (NVOA, 2009, p. 31).

    Paralelamente a esse discurso fundado na dimenso social do acto educacional, o discurso da qualidade introduzido nas organizaes escolares pelas polticas internacionais aponta para que a formao permita a obteno de um conjunto de conhecimentos, aptides e atitudes que, no caso dos professores, passam,

  • 13Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponvel em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

    entre outros, pela conscincia crtica do conhecimento existente e pela capacidade de resoluo de pro-blemas e de gerir e transformar contextos de estudo imprevisveis e que exigem abordagens estratgicas novas (ENQA, 2006). no mbito desta situao em que, ao mesmo tempo que se reconhece a educao escolar na sua dimenso social, complexidade e abrangncia e se veicula um discurso que aponta para a importncia de uma formao que qualifique os futuros professores para esse exerccio profissional, que questiono as possibilidades que decorrem do modelo resultante da adequao ao Processo de Bolonha. Para isso, e para promover essa compreenso a quem no esteja envolvido no processo, sistematizo no ponto seguinte deste texto algumas das caratersticas da formao inicial de professores introduzidas em Portugal pela adequao aos compromissos de Bolonha.

    A FORMAO INICIAL DE PROFESSORES DECORRENTE DO PROCESSO DE BOLONHA

    Em 2006, quando em Portugal se vivia o processo de adequao legal (Lei n. 74/2006) aos compromissos europeus decorrentes da assinatura da Declarao de Bolonha (1999), exprimi (LEITE, 2006) receios sobre os eventuais efeitos, na construo de uma identidade profissional, do modelo que estava a ser politica-mente determinado. Sustentei na altura que o cenrio que estava a ser delineado para a formao inicial dos professores contrariava discursos polticos que apontavam a necessidade de se melhorar a formao de professores. Para questionar se o modelo de formao que estava a ser configurado era mais adequado do que o at ento existente, recordei as palavras da Comisso Europeia (2002, p. 14) quando se referiu necessidade de melhorar a forma como os professores e formadores so preparados e apoiados no seu papel. Neste momento, decorridos sete anos dessa posio, e estando j em curso o modelo ento anunciado, as interrogaes persistem e at de forma mais sustentada.

    Contrariamente ao modelo que tinha vindo a ser institudo por algumas instituies de formao, e que procurava organizar-se na lgica da socializao gradual com a profisso, o modelo decorrente de Bolonha retrocedeu ao que Cunha (2003, p. 68) critica quando se refere a uma concepo que exige que o aprendiz primeiro domine a teoria para depois entender a prtica e a realidade. De facto, no caso da formao inicial de professores, e contrariamente ao que at ento acontecia, ela no se inicia desde a entrada no curso de ensino superior, ou seja, h uma formao de 1 ciclo (licenciatura), em que os estudantes tm uma formao geral e/ou fundada em conhecimentos disciplinares, a que se segue um 2 ciclo (mestrado), em que ocorre a formao para o exerccio da docncia. Essa estrutura da formao de professores, embora corresponda a uma formao de mais alto valor acadmico trata-se de um mestrado no tem uma durao muito mais longa do que a formao que estava em vigor antes da adequao ao Processo de Bolonha (em alguns casos pode ter mais um ano) e impede a organizao de um currculo de formao em que se v progressivamente ampliando o contacto com as situaes profissionais docentes. neste sentido que continua a justificar-se interrogar as possibilidades que esse modelo tem de conseguir me-lhorar a qualidade da formao de professores, tal como tem sido veiculado pelas directrizes europeias.

    Refira-se que o discurso de qualidade que, de certo modo, acompanhou o Processo de Bolonha em Portugal, assim como em muitos outros pases europeus, implicou que a organizao dos cursos se fizesse em funo do Quadro Europeu de Qualificaes e que apresenta, para cada nvel de qualificao, os conhecimentos, aptides e atitudes que os futuros diplomados devem demonstrar. Sendo oito esses nveis, no caso da formao de professores, como a formao acadmica de mestrado, o nvel que lhe corresponde nesse Quadro Europeu o 7, ou seja, e como j foi referido, pressupe uma formao alta-mente qualificada. Apesar disso, as condies de formao existentes no oferecem grandes possibilidades para que essa formao seja qualificante, nomeadamente no domnio pedaggico-didtico e curricular.

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    Ainda no que ao discurso de qualidade diz respeito, tambm importante realar que em 2010 a Comisso Europeia, na agenda para a Melhoria da Qualidade dos Professores (Improving Teacher Quality: the EU Agenda1), definiu para a ao dos Ministrios de Educao dos vrios Estados-membros dez eixos de ao prioritrios, a saber: promoo dos valores e atitudes profissionais na profisso docente; melhoria das competncias dos professores; recrutamento e seleo mais eficaz para promover a qualidade; me-lhoria da qualidade de formao inicial de professores; introduo de programas de induo para todos os novos professores; fornecimento de suporte de tutoria a todos os professores; melhoria da qualidade do desenvolvimento profissional contnuo dos professores; liderana escolar; garantia da qualidade dos formadores de professores; melhoria dos sistemas de formao de professores (European Comission, 2010). Ou seja, nesta directriz europeia foi reforada a necessidade de ser dada uma ateno acrescida qualidade da formao e ao dos professores. Por isso, faz sentido interrogar se o modelo em vigor tem condies para assegurar o cumprimento desses eixos de ao.

    influenciada por estas ideias que teo um conjunto de consideraes sobre o modelo em curso para a formao inicial de professores em Portugal. Essas consideraes decorrem quer da experincia que possuo pelo envolvimento em situaes de avaliao de cursos de formao inicial de professores, quer da minha experincia em actividades de formao de professores, quer ainda de dados recolhidos de professores envolvidos na formao de estudantes, futuros professores.

    O QUE PENSAM DO MODELO DE FORMAO DE PROFESSORES OS FORMADORES

    Debruando-se este texto sobre a formao inicial de professores, em Portugal, decorrentes dos compro-missos de Bolonha, para a sua anlise recorri quer ao conhecimento que possuo como investigadora e avaliadora destes cursos, quer a dados de uma investigao realizada no quadro de um doutoramento que orientei. Dessa investigao, que recorreu a fontes e a procedimentos diversos, apresento aqui apenas os que dizem respeito a dados de formadores de professores. Esses dados foram recolhidos atravs de uma pergunta aberta a um inqurito por questionrio distribudo e recolhido em um evento acadmico, em que participaram 24 elementos de diferentes instituies de formao, e que teve como inteno debater o mo-delo em curso. A referida pergunta pretendeu conhecer o grau de satisfao dos inquiridos com as polticas decorrentes do Processo de Bolonha e com o modelo de formao de professores por elas configurado. Os discursos produzidos, interpretados pela tcnica de anlise de contedo (BARDIN, 1994; KRIPPENDORF, 2003), permitiram saber que, de um modo geral, esses formadores aderem aos princpios do Processo de Bolonha, mas colocam reservas ao modelo que est a ser institudo para a formao de professores.

    Como razes que justificam a adeso poltica instituda por Bolonha, esto, entre outras, o facto de apontar para uma formao mais flexvel, que permite a transio de cursos e de opes de formao, e que valoriza a aco e o envolvimento dos estudantes na construo das suas prprias aprendizagens, isto , uma adeso ao paradigma de formao assente na aprendizagem e de rutura com a lgica tra-dicional de ensino (LEITE, 2012). No entanto, quanto ao modelo seguido, e principalmente quanto s consequncias que pode vir a ter na construo de uma identidade profissional, os inquiridos, de um modo geral, consideram que o facto da formao para o exerccio profissional ocorrer apenas no nvel do 2 ciclo (mestrado), e ter uma durao curta, oferece poucas condies para o desenvolvimento de um perfil adequado s exigncias que a profisso acarreta. Esta opinio particularmente expressa no caso

    1 Este documento sintetiza as prioridades definidas nas Concluses do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados Membros de Novembro de 2007 (sobre Improving the Quality of Teacher Education), 2008 (sobre Preparing Young People for the 21st Century: an Agenda for European Cooperation on Schools) e 2009 (sobre Professional Development of Teachers and School Leaders).

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    da formao inicial que habilita os futuros diplomados, simultaneamente, para dois nveis de docncia, como o caso da formao para o exerccio docente na educao pr-escolar e nos primeiros quatro anos de escolaridade ou para o exerccio da docncia nos quatro primeiros anos de escolaridade e em reas especficas dos 5 e 6 anos. Ou seja, as dvidas so especialmente associadas aos cursos que formando, simultaneamente, para o exerccio em dois nveis de escolaridade diferentes, oferecem poucas possibilidades para, no tempo que lhes destinado, aprofundar as especificidades inerentes a cada um dos nveis de ensino e sobre o que isso acarreta para o exerccio profissional.

    Refira-se, no entanto, que, em relao ao facto da formao de professores no seguir o modelo integra-do, e ser antecedida de uma formao de 1 ciclo (licenciatura) generalista, as posies so de alguma ambiguidade. Algumas opinies expressam desacordo pelo facto de o modelo impedir uma preparao para o exerccio da docncia desde o 1 ano do curso; outras consideram que essa situao constitui uma mais-valia, por a formao do 1 ciclo, que antecede a formao para a docncia, fornecer aos futuros professores uma viso ampla de questes educacionais gerais e por proporcionar uma escolha mais es-clarecida do nvel de ensino em que os futuros diplomados podero vir a exercer a docncia. Exemplos desta ambiguidade so as seguintes afirmaes:

    Esta estrutura que se criou vinda de Bolonha no est a ter os frutos que se esperava, ou seja, comparando com a FP pr-Bolonha, eles (os estudantes) estabeleciam um paralelo entre a teoria e a prtica, havia maior conhecimento e maior conscincia do que estava subjacente a cada um daqueles nveis de ensino.

    Por exemplo, no caso do curso de educao de infncia e do 1 ciclo, que agora est compactado numa s curso fica pior. Eles nem so educadores de infncia nem so professores do 1 ciclo. Eles acham que podem ser tudo e, na minha opinio, a curto e mdio prazo, isto tem de ser alterado.

    Acho que difcil para os professores, eu acho que a profisso docente j uma profisso suficientemente exigente [...] Eu considero que o professor deve ter bons conhecimentos e aqui estou-me a referir [...] a conhecimento especfico, conhecimento didtico, conhecimento curricular. E se pensarmos no conhecimento de contedo especfico, os futuros professores tm que ter bons conhecimentos de lngua portuguesa, de histria de geografia e de cincias [...] e, convenhamos, a no ser que estes estudantes sejam um gnio, alguma destas reas fica mais deficitria com uma formao to curta.

    Eu acho que pode constituir uma vantagem porque lhes permite fazer uma escolha mais cons-ciente. [...] h pessoas que sabem muito bem o que que querem, h outros que no sabem bem o que que querem, e portanto, isto poderia ser uma vantagem, porque eles s vezes iam para educadores de infncia ou para professores do primeiro ciclo, mas nem sabiam muito bem por qu. Portanto, ao passarem por vrios contextos, isso pode ajudar [...]. E mantm-lhes aberta vrias possibilidades, tendo em conta que as coisas mudam to rapidamente, tambm isso pode ser uma vantagem.

    A minha perspetiva que a escola vai ter benefcios se contratar um professor com este perfil (habilitao para lecionar no 1 e no 2 ciclo), pois poder, sobretudo quando no tem horrios completos para atribuir a um professor, ir jogando com duas reas que so importantes [...] Agora, se este profissional vai ter as competncias necessrias? ... Duvido.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Tendo este texto como objetivo debater as possibilidades que o modelo de formao inicial de profes-sores, em curso em Portugal, e decorrente das polticas europeias associadas ao Processo de Bolonha, tem de socializar os estudantes, futuros professores, para os desafios sociais e educacionais que tero de enfrentar no exerccio profissional, o discurso que ao longo dele fui enunciando e os argumentos que apresentei permitem concluir ser necessrio continuar a analisar efeitos do modelo seguido. Tendo este modelo de formao de professores sido iniciado em Portugal em 2007, ainda s agora esto a ser inseridos no sistema os professores que o vivenciaram na formao inicial. No entanto, importante analisar as possibilidades que ele est a conferir de uma preparao qualificante, na linha do que tem sido veiculado pelos discursos acadmicos e pelos discursos polticos e que referenciei na primeira parte deste artigo. Como argumentei ao longo do texto, cada vez mais se faz sentir uma formao adequada complexidade das situaes que o exerccio da profisso exige. Entendendo, com Estrela (2002, p. 18), por formao inicial de professores o incio, institucionalmente enquadrado e formal, de um processo de preparao e desenvolvimento da pessoa, em ordem ao desempenho e realizao profissional numa escola ao servio de uma sociedade historicamente situada, interrogo a adequao de um modelo de formao de professores que proporciona um contacto to restrito com as situaes profissionais. Para alm disso, constituindo objetivo da criao do Espao Europeu de Ensino Superior aumentar a qualidade dos sistemas de formao, interrogo tambm a opo feita para a organizao curricular que foi legislada para os cursos de formao inicial de professores.

    Transpondo para esta anlise o que tem sido concludo pelos estudos que mostram a importncia da rela-o teoria e prtica, interrogo ainda as possibilidades de uma formao que ocorre s no nvel do 2 ciclo (mestrado). Como argumentei, o discurso acadmico tem sustentado a importncia de se promover uma formao que predisponha para a mudana (NVOA, 2009; LEITE, 2009) e que permita o desenvolvimento de competncias de compreenso da educao escolar nas suas dimenses sociais e nas especificidades culturais dos alunos (LEITE, 2002; CANDAU, 2009). Por outro lado, tem sido reconhecido que a formao de professores deve ampliar-se ao desempenho de papis na instituio escolar e ao conhecimento da organizao curricular (BOLVAR, 2002, 2012). Por isso, e reconhecendo, quer a complexidade crescente que acompanha o exerccio da docncia, quer tambm que os professores so elementos importantes na institucionalizao de mudanas educacionais e sociais, considero urgente estudar e ampliar o debate sobre os efeitos que poder ter uma formao de professores organizada segundo o modelo em curso, em Portugal, institudo pelo Processo de Bolonha e analisar possibilidades e vantagens de o fazer convi-ver com lgicas de formao mais integradas e que ampliem o tempo de socializao com os contextos profissionais inerentes ao exerccio da docncia.

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    ARTIGOS

    Professores e pesquisa: da formao ao trabalho docente, uma tessitura possvel

    Luciana Aparecida de Araujo Penitente

    RESUMO: O presente texto resulta de uma pesquisa intitulada A Pesquisa pedaggica nos cursos de Licenciatura em Pedagogia: aspectos do trabalho desenvolvido pelos professores, desenvolvida em nvel de estgio ps-doutoral junto Fundao Carlos Chagas. Prope-se uma reflexo a respeito do conceito de pesquisa, que busca definir e explicitar suas caractersticas especficas e trazer algumas diferenas que marcam a pesquisa acadmica, a pesquisa escolar e a pesquisa pedaggica, apontando esta ltima como relevante no processo formativo do professor. Ressalta-se a relao entre pesquisa e formao de professores, apontando tambm a necessidade de uma reestruturao curricular dos cursos de Pedagogia, de modo que a pesquisa possa ser pensada como eixo formativo da formao de professores. Ademais, discutem-se as contribuies da pesquisa na formao e prtica docente, bem como o estudo do cotidiano escolar, enfocado como momento necessrio para colocar em prtica pressupostos subjacentes prtica do professor e vivenciar experincias de socializao entre alunos, professores e demais profissionais desse campo de saber.

    PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa; Formao de professores; Prtica docente.

    Teachers and research: from the training to the teaching work. a possible textureABSTRACT: This paper is the result of a research called Pedagogic Research in Education Schools: Aspects of the Work Conducted by Teachers developed at the post-doctorate training level at Fundao Carlos Chagas. It proposes a reflection on the concept of research that seeks to define and clarify their specific features, and brings about some of the differences that define the university, the school and the pedagogic researches, indicating the relevance of the last one in the teachers training process. The relationship between research and teachers training is highlighted as well as the need of a curricular restructuring in Education courses , in order to think research as a forming axis in teachers formation. Furthermore, the contributions of research in the teaching formation and practice is addressed, along with the study of school daily activities, focused on the necessary moment to put the assumptions underlying teachers practices into practice and also to experience socialization among students, teachers and other professionals in this field of knowledge.

    KEYWORDS: Research; Teachers training; Teaching practice.

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    INTRODUO

    Pensar o papel da pesquisa na formao inicial e continuada de professores e a necessidade de preparao de profissionais conscientes de sua historicidade e de seu papel para uma prxis social uma discusso que se faz urgente. Visando corroborar com essa discusso, este texto ser dividido em trs momentos.

    Inicialmente, prope-se uma reflexo a respeito do conceito de pesquisa, que busca definir e explicitar suas caractersticas especficas e trazer, ainda que de maneira aligeirada, algumas diferenas que marcam a pesquisa acadmica, a pesquisa escolar e a pesquisa pedaggica, apontando esta ltima como relevante no processo formativo do professor.

    Ressalta-se, num segundo momento, a relao entre pesquisa e formao de professores, apontando tambm a necessidade de uma reestruturao curricular dos cursos de Pedagogia, de modo que a pesquisa possa ser pensada como eixo formativo da formao de professores.

    As contribuies da pesquisa na formao e prtica docente compreendem o terceiro momento desta discusso, bem como o estudo do cotidiano escolar, enfocada como momento necessrio para colocar em prtica pressupostos subjacentes prtica do professor e vivenciar experincias de socializao entre alunos, professores e demais profissionais desse campo de saber. Conjugando esses trs momentos com as consideraes finais, encerramos o trabalho.

    Desde a infncia somos marcados pelo desejo de conhecer, na constante busca pelo saber. Segundo Mantoan (2008, p. 90), a origem do conhecer se d no desejo de criar e fortalecer vnculos que contextualizam, humanizam e criam laos entre o objeto e o sujeito do conhecimento. Esses laos fazem com que o conhecimento se expanda, extrapole seu aspecto cognitivo para penetrar nas emoes e sensaes que surgem do aprender com os outros. Nesse sentido, investigar, pesquisar, significa buscar respostas para alguma inquietao, fatos ou dvidas atravs do emprego de processos cientficos. Por meio da atividade de pesquisa, desenvolve-se a cincia, que o caminho para se fazer avanar o conhecimento, portanto, assim como diria Rubem Alves (1991), cincia coisa boa.

    No entanto, a palavra pesquisa, com o passar do tempo, comeou a ganhar uma popularidade muitas vezes preocupante, que pode comprometer at mesmo o seu sentido acadmico. No contexto poltico, convivemos com um considervel nmero de pesquisas, que muitas vezes de forma intencional, procuram revelar as tendncias eleitorais de determinados grupos sociais.

    Tambm no campo de trabalho do ensino fundamental e mdio, tem-se abusado do termo, fazendo uso de atividades ditas de pesquisa, de modo a comprometer o interesse dos estudantes dos cursos de Licenciatura em Pedagogia. No ensino superior, o professor pede aos alunos para fazerem uma pesquisa sobre um determinado assunto e o que eles fazem apenas consultar uma nica obra, como se fosse suficiente, ou ento, com o recurso e facilidade da internet, criam uma colcha de retalhos. Existem casos em que o estudante apenas copia o contedo encontrado sem ao menos fazer dele uma leitura e reflexo antes de entregar ao professor. Embora esse tipo de atividade possa despertar a curiosidade dos alunos, ela significa apenas uma atividade de consulta, mas no representa o conceito de pesquisa, j que o termo muito mais abrangente (LDKE; ANDR, 1986, p. 1).

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    Para Warde (1990 apud ALVES-MAZZOTTI, 2003, p. 35) em Impacto da pesquisa educacional sobre as prticas escolares, o conceito de pesquisa se ampliou tanto, que hoje nele tudo cabe, como os folclores, o senso comum, os relatos de experincia,. Alves-Mazzoti (2003) acredita que essa dificuldade de se definir o que pode ou no ser considerado como pesquisa no constitui um problema circunscrito produo acadmica brasileira. Para a autora, essa dificuldade est relacionada s mudanas que ocorreram no conceito de cincia e de mtodo cientfico, provocadas pelas crticas ao positivismo, que definia rigorosamente a cincia da no cincia. Essa ausncia de critrios de definies consensuais e o abandono das falsas certezas, assim como eram prometidas pelo positivismo, deixaram os pesquisadores, principalmente no campo das cincias humanas e sociais, desorientados. Essa desorientao levou ao que Alves-Mazzotti, (2003, p. 35) chamou de vale tudo. No entanto, a autora afirma que esse relativismo que se alastra em nossa rea no tem contribudo para a construo de conhecimentos relevantes e confiveis para orientar polticas e prticas educacionais.

    Ento, o que podemos considerar como pesquisa?

    O CONCEITO DE PESQUISA

    Sobre esse questionamento, Ludke e Andr (1986, p. 2) afirmam em Pesquisa em educao: abordagens qualitativas, que fazer pesquisa significa promover o confronto entre dados, evidncias e informaes coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento terico a respeito. Esse conhecimento, fruto da curiosidade, da inquietao, da inteligncia e da atividade investigativa do sujeito a partir de leituras a respeito do tema, tambm representa a continuidade do que j foi elaborado e sistematizado por outras pessoas que estudam a temtica.

    Diniz-Pereira e Lacerda (2009) entendem a palavra pesquisa como polissmica, podendo apresentar significados e aplicaes bem diferentes, dependendo de quem a utiliza. Como atividade cientfica, a pesquisa delineia caminhos que a caracterizam como tal, dialogam com o paradigma no qual se inscrevem e buscam conhecer determinado objeto para posteriormente socializar o conhecimento adquirido.

    Na mesma perspectiva, afirma Gatti (2002, p. 9-10):

    Pesquisa o ato pelo qual procuramos obter conhecimento sobre alguma coisa. [...] Contudo, num

    sentido mais estrito, visando a criao de um corpo de conhecimentos sobre um certo assunto,

    o ato de pesquisar deve apresentar certas caractersticas especficas. No buscamos, com ele,

    qualquer conhecimento, mas um conhecimento que ultrapasse nosso entendimento imediato na

    explicao ou na compreenso da realidade que observamos [...].

    Concordamos com Gatti (2002) ao dizer que o ato de pesquisar possui caractersticas especficas que devem ser definidas e explicitadas de modo que tenhamos claro o tipo de pesquisa ao qual estamos nos referindo. Assim, acreditando na importncia da pesquisa tanto para a formao inicial como para a prtica de professores, achamos por bem ressaltar, ainda que de uma maneira aligeirada, algumas diferenas que marcam a pesquisa acadmica, a pesquisa pedaggica e a pesquisa escolar.

    Segundo Beillerot (1991, p. 19) no contexto das pesquisas acadmicas: [....] o uso da palavra pesquisa no singular, e por vezes at mesmo sendo empregada com maiscula, envolve um pressuposto pleno de sentidos, equvocos e conivncias: para o bem ou para o mal, no mbito da universidade, a pesquisa ou cientfica ou no pesquisa.

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    A PESQUISA ACADMICA

    As pesquisas acadmicas baseiam-se em paradigmas pr-estabelecidos pela prpria universidade para que sejam reconhecidas por esses meios. Reconhecemos a importncia desses paradigmas, porm percebemos certo distanciamento entre o que se vive nas escolas e o que se pensa no contexto das universidades.

    Entendemos que o predomnio de uma viso clssica de pesquisa coloca um distanciamento entre a academia e o professor da escola bsica, o que restringe a possibilidade de realizao de pesquisas por esses professores. Todavia, para que suas pesquisas sejam reconhecidas socialmente, necessrio que se amplie o conceito de pesquisa utilizado dentro da universidade.

    H que se ter, contudo, o cuidado, como advertiu Ldke et al. (2009), para no reservar ao professor uma pesquisa de qualidade menor, menos exigente e restrita exclusivamente ao seu ambiente especfico de trabalho.

    Concordamos com Abreu e Almeida (2008) quando dizem que o ensino e a pesquisa devem caminhar juntos na atividade e na formao inicial e continuada de professores em todos os nveis de escolaridade, pois, caso contrrio, corremos o risco de cair na dicotomia que separa teoria e prtica, quem pensa e quem executa: o pesquisador descobre, pensa, sistematiza e conhece, aos demais fica a responsabilidade de fazer a interveno na realidade, mas sem o embasamento necessrio para uma efetiva tomada de deciso. Nesse sentido, adverte Freire (1999, p. 32):

    No h ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo

    do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei,

    porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, contatando intervenho, intervindo educo e

    me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda no conheo e comunicar ou anunciar a novidade.

    Segundo os pesquisadores americanos Cochran-Smith e Lytle (1999), Anderson e Herr (1999 apud LDKE, 2001), existem alguns critrios que podem dar conta de alguns tipos de pesquisa e se aproximar do trabalho que tem sido desenvolvido pelo professor da escola bsica. Tais critrios se voltam para as formas de validao e de veiculao dos trabalhos de pesquisa que so realizados no contexto escolar, para as relaes que se estabelecem entre os professores, a questo da oralidade, do dilogo, da conversao, da participao democrtica, entre outras.

    No entanto, conforme afirma Beillerot (1991), precisamos tomar cuidado para no considerar como superiores e cientficas apenas as pesquisas realizadas na universidade, deixando de considerar a trajetria de pesquisas que os docentes de nvel superior vivenciaram para chegarem at suas descobertas.

    Segundo Ldke (2001), a pesquisa acadmica poderia ganhar muito com o reconhecimento de uma nova conceituao da pesquisa do professor. Uma conceituao que garantisse um estatuto epistemolgico legtimo, trazendo temas e abordagens tericas e metodolgicas que pudessem garantir uma proximidade maior com as experincias vivenciadas por alunos e professores em sala de aula, contribuindo assim com o desenvolvimento do saber produzido pelos professores e para a construo de um novo conhecimento sobre a pesquisa por parte dos acadmicos.

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    Zeichner e Noffke (apud LDKE, 2001), em trabalho recente, aps analisar as crticas voltadas para a questo da investigao do professor como legtima forma de pesquisa educacional, trazem uma discusso sobre a relao pesquisa e saber docente como um caminho para se gerar conhecimento. A aproximao entre professor e sala de aula garante insights nicos sobre o processo de produo do conhecimento, e por esse motivo, apresenta vantagem em relao pesquisa acadmica.

    A PESQUISA ESCOLAR

    No que diz respeito pesquisa escolar, entendemos que ela pode servir como um elemento significativo na construo e apropriao do conhecimento. Todavia, com o crescimento acelerado da tecnologia, as informaes chegam aos nossos estudantes de uma forma muito fcil e rpida, o que gera certo desconforto por parte das instituies de ensino, uma vez que elas no conseguem acompanhar o mesmo ritmo.

    Segundo Abreu e Almeida (2008), essa realidade pode ser explicada, em um primeiro momento, pela compreenso equivocada que os professores do ensino superior tm do conceito de pesquisa e, consequentemente, da pesquisa escolar. Em seguida, pelo despreparo na orientao das pesquisas em sala de aula. O fato de esses professores terem uma viso questionvel da pesquisa escolar e a dificuldade de encaminhar os estudantes para a pesquisa comprometem a efetivao da investigao e, consequentemente, da aprendizagem sobre o como fazer pesquisa.

    A pesquisa deve ser entendida no como mera cpia de trechos de livros, artigos, entre outros, mas como atividade importante no processo de apropriao do conhecimento, j que por meio dela que se pode apreender o conhecimento historicamente acumulado e avanar no conhecimento dos problemas que afligem o campo da educao. Ademais, ela favorece o trabalho pedaggico, uma vez que o professor pode trabalhar, ao mesmo tempo, com diversas reas do conhecimento. No entanto, para que a pesquisa esteja presente no cotidiano da sala de aula, imprescindvel que o professor tenha clareza na elaborao do seu planejamento:

    [...] se entendemos que as prticas de formao docente devem abandonar as posturas prescritivas, descendentes e impositivas que buscam dizer e impor a verdade (como se deve ensinar, como ter prticas eficazes, como ser um bom professor etc.), devemos mais do que nunca partir da prtica efetiva que acontece cotidianamente nas salas de aula e no de uma ideia preconcebida daquilo que ela ou deve ser. somente pagando esse preo que a ao de formao ter influncias sobre o agir do professor. A modelizao das prticas trabalho da pesquisa por excelncia parece-nos indispensvel, incontornvel, essencial para descrever e caracterizar as prticas docentes, para em consequncia designar as intervenes de formao e elaborar diretrizes para a ao. Entretanto, importante estar consciente de que, no dilogo estabelecido entre o pesquisador e o professor formador e entre este e o professor, toda a dinmica das relaes est sempre a ser (re)construda em funo dos modelos construdos, o mais prximo da realidade, pois no permitido confundir o agir singular e as particularizaes que possibilitam a modelizao. E este problema subsiste mesmo se e talvez ainda mais em decorrncia das dificuldades de distanciao somos ao mesmo tempo pesquisadores e formadores (LENOIR, 2006, p.1319).

    Para Abreu e Almeida (2008), o conceito de pesquisa deve ser desmistificado e repensado levando-se em conta a prtica educativa. O processo de pesquisa requer um conjunto de atividades que devem ser orientadas pelo professor, visando buscar, descobrir e criar um determinado conhecimento acerca de um objeto investigado. Dessa forma, a curiosidade estimulada no aluno deve lev-lo a duvidar, a formular hipteses, a confirmar suas certezas, tomando conscincia de si mesmo enquanto pesquisador e do seu objeto de estudo.

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    A PESQUISA DA PRTICA PEDAGGICA

    Em relao pesquisa da prtica pedaggica, conforme adverte Oliveira (2000, p. 148) em A pesquisa em didtica no Brasil da tecnologia do ensino pesquisa pedaggica, mais do que ensinar, planejar, orientar e avaliar a aprendizagem a partir de modelos que se constituem a priori, preciso preocupar-se com a reflexo dos alunos, futuros professores, sobre a realidade do ensino, compreendendo-a e problematizando-a. Todavia, essa reflexo deve ser proporcionada nos cursos de Pedagogia, j que ele se constitui, em grande medida, o campo de conhecimento responsvel por investigar a natureza e as finalidades da educao na sociedade.

    Em Educao: Pedagogia e Didtica o campo investigativo da pedagogia e da didtica, Libneo (2000) reconhece a Pedagogia como uma cincia prtica que explicita objetivos e formas de interveno metodolgica e organizativa que ocorrem no contexto da atividade educativa, preocupando-se com a transmisso e assimilao ativa dos contedos, ou seja, ela contribui com a investigao da prpria prtica educativa oferecendo os suportes tericos advindos das demais cincias da educao.

    Assim, acredita-se na importncia de uma aprendizagem participativa, significativa e autonomizante, capaz de proporcionar ao aluno novos conhecimentos, novas aes e, portanto, condies de intervir e mudar o contexto em que vive e convive. nesse sentido que em Contribuio da didtica para a formao de professores reflexes sobre o seu ensino, Alarco (2000, p. 181) afirma que o aluno surge como pesquisador e o professor, como coordenador da aprendizagem na pesquisa.

    Em sua prtica pedaggica, o professor pode atuar em diferentes situaes: na sala de aula em relao ao processo ensino e aprendizagem, nas questes relacionadas ao contedo e currculo, na relao professor-aluno, nas questes relacionadas gesto escolar, enfim, em diferentes situaes que podem gerar problemas na sua prtica pedaggica Da a necessidade do professor estar assegurado por atividades investigativas.

    Para Libneo (2005), est por traz do conceito de professor a ideia de algum que ajuda os outros a desabrochar suas capacidades mediante atividades socialmente estabelecidas por um currculo. Desse modo, cabe ao professor, pela via da pesquisa, se revestir de uma ferramenta favorvel ao desenvolvimento do educando. Afirma Alarco (2000, p. 5) que todo o bom professor tem que ser tambm um pesquisador:

    Realmente no posso conceber um professor que no se questione sobre as razes subjacentes s suas decises educativas, que no se questione perante o insucesso de alguns alunos, que no faa dos seus planos de aula meras hipteses de trabalho a confirmar ou informar no laboratrio que a sala de aula, que no leia criticamente os manuais ou as propostas didticas que lhe so feitas, que no se questione sobre as funes da escola e sobre se elas esto a ser realizadas.

    Na mesma perspectiva, Abreu e Almeida (2008) afirmam que a pesquisa sobre a prtica pedaggica um processo fundamental na construo do conhecimento sobre a prpria prtica, trazendo contribuies tanto para o desenvolvimento profissional dos professores como tambm para as instituies educativas a que eles pertencem. Segundo Imbernn (2002, p. 112-113), [...] o conhecimento pedaggico gerado pelo professor um conhecimento ligado ao prtica, no podendo estar desvinculado da relao teoria e prtica.

    H quatro grandes razes para que os professores faam pesquisa sobre a sua prpria prtica, a saber: para saber atuar efetivamente em relao s questes relacionadas ao currculo e sua atuao profissional, buscando meios para enfrentar os problemas que podem emergir de sua prtica; para contribuir na construo

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    de um patrimnio de cultura e conhecimento dos professores como grupo profissional; e para contribuir nas discusses em torno dos problemas educativos (ABREU; ALMEIDA, 2008).

    Estamos de acordo com Ghedin e Almeida (2008) quando afirmam que, para avanar no campo da formao inicial de professores, preciso aliar o processo e o produto da aprendizagem mediante um movimento dialtico que considera e articula a pesquisa como formao, a formao para a pesquisa, a prtica da pesquisa na formao e a formao na prtica articulada aos processos investigativos.

    Todavia, embora reconheamos o papel da pesquisa na formao e na prtica docente e a sua importncia para a aproximao e o conhecimento da realidade educacional e da relao teoria e prtica, concordamos com Diniz-Pereira e Lacerda (2009) quando afirmam que o desenvolvimento de pesquisas na prtica docente algo ainda polmico no meio acadmico.

    Na concepo desses autores, a possibilidade ou no de haver pesquisas na prtica pedaggica est relacionada a questes de poder, pois ainda h pesquisadores que encaram a pesquisa na prtica docente como algo que possa competir com a pesquisa acadmica e abalar sua legitimidade. Muitos acadmicos consideram a pesquisa cientfica como modelo para a investigao do professor. A parece residir a razo da discrdia, pois, para alguns tericos, essa investigao pode se configurar como qualquer outra coisa exceto como pesquisa cientfica.

    Para Diniz-Pereira e Lacerda (2009), a pesquisa do professor da educao bsica sobre a prtica docente favorece a discusso permanente acerca do currculo escolar, da prtica e da problemtica social, possibilitando que os professores se firmem enquanto sujeitos responsveis por sua prpria formao, apoiados pelo conhecimento terico e consigam refletir sobre seu cotidiano escolar.

    Da mesma forma, a pesquisa pode favorecer a emancipao docente, trazendo autonomia aos professores, que deixam de ser meros executores de ideias pensadas por outros para atuarem e contriburem na construo e sistematizao do conhecimento produzido por eles, livres das presses externas. Por conhecerem as teorias presentes na prtica pedaggica, dialogam com o conhecimento terico produzido fora do contexto escolar. Ademais, a prtica das pesquisas docentes pode fortalecer na escola o trabalho coletivo entre professores, potencializando suas aes investigativas e contribuindo efetivamente para o seu desenvolvimento profissional.

    inegvel a contribuio da pesquisa nos processos formativos, uma vez que a prtica investigativa pressupe a articulao de processos cognitivos, lingusticos, criativos, dialgicos e outros mais. A pesquisa, portanto, interfere positivamente na constituio dos saberes docentes e na compreenso de sua prpria prtica profissional. Favorece a tessitura de uma escola em que o conhecimento produzido passa a ser sistematizado, discutido, socializado uma escola em que as proposies externas se misturam s proposies internas. Por fim, do ponto de vista poltico, a pesquisa na prtica docente tambm pode ser vista como um movimento contra-hegemnico que contribui para a ruptura de uma determinada forma de saber e poder (DINIZ-PEREIRA, 2002). Socializando os saberes oriundos da prtica, e tomando a teoria como texto cuja serventia a interlocuo com esses saberes, a prtica investigativa na escola favorece o esfacelamento de uma relao endurecida, em que tradicionalmente a teoria era tomada como texto a ser transformado em mtodo e aplicado na prtica (DINIZ-PEREIRA; LACERDA, 2009, p. 1234).

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    A RELAO ENTRE PESQUISA E FORMAO DE PROFESSORES

    A formao de professores tem sido atualmente objeto de estudos e pesquisas de inmeros autores tanto no campo nacional como internacional, devido preocupao com uma formao mais consistente em relao ao exerccio da docncia e com a complexidade da prtica educativa. Os estudos e as pesquisas que discutem a formao docente intensificaram-se ao longo da dcada de 80 e coincidem com a afirmao da importncia da pesquisa na formao e prtica docente.

    Com o intuito de superar a racionalidade tcnica presente nas prticas pedaggicas e tambm na poltica educacional brasileira, e avanar para uma racionalidade comprometida com as prticas pedaggicas emancipadoras, a crtica ao tecnicismo e racionalidade instrumental aguou o debate entre os pesquisadores a favor da reflexividade e da necessidade da pesquisa no processo de formao do professor como possibilidade de desenvolvimento profissional e melhoria do ensino. Entre as muitas contribuies trazidas por esses autores, podemos destacar, no campo internacional, as reflexes de Schn sobre a formao de profissionais reflexivos; de Nvoa (1992), que discute a possibilidade da diversificao dos modelos e das prticas de formao que valorizem os saberes do prprio professor como sujeito ativo na implementao das polticas educativas; de Giroux (1997), que rejeita a possibilidade de reduo do trabalho do professor a meios tcnicos, que favorecem a reproduo das ideias pensadas por outros.

    Ainda que admitida a importncia da pesquisa para a atuao docente, Zeichner (1992, 1998) aponta algumas limitaes e possibilidades da realizao de pesquisas pelos docentes que derivam da composio multicultural de estudantes, de burocracias da escola, entre outros impedimentos e dificuldades, e prope o exerccio de uma pesquisa prxima realidade do professor que atua em sala de aula. Conforme afirma Ldke (2001), o prprio Zeichner (1998) tem colocado sua preparao e experincia de pesquisador a servio da pesquisa, deslocando suas atividades para as escolas e at mesmo para outros pases, o que permite o autor afirmar que essa experincia tem correspondido melhor s necessidades de professores e alunos. Para Perrenoud (1999), a pesquisa docente possibilita o desenvolvimento de novas competncias do educador a fim de que oferea respostas rpidas e criativas para realidades complexas.

    Embora haja algumas discordncias entre os pesquisadores sobre a ideia do professor-pesquisador, essa questo tem sido muito enfatizada nos ltimos tempos. Teve incio com o trabalho pioneiro de Stenhouse (1975), que acreditava que cada professor devia fazer de sua sala de aula um laboratrio e experimentar as diferentes maneiras de atingir seus alunos no processo de ensino/aprendizagem. Nessa mesma perspectiva, Elliot (1993) desenvolve a ideia de pesquisa-ao como uma proposta de trabalho docente colaborativo e de crescimento profissional dos professores; Carr e Kemmis (1986) trazem a importncia da dimenso crtica no pensamento do professor. No entanto, foi com a obra de Schn, sobre o reflective practitioner (1983 e 1992), que se difundiu mais amplamente a ideia de professor reflexivo, apontando a reflexo como atividade inerente ao trabalho e formao docente (LDKE, 2001).

    Esses estudos tambm se fortaleceram no contexto brasileiro, no qual podemos destacar as influncias de Pedro Demo (1991, 1994), que insiste no carter formador da atividade de pesquisa; de Corinta Geraldi (1996, 1998), enfocando o desenvolvimento da pesquisa-ao entre grupos de professores; de Marli Andr (1992, 1995), inspirando a prtica da pesquisa docente por meio da colaborao entre pesquisadores da universidade e professores da rede pblica, e de Menga Ldke (1993, 1994, 2001, 2005), que, alm de acompanhar sistematicamente os estudos referentes a essa temtica, tem se dedicado investigao sobre a prtica de pesquisa no percurso da formao de professores da educao bsica.

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    Em Professor, seu saber e sua pesquisa, com o intuito de conhecer a concepo que professores e alunos tinham a respeito da contribuio dos cursos de Licenciatura e da escola normal para os saberes necessrios a prtica docente, Ldke (2001) apresenta algumas constataes resultantes da pesquisa realizada na PUC-Rio, no perodo entre 1997 a 1998. Entre seus achados, Ldke percebeu a ausncia da dimenso pesquisa, do que resultou a construo de um novo processo investigativo, agora com professores do ensino mdio na rede pblica de ensino, tambm no Rio de Janeiro, com o intuito de esclarecer como e por que se d ou no a relao entre a atividade de pesquisa e o que considerado o domnio do saber docente:

    [...] Quanto formao para a pesquisa, nossos entrevistados apontaram maciamente os cursos

    de mestrado e doutorado como os caminhos mais adequados. Poucos apontaram os cursos de

    graduao como responsveis por essa formao (grifo nosso) e esses eram, em geral, os que

    foram beneficiados com bolsas de Iniciao Cientfica [...] (LDKE, 2001, p. 86).

    Em seu artigo Aproximando universidade e escola de educao bsica pela pesquisa, Ldke (2005) traz alguns dados obtidos em entrevistas realizadas com docentes, do curso de licenciatura de duas universidades pblicas, tambm na cidade do Rio de Janeiro. Nesse estudo, a autora conclui que, embora os docentes reconheam a importncia da pesquisa na formao dos futuros professores, preciso uma reorganizao da grade curricular nos cursos de formao, pois no h muito espao para a pesquisa.

    Segundo Rosa, Cardieri e Taurino (2008), no nosso contexto, de um lado, est o crescente reconhecimento da importncia da necessidade de formar profissionais no campo educacional capazes de levantar questes e buscar respostas tanto tericas como prticas para os problemas, desafios e necessidades cada vez mais complexos e urgentes do cotidiano escolar. Do outro, os cursos de formao inicial dos profissionais da educao em nvel superior nem sempre oferecem respostas adequadas, tanto no que diz respeito sua organizao curricular, como em termos de prticas pedaggicas que consigam desenvolver as capacidades e competncias necessrias mediante atividades de pesquisa.

    Todavia, est no uma situao vivida apenas no contexto acadmico brasileiro. Veyrunes, professor e pesquisador da Universidade de Toulouse, em artigo publicado em 2005, afirma que a dificuldade de articular os resultados da pesquisa em educao com as prticas de formao de professores tambm enfrentada pelos Institutos Universitrios de Formao de Professores (IUFMs) na Frana.

    Nas IUFMs h dois tempos claramente distintos de formao: o primeiro tempo organizado em funo de aquisio de saberes acadmicos relativos disciplina e o segundo tempo, organizado em funo da aquisio de saberes relativos didtica dessa disciplina (DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 42).

    Segundo Tardif e Lessard (1999 apud DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 38), toda formao profissional que prepara o sujeito para o exerccio de um ofcio gera problemas, principalmente quando se trata de uma profisso voltada para a formao humana, como o caso do ensino, que implica o domnio cognitivo de situaes dinmicas, gerenciamento de pessoas, autonomia, responsabilidade nas decises e adequao a um contexto especfico.

    Perrenoud et al. (no prelo) tambm afirmam que as relaes entre pesquisa e formao foram e continuam sendo objeto de debates e ilustram seu carter problemtico. Esses debates encontram-se centrados na natureza dos saberes que devem ser dominados, transmitidos e adquiridos no quadro da formao e do exerccio profissional; concernem, sobretudo, articulao entre saberes oriundos da prtica e saberes cientficos (DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 38).

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    Para Tardif e Zourthal (2005, p. 30 apud DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 38), os programas de formao inicial de professores so muito pobres na formao dos professores para a leitura e decodificao dos discursos da pesquisa. Segundo eles, a formao em pesquisa tanto para os futuros professores como para os professores que j esto em servio deveria ocupar mais espao nos programas acadmicos e tambm inici-los nas pesquisas contemporneas sobre o ensino, e no apenas em questes metodolgicas.

    Em nosso pas, podemos perceber que o impacto da pesquisa acadmica no contexto da prtica e do dia a dia escolar muito pequeno. Alm disso, conforme elucida Rosa, Cardieri e Taurino (2008), as investigaes realizadas a partir do contexto escolar, bem como de suas necessidades reais so muitas vezes questionadas, no mbito da academia no que diz respeito sua relevncia terica e/ou seu rigor cientfico e metodolgico.

    A qualidade das pesquisas realizadas no contexto educacional pode, muitas vezes, ser questionada devido banalizao do conceito de pesquisa e o descaso com os aspectos tericos e metodolgicos da produo do conhecimento. Sobre esse assunto, Ldke e Andr (2004) afirmam que h uma banalizao do recurso das abordagens qualitativas de investigao que comprometem, em alguns casos, a produo cientfica de um campo epistemolgico controverso por sua prpria natureza complexa e multidisciplinar.

    O CURRCULO NA FORMAO DE PROFESSORES

    Conforme elucidam Ldke e Cruz (2005, p. 85), os cursos de formao de professores tm sofrido de um defeito congnito no que diz respeito s limitaes que cercam sua estruturao, a saber: a estrutura 3+1, que refora o predomnio da formao dos contedos em relao formao pedaggica; a separao entre teoria e prtica; a supervalorizao das reas especficas.

    Essa estruturao revela um modelo da racionalidade tcnica ainda predominante na organizao dos currculos de formao de professores, que se apresenta organizado da seguinte forma: uma cincia bsica, uma cincia aplicada e um espao de ensino prtico. Com base nessa estruturao, espera-se que os alunos aprendam a aplicar o conhecimento adquirido aos problemas postos pela prtica pedaggica (LDKE; CRUZ, 2005, p. 93).

    Portanto, a forma pela qual os currculos dos cursos de Pedagogia encontram-se estruturados contribui muito pouco para a formao do professor no que diz respeito sua identidade de pesquisador. A fragmentao e a falta de dilogo entre as disciplinas acabam dicotomizando o ensino e a pesquisa e fortalecendo o reprodutivismo presente na educao, transformando o aluno passivo em um professor reprodutivista. Da a necessidade de se pensar em uma reformulao da grade curricular que leve tanto o professor como o aluno a fortalecerem pesquisa no contexto escolar.

    Com esse modelo de estruturao, o espao que tem sobrado para a pesquisa no muito significativo. A forma pela qual ela tem ocorrido, isto , quando tem ocorrido:

    [...] tende a gerar nos professores representaes sobre a pesquisa impregnadas pela conotao acadmica, no deixando muito espao, nem estofo, para o desenvolvimento de concepes paralelas mais amplas, que permitam abrigar o trabalho voltado para questes dirias das escolas, sem abrir mo, entretanto, dos cuidados que devem nortear toda forma de pesquisa (LDKE; CRUZ, 2005, p. 91).

    Como medida paliativa e visando suprir as carncias terico-metodolgicas evidenciadas pelo modelo de currculo vigente nos cursos de formao de professores, so oferecidos cursos de formao continuada,

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    que, de acordo com Pimenta (2005), dificilmente conseguem alcanar o resultado desejado, pois, na maioria das vezes, focalizam as atividades na discusso de contedos que j foram discutidos durante a graduao, desconsiderando as experincias vivenciadas no dia a dia desses professores (GHEDIN; ALMEIDA, 2008).

    Conforme exposto, e a partir de prticas que ainda permanecem em algumas instituies de ensino superior, foi possvel perceber que a formao de professores se preocupou por muito tempo com o domnio dos contedos e, assim, os futuros professores concluam sua formao supostamente dominando os contedos das disciplinas que iriam ministrar. Contudo, esse processo de formao foi aos poucos revelando sua insuficincia, e os programas de formao profissional, baseados no modelo da racionalidade tcnica, acabaram minimizando os contedos e intensificando os mtodos e as tcnicas de ensino.

    Essa mudana, segundo Diniz-Pereira e Lacerda (2009, p. 1237), embora tenha proporcionado alteraes na formao de professores, no conseguiu nenhuma transformao efetiva nesse campo. Os futuros professores continuavam sendo formados como profissionais que precisavam conhecer e dominar algo e manter-se no extremo de um processo verticalizado, no lugar de quem recebe. Isso no significa que os programas de formao devam deixar para segundo plano o ensino dos contedos, e que tambm no devam problematizar os mtodos utilizados. A atividade de ensino precisa estar articulada a um currculo, a teorias e mtodos que sejam problematizados permanentemente por profissionais que trabalham nas escolas.

    Conforme elucidam Diniz-Pereira e Lacerda (2009), inserir a dimenso da pesquisa nos cursos de licenciatura no garante a formao do professor no que diz respeito qualidade de pesquisadores. Tomada como eixo articulador dos cursos de licenciatura, a pesquisa na prtica docente em dilogo com a prtica de ensino e os estgios supervisionados pode trazer ressignificaes das disciplinas de contedo, minimizando o enfoque anteriormente dado aos contedos e aos mtodos e inserindo a pesquisa como eixo articulador da formao. As atividades prticas e a articulao entre pesquisa, prtica de ensino e estgio tambm contribuem para que a pesquisa futuramente seja pensada como componente essencial aos programas de formao de professores.

    Em se tratando da investigao como eixo formativo dos cursos de licenciatura, podemos perceber atualmente que os alunos, quando desenvolvem uma pesquisa, a desenvolvem com o intuito de que esse trabalho resulte na monografia, seu trabalho final de curso. Reconhecemos a importncia desse trabalho no envolvimento do aluno da iniciao cientfica, porm, acreditamos que ainda preciso avanar no campo da formao de professores no que diz respeito sua formao para a pesquisa.

    DAmbrsio (1998), tambm discute a relevncia da pesquisa na formao de professores como um elemento que interfere diretamente no desempenho do trabalho docente. Segundo ele, as disciplinas de metodologia devem ser repensadas de modo a formar o aluno tanto para ser professor quanto pesquisador e, nessa perspectiva, o aluno deve ser considerado objeto do conhecimento do professor como sujeito da pesquisa.

    Todavia, no podemos esperar a reestruturao do currculo para assumir a pesquisa como parte de nossas atividades de ensino. Trazer a pesquisa para a formao inicial e continuada de professores uma discusso e uma necessidade que se faz urgente. Ademais, preciso pensar em como a pesquisa pode aproximar a relao teoria e prtica, e favorecer a investigao da prtica cotidiana dos professores de modo a identificar instrumentos de pesquisa que atendam tanto as necessidades dos professores quanto as necessidades das escolas em que atuam.

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    Somente um professor que trabalha na pesquisa pode levar o aluno a se tornar um pesquisador, pois a pesquisa inserida na prtica do aluno e na sua aprendizagem pelo professor poder produzir os conhecimentos necessrios para um saber mais consistente. Sendo a