40
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL: IDENTIDADES, SABERES E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL Painel apresenta resultados de pesquisas de enfoque qualitativo, no campo da formação de professores de educação infantil, incluindo a formação nos cursos de Pedagogia, o desenvolvimento profissional considerando contextos políticos de aprendizagem da profissão e a perspectiva de professores dessa área sobre a aprendizagem de conhecimentos científicos. A primeira pesquisa analisou matrizes curriculares de 144 cursos de Pedagogia no estado de São Paulo, por meio de análise documental, no que se refere à educação infantil. A segunda pesquisa buscou analisar o contexto sócio- histórico-legal-cultural brasileiro e as questões relacionadas à formação e à atuação de professores para a educação infantil, conjugada aos dados de pesquisa que buscou ouvir as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade possível à realização de seu trabalho pedagógico. A terceira pesquisa, investigou a concepção de professores polivalentes sobre o papel do trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil. Em comum, as pesquisas apresentam a finalidade de contribuir para a melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas, tanto no que se refere às demandas formativas desses profissionais, como para a defesa do direito à educação de crianças pequenas. Os resultados das pesquisas indicam: i) a fragilidade e a dispersão curricular dos cursos de Pedagogia e a insuficiência da formação específica para a educação infantil; ii) o não reconhecimento dos próprios professores como profissionais da Educação, com fragilidades no discurso conceitual podendo colocar em risco o compromisso com o desenvolvimento integral da criança; iii) a necessidade de que os processos formativos de professores de educação infantil considerem a educação científica com as crianças de modo a conciliar a socialização do saber e a participação do educando nos processos de apropriação e de produção de cultura. Palavras-chave: Professores de Ed. Infantil, Desenvolvimento Profissional. Conhecimentos Científicos. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 7133 ISSN 2177-336X

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:

IDENTIDADES, SABERES E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

Painel apresenta resultados de pesquisas de enfoque qualitativo, no campo da formação

de professores de educação infantil, incluindo a formação nos cursos de Pedagogia, o

desenvolvimento profissional considerando contextos políticos de aprendizagem da

profissão e a perspectiva de professores dessa área sobre a aprendizagem de

conhecimentos científicos. A primeira pesquisa analisou matrizes curriculares de 144

cursos de Pedagogia no estado de São Paulo, por meio de análise documental, no que se

refere à educação infantil. A segunda pesquisa buscou analisar o contexto sócio-

histórico-legal-cultural brasileiro e as questões relacionadas à formação e à atuação de

professores para a educação infantil, conjugada aos dados de pesquisa que buscou ouvir

as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade possível à

realização de seu trabalho pedagógico. A terceira pesquisa, investigou a concepção de

professores polivalentes sobre o papel do trabalho com conhecimentos científicos na

educação infantil. Em comum, as pesquisas apresentam a finalidade de contribuir para a

melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e

cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas, tanto no que se refere às

demandas formativas desses profissionais, como para a defesa do direito à educação de

crianças pequenas. Os resultados das pesquisas indicam: i) a fragilidade e a dispersão

curricular dos cursos de Pedagogia e a insuficiência da formação específica para a

educação infantil; ii) o não reconhecimento dos próprios professores como profissionais

da Educação, com fragilidades no discurso conceitual podendo colocar em risco o

compromisso com o desenvolvimento integral da criança; iii) a necessidade de que os

processos formativos de professores de educação infantil considerem a educação

científica com as crianças de modo a conciliar a socialização do saber e a participação

do educando nos processos de apropriação e de produção de cultura.

Palavras-chave: Professores de Ed. Infantil, Desenvolvimento Profissional.

Conhecimentos Científicos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7133ISSN 2177-336X

Page 2: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

2

EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEXTO POLÍTICO EDUCACIONAL DE

APRENDIZAGEM E ENFRENTAMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL

Profª Drª Maristela Angotti –

FCLAr/UNESP/Araraquara-SP-Brasil-

Resumo: Tem este trabalho a finalidade de analisar o contexto sócio, histórico, legal e cultural

brasileiro e as questões relacionadas à formação e atuação de professores para a Educação

Infantil, bem como identificar consequências para o processo de aprendizagem e

desenvolvimento desses profissionais para qualificar o atendimento oferecido, sobretudo a partir

do fortalecimento do ser pessoa que se constrói e se apresenta no ser profissional. Além da

análise do itinerário histórico das recentes perdas angariadas pela Educação Básica, utilizamos

como elemento para nossas análises dados oriundos de pesquisa de abordagem qualitativa, na

qual se buscou ouvir as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade

possível à realização de seu trabalho pedagógico. Incongruências no contexto da política

educacional favorecem a construção de uma imagem profissional duvidosa e a revelação de

procedimento de pouca importância ou não reconhecimento das professoras como profissionais,

gerando fragilidades identificadas no discurso conceitual em sua relação com as práticas

pedagógicas efetivadas, o que acaba por colocar em risco o compromisso com o

desenvolvimento integral da criança e a construção de seus processos identitários, além do não

estabelecimento de responsabilidade frente a um pacto social inerente a este fazer. Assim,

buscamos oferecer contribuições a partir da pesquisa sobre o como aprende e se desenvolve o

docente na Educação Infantil, com foco na especificidade desta etapa pertencente ao sistema

educacional brasileiro para que possamos pensar em como melhor formá-los.

Palavras chaves: Educação Infantil; identidade docente; aprendizagem e desenvolvimento

profissional.

Este trabalho tem por hipótese que as políticas públicas tem sido um entrave

para a atuação docente na Educação Infantil, uma vez que as mesmas têm provocado

frequentemente a ideia de que esta etapa educacional seja ou possa ser considerada

menor no contexto educacional, o que acaba por impactar negativamente a pessoa do

professor e sua condição de atuação. Fato continuo é que diante deste processo de

desvalorização que afeta a pessoa do professor e insistentes elementos de fragmentação

da etapa educacional, a formação de professores não revelam sensibilidade e

compromisso com esta questão, comprometendo a formação da pessoa, seu aprendizado

relativo às dimensões de atuação cidadã e profissional .

Parte-se do princípio de ser a formação elemento fundamental para que se possa

pensar sobre a melhoria da educação, e retorna-se a esta formação com a definição de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7134ISSN 2177-336X

Page 3: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

3

ser necessário considerar na mesma a pessoa na qual habita o profissional, sobretudo na

perspectiva de um protagonismo cidadão e de um profissionalismo inovador, cuja

profissionalidade se estenda para além dos compromissos com a especificidade da

prática didático-pedagógica realizada junto à criança, para pensar também nas

consequências sociais, históricas e culturais deste fazer.

Muitos autores têm sustentado este princípio, como Nóvoa que, fundamentado

em Jeniffer Nias, defende que a formação da pessoa é importante para a elaboração do

profissional, para que possamos pensar em produzir a formação, as aprendizagens e o

desenvolvimento profissional de docentes. Assim os referidos autores defendem e

divulgam a premissa de que “O professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa

é o professor".( Jennifer Nias apud NÓVOA, 2000, p.9.).

Neste sentido, é fato reconhecido a necessidade de investimento na pessoa do

futuro professor que se encontra em processo formativo. Este investimento recairia nas

bases de conhecimento, inclusive do autoconhecimento para que a pessoa possa projetar

o profissional que pretenda ser, a delimitação das linhas teóricas com as quais se

identifica e assume do ponto de vista do desenvolvimento humano e de sua consequente

prática teórico metodológica.

O referenciado autoconhecimento é determinante também na identificação com

o objeto de interesse da educação: o ser humano e o conhecimento, bem como no caso

do professor que irá atuar na Educação Infantil com a criança menor de seis anos e a

especificidade do trabalho a ser realizado, reconhecendo sua forma de ser, agir, de

revelar interesses e necessidades perante o mundo e suas relações com ele. Portanto,

esta pessoa em seu processo de ser pessoa em permanente desenvolvimento e necessário

investimento constitui o filtro pelo qual será constituído o profissional docente.

Esta pessoa está inserida e faz parte de um determinado contexto sócio-histórico-

cultural e as relações constituídas no contexto social de pertença contribuem de maneira

bastante objetiva e significativa para a construção das imagens pessoais e profissionais.

As concepções que proliferam, as condições de valorização ou não da pessoa e do

profissional atuam sobre o ser e na elaboração de sua imagem, bem como definem suas

condições próprias de atuação. Vivemos em situação de conhecimento pessoal em que

uma das vias constitui-se o enxergar-se, o reconhecer-se no e pelo outro ou pela imagem

construída pelo outro na construção da estima, da autoestima que pode fortalecer ou

enfraquecer as condições do ser pessoa. Esta condição mantém relação estreita com a

atuação profissional, definindo seus "contornos" e essência.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7135ISSN 2177-336X

Page 4: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

4

Precisamos nos ater em como o contexto tem contribuído para a construção de

imagens frágeis referentes à pessoa e a sua construção enquanto profissional; como as

contribuições podem ou têm se constituído em elemento negativo, nefasto e apassivador

de perspectivas inovadoras, criativas, produtivas, pois que deixem sempre entrever

que quem escolhe a docência o faz por falta de opções e tal fazer, sobretudo se realizado

com crianças menores, torna-se também um fazer menor, um ato determinante pela

condição de gênero feminino, instinto e condição natural da mulher com o ato de

educar, uma atitude de amor e cuidado para com a criança; a maternagem instalada e

não um fazer pedagógico, portanto profissional e necessário de ser reconhecido e

valorizado como qualquer outra profissão.

Sem querer teorizar de maneira profunda sobre, mas considerando necessário

destacar para a análise a ser realizada, atrevo-me a trazer para a discussão questões

teóricas sobre as representações sociais e para isso ancoro-me em um artigo bastante

interessante de Angela Arruda, que nos conduz pelo seu caminhar teórico ao

entendimento conceitual elaborado por Denise Jodelet, o qual assim se apresenta como

sendo “As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente

elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção

de uma realidade comum a um conjunto social”. (Arruda, 2002, p.138) Neste

entendimento nortearemos parte do nosso processo de análise no sentido de entender o

como imagens externas, percepções podem comprometer a autoestima de uma pessoa e

sua condição de ser e estar profissional, neste caso, profissional docente na Educação

Infantil.

Com este conceito analisaremos o quadro de referência legal no qual os

professores e profissionais da Educação Infantil estão inseridos para analisarmos o

como as aprendizagens e a construção da identidade docente podem estar sendo

influenciadas por elementos que contribuem para uma construção negativa, de

desvalorização da imagem e consequentemente da construção da identidade docente no

seio da categoria profissional.

Vejamos, em 1988 foi promulgada a Carta Constitucional da República

Federativa do Brasil, um marco no nosso contexto histórico que se caracterizou como

determinante para que um sentimento forte de esperança em relação ao reconhecimento,

valorização e crescimento quantitativo e qualitativo do atendimento pedagógico à

primeira infância pudesse acontecer.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7136ISSN 2177-336X

Page 5: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

5

O fato de ter sido alterada a concepção e o estatuto de cidadania para o ser

criança ao ser reconhecida nesta nova Constituição como ser de direitos trouxe um novo

e difícil caminho social a ser percorrido para atendê-la. Os termos da Lei precisam de

crédito e definições estruturais para que possam ser implementados na dinâmica da

sociedade. Há que se reconhecer a importância e a legitimidade do interlocutor social e

cidadão para que a dinâmica, no caso sócio educacional possa ser redesenhada,

reformulada, recriada sob novas e determinantes posições conceituais com suas

derivações práticas.

A denominação Educação Infantil já revela expressão de nova concepção de

atendimento que atribui importância e reconhecimento de valor aos primeiros anos de

vida, não devendo ser considerado o melhor e/ou mais importante momento sobre os

demais que virão, mas tão importante e merecedor de atenção e investimentos como

qualquer outro atendimento de educação e ensino escolarizado.

Defende-se assim, em entendimento possível, o compromisso da educação como

elemento fundamental na sustentabilidade humana para prover a criança

desenvolvimento integral, pleno e prepará-la para uma vida sadia em sociedade, na qual

se insira como protagonista, ator principal da e na construção dinâmica do processo de

inovação, transformação social, cultural e histórica.

Há subjacente a esta defesa o princípio de que não somos apenas produto de

cultura, mas também produzimos cultura, somos positivamente transgressores no ato

criativo de participação/transformação/inovação na dinâmica do processo sócio-

histórico-cultural do qual e no qual estamos inseridos e a criança dele assim faz parte,

elaborando suas concepções e conhecimentos e criando dentro do possível o “novo

melhor” que permita qualificar a vida.

Tal colocação nos situa diante da condição de que, para que efetivamente

consigamos tal finalidade perante a Educação da primeira infância, importante também

seria a construção da identidade docente nesta mesma perspectiva. Portanto, a formação

de professores deve assumir importante papel no sentido de formar profissionais que

possam ser atuantes, protagonistas frente à sociedade e seu dinamismo.

Na sequência histórica legal, o passo subsequente à condição de direito

consignado aos menores de 6 anos de idade foi dinamizado com o reconhecimento de

que o atendimento à primeira infância estaria saindo definitivamente da área assistencial

e sendo incluído na educacional, assim assumido pela Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional de 1996, em seu artigo 29, que reconhece a Educação Infantil

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7137ISSN 2177-336X

Page 6: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

6

enquanto primeira etapa da Educação Básica no Brasil. Material rico e de profundo

conhecimento sobre a criança, respeitada em seu desenvolvimento, identidade singular e

coletiva e nas metodologias lúdicas e artísticas favorecedoras de seu desenvolvimento

integral, considerando-se os contextos específicos de pertença cultural.

Com advento do século XXI e as discussões sobre financiamento educacional,

nem tudo seguiu com o otimismo de conquistas; neste sentido delineia-se um cenário de

desconforto na desigualdade valorativa entre os níveis e etapas educacionais, revelando

na política um descrédito no conhecimento sobre a infância e a adequação do

atendimento pedagógico que a ela deveria ser oferecido em condições de qualidade.

O contexto sócio-histórico-legal-cultural brasileiro parece não estar muito

favorável e convicto da importância do atendimento educacional à crianças menores de

6 anos, e assim a educação para a infância sofre um duro golpe com a Lei nº 11.274, de

6 de fevereiro de 2006, que dispõe sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino

fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade (muitas vezes

menores ainda). Quebra-se a concepção de primeira infância estruturada desde os

primórdios da psicologia estimulada por Frederico Froebel, na Alemanha (século XIX).

A implementação da referida Lei nos permite a consideração de que o

conhecimento sobre a infância e seu desenvolvimento em pouco importa para a

definição de políticas públicas e que o elemento norteador da mesma está respaldado

nas condições de financiamento. O que pode levar à interpretação de que o conquistado

após a Constituição (1988) em termos de atendimento à primeira infância pelas vias da

Educação Infantil é de pouca importância, até desnecessário, e assim o trabalho docente

pode ser considerado também como algo menor para esta fase da vida do ser e sem

muita contribuição para a formação da pessoa, do ser social, político, histórico e

cultural.

Com a Emenda Constitucional nº 53/ 2006, a criação do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –

FUNDEB, ficam suficientemente claros os motivos da inserção da criança aos 6 anos de

idade no Ensino Fundamental de 9 anos, pois a renda per capita financiada nesta etapa é

superior a qualquer outra pertencente ao sistema educacional. Portanto, a Educação

Infantil novamente passa por um duro golpe de desvalorização e pouco reconhecimento

de importância, tendo quase ficado de fora do financiamento da Educação Básica a

creche, que no Brasil envolve o período etário dos 0 aos 3 anos de idade, não tendo sido

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7138ISSN 2177-336X

Page 7: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

7

consolidada tal situação em decorrência do reconhecimento de que seria um ato

inconstitucional, o que poderia significar a suspensão do FUNDEB.

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 59, de 11 de dezembro de

2009, que amplia o direito público subjetivo a toda a Educação Básica, tornando

obrigatória e gratuita a matrícula de crianças de idade entre 4 aos 17 anos, pode-se

constatar o ganho para a sociedade que amplia sua base de direitos e formação

educacional, indubitável, mas um duro golpe para a Educação Infantil que se fragmenta

e se define por etapas diferenciadas de importância perante a política educacional em

seu processo de financiamento. A não inclusão da creche enquanto direito público

subjetivo favorece sua não valorização e reconhecimento de importância menor para o

desenvolvimento humano.

Ações políticas por vezes interessantes à formação do cidadão podem estar

corroborando para a hierarquização das etapas educacionais e desqualificação de seus

profissionais, favorecendo concepções dúbias sobre a matéria para e perante a

sociedade. É a construção de um novo desenho social fundamentado em um ideário que

favorece a pauperização para o conhecimento pedagógico e suas áreas correlatas, bem

como favorece as representações sociais e menor reconhecimento para o profissional

que atua na Educação Infantil, contribuindo para que sua estima se enfraqueça e para

que sua dignidade se fragilize diante do não reconhecimento de sua importância na

promoção do desenvolvimento humano e na consolidação de uma sociedade mais

voltada ao processo de humanização. “Algo menor”, fazer qualquer que assim

entendido se torna socialmente menos valorizado, promovendo em seus profissionais

um sentimento de pequenez profissional e social, o que certamente poderia contribuir

para o mal estar docente pelas vias das mudanças sociais, segundo Esteves. (ESTEVES,

1994; ESTEVES; FRANCO e VERA, 1995).

A situação assim descrita está provocando sérias consequências para o processo

de construção das identidades profissionais, bem como para a aprendizagem e

desenvolvimento profissional de docentes na e da Educação Infantil. O que inclusive

vem favorecendo o enraizamento de uma cultura institucional hierarquizada,

competitiva e de desqualificação de pares que atuam com crianças menores: quanto

menor a criança atendida, menos crédito ao docente que com ela atua.

Pode-se, portanto, considerar que os mecanismos legais, institucionais, culturais

estejam coibindo a estruturação da autoestima e do processo de construção positivo da

identidade do docente que atua na Educação Infantil, o que faz dele um mero técnico e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7139ISSN 2177-336X

Page 8: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

8

não um profissional com perfil e identidade marcadamente voltados ao compromisso

com a criança e com a sociedade de pertença, já que a legislação fragmentou esta etapa

educacional, criou processos de hierarquização pelo valor do financiamento per capita e

pela condição de direito público subjetivo a quase toda a Educação Básica, com exceção

da creche. Fatos significativos para comprometer a identidade profissional, bem como a

atuação dos docentes na Educação Infantil, bem como diante das famílias e

comunidade.

Portanto,

Tratar da identidade docente é estar atento para a política de

representação que instituem os discursos veiculados por grupos e

indivíduos que disputam o espaço acadêmico ou que estão na gestão do

Estado. É considerar também os efeitos práticos e as políticas de

verdade que discursos veiculados pela mídia impressa, televisiva e

cinematográfica estão ajudando a configurar. A identidade docente é

negociada entre essas múltiplas representações, entre as quais, e de

modo relevante, as políticas de identidade estabelecidas pelo discurso

educacional oficial. Esse discurso fala da gestão dos docentes e da

organização dos sistemas escolares, dos objetivos e das metas do

trabalho de ensino e dos docentes; fala também dos modos pelos quais

são vistos ou falados, dos discursos que os vêem e através dos quais

eles se vêem, produzindo uma ética e uma determinada relação com eles

mesmos, que constituem, a experiência que podem ter de si próprios.

(GARCIA, HYPÓLITO e VIEIRA, 2005, p. 47)

[...]

A identidade profissional dos docentes é assim entendida como uma

construção social marcada por múltiplos fatores que interagem entre si,

resultando numa série de representações que os docentes fazem de si

mesmos e de suas funções, estabelecendo, consciente e

inconscientemente, negociações das quais certamente fazem parte suas

histórias de vida, suas condições concretas de trabalho, o imaginário

recorrente acerca dessa profissão — certamente marcado pela gênese e

desenvolvimento histórico da função docente —, e os discursos que

circulam no mundo social e cultural acerca dos docentes e da escola.

(GARCIA, HYPÓLITO e VIEIRA, 2005, p.54-55)

A construção das identidades, dos saberes, das aprendizagens e do

desenvolvimento profissional docente tem sido temática recorrente no trabalho de

pesquisa de autores que tratam a questão em profundidade, sendo Maurice Tardif um

deles. O autor revela a estruturação de relações entre os saberes por ele defendidos.

Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo

amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação

profissional e dos saberes disciplinares, curriculares e experienciais.

(TARDIF, 2002, p. 36)

Saber eivado de vivência, marcado e decorrente da experiência, saber

experiencial que, para Tardif, se constitui na elaboração pessoal expresso nas condições

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7140ISSN 2177-336X

Page 9: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

9

práticas do fazer. O saber experiencial estará sendo aqui entendido de forma mais

ampla, para além da atuação circunscrita à prática do efetivo exercício profissional

envolvendo também as experiências de vida da pessoa do docente. Nesta perspectiva

será utilizado como fonte de saberes o contexto de pertença das professoras e dos

profissionais da educação infantil.

Assim se poderá analisar e confirmar o fato de que este saber experiencial pode

trazer contribuições bastante complexas e negativas à construção da identidade

profissional e de contribuições para este amálgama de saberes que constituem os saberes

docentes, podendo fragilizar as relações do docente na instituição e com a família, com

a sociedade, comprometendo o fazer pedagógico oferecido às crianças menores de seis

anos, bem como a participação política, histórica e social intencionada e definida pelo

docente, mantendo-o na condição de subserviência, heteronomia pessoal e profissional,

com consequências para exercer efetivamente a vida com protagonismo, com

determinação, convicção e compromissos, sobretudo com a infância e a etapa inicial

educacional na qual está inserida. Não cumprindo com as condições favorecidas pela

legislação em termos de uma educação possivelmente constituída pela participação,

envolvimento, diálogo entre pares docentes e profissionais, com as famílias e a

sociedade, inclusive para a estruturação de um possível pacto decorrente de um projeto

consensuado de sociedade.

A formação de professores também precisa tomar para si a pessoa, o professor

em sua essência singular de ser como elemento foco de preocupação, exigente de um

investimento na pessoa para que possa se constituir profissional enquanto laboratório de

profissionalidade, mas também um espaço de constituição da pessoa em formação para

buscar a sustentação para o desenvolvimento pessoal, filtro do profissional e estrutura

do cidadão que habita o docente.

O trabalho de pesquisa aqui referenciado e agora apresentado tem por

preocupação e intenção estabelecer critérios válidos e sustentáveis para a estruturação

de um nível de qualidade a ser oferecido no atendimento educacional à faixa etária

anterior aos seis anos de idade, efetivando-se o compromisso e o direito da criança com

o seu desenvolvimento integral. Neste sentido, constitui-se enquanto questão de

pesquisa, a investigação relativa ao como os critérios de qualidade, considerados

inquestionáveis no entendimento do grupo de pesquisa, estão sendo analisados pelos

profissionais que desempenham diferentes funções nas instituições de Educação

Infantil?

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7141ISSN 2177-336X

Page 10: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

10

A pesquisa realizada buscou ouvir as vozes dos profissionais que atuam na

Educação Infantil em município do interior do Estado de São Paulo, referente aos

critérios de qualidade para a Educação Infantil. Preocupação reside no como analisam

as condições existentes e reais para que se possa oferecer uma educação que atenda

efetivamente a um patamar de qualidade definidor da melhor situação para que o

desenvolvimento integral da criança possa se realizar.

A metodologia da pesquisa sustentou-se na abordagem qualitativa com a

ancoragem necessária também na quantitativa, portanto foi desenvolvida sob condições

de utilização que demarcam uma abordagem mista, tendo por amostra de sujeitos 79

profissionais que se apresentaram voluntariamente dentro das trinta e quatro (34)

unidades de educação infantil constituídas no município à época e se tornaram

respondentes de um extenso formulário eletrônico que abarcou perspectivas de

formação, atuação, concepções, infraestrutura, conteúdos e metodologias específicas,

projeções de melhoria do atendimento pedagógico oferecido à primeira infância.

A amostra de sujeitos ficou composta por: 32 agentes educacionais que atuam

com crianças na faixa etária dos 0 aos 3 anos; 25 diretores; e 22 professoras que atuam

com crianças na faixa etária dos 4 aos 6 anos, portanto, a categoria de docentes foi

composta pela menor amostra voluntária de sujeitos por segmento, dado relativo a

resistência à participações que já pode ser considerado como um elemento dificultador

da participação na dinâmica estrutural da educação.

A análise dos dados referentes à formação dos profissionais que estão atuando

na referida etapa educacional é bastante interessante, revelando um percentual

considerável de 72,15% (57 sujeitos dentre os 79) cuja formação ocorreu na Educação

Superior em curso completo de graduação. Porém é interessante colocar que corroboram

com esta análise a conquista de titulação subsequente, cuja situação revela que 34 deles

(43,04%) já completou um curso de especialização; 05 (6,33%) já têm o mestrado e 04

(5,06%) o doutorado concluídos.

Interessante destacar que, apesar desta condição tão favorecida em termos de

formação, a análise identifica um dado contraditório e preocupante, que revela uma

posição perigosa dos sujeitos em não considerar necessária a formação educacional

superior para atuação profissional. Quando perguntados sobre Como você

caracterizaria uma educação infantil de qualidade?, em primeira opção apenas 9,09 da

amostra relativa aos docentes (22 sujeitos), ou seja, duas professoras defendem que

professores bem formados constituem critério de qualidade ao atendimento educacional

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7142ISSN 2177-336X

Page 11: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

11

à primeira infância. O que permite considerar que há certa desconsideração em relação à

formação específica para o trabalho com crianças menores de seis anos, não

constituindo este elemento como prioritário na condição de se analisar e definir critérios

que poderiam qualificar a Educação Infantil.

Nesta mesma linha de reflexão, fato que os profissionais têm formação

diferenciada em nível superior, espera-se que sejam mais esclarecidos, atentos as

questões sociais, que sejam mais atuantes socialmente falando na defesa dos direitos

educacionais.

Apesar da docência na Educação Infantil ter que desenvolver integralmente a

criança e entendê-la em seu protagonismo social, histórico e cultural os docentes não

têm se constituído em modelo para tanto, nem revelam perspectivas de que vivenciam

esta condição em favor da infância, da criança e da etapa educacional na qual atuam.

O caminho da escola de Educação Infantil como espaço de ação e formação

entre contextos que precisam se integrar pela melhoria da qualidade do atendimento

pedagógico oferecido à criança menor de seis anos e garantir seus direitos ainda está

com pouca força e não começou seu processo de engatinhar. A cultura institucional

precisa ser transgredida, novos créditos precisam ser atribuídos aos pais e à comunidade

como parceiros colaborativos e cooperativos na busca por uma educação de qualidade,

mesmo que disso dependa uma profissionalidade docente ampliada que publicize a

importância e o papel da Educação Infantil para o favorecimento do desenvolvimento

pleno da criança extra muros.

A existência da normativa legal não garante a participação em defesa dos

direitos da criança, ser de direitos. A ampliação da condição de cidadania oferecida pela

Constituição reconhecida e definida como cidadão não favoreceu os processos de

participação em defesa dos direitos da criança, sobretudo à Educação.

Em relação ao critério de qualidade que envolve a participação das docentes na

melhoria de seu espaço de trabalho, condição favorecida pela própria autonomia

prevista na legislação, dezenove docentes (86,36%) acreditam que podem melhorar e

três dizem que não (13,64%). O interessante é que nas respostas abertas fica claro o tipo

de necessidade para a melhoria e que normalmente perpassa a um investimento pessoal

em relação ao trabalho de grupo, ao não ser individualista, à constituição de uma equipe

de fato na unidade educacional que possa colaborar e cooperar entre si até mesmo na

troca de conhecimento. Tais respostas permitem inferir a não participação na dinâmica

institucional por parte dos docentes de maneira a tornar a mesma uma unidade

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7143ISSN 2177-336X

Page 12: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

12

pedagógica, a realizar um protagonismo profissional enquanto critério para se pensar

coletivamente a melhoria da qualidade do atendimento. Então vejamos algumas

respostas das docentes em relação às contribuições para a melhoria do espaço de

trabalho:

.Mais autonomia para o professor e direção.;

.Em meio aos problemas e dificuldades não olhar apenas as minhas

dificuldades, mas a do grupo como um todo.;

. Colaboração, ética, organização do ambiente.

.Tempo para diálogos referentes ao trabalho e atividades

desenvolvidas entre os pares da unidade.

. Trabalhar em equipe.

.Partilhar com os colegas de trabalho, procurar manter um ambiente

de amabilidade tanto em relação aos educandos como com o corpo

docente e discente da escola. Demonstrar sempre disposição para

ajudar e compartilhar sempre.

.Bom humor (pois ele contagia), não reclamar por pouca coisa, não

falar mal dos colegas em geral, ser um ótimo profissional.

As falas das docentes (a composição deste segmento era em sua totalidade de

mulheres) permitem inferir que o espaço de trabalho, a unidade institucional não tem se

revelado em espaço prazeroso, coletivo, de participação e pertença com trocas e

gentilezas sendo necessário elevá-lo a um patamar diferenciado de respeito para se

conquistar o grupo, a coletividade e, porque não dizer, a unidade pedagógica

institucional. Revela-se a necessidade de participação e interveniência, um

disponibilizar-se pessoal para que o profissional possa aflorar de maneira a contribuir

para algo novo, melhor e comprometido com o fazer, com os pares, com a instituição,

consequentemente que acaba atendendo de maneira diferenciada as crianças em suas

necessidades e interesses.

À guisa de um encaminhamento, importante se faz colocar o crédito de que a

situação sócio, histórica, política, educacional e cultural inicialmente apresentada não é

condição única e ou via direta na determinação das condições pessoais e profissionais

de realização do fazer docente na educação infantil, porém deve se considerar elemento

absolutamente possível de contribuição para a não “consolidação” dos direitos da

infância, sobretudo de ter uma educação infantil oferecida com qualidade e que

promova desenvolvimento integral das crianças atendidas.

Talvez, pela baixa estima em relação ao seu fazer, apesar de índice alto em

termos de formação superior, este grupo de professores possa ter dificuldades em se

elaborar enquanto profissionais, uma vez que a sociedade não os reconhece

efetivamente e nem tampouco os trata com respeito devido, dignidade e valorização,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7144ISSN 2177-336X

Page 13: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

13

considerando a educação infantil como algo menor no processo de formação de seus

filhos.

Como exemplo pode ser apresentada a seguinte situação. No final da aplicação

do questionário eletrônico para a coleta de dados da pesquisa realizada, uma das

profissionais veio ao encontro de um membro do grupo de pesquisa e, num ímpeto

extremo de ansiedade e necessidade, segurando-a em seus braços pediu para que "nós

da Universidade" fizéssemos algo pela Educação Infantil, pois ela acreditava que só

nós poderíamos conseguir isso, pois eles não tinham força nenhuma para tanto.

A situação revela em muito o sentimento da profissional, a condição de fraqueza

e impotência diante do que considera ser essencial realizar pela e para a busca da

qualidade na e da Educação Infantil. Revela sua autoimagem profissional frágil e de

limitações.

Portanto, temos muito que fazer em termos de formação para melhorar a imagem

da profissão e constituir estrutura diferenciada para pessoas que tenham interesse e

queiram, por identificação pelo objeto e pela atuação, se tornar pedagogos, professores

de Educação Infantil com claro compromisso pelo protagonismo profissional que

promova a profissionalidade docente e fortaleça os processos de profissionalização em

contexto sócio, histórico, cultural específico. Que consigamos forjar profissionais

atuantes politicamente na defesa da infância, da criança e de seus direitos já ou ainda

não consignados em Lei, mas que defendam a condição de atendimento pedagógico

adequado e de qualidade a todas as crianças menores de seis anos de idade, com o

intuito de que possam ter favorecido seus processos de desenvolvimento integral e de

identidade pessoal e coletiva, pelas vias do cuidar-educar-brincar com forte apelo as

atividades expressivas, em ambientes sustentados pela inserção no mundo da ética,

estética e da iniciação política.

Referências Bibliográficas:

ARRUDA, A. Teorias das representações sociais e teorias de gêneros. Cadernos de

Pesquisa. FCC, Cadernos de Pesquisa, n. 117, novembro/ 2002 p.127-147)

(http://www.scielo.br/pdf/cp/n117/15555.pdf consulta realizada em 10 de agosto de

2014.

Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006, D.O.U. de -

7/02/2006, p.1.

___________________________. Emenda Constitucional nº 53, D.O.U. de 20/12/2006,

p.5.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7145ISSN 2177-336X

Page 14: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

14

___________________________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº

9394/96, D.O.U. de 23/12/1996, p. 27833

___________________________.Emenda Constitucional nº 59/2009, D.O.U. de

12/12/2009, p. 8.

TARDIF, M. . Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

ESTEVE, J. M. O mal-estar docente – a sala de aula e a saúde dos professores. Trad.

Durley de Carvalho Cavicchia. Bauru: Edusc, 1999.

GARCIA, M.M.A.; HYPOLITO, A.M.; VIEIRA, J.S. As identidades docentes como

fabricação da docência. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 45-56, jan./abr.

2005. http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n1/a04v31n1.pdf Consulta feita em 23 de

fevereiro de 2016

NÓVOA, A. (coord.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2000.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7146ISSN 2177-336X

Page 15: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

15

CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE DIZEM OS DOCENTES

Amanda Cristina Teagno Lopes Marques

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) –

Campus São Paulo – SP.

GEPEFE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores) – FEUSP.

O presente artigo apresenta uma discussão sobre o trabalho com ciências na educação

infantil, o que certamente traz implicações aos processos de formação inicial e contínua

de professores. Para tanto, partindo da questão Qual a concepção do professor que atua

na educação infantil sobre o trabalho com ciências nessa etapa da educação básica?,

teve por objetivos: a) investigar a concepção de professores polivalentes sobre o papel

do trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil; b) analisar, a partir das

falas de professoras e coordenadora pedagógica, o modo como são estruturadas as

práticas pedagógicas voltadas à promoção do acesso aos conhecimentos científicos na

educação infantil; c) apontar indicadores de necessidades formativas a serem

contempladas nos processos de formação inicial e contínua de professores da educação

infantil. Como procedimento metodológico, foram realizadas entrevistas com três

professoras e coordenadora pedagógica de uma escola municipal de educação infantil de

São Paulo. Evidencia-se nas falas a existência de um trabalho assistemático com

ciências, permeado por uma pluralidade de concepções; elementos como “cotidiano”,

“interdisciplinaridade”, “investigação” foram associados ao trabalho com ciências na

educação infantil. Defender a necessidade de uma educação científica desde a educação

infantil não significa proceder à transmissão de conceitos aos moldes da denominada

“escola tradicional”, mas sim de possibilitar às crianças o acesso a saberes próprios do

campo, dentro de uma pedagogia da participação, pautada em uma concepção de criança

como agente, sujeito histórico, produtor de cultura. Conciliar esses elementos –

socialização do saber e participação do educando nos processos de apropriação e

produção de cultura – mostra-se tema controverso nas discussões atuais acerca de um

projeto político-pedagógico para a educação infantil, o que se reflete nas falas das

professoras entrevistadas, indicando demandas formativas.

Palavras-chave: ciências – educação infantil – concepções docentes.

1. Introdução

Diante do contexto de discussão sobre um projeto político-pedagógico para a

educação infantil, entendido como identidade da instituição e norteador de ações com

vistas à concretização de concepções e metas assumidas coletivamente, e sobre um

currículo para esta etapa da educação básica, compreendido como seleção cultural,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7147ISSN 2177-336X

Page 16: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

16

“expressão da função social e cultural da instituição escolar” (SACRISTÁN, 2000, p.

26), pautamo-nos no entendimento de que cabe à escola – o que inclui a de Educação

Infantil – possibilitar a democratização do saber, conceituando-a como “instância

formativa, de aprendizagem e desevolvimento, de socialização e produção de bens

culturais” (MARQUES, GOMES, 2013, p. 61-2). Nesse sentido, a discussão sobre os

conteúdos culturais e seu modo de trabalho no contexto da educação infantil faz-se

necessária a fim de evitarmos o esvaziamento de experiências formativas – em um

entendimento equivocado acerca da concepção de criança como agente e produtor de

cultura – ou, ao revés, a centralização das práticas pedagógicas em um modelo

transmissivo, que desconsidera a criança em seu modo específico de ser e estar no

mundo.

No que se refere ao ensino de ciências, propomos uma concepção mais ampliada

que entende a educação científica como parte da educação geral (CACHAPUZ et al,

2011), processo que se desenvolve em espaços de educação formal e não-formal, e que

deve visar à democratização de conhecimentos no sentido de ampliação da leitura de

mundo do sujeito, o que inclui a criança. Acreditamos que o ensino de ciências não deve

se reduzir aos aspectos conceituais, e que o trabalho na Educação Infantil precisa estar

pautado em uma pedagogia da participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007),

considerando a criança como produtora de cultura (CORSARO, 2011) e sujeito ativo no

processo de aprendizagem. Nessa direção, algumas questões de fundo apresentam-se

como importantes: de que maneira é possível construir práticas pedagógicas na

educação infantil que promovam a aproximação da criança pequena à cultura científica,

sem que isso signifique orientar a ação pedagógica à preparação de futuros cientistas?

Como tem ocorrido o trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil? Que

concepções têm permeado as práticas pedagógicas?

Carvalho e Gil-Pérez (2011) apontam para a importância do conhecimento das

concepções espontâneas dos docentes no processo de formação e levantamento de

necessidades formativas; para os autores, trata-se de “conhecer e questionar o

pensamento docente espontâneo” (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011, p. 27),

considerando que essas ideias, comportamentos e atitudes podem constituir “obstáculos

para uma atividade docente inovadora” (id: p. 30), o que indica a relevância de

pesquisas que visem a analisar e problematizar essas concepções.

À luz do contexto apontado, sintetizamos a questão que norteou a pesquisa ora

apresentada nesta Comunicação na seguinte questão: Qual a concepção do professor

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7148ISSN 2177-336X

Page 17: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

17

que atua na educação infantil sobre o trabalho com ciências nessa etapa da educação

básica? Como objetivos: a) investigar a concepção de professores polivalentes sobre o

papel do trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil; b) analisar, a

partir das falas de professoras e coordenadora pedagógica, o modo como são

estruturadas as práticas pedagógicas voltadas à promoção do acesso aos conhecimentos

científicos na educação infantil; c) apontar indicadores de necessidades formativas a

serem contempladas nos processos de formação inicial e contínua de professores da

educação infantil. Do ponto de vista metodológico, optamos pela realização de pesquisa

pautada na abordagem qualitativa (BOGDAN, 2010), considerando a complexidade do

fenômeno e sua contextualização. Como procedimento para coleta de dados, realizamos

entrevista semiestruturada com três professoras e a coordenadora pedagógica de uma

escola municipal de educação infantil de São Paulo, recorrendo à análise temática de

conteúdo (BARDIN, 1974) como procedimento de análise dos dados coletados.

2. Ciências na Educação Infantil? Controvérsias e perspectivas

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, configura-se como

espaço de cuidado e educação de crianças de 0 a 5 anos de idade. De acordo com as

atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), as

práticas pedagógicas desenvolvidas nas instituições devem ter como eixos norteadores

as interações e a brincadeira, garantindo às crianças experiências diversificadas de

aprendizagem, o que inclui o trabalho com conhecimentos científicos. Esse trabalho

deve ser realizado, conforme aponta a Resolução, de maneira integrada; não se trata,

portanto, de promover um ensino centrado na transmissão de informações pelo

professor, mas de criar de situações de aprendizagem nas quais a criança se mostre

protagonista.

É função da escola, nos diferentes níveis de ensino, possibilitar a

democratização do acesso ao conhecimento e o desenvolvimento da autonomia do

pensar como condição de humanização (FREIRE, 1974). Nesse sentido, o que justifica

o trabalho com conhecimentos das ciências naturais na educação infantil não é a

preparação da criança para o ensino fundamental, e sim o papel da escola na mediação

dos saberes e das experiências das crianças com os conhecimentos que circulam na

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7149ISSN 2177-336X

Page 18: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

18

cultura mais ampla (OLIVEIRA, 2010), ampliando as possibilidades de aprendizagem e

desenvolvimento, as quais, sem a mediação e intervenção da escola, não seriam

espontaneamente alcançadas.

Assim, as experiências vividas no espaço de Educação Infantil devem

possibilitar o encontro de explicações pela criança sobre o que ocorre

à sua volta e consigo mesma enquanto desenvolvem formas de sentir,

pensar e solucionar problemas. Nesse processo, é preciso considerar

que as crianças necessitam envolver-se com diferentes linguagens e

valorizar o lúdico, as brincadeiras, as culturas infantis. Nãos se trata

assim de transmitir à criança uma cultura considerada pronta, mas de

oferecer condições para ela se apropriar de determinadas

aprendizagens que lhe promovem o desenvolvimento de formas de

agir, sentir e pensar que são marcantes em um momento histórico.

(OLIVEIRA, 2010, p. 5)

Trata-se, pois, de possibilitar o acesso ao conhecimento através de uma

pedagogia da participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007), tomando por

pressuposto uma concepção de criança como ser pensante, agente, sujeito de

aprendizagem e produtora de cultura. Isso implica a construção de situações de

aprendizagem nas quais as crianças sejam levadas a observar, formular hipóteses, expor

seu ponto de vista, buscar informações, produzir sínteses, aproximando-se de conceitos

científicos e de maneiras de pensar diferentes daquelas presentes em seu cotidiano.

Defender a presença de conhecimentos de ciências na educação infantil não significa

aderir a abordagens transmissivas, disciplinares e preparatórias para o ensino

fundamental; os conhecimentos dos campos científicos devem estar presentes nas

experiências de aprendizagem construídas em parceria com as crianças, de maneira

integrada e interdisciplinar.

No contexto da educação infantil, vale destacar que não basta inserir atividades

de experimentação e observação de fenômenos; é preciso ir além, promovendo a

construção do pensamento científico e a apropriação de conceitos próprios do campo

científico. O conceito implica um ato de generalização (VYGOTSKY, 1998), e sua

construção se dá em um processo de reelaboração sucessiva, ao longo da experiência da

criança. Ainda que o ensino de um conceito possa ser iniciado a partir do cotidiano,

cabe à escola ampliar as experiências de aprendizagem da criança; restringir-se ao

cotidiano significa limitar as possibilidades de conhecimento do mundo e de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7150ISSN 2177-336X

Page 19: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

19

aprendizagem, e negar ao sujeito o acesso a outras formas de conhecimento. Além

disso, não se trata de um processo de substituição de concepções espontâneas por

conceitos científicos; as diferentes formas de compreender a realidade podem conviver.

Para Vygostky (1989), há que partir da premissa de que “o desenvolvimento dos

conceitos não-espontâneos tem que possuir todos os traços peculiares ao pensamento da

criança em cada nível do desenvolvimento, porque esses conceitos não são aprendidos

mecanicamente, mas evoluem com a ajuda de uma vigorosa atividade mental por parte

da própria criança” (id: 107). Para o autor, os dois processos – o desenvolvimento dos

conceitos espontâneos e o desenvolvimento dos conceitos não-espontâneos – são

relacionado e influenciam-se mutuamente, fazendo parte de um único processo: o

desenvolvimento da formação de conceitos. Acrescenta que o aprendizado representa

uma das principais fontes de conceitos, e estes impulsionam o desenvolvimento mental

(pautando-se na premissa de que todo bom ensino antecede o desenvolvimento e o

promove).

Na leitura de Vygotsky, o espontâneo é sinônimo de não-consciente, que implica

a não percepção, pela criança, da atividade do pensamento, e a incapacidade de

generalização. Trata-se, também, de um conhecimento não ordenado, caracterizado pela

ausência de um sistema. Para o autor, os conceitos científicos propiciam o acesso da

criança à sistematização, o que depois é transferido para os conceitos cotidianos,

alterando as estruturas psicológicas. Assim, a aprendizagem de conceitos científicos

transforma as estruturas dos conceitos espontâneos, e ajuda a criança a organizá-los em

um sistema, o que promove a ascensão a níveis mais elevados de desenvolvimento.

Ainda que os conceitos científicos não possam ser apreendidos de imediato e em

sua totalidade e complexidade, mostra-se importante iniciar o trabalho desde a educação

infantil, processo que será aprofundado e ampliado nas etapas seguintes, uma vez que a

construção do conhecimento não se dá por acumulação, mas via reorganização dos

esquemas mentais e aproximações sucessivas ao objeto. Mas é preciso ressaltar que não

se trata de reduzir o ensino de ciências ao trabalho com conceitos; faz-se necessário

promover ações no sentido da alfabetização científica, favorecendo o acesso a

elementos da cultura científica, fazendo-os dialogar com o senso comum e com os

conhecimentos dos variados grupos sociais (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004).

Nas palavras de Cachapuz e Jorge (2004, p. 368):

O que importa fomentar, desde o início da escolaridade, é a

curiosidade natural dos alunos e seu entusiasmo pela Ciência/

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7151ISSN 2177-336X

Page 20: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

20

Tecnologia e, para tal, uma perspectiva sistêmica do conhecimento é a

mais indicada. Em particular, para os mais novos, trata-se de explorar

seus saberes do dia-a-dia como ponto de partida. (...) Trata-se, pois, de

contextualizar e humanizar a ciência escolar.

3. O trabalho com ciências na voz das professoras: concepções, práticas e

processos formativos

Cachapuz e Jorge (2004) alertam para o fato de que as imagens que os alunos

constroem de ciência apresentam relação com a visão de ciência dos professores, o que

justifica a importância de pesquisas que têm por escopo analisar as concepções

espontâneas sobre ciência e ensino de ciência apresentadas pelos docentes. Nas palavras

dos autores:

Dado que o modo como se ensina as Ciências tem a ver com o modo

como se concebe a Ciência que se ensina, e o modo como se pensa

que o Outro aprende o que se ensina (bem mais que o domínio de

métodos e técnicas de ensino), torna-se pertinente aprofundar aspectos

tendo em vista a formação epistemológica dos professores bem como

aspectos relativos à concepção de aprendizagem. (CACHAPUZ,

JORGE, 2004, p. 378)

Com vistas a analisar as concepções de docentes de educação infantil sobre o

ensino de ciências para crianças pequenas realizamos entrevista semiestruturada com

três professoras e a coordenadora pedagógica de uma Escola Municipal de Educação

Infantil da cidade de São Paulo. Optamos por entrevistar também a coordenadora por

compreendermos que a entrevistada poderia fornecer uma visão global do trabalho

realizado na escola. As entrevistas foram gravadas e transcritas, e procedeu-se à análise

temática de conteúdo (BARDIN, 1974) como procedimento de análise dos dados

coletados. Na apresentação e discussão dos resultados, optamos por fazê-lo com base

nos eixos sugeridos pelo objetivos da pesquisa, quais sejam: 1. Por que trabalhar

ciências na educação infantil?; 2. Como se estruturam as práticas pedagógicas no

trabalho com ciências?; 3. Que avaliação as entrevistadas fazem de seu processo

formativo em relação ao ensino de ciências? De cada eixo depreendemos categorias

temáticas, construídas a partir da identificação dos núcleos de sentido presentes nas

falas dos entrevistados, o que nos foi revelado no processo de leitura flutuante,

classificação e categorização dos dados (BARDIN, 1974).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7152ISSN 2177-336X

Page 21: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

21

A título de contextualização, todas as entrevistadas têm formação em Magistério

(ensino médio técnico) e graduação em Pedagogia; a coordenadora pedagógica, além

desta, tem graduação em Biologia, mas não chegou a atuar como professora especialista

de ciências. Todas são efetivas na Rede Municipal de Educação de São Paulo, contando

com diferentes tempos de experiência na docência (de 7 a 31 anos). As professoras

foram identificadas como P1, P2, P3, e a coordenadora pedagógica pela sigla CP.

Por que trabalhar ciências na educação infantil?

No que toca à função do ensino de ciências na educação infantil expressa nas

entrevistas, pudemos identificar quatro categorias: 1. Construção de atitudes favoráveis

à preservação do meio ambiente, com destaque para a relação Ciência-Sociedade-

Ambiente (P1); 2. Acesso ao conhecimento científico como forma de incentivo ao

questionamento, à curiosidade e ao interesse por conhecer o mundo (P2); 3. Formação

de pesquisadores via trabalho com procedimentos científicos, com destaque para a

observação e a experimentação (P3); 4. Contribuição para o desenvolvimento da

imaginação, do raciocínio lógico e da autoestima (CP).

Nota-se, em primeiro lugar, a ausência de uma compreensão homogênea sobre o

papel do ensino de ciências na Educação Infantil; apesar de todas as entrevistadas

atuarem na mesma escola, cada uma delas apresenta uma visão particular sobre a

importância da inserção das ciências nessa etapa da escolaridade. Em segundo lugar,

evidenciam-se concepções pouco aprofundadas acerca do tema, o que inclui desde a

concepção do trabalho com conhecimentos científicos como auxiliar na promoção do

desenvolvimento da criança – desconhecendo, portanto, o papel específico da escola em

relação à educação científica –, até a ideia de que cabe à escola contribuir para a

formação de “pequenos cientistas”, em uma visão que associa o ensino de ciência ao

trabalho com procedimentos de pesquisa, tomando a observação e a experimentação

como estratégias privilegiadas para a construção de conhecimentos científicos.

Como se estruturam as práticas pedagógicas no trabalho com ciências?

Neste tópico identificamos algumas categorias inferidas das falas das

entrevistadas, quais sejam: 1. A integração do trabalho com ciências com outras áreas

do currículo; 2. A realidade como ponto de partida; 3. A investigação como estratégia

de trabalho, apresentadas na tabela abaixo.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7153ISSN 2177-336X

Page 22: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

22

Tabela 1: Como ensinar ciências na educação infantil

Categorias Excertos das entrevistas

1. Interdisciplinaridade/

integração com outras

áreas

“Na educação infantil a gente trabalha muitas coisas ligadas também, a

gente não é como uma gavetinha, né? Agora vem a matemática, agora

vem a... Não é bem assim, as áreas são mais ligadas.” (P1)

2. Ensino ligado ao

cotidiano

“Está no cotidiano, que pega só o lúdico, vamos dizer quando a gente

trabalha bolinha de sabão e no fim... O encher a bexiga, vamos brincar

de bexiga? É só que não é o brincar de bexiga.” (CP)

3. Ensino por investigação

“Eu tento abordar a parte de pesquisa. Vou trabalhar animais, insetos,

por exemplo. Eu quero pesquisar mesmo, não só quantas partes, mas o

que ele faz, o que ele produz para natureza de bom ou de ruim.” (P3)

Fonte: elaborado pela autora a partir das transcrições das entrevistas.

Nas falas das professoras P2 e P3, a especificidade do conhecimento científico e

da metodologia para trabalhar com esse conteúdo mostra-se mais presente,

diferentemente do que acontece no discurso das outras duas entrevistadas. Indicam uma

série de elementos importantes a serem considerados pelo professor para o trabalho com

ciências na educação imfantil, quais sejam: a) consideração dos conhecimentos prévios

das crianças; b) intencionalidade na proposição das atividades; c) experimentação, roda

de conversa, registro como estratégias metodológicas; d) utilização de livros como

suporte de texto e imagem, ampliando o repertório das crianças; e) importância do

lúdico na aprendizagem (a ideia de que é possível brincar e aprender, ou aprender pela

brincadeira. Citam, inclusive, exemplos de atividades desenvolvidas junto a crianças de

3 anos, como o trabalho com cor e transformação (mistura de cores), horta e o preparo

do chá (transformação), experiências com o ar – bolinha de sabão, avião de papel,

experimento com levedo para encher a bexiga.

Verifica-se que os conteúdos trabalhados vinculam-se à realidade da criança e à

sua curiosidade, e têm como ponto de partida as experiências do cotidiano: a

observação das lagartas no parque – e a investigação sobre o processo de metamorfose,

a brincadeira com aviões de papel – e a discussão sobre a existência do ar –, a realização

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7154ISSN 2177-336X

Page 23: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

23

de mistura de tintas – e o trabalho com a transformação – foram algumas das atividades

citadas pelas professoras. Tal postura reflete a concepção de que as ciências nos

auxiliam a compreender os fenômenos presentes em nosso cotidiano, e a percepção da

importância de levar a criança a refinar a observação e encontrar explicações para a

realidade que a cerca, aproximando-a dos conceitos científicos via investigação.

Além da aproximação às experiências do cotidiano, a questão do lúdico se torna

muito presente: as experiências de aprendizagem muitas vezes acontecem via

brincadeira, como preparar gelatina na cozinha – e verificar o processo de

transformação da matéria –, brincar de bolhinha de sabão – e questionar-se sobre a

existência do ar –, entre outras. O interesse das crianças e sua curiosidade também são

pontos de partida para o trabalho; em muitas ocasiões, os temas discutidos partem de

indagações formuladas pelas crianças.

A interdisciplinaridade também é citada por P1, P2 e CP como característica do

trabalho pedagógico da educação infantil: os conhecimentos científicos estão presentes

não de maneira estanque, mas vinculados a outras áreas do saber, uma vez que a

realidade é una, não parcelada; o que as diferentes disciplinas fazem é possibilitar visões

próprias, especializadas sobre o mesmo objeto.

Que avaliação fazem de seu processo formativo em relação ao ensino de ciências?

Todas as entrevistadas apontam problemas em sua formação inicial. Também

não citam a contribuição da formação contínua, o que possivelmente é indicativo da

pouca importância atribuída a esse campo de conhecimento no contexto das políticas de

formação. Quer dizer, realizam-se atividades de formação voltadas à alfabetização, à

aprendizagem da matemática, ao brincar, mas pouco se discute ainda – e infelizmente –

o processo de alfabetização científica das crianças, e a didática específica para a

promoção dessas aprendizagens. Trata-se de falha grave dos cursos que se propõem a

formar o professor polivalente, ou seja, aquele habilitado a trabalhar com os diversos

campos do conhecimento – o que inclui o trabalho com as ciências naturais (percepção

esta mencionada apenas por P2: “A gente foi educada para ser polivalente, a gente não

pode reclamar porque realmente são todas as áreas”).

A professora P3 menciona em sua fala a passagem, como docente, por uma

escola na qual a discussão sobre o trabalho com ciências se fazia presente enquanto

prática pedagógica e reflexão teórica. Essa professora demonstrou, na entrevista, um

conhecimento mais ampliado acerca da especificidade do campo, descrevendo uma

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7155ISSN 2177-336X

Page 24: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

24

série de propostas desenvolvidas com as crianças. Vale destacar que a referida docente

trabalhava em parceria com a entrevistada P2, compartilhando propostas de trabalho,

projetos, atividades, o que explica a proximidade das concepções por elas apresentadas.

Esses dados nos trazem indicativos acerca da importância do reconhecimento da escola

como espaço de formação contínua de professores, e da prática pedagógica como

contexto de produção de saberes via processo de ação-reflexão-ação.

O problema na formação certamente produz limites à prática pedagógica, que

poderia ser aprimorada – e ampliadas também as aprendizagens das crianças – caso

houvesse uma apropriação, pelos docentes, de conteúdos específicos e da didática das

ciências naturais. Sem conhecer o modo de produção científica, o modo como as

crianças aprendem ciências, e o modo como podemos ensiná-las, as experiências de

aprendizagem ficam restritas, quando ocorrem.

A dicotomia teoria versus prática faz-se presente nas falas das entrevistadas;

prevalece a ideia de que a formação inicial privilegia o elemento “teórico”, que antecede

a “prática” e dela se distancia, o que conduz ao “aprender na prática”, no cotidiano de

trabalho. Nesse sentido, além da hierarquização da teoria e da prática, há uma separação

explícita dessas; além disso, as falas indicam a concepção de que se aprende a ser

professor na prática, como se essa prática fosse esvaziada de teor teórico.

4. Considerações Finais

No que toca ao primeiro objetivo da pesquisa (investigar a concepção de

professores polivalentes sobre o papel do trabalho com conhecimentos científicos na

educação infantil) podemos inferir da análise efetuada que não há uma homogeneidade

entre as entrevistadas, evidenciando-se desde concepções mais restritas sobre a ciência e

o ensino de ciências na educação infantil (associando-o apenas à questão do cuidado da

natureza) até entendimentos nos quais se propõe a ampliação da vivência da criança

para além de sua realidade imediata, o que inclui a inserção de situações investigativas

com vistas a fomentar a construção de conceitos, a curiosidade e o questionamento.

Quanto ao segundo objetivo (analisar, a partir das falas de professoras e

coordenadora pedagógica, o modo como são estruturadas as práticas pedagógicas

voltadas à promoção do acesso aos conhecimentos científicos na educação infantil),

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7156ISSN 2177-336X

Page 25: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

25

verificamos que o trabalho com ciências, na visão das entrevistadas, relaciona-se às

vivências cotidianas das crianças, seus interesses e curiosidades, integrando-se a outras

áreas do saber. Por outro lado, para algumas delas faz-se necessária a realização de um

trabalho mais intencional, considerando as especificidades do campo e do modo de

produção do conhecimento em ciências, o que inclui a realização de “pesquisa” com as

crianças.

Com vistas a atender ao terceiro objetivo (apontar indicadores de necessidades

formativas a serem contempladas nos processos de formação inicial e contínua de

professores da educação infantil), apresentamos alguns elementos a serem considerados,

construídos com base na problematização das falas das entrevistadas.

A questão da “ciência no cotidiano”. Ainda que a ciência apresente relação com o

cotidiano das crianças, e fenômenos naturais façam parte de sua experiência diária, cabe

ao professor realizar um trabalho intencional com vistas a ampliar as aprendizagens e

contribuir para seu processo de sua alfabetização científica. Faz-se necessário

problematizar a concepção de que a ciência “faz parte do cotidiano”; a ciência, enquanto

conhecimento que se expressa em linguagem e modos de raciocínio específicos não está

no cotidiano; os fenômenos que ela investiga podem estar, mas ela, em si, não, cabendo

à escola promover o acesso a esse saber. Isso não significa desqualificar o cotidiano e os

conhecimentos cotidianos; cabe à escola problematizar a realidade, tomando o cotidiano

como ponto de partida em direção à apropriação de outras linguagens e leituras de

mundo.

A questão da interdisciplinaridade. O trabalho sistemático com ciências não

significa necessariamente, do ponto de vista metodológico, a multidisciplinaridade.

Expliquemos: do ponto de vista da seleção de objetivos e conteúdos de aprendizagem,

cabe sua separação nas diferentes áreas do saber (língua portuguesa, matemática,

ciências, etc.), inclusive na educação infantil. Isto porque cada disciplina possui um

corpus próprio de saberes, uma linguagem própria, e um modo particular de produzir

conhecimento. Por outro lado, do ponto de vista das práticas pedagógicas, não é

adequado trabalhar de maneira estanque, fragmentada; é necessário que se trabalhe de

maneira interdisciplinar, buscando aproximações e interações entre os campos

disciplinares – isto porque a realidade é uma só, e não dividida em disciplinas. Superar a

fragmentação disciplinar não significa abrir mão das disciplinas e dos conteúdos, mas

torná-los instrumentos de análise compreensão e participação na realidade (ZABALA,

1998).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7157ISSN 2177-336X

Page 26: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

26

A questão do ensino por investigação. Cachapuz et al (2011) alertam para a

limitação de uma educação científica centrada na mera transmissão de conhecimentos.

Esse tipo de ensino não possibilita aos estudantes a aproximação ao trabalho científico,

além de reiterar visões deformadas da ciência como algo descontextualizado, produto da

atividade de gênios isolados, inacessível às pessoas comuns, desvinculado da realidade,

neutro, objetivo, que se constrói de maneira linear e a-histórica (CACHAPUZ et al,

2011). A superação das limitações apontadas pelos autores implica a revisão das

concepções dos docentes, e a transformação do trabalho pedagógico: a atividade do

estudante no processo ensino-aprendizagem deve aproximar-se da atividade científica,

partindo de situações problemáticas, propondo a elaboração de hipóteses, construindo

explicações e aproximando-se do corpo de conhecimentos já produzidos (id). As

especificidades da educação infantil parecem favorecer a construção dessa postura,

permitindo um trabalho com ciências mais integrado a outros campos do conhecimento

e à realidade, com abertura à argumentação e ao pensamento da criança.

As falas das entrevistadas revelam a escassez ou mesmo a inexistência de

discussões nesse sentido em seu processo de formação, inicial ou contínua. Se

queremos, de fato, possibilitar à criança múltiplas experiências de aprendizagem,

vivência e apropriação de elementos culturais, faz-se necessário promover reflexões

sobre a epistemologia e a didática específica das diferentes áreas de conhecimento, sem

que isso signifique fragmentação disciplinar. Quer dizer, o professor precisa ter clareza

sobre as especificidades das ciências naturais em relação a outros campos do saber, o

modo de produção do conhecimento científico, o modo como as crianças aprendem, o

que não implica a construção de práticas pedagógicas fragmentadas. Em suma, conciliar

esses elementos – socialização do saber e participação do educando nos processos de

apropriação e produção de cultura – parece-nos ser o grande desafio aos processos de

formação de professores da educação infantil, o que implica refinar concepções de

ensino, de aprendizagem, de criança, de infância, de escola, de ciências e de ensino de

ciências.

5. Referências Bibliográficas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7158ISSN 2177-336X

Page 27: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

27

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1977.

BRASIL. MEC. SEB. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil.

Brasília: MEC, SEB, 2009.

CACHAPUZ, A. et al. A Necessária renovação do ensino das ciências. 3ª ed. São

Paulo: Cortez, 2011.

____; PRAIA, J.; JORGE, M. Da educação em ciências às orientações para o ensino das

ciências: um repensar epistemológico. Ciência e Educação, v.10, n.3, p. 363-381,

2004.

CARVALHO, A. M. P. de; GIL-PÉREZ, D. Formação de professores de ciências:

tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 2011.

CORSARO, W. A. Sociologia da Infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.

FREIRE, P. Papel da educação na humanização. In: Uma Educação para a liberdade.

Porto: Textos Marginais, 1974.

KRASILCHIK, M.; MARANDINO, M. Ensino de ciências e cidadania. São Paulo:

Moderna, 2004.

OLIVEIRA, Z. de M. R. O currículo na educação infantil: o que propõem as novas

diretrizes nacionais? In: Anais do I Seminário Nacional: Currículo em Movimento –

Perspectivas Atuais. Belo Horizonte, 2010.

OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. Pedagogia(s) da Infância: reconstruindo uma práxis de

participação. In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M.

A. (Orgs.). Pedagogias(s) da infância: dialogando com o passado, construindo o

futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.

MARQUES, A. C. T. L; GOMES, M. Educação infantil: tempos de vivência de direitos

e da infância. In: PIMENTA, S. G. P.; PINTO, U. De A. O papel da escola pública no

Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 2013.

SACRISTÁN, G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed,

2000.

VYGOTSKY, L. S. O desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. In:

Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Editora Artes Médicas

Sul Ltda., 1998.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7159ISSN 2177-336X

Page 28: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

28

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM CURSOS

DE PEDAGOGIA: CONSIDERAÇÕES E INDAGAÇÕES

Marineide de Oliveira Gomes

Resumo

A pesquisa, ora apresentada, objetivou analisar as matrizes curriculares de 144 cursos de

Pedagogia no estado de São Paulo, no que se refere à formação de professores de

educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Trata-se da primeira fase de

pesquisa interinstitucional de natureza qualitativa envolvendo pesquisadores de

instituições públicas e privadas de São Paulo, por meio de análise documental das

matrizes curriculares desses cursos. Os resultados desta fase da pesquisa, no que se

refere à educação infantil, indicam que: i) a formação do professor polivalente não é

intencionalizada na organização curricular dos cursos, prevalecendo uma formação de

natureza disciplinar; ii) há grande dispersão e fragmentação curricular nas matrizes dos

cursos pesquisados; iii) menos de 2% da carga horária total dos cursos são direcionados

à essa área; iv) os campos de conhecimento, de experiências, as linguagens expressivas

e as culturas da infância que caracterizam a organização do trabalho educativo e

pedagógico na educação infantil, assim como as dimensões da educação e dos cuidados

estão dispersos ou não estão contemplados na maioria dos cursos pesquisados.

Buscamos problematizar tais achados, tecendo considerações e perguntas, a partir da

compreensão de ser a educação infantil um campo em consolidação e em plena

expansão no Brasil, com base nas metas do Plano Nacional de Educação e o fato do

curso de Pedagogia configurar-se hoje como uma Licenciatura. A pesquisa, em

andamento, na segunda fase, objetiva aprofundar a análise dos dados da primeira fase

por meio de estudos de caso de cursos que apresentam inovação curricular com a análise

de Projetos Pedagógicos de cursos escolhidos e entrevistas com os coordenadores

desses cursos. Os resultados da primeira fase da pesquisa podem contribuir para a

reflexão e a revisão das bases que sustentam os cursos de Pedagogia no contexto de uma

política nacional de formação de professores e de concretização de direitos das crianças

pequenas à uma educação de qualidade.

Palavras-chave: Cursos de Pedagogia; formação de professores de educação infantil;

professor polivalente.

Introdução

A pesquisa, em sua primeira fase, foi motivada pela baixa qualidade da educação

brasileira, publicamente reconhecida e que enseja, entre outras medidas, definições e

reformulações nos cursos de formação de professores. Intencionou apresentar um

panorama dos cursos de Pedagogia no Estado de São Paulo com um recorte específico

sobre a formação de professores para atuar na educação infantil e nos anos iniciais do

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7160ISSN 2177-336X

Page 29: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

29

ensino fundamental, visando verificar o tratamento destinado aos conhecimentos

concernentes à formação profissional desse docente. Para efeito desta Comunicação

vamos nos restringir à formação para a educação infantil, pela análise documental das

matrizes curriculares de 144 cursos de Pedagogia, em um universo de 283 cursos

presenciais e em atividade, mantidos por instituições públicas e privadas paulistas,

obtidos por meio de visita às páginas eletrônicas das instituições mantenedoras dos

cursos e da página do E-MEC, em que constam os cursos reconhecidos no país.

Desse universo, 80,6% dos cursos pesquisados são de responsabilidade de

instituições de ensino superior privadas, sendo a imensa maioria (99%) dos cursos

oferecidos por Faculdades, corroborando com estudos anteriores nessa área (GATTI &

BARRETO, 2009), o que evidencia a predominância das ações de ensino, em

detrimento das ações de pesquisa e de extensão, que caracterizam a missão das

universidades brasileiras, em que pese que a exigência de nível superior para

professores de educação infantil represente um avanço histórico, se comparado às

exigências anteriores nessa área, especialmente para a atuação profissional em creches,

com crianças de 0-3 anos de idade.

Observamos, já de início na pesquisa, a tendência crescente dos conglomerados

econômicos como mantenedores de muitas Instituições de Ensino Superiores (IES)

pesquisadas (Faculdades), por meio de fusões e de aquisições de grandes empresas,

muitas empresas com capital aberto na Bolsa de Valores (casos das mantenedoras:

Anhanguera/Kroton, Estácio de Sá, Uniesp, entre outras). Tal quadro instituído pela

expansão do ensino superior privado no Brasil é observado desde os anos 1970, como

forma de limitação à oferta de ensino superior público em universidades.

Tratados como negócio no mercado educacional brasileiro, no que se refere à

organização curricular, os cursos dessas instituições apresentam-se padronizados e

fragmentados, não sendo observadas mudanças significativas nas matrizes curriculares

de uma IES para outra (inclusive fora do estado de São Paulo), exceto no período de

transição da aquisição do chamado ‘negócio’. Vale aqui ressaltar que a expressiva

expansão dos cursos de ensino superior no Brasil, notadamente oferecidos por

Faculdades, refere-se a cursos considerados de baixo custo de manutenção, entre eles

destaca-se o curso de Pedagogia, de maneira geral, oferecido no período noturno e com

duração inferior ao que preveem as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de

Pedagogia/ DCN Pedagogia (BRASIL, 2006) com uma carga horária total de 3.200

horas, preferencialmente oferecido ao longo de 4 anos de formação. Orientação

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7161ISSN 2177-336X

Page 30: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

30

semelhante é reforçada recentemente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação Inicial e Continuada de Profissionais do Magistério da Educação Básica

(BRASIL, 2015).

O problema de pesquisa se definiu como: estariam os cursos de Pedagogia no

estado de São Paulo formando adequadamente os professores polivalentes para atuar na

educação infantil, considerando as contribuições dos diferentes saberes, os meios e as

possibilidades de ensiná-los, assim como a identificação de quem são os sujeitos que

aprendem e se desenvolvem nesses ambientes educacionais e escolares? Objetivamos

com a pesquisa trazer novos elementos para a análise dos cursos de Pedagogia no estado

de São Paulo (e no Brasil) de modo a contribuir para a melhoria da qualidade dos

mesmos e para a atuação de gestores em geral e de coordenadores desses cursos e ainda,

para a melhoria da qualidade da educação básica.

Tais considerações também colaboram para melhor compreender o campo da

formação de professores de educação infantil, com uma função de polivalência, em um

contexto de ampliação dos direitos das crianças e de expansão da educação básica, com

maior oferta da educação infantil (pelo aumento da cobertura de atendimento em

creches e a obrigatoriedade de universalização da pré-escola, conforme prevê a meta n.

1 do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) e da implementação do ensino

fundamental de nove anos.

Sendo o campo da educação infantil um campo ainda em consolidação no Brasil

consideramos importante buscar nexos entre a Formação Inicial (de nível superior) e a

Formação Contínua, pelo desenvolvimento profissional do professor ocorrer ao longo

da sua carreira profissional, na mira do entendimento de como se organizam essas

ofertas de formação de professores para um segmento etário em que a imbricação entre

as dimensões da educação e dos cuidados precisa estar presente.

Abordaremos a seguir a metodologia utilizada na pesquisa, ao lado da discussão

dos dados da primeira fase da investigação, seguida da apresentação dos resultados, por

meio de considerações e indagações e ao final, apresentamos uma síntese que, pretende-

se, venha a contribuir com a melhoria dos cursos de Pedagogia no Brasil.

Metodologia e discussão dos dados da pesquisa

A pesquisa, em sua primeira fase, contou com 17 pesquisadores vinculados a

universidades públicas e privadas do estado de São Paulo. De natureza

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7162ISSN 2177-336X

Page 31: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

31

quanti/qualitativa e exploratório-descritiva (CELLARD, 2008), fizemos uso de análise

documental das matrizes curriculares de 144 cursos presenciais e em atividade, colhidas

nas páginas na Internet das instituições mantenedoras dos cursos pesquisados.

Utilizamos para a análise dos dados um instrumento constituído de duas partes,

uma contendo informações gerais de cada instituição e outra, com as categorias de

análise das matrizes curriculares, na forma de conhecimentos relativos aos seguintes

temas: de Fundamentos Teóricos da Educação; Sistemas Educacionais; Formação

Profissional Docente; Gestão Educacional; Estágio Supervisionado; Pesquisa e

Trabalho de Conclusão de Curso/Monografia; Modalidades de Ensino, Diferenças,

diversidade e minorias linguísticas e culturais; Conhecimentos Integradores e Outros

Conhecimentos. A análise da educação infantil, constituiu-se como uma subcategoria da

categoria dos conhecimentos relativos à Formação Profissional Docente.

Com base nessa subcategoria de análise, constatamos que:

i) a formação do professor polivalente não é intencionalizada na organização

curricular dos cursos, prevalecendo uma formação de natureza disciplinar:

importante ressaltar as lógicas que estão presentes na organização curricular dos cursos

de formação de professores, com diferentes racionalidades (CONTRERAS, 2002).

Buscamos assim, na análise das matrizes curriculares dos cursos investigados, as

racionalidades predominantes e constatamos que a racionalidade técnica predomina nos

cursos de Pedagogia, ou seja, apresenta-se como intencional a aprendizagem de teorias

que se auto-aplicariam no exercício profissional docente em creches e pré-escolas, pela

síntese feita pelo estudante (e não intencionalmente pelos docentes do curso) dos

diferentes saberes acumulados ao longo do curso.

Observamos, dessa forma, pouca aproximação das disciplinas com as práticas da

polivalência que o professor de educação infantil precisará exercer no cotidiano das

instituições de educação infantil. Estruturados, de maneira geral, na forma de

Fundamentos da Educação, seguido das Metodologias e das Práticas de Ensino, tais

cursos distanciam-se da imprevisibilidade e da incerteza que marcam o ofício de

ensinar/apreender, em especial, com crianças pequenas.

A polivalência é um atributo fundamental da formação de professores em geral

e, em particular, de professores que atuam na educação infantil e nos anos iniciais do

ensino fundamental, ao articular saberes e conteúdos de áreas de conhecimento de

naturezas diversas, em uma formação profissional ampla (LIMA, 2007).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7163ISSN 2177-336X

Page 32: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

32

E ainda, a docência caracteriza-se como uma profissão de desenvolvimento

humano (sendo que para alguns autores trata-se de uma semiprofissão), apresentando

como características componentes de cuidados e o caráter interativo e interpessoal,

havendo riscos na formação profissional sob uma lógica acadêmica tradicional

(FORMOSINHO, 2011).

No caso da educação infantil, a consideração das relações entre adulto-criança

(professor-criança), criança e criança, criança - materiais e ambientes e entre educadores

(professores, gestores e famílias) estimularia uma formação integral, preconizada nos

documentos orientadores dessa área.

ii) há grande dispersão e fragmentação curricular nas matrizes dos cursos

pesquisados: observamos um agigantamento das matrizes curriculares com uma

diversidade de disciplinas que refletem a dispersão e a imprecisão do perfil do egresso

desses cursos, com muitas disciplinas sem aderência com a docência nas etapas iniciais

da educação básica (PIMENTA & FUSARI, 2014). Assim, a fragmentação curricular

atua de forma oposta à uma formação polivalente e que se pretende integrada entre as

áreas do conhecimento e aos saberes necessários à ação educativa com crianças

pequenas (em creches e em pré-escolas) que envolve o entendimento de como as

crianças se percebem, são vistas e se veem no mundo, assim como o mundo que os

adultos/educadores apresentam a elas.

Contraditoriamente, o currículo da educação infantil apresenta-se de forma

global e não fragmentada, conforme enfatizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para

Educação Infantil (Resolução n.5/2009 - Conselho Nacional de Educação):

Artigo 3º: o currículo da educação infantil é concebido como um conjunto de

práticas que busca articular as experiências e os saberes das crianças com os

conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental,

científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de

crianças de 0-5 anos de idade (BRASIL, 2009, p.1).

Outro aspecto que salta aos olhos nesta análise diz respeito a carga horária

reduzida das disciplinas, contribuindo para segmentar saberes e possibilidades de

compreensão globalizada de conhecimentos.

Processos homólogos na formação de professores seria desejável para, de forma

coerente, contribuir com a autonomização dos professores visando a promoção da

autonomia das crianças. No caso da formação continuada de professores (educadoras

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7164ISSN 2177-336X

Page 33: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

33

cooperantes) e sua relação na formação dos estudantes de educação de infância Oliveira

- Formosinho acentua que:

Nos envolvemos num processo de autonomização das profissionais que

desempenham o importante papel de supervisoras cooperantes, permitindo-lhes no

acesso a quadros teóricos que passaram a ser partilhados, apoiando-as na construção

de saberes, repensando o significado das práticas e recriando a prática. Acredita-se

que isso é emancipar os profissionais, co-construindo uma autonomia teoricamente

suportada, como condição de promover a reconstrução do significado da educação

de infância (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2005, pg.27).

.

iii) menos de 2% da carga horária total dos cursos são direcionados à essa área:

identificamos uma presença pequena do campo da educação infantil nos cursos, com

uma diversidade de disciplinas em várias áreas de conhecimento, com nomenclaturas

também diversas. Aparentemente, a evolução do campo da educação infantil ainda não

foi apropriada pelos docentes dos cursos de Pedagogia, podendo tratar-se de uma

compreensão como formação menor, com valorização inferior, se comparada aos

conhecimentos relativos aos anos iniciais do ensino fundamental com estrutura

disciplinar. Das 144 IES examinadas, 22 não oferecem nenhuma disciplina com um

título que remeta diretamente à educação infantil. Nas demais 122 IES há disciplinas

oferecidas nessa área, com denominações variadas.

Considerando o perfil do egresso dos cursos de Pedagogia, parece-nos que a

formação no campo da educação infantil é reduzida, se comparada à formação do

professor dos anos iniciais do ensino fundamental, também objeto da formação nesses

Cursos.

De acordo com Campos (2008), as identidades profissionais dos professores de

educação infantil precisam ser revistas considerando que os objetivos da educação

infantil se relacionam ao que se pretende no trabalho com crianças pequenas nas

instituições de educação infantil, sendo necessário nesses cursos, uma dimensão mais

formadora que conteudista. Parece-nos oportuno perguntar: quais bases de

conhecimentos os professores iniciantes lançam mão para exercer o ofício de educar-

cuidar crianças pequenas em creches e pré-escolas? Como profissional de múltiplas

identidades, perguntamo-nos como será a atuação profissional desses profissionais com

tão pouca formação específica? Pode haver uma forte tendência do predomínio dos

saberes da experiência, ou seja, os (as) professores(as) reproduzirem o que ficou

marcado na sua condição de estudante, na forma de senso comum, sem possibilidade de

reflexões ou de problematizações teórico-práticas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7165ISSN 2177-336X

Page 34: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

34

iv) os campos de conhecimento, de experiências, as linguagens expressivas e as

culturas da infância que caracterizam a organização do trabalho educativo e

pedagógico na educação infantil, assim como as dimensões da educação e dos

cuidados estão dispersos ou não estão contemplados explicitamente na maioria dos

cursos pesquisados: o campo da educação infantil nas últimas décadas no Brasil conta

com contribuições valiosas das áreas da Psicologia, da Sociologia, da Antropologia, da

História, da Filosofia e das Artes, com novos paradigmas sobre o significado da

educação infantil no âmbito da educação básica.

As produções teóricas acerca do currículo da educação infantil, ao contrário da

organização estanque por áreas de conhecimento dos demais níveis da educação básica,

atribuem importância aos campos de conhecimento, de experiências, das linguagens

expressivas e das culturas da infância que caracterizam a organização do trabalho

educativo e pedagógico na educação infantil. Uma organização que apresenta bases

teóricas fundamentadas e alicerçadas em uma compreensão de criança como sujeito de

direitos, protagonista de sua história e agente de seu próprio desenvolvimento e

aprendizagem.

Observamos uma tendência marcante nas matrizes curriculares com relação à

reprodução de áreas sedimentadas do ensino fundamental, que se organizam em torno

de grandes áreas de conhecimento (exemplo: Língua Portuguesa, por vezes,

denominado de outras Formas: Linguagem, Alfabetização e Letramento etc...;

Matemática/ Pensamento Matemático, entre outras denominações), mas também

observamos IES (em menor número) que organizam o currículo para dar conta da

especificidade e da natureza da educação infantil, com disciplinas ligadas à Literatura

Infantil ou Infanto-Juvenil e disciplinas que trazem a perspectiva do movimento, do

trabalho com o corpo da criança, da ludicidade, dos jogos e brincadeiras, além de outras

disciplinas tais como Políticas públicas para a infância, História da Infância. Poucas IES

pesquisadas apresentam disciplinas voltadas aos temas da saúde e nutrição da criança,

se considerarmos esse um saber importante – na relação entre educação e saúde nos

cursos de Pedagogia, sobretudo os saberes relacionados aos bebês.

Consideramos que o debate atual sobre a forma como as crianças pequenas

produzem suas culturas, traz uma outra perspectiva acerca dos conceitos clássicos de

criança, de infância e de socialização infantil. Tratar-se-ia hoje de atuar na formação de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7166ISSN 2177-336X

Page 35: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

35

professores de educação infantil considerando uma concepção de criança como sujeito

de direitos, preconizado nas políticas públicas nessa área.

Isso não significa fragmentar a formação do trabalho docente, com uma

perspectiva de formação mais prática que teórica, com uma feição profissionalizante de

curso pós-médio, ou a defesa do praticismo. Entendemos que a dimensão da formação

profissional docente e a articulação entre teoria e prática precisaria ser assumida pelos

cursos de formação de professores de forma intencionalizada e em diálogo com as

demais dimensões formativas do curso, com destaque para o caráter de mediação

educadora, como desenvolvimento da ampliação da sensibilidade, dos espaços e das

linguagens (MARTINS, 2005), incluindo as diferentes formas de educação do olhar e

da escuta sensível, que passa por uma formação que não exclui o sujeito que aprende e

suas subjetividades, ao contrário, parte de sua visão de mundo, no caso dos estudantes

de Pedagogia, buscando ampliá-la.

Resultados: considerações e indagações

As DCN para os Cursos de Pedagogia trouxeram uma perspectiva formativa

generalizante, pois são formados nesses cursos tanto o(a) professor(a) para a educação

infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, como o(a) gestor(a) educacional

para atuar em ambientes escolares e não escolares, apresentando-se como uma formação

por demais generalizante e dispersa.

Considerando a formação polivalente do(a) professor(a) de educação infantil,

observamos, nas matrizes curriculares analisadas, a quase inexistência de uma

organização curricular que integre as áreas de conhecimento, por meio de projetos

integradores e/ou atividades em que os estudantes possam colocar em relação as

aprendizagens construídas nas diferentes disciplinas. A esse respeito, Formosinho

assevera que:

A cultura acadêmica tradicional tende a promover nos futuros

profissionais uma concepção do seu saber profissional como uma

justaposição de disciplinas e de práticas de trabalho fragmentado, não

favorecendo a análise interdisciplinar e o trabalho colaborativo

exigidos pelas características dos contextos de desempenho

profissional (FORMOSINHO, 2011, p.137).

Além desse aspecto há que considerar a existência de cenários em disputa no

campo das políticas de educação infantil, nas últimas décadas. De um lado políticas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7167ISSN 2177-336X

Page 36: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

36

voltadas à garantia dos direitos das crianças, com centralidade na própria infância e nas

crianças como sujeitos desses direitos (com ações focadas na área da Educação) e de

outro lado, uma concepção de criança como vir-a ser, que se prepara para aprendizagens

futuras, a produção econômica e a empregabilidade, como medida de custo-benefício

(com ações fragmentadas e compensatórias em diferentes áreas). As agências

internacionais como a Organização para o Comércio e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) e o Banco Mundial (entre outras), que têm orientado as políticas sociais nos

países menos desenvolvidos, se situam no segundo cenário (GOMES, 2014).

Das matrizes curriculares analisadas pode-se afirmar que há um início de

visibilidade das crianças pequenas em creches e pré-escolas. A relação desse trabalho

com os anos iniciais do ensino fundamental, contudo, merece análise, na perspectiva das

escolas da infância (0-10 anos) sem segmentações ou hierarquizações, garantidas as

especificidades, as necessidades e saberes das crianças. Com base nessas reflexões, o

que esses dados de pesquisa nos sugerem?

Em primeiro lugar o campo da educação infantil é um campo em

construção e em fase de consolidação como política pública – se considerarmos que

em termos de política pública educacional, a educação infantil, no âmbito da educação

básica, passados quase quatro décadas de conquistas, só agora aproxima-se de sua

maioridade. Dessa forma, os sistemas de ensino passaram a contemplar as creches (que

antes estavam abrigadas nas áreas da Assistência Social). Tal contexto alterou a

condição da educação infantil em nível municipal e, portanto, a profissionalidade

docente dos educadores dessa área.

Em segundo lugar: quem é o profissional da educação infantil e quais são

suas identidades profissionais? Babá, tia ou professora? Trata-se de uma profissão

também recente e em construção e com identidades plurais, construídas com base nas

relações de gênero. De um lado observamos discursos oficiais e acadêmicos que

indicam uma perspectiva mais técnica e prescritiva do que relacional, quando sabemos

que a relação adulto criança nas instituições de educação infantil requer uma grande

capacidade profissional de promover afetos e significações (OLIVEIRA-

FORMOSINHO; FORMOSINHO, 2001), de reflexão sobre a prática, por meio de

problematizações sobre concepções de criança, infância(s), educação infantil e papel

social do professor(a) que se concretizam no dia-a-dia de trabalho em creches e pré-

escolas (BARBOSA, 2009), com crianças reais que muitas vezes escapam à visibilidade

dos educadores. Os valores educacionais implícitos nas práticas e nas expectativas da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7168ISSN 2177-336X

Page 37: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

37

sociedade e, sobretudo das famílias, implicam em práticas pedagógicas ora

escolarizantes, ora recreacionistas e/ou de ocupação das crianças pequenas.

Um olhar para essas dimensões na organização dos Cursos de Pedagogia

implicaria, entre outros aspectos, em uma reflexão sobre o campo das culturas em geral

e da relação com as famílias, na construção das identidades dos professores(as) de

educação infantil: uma profissão (ou meia profissão?) realizada em trabalho de meio

período, que acompanhou historicamente no Brasil os papéis domésticos femininos

tradicionais, contando por vezes, com duplas (ou triplas) jornadas de trabalho.

Observamos que ainda há uma grande distância entre as normas previstas na legislação

e o que ocorre de fato na realidade vivida pelas crianças pequenas em seu cotidiano nas

creches e pré-escolas brasileiras.

Em terceiro lugar: o que pode significar o predomínio, nas matrizes

curriculares pesquisadas, de disciplinas próprias do ensino fundamental (e da

cultura e formas escolares) na formação de professores para a educação infantil?

Sabemos existir, de um lado, a solidificação das áreas disciplinares e, por outro, a

(ainda) fragilidade dos campos de conhecimento/experiências na educação infantil,

como saberes válidos para a formação de professores e como organizador de currículos

na educação infantil. As crianças pequenas organizam suas formas de estar,

compreender e interagir no mundo por meio da ação, do movimento, da curiosidade, da

imaginação e das interações. A formação de professores para atuar com crianças

pequenas supõe trazer esses elementos formativos em diálogo com a pessoa, com o

sujeito que está sendo formado, de modo a implicá-lo nos planos individual, mas

também coletivo, com a formação das novas gerações, em especial, considerando que

trata-se de educação de adultos que carregam histórias de vida e experiências a serem

continuamente ressignificadas.

Considerações Finais

Tais considerações e indagações feitas ao longo deste trabalho nos levam a

refletir sobre as múltiplas capacidades exigidas do professor recem-egresso dos cursos

de licenciatura em Pedagogia para atuar na complexidade das instituições de educação

infantil. A organização didático-pedagógica dos cursos de Pedagogia não são neutras,

antes, traduzem concepções e perfis do profissional que se deseja formar (professor ou

pedagogo) e evidenciam contradições entre as previsões legais e a concretização real

dos cursos. A prática profissional ensejará outras reflexões e questionamentos no

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7169ISSN 2177-336X

Page 38: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

38

âmbito da Formação Contínua que sabemos envolver motivações, diagnóstico de

necessidades, entre outros aspectos.

Ao nosso ver, o que os dados de pesquisa revelam é uma oferta predominante de

formação em Faculdades, por instituições privadas e sobretudo, a homogeneização de

cursos de Pedagogia pelas fusões e aquisições de mantenedoras desses cursos no

‘mercado educacional’ por grandes corporações econômicas, contrariando a exigência

de Projetos Pedagógicos dos cursos elaborados de forma contextualizada e que

considerem as Necessidades Formativas dos estudantes, assim como de seus

professores. A relevância do critério econômico, nesse caso, traz por consequência, uma

padronização curricular que pode anular as diferenças e pulverizar as possibilidades de

criação na/sobre as realidades formativas. Como formar profissionais para atuar de

forma contextualizada e referenciada na realidade com cursos engessados do ponto de

vista curricular?

Respondendo à pergunta da pesquisa se os cursos de Pedagogia no estado de São

Paulo estariam dando conta de formar adequadamente os professores de educação

infantil, temos como resposta que - aparentemente não - pelas contradições aqui

enunciadas. Os cursos de Pedagogia analisados apresentam-se frágeis e com reduzida

base teórico-epistemológica, se comparados às demais Licenciaturas.

A segunda fase da pesquisa, em andamento, objetiva aprofundar as análises

realizadas na primeira fase com cursos de Pedagogia considerados inovadores,

assumindo que os cursos escolhidos para análise devam responder, de forma

propositiva, às indagações feitas na primeira fase da investigação, com estudos de caso

pela análise dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (análise documental) e entrevistas

com os seus coordenadores.

Entendemos que a formação de professores de educação infantil nos cursos de

Pedagogia, ao se assumir como Licenciatura, envolve considerar a contribuição da

produção desse campo de estudos nas últimas décadas no Brasil e no mundo, como

campos específicos de conhecimento (entendidos também como espaços de disputas e

de poder), pela coerência do perfil do profissional que se quer formar, tendo como

suporte para essa definição as concepções de criança, infância, educação infantil e as

identidades profissionais plurais desses docentes, diferenciando-se de um viés

escolarizante, organizado em tempos e rituais que dificultam a criança ser criança e

viver seus tempos de infância.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7170ISSN 2177-336X

Page 39: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

39

Este é um caminho que o processo de revisão das Diretrizes Curriculares

Nacionais para os cursos de Pedagogia, que neste ano de 2016 completará uma década,

poderá trilhar, em diálogo com as demais orientações legais sobre formação de

professores, em especial, as Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação Inicial e

Continuada de Profissionais do Magistério da Educação Básica (BRASIL, 2015).

Referências

BARBOSA, M.C.S. Práticas cotidianas na educação infantil: bases para a reflexão sobre

as orientações curriculares. Projeto de Cooperação Técnica (MEC; UFRGS) para a

construção de orientações curriculares para a educação infantil, 2009. Acessível em:

http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relat_seb_praticas_cotidianas.pdf.Acesso em

10/02/2016.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução n.2 de 15/07/2015. Institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Profissionais

da Educação Básica. Acessível em:

http://www.ead.unb.br/arquivos/geral/res_cne_cp_002_03072015.pdf. Acesso em

12/12/2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei Federal n. 13.005 de 25/06/2014 – institui o

Plano Nacional de Educação. Acessível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em:

12/02/2016.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 5 de 17/12/2009 – institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Acessível em:

http://www.seduc.ro.gov.br/portal/legislacao/RESCNE005_2009.pdf. Acesso em

09/02/2016.

BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 1 de 15/05/2006 – institui as

Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia. Acessível em:

http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 02/01/2016.

CAMPOS, M. M. Educar crianças pequenas: em busca de um novo perfil de professor.

Revista Retratos da Escola. Brasília, v.2. n. 2-3, p. 121-131, jan-dez.2008.

Acessível em: http://www.esforce.org.br. Acesso em: 11/-1/2-16.

CELLARD, A. A análise documental in: POUPART, J. et all. A Pesquisa Qualitativa:

enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis. RJ: Vozes, 2008.

CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7171ISSN 2177-336X

Page 40: FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas,

40

FORMOSINHO, J. Dilemas e tensões da atuação da universidade frente à formação de

profissionais de desenvolvimento humano. In PIMENTA, S.G.; ALMEIDA, M.I.

(orgs.) Pedagogia Universitária: caminhos para a formação de professores. Cortez,

2011, pg.128-158.

GATTI, B.A.; BARRETO, E.S.S. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília:

Unesco, 2009.

GOMES, M.O. A formação de professores para a educação infantil em Portugal e no

Brasil. Relatório de Pós-Doutoramento. Universidade Católica Portuguesa..Lisboa,

2014, mimeo.

LIMA, V.M.M. Formação do professor polivalente e os saberes docentes: um estudo a

partir de escolas públicas. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, Faculdade de

Educação, 2007.

MARTINS, M.C. Mediação: provocações estéticas. São Paulo: Unesp/IA, 2005.

OLIVEIRA FORMOSINHO, J. Da formação de professores de crianças pequenas: o

ciclo da homologia formativa. In GUIMARÃES, C.M. (Org.) Perspectivas para a

educação infantil. Araraquara: Junqueira & Marin, 2005, p.3-31.

OLIVEIRA-FORMOSINHO, J.; FORMOSINHO, J. Associação Criança: um contexto

de formação em contexto. Braga: Livraria Minho, 2001.

PIMENTA; S.G.; FUSARI, J.C. Relatório Técnico. Projeto: A formação de professores

para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental: análise do currículo dos

cursos de Pedagogia de instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo, 2014,

mimeo.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7172ISSN 2177-336X