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24 www.revistacipa.com.br entrevista Engenheiro que ajudou a formular a NR-18 comenta os desafios para garantir a segurança dos trabalhadores da construção civil ATENÇÃO NOS CANTEIROS DE OBRAS JÓFILO MOREIRA LIMA JÚNIOR por Ana Claudia Machado Foto: Divulgação

Foto: Divulgação ATENÇÃO NOS CANTEIROS DE OBRAS 456 - Entrevista... · ACIDENTES NA CONSTRUÇÃO CIVIL C om um alto grau de riscos, ... as questões relacionadas à segurança

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Engenheiro que ajudou a formular a NR-18 comenta os desafios para garantir a segurança dos trabalhadores da construção civil

ATENÇÃO NOS CANTEIROS DE OBRAS

JÓFILO MOREIRA LIMA JÚNIOR

por Ana Claudia MachadoFo

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25setembro_2017

QUEDAS, SOTERRAMENTO E CHOQUE ELÉTRICO ESTÃO ENTRE AS PRINCIPAIS CAUSAS DE

ACIDENTES NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Com um alto grau de riscos, a construção civil ocupa o primeiro lugar no número de aciden-tes de trabalhadores. E isso não ocorre apenas no Brasil. De acordo com dados da Organiza-ção Mundial do Trabalho (OIT), o setor lidera o

ranking global. Para dar conta de minimizar os muitos riscos presentes nos canteiros de obras, há mais de duas décadas pesquisadores da área de SST, com o apoio do governo e de representantes dos empregadores e trabalhadores, têm buscado aprimorar a NR-18, norma específica para o setor. O engenheiro civil Jófilo Moreira Lima Júnior, que fez parte do processo de elaboração da NR-18 e atualmente é mem-bro do Comitê Tripartite Nacional responsável por atualizá--la, comenta na entrevista a seguir que, apesar dos avan-ços alcançados desde a publicação da norma, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. Experiência para apon-tar esse problema não lhe falta. Master em Segurança Inte-gral pela Fundação Mafre, na Espanha (1989), Lima Júnior foi secretário de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministé-rio do Trabalho (1994-1995), quando foi publicada a refor-mulação das NR-7, NR-9, NR-13 e NR-18. Além disso, atuou como diretor técnico da Fundacentro (2008-2012). Confi-ra a seguir a conversa que a Cipa teve com o especialista:

Por que o setor de construção civil continua entre os que lideram o ranking de acidentes ocupacionais?

Devido à falta de um efetivo gerenciamento do ambiente de trabalho e maior comprometimento das empresas com as questões relacionadas à segurança e a saúde dos traba-lhadores. Esse gerenciamento deve ser feito através do Pro-grama de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na In-dústria da Construção Civil (PCMAT), como um plano de SST no sistema de gestão da empresa, com indicadores e audi-torias, num processo de melhoria contínua, contemplando, além dos itens previstos na NR-18, a integração com outros programas, como o PPRA, o PCMSO, campanhas educati-vas, programa de manutenção de máquinas, equipamentos e ferramentas utilizadas na obra, programa de ações em

emergência e projetos específicos de proteções coletivas, instalações temporárias elétricas e de incêndios, sinalização e trânsito dentre outros.

O que poderia ser feito para mudar esse cenário?Antes de tudo, o cumprimento da legislação, que é o cri-

tério mínimo. Além disso, poderiam ser adotadas algumas ações estratégicas relacionadas à educação dos trabalhado-res, prestadores de serviço, engenheiros da obra, mestres e encarregados, bem como uma análise de riscos de todas as fases da obra, considerando o conhecimento e a percepção dos trabalhadores sobre as atividades, os riscos e as medi-das de proteção. Com a ratificação da Convenção n° 167 e Recomendação 175 da OIT pelo Brasil em 2006, dois pon-tos importantes devem ser considerados: 1) a necessidade de planejamento e de coordenação da segurança e saúde nas obras; 2) as pessoas relacionadas ao projeto e ao plane-jamento de uma obra devem ter em conta a segurança e a saúde dos trabalhadores.

Quais são os acidentes/doenças ocupacionais mais recorrentes no setor e como poderiam ser evitados?

Os principais acidentes são quedas de altura, soterramento e choque elétrico. Quanto às doenças, temos as pele emus-culoesqueléticas, perda auditiva, problemas respiratórios (si-licose/pneumoconioses), entre outras. A prevenção deve ser feita na fase de projeto e planejamento, considerando o ci-clo de vida do empreendimento, pelos projetistas da obra e com a participação do SESMT da empresa. Nas questões relacionadas à saúde do trabalhador, é importante conside-rar a especificidade das atividades da indústria da constru-ção (esforço físico, jornadas de trabalho em função do cro-nograma da obra, trabalhos em altura, etc) para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.

Como melhorar as ações de fiscalização das condições de saúde dos trabalhadores que atuam nesta área?

Atualmente, o número de fiscais do Trabalho no Brasil é

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insuficiente e os mais experientes estão se aposentando. Por isso, entendo que deve ser priorizada uma fiscalização cri-teriosa no PCMAT, considerando a variedade de riscos nas várias fases do processo construtivo, aliados ao cronograma da obra e aos fatores ambientais.

Quais assuntos estão em discussão atualmente no Comitê Permanente Nacional sobre Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção?

Pelo que tenho conhecimento, em março de 2013 o go-verno apresentou uma proposta de reformulação da norma que não obteve consenso entre as bancadas até o momen-to. Na última reunião do CPN foi aprovado a reformulação do item 18.21, que trata das Instalações Elétricas.

A NR-18 foi publicada há mais de duas décadas e passou por reformulações. Quais foram as principais mudanças em relação ao texto original?

As principais alterações feitas, acompanhando os avanços tecnológicos, foram às relacionadas a máquinas e equipa-mentos (andaimes, elevadores, gruas, plataformas de traba-lho, cadeira suspensa), serviços de telhado, instalação de dis-positivos de ancoragem e instalações elétricas temporárias.

O que ainda precisa ser revisto na NR-18?A adequação da norma à Convenção n° 167 e à Recomen-

dação 175, ambas da OIT, considerando o ciclo de vida do em-preendimento e a sua complementação com a publicação pe-riódica das Recomendações Técnicas de Procedimentos (RTPs).

Levando em conta sua experiência como consultor da OIT, o que o Brasil tem a aprender com outros países em termos de saúde e segurança no trabalho?

A questão da Gestão de Segurança e Saúde. Deveríamos aplicar a versão brasileira das Diretrizes da OIT sobre Siste-mas de Gestão da Segurança e Saúde no Trabalho (ILO-OSH 2001), que foi assinada pelo ministro do Trabalho e pelo di-retor do Programa Safe Work, da OIT, durante a 5ª edição do Congresso Nacional Sobre Condições e Meio Ambiente do trabalho na Indústria da Construção (CMATIC), realiza-do em Recife, no no final de outubro de 2005.

Você foi um dos autores do documento da OIT intitulado “Segurança e saúde no trabalho da construção: experiência brasileira e panorama internacional”, publicado em 2005. Hoje, se fosse para traçar um novo panorama, o que você destacaria?

As teses e dissertações publicadas pelas universidades, o trabalho realizado pelos comitês tripartites (CPN/CPRs) e as experiências bem sucedidas após a reformulação da norma. A indústria da construção é um dos setores determinantes para o desenvolvimento econômico e social do País, uma vez que absorve grande parcela da mão de obra não qualificada. A prevenção de acidentes nas obras exige um enfoque espe-cífico em função do grande número de subcontratados e de serviços terceirizados, da rotatividade e qualificação da mão de obra. Os trabalhadores das empresas terceirizadas devem ter as mesmas condições de segurança e saúde e qualidade de vida daqueles da empresa contratante. É importante res-saltar que os mesmos fatores que ocasionam acidentes e do-enças nos ambientes de trabalho são os que causam perdas de todas as ordens no contexto das empresas.■

A PREVENÇÃO DE ACIDENTES NAS OBRAS EXIGE CUIDADO REDOBRADO POR CONTA DO

GRANDE NÚMERO DE SUBCONTRATADOS