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1 Formação inicial de professores de Ciências e Biologia: a prática de ensino na escola como espaço formativo para a reflexão crítica Mariana Cassab Resumo Esse ensaio procura refletir sobre as potencialidades formativas, que a Prática de Ensino realizada em escolas básicas públicas apresenta para o desenvolvimento de uma disposição reflexiva dos futuros docentes de Ciências e Biologia. Em um panorama complexo das escolas, a tendência de afastamento da PE destes espaços precisa ser mais atentamente analisada. O debate se desenrola balizado pelas noções de professor reflexivo e saber docente e pela referência a relatos escritos produzidos por licenciandos de Biologia. Quatro dimensões formativas relacionadas à realização da Prática de Ensino em escolas são destacadas ao longo da narrativa produzida no texto. Palavras-chaves: Formação docente; Prática de Ensino; Educação em Ciências e Biologia, professor reflexivo e saber docente. Pelo menos desde as últimas duas décadas do século XX, os termos professor reflexivo ou professor pesquisador frequentam discussões do campo educacional, em especial aquelas que se ocupam em problematizar a formação docente. Mesmo políticas educacionais oficiais também parecem incorporar fragmentos destes debates. Em comum, valorizam a perspectiva da construção de uma identidade docente que assuma a sua própria realidade escolar como objeto de pesquisa, reflexão e análise. A partir, todavia, de esquemas teóricos e conceituais diversos. Professor como intelectual transformador (GIROUX, 1997); professor como investigador da sala de aula (STENHOUSE apud LUDKE, 2001); professor com um prático reflexivo (SCHÖN, 1983) são apenas alguns termos que traduzem a diversidade e complexidade do debate, mas que apesar das diferenças que guardam entre si, investem-se do desejo compartilhado de questionar a relação linear e mecânica entre os conhecimentos científico-técnicos e a prática na sala de aula. Foram as obras de Schön que desencadearam esse amplo debate da ideia que passou a ser conhecida como a do professor reflexivo, pondo em pauta as teorias sobre

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Formação inicial de professores de Ciências e Biologia: a prática de ensino na escola como espaço formativo para a reflexão crítica

Mariana Cassab

Resumo

Esse ensaio procura refletir sobre as potencialidades

formativas, que a Prática de Ensino realizada em

escolas básicas públicas apresenta para o

desenvolvimento de uma disposição reflexiva dos

futuros docentes de Ciências e Biologia. Em um

panorama complexo das escolas, a tendência de

afastamento da PE destes espaços precisa ser mais

atentamente analisada. O debate se desenrola

balizado pelas noções de professor reflexivo e saber

docente e pela referência a relatos escritos

produzidos por licenciandos de Biologia. Quatro

dimensões formativas relacionadas à realização da

Prática de Ensino em escolas são destacadas ao

longo da narrativa produzida no texto.

Palavras-chaves: Formação docente; Prática de

Ensino; Educação em Ciências e Biologia, professor

reflexivo e saber docente.

Pelo menos desde as últimas duas décadas do século XX,

os termos professor reflexivo ou professor pesquisador

frequentam discussões do campo educacional, em especial

aquelas que se ocupam em problematizar a formação docente.

Mesmo políticas educacionais oficiais também parecem

incorporar fragmentos destes debates. Em comum, valorizam a

perspectiva da construção de uma identidade docente que

assuma a sua própria realidade escolar como objeto de

pesquisa, reflexão e análise. A partir, todavia, de esquemas

teóricos e conceituais diversos. Professor como intelectual

transformador (GIROUX, 1997); professor como investigador da

sala de aula (STENHOUSE apud LUDKE, 2001); professor com

um prático reflexivo (SCHÖN, 1983) são apenas alguns termos

que traduzem a diversidade e complexidade do debate, mas que

apesar das diferenças que guardam entre si, investem-se do

desejo compartilhado de questionar a relação linear e mecânica

entre os conhecimentos científico-técnicos e a prática na sala de

aula.

Foram as obras de Schön que desencadearam esse

amplo debate da ideia que passou a ser conhecida como a do

professor reflexivo, pondo em pauta as teorias sobre

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epistemologia da prática no campo da formação de professores

(LUDKE, 2001). Reflexões sobre o saber docente (TARDIF,

2002), apesar de balizadas por outros referenciais teóricos,

também se mostraram preocupadas com a profissionalização

docente. Assim, tanto os trabalhos de Schön (1995), como os

de Maurice Tardif (2002; 2005), situam-se entre as produções

que têm reservado significativos esforços no resgate da

importância atribuída à dimensão da prática, considerada por

esses autores como subestimada em relação à teoria nas

discussões sobre a formação e o trabalho docente.

Pauta destas atuais discussões, o modelo de formação

inicial docente – marcado contemporaneamente pela

valorização de sua dimensão prática – aponta para a

importância do espaço da Prática de Ensino nos cursos de

formação de professores. Concebida como um espaço de

fronteiras, no qual o diálogo e a articulação entre os

conhecimentos científicos, educacionais e os saberes da prática

docente se instituem tão significativamente, são muitas as

vozes que defendem a sua valorização e a produção sistemática

de maiores investigações (DORVILLÉ et al., 2008; FERREIRA et

al., 2003; MONTEIRO, 2000).

Esse trabalho tem como objetivo problematizar as

experiências formativas realizadas na Prática de Ensino (PE) que

se desenrola em escolas públicas, no que toca o

desenvolvimento de disposições reflexivas dos futuros

professores de Ciências e Biologia. Em um panorama complexo

da escola pública, a tendência de afastamento da PE deste

espaço educativo precisa ser mais atentamente analisada.

Assim, com base nas noções de professor reflexivo e saber

docente relatórios de prática de ensino são evocados para

contribuir com a reflexão. Os relatórios consistem em produções

escritas de autoria dos alunos da turma de 2005 de um curso

de licenciatura em Ciências Biológicas, incentivados a produzir

um texto escrito que materializasse suas vivências e reflexões

decorrentes de suas inserções em escolas públicas da cidade do

Rio de Janeiro. No diálogo com esse material, procurou-se

problematizar como a Prática de Ensino contribui para a

formação de professores de Ciências e Biologia que buscam

incorporar a reflexão crítica sobre sua ação em sua prática

cotidiana.

Antes de prosseguir, é ainda oportuno esclarecer que

quando o estudo se aproxima das discussões sobre professor

reflexivo, tem-se como intuito sublinhar a importância da

prática na formação docente, em especial, aquela desenvolvida

no contexto escolar e integrada, ao menos parcialmente, à ação

de quem nele trabalha. Todavia, distancia-se de qualquer

perspectiva que ora defenda o ligeiramente da necessária

formação teórica, ora aposte na reflexão das situações

cotidianas da escola pelo professor como a única ou a ação mais

importante, que garante a solução dos inúmeros e complexos

problemas educacionais. O desafio é instigar os formadores de

professores a discutirem as possibilidades e as implicações de

analisar criticamente a PE, considerando as condições sociais,

culturais, econômicas, políticas imediatas e históricas em que

essa ocorre.

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A Prática de Ensino e seu potencial formativo

para a reflexão na atividade profissional docente

A Prática de Ensino é um componente curricular da

formação docente caracterizada por valorizar a dimensão

prática desse momento da trajetória do professor. Nos

diferentes cursos de licenciatura do país são inúmeros os

desenhos que essa assume. No caso específico dessa narrativa,

a PE se desenrolou durante todo um ano letivo em escolas

públicas da cidade do Rio de Janeiro. Contou com a supervisão

e orientação de uma docente da Faculdade de Educação e o

trabalho colaborativo dos professores da escola em face aos

limites de sua disponibilidade de tempo e ação. No âmbito da

PE, os licenciados observaram o trabalho de professores

experientes de Ciências e Biologia nas escolas; realizaram

atividades colaborativas e planejaram, realizaram e avaliaram

regências.

Opondo-se a relatos de vivências nas escolas

relacionadas a frustrações, desvalorização profissional e

desqualificação do espaço e atores que atuam na escola pública,

quatro dimensões formativas importantes que a Prática de

Ensino realizada na escola acena são destacados nesse ensaio.

A primeira relaciona-se à oportunidade de vivenciar no

contexto escolar situações que permitem resignificar as

possibilidades e os limites enfrentados pelos educadores em

exercício, como também compreender as dinâmicas complexas

de funcionamento de uma escola. Nesse movimento, por em

confronto e problematização às idealizações produzidas ao

longo da trajetória de vida do docente e no contexto da

formação inicial perante as condições reais e concretas do

universo escolar. Os relatórios sinalizam o quanto foram

problematizadas as imagens de alunos desinteressados e

cognitivamente incapazes ou a impossibilidade de se

estabelecer, no contexto da sala de aula, uma relação dialógica

entre professor-aluno-conhecimento. A citação a seguir é

bastante elucidativa:

Adorei ter vivenciado todas estas horas no ensino

público, o que me fez descontruir uma imagem boba

e ideológica sobre a escola pública, já que a única

entidade pública que tive acesso na minha vida

escolar foi a universidade. Percebi que a escola é um

lugar aberto a novas tentativas e experimentações.

Percebi que o aluno pode e deve ser conquistado.

Antes desta vivência eu tinha um discurso bem

liberal no sentido de que o professor só deve lutar

pelo aluno que quer alguma coisa, pelo aluno que

está querendo aprender. Hoje vejo que todos

querem aprender, só que por motivos sócios-

culturais estes chegam a escola impregnados de

ideias que os desnorteiam, principalmente hoje,

onde vivemos em nossa escola a realidade de uma

escola pública sucateada, um ambiente pouco

favorável à prática escolar. Mesmo assim,

encontramos alunos e professores que tentam

superar as dificuldades (DUDU, 2004).

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Participar dos momentos avaliativos (como a elaboração,

aplicação e correção da prova ou do conselho de classe), do

cafezinho na sala dos professores, conhecer os horários das

aulas, a hora de ir para sala e de liberar os alunos, relacionar-se

com a direção da escola são igualmente remetidos como

vivências importantes que a PE propiciou, conforme sugere as

citações:

Tive contato com o ambiente escolar, aprendi um

pouco de como as coisas funcionam dentro de uma

escola estadual. Tive de cara com as dificuldades

enfrentadas por um professor do ensino público

(MARIA, 2005).

Um convívio com os estudantes, agora do ponto de

vista crítico, desmanchou a concepção de aluno

incapaz e ignorante, previamente concebida antes da

prática de ensino (BRENO, 2005).

Quando Tardif (2005) afirma que, formar-se como

professor implica tanto saber o conteúdo de sua disciplina,

quanto em saber viver na escola - compreender os saberes

práticos específicos do lugar de trabalho, com suas rotinas,

valores e regras -, é possível dimensionar as contribuições que

a inserção em uma escola concreta, com professores, alunos e

condições reais de trabalho promove ainda no tempo da

formação inicial. Certamente são também aprendizagens duras

que os licenciandos acabam enfrentando nesse momento, se

considerarmos, por exemplo, aspectos como violência escolar

e urbana, jornada extenuante dos docentes e baixas

remunerações, condições materiais precárias da escola, entre

outros. Todavia, é potente a oportunidade de refletir de forma

coletiva e compartilhada com docentes experientes e futuros

colegas de profissão sobre o contexto de múltiplas interações

que se configuram como condicionantes diversos para sua

própria atuação. Estando na escola, estes condicionantes não

são problemas abstratos, mas relativos a situações concretas

“que não são passíveis de definições acabadas e que exigem

improvisação e habilidade pessoal, bem como a capacidade de

enfrentar situações mais ou menos transitórias e

imponderáveis da profissão” (TARDIF, 2005, p.49). Neste

sentido, o não adiamento do contato com vários aspectos

precários e injustos da escola para o momento da ação

profissional, contribui para a formação de um professor crítico

reflexivo, pois esse teve a oportunidade de discutir, refletir e

por em suspeição a realidade complexa, social, cultural e

histórica da escola e da profissão.

Ainda se considerarmos que nem toda prática

pedagógica não é em si uma prática reflexiva e que o processo

de reflexão consolida-se lentamente, a reflexão crítica,

sistemática, individual e, principalmente, coletiva e orientada,

representa ação significativa no processo do constituir-se como

professor, visto que o licenciando, no confronto com as

indeterminações presentes em suas ações, é desafiado a criar

formas de ser e de agir no espaço escolar e discuti-las

coletivamente para consolidar seu trabalho. Essa ação

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transcende à mera aplicação de esquemas de ação, resultantes

de saberes disciplinares, pedagógicos e curriculares

acumulados. Refere-se mais a possibilidade de ver a prática

como espaço/momento de reflexão crítica, problematizando a

realidade pedagógica, bem como analisando, refletindo e

reelaborando, criativamente, os caminhos de sua ação de modo

a resolver os conflitos, construindo e reconstruindo seu papel no

exercício profissional (SCHÖN, 1995).

Neste ponto vale caminhar ao lado do conjunto de

autores que são cautelosos quanto aos riscos de esvaziamento

ou reducionismo da terminologia reflexivo nas discussões acerca

do professor e de sua prática (PIMENTA, 2002; LIBÂNEO,

2002). Muitos autores sublinham que a transformação crítica da

prática e a busca de solução dos problemas do cotidiano da sala

de aula supõem a atitude reflexiva ultrapassando seus limites, e

da perspectiva de busca de solução para os problemas

imediatos. Isto é, exige o intercâmbio entre práticas da escola e

contextos socioculturais mais amplos, evidenciando a

necessidade de se compreender o ensino como práticas

socioculturais e o trabalho docente em seu significado político.

Assim, a atitude reflexiva refere-se à análise da prática

cotidiana considerando as condições sociais, culturais,

econômicas, políticas e históricas em que essa ocorre. Ou seja,

extrapola o imediato da escola e da sala de aula. O que

pressupõe, portanto e inclusive, uma formação densa no que

toca os conhecimentos relativos a áreas do saber, tais como a

sociologia, a filosofia, a história da educação, entre outros. As

vivências da Prática de Ensino, mediadas pela ação dos

professores experientes, pode se configurar como um lugar de

encontro desses saberes.

A segunda dimensão formativa que a PE assume refere-

se à oportunidade dos licenciandos travarem contato com os

saberes dos professores regentes produzidos com base em suas

trajetórias profissionais, denominados por Tardif (2002) como

saberes experienciais. Para Tardif (2002, p.38),

os próprios professores, no exercício de suas funções e

na prática de sua profissão, desenvolvem saberes

específicos, baseados em seu trabalho cotidiano e no

conhecimento de seu meio. Esses saberes brotam da

experiência e são por ela validados. Eles incorporam-se

à experiência individual e coletiva sob a forma de

habitus e de habilidades de saber-fazer e de saber-ser.

Há referências positivas nos relatórios dos licenciando a

dicas, conselhos, opiniões, críticas, relatos, orientações, modos

de fazer emitidos pelos professores regentes que contribuíram

na sua formação. Assinala o licenciando:

O professor Willian dividiu com o grupo suas

experiências didáticas ao longo de sua vida

profissional buscando sempre nos aconselhar.

Consideramos esta experiência de importância muito

relevante para o estágio supervisionado (TITO,

2005).

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Tardif (2002) explica que mesmo não sendo considerada

parte das obrigações e responsabilidades docentes, a maior

parte deles expressa a necessidade de partilhar suas

experiências, seja em situações com os licenciandos, seja com

colegas de trabalho, como foi o caso observado na citação

acima. Nesta tarefa, os professores são instigados a tomar

consciência dos seus próprios saberes experienciais, em parte

objetivá-los na medida em que são transmitidos. A objetivação

parcial dos seus saberes experienciais constitui-se como ação

formativa, tanto para outros futuros professores, como para si

mesmo, ao fornecer respostas aos seus problemas.

Neste sentido, a realização da PE no ambiente da escola

constitui-se como fértil para os licenciandos e para os

professores regentes, justificando o posicionamento pedagógico

e político de se estreitar os laços entre a universidade e a

escola. Contudo, novamente é prudente desconfiar dos saberes

experienciais dos professores como formativos per se. Deve

haver um esforço por parte dos formadores dos docentes, e do

próprio campo de pesquisa educacional, em melhor

compreender sua natureza, o que exige se afastar dos saberes

disciplinares como única e até mesmo a mais importante

referência no trabalho dos educadores. Isso envolve, entre

outras coisas, um esforço coletivo dos professores universitários

e da escola, dos sistemas de ensino e dos gestores em investir

na sistematização dos saberes da experiência a fim de que

estes se configurem em um discurso formativo que impacte os

espaços de formação docente e as políticas educacionais. O

espaço da PE pode configura-se como um espaço privilegiado de

materialização desse desafio.

A terceira dimensão importante que a PE assume no

contexto da escola pública diz respeito à possibilidade de

contribuir para a consolidação da profissionalização dos

licenciandos. Em um panorama em que a atividade profissional

do professor é desvalorizada social e economicamente e as

condições de trabalho, na maior parte das escolas, são bastante

desfavoráveis, não é de se surpreender o fato de inúmeros

alunos das licenciaturas questionarem-se ou até mesmo

negarem a possibilidade de vir exercer a profissão. Neste

sentido, a condução da PE a partir e através de um olhar

reflexivo favorece uma melhor compreensão da escola como

espaço de possibilidades, criação e produção de saberes. Os

relatórios sugerem que muitos licenciandos foram estimulados a

desenvolver sua profissionalização após a experiência da PE, ao

mencionarem mudanças de posturas fundamentalmente

negativas em relação à escola e a profissão.

Por fim, a última dimensão destacada gira em torno da

importância da PE na re-significação das disciplinas de cunho

pedagógico e científico – no caso específico, das disciplinas da

Biologia. Tributário de um formato curricular descrito como 3 + 1,

muitos cursos de licenciatura, inspiraram-se em um modelo de

formação docente denominado como de racionalidade técnica

(ANDRADE et al., 2004; AYRES, 2005). Nessa estrutura curricular

os três primeiros anos da formação de professores eram

marcados por um conjunto de disciplinas da área específica.

Apenas no último ano, as disciplinas da formação pedagógica

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eram abordadas, incluindo, mais contemporaneamente, a Prática

de Ensino realizada na escola. No modelo da racionalidade

técnica, a escola era entendida como lócus onde o futuro

professor encontrava a oportunidade de “colocar em prática”

aquilo que foi aprendido ao longo das disciplinas teóricas da

graduação. As “boas aulas” oferecidas nas escolas, atentamente

observadas, serviam de modelo para posterior aplicação. A

relação entre universidade e escola como campo de estágio da

Prática de Ensino, portanto, traduzia-se como

preponderantemente utilitária.

A separação e um diálogo incipiente entre as disciplinas

de referência e as disciplinas pedagógicas é um dos reflexos

desse desenho curricular, que ainda reverbera nos atuais

currículos dos cursos de formação docente. Nesse contexto, é a

Prática de Ensino o momento privilegiado de articulação entre

esses saberes diversos. Isso é possível quando se abandona a

noção de prática como lugar de aplicação de um conhecimento

científico e pedagógico e passar a considera-la como espaço e

tempo de investigação, reflexão e criação, sintonizados com o

contexto social, institucional complexo e heterogêneo, em que o

ensino e a aprendizagem têm lugar.

Considerações finais

O trabalho pretende contribuir criticamente para a defesa

da condução da Prática de Ensino em escolas reais a partir de

perspectivas que assumem este espaço não como local de

aplicação, mas lócus de socialização e produção de saberes

complexos. Mesmo ciente, por um lado, das inúmeras

dificuldades que a escola pública, como também as instituições

de formação de professores, enfrentam em nosso país, e por

outro lado, das culturas próprias de cada uma dessas

instituições que em muitos aspectos tornam essa aproximação

um grande desafio, essa produção defende o posicionamento

que estes aspectos não devem ser nem negligenciados, nem

tidos como obstáculos intransponíveis, mas entendidos como

partes constitutivas fundamentais do processo de formação de

um professor crítico.

O trecho abaixo do relatório de uma licencianda

materializa a defesa na possibilidade de ter a escola concreta

como parceira insubstituível na formação do professor. É ao

seu lado que devemos fiar muitos dos nossos esforços

formativos.

São estes os desafios que terei sempre que estar

refletindo para melhorar sempre minha prática em

sala: buscar romper com o modelo reprodutivista da

escola, colocando em prática métodos progressistas

de ensino; repensar certas práticas usuais, tais como

o uso do livro didático; reconhecer minhas falhas e

tentar sempre melhorar a interação com os alunos;

não desistir diante das dificuldades; buscar formação

continuada; valorizar a profissão de professor e

perceber o espaço da escola e da sala de aula como

um espaço de investigação (ROSA, 2005).

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Sobre a autora

Mariana Cassab

Bacharelado Ecologia, licenciada Ciências Biológicas. Mestre em

Educação em Ciências e Saúde - NUTES/UFRJ e Doutora em

Educação – UFF. Professora Faculdade de Educação - UFJF –

PPG em Educação. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Práticas

e Estudo da Educação de Jovens e Adultos e do Núcleo de

Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia

(NEC/FACED/UFJF). Conselheira da Regional-4 – SBENBIO.

[email protected]

Initial training of science and biology teachers: teaching practice in school as a formative space for critical reflection

Abstract

This essay seeks to reflect on the training potential that

the Teaching Practice held in public elementary schools,

presents the development of a reflective array of future

teachers of science and biology. In a complex panorama

of schools, PE trend away from these areas needs to be

more closely examined. The debate unfolds marked by

reflective teacher notions and teaching knowledge and by

reference to written records produced by undergraduate

Biology. Four training dimensions related to the realization

of schools in teaching practice are highlighted throughout

the narrative produced in the text.

Keywords: Teacher training; Teaching Practice;

Education in Science and Biology, reflective teacher and

teaching knowledge.