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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 3807 “FORMADAS PARA DAR FRUTOS” – IMPRENSA EDUCACIONAL E FORMAÇÃO DOCENTE NA REVISTA DE ESTUDOS EDUCACIONAIS (SANTA CATARINA, 1941- 1942) 1 Carolina Cechella Philippi 2 Florianópolis, outubro de 1941 João Roberto Moreira, diretor do Instituto de Educação, recebe a seguinte carta: Prezado professor [...]. Tenho em mãos “Estudos Educacionais”, publicação do Instituto que está sob sua direção. Agradeço a gentileza da remessa e, principalmente, da dedicatória. No próximo número de “Sociologia” direi alguma coisa sobre tão interessante publicação. Com a mesma simpatia intelectual cumprimenta-o Romano Barreto. A correspondência, assinada pelo então professor de Sociologia do Colégio Universitário anexo à Universidade de São Paulo (USP), é apenas uma das escritas epistolares retomadas por Daniel (2005, p. 77 98). A autora mapeou algumas das relações travadas por Moreira em uma série de correspondências recebidas entre as décadas de 1930 e 1940. Nelas são constantes os nomes de Fernando de Azevedo, Roger Bastide e Romano Barreto, todos vinculados à USP. Coincidentemente, após deixar o cargo de diretor do Instituto de Educação Catarinense João Roberto Moreira publicou artigos na revista “Sociologia” citada na missiva de Barreto (Ibidem). João Roberto Moreira (1912 1967) nasceu em Mafra (Santa Catarina). Frequentou o curso de humanidades clássicas no Seminário Central dos Padres Jesuítas (São Leopoldo/ Rio Grande do Sul) e, posteriormente, a Faculdade de Filosofia da Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde cursou Pedagogia. Foi professor catedrático de Psicologia e Pedagogia (1937 1943) e de didática (1938 1940) no Instituto de Educação de Santa Catarina. Foi diretor da mesma instituição entre os anos de 1941 e 1943. Em seguida, já na esfera federal, dirigiu a Seção de Documentação e Intercâmbio do INEP (1949 1951). A convite de Anísio Teixeira coordenou a Comissão de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar 1 Este artigo é vinculado a doutorado em andamento de título “‘Ao Senhor Diretor’ – expedientes burocráticos e rotinas administrativas nas Reformas de Instrução Pública (Santa Catarina, 1911 1942)” - Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/ UNICAMP). Agência financiadora: CNPq. 2 Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-Mail: <[email protected]>.

“FORMADAS PARA DAR FRUTOS” – IMPRENSA EDUCACIONAL E ... · tornam tema de reforma e também os meios de divulgação das iniciativas de remodelação da escola. Michel de Certeau

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 3807

“FORMADAS PARA DAR FRUTOS” – IMPRENSA EDUCACIONAL E FORMAÇÃO DOCENTE NA REVISTA DE ESTUDOS EDUCACIONAIS

(SANTA CATARINA, 1941- 1942)1

Carolina Cechella Philippi2

Florianópolis, outubro de 1941 – João Roberto Moreira, diretor do Instituto de

Educação, recebe a seguinte carta:

Prezado professor [...]. Tenho em mãos “Estudos Educacionais”, publicação do Instituto que está sob sua direção. Agradeço a gentileza da remessa e, principalmente, da dedicatória. No próximo número de “Sociologia” direi alguma coisa sobre tão interessante publicação. Com a mesma simpatia intelectual cumprimenta-o Romano Barreto.

A correspondência, assinada pelo então professor de Sociologia do Colégio

Universitário anexo à Universidade de São Paulo (USP), é apenas uma das escritas

epistolares retomadas por Daniel (2005, p. 77 – 98). A autora mapeou algumas das relações

travadas por Moreira em uma série de correspondências recebidas entre as décadas de 1930 e

1940. Nelas são constantes os nomes de Fernando de Azevedo, Roger Bastide e Romano

Barreto, todos vinculados à USP. Coincidentemente, após deixar o cargo de diretor do

Instituto de Educação Catarinense João Roberto Moreira publicou artigos na revista

“Sociologia” citada na missiva de Barreto (Ibidem).

João Roberto Moreira (1912 – 1967) nasceu em Mafra (Santa Catarina). Frequentou o

curso de humanidades clássicas no Seminário Central dos Padres Jesuítas (São Leopoldo/

Rio Grande do Sul) e, posteriormente, a Faculdade de Filosofia da Universidade Católica do

Rio de Janeiro, onde cursou Pedagogia. Foi professor catedrático de Psicologia e Pedagogia

(1937 – 1943) e de didática (1938 – 1940) no Instituto de Educação de Santa Catarina. Foi

diretor da mesma instituição entre os anos de 1941 e 1943. Em seguida, já na esfera federal,

dirigiu a Seção de Documentação e Intercâmbio do INEP (1949 – 1951). A convite de Anísio

Teixeira coordenou a Comissão de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar

1 Este artigo é vinculado a doutorado em andamento de título “‘Ao Senhor Diretor’ – expedientes burocráticos e rotinas administrativas nas Reformas de Instrução Pública (Santa Catarina, 1911 – 1942)” - Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE/ UNICAMP). Agência financiadora: CNPq.

2 Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-Mail: <[email protected]>.

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– CILEME (1954-1955) e dirigiu o Setor de Planejamento do Centro Brasileiro de Pesquisas

Educacionais, chefiando em seguida a Divisão Técnica de Estudos e Pesquisas Sociais

(PROGRAMA DE ESTUDOS E DOCUMENTAÇÃO EDUCAÇÃO E SOCIEDADE UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, s/d, p. 1). É neste período que escreve livro muito presente na

historiografia da educação catarinense: A Educação em Santa Catarina (MOREIRA, 1954) é

comumente referenciado em dissertações, teses e livros da área3.

A este artigo interessa a atuação de Moreira como diretor do Instituto de Educação

catarinense (1941 – 1943), quando foi publicada e veiculada a Revista Estudos Educacionais

(1941 – 1942). A publicação teve apoio do Departamento de Educação, foi idealizada por Ivo

d’Aquino (Secretário do Interior e Justiça de Santa Catarina) e fundada vinculada ao

Instituto e ao seu diretor. Para Nascimento e Daniel (2002, p. 53 – 70) a sua produção é

forma de construir um lócus de reconhecimento e difusão de uma identidade social dos

intelectuais que a ela se vinculavam. Entendem ainda este período da atuação de Moreira

como um ponto de partida para seus trânsitos posteriores – é, portanto, importante peça na

construção de um determinado modelo de formação docente. No viés através o qual esta

pesquisa se encaminha, interessa questionar: a quem ele se articulava, e de que forma? Como

estas articulações reverberaram na publicação da Revista Estudos Educacionais?

Operacionaliza-se assim o estudo de uma História dos Intelectuais que permite rastrear suas

teias de sociabilidades, assinalando inclusive para os pontos de tensionamento entre eles e

para além deles.

São válidas as assertivas de Carvalho (2016, p. 4 – 13) quando analisa a circulação

impressa de modelos pedagógicos estrangeiros em São Paulo. A autora toma como fonte a

Revista do Ensino (1902 – 1918) e tem o objetivo de identificar o campo semântico

materialmente configurado dentro do qual se articulam os modelos pedagógicos. Atenta para

as funções de difusão e interlocução destes impressos e analisa-a como dispositivo de

propagação, implantação e moldagem das práticas escolares. Sendo assim, temáticas e

termos publicados são considerados no interior do campo semântico do modelo escolar

paulista4 e são também dispositivos para sua produção. Quando centra a leitura nas rupturas

propostas nas diferentes sessões da revista, entende-as como deslocamento das estratégias de

modelização que dão índices para compreender alterações no modelo escolar vigente. À

3 Dentre as produções que referenciam Moreira, ganha destaque o livro Aspectos da evolução do ensino público: ensino público e politica de assimilação cultural no Estado de Santa Catarina nos períodos imperial e republicano (FIORI, 1975).

4 Para a autora, o modelo escolar paulista é um “modelo produzido por uma pedagogia, uma política e uma estratégia de formação docente articuladas segundo uma lógica regida pelo ‘primado da visibilidade’” (CARVALHO, 2011, p. 185).

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autora interessa a história material da circulação do impresso e de suas apropriações,

intentando entender como este funcionou enquanto dispositivo de configuração do campo

pedagógico – entende-os então como produto, instrumento e alvo de intervenções diversas.

Fazem, pois, parte de uma rede de impressos e nelas se articulam distintas estratégias de

moldagem das práticas escolares (CARVALHO, 2003, p. 103 – 119).

Carvalho (2011, p. 185 – 212) operacionaliza suas análises buscando nos impressos

pedagógicos indícios da veiculação e difusão de um modelo escolar – no caso, o modelo

escolar paulista5. Através da lógica de organização de distintas revistas do campo assinala

para modelos de configuração material que lhe são próprios. Estes são utilizados como

ferramentas de análise, tendo sua pertinência analítica e descritiva testada no constante

diálogo com as fontes. Para tanto é essencial que seus componentes sejam situados em suas

redes de relações e que as iniciativas de remodelação da instrução pública sejam retomadas

no interior do campo semântico que lhes é próprio. Interessa assinalar para modelos

pedagógicos concorrentes e para as alterações na representação da escola e das práticas de

ensino e aprendizagem. Por outro lado seu progressivo desmonte é percebido através do

esgotamento da capacidade de modelização das práticas pedagógicas – resultado de

alterações no campo doutrinário, discursivo, politico e econômico. Por fim, Carvalho advoga

pela ideia de que impressos pedagógicos são parte de estratégias de intervenção que

compõem um programa de remodelação da escola.

A Revista Estudos Educacionais foi veiculada em seis volumes entre os anos de 1941 e

1942. Pronunciou-se e articulou-se veiculada ao Instituto de Educação de Florianópolis –

com efeito, era ali que docentes e discentes publicavam apontamentos sobre aulas e estudos

científicos (DANIEL, Op. Cit.). Os dois números disponíveis no acervo do Setor de Obras

Raras da Biblioteca Pública de Santa Catarina6 são fonte para escrita deste artigo, sendo

submetidos aos seguintes questionamentos: que saberes eram considerados legítimos para

compor a formação docente, e como eles eram apresentados na Revista? Quem eram os

professores que nela inscreviam artigos, e sobre o que eles versavam? Qual a inserção

intelectual destes, e com quais outros educadores eles traçavam diálogo? Interessa situar o

impresso, sua circulação e divulgação em meio à Reforma da Instrução Pública nomeada

5 Sobre o modelo escolar paulista, conferir também: CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Reformas da Instrução Pública. In: LOPES, de Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003a. (Coleção historial , v6). Pág. 225 – 251; CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A República, a escola e os perigos do alfabeto. In: A escola e a república e outros ensaios. Bragança Paulista: EDUSF, 2003b. Pág. 143 – 164.

6 Estavam disponíveis os números de novembro de 1941 e 1942.

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“Reforma Trindade” 7 – como, pois, a Revista funcionava, estando vinculada ao Instituto de

Educação, em meio aos esforços reformistas?

São apresentados como resultados o mapeamento de sujeitos e temáticas da Revista,

identificando seus trânsitos intelectuais em um período de progressiva burocratização da

educação escolarizada. É assim problematizada a complexificação do campo educacional e de

suas rotinas administrativas. Interessa circunscrever os principais temas tratados e alguns

dos sujeitos que publicaram na revista – para tanto, este artigo se organiza de acordo com

duas temáticas percebidas na leitura de seus artigos. São elas: a nacionalização do ensino e a

especificidade do saber pedagógico. A esses temas são relacionados os sujeitos políticos,

instituições e saberes vinculados, interessando assinalar seu valor como estratégia para

modelização das práticas pedagógicas.

Nesta investida são importantes os referenciais teóricos de Popkewitz (1997, p. 21 –

57) e Certeau (2002, p. 65 – 110). O primeiro é operacionalizado quando propõe um estudo

da mudança pelo recurso à história; nesta via, torna possível o estudo das Reformas da

Instrução Pública como uma prática social que articula conhecimento, poder e práticas

situadas historicamente. Interessa a este artigo a forma pela qual determinados objetos se

tornam tema de reforma e também os meios de divulgação das iniciativas de remodelação da

escola. Michel de Certeau por sua vez operacionaliza o estudo das alterações no campo

semântico da reforma através dos impressos quando atenta para o estudo do heterogêneo.

Para ele (CERTEAU, 2002, p. 65 – 110) a utilização da teoria em História se dá na relação

entre a construção de modelos analíticos e da atribuição de significados às informações

obtidas. A maneira de tornar visível essa relação é apontando os desvios relativos aos

modelos. É também Certeau (Ibidem) que assinala para a inversão escriturária que é parte

da operação historiográfica – a divulgação dos resultados de pesquisa torna necessária a

organização de um texto. Este, porém, não espelha a rotina de pesquisa e o tratamento dado

aos seus objetos. Sendo assim, embora este artigo se organize de acordo com temáticas

assinaladas no corpo da Revista Estudos Educacionais ele não traz o universo de temas

tratados ou sujeitos envolvidos em sua publicação e circulação. Trata-se de um recorte feito

para operacionalizar o estudo das mudanças das estratégias de reforma percebidas nas

edições acessadas, inserindo-as no campo semântico das Reformas da Instrução Pública

catarinenses.

7 Reforma da Instrução Pública catarinense iniciada em 1935. Tinha como principais nomes: Luís Sanches Bezerra da Trindade, João dos Santos Areão e Elpídio Barbosa. Ficou conhecida como Reforma Trindade devido ao sobrenome de Luís Trindade e também à formação do grupo, composto por três inspetores.

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Segundo apontamentos da aluna Edith Menezes D’Aquino “a nacionalização da

educação não é um movimento de todos os tempos” (D’AQUINO, 1941, p. 30). A

professoranda cita Fernando de Azevedo para ratificar o argumento de que a nacionalização

através da educação pode se dar apenas quando o Estado ocupa posição central em matéria

de instrução pública. Diz ainda:

[...] o progresso que se verificou desde o momento em que se intensificou tal movimento (em 1930) até a presente data, prova com que intensidade a escola é um fator de unidade nacional. É nela, pelos ensinamentos da geografia e da história pátria, principalmente, que a criança aprende a amar sua pátria [...]. É a escola que une todas as crianças sem distinção de classe o que se não dá em família, onde cada uma incute em seus filhos as ideias de acordo com a classe a que pertence. É a escola ainda que a todas essas crianças incute o mesmo ideal, o mesmo amor à pátria. É ela, portanto, um dos principais fatores da nossa unidade nacional (Idem, p. 32).

A instituição escolar como meio de afirmação e manutenção da unidade nacional é

tematizada demais vezes na mesma edição da revista. Em texto intitulado “Educação urbana

e rural” a aluna Nilma Leal – cursando o 1º ano do Curso Normal – tem como apoio também

referências a Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Seu argumento, embora corrobore com

aquele apresentado pela colega, caminha por outra via: entende a escola como fator de

unidade nacional mas, para obter sucesso nessa finalidade, defende a especificidade da

educação no meio urbano ou rural. O argumento é simples: “sendo os ambientes sociais

diferentes, as escolas também devem ser diferentes; e isso não de um modo geral, mas na

própria processuação de ensino” (LEAL, 1941, p. 44). Desta forma a educação escolar deve

despertar o desejo pela vida na cidade ou no campo de acordo com a zona na qual se insere.

João Roberto Moreira não poderia deixar de se pronunciar a respeito do tema. Em

texto que prefacia a edição – “Crescimento estatístico da educação popular no estado e

dificuldades práticas de sua implantação” – retoma os esforços de Reforma da Instrução

Pública assinalados no estado no governo de Vidal Ramos 8. Parabeniza as iniciativas de

instalação dos grupos escolares nas áreas urbanas e justifica a manutenção das escolas

isoladas na zona rural – é, para ele, a “solução inicial mais adequada, que prepararia o

terreno para as futuras reformas” (MOREIRA, 1941, p. 6). Por isso considera seus resultados

satisfatórios, prevenindo-se contra possíveis críticas que considera “menos avisadas”

(Ibidem). Situa então as investidas atuais de remodelação da educação catarinense – para

ele:

8 Vidal Ramos (1866 –1954) foi governador de Santa Catarina entre 1910 e 1914 e senador pelo estado entre 1915 e 1929 (PIAZZA, 1985).

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[...] o atual governo, não fugindo das linhas mestras do primitivo plano, resolveu intensificar os trabalhos educacionais de nacionalização e aumentar o raio de atuação da escola. [...] Seguindo as linhas mestras de um plano elaborado há trinta anos, não queremos, com isso, estabelecer a fixidez monótona e improdutiva da rotina. Fugimos tão somente ao perigo das reformas totais e apressadas (Idem, p. 7).

Ocupando página inteira e ladeando o texto há reprodução da fotografia de Vidal

Ramos com a seguinte legenda: “sob cujo governo [...] se estabeleceu o primeiro plano

educacional do estado” (Idem, s/p). Excertos semelhantes são lidos em A Educação em Santa

Catarina (MOREIRA, 1954); também lá o então diretor do Instituto situa no governo de Vidal

Ramos os esforços iniciais de sistematização da instrução pública catarinense. Neste, porém, seu

nome vem vinculado ao do Inspetor Geral do Ensino por ele contratado: Orestes Guimarães 9.

Sobre o processo que nomeou como “organização administrativa da educação”, diz que

Quando, no início do segundo decênio deste século, o governador Vidal Ramos resolveu sistematizar em uma organização estadual o ensino elementar, em Santa Catarina, voltou-se para São Paulo, donde lhe foi mandado o organizador. Tratava-se do professor Orestes Guimarães que, chegando ao Estado, em vez de construir uma superestrutura administrativa, iniciou o seu trabalho pela base, instalando unidades escolares (MOREIRA, 1954, p. 21).

É este “trabalho de base” que ele defende de possíveis “críticas menos avisadas” – a

atuação do Governador do estado seria, conforme sua interpretação, embrião a fornecer as

“linhas mestras” dos novos esforços de reformas nos quais se inseria. O movimento que nomeia

como de “aumento do raio de atuação da escola” seria, nesta vertente, uma ampliação da

reforma cujas bases haviam sido lançadas por Vidal Ramos. Cabe, porém, a crítica aos relatos dos

protagonistas dos movimentos de renovação educacional – trata-se de versões dos

acontecimentos. A esta abordagem interessa iluminar os conflitos que permearam estes

movimentos, dar os contornos da situação de produção dos impressos e situar os projetos de

intervenção em relação às alternativas políticas historicamente situadas (CARVALHO, 1988,

p. 4 – 11). Neste momento específico de sua produção, Moreira articulava-se ao Instituto de

Educação da capital catarinense; a instituição, por sua vez, ligava-se à Secretaria de Interior e

Justiça, à qual se subordinava o Departamento de Educação do Estado. Era assim alvo

comum de intervenções já que a formação de professores era tema central na remodelação da

9 Orestes Guimarães (1871 - 1931), professor paulista formado na Escola Normal Caetano de Campos, chegou a Santa Catarina em 1906. Exerceu cargo de Inspetor Geral do Ensino (1911 – 1919) e Inspetor das Escolas Subvencionadas pela União (1919 – 1931). Conferir: FIORI, 1975; MOREIRA, 1954.

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instrução pública. Uma vez diretor do Instituto, cabia à Moreira alavancar e respaldar a

atuação das organizações às quais se articulava. Todavia, é válida a provocação: ainda em A

Educação em Santa Catarina, publicado doze anos após o ultimo número da Revista

Estudos Educacionais, a atuação do Departamento de Educação catarinense no período é

duramente criticada.

Na edição seguinte da revista o tema da nacionalização ganha menos espaço. Embora

seja recorrente o assunto da especificidade da Pedagogia, sua função de unificação e sua

importância na formação infantil o termo “nacionalização” pouco aparece. Apenas o faz em texto

de Maria Leda Vaz – discente do 2º ano do Curso Normal – de título “O Ensino da Leitura”.

Nele é exaltada a importância do aprendizado da língua como medida nacionalizadora. O

estudo de métodos para seu ensino é, então, tão importante quanto, listando assim diferentes

reformas pelas quais tem passado a metodologia para o ensino da leitura. Por fim defende o

uso do método analítico e divide diferentes fases do processo de ensino de acordo com os

anos de curso primário e a maturidade mental dos estudantes (VAZ, 1942, p. 68 – 73). Os

demais artigos desta edição da revista têm centro no estatuto da Pedagogia, na diferenciação

– considerada vital – entre educação e instrução e na aplicação dos princípios da Escola Nova

em sala de aula. Mais do que perceber a depreciação de um tema em detrimento do outro,

cabe perceber como a nacionalização se inseriu no campo semântico da Reforma Trindade e

como se articulou no impresso estudado.

Nos esforços anteriores de remodelação da instrução pública – leia-se, na Reforma

Orestes Guimarães (1911 – 1931) e nos primeiros anos da Reforma Trindade (iniciada em

1935) – o termo “nacionalização” era comumente utilizado para designar uma das frentes de

atuação da escola. Na primeira se articulava ao ensino do idioma pátrio e à criação de novas

unidades escolares sobretudo em zonas de colonização estrangeira. Nacionalizar significava

então acessar o elemento alienígena, aproximando-se e dando-lhe ferramentas para

integração na cultura nacional. Após 1935 a estratégia de atuação alterou-se; passou a

interessar a extensão da escolarização básica, sendo inauguradas numerosas escolas públicas.

Em contrapartida escolas estrangeiras foram interditadas e recrudesceram os mecanismos de

fiscalização – entra em cena uma fase mais coercitiva10, tema recorrente na historiografia da

educação catarinense. Já nos anos acessados através da leitura da Revista Estudos

Educacionais a nacionalização de ensino é tratada como uma iniciativa de governo que tem

sua eficácia assegurada pela centralização do mando na instrução pública. Ratifica-se a

10 Conferir: CAMPOS, Cynthia Machado. O perigo das escolas. In: Santa Catarina, 1930: da degenerescência à regeneração. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2008. Pág. 179 – 246.

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legitimidade da intervenção estatal na educação, e constrói-se um lugar de afirmação das

estratégias de reforma que lançavam mão. Desta forma embora o termo seja menos

recorrente as investidas não são menos contundentes. Acerca disso vale lembrar que o tema é

constante e enfaticamente tratado nos Relatórios de Governo emitidos pelo então Interventor

Federal, Nereu Ramos. Neles aparece em tópicos específicos nos quais se apresentam

estatísticas e gráficos mostrando o número crescente de escolas públicas inauguradas e de

instituições estrangeiras cujas atividades foram encerradas. Embora a circulação destes

relatórios se dê por outros meios eles são também componentes do mesmo campo semântico.

Outro viés pelo qual se afirma a nacionalização é na referência à formação de hábitos

mentais dos discentes e à necessidade de sua homogeneização para o sucesso dos processos

de ensino. Da forma como são apresentadas essas prerrogativas se articulam ao que, na

revista, é apresentado como Escola Nova. Ao termo se atrelam ideias de valorização da

iniciativa do aluno e da personalidade do professor, responsável por tornar o processo de

ensino e a educação escolarizada atrativa. Tamanha ênfase, situada no campo semântico da

supracitada revista, é entendida como uma das formas de enunciação da nacionalização –

homogeneíza-se de acordo com parâmetros aos quais o estudante deve se encaixar. Estes são

vinculados a um padrão ao qual a nacionalidade não escapa. O estudante cuja iniciativa é

formada e cujos hábitos mentais são cultivados está, assim, nacionalizado.

Centralidade do poder estatal e formação da iniciativa discente – é por estes dois

caminhos que se tece uma imbricada lógica de enunciação do caráter nacionalizador da

educação na Revista Estudos Educacionais. Sua eficácia é medida pela efetividade com que

altera práticas escolares, sendo este um termômetro valioso acerca de sua circulação. Este

artigo, porém, circunscreve-se à retomada de dois números da revista e de sua inserção no

campo semântico da reforma, pondo-a em relação a demais investidas e intervenções da

época. O deslocamento no uso do termo é assim apreendido como rastro de uma mudança de

estratégia de reforma, vital para assinalar as distintas práticas e sujeitos presentes em cada

uma de suas iniciativas.

A especificidade do saber pedagógico e sua validade – ou não – como ciência é tema

central principalmente no segundo número da revista. Todavia a temática também aparece

na edição veiculada em 1941. João Roberto Moreira, que além de diretor era também

professor da cadeira de Psicologia do Instituto, veicula texto com fins didáticos e apresenta

aspectos de psicologia infantil. O escrito, de título “Psicologia, Monismo e Materialismo” é

entendido pelo professor como possível ponto de referência aos discentes, não sendo

conteúdo específico de uma aula ou um só programa. Ao longo da breve dissertação

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posiciona-se pela apresentação de tantas correntes de pensamento quanto possíveis, cabendo

aos alunos a experimentação e seleção daquela que melhor lhes aprouver. Entende também a

experimentação como critério de validação da ciência; só pode, segundo Moreira, ser

considerada científica aquela teoria testada e validada por meio de experimentos (MOREIRA,

1941, p. 16 – 29). Menos de dez páginas depois a temática do estatuto da ciência é retomada

em texto de Madalena de Moura Ferro, professora catedrática de Metodologia e Prática de

Ensino (FERRO, 1941, p. 33 – 37). A autora apresenta a Didática como ciência que tem por

objeto a criança aprendiz; trata-se da “ciência da educação dirigida, ciência da aprendizagem

sob a égide do mestre, ciência da direção profissional do ‘ensino’ e da ‘aprendizagem’” (Idem,

p. 34). É então ciência da direção educativa, mais restrita que a ciência da Pedagogia. Esta é

entendida como “ciência do tríplice desenvolvimento da criança [:] [...] intelectual, moral e

física” (Ibidem). Trata-se de uma ciência da educação, que estuda o conjunto mestre, aluno e

aprendizagem. Por fim, crava firmemente distinções entre educar e instruir:

Definindo a educação de acordo com as teorias da escola nova diremos: que a educação é a atividade metódica pela qual um agente adequado desenvolve o físico, o moral e o intelectual de um paciente, em condições especiais de receptividade elaborativa. Educar é desenvolver o físico, o intelecto e o moral. [...] Ora, a consciência dessa educação, mais psíquica que material, requer o conhecimento geral e coordenado de todo o processo educativo: o educando, á medida que se educa, instrui-se (Idem, p. 36).

Por fim decreta ser o caráter da instrução superficial e mutilado frente à

complexidade da educação, que se destina a alterar a natureza do educando (FERRO, Op.

Cit., p. 37). Menos de vinte páginas depois este posicionamento é confrontado pelo seguinte

texto: “porque a Pedagogia não é ciência”. Escrito pela aluna Maria da Glória Castro –

cursando o 2º ano do Curso Normal – tendo por base apontamentos sobre aulas assistidas da

cadeira de Pedagogia, apresenta argumentos pungentes. Segundo a professoranda a

Pedagogia não possui um objeto científico e tem como finalidade a alteração da realidade

escolar. Para ela a ciência é desinteressada, não devendo possuir fins práticos – quando o faz,

é por acidente (CASTRO, 1941, p. 59). Desta forma:

[...] a pedagogia é uma arte porque tem fins práticos em vista, isto é, dirigir a ação educativa exercida sobre os indivíduos para que seja mais eficiente a adaptação destes à sociedade. Enfim, é ainda uma técnica porque se baseia em fundamentos teóricos colhidos de diversas ciências (Idem, p. 59).

O tensionamento não é retomado no restante da edição a despeito da clara

contradição entre os artigos. Ao longo do volume são tematizados demais aspectos que

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tangenciam o estatuto da ciência: “Evolução Social”, texto de apontamentos feitos em aula de

Sociologia (ALMEIDA, 1941, p. 38 – 40); “Maria Montessori”, no qual se apresentam

principais pontos de seu sistema de pensamento (AREÃO, 1941, p. 49 – 50); “Psicologia e

Fisiologia”, que advoga pela ligação entre ambos os campos (VAZ, 1941, p. 51 – 53); e

“Glândulas Endócrinas”, onde se apresentam alterações que estas podem causar na

concentração e no rendimento dos discentes (FORTES, 1941, p. 60 – 62).

A especificidade do saber pedagógico, embora consensual, gesta tensionamentos

quando passa a ser tematizado o seu estatuto. É comum a ideia de que a prática docente tem

que ser operacionalizada em campo de estudos próprios, acessado no decorrer do curso da

Escola Normal. Contudo, o lugar ocupado pela Pedagogia – ciência ou não? – é ainda

tematizado e discutido inclusive no interior da instituição. O tema permanece fulcral na

edição de 1942 da Revista Estudos Educacionais. Nela, porém, sua centralidade se articula a

um novo foco de discussões, agora amplamente tematizado: a Escola Nova.

Os anos de 1941 e 1942 foram agitados no Instituto de Educação catarinense.

Tamanha efervescência se fez ver nos nomes ilustres que compõem quadro de autores da

Revista Estudos Educacionais (1942): Fernando de Azevedo11, Donald Pierson12 e Oswaldo

Rodrigues Cabral13. O primeiro foi paraninfo da turma de formandas do Curso Normal em

1941; o segundo compareceu à instituição em julho de 1942 para proferir conferência; o

terceiro publicou um texto de contribuição especial de título “Chegada da Dança de congo no

sul do Brasil”. A vinda dos dois primeiros é tema do prefácio do volume (MOREIRA, 1942, p.

3). Nele também o satisfeito diretor felicita o caráter prático e experimental que tem sido

dado às aulas no instituto, o apoio precioso do Governo do Estado e da Secretaria do Interior

e Justiça e, por fim, os ilustres visitantes. Em seguida assina novo artigo - transcrição de seu

discurso em cerimônia de colação de grau do ano anterior - no qual diz esperar que “quer no

conhecimento das ciências, quer no exercitar-se ou iniciar-se nas técnicas que dela resultam,

[...] se tenham patenteado aos jovens estudantes a primazia do espirito e o domínio da razão

[...]” (MOREIRA, 1942, p. 7).

11 Fernando de Azevedo (1894 – 1974) foi professor e ocupou o cargo de Diretor da Instrução Pública no Rio de Janeiro entre 1926 e 1930, e em São Paulo em 1933. Foi professor de Sociologia Educacional no Instituto de Educação e na Faculdade de Filosofia de São Paulo entre 1938 e 1941 (DICIONÁRIO HISTÓRICO BIOGRÁFICO BRASILEIRO, 2001).

12 Donald Pierson (1900-1995) nasceu em Indiana (EUA) e lecionou, na condição de professor convidado, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, onde lecionou Sociologia e Antropologia Social no período de 1939 a 1959 (ACERVO EDIGAR LAUENROTH, s/d, s/p).

13 Oswaldo Rodrigues Cabral (1903 – 1978) formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi professor da Universidade Federal de Santa Catarina e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (MUSEU UNIVERSITÁRIO OSWALDO RODRIGUES CABRAL , s/d, s/p).

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Fernando de Azevedo, cujo discurso é transcrito no texto “Entre as angústias do

presente”, estabelece firmes distinções entre educação e instrução. A fala de Donald Pierson,

transcrita em texto seguinte, segue tom semelhante: contorna as definições de educação e

instrução e dá ainda conselhos sobre o exercício prático da profissão docente. Fala também

sobre o momento atual – para ele, de crise – e situa o surgimento de estudos de ciências

sociais (PIERSON, 1942, p. 24 – 35). Henrique Stodieck14 – em “O espírito indutivo na

prática da Escola Nova” – conversa com as indicações de Pierson acerca do exercício da

docência (STODIECK, 1941, p. 36 0 40). Para ele:

Educar [...] nada mais é do que socializar. É preciso [...] que o bom educador conheça a sociedade à qual deve ser adaptado o educando. Tal conhecimento é necessário para que a educação não se reduza à simples instrução. [...] Com o espirito integrado na orientação experimental e indutiva de nossa civilização é que deveis enfrentar o perigo da rotina educacional. Não é outro fim visado pelas principais correntes da Escola Nova. Mas não é preciso aplica-lo na sua estrutura completa [...]. [...] O sucesso da educação nova [...] depende, pois, da personalidade do professor [...] (Idem, p. 37 – 38).

O conhecimento da sociedade e a inserção nesta por parte do professor são quesitos

vitais para tornar sua prática de fato educativa. A orientação experimental e indutiva é então

a chave para a formação de um discente de acordo com os preceitos da Escola Nova. Porém,

da forma como são apresentados, é possível sua adaptação à realidade, sendo este movimento

dependente da personalidade e da iniciativa do docente. Demais artigos salientam a

centralidade da formação de iniciativa e do entrosamento social do professor - Maria

Madalena de Moura Ferro escreve novamente nesta edição e corrobora com este

posicionamento. Em texto sobre “A arte colonial e o interesse que representa para o ensino

primário” (FERRO, 1942, p. 41 – 44) a professora diz que a Escola Nova tem “[...] por lema

educar, e não mais instruir - deve fornecer ao educando elementos de aperfeiçoamento pessoal

[...] [e] ter o professor a preocupação de desenvolver o espirito de iniciativa e de observação dos

seus educandos (Idem, p. 41)”.

“A Escola é uma instituição social”, dizem as aulas Daura Areão e Ocirema Meireles

(AREÃO; MEIRELES, 1942, p. 53 – 57). Seu fim é educar através da instrução, sendo a

socialização da criança seu fim maior. Para que isso aconteça é necessário o estabelecimento de

um objetivo que a motive e a engaje no processo educativo já que:

14 Henrique Stodieck (1912 – 1973) foi professor e diretor do Instituto Estadual de Educação em Florianópolis, onde lecionou filosofia a partir de 1938 (PASOLDI, 2012, p. 1523).

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A criança não compreende a finalidade da escola da mesma forma que o adulto. Por isso é necessário que inventemos um fim qualquer para que ela compreenda a finalidade da mesma; precisamos fornecer um fim próprio para a criança ter interesse, para isso é que surgiu a Escola Nova [...] [...] e o método de projetos (Idem, p. 55 - 56).

A socialização como função da escola é garantida pelo envolvimento da criança, que se dá

através do estabelecimento de um interesse pessoal, de um objetivo - é este pensamento que

justifica a adoção de metodologia baseada em projetos. Ela é apresentada como fim maior do

processo educativo, inclusive em seus níveis pré primários, em texto veiculado ainda na mesma

edição (FORTES; ALMEIDA, 1942, p. 62 – 67). Neste período específico a socialização divide

espaço com a formação de bons hábitos infantis e a função de fiscalização das condutas mentais,

facilitando a posterior homogeneização das classes escolares.

As discussões em torno da especificidade do saber docente transitam em torno de seu

estatuto científico e de sua distinção quanto à mera instrução. Acerca do primeiro tema

aglutinam-se tensões sobre seu caráter cientifico ou não, sendo debatidas concepções diferentes

acerca do que é – ou ao é – ciência no campo da educação. O segundo ponto é presente nas duas

edições da Revista e é utilizado para ratificar a especificidade da educação e da ciência

pedagógica, coadunando com a centralidade e a importância de uma formação docente

adequada. Conversa, pois, com a apresentação e a afirmação da importância e eficiência do

Instituto de Educação de Florianópolis, instituição à qual a publicação se vinculava. Ainda

segundo a Estudos Educacionais, o professor nele formado era capacitado de uma forma prática,

possuindo assim personalidade adequada para enfrentar a rotina educacional e dar-lhe a

necessária dinamicidade.

São estes os vieses pelos quais se divulga a Escola Nova, sobretudo no segundo volume

da publicação (1942). Trata-se de metodologia dinâmica que tem por objetivo a educação do

estudante com vistas a socialização; para isso é necessária a presença de um professor

conhecedor do meio social, das metodologias de ensino e capaz de cultivar a iniciativa dos

educandos. A vertente de formação docente divulgada como integrada à Escola Nova é

firmemente ligada ao Instituto – ele se afirma, pois, como propagador dessa metodologia. Outra

constatação é a tematização, na revista, de estudos ligados à Sociologia e à Psicologia.

Apresentados como meio de operacionalizar a prática e o julgamento do professor, ganham

progressivo espaço no currículo do Curso Normal e em seu veículo de divulgação. Por fim, cabe a

constatação – e a provocação: o termo Escola Nova é apenas utilizado em edição de 1942. Na

edição anterior as principais bases sob as quais ele se alicerçaria já apareciam em artigos e

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resenhas, mas o termo era pouco empregado. Em 1942 – ano imediatamente posterior à visita

de Fernando de Azevedo – o termo é utilizado à exaustão e atrelado a disciplinas e apreciações

do currículo da instituição. Construía-se um novo lugar de afirmação do Instituto com base na

metodologia apresentada, que se ratificava através da divulgação de estudos científicos e dos

trânsitos e trocas entre intelectuais da época.

Considerações Finais

Tomar um impresso, sua circulação e difusão como termômetro de alterações nas

estratégias de Reforma da Instrução Pública é um movimento válido em diversos sentidos.

Operacionaliza, pois, o mapeamento de tensionamentos e o rastreamento dos diferentes

sujeitos da cena política: quem publicava, o que publicava, articulado a quem se dava essa

publicação? Estes questionamentos tornam viável o estudo da mudança e a da afirmação dos

objetos de reforma (POPKEWITZ, Op. Cit.) e a circunscrição de desvios em relação aos

modelos de atuação apresentados (CERTEAU, Op. Cit.). Mais que isso: permitem perceber

alterações na representação da escola e de sua função social (CARVALHO, 2003, p. 225 –

251).

Cabem algumas considerações acerca da leitura e problematização dos dois volumes da

Revista Estudos Educacionais. Questionam-se assim os marcos temporais comumente

auferidos às Reformas de Instrução Pública catarinenses. Da forma como se pôde perceber,

os deslocamentos no campo semântico e nas estratégias de enunciação e divulgação da

reforma são constantes. Os impressos educacionais – principalmente periódicos – dão pistas

para isso já que aproximam o pesquisador das rotinas de reforma nas quais suas manobras

são gestadas e articuladas. Neste artigo as periodizações já consagradas pela historiografia da

educação são utilizadas para situar os esforços reformistas e para remeter a autores que já se

ocuparam do mesmo objeto – porém, cabe sempre problematizá-la e matizá-la tendo como

recurso a leitura constante das fontes.

A segunda consideração diz respeito às constantes discussões acerca do estatuto da

educação e sobre sua especificidade, sob a qual recai inclusive a sua função nacionalizadora.

As recorrentes afirmações acerca da distancia entre educação e instrução e a afirmação da

primeira como promotora da socialização e da nacionalização da criança articulam-se, neste

impresso, à divulgação dos preceitos da Escola Nova. Esta se dava acalentando a formação da

individualidade do aluno e da personalidade do professor, sendo para tanto central a função

do Instituto de Educação. Foi comum perceber a vinculação entre a Escola Nova e as

“ciências da educação” ao longo da revista: Psicologia e Sociologia, principalmente, eram

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apresentadas como operantes na formação de um docente apto à aplicação da metodologia da

Escola Nova. Vale, porém, um cuidado na leitura deste tipo de fonte: não é seguro estabelecer

como padrão nos estudos de formação docente uma crescente cientifização do campo. Da

forma como se entende neste artigo o estatuto das Reformas da Instrução Pública e a

divulgação de novas metodologias de ensino já se fizeram, anteriormente, recorrendo às

ciências que então estavam em voga. O que se alterou neste momento não foi o recurso à

saberes com estatuto científico, mas a distribuição desses saberes e sua articulação ao campo

da educação. Trata-se, pois, de uma cientifização em outros termos, nas quais as redes de

relações se alteraram e, devido a isso, alterou-se a configuração do campo pedagógico.

Fontes

Revista Estudos Educacionais. Publicação do Curso Normal do Instituto de Educação. Diretor: João Roberto Moreira. Florianópolis: novembro de 1941. Ano 1, número 2.

Revista Estudos Educacionais. Publicação do Curso Normal do Instituto de Educação. Diretor: João Roberto Moreira. Florianópolis: novembro de 1941. Ano 2, número 3.

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