Upload
others
View
2
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
*Professor PEB II- ARTE. Formação em licenciatura plena em Artes Visuais- 2017- FAAL-
Faculdade de Administração e Artes de Limeira
FOTOGRAFIA DA FELICIDADE
Gabriel Eduardo SCABORA*
RESUMO
A série fotográfica que foi desenvolvida tem como tema a felicidade, sendo o registro da
vida cotidiana, que foge da utopia, e de qualquer padrão; É a felicidade a partir do corriqueiro, do
íntimo do fotógrafo. Seguindo os preceitos e o formato intimista da série, foi desenvolvida uma
pesquisa acerca da produção contemporânea, mais especificamente da subdivisão nomeada pela
autora Charlotte Cotton, como Fotografia do Intimo, que trata da fotografia de um viés popular
trazida para a produção artística. Após o término da série fotográfica, a etapa seguinte foi o
processo de criação do suporte de acordo com a poética, do tema e dos preceitos da fotografia
contemporânea. Ainda na ideia do íntimo, os suportes para as fotografias passam a ser cartões-
postais, expostos dentro de uma caixa de sapatos, juntos a uma sala cenário que faz parte da
expansão do suporte fotográfico. É um trabalho fotográfico desenvolvido e detalhado dentro de
uma subdivisão pouco conhecida da fotografia contemporânea, que pode servir como referência
futura dentro de um estilo tão abrangente e em construção quanto a contemporaneidade.
Palavras chave: Fotografia, Fotografia Contemporânea, Fotografia do Intimo, Felicidade.
ABSTRACT
The photographic series that has been developed has the theme of happiness, and the
record of everyday life, which escapes from utopia, and from any standard, is happiness from the
ordinary, the intimate of the photographer. Following the precepts and the intimate format of the
series, a research was developed on the contemporary production, more specifically of the
subdivision named by the author Charlotte Cotton, like Photography of the Intimate, that deals
with the photograph of a popular bias brought to the artistic production. After the end of the series
as photography, the process of creation of the support arises according to the poetics, the theme
and the precepts of contemporary photography. Still in the idea of the intimate, the support for the
photographs becomes postcards, exposed inside a box of shoes, together to a room, scenery that is
part of the expansion of the photographic support. A photographic work is developed and detailed
within a little known subdivision of contemporary photography, which may serve as a future
reference in a style as comprehensive and in construction as contemporaneity.
Keywords: Photography, Contemporary Photography, Intimacy Photography, Happiness.
INTRODUÇÃO
Minha série fotográfica começa em 7 de setembro de 2016, sendo finalizada em 7 de
setembro de 2017, totalizando um ano de fotografia. Minhas fotografias partem da intenção de
registrar os momentos, não objetivamente como um documento e sim como a representação
imagética do que defino como felicidade, que para este caso, tornou-se um relato do cotidiano que
indica a felicidade de uma vida comum. Surge o desafio de traduzir um sentimento, em fotos,
representar o impalpável, com o registro de um momento. E também falar da felicidade como
procura geral, gerando identificação ao observador com o meu trabalho fotográfico. 1*
Tradicionalmente, historicamente, desde que os gregos inventaram a palavra e a coisa
philosophia , todos sabem que a felicidade faz parte dos objetos privilegiados da reflexão
filosófica, que é até um dos mais importantes e dos mais constantes. Vejam Sócrates ou
2
Platão, Aristóteles ou Epicuro, Spinoza ou Kant, Diderot ou Alain… “Não é verdade que
nós, homens, desejamos todos ser felizes? ” A resposta é tão evidente, nota Platão, que a
pergunta quase não merece ser feita. “De fato, quem não deseja ser feliz?” A busca da
felicidade é a coisa mais bem distribuída do mundo. (SPONVILLE, Pág.2, 2001)
Partindo da felicidade como tema, desenvolvi uma pesquisa partindo do meu trabalho e
de outros fotógrafos, que possuem produções, dos mais variados modos que a fotografia
contemporânea oferece. Começando por uma breve introdução à “fotografia contemporânea”,
parto para destrinchar e detalhar a divisão desta categoria onde meu trabalho se situa. A pesquisa
começa na busca e do desafio para situar meu trabalho dentro da fotografia contemporânea,
podendo trabalhá-lo e desenvolvê-lo de forma contundente a fim de atingir os objetivos esperados.
A fotografia da vida íntima nome dado pela autora Charlote Cotton é guia para minha pesquisa e
define o estilo fotográfico em qual trabalho em toda série, estilo que trata do caminho de registrar
o cotidiano do fotografo de forma artística. Em sua versão final, as fotografias se tornam cartões-
postais, compostas também por um ambiente criado que possibilita a inserção ao tema, uma
revisitação ao íntimo, que tem como intenção gerar o questionamento acerca do tema, e possibilitar
que as pessoas me digam um pouco mais sobre sua procura e visão sobre a felicidade em cartões
de resposta, cartões que terminam de compor as fotografias e todo o ambiente, permitindo que
minha série fale de uma busca coletiva pela felicidade
1- FOTOGRAFIA CONTEMPORÃNEA
A fotografia contemporânea surge na passagem do século XX para o XXI consolidando
uma expansão de limites até então desconhecidos no suporte fotográfico. Segundo o autor Ronaldo
Entler (2009): [...] É difícil explicar o que é fotografia contemporânea. Alguma coisa parece ter
transformado e se consolidado nos últimos vinte ou trinta anos […] Desde antes da fotografia
moderna o pensamento sobre fotografia começou a mudar e se findar como expressão artística
única, sem a necessidade de adventos e alterações no resultado real para parecer com uma pintura
como nos Pictorialistas.
O movimento pictorialista eclodiu na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos a partir
da década de 1890, congregando os fotógrafos que ambicionavam produzir aquilo que
consideravam como fotografia artística, capaz de conferir aos seus praticantes o mesmo
prestígio e respeito grangeado pelos praticantes dos processos artísticos convencionais.
O problema é que essa ânsia de reconhecimento levou muito dos adeptos do pictorialismo
a simplesmente tentar imitar a aparência e o acabamento de pinturas, gravuras e desenhos
ao invés de tentarem explorar os novos campos estéticos oferecidos pela fotografia. Por
esta razão, este movimento, que perdurou basicamente até a década de 1920, foi
estigmatizado durante muito tempo, mas, felizmente, assistimos hoje a uma releitura
desapaixonada do pictorialismo que certamente muito contribuirá para a correta avaliação
e contextualização histórica de suas contribuições. (Itaú Cultural, 2017)
A fotografia passou a ser pensada e considera como arte, explorada em suas diversas
variações, como as foto colagens dos Surrealistas e Dadaístas, porém ainda havia essa restrição de
pensamento que precisava se enquadrar dentro do suporte.
Os fotógrafos modernos já possuíam trabalhos híbridos que se misturavam com outras
expressões artísticas, mas diferente da fotografia contemporânea esse hibridismo vinha como
3
intenção de expandir os limites fotográficos, exaltando o suporte e não criticando como no
pensamento contemporâneo.
A Fotografia expandida existem graças ao arrojo dos artistas mais inquietos, que desde
as vanguardas históricas, deram início a esse percurso de superação dos paradigmas
fortemente impostos pelos fabricantes de equipamentos e materiais, para, aos poucos,
fazer surgir exuberante uma outra fotografia, que não só questionava os padrões impostos
pelos sistemas de produção fotográficos, como também transgredia a gramática desse
fazer fotográfico. (JUNIOR, Pág.11, 2006)
Na Fotografia moderna houve grandes mudanças no pensamento fotográfico, onde eram
feitos diversos experimentos com fotografia, como colagens, composições surreais, dentre outras
manipulações que passaram a integrar o suporte fotográfico, mas sem questionar a fotografia e sim
explorando ao máximo seus usos e formas de apresentação.
Transfigurar a objetividade documental, o rigor formal e o flagrante para dar primazia à
subjetividade, à abstração e à construção da cena foi atitude transgressora que sempre
existiu de forma pulverizada na história da fotografia, mas que passou a dominar uma
determinada produção fotográfica, sobretudo a partir dos anos 1960. (Itaú Cultural, 2009)
O pensamento contemporâneo parte da expansão da poética que muitas vezes extravasa o
suporte fotográfico e conversa com outros modos de expressão. Não há limitação, ou modelo a
seguir, e sim a intenção de transgredir e ir contra a valores e padrões estéticos anteriores, como o
momento de decisivo de Henri Cartier Bresson. As fotografias passam a ser construídas, a estética
e a narrativa se tornam meio de contar muito mais sobre a ficção e contradizer o pensamento
fotográfico dos movimentos anteriores.
A fotografia tornou-se moderna neste período por meio do realismo e da abstração. A
Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit), a Nova Visão (Neue Optik), a "Fotografia
Direta" (Straight Photography), as propostas da Vanguarda Soviética, o Dadaísmo e o
Surrealismo foram algumas das possibilidades postas como forma de fotografar naquele
momento. Além destas, surgiu também o que anos mais tarde se denominou de Fotografia
Humanista a qual muitas vezes caracterizava o trabalho no âmbito do Fotojornalismo.
(ROLIM, v. 22, n. 1 (2014) )
O termo fotografia contemporânea segundo o autor Ronaldo Entler tenta explicar e nomear
a onda de pensamento fotográfico de nossa época e de uma fotografia que possui diálogo com a
arte contemporânea e tenta explicar um processo que ainda está em construção, mas que já possui
uma história.
Estamos vivendo um momento excepcional para a fotografia, pois hoje o mundo da arte
a acolhe como nunca o fez e os fotógrafos consideram as galerias e os livros de arte o
espaço natural para expor seu trabalho. Ao longo de toda a história da fotografia, sempre
houve quem promovesse como uma forma de arte e um veículo de ideias, ao lado da
pintura e da escultura, mas nunca essa perspectiva foi difundida com tanta frequência e
veemência como agora. Atualmente, a aspiração de muito fotógrafos consiste em
identificar a “arte” como território preferencial de suas imagens. (COTTON, Pág. 7, 2010)
4
Desta forma esse estilo de fotografia foge de qualquer definição ou padrão construído,
deixando em aberto as possibilidades e resultados e a possibilidade de interação com outras formas
de expressão, trata-se de uma forma singular de pensar, de se expressar de forma única. A
fotografia contemporânea é assumidamente manipulada, construída, manipulação que resulta
muitas vezes em uma grande força estética, reforçando a subjetividade e possibilitando a expressão
de sentimentos de uma forma muito menos diluída como na fotografia em geral. O fotógrafo
contemporâneo não limita sua criação apenas ao suporte fotográfico, mas busca um resultado mais
ligado com a sua intenção original sem a preocupação da tentativa de representar a realidade do
mundo e sim a de criar a sua própria realidade. A versatilidade e a conversa da fotografia
contemporânea com outras formas de expressão possibilitam a realização de trabalhos que talvez
não seriam possíveis na fotografia tradicional, abrangendo o campo e as possibilidades de um
trabalho fotográfico sem a limitação de um suporte, o fotógrafo busca a sinceridade com sua
poética e consigo mesmo, fugindo da ideia de realidade pura da fotografia tradicional.
Contra a combalida ideia da assunção do real na fotografia, os artistas investiram fundo
na simulação, na busca de uma representação genuína de seus estados de ânimo ou de sua
observação crítica do mundo pela via ficcional. (Itaú Cultural, 2009)
A vasta possibilidade da fotografia contemporânea parte de um pensamento artístico
profundo anterior ao ato fotográfico, onde o artista busca soluções para se expressar e desenvolver
seu trabalho sem se prender a convenções da fotografia tradicional, porém não necessariamente a
fotografia contemporânea excluí a possibilidade da realização de um trabalho semelhante a
fotografia tradicional, como, por exemplo, um trabalho documental, no entanto se separam na
diferença do processo criativo e de realização e no resultado que provavelmente transgredirá o
trabalho tradicional.
Para compreender a produção fotográfica contemporânea, bem como seus processos de
criação e produção, temos que mergulhar no mundo das imagens, pois nada substitui a
experiência de ver. Ver, comparar, elaborar conexões, estabelecer relações. Olhar para
uma imagem e explorar suas potencialidades narrativas. A eliminação das fronteiras entre
as diferentes formas de expressão, produção e circulação de imagens no mundo
contemporâneo, torna cada vez mais difícil a tarefa de catalogar as manifestações das
artes visuais, particularmente a fotografia. Da mesma maneira que percebemos o ir além,
o ultrapassar de todos os limites, a contaminação das técnicas, o hibridismo dos suportes,
verificamos o quanto é difícil e impreciso articular uma nomenclatura para a produção
contemporânea. (JUNIOR, Pág.10, 2006)
A fotografia já não precisa conquistar seu espaço no mundo artístico como no século XIX,
e nem expandir seu suporte para reforçar exaltar esse meio de expressão. O fotografo
contemporâneo não possui uma visão deslocada dos outros meios de expressão, e nas vastas
possibilidades a fotografia se mistura se tornando muitas vezes um trabalho com suporte único,
sendo pensada anteriormente não como foto e sim como imagem o que permite o hibridismo de
técnicas.
Tais denominações buscam, na verdade, revelar a capacidade desse tipo de fotografia de
se mesclar com outras linguagens como o cinema, a pintura, a gravura eu teatro, por
exemplo, num movimento que tende a tornar mais complexas e desafiadoras tanto sua
simbologia quanto sua classificação. (Itaú cultural Pág.11, 2009)
5
Portanto o artista contemporâneo não necessariamente tem como resultado final um
trabalho híbrido, mas seu pensamento intermeia e caminha junto com todos os outros meios de
expressão, trocando possibilidades entre os suportes e desenvolvendo novas formas de colocar em
prática a poética de cada um.
O avanço tecnológico, ampliou não só a qualidade da fotografia e a popularização do
suporte, mas a facilidade de lidar com a produção fotográfica, resultou na busca de novos caminhos,
no pensamento anterior ao click e na produção da imagem final, que assumiram uma estética que
foge do modelo tradicional fotográfico, e passa a questionar essa limitação ao formato.
Com tantas transformações de ordem conceitual e técnica, a fotografia da virada do
século XX para o XXI tem conseguido de forma enfática e original representar o anseio
e as contradições do homem contemporâneo, ampliando suas fronteiras de representação.
(Itaú Cultural, Pág.11, 2009)
O pensamento contemporâneo permite que o artista, ultrapasse as barreiras que limitam
sua produção artística para enquadrar em um único suporte, essa possibilidade reforça e aumenta
o sentido íntimo de um trabalho, que não mais precisa se adequar e sim buscar meios que se
adéquem, ou até mesmo criar novos meios.
Por um lado, as fotografias se expandem, animam-se, comportando configurações
imprevistas, em manifesta indiferença às convenções tradicionalmente relacionadas ao
meio. (FATORELLI, Notas do autor.)
A exposição, o espaço também são possibilidades de expansão da fotografia
contemporânea, que pode se estender e subverter o espaço comum de exposições, trazendo uma
experiência mais íntima ao observador, que saí do formato padrão da fotografia pendurada na
parede. O trabalho contemporâneo também pode ser completo a partir da interação de um fruidor,
que partindo da proposta interage com a exposição e com a obra, seguindo um caminho indicado
pelo artista, contemplando a subjetividade de cada um, e interferindo, complementando o sentido
e a intenção de maneira única e inusitada. Traduzir a subjetividade artística para um trabalho
contemporâneo, se torna mais plausível, de acordo com a vasta gama de recursos, e possibilidades
de expressão. Portanto a fotografia contemporânea, parte de um pensamento híbrido, que tem
como prioridade a realização mais fiel, a poética possível, sem se adequar a um único suporte ou
aos padrões, a arte contemporânea é transgressora como ideia antes da prática. Diante aos diversos
artistas que possuem uma produção fotográfica contemporânea dentro das suas diversas variações
e vertentes, de um estilo fotográfico ainda em expansão, faço um pequeno recorte, apresentando
dois fotógrafos que possuem um trabalho importante na fotografia contemporânea e são de grande
referência para meu trabalho fotográfico, mesmo com a divergência clara de intenção, são esses
Miguel Rio Branco e Sophie Calle.
1.1 miguel rio branco
O fotógrafo Miguel Paranhos da Silva do Rio Branco (1946), Miguel Rio Branco, possui
um intenso e simbólico trabalho fotográfico dentro da fotografia contemporânea. Miguel possui
trabalhos audiovisuais, instalações, mas a principal referência para a referente pesquisa são suas
fotografias. No geral Miguel dentro da poética trabalha com a brasilidade e mais amplamente a
latinidade. Miguel possui uma narrativa única em seus trabalhos que falam da América Latina e
suas particularidades culturais sob seu olhar, e um recorte especialmente pessoal e único dentro da
realidade comum.
6
Figura 2: Sem título, da série "Maciel" 1979, de Miguel Rio Branco
Um de seus livros, Silent Book, é o retrato da latinidade, um livro estritamente de
fotografia, mas que usa do lirismo em sua narrativa, sendo visualmente e poeticamente impactante,
a série de Miguel caminha entre a violência e a ternura, nos mostrando a vida urbana a partir de
seu olhar com composições que se assemelham a pinturas nos mostram a destruição, circos
abandonados, prostíbulos, e academias de boxe, dizendo sobre a força física, a pele a sexualidade
e a violência em toda a série.
Figura 1: Gorotide , 1983 , Miguel Rio Branco
7
Essa insaciabilidade do olho que fotografa altera as condições do confinamento na
caverna: o nosso mundo. Ao nos ensinar um novo código visual, as fotos modificam e
ampliam nossas ideias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos o direito de
observar. Constituem uma gramática e, mais importante ainda, uma ética do ver.
(SONTAG, Pág.8, 1979)
Miguel Rio Branco é referência para meu trabalho fotográfico na questão de ser um artista
contemporâneo que produz registros como na fotografia moderna porém os recortes, a
subjetividade de seu olhar e a narrativa que é criada partir de suas fotos conseguem representar o
caos e a violência de formas tão intensas por meio de uma ficção, além do modo de como ele
apresenta suas fotografias e vídeos por meio de instalações que amplificam e reforçam o sentido
de seu trabalho, fazem de sua produção contemporânea. Minha pesquisa parte inicialmente da
fotografia documental, porém se distância dela se firmando como contemporânea por ser
declaradamente uma narrativa de um sentimento. A expansão fotográfica das exposições de
Miguel Rio Branco também é de grande referência para meu trabalho, a fotografia fica diluída
diante a um ambiente criado por ele que toma conta do espaço da exposição, impulsionando o
sentido do trabalho fotográfico mesmo que esteja representado de forma mais tímida, o trabalho
de Miguel é pensado como um conjunto que compõe uma imagem.
1.2 sophie calle
Sophie Calle é uma artista contemporânea, que possui um trabalho na fotografia que é
resultado de uma imersão, onde ela cria a partir de sua realidade e de sua experiência de vida,
ficções que resultam em seu trabalho artístico que questionam a vida privada e pública da artista e
das pessoas envolvidas em seu processo. Dois de seus trabalhos são referência para minha pesquisa,
Suíte Veneziana (1980) e The Hotel, que tratam de uma inserção proposital da artista em situações
específicas que a permitiram criar a partir dessas experiências ficções que investigavam a vida das
Figura 3: Red Socks White Dress, 1991 Maldicidade Miguel Rio Branco
8
pessoas como em um romance policial. Os dois trabalhos, são resultados de uma inserção
proposital a lugares e situações que fornecem a artista material para criar sua ficção a partir disso,
fotografando detalhes específicos e fazendo anotações, mudando e subvertendo totalmente a
realidade e transformando-a em uma ficção que distância o observador de sua obra do que
realmente aconteceu e sim da história que ela criou a partir dessas experiências. Em Suíte
Veneziana, a artista ao conhecer um homem nas ruas da França e sabendo que ele iria para Veneza
decidiu segui-lo em sua viagem, onde escondida fotografou e detalhou o dia a dia comum do
homem, transformando sua realidade em uma investigação policial. Em The Hotel, Sophie Calle
ao arrumar um emprego de camareira e um hotel, começa outro trabalho de investigação, onde
bisbilhotava, mexendo em malas, nos lixos, dentre outros lugares, fotografando detalhes e fazendo
anotações criando também uma investigação a partir da rotina comum das pessoas hospedadas.
Sophie Calle em seu trabalho fotográfico, possui a necessidade de viver e se inserir em situações
como parte de seu processo de criação, apesar de ser um trabalho ficcional, tudo que é criado é a
partir de uma experiência real vivida pela artista onde ela escolhe o que e como contar. É nesse
processo de entrega e da necessidade de viver situações específicas como parte do processo de
criação, é que a artista entra como referência em minha pesquisa, onde necessariamente durante 1
ano propositalmente fiz o registro de momentos distintos que me causaram felicidade,
fotografando cenas inteiras ou apenas alguns detalhes que representassem esse sentimento. Há
uma infinidade de caminhos que a fotografia contemporânea possibilita, gerando trabalhos muitas
vezes completamente diferentes, pois dependem como todo processo artístico da individualidade,
e da poética de cada um. Partindo das possibilidades oferecidas, houve uma procura de artistas
contemporâneos e de bifurcações dentro da fotografia contemporânea que tivessem relação com
minha pesquisa, e com o tema que trabalho com foco na vida íntima, assim pude desenvolver com
maior facilidade, seguindo referências e trabalhando com maior segurança.
2- VIDA INTIMA E OUTRAS REFERÊNCIAS
2.1 vida intima
A Fotografia popular, tirada de forma completamente amadora sem nenhuma pretensão
artística ou estética, sem enquadramento ou composição foge de qualquer regra existente na
fotografia artística ou profissional, porém, possuem um grande apelo sentimental e uma grande
Figura 4: Suite Vénitienne (Súite Veneziana), 1979. Sophie Calle
9
força estética. Trazer esse estilo fotográfico do comum para um trabalho acadêmico, mais
especificamente para a fotografia contemporânea é um desafio. Em geral, tiramos fotos em
momentos simbólicos da vida em família, em ocasiões especiais nas quais reconhecemos
expressamente nossos laços afetivos e conquistas sociais. São momento aos quais queremos nos
agarrar, emocional e visualmente.
De maneira típica essas situações são momentos culturais compartilhados: jogar confete
ou arroz nos noivos ao fim da cerimônia de casamento, soprar velinhas do bolo de
aniversário […] (COTTON, Pág. 137, 2010)
A fotografia artística também pode retratar o mesmo que na fotografia popular, mas nunca
com o mesmo olhar simplista diante a cena com a ambição de eternizar um momento importante,
mas sim com a intenção anterior a foto de dizer algo além, em minha série, em cada foto por mais
simples que aparente ser, falo sobre a felicidade que sinto e quero transmitir, falo sobre meu
passado e relação com a fotografia, fazendo do amor e do encanto pela fotografia popular um
trabalho com um pensamento contemporâneo, mas diretamente relacionado com as fotos que via
na infância.
A fotografia de arte, por outro lado, embora aprimore a estética dos instantâneos
de família, geralmente retira os cenários esperados e os substituí por uma dimensão
emocional: tristeza, discórdia, vício, doenças. Ela também recorre a temas de não eventos
da vida diária: dormir, falar ao telefone, viajar de carro, estar entediado ou sem vontade
de conversar, por exemplo. (COTTON, Pág.138, 2010)
Vida intima é o nome do capítulo do livro da autora Charlotte Cotton, que fala sobre a
fotografia do íntimo, do comum de cada fotógrafo apresentado pela autora que serão aqui citados
e relacionados ao meu trabalho. A fotografia íntima também é uma reconstituição dos subtextos
de nossos instantâneos de família.
Todos podemos encontrar, em nossas fotografias privadas, os sinais das correntes
subjacentes em nossos relacionamentos específicos. Quem fica ao lado de quem num
retrato em grupo? Quem não aparece? Quem tira a foto? (COTTON, Pág. 138, 2010)
2.1.1 nan goldin
Nan Goldin é a fotografa citada pela autora Charlotte Cotton como referência mais óbvia e
direta dentro da fotografia intima. A fotografa norte-americana começou a tirar fotos de seus
amigos, família e amantes nos anos 70, mas só na década de 90 que seu trabalho fora reconhecido
internacionalmente e tenha entrado no mercado da arte segundo COTTON.
O início de sua atividade é altamente significativo (quanto mais não seja porque continua
sendo repetidamente lembrado nos textos escritos sobre sua obra). (COTTON, Pág. 138,
2010)
As primeiras fotos de Nan Goldin, resultaram em uma série de fotos em preto e branco
que retratam a sua vida da época, com o nome de Drag queens, a série retratava a vida de duas
drag queens que moravam com ela e todas as pessoas de seu círculo social. A fotografia de Goldin
é intensa, e retrata a vida sexual da fotografa, seu envolvimento e o das pessoas a sua volta com
drogas e o abuso dessas, uma realidade crua que, no entanto, direciona propositalmente o
pensamento de quem vê com um assunto central. A série The Ballad of Sexual Dependcy, a
10
fotografa retrata seus relacionamentos sexuais, a violência doméstica, o isolamento social dos
homens, o abuso de drogas.
Figura 5: JIMMY PAULETTE + TABBOO! IN THE BATHROOM, 1991. Nan Goldin
No livro, o ensaio de Goldin afirma vigorosamente sua necessidade psicológica de fazer
fotos das pessoas que ama. Sua descrição do efeito do suicídio de sua irmã (aos 18 anos,
quando Nan tinha 2) justifica vividamente a sensação de urgência com que fotografa o
que pra ela é emocionalmente significativo, como estratégia para conservar sua própria
versão da história da sua vida. (COTTON, Pág. 139, 2010)
Já no início dos anos 90 a fotografa publicou o livro I’ll be Your Mirror [ Eu serei seu
espelho], as fotografias tiradas de pessoas com um laço afetivo a ela eram um equilíbrio entre
perdas e comemorações.
Seu registro intenso do impacto do HIV e de doenças relacionadas com a Aids, do vício
em drogas e da reabilitação de sua vida e da de seus amigos propunha às plateias de arte
um envolvimento profundo com essas questões sociais, articuladas em termos muito
pessoais. (COTTON, Pág. 141, 2010)
Nan Goldin começa a fotografar também pessoas na qual possui afetividade visual, nas
ruas e não mais apenas amigos de longa data, conforme sua mudança de vida após parar com o
uso de drogas Goldin passa a retratar cenas que contrapõe a todo seu trabalho que era o retrato da
vida boemia e noturna dentro de boates, contra isso e como reflexo da nova vida a fotografa
passou a usar luz natural do dia em suas fotos.
11
Goldin também começou a fotografar pessoas com as quais sentia afinidade, mas que
não eram amigos de longa data. (COTTON, Pág. 141, 2010)
O íntimo registrado no trabalho fotográfico de Nan Goldin é principal referência para o
meu trabalho, e que melhor representa minha intenção com a fotografia e o resultado de minha
série, assim como a fotógrafa retratei detalhes do meu dia, da minha vida comum que é comum
apenas a mim, com a intenção de mostrar detalhes de uma vida, da minha vida que sofre a
interferência de várias outras e também retratar minha busca e a busca geral pela felicidade. Minha
série e pesquisa há também relação com a abordagem de Nan Goldin com as pessoas, a importância
delas em minha série, e a afetividade retratada na foto de amigos, ou de pessoas que acabei de
conhecer possui um intenso valor simbólico e significativo dentro da procura da felicidade.
2.2. outras referências e lucas bamboozi
Lucas Bamboozi é um artista contemporâneo brasileiro, que trabalha com suportes
multimídia, vídeos, instalações e performances audiovisuais. Um de seus trabalhos Postcards,
realizado entre os anos 2000-2016, é referência para a versão física de minha série, que são cartões-
postais. Em Postcards, Lucas Bamboozi visita os locais retratados em cartões-postais e grava
vídeos mostrando o local e como é com a interação das pessoas, relacionando com a imagem
estática do cartão. O trabalho Postcards é referência para a versão final de minhas fotografias, que
em primeira instância eram uma série fotográfica sem versão física, podendo se adequar ao modelo
tradicional de exposição ou de modelo físico, a partir da pesquisa em fotografia contemporânea a
necessidade da mudança do suporte tradicional se tornou necessária, e acabei optando por cartões-
Figura 6: AUTORRETRATO: BALADA DA DEPENDÊNCIA SEXUAL. Nan Goldin
12
postais, um formato popular, que está profundamente relacionado com minha poética, que parte
de um contato e apreço desde a infância pela fotografia amadora.
2.2.1 cia de foto
O vídeo Caixa de sapatos, é composto por fotografias e pequenos vídeos que retratam o
dia, o cotidiano de uma família, consequentemente retrata o tempo, o crescimento dos filhos, o
nascimento, criando um diálogo a partir da realidade comum através de um olhar artístico, objetivo
e resultado que busquei em minha série fotográfica. Vídeo que é referência para minha série
fotográfica, por seguir a mesma linha de pensamento e intenção na qual trabalho, da fotografia
popular trazida para o meio artístico, através de um trabalho contemporâneo. Também uso
o título do vídeo, Caixa de Sapatos, como referência para uma das partes do trabalho físico que
será uma caixa de sapatos, onde colocarei meus cartões-postais.
3-SÉRIE
3.1 poética
Nesse caminho, esbarramos com a difícil missão de se relacionar com o outro, um
universo diferente em meio ao nosso, ceder as vontades, vencer preconceitos em função da boa
convivência é um desafio geral. Ser sincero consigo mesmo, pensar sobre nossa existência,
entender e aceitar as nossas peculiaridades e se entregar ao outro em busca de relações
aprofundadas e realmente relevantes na vida de ambos. Um olhar mais demorado sobre tudo se faz
necessário, se dar tempo para entender o outro e a cada coisa, para possivelmente nos tornarmos
uma pessoa melhor, progressivamente. Minha Série fotográfica é um processo de
autoconhecimento e auto reconhecimento artístico e sentimental, simboliza uma intensa transição
em minha vida que marca uma nova fase de dedicação e entendimento e entrega a cada coisa, sem
o desejo utópico de ser suficiente a tudo, e sim de ser sincero nas relações, de me mostrar como
realmente sou ao outro e possibilitar que o outro seja também, é sobre estar aberto a ouvir,
compreender e ajudar. A fotografia fora escolhida como meio de expressão, por estar
profundamente ligada a mim desde a infância quando tive a curiosidade despertada e o anseio pelo
conhecimento da máquina analógica da família, que não muito mais tarde com 5 anos em uma
manhã de descuido de minha mãe me apropriei da câmera e tirei inúmeras fotos de coisas aleatórias
de casa, gastando um filme quase inteiro. Esse interesse e vislumbre pela fotografia cresceu, porém,
a prática fora perdida diante a tantas distrações de uma criança, e retomada apenas com 21 anos
em 2016, quando alguém muito importante me fez entender e aceitar inúmeras coisas sobre minha
existência que se encontravam mal resolvidas, nesse processo retomei algumas práticas muito
importantes dentro de minha vida artística, dentre elas a fotografia. Parto da proposta de narrar
minha felicidade, um sentimento, fotografando alguns signos que representem meu dia ou um
momento dele, talvez não conversem entre si, mas criam em sua junção uma ficção que representa
em sua totalidade o que me desperta felicidade no corriqueiro.
3.2- fotografia da felicidade
A felicidade é assunto corriqueiro, questão quase mundial, a busca por ela, correr atrás,
encontrá-la nas coisas mais simples, no dinheiro, nas pessoas. A felicidade é assunto na filosofia,
13
é pauta das conversas na mesa de café da tarde, nas rodas de amigos, seu sentido é variado de
pessoa para pessoa de cultura a cultura, mas a procura por ela é geral.
Vou falar, então, da felicidade... Confesso que, diante de tal tema, estou dividido entre
dois sentimentos opostos. Primeiro, o sentimento da evidência, da banalidade mesmo: porque a
felicidade, quase por definição, interessa a todo o mundo (lembrem-se de Pascal: “ Todos os
homens procuram ser felizes; isso não tem exceção...É esse o motivo de todas as ações de todos
os homens, inclusive dos que vão se enforcar...” ) […] (SPONVILLE, Pág.1, 2001) A fotografia
da felicidade é o tema de minha série fotográfica, que surgiu a partir de uma mudança importante
em minha vida, marcada pelo começo de um relacionamento com uma pessoa muito especial, que
me inspirou e me inspira a ser sincero primeiramente comigo mesmo, sentimento que influência
diretamente em minha sensibilidade e olhar sobre as coisas e pessoas e consequentemente na
poética dessa série fotográfica. Consequentemente o registro da felicidade do outro também faz
parte de minha série, fugindo de resultados plásticos de uma fotografia comercial. Minha série
fotográfica é o registro de uma fase de minha vida, onde retrato alguns momentos separados de
meu dia ou de ocasiões especiais que despertam em mim Felicidade. Então não necessariamente a
série é composta de fotos apenas de pessoas, ou paisagens ou animais, é uma série atenta a detalhes
específicos. A grande dificuldade de meu tema e pesquisa foi descartar as diversas possibilidades
e bifurcações que surgem na procura de um assunto, ser mais específico faz parte também do
processo em ser sincero comigo mesmo. A série é composta por paisagens, pessoas, objetos,
recortes específicos de alguém ou algo, são detalhes que aos meus olhos representam perfeitamente
o momento que pretendo transmitir e que trata de uma simplicidade tão grande que é o que faz
possível a felicidade não como ilusão ou necessidade, mas sim de algo corriqueiro para alguém
que procura ela nas pessoas e nas coisas.
3.3 série
A série começa e termina totalizando um período de um ano de trabalho e fotografia, de 7
de setembro de 2016 a 7 de setembro de 2017, um ano de registro representados por apenas
algumas fotos que melhor representam cada momento. A passagem de tempo é representada
apenas visualmente pelo retorno ao mesmo festival, na escolha de algumas fotos específicas que
marcam a volta após um ano a cidade de Piracicaba, onde revisitei propositalmente os mesmos
lugares com minha namorada, dessa vez fazendo um percurso diferente, mas chegando aos
mesmos lugares, a mudança de percurso consequentemente nos proporcionou novas experiências
que foram retratadas por mim e estão na série. As fotos retratam um recorte de minha vida onde
em narrativa crio uma ficção que retrata a felicidade real que encontro nas pequenas coisas, faço
em minha série um arco ao logo desse um ano intercalando dias rotineiros na faculdade, passeios
em outras cidades, dentre outros momentos do cotidiano, destacando apenas alguns detalhes de
um dia todo que despertam esse sentimento, ou no caso de um ano todo. Minha série fotográfica é
uma seleção dentre tantas fotos que tirei ao longo de um ano, que contém detalhes e momentos
importantes de algumas ocasiões que resumem minha vida ao longo desse tempo. A Fotografia
após a popularização das máquinas compactas se tornou muito presente no âmbito popular, se
tornou tradição tirar fotos de aniversários, apresentações dos filhos, de momentos corriqueiros da
família até os mais importantes, como a compra de alguma coisa, ou uma viagem em algum lugar
importante. Hoje raramente não se encontre alguém com uma caixa em casa com os álbuns de
parentes, monóculos, fotos 3 x 4, de toda uma geração. Meus pais e minha avó paterna sempre
estiveram dentro dessa cultura fotográfica popular, de maneira totalmente amadora, e com
pretensão única de registrar o momento, foram tiradas fotos de cada ano de nossa vida, de cada
evento, passeio, ou momento mais banal possível. E assim se estabeleceu essa rotina em minha
14
casa e de todos meus parentes, tirávamos fotos de quase tudo, e em cada ida para revelar os filmes
era uma nova aventura, ninguém sabia como sairiam as fotos, ou até mesmo que fotos estariam no
filme (o mesmo filme era usado para várias ocasiões), e em cada casa possuía sua caixa de sapatos,
que virava um evento nostálgico onde a família toda se reunia em volta de uma caixa para ver
fotos de parentes que nunca conhecemos, de primos distantes, os mais novos viam fotos de seus
pais crianças, da avó jovem e de todo um retrato de uma época que já tinha ido e só conhecemos
por fotos. A casa da minha avó paterna se tornou o local onde mais a fotografia se tornou
importante em minha vida, em sua sala com móveis e decoração de uma época que não
conhecemos, nos reuníamos em família, e muitas vezes algum primo ou eu mesmo pegava uma
caixa de sapato onde minha avó guardava suas fotos e monóculos dos mais diferentes formatos,
cada uma registrando uma viagem importante, um casamento, um evento religioso ou um
aniversário, foi onde encontrei por muito tempo minha felicidade. Minha série é diretamente
influenciada por essa fotografia popular sem muita pretensão, mas cheia de carga emocional, de
importância, é a vida simples sem mais rodeios, resumida em registros de momentos
sentimentalmente importantes, na série passo a sentir felicidade trocando os papéis, agora como
fotógrafo, querendo contar com fragmentos, um pouco de mim e dos que estão a minha volta, e
pretensiosamente gerar felicidade a quem ver, assim como eu quando criança vendo as fotos de
minha avó. Partindo de uma série fotográfica que contempla a fotografia popular, o retrato do
cotidiano, o retrato amador com viés artístico surge o desafio de me situar, dentro de algum gênero
fotográfico. Após a escolha do contemporâneo começa o processo de adequação, de formato físico,
de modo que eu conseguisse desenvolver minha poética expandindo o suporte e saindo do
tradicional de maneira coerente, sem juntar coisas do meio contemporâneo que não conversassem
com meu trabalho. Durante a pesquisa conheço artistas que possuem a mesma proposta de
narrativa do cotidiano, que conta com um processo mais íntimo e introduzido a própria vida do
fotografo. Encontrando a subdivisão dentro da fotografia contemporânea que meu trabalho se
encontra, começo a busca e a construção para a forma física das fotografias.
3.4 formatos
Depois de terminar a série fotográfica começa o pensamento de como apresentar meu
trabalho de forma que converse de forma lógica com a poética. Surge então a ideia de transformar
cada fotografia em um cartão-postal, que conterá no verso uma breve frase escrita a mão que
descreva a fotografia, junto a frase haverá uma pergunta e um espaço de resposta para que haja
interação de terceiros em uma exposição, essa interação completa o sentido do meu trabalho. A
pergunta é: O que é felicidade? E conversa com o sentido da foto. Os cartões-postais serão
apresentados dentro de uma caixa de sapatos que remete a fotografia popular, e ao vídeo
anteriormente citado do grupo cia de foto, a caixa é uma de sapatos velha que remete e representa
de forma mais fiel uma caixa de guardar fotografias. Em 22 de Setembro de 2017 minha avó morre.
Como já havia pensado anteriormente em apresentar meu trabalho em um cenário que remeta a
casa dela, isso toma uma importância simbólica ainda maior em meu trabalho fotográfico,
montarei minunciosamente uma sala contendo os seguintes itens:
-Sofá -Almofadas de Crochê - Mesa de centro de madeira -Caixa de sapatos com os cartões-
postais -Urna e cartões de resposta - Luz Amarela ambientando o cenário
A sala será composta por alguns itens, que realmente eram da sala de minha avó, que eu
sentava quando criança. O objetivo do cenário é criar um ambiente aconchegante, e acolhedor
dentro de uma galeria de arte, propiciando uma melhor apreciação do trabalho fotográfico, gerando
15
a inserção necessária para remeter ao estilo da fotografia popular, tendo como objetivo secundário
gerar memórias aos que não viveram essa época ou resgatar as de quem já viveu, e como objetivo
primário gerar felicidade que é o tema central da série. O que é felicidade? A pergunta em si já diz
tudo e abraça o sentido de toda a série, é a felicidade em um âmbito abrangente, popular, é a
felicidade bruta e real que é alvo de procura por todos, e pode estar em qualquer lugar, é sobre a
procura geral e pessoal por esse sentimento na vida cotidiana. As perguntas nos versos dos cartões
são com a intenção de permitir que as pessoas tenham e falem um pouco sobre sua busca individual
pela felicidade, e possam também encontrar a felicidade nos cartões, ou revisitar momentos felizes
do passado, interação que abrange o sentido do trabalho que se torna uma busca geral pela
felicidade.
3.4.1 cartão postal
O cartão-postal fora escolhido como suporte para minhas fotografias por simbolizar
viagens, aventura e principalmente por serem signos que representam um lugar, recortes
específicos de uma localidade turística. Também o cartão-postal é um modo de se mostrar um
lugar importante a alguém resumindo a experiência do momento vivido. Minha avó sempre
possuiu uma grande relação com viagens, eu ao ver suas fotos dos lugares que ela visitava ficava
deslumbrado, deslumbramento que também influenciou minha série e por consequência o suporte
de cartão-postal. Esse suporte possui grande importância dentro da fotografia popular, seu uso
como souvenir de viagem possuem um grande apelo simbólico que quero trazer para meu trabalho
fotográfico.
3.5 fotografias
As fotografias que eu acumulei, nesse período de 1 ano que fotografei para a série, foram
selecionadas e a partir dessa seleção escolhi 74 fotos que fiz cartões postais, que representam parte
de minha vida, e lugares que frequentei, momentos, signos que resumem um grande período de
tempo. Nas fotografias escolhidas, algumas pessoas importantes para mim não aparecem, pois
gostaria que elas fossem representadas de outra maneira, pelo sentimento que tento transmitir na
totalidade da série, sobre um período de vida, um recorte especifico que possuí muita coisa por
trás. Atrás de cada fotografia, escrevi a mão a descrição da foto, o que sinto, e o resumo de tudo
aquilo, a grande maioria são agradecimentos pelas pessoas fotografadas, e uma breve descrição do
momento, do contexto geral, escrevi também dessa vez em todas as fotografias a pergunta: O que
é felicidade?
16
Figura 8: Capoeira - Série : Sobre Nós - 2017 - Gabriel Scabora
Figura 7: Seu Zé - Série: Sobre Nós - 2017 - Gabriel Scabora
17
3.6 exposição
Após o término da parte prática do meu TCC, meu amigo César Rocha e eu idealizamos
uma exposição de fotografia contemporânea conjunta, no espaço da Galeria da FAAL. O trabalho
fotográfico de César Rocha foi desenvolvido no pensamento contemporâneo a partir da foto
colagem, juntando em cada colagem cópias de uma só fotografia que recompostas pelo artista
formam um desenho abstrato, que tem como objetivo ressaltar as formas e os detalhes da natureza.
A exposição conjunta ganhou o nome de Entre mundos que simboliza a diferença das duas séries,
que são de fotografia contemporânea, que partem por outras vertentes dentro das vastas
possibilidades que encontramos, mas que são expostas juntas, com a intenção de apresentar essas
diferenças ao público. Na abertura da exposição houve uma apresentação musical, de nosso amigo
Douglas Prado que sentado no sofá de minha série tocou suas músicas, gerando o começo da
interação com o espaço da sala em que criei. Expor na faculdade foi muito importante para
conclusão de minha série, pois lá estão meus amigos, e professores, e que também é local da
maioria das fotos da minha série, faculdade em qual passei 3 anos de minha vida, e boa parte dos
momentos de felicidade. A interação gerada, pela inserção que propus com a sala - cenário foi
extremamente positiva. Nos cartões de resposta, também houve uma interação que não só seguiu
o proposto, mas me surpreendeu pelo carinho que foi recebido, e declarado no que escreveram nos
cartões. Os cartões de resposta como era esperado atribuem a meu trabalho um caráter de falar
sobre a felicidade pelo olhar do outro, pela escrita do outro, é uma troca de experiências que define
dentro da minha pesquisa, algumas visões sobre esse sentimento.
Figura 9: Aniversário da Vivian - Série: Sobre Nós - 2017 - Gabriel Scabora
18
Figura 11: Mão pegando cartão postal, Sobre Nós 16-2017 Exposição: Entre Mundos- 2017- Fotografia: Gabriel
Scabora
Figura 10: Detalhe da sala, caixa de sapatos e cartões postais - Sobre Nós 16-2017- Exposição: Entre Mundos -
2017 – Fotografia: Gabriel Scabora
19
CONCLUSÃO
O Presente artigo é uma adaptação do trabalho de pesquisa poética resultante em um TCC
requisito para a conclusão do curso de Licenciatura de Artes Visuais da instituição FAAL-
Faculdade de Administração e Artes de Limeira.
Partindo da proposta inicial de realizar uma série fotográfica que retratasse o cotidiano,
exatamente em um período de um ano, surgiu o desafio de me enquadrar no pensamento
contemporâneo. Necessariamente houve uma pesquisa começando após a conclusão da parte
prática da série fotográfica, partindo disso, comecei acerca do pensamento fotográfico
contemporâneo, conhecendo e relacionando trabalhos que seguem a mesma linha poética do meu.
O capítulo Vida íntima do livro da autora Charlotte Cotton, me serviu como guia e base
para nomear a bifurcação contemporânea onde meu trabalho se encontra, que é a fotografia do
íntimo que parte da inserção e construção poética que surge como uma abordagem peculiar e
inserida na vida própria.
Vale ressaltar os processos de pesquisa entorno da felicidade, que foram necessários para
a construção da poética em função da produção prática, que consistia em retratar momentos
íntimos da minha percepção de felicidade. Além de criar uma narrativa pessoal sobre o meu
entendimento de felicidade, busquei também ilustrar a partir da fruição das pessoas na exposição
final qual a concepção individual de felicidade de cada visitante, permitindo que cada um pudesse
participar da obra depositando em uma urna um papel que escreveriam suas percepções do
sentimento abordado.
Durante o processo de pesquisa, existiram várias etapas de construção que aconteceram
simultaneamente, as fotografias que aconteceram no período de 1 ano, a pesquisa entorno da
felicidade, da fotografia contemporânea e da fotografia do íntimo, e a concepção do processo de
construção do suporte final e da exposição. Todos esses processos se concluíram na exposição,
por conta da conclusão do trabalho artístico a partir da fruição das pessoas que visitaram
interagindo e dando sentido a instalação e as fotografias, concluindo o pensamento inicial de narrar
de forma íntima minha percepção de felicidade.
O trabalho de pesquisa e produção poética em questão, pretende ser o inicio de um
aprofundamento futuro no gênero da fotografia do íntimo, detalhando e explorando outros aspectos
não explorados no trabalho apresentado, que seriam a representação fotográfica de outros
sentimentos que compõem o que entendo por felicidade: A dor, o amor e a saudade. Além da
pretensão de expandir a representação dentro da fotografia do íntimo para outros sentimentos, faz-
se necessário, abordar em trabalhos futuros cada sentimento narrado de forma minuciosa,
pretendendo além do âmbito claramente pessoal do trabalho artístico, uma abordagem mais
universal de cada sentimento que será trabalhado.
Portanto, concluo todo o processo de produção e construção desde a poética, do tema, da
pesquisa e do desenvolvimento, declarando um resultado satisfatório de acordo com minha
proposta inicial, onde pude apresentar e introduzir a contemporaneidade, e mais profundamente a
fotografia do íntimo, podendo realizar um trabalho prático junto a uma pesquisa contundente
dentro do espectro no qual me propus. Com isso pretendo contribuir com a minha abordagem
artística do trabalho apresentado e com toda a pesquisa realizada entorno do trabalho prático, para
o pensamento contemporâneo artístico, fotográfico e mais especificamente para o gênero da
fotografia do íntimo, podendo contribuir em trabalhos futuros de pesquisa poética com abordagens
semelhantes.
20
REFERÊNCIAS:
-COTTON, Charlotte - A Fotografia como arte contemporânea São Paulo: WMF Martins Fontes,
2010. -Itaú Cultural - A Invenção de Um Mundo – Editora: Itaú Cultural, 2009 -
JUNIOR, Rubens Fernandes. Processos de Criação na Fotografia - PICTORIALISMO. In:
ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017.
-SPONVILLE, André Comte- Livro: A felicidade, desesperadamente. Editora MARTINS
FONTES, 2001. -DUBOIS, Philippe, O ato fotográfico 9º Edição Editora Papirus
-ROLIM, Iara Cecília Pimentel "Pêche au harpon", a trajetória de uma fotografia Revista Resgate
- Centro de Memória da Unicamp v. 22, n. 1 (2014)
-BARTHES, Roland. A câmara clara: Nota Sobre a fotografia 1980 PDF
link:http://www.pucrs.br/famecos/professores/sempe/Roland_Barthes.pdf -
-KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. PDF link:
htwww.uel.br/revistas/uel/index.php/discursosfotograficos/article/download/9225/785 0
-SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. Editora Companhia das Letras Pdf link:
http://www.mobilizadores.org.br/wp-content/uploads/2016/09/Sobrefotografia-Susan-Sontag.pdf
-OMAR, Arthur. Antes de Ver: Fotografia, Antropologia e as Portas da Percepção. Editora Cosac
Naif.
-MARIEN, Mary Warner. 100 Ideias que Mudaram a Fotografia. Editora Rosari. -Cia de Foto.
Vídeo Caixa de Sapato link: https://www.youtube.com/watch?v=FOInOE8z6D8