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Grupo de Estudos Regionais e Socioespaciais GERES www.unifal-mg.edu.br/geres Formação Histórica e Geográfica de Nova Resende-MG: A Importância do Quilombo do Campo Grande Departamento de Geografia/Universidade Federal de Alfenas MG Gabriela Pereira e Silva [email protected] Discente do curso de Geografia UNIFAL Resumo: Diante da analise histórica real de Nova Resende-MG, elabora-se o presente artigo. O objetivo é apenas fazer uma análise critica sobre o histórico de Nova Resende-MG e com isso propor uma visão mais verdadeira deste. Entendemos que o histórico literário adotado como tal até o momento - posto pelo IBGE- é compreendido como sucinto de forma a deixar diferentes interpretações, dúvidas e incompreensões. Além disso, este está norteado por estratégias políticas estatais de 1800 que estão estritamente ligadas com o extermínio do Quilombo do Campo Grande. Palavra-chave: Políticas Estatais, Extermínio do Quilombo do Campo Grande, Família Resende, Capelinha Santa Rita. 1. INTRODUÇÃO Ao contrário do que se pensa sobre a passagem histórica de Nova Resende-MG, muito antes de um pequeno arraial se formar no território que hoje é o município de Nova Resende, existiu anterior a 1800 o povoado “Quilombo do Caeté com suas 90 casas, a população estimada seria de 540 habitantes” (MARTINS, 2008, p. 732). Este quilombo está localizado no sudoeste de Minas e é um dos que formam o povoado do Quilombo do Campo Grande. Tais quilombos foram exterminados aos poucos, devido aos interesses das capitanias de São Paulo e Minas Gerais. Foram exterminados dois grandes núcleos de povoados do Ambrósio 1 , localizados no sul de Minas Gerais: O primeiro foi o Ambrósio I, localizado em Cristal; e o segundo se chamava Ambrósio II, localizado perto onde hoje é São João Batista do Glória. Este segundo faz margem aos demais 11 quilombos descobertos e atacados após o extermínio 1 Considerado pelo poder da capitania como o maior chefe dos quilombos de Campo Grande.

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Formação Histórica e Geográfica de Nova Resende-MG: A Importância do Quilombo do

Campo Grande

Departamento de Geografia/Universidade Federal de Alfenas – MG

Gabriela Pereira e Silva [email protected]

Discente do curso de Geografia – UNIFAL

Resumo: Diante da analise histórica real de Nova Resende-MG, elabora-se o presente artigo.

O objetivo é apenas fazer uma análise critica sobre o histórico de Nova Resende-MG e com

isso propor uma visão mais verdadeira deste. Entendemos que o histórico literário adotado

como tal até o momento - posto pelo IBGE- é compreendido como sucinto de forma a deixar

diferentes interpretações, dúvidas e incompreensões. Além disso, este está norteado por

estratégias políticas estatais de 1800 que estão estritamente ligadas com o extermínio do

Quilombo do Campo Grande.

Palavra-chave: Políticas Estatais, Extermínio do Quilombo do Campo Grande, Família

Resende, Capelinha Santa Rita.

1. INTRODUÇÃO

Ao contrário do que se pensa sobre a passagem histórica de Nova Resende-MG, muito

antes de um pequeno arraial se formar no território que hoje é o município de Nova Resende,

existiu anterior a 1800 o povoado “Quilombo do Caeté com suas 90 casas, a população

estimada seria de 540 habitantes” (MARTINS, 2008, p. 732). Este quilombo está localizado

no sudoeste de Minas e é um dos que formam o povoado do Quilombo do Campo Grande.

Tais quilombos foram exterminados aos poucos, devido aos interesses das capitanias de São

Paulo e Minas Gerais. Foram exterminados dois grandes núcleos de povoados do Ambrósio1,

localizados no sul de Minas Gerais: O primeiro foi o Ambrósio I, localizado em Cristal; e o

segundo se chamava Ambrósio II, localizado perto onde hoje é São João Batista do Glória.

Este segundo faz margem aos demais 11 quilombos descobertos e atacados após o extermínio

1 Considerado pelo poder da capitania como o maior chefe dos quilombos de Campo Grande.

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do Ambrósio II. Dentre estes 11 quilombos, localizados próximos à região de Furnas,

encontra-se o quilombo do Caeté que hoje é o município de Nova Resende.

Através da junção dos fatos encontrados sob entrevista, no livro “Quilombo do Campo

Grande: A História de Minas que se Devolve ao Povo” e o resumo da primeira edição, do

mesmo autor, “Quilombo do Campo Grande: A História de Minas Roubada do Povo” e nos

escritos históricos superficiais do IBGE, tudo indica que a existência do Quilombo do Caeté e

seu extermínio estão fortemente ligados a origem do município de Nova Resende. O símbolo

maior desta ligação é a construção da Capelinha Santa Rita que carrega, em sua origem, um

“mistério”.

Assim, propomos nesse artigo apenas fazer uma análise critica sobre o histórico de Nova

Resende-MG e com isso propor uma visão mais verdadeira deste. Entendemos que o histórico

literário adotado como tal até o momento - posto pelo IBGE- é compreendido como sucinto de

forma a deixar diferentes interpretações, dúvidas e incompreensões. Além disso, este está

norteado por estratégias políticas estatais de 1800 que estão estritamente ligadas com o

extermínio do Quilombo do Campo Grande.

E para realização deste artigo, mobilizaram-se instrumentos e referenciais de diferentes

ordens. Primeiramente, utilizaremos como metodologia de busca de informações a pesquisa

bibliográfica. Posteriormente, utilizaremos o trabalho de campo como meio de recolher dados

mais concretos. Por fim, para análise deste artigo iremos recorrer ao método dialético.

A metodologia de busca de informações por meio de pesquisa bibliográfica irá dar-se

através da análise de três literaturas diferentes: primeiro, do livro de Tarcísio José Martins -

“Quilombo do Campo Grande: A História de Minas que se Devolve ao Povo” -; segundo, do

resumo da primeira edição, do mesmo autor -“ Quilombo do Campo Grande: A História de

Minas Roubada do Povo” -; e, por último, do registro histórico disponível no site do IBGE. E

como instrumento principal, tenho o trabalho de campo, que é uma ferramenta utilizada no

levantamento de dados para a fundamentação empírica deste artigo, através de entrevistas

abertas as pessoas integrantes de famílias que vivenciaram o período ou que teve participação

forte religiosa no município. Posto que essa metodologia seja aplicada de forma a garantir os

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objetivos esperados respeitando suas limitações no âmbito do sujeito como no caso de recusa

a colaboração do artigo.

As imagens serão empregadas na ilustração e confirmação da existência de pessoas,

construções e documentos antigos.

O método utilizado para análise do artigo é o dialético, pois é a partir do confronto entre

fatores locais (capelinha Santa Rita, Igreja do Rosário, localidade do primeiro cemitério e

construção do segundo, em outro momento) e regionais (extermínio do Quilombo do Campo

Grande e leis de incentivo a ocupação de imigrantes) que resultará uma nova visão História do

município de Nova Resende, mas não muito aprofundada.

Para que possamos entender este histórico iremos estruturar o artigo em quatro partes

complementares: primeiro, uma análise da literatura disponível no site do IBGE; segundo,

uma passagem histórica de como e porque se fez tal extermínio ao povoado do Ambrósio, de

modo afunilar para a compreensão do Quilombo do Caeté; terceiro, discorrer sobre a ação da

família Rezende, fortemente ligada à origem do município de Nova Resende; e por último

intercalar as partes anteriores com seis fatos principais, encontrados na fala de entrevistados.

2. HISTÓRICOS DO MUNICÍPIO DE NOVA RESENDE

2.1 HISTÓRIA PRESENTE NO IBGE

Baseado nos registros do IBGE, Nova Resende nasceu na transição do século XVIII para o

XIX. Nesta época o local, que hoje é o município de Nova Resende, era propriedade particular

de “[...] dois fazendeiros da região, Capitão Damasiano Ferreira e João Domingos Rodrigues

de Lima, (que) doaram terrenos para construir uma capela e formar seu patrimônio, acrescido

de doações do Tenente-Coronel João Gonçalves de Resende2, Capitão Joaquim Anacleto

Souza Vieira e outros. Construiu-se a capela em louvor a Santa Rita, iniciando-se a

2 Segundo Rosendo Gonçalves de Rezende Filho (02/06/2012) o nome de seu avô Tenente-Coronel

João Gonçalves de Rezende é escrito com “Z” e não como consta no IBG escrito com “S”. Este nasceu em 1837 e faleceu em 1908.

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implantação do arraial, sendo estabelecido na época o patrimônio da Capela. Após a

construção da igreja, a povoação cresceu e quando, em 1801, os mineradores Inácio Antônio

de Magalhães e Jonas Pinto de Magalhães aqui vieram, já encontraram algumas casas cobertas

de folhas de palmito. O clima especial e grande fertilidade do solo atraíram a vinda de

inúmeros agricultores, possibilitando uma evolução acelerada da localidade. O topônimo

originou-se de homenagem que a população rendeu à família Resende pelos intocáveis

benefícios prestados por muitos de seus membros à comunidade” (IBGE, 17 de fevereiro de

2011).

Este pequeno relato disponibilizado no site do IBGE está longe de ser considerado

como histórico do município de Nova Resende-MG, pois além de estar muito sucinto causa

diversas dúvidas e contradições. Percebe-se que este relato inicia afirmando a existência

de doações de terras feitas por alguns fazendeiros para construção de uma capelinha, mas não

diz o porquê construir. Havia algum significado religioso para a construção dessa capela? O

que levou estes fazendeiros a quererem doar suas terras para a construção da capela? Essas

pessoas eram boas de mais ou existiam algumas questões econômicas e políticas por trás?

Como essas pessoas tomaram posse destas terras? De onde vieram? Antes já havia povoados

neste território ou não? Por que vieram para Nova Resende e não para outro lugar? Havia

incentivos para a ocupação das terras desse município ou não?

Estas são algumas das muitas indagações geradas por este relado histórico. E por isso,

entendemos que a história de Nova Resende não se pode deixar por ser reduzida apenas nesse

pequeno relato descrito ou por inúmeros e frios decretos de leis que anunciam a evolução

dessa localidade partindo da categoria de vila até a categoria de município3, pois se trata de

uma história muito maior, rica e complexa. E é por existir somente esse pequeno relato

superficial sobre o histórico do município de Nova Resende, no âmbito da Geografia Urbana,

que aparece a principal motivação para escrever este artigo, que é chegar mais próximo da

realidade histórica desse município.

3.1 HISTÓRIA REAL

3.2.1 O EXTERMÍNIO DO POVOADO DO AMBRÓSIO

3 Decretos de Lei disponíveis no site do IBGE

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Anterior a 1800, no Brasil passava-se uma disputa acirrada entre a capitania de São

Paulo e Minas Gerais na delimitação de seus territórios. No final da disputa, a capitania de

Minas conseguiu “[...] anexar o território do Sudoeste de Minas, isto ocorreu só no político-

administrativo, pois, no eclesiástico, continuou sob o domínio do Bispado de São Paulo, que

provou “posse mais antiga”” (MARTINS, 2008, p. 462).

E neste período de disputa entre São Paulo e Minas se tem a elaboração de políticas

que fomentavam interesses de ambas as capitanias e demarcavam, de certa forma, o começo

de um genocídio contra pretos forros, gentalhas e negros fugidos. Em 1736, quando aberta as

picadas, o Poder da Capitania deparou-se com pequenos povoados e comunidades de pretos

forros, gentalhas e negros fugidos, em companhia de alguns paulistas, instaladas em uma

região de solos e córregos ricos, pois “[...] além do ouro que faiscavam nos ribeirões e corgos,

tinham terras riquíssimas já com grandes plantações e paióis cheios de mantimentos.”

(MARTINS, 2008, p. 461) E isto se tornou um incômodo aos dirigentes da Capitania,

fazendo-lhes tomar uma atitude, pois “[...] não poderia uma região tão grande ficar habitada

por pretos, mesmo que fossem livres ou forros.” (MARTINS, 2008, p. 461). Assim tais

dirigentes declaram, segundo a Lei “F”, que todos estes povoados seriam chamados de

quilombos e estes tinham que ser destruídos a qualquer custo!

Entre os anos de 1735-1751 surgiu, também, o sistema tributário da capitação, feito

por “[...] Alexandre de Gusmão (pertencente a capitania de São Paulo) exacerbado por Gomes

Freire e Martinho de Mendonça [...]”(MARTINS, 2008, p. 112), que provocou a migração de

pretos forros, brancos pobres e seus escravos. Consequentemente, houve um grande

esvaziamento das vilas e adensamento dos quilombos.

Tal sistema era claro: “manter as pessoas – inclusive forros e brancos que

trabalhassem com as próprias mãos - dentro das vilas oficiais, para matriculá-las e

coagi-las a que, de seis em seis meses, pagassem o imposto da capitação. [...] com a

prerrogativa de declarar como quilombos os povoados rebeldes e, como

quilombolas, os seus habitantes pretos ou, como aquilombados, os seus habitantes

brancos, adjetivos estes criminalizados em lei [...] (e incentivando) os capitães-do-

mato e milícias, tanto economicamente pelo fornecimento de armas, víveres e

duplicação das tomadias, como legalmente, garantindo às tropas o direito de matar

em combate, sem qualquer risco de seus componentes serem processados, uma vez

que a simples informação da questão quilombola envolvida anulava qualquer

devassa ou processo, caindo, a acusação em total e eterno esquecimento”

(MARTINS, 2008, p. 462-461).

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Tal projeto tributário de capitação dava certo incentivo aos capitães-do-mato, para o

extermínio dos quilombos, que recebia “[...] 20 oitavas (de ouro) por cada negro de

quilombo[...]” (MARTINS, 2008, p. 394) e “[...] 6 oitavas de ouro por cabeça de negro que

apresentarem morto por se residirem nos quilombos[...]” (IBIDEM, p. 394).

Em primeiro de junho de 1746, Gomes Freire já tinha nomeado o capitão Antônio João

de Oliveira juntamente “[...] com 300 homens armados junto às freguesias dos Carijós,

Congonhas, Ouro Branco, Prados e na própria vila de São João Del Rei, para combater os

pretos lavradores a que chamou de “bárbaros matadores””.(MARTINS, 2008, p. 474) sendo

esta a primeira missão a ataque ao grande quilombo de Ambrósio4, situado onde é hoje o

município de Cristal. Neste quilombo foram mortos a todos os negros que resistiram e

perdoados a todos que se renderam. Após a esse fato, se sucede nas palavras de Gomes

Ferreira numa carta ao capitão Antônio João de Oliveira, “[...] se extinto o grande quilombo,

Vossa Mercê, como entendo, continuar no ataque dos demais, obrará em todo o referido nesta

instrução, tanto na forma de fazer guerra, como na remessa dos presos” (MARTINS, 2008, p.

476).

Assim houve duas grandes guerras aos quilombos: A primeira delas foi o ataque feito à

“Povoação do Ambrósio e outros núcleos atacados em 1746 – Arcos, Formiga, Cristais,

Aguanil, Guapé, Carmo do Rio Claro e Alpinópolis – sem dúvida, teve como motivo maior a

fuga da capitação e o contexto do abocanhamento das fronteiras do atual Sudoeste Mineiro.

Gomes Freire a elevou a segredo de Estado, provavelmente para esconder erros gravíssimos

ou o suposto genocídio.” (MARTINS, 2008, p. 785); A segunda grande guerra ocorreu ao fim

de 1758 ou início de 1959, comandado por Diogo Bueno da Fonseca. Neste período houve o

extermínio do Ambrósio-II e em seguida mais outros 11 quilombos, concentrados na margem

esquerda do rio Grande. A segunda grande guerra se afirma nas palavras de Tarcísio José

Martins (2008, P. 786):

A partir de 1756, o poder dominante acreditava que o Campo Grande, ou seja, a

Confederação de Quilombos, ainda estaria situado nas vizinhanças das Relíquias do

Quilombo do Ambrósio, próximo da antiga Primeira Povoação do Ambrósio,

possivelmente atacadas em fins de 1758 ou início de 1759, sob o comando de Diogo

4 Este quilombo é considerado , segundo Tarcísio José Martins, a capital de Campo Grande.

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Bueno da Fonseca. A partir de então, o comando das operações foi passado a

Bartolomeu Bueno do Prado, comportando-se, este, como se todos os quilombos do

Campo Grande estivessem, agora, situados próximos às nascentes esquerdas do São

Francisco e às margens dos rios Pernaíba e Quebra-Anzol em região que abrangeria,

hoje, os municípios de Patrocínio, Salitre de Minas, Ibiá, Campos Altos, São

Gotardo, Medeiros, Bambuí, Estrela do Indaiá, Serra da Saudade, Rio Paranaíba,

Santa Rosa da Serra, Córrego Danta, Luz e São João Batista do Glória. Realmente,

nessa região se erigira a nova capital do Campo Grande, chamada também pelo

nome de seu líder maior: Ambrósio; Quilombo do Ambrósio-II. Mas, na verdade, o

grosso do novo Ambrósio se aglomerava ainda na margem esquerda do rio Grande:

outros 11 quilombos são apontados pelo mapa do Campo Grande, abrangendo

região onde, hoje, situam-se os municípios de Alfenas, Alpinópolis, Alterosa,

Barranco Alto, Caconde-SP, Cássia, Conceição Aparecida, Capetinga, Divinolândia-

SP, Guapé, Guaranésia, Guaxupé, Ibiraci, Itamoji, Jacuí, Juruaia, Monte Belo, Monte

Santo de Minas, Muzambinho, Nepomuceno, Nova Resende, Paraguaçu, Passos,

Santana da Vargem, Santo Antonio da Alegria, São Pedro da União, São Sebastião

do Paraíso, São Tomás de Aquino, Cabo Verde e Carmo do Rio Claro.

O extermínio de Campo Grande teve duração entre o período de 1746 a 1760, a

população “[...] nos dois núcleos do Campo Grande de 1758-1760 atingiria 9.942 habitantes”

(MARTINS, 2008, p. 791) e foram mortos “93,34% da população” (MARTINS, 2008, p. 793),

contagem feita ha poucos registros que não foram destruídos na época. Foram atacados um

“[...] total de 245 quilombos apontados no mapa, onde nove são indicados como despovoados,

[...] ”(MARTINS, 2008, p. 791) que foram localizados através de cartas antigas feitas a punho

e pelo mapa6 do “[...] Campo Grande, provavelmente desenhado pelo capitão França a mando

de Diogo Bueno, mostra dois núcleos com o nome de Ambrósio: 1) a Primeira Povoação do

Ambrósio, em Cristais-MG; 2) o Quilombo do Ambrósio, despovoado, na região de Ibiá-MG

e Campos Altos-MG”( MARTINS, 2008, p. 483).

5 “Como se sabe, muitos dos núcleos do Campo Grande-II só foram descobertos depois de 1761 e,

portanto, não estão apontados nesse mapa. É de se considerar, também, a hipótese de haverem quilombos falsos, construídos pelos quilombolas com o fim de despistar os atacantes que, pensando terem sido evacuados, ficavam a procurar os fugitivos nas redondezas, tese que, no entanto, merece maiores fundamentos” (MARTINS, 2008, p. 792).

6 “O texto-orelha do mapa do capitão França, escrito após a morte de Gomes Freire (1763), deve ter

tido como fonte as atas de 2 de outubro e 13 de novembro de 1760 da Guardamoria de Carrancas, escritas pelo escrivão do guarda-mor Diogo Bueno da Fonseca, após o ataque que fizeram ao Quilombo do Cascalho e escavações em busca de ouro em ambas as margens do rio Grande região da serra das Esperanças, Sapucaí, Três Pontas, Rio Verde e Sertões do Jacuí. O mapa dá a localização dos quilombos atacados em 1758, 1759 e 1760. Oferece, ainda, a localização de quilombos atacados em 1743, a exemplo dos quilombos da região de Três Pontas, e dos quilombos atacados em 1746, como a Primeira Povoação do Ambrósio, localizado em Cristais-MG”( MARTINS, 2008, p. 317-318). Ver em Anexo.

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O extermínio do Ambrósio-II e dos demais outros 11 quilombos, concentrado na

margem esquerda do rio Grande, se sucedem nas seguintes datas:

[...] 1) dez-1758 ou jan-1759, ataque comandado por Diogo Bueno às Relíquias do

Quilombo do Ambrósio, Fala, Pedra e Talhados; 2) entre 18 de agosto a 7 de outubro

de 1759, ataque aos quilombos do então Triângulo Goiano, Ambrósio II, Pernaíba,

Indaiá, Marcela e Bambuí, com uma população de mais de 3 mil habitantes; 3) entre

outubro e dezembro de 1759, ataque aos Quilombos do Sapucaí, Goiabeira, Nova

Angola, Pinhão, Cala-Boca, Zundum, Caeté, Chapéu, Careca, Marimbondo e

Muzambo, com uma população subestimada em 6.462 almas; 4) entre agosto e

dezembro de 1760, ataque final ao Cascalho com uma população mínima de 480

pessoas; experiências minerais nos territórios de Três Pontas até a serra das

Esperanças. A população total de todos esses núcleos totalizaria, portanto, cerca de

dez mil quilombolas (MARTINS, 2008, p. 794).

Assim, o Quilombo do Caeté localizado, onde hoje abrange o município de Nova

Resende, foi exterminado entre outubro e dezembro de 1759 relatado nas falas de Tarcísio

José Martins (2008, p. 751 e 752):

A tropa marchou a sudoeste. Encontrou deserto o povoado do Caeté com suas 90

casas registradas no mapa do capitão França. Tiveram notícia de que Bartolomeu

Bueno endoidara, pois agora estava matando também os seus patrícios, acharam

mais acertado fugir. Os dois cadáveres nus, mutilados e sem orelhas encontrados

numa das cabanas, haviam se arrastado a noite toda, do Chapéu ao Caeté,

enfurecendo, tanta bravura, a hiena que mandou estraçalhar apenas carne morta, pois

tais heróis estavam vivos lá no céu. Mas, sendo paulista, Bartolomeu e seus parentes

sabiam muito bem onde achar os seus patrícios. Deviam ter fugido para o Manduré

ou para o Pinhão. [...] Bartolomeu Bueno do Prado não pôde parar a matança.

Precisava achar os pretos e carijós do Caeté, antes que começassem a espalhar

falsidades. Havia notícias de um descoberto, depois do sítio da Caconda, onde tinha

muito preto, carijó e gentalha paulista, para onde na certa haviam fugido os pretos do

Caeté.

Após toda matança com o extermínio de todos os quilombos de Campo Grande João

Correia de Melo, em 28 de outubro de 1759, em nome do bispo de Mariana dom Manoel da

Cruz difundiu um termo geral “[...] documentando que tomara posse “[...] atual e judicial,

mansa e pacificamente, sem contradição de pessoa alguma daqueles sertões [...]” a que

nominou como “[...] quilombos chamados o Careco (Careca), Zundu e Calaboca, Caeté,

Pinheiro e mais sertões adjacentes ao rio Pardo” (MARTINS, 2008, p. 754).

Assim começa a ocupação das terras “sem dono” que na verdade pertencia a população

do Ambrósio que foi exterminada para a exploração, principalmente, de pedras preciosas,

como o ouro, pelas capitanias. Entretanto nem todas as regiões que haviam núcleos de

quilombos encontrariam pedras preciosas, como é o caso do Quilombo do Caeté. Neste

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território havia uma mata adensada e um solo pobre para a agricultura, como pode ser

observado nas falas, que serão transcritas mais adiante, de imigrantes que ocuparam este local.

3.2.2 A FAMÍLIA REZENDE NO MUNICÍPIO DE NOVA RESENDE

Os primeiros imigrantes que veio a povoar o território do Quilombo do Caeté foram os

descendentes da família Rezende7, de origem portuguesa, mais ou menos em 1800. Segundo

Rosendo Gonçalves de Rezende Filho sua família veio de “[...] Rezende do estado do Rio de

Janeiro e vieram para região de Varginha antes de vim pra cá (Nova Resende) [...].” Sendo

esses imigrantes, seu bisavô Coronel Major Francisco Anacleto de Rezende e mais três

companheiros.

Figura 2: Da direita para esquerda: Coronel Major Francisco Anacleto de Rezende, nascido em ... e

falecido em ....8 e Coronel Rosendo Gonçalves de Rezende- viveu de 1909-1995 (neto do primeiro).

Fonte: em álbum de Rosendo Gonçalves de Resende Filho.

Segundo Rosendo (02/06/2012), o Coronel Major Francisco Anacleto de Rezende e

demais vieram à procura de terras mais altas e férteis para o plantio de café. E em suas

palavras afirma:

7“A Família Resende é uma das mais ilustres e antigas de Portugal e a região de Resende, em Beira

Alta, situa-se a 6 km de Lamego e a 315 de Lisboa [...]. [Houve varias migrações desta família para o Brasil e aqui se disseminaram havendo um casamento entre descendentes da família Rezende. Portanto, em 3 de outubro de 1726, surgia a família Rezende no Brasil e adotou a hoje cidade de Lagoa Dourada/MG como seu berço. E dali ela espalhou para todos os quadrantes do Brasil.[...]” (João de Rezende costa e helena Maria de jesus: a família Rezende – de Portugal para o Brasil. http://familiareszende.org.br/?page_id=23. Acesso 20/05/2012)

8 Não foram encontrados pela família Rezende nem um documento que possibilitasse a consulta das

datas de nascimento e falecimento do Coronel Major Francisco Anacleto de Rezende.

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[...] Eles vieram para essa região por causa da altitude, porque aqui como é hoje é

muito difícil de gear, porque onde se tá aqui na minha casa no centro se tá 1250

metros de altitude agora [...] tem lugares aqui que chega a 1410 metros.[...] e

também por causa da terra fértil, pois o café exige um terra de primeira qualidade,

quando o café exige uma terra de primeira qualidade eles derrubava o mato, porque

quando derruba o mato tem uma terra muito fértil . E o por que eles veio para Nova

Resende? porque a terra aqui é de primeira, terra muito boa. Não tinha adubo!

E aí encontramos uma das contradições, compreendida como tal, nos textos do IBGE

que diz: “O clima especial e grande fertilidade do solo atraíram a vinda de inúmeros

agricultores, possibilitando uma evolução acelerada da localidade.”

Podemos ver que os imigrantes que povoaram as terras dos antigos quilombos e que no

caso do território do Caeté vinham a procura de terras férteis e altas para o plantio de café.

Entretanto, estas terras não eram férteis, pois se não existisse a mata, não teria uma pequena

camada de serapilheira9 e assim ficaria somente o solo avermelhado, ácido e pobre para

agricultura típico desta região. E quando a família Resende ocupou Nova Resende havia

exigências do Estado que não permitiam a continuada produção de serapilheira. Isso pode se

confirmar nas palavras de Rosendo Gonçalves (02/06/2012):

O governo ti passava uma concessão, um título de posse, vamos dize [...]. Essa

Região era puro mato, então eu te passava um título de concessão. E você me fala:

por que nem todo mundo não pegava terra? Porque tinha um prazo “X” para

derrubar todo mato e formar as propriedades ou em pastagem ou em café. Então

você tinha que ter dinheiro porque se você não tivesse condições financeiras para

fazer isso você não tinha como você pega. [...] Para que você ia pega se você tinha

que remover (derrubar a mata)? E outra coisa, você pegava a área correspondente ao

teu dinheiro, a tua conta, ao teu poder. [...] E seja a época e como for é muito caro

derrubar mata e plantar ou em café ou em pastagem, fica muito caro! [...]. Se você

não formasse num prazo “X” o governo pegava as terras para traz, você perderia o

direito de posse e passava para outro automaticamente e quem fazia isso era os

juízes, o representante do governo que fazia, ficava sem validade sua documentação.

A confirmação de solo pobre para agricultura também é comprovada na fala de Agenor

Ferreira (02/06/2012), migrante de Campos Gerais-MG e descendente de português, que veio

para Nova Resende em junho de 1922 e encontrou dificuldade para produzir arroz:

Aqui não tinha nada! Tinha uma bagaceira! Não dava arroiz não tinha nada! Nois

chamava aqui de Santa Rita da canjiquinha, porque não dava arroiz! nois não comia

arroiz! Nois comia canjiquinha!

E em torno de 1920-1940 o Coronel Rosendo Gonçalves de Rezende, encontrava

dificuldades para leiloar as terras mais pobres da região, uma parte pertencentes ao município

9 Serapilheira, de modo geral, é uma camada que recobre o solo de florestas. Tal camada é feita de

folhas, ramos e etc em decomposição misturada a terra.

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de Nova Resende, pois nesta área era predominante o serrado que não favorece a produção de

serapilheira. Como afirma Rosendo Gonçalves (02/06/2012):

Essa parte de chapadas e planaltos. Estas terras eram devolutas do governo. E o meu

pai era juiz de paz [...] e atendeu a um mandado do juiz de direito de Muzambinho,

por que não tinha juiz aqui! O juiz de Muzambinho mandava meu pai por as terras

em leilão. Terras dessa área todinha que vai no sentido do município de passos, São

Pedro da União, todo esse planto [...]. Punha quem interessava ficar com as terras

nas condições que eu estou falando [como já explicado na sua fala anterior]. Só que

essa área era de serrado, esse serrado era terra fraca e o meu pai chegava lá e

mandava o oficial de justiça anunciar “X” hectares de terra. E esse restante de terra

ninguém interessava não queria nem dado! [...] Ai então o governo dava as terras

para tirar o serrado e plantar, formar e cuidar. Só que não produzia, não tinha adubo,

não tinha nada!

As terras do Quilombo do Caeté, como vimos, na fala de Rosendo Gonçalves, além de

serem ricas por causa da serapilheira foram “doadas” para migrantes que tinham certo poder

político e econômico e o tamanho da propriedade era proporcional a esse poder. Assim o

Coronel Major Francisco Anacleto de Rezende delimitou sua propriedade que abrangia quase

todo o município de Nova Resende como aponta Rosendo Gonçalves (02/06/2012):

Quando eles começaram a vim pra cá, nessa região aqui, o meu bisavô morava aqui

próximo ao bairro do macaco na ponte preta e eu conheci a casa que ele tinha a sede

da fazenda [...]. E ele tinha na época 10 mil alqueires de terra. E essas terras [...], na

época a medida de um alqueiro de terra era o dobro da existente de hoje! é o dobro

do alqueiro paulista[...].E o que eu sei da história é que ele tinha 7 filhos e na época

de paga imposto ele pagava imposto das terras nas cidades aqui na região. Pagava na

região por que não existia Nova Resende ainda. E aqui na onde é a casa da cultura

aqui no centro, aqui era a fazenda dele, aqui era uma das (fazendas)! [...] para que as

pessoas entendam, [as terras dele ia] no sentido Conceição da Aparecida depois

daquele [ bairro] Córrego do Cavalo, na onde está aquelas pessoas dos Martins, era

muita terra! Então na onde tinha os bairros do Córrego do Cavalo, tudo ali, era dele.

Ele passava por trais de Nova Resende no sentido, [...] [bairro] Córrego das Pedras e

ia saindo lá em baixo na onde era o bairro do Macaco e o da Ponte Preta fechava-se

as fazendas dele.

Após a posse e o cumprimento das exigências do Estado, o Coronel Major Francisco

Anacleto de Rezende tinha imensas lavouras de café onde trabalhavam muitos escravos.

Segundo Rosendo Gonçalves (02/06/2012):

Eles [os escravos] comiam carne de vaca, carne de porco e se alimentava muito bem

plantava bastante para todos os colonos da fazenda. Ele [Coronel Major] tinha no

entorno de duzentos a duzentos e poucos homens trabalhando para ele. Era uma

turma muito grande de trabalhadores porque ele tinha muita lavoura de café. [...] E

eu conheci uma pessoa que foi que nasceu nas terras dele [Coronel Major] e essa

pessoa é filho de escravo. [...] Esse negro que nasceu lá na fazenda eu conversei com

ele e falei prele e perguntei se era verdade? Ele falo assim é pura verdade ele não

gostava de maltratar ninguém, pelo contrário ninguém queria sair da fazenda dele

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por que ele tratava todo mundo bem e outra coisa o rendimento no trabalho era

outro. Porque o sujeito bem alimentado e bem cuidado o rendimento do trabalho

dele era outro.

Esse poder politico representado pelo tamanho da propriedade está ligado à

construção da capelinha Santa Rita nas terras do Coronel Major Francisco Anacleto de

Rezende em outubro de 1815. Para entender melhor esta ligação faremos, a seguir,

algumas análises sobre a capelinha.

ANÁLISE DOS FATOS e CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Alaor Firmino da Silva (29/05/2012)

A capelinha Santa Rita nasceu no meio das casinhas de pau- a- pique. Aquela casa da

cultura era do Coronel Aprijo de Rezende, em 1921. E as casas era mais ou menos

daquele jeito (da casa da cultura). As casas era de pau -a- pique! A do papai também

era daquele jeito igual aquela. Depois em 1955 papai desmancho ela e feiz aquela

que o compadre Emílio desmancho, ela era uma casa grande de tijolo.

A fala de Alaor Firmino revela que as casas cobertas de folhas de palmito, citadas nos

escritos do IBGE, seriam as casas mais antigas da cidade anterior a 1905 que ainda restam

duas pertencentes a família Rezende. A primeira pertencia ao Coronel Major Francisco

Anacleto de Rezende e hoje esta tombada como patrimônio publico aos cuidados da prefeitura

da cidade; e a segunda é de 1905 que pertencia ao João Gonçalves de Rezende, filho do

Coronel Major Francisco Anacleto de Rezende.

Figura 3: Primeira casa Fonte: A própria autora

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Figura 4: Segunda casa Fonte: A própria autora

Portanto, estas casas cobertas de folhas de pau-a-pique pertenciam à elite da cidade ao

contrário do que pode ser interpretado no histórico posto pelo IBGE. O que chama mais

atenção não são as casas, mas sim os proprietários, a localidade destas e da capelinha Santa

Rita.

Observa-se que a capelinha Santa Rita além de está localizada na frente da casa do

Major foi feita pelo próprio em suas terras, como Alaor Firmino da Silva (29/05/2012) nos

informa. Assim, parece que a capela tem um significado político que não está muito bem

explícito nos escritos do IBGE.

Para entender melhor este significado precisamos juntar seis fatos: primeiro,

entendemos que essa família tinha grande poder político na época e estava diretamente ou

indiretamente ligada ao Estado; segundo, esta família veio a ocupar Nova Resende em 1800,

data muito próxima ao final do extermínio dos quilombos; terceiro, foi construída uma

capelinha nas terras do Major. Esta era restrita à população, pois quase não podia realizar

celebrações e quando realizava alguma havia uma grande burocracia, como explica o padre

José Luís Gonzaga do Prado (03/06/2012):

A capelinha de Santa Rita parece que foi construída em 1815, quer dizer que agora

em 2015 vai interar 200 anos que ela existiu. Foi em outubro que termino essa

capelinha! foi dada a profissão que precisava de um documento do Bispo para usar a

igreja. Não podia abrir para qualquer celebração sem ordem do Bispo. Então tem a

profissão que essa capela Santa Rita foi construída em agosto de 1815;

Quarto,

Em todos os locais de quilombos que visitou, o pesquisador Tarcísio José Martins

descobriu um fato comum: geralmente tem, no "lugar", uma capelinha ou uma cruz,

sempre antigas. Esses marcos, segundo revelam os habitantes das regiões visitadas,

foram colocados "ali" porque, "se alguém cavar mais de dois palmos, encontrará

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muitos ossos humanos". (texto original e exclusivo do site:

http://www.tjmar.adv.br/principal.htm. Acesso em 13/06/2012);

Quinto, perto dessa capelinha existia um pequeno cemitério que ninguém sabia quem

estava enterrado ali, pois não registrava nomes, data, etc e nem mostrava separação das covas.

Nesta época, a igreja católica era muito rigorosa quanto aos seus mandamentos divinos e

deixava claro o seu direito de “declarar a quem se deve DAR OU NEGAR sepultura

ecclesiastica, porque só a ella compete o direito de administrar as cousas sagradas, como são

os cemitérios, santificados pelas prece litúrgicas: C.P.A. n.923.” ( Cemitério Parochial de

Santa Rita de Nova Resende, 1927). E pessoas consideradas criminosas e não fiéis da igreja

católica eram enterrados num espaço não sagrado, como está registrado em um certificado de

óbito, de 1927: “N.951. _ Nos lugares em que não há cemitérios destinados para os

acatholicos, separa-se no Cemiterio parochial uma parte que se deixará sem benção, reservada

ao enterramento dos que não têm direito á sepultura ecclesiastica10

” (Cemitério Parochial de

Santa Rita de Nova Resende, 1927).

Assim, o cemitério, de trás da Capelinha Santa Rita, era o espaço reservado para estas

pessoas consideradas criminosas e não fiéis da igreja católicas, pois como afirma João

Firmino da Silva neste cemitério só eram enterradas pessoas que não seguia os critérios

impostos pela igreja católica, passando depois a enterrar no mesmo local (no atual cemitério).

Entretanto as pessoas consideradas não fiéis eram tratadas de maneira distintas dos fiéis. João

Firmino (26/06/2012), também, percebe mudanças nos critérios adotados na sociedade

religiosa.

Nesse cemitério [atrás da igreja Santa Rita] enterrava, na vala, criminosos, de outra

religião, quem não tinha batismo. No outro de cá [atual cemitério], enterrava gente

importante. [E depois passou a enterrar] todo mundo!

Na religião sempre teve distinção quem era rico era sempre rico, né![...]

[Então] enterrava [no cemitério atrás da Igreja Santa Rita] indigente, não tinha

nome! Enterrava tudo lá. Punha no Bangue! Bangue é um bambu cumprido amarrava

a coberta alí nas pontas [do bambu] e ia balançando e saía carregando [o morto].

Nesse [o cemitério atual] de cá enterrava pobre também! Pobre enterrava na

terra pura, né! Levava no Bangue, chegava lá colocava no chão e enterrava na terra.

E tinha que paga.

10

Ver em anexo o certificado de óbito completo que consta tais critérios.

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No outro cemitério [o de trás da igrejinha Santa Rita] também pagava! Tudo

tinha que paga, porque a igreja tinha dispesa, né! [...]

Agenor Ferreira (02/06/2012), migrante de Campos Gerais-MG e descendente de

português que veio para Nova Resende em junho de 1922, confirma a existência da Capelinha

Santa Rita e, também, mostra uma diferenciação de sepultura.

Tinha uma igrejinha em frente ao Rozendo (Major)! Assim memo carsamento era de

pedra e a igreja era de tábua.[...]. O cemitério era em frente ao rozendinho (casa

atual do Rozendo entrevistado para esse artigo) ai que passo pra cá (para o que tem

hoje). O cemitério era aberto, não tinha cerca nem de arame farpado, sempre morria

muita gente! aquele famoso (rico) não enterrava lá(cemitério atrás da capelinha).

[...]. Não tinha o casarão do Rosendo ainda depois que feiz o casarão(que hoje

pertence a Maria Ribeiro de Rezende11

)! Ali onde é o passeio, aquela rua era a igreja

em frende o Rozendo (Major). Ali em frente ao rozendinho (casa do Rozendo

entrevistado para este artigo) tem aquele coretinho, o cemitério era ali! Um home

cavuco ali e acho osso de gente! acharam osso de gente! ali acho muita cabeça de

gente enterrado naquele pedacinho ali. Ai trouxeram pra cá, pro cemitério, ali que

tem hoje. (Ilustrado a baixo na figura).

Figura 5: Ilustração da fala de Agenor Ferreira Fonte: Studio Foto Castro

E, por último, após alguns anos em 1870-1972 constrói a igreja do Rosário, onde era

feitas frequentemente as celebrações da cidade e após um tempo demole a igreja Santa Rita

construindo a Praça Santa Rita no lugar. Como se confirma nas palavras de Alaor Firmino da

Silva (29/05/2012), o qual ainda acrescenta que tais igrejas após alguns anos vieram a

simbolizar partidos políticos da cidade.

11

Maria Ribeiro de Rezende no ano de 2012 está com 101 anos.

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[...] ela [a igreja de Santa Rita] foi transferida pra cá [onde é hoje a Igreja Matriz].

Desmancho ela [a igreja de Santa Rita] pra fazer o jardim e depois fez a outra de cá a

igreja matriz. As duas [a igreja do Rosário e de Santa Rita] foi construída quase na

mesma época. A igreja do rosário era os caranguejo e a de Santa Rita dos Aranhas.

Era dois partidos políticos.

Isso, também se confirma na fala do Padre José Luiz Gonzaga do Prado (03/06/2012):

A igreja Santa Rita foi abandonada mais ou menos em 1918 que começou a

construção da outra. Ai ela foi demolida em 1918 e ai a igreja do rosário funciono

como matriz até construir a outra [a igreja que hoje é a matriz] que começou a ser

construída em 1920 e foi terminada e ser utilizada em 1942, demoro 22 anos!

A partir destes seis, principais fatos levantados, chegamos à conclusão da nossa

análise, confirmando a hipótese de que a construção da igreja Santa Rita é um forte indicador

da existência histórica de um quilombo que foi exterminado pelo poder da capitânia.

E para maquiar este extermínio e iniciar uma nova história, possivelmente a pedido do

Estado, foi construída tal capela. Observe que a capela não foi construída em qualquer lugar e

nem por acaso, mais com um fundamento que se esclarece na junção de dois fatores: primeiro,

o cemitério só ganha sentido se entender que a capelinha foi construída por pessoas

possivelmente ligadas ao Estado. Este último, na época, pediu o genocídio dos quilombos a

segredo de Estado tomando suas providências, pois poderia revelar toda matança nos

quilombos. Uma dessas providências foi deixada clara no livro de Tarcísio José Martins:

“Muitos documentos [...] foram destruídos pelo próprio Gomes Freire de Andrada. Outros

principalmente no período de 1750 a 1760, mesmo nos arquivos da Minas

Gerais...sumiram...(?!)”12

Comportam-se a esse mesmo fator os detalhes postos, anteriormente, por Agenor

Ferreira e João da Silva, que induz o soterramento de corpos de pessoas, possivelmente

pertencentes ao quilombo do caeté, pois segundo o livro de Tarcísio José Martins podemos

concluir que, na época, as pessoas que viviam neste quilombo eram consideradas

marginalizadas e fora da lei.

12 Fonte: texto original e exclusivo do site: http://www.tjmar.adv.br/principal.htm. Acesso em

13/06/2012.

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E por último, a Capelinha Santa Rita não estava aberta ao povo e por isso indica a

hipótese de que um segredo, que não poderia ser bem aceito pelo povo, estava guardado e não

poderia ser revelado. Tal segredo possivelmente seria a do genocídio ao Quilombo do Caeté,

pois se considera, também, que na época a igreja estava visivelmente muito ligada à politica.

Nota-se, também, que após alguns anos foi construída a igreja do Rosário que parece

surgir na tentativa de representar, finalmente, o povoado nascente neste território, descendente

de imigrantes que chegaram após a família Rezende, pois como vimos à capelinha Santa Rita

pouco permitia celebrações e parece não ter vínculo com essa povoação. Desta falta de

vínculo social surge uma desavença política entre caranguejos (povão), representada pela

igreja do Rosário, e aranhas (coronéis) que eram representados pela capelinha Santa Rita.

Assim, com todos estes fatos expostos e analisados, ficam para aqueles interessados

em aprofundarem nesta hipótese uma breve análise crítica que tudo indica ser a versão mais

completa e verdadeira sobre o histórico de Nova Resende.

3. Referências Bibliográficas

MARTINS. TARCÍSIO JOSÉ: Quilombo do Campo Grande: A história de Minas que se

devolve ao povo. SANTACLARA. Ed.2. Contagem-MG. 2008.

INTERNET

ACERVO.http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/novaresende.pdf .

Acesso em :17 de fevereiro de 2011.

SITE OFICIAL DE TARCÍSIO JOSÉ MARTINS, http://www.tjmar.adv.br/principal.htm.

Acesso em 13/06/2012, Acesso em 20/05/2012.

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ANEXOS

FIGURA 1: “Mapa de todo o campo grande, tanto da parte da conquista, que parte com a campanha do rio verde,

e São Paulo, como de Pihui, cabeceiras do rio de s. Francisco e Goiases”[24], encontrado na coleção da família

almeida prado, acervo do instituto de estudos brasileiros, da USP[25], aponta a existência dos dois núcleos: um,

apontado como “quilombo do Ambrósio, despovoado”, e, outro, apontado como “primeira povoação do

Ambrósio, despovoada” http://www.tjmar.adv.br/principal.htm. Acesso em 13/06/2012

FIGURA 2: Certidão de óbito