Fotografia e fotógrafos, antes e depois da Revolução do 25 de Abril

Embed Size (px)

Citation preview

Fotografia e fotgrafos,

antes e depois da Revoluco

I

do 25 de Abri l M a T e r e s a S l Z a

TAMBM EM PORTUGAL A FOTOGRAFIA VIVEU, NO

incio do sculo, a sua histria de autonomia e

exigncia artstica; serviu-se dos Modernistas e

foi usada por eles. Assim, ainda antes da segunda

dcada, os fotgrafos tendiam a pr de lado o

naturalismo e o pictorialismo, que tinha sido a

primeira etapa de afirmao da fotografia como

arte. Tambm aqui o mercado, reagindo favora

velmente s intenes do programa modernista,

ia substituindo o desenho e a pintura pela foto

grafia ; d-se o grande passo da fotografia para se

tornar imagem indispensvel da comunicao

social.

A subordinao da fotografia presso do

Estado dos anos 30 tem estes antecedentes legi

timadores. Resultava do efeito inevitvel do seu

papel primeiro na propaganda e na publicidade,

tanto mais precioso porque a fotografia desen-

As corporaes definiam a vida associativa existente e eram responsveis pela criao de exposies. Sales e concursos eram controlados pelo Grmio Portugus de Fotografia. A revista Objectivo ( 1937-

45) era quase um rgo do Estado. Centro Portugus de Fotografia, Porto.

Q A sujeio dos grandes fotgrafos ao Estado Novo no foi um exclusivo de Portugal ou Espanha. Ditaduras e democracias usaram a fotografia como propaganda, j que a crise dos anos 30, permitiu um incomensurvel crescimento do poder do Estado. Centro Portugus de Fotografia, Porto.

1 39

volvera a tcnica da sugesto e pela mo de

Modernistas que ela se compromete com a pro

paganda dos regimes.

De facto, Antnio Ferro, intelectual actuali

zado, orienta as primeiras intervenes macias

da imagem fotogrfica na propaganda do regime

portugus, sado da ditadura militar de 1926.

Seguiu o modelo fascista que tinha observado

em Itlia em 1932, para comemorar os dez anos

da marcha vitoriosa de Mussolini (aliana do

texto de propaganda ao design, belas-artes e

fotografia) . Na Exposio do Parque Eduardo VII,

em 1934, Ferro dirige a encenao da exposio

sobre os antecedentes da revoluo de 28 de

Maio, mostrando sries de fotografias de Beno

liel do perodo republicano, ampliaes acom

panhadas de bom grafismo, mas seleccionando

greves, motins e desastres, numa sequncia

negativa, na qual a revoluo de 28 de Maio apa

recia como flagrante hiptese de salvao.

A lio de propaganda de Antnio Ferro foi

decisiva; a fotografia passou a ter encomendas de

Estado; bem conhecida a encomenda a Domin

gos Alvo, para fazer a cobertura, em exclusivo,

da Exposio Colonial do Porto de 1934.

No pode dizer-se que a sujeio dos gran

des fotgrafos ao Estado Novo fosse um exclu

sivo de Portugal, ou da Pennsula. Ditaduras e

democracias usaram a fotografia como propa

ganda' para bem e para mal, j que os anos

trinta, de crise internacional sada do desastre

de Wall Street, permitiram o incomensurvel

crescimento do poder do Estado. No estar com

o Estado era estar contra ele. Aqui como noutros

casos. Goebbels e o seu Ministrio da Propa

ganda instituram o que predominar em regi

mes antidemocrticos: deixou utilizar o Moder

nismo Fotogrfico, pervertendo-lhe o sentido

atravs de novos contedos, e utilizou, como j

fizera Mussolini, as formas estticas da fotogra

fia revolucionria russa, nomeadamente nas

suas campanhas de produo.

Da Alemanha hitleriana vem tambm um

modelo que ter grande influncia no cresci

mento da fotografia de autor, o registo temtico

em livro, utilizado pelo maior fotgrafo do

regime, Paul Wolff , o que exigia uma tcnica

rigorosa e apurada. Os seus temas faro eco no

Salonismo portugus, pitorescos e com vrios

tipo de expresso da beleza intemporal, com

acentuada incidncia na juventude e na infn

cia. Em 1934, alm dos lbuns da Exposio

Colonial Portuguesa, surge tambm, no pas,

o Portugal 1934, pub. do Secretariado da Propaganda Nacional. No lbum de 1940 integram-se

os grandes fotgrafos, alguns vindos do republi

canismo, Mrio e Henrique Novaes, San Payo,

Judah Benoliel, Ferreira da Cunha, Silva

Nogueira, produo do estdio de Alvo. Mos

trando a viagem presidencial s colnias ( 1938-

39), fazem-se 5 volumes com fotografias _.

de resto inovadoras - de Marques da Costa. Ori-

entar os projectos fotogrficos para publicao

em livro era tambm uma forma de aproxima

o ao regime, e no pas pratica-se muito cedo.

Por outro lado, os Sales, onde expunham

membros dos amadores liberais - ou profissio

nais com seleces artsticas - eram de certo

modo idnticos nas intenes aos foto-clubes

franceses e, tal como eles, mantinham-se ainda

em plena rotina nos anos 60. Girando toda a vida

associativa enquadrada pelas corporaes, so

estas que facilitam a criao de exposies, sur

gindo tambm concursos fotogrficos submeti

dos a jris compostos de fotgrafos e artistas,

habitualmente ligados ao regime. De resto, tanto

os sales como os concursos eram controlados

pelo Grmio Portugus de Fotografia, inserindo

se portanto no sistema corporativo. Quase rgo

do Estado era a revista Objectiva (1937- 1945) .

Neste contexto toda a criatividade fotogr

fica surge margem e marginalizada. o caso

da exposio do pintor e fotgrafo surre alista

Fernando Lemos na Casa Jalco ( 1952) , que

inclua 55 imagens extraordinrias e retratos de

artistas lisboetas, como Antnio Pedro, Casais

Monteiro, Alexandre O'Neil, Vieira da Silva,

Jorge de Sena, Cardoso Pires e outros. Pela

mesma altura a nova revista Plano Focal mos

trava imagens de Fernando Lemos, Man Ray,

E . Weston, Herbert List e outros inovadores, mas

controlava o excesso de ousadia com fotografias

de Rosa Casaco, um dos mais persistentes fot

grafos salonistas, que pertencia Pide e, nesses

anos cinquenta, tirar vrias fotografias de Sala

zar na intimidade.

O grande acontecimento fotogrfico dos

anos 50, quase a acabar a dcada, uma experi

ncia isolada, a exposio de Victor Palla e Costa

Martins Lisboa, Cidade Triste e Alegre, em 1958,

em Lisboa e no Porto.

Os anos 50 so os do impacto da fotografia

subjectiva alem; em Itlia dominam as van

guardas conceptualistas contra uma pertinente

() indeterminao dos finais dos anos 70, sucedem os criativos anos 80. Fografos sados do

fotojornalismo, do espao da imprensa e das jovens e hesitantes escolas de fotografia, ou ainda

regressados do estrangeiro, constituem a nova gerao de fotgrafos portugueses. De entre eles destacam-se nomes como Paulo Nozolino e Jorge M older. Fotografia de Jorge Molder. Centro Portugus de Fotografia, Porto.

o o grande acontecimento fotogrfico dos anos 50 a exposio Lisboa Cidade Triste e Alegre da autoria de Victor Palia e Costa Martins em 1958. Fotografia de Victor Palia. Centro Portugus de Fotografia, Porto.

fotografia neo-realista, e em 1956 William Klein

publica o seu New York, iniciando a revoluo da

forma fotogrfica e o seu definitivo corte com a

pintura: ser o acto de ve/; o ncleo expressivo da

imagem. Impe-se transformar a realidade sem

a deformar, afirmava e demonstrava Minor

White na sua recente revista Aperture.

1956 o ano em que Victor Palia e Costa

Martins iniciam a sua experincia fotogrfica,

levantando imagens de Lisboa. Expem o traba

lho final no mesmo ano em que surge Os Ameri

canos de Robert Frank (Delpire, Paris, 1958), a

obra que ser o guio das geraes seguintes.

Tudo isso se encontra na Lisboa, Cidade

Triste e Alegre; no se trata de fotografias felizes,

intimistas ou apenas inesperadas: um projecto

revolucionrio, que desdobrava todas as verten

tes ento experimentadas e ainda por experi

mentar: um modo de apresentar um outro real,

to dinmico e mutante como a prpria vida,

onde cabe toda a realidade visionada, a opaci

dade, o fragmento, o inacabado, o tremido, ind

cios da descoberta de que a mquina fotogrfica

pode reproduzir essa realidade fluida e impre

cisa que os olhos humanos vem.

O que poderia ter sido uma revoluo na

fotografia portuguesa foi recebido com indife

rena e incompreenso. Duas exposies, uma

publicao por assinaturas interrompida. Pionei

ros de muita coisa, compreendidos por uma gera

o portuguesa da nova fotografia, que hoje se

interpreta como vanguarda, Carlos Calvet, Grard

Castello-Lopes, Victor PalIa, Costa Martins, Jorge

Guerra teriam de esperar pelos anos 80 para

serem descobertos e servirem de influncia maior

para a fotografia portuguesa sada do 25 de Abril.

De facto, fotografia militante, suporte de

manifestaes cvicas e militares que a demo

cracia reintroduz, o fotojornalismo e o docu

mentalismo portugus encontram o seu verda

deiro carcter de denncia e chamada de aten

o que at ento lhe tinha sido vedado; novos

espaos comeam a surgir, nos jornais, nomea

damente no Expresso, galerias, festivais de foto

grafia (Encontros de Coimbra, Braga, Porto, Vila

Franca de Xira) . Cursos mdios e superiores de

fotografia, de iniciativa cooperativa ou privada,

travam a sua luta para a oficializao. O pblico

que acorre verdadeira escola pedaggica do

olhar, que so os festivais e a Galeria Ethe/; em

Lisboa, est mais livre e mais atento: ainda em

1973 a retrospectiva de Bill Brandt, na F.c.G., no

tivera impacto e a crtica no a compreendera. s indeterminaes dos finais dos anos 70

(Alternativa Zero, 1977-1978, Seis Fotgrafos,

1978, Fotografia como Arte-A Arte como Fotogra

fia, 1979, e outras) , sucedem os criativos anos 80.

Fotgrafos sados do fotojornalismo ou do espao

de imprensa, das jovens e hesitantes escolas de

fotografia, outros que regressam do estrangeiro

onde tinham feito nome, artistas como Helena

Almeida, constituem a nova gerao de fotgra

fos portugueses que ganha presena nos festivais

de Coimbra, Braga e Porto; torna-se consensual

que dois fotgrafos se afirmam como modelo,

Paulo Nozolino e Jorge Molder, mas muitos dos

jovens que vo constituir a gerao de 90 - uma

gerao mltipla nas experincias e no reconhe

cimento pblico -, j esto presentes nos anos 80,

Daniel Blaufuks, Lus Pavo, Valente Alves, Jos

Afonso Furtado, Lus Palma, Jos Manuel Rodri

gues, Mariano Piarra, Jos Mas de Carvalho,

Alfredo Cunha, Leito Marques, Bruno Sequeira,

Antnio Jlio Duarte, Augusto Alves da Silva ou

Ins Gonalves. O fotojornalismo que cede mui

tos dos seus fotgrafos. Muitos deles frequenta

ram a ARCO, escola que se tornou o primeiro alfo

bre desta gerao de autores.

A criao do Centro Portugus de Fotografia

pelo Ministrio da Cultura, desde 1997, vem dar

corpo oficial a uma situao que se indiciava o

crescimento um pouco desordenado de uma

produo fotogrfica, num pas sem ndice nor

mal de compra de fotografias, com poucos e obs

curos coleccionadores, sem museu de fotografia.

Apoio oficial produo e divulgao, quer pela

atribuio de apoios financeiros, bolsas, pela

encomenda e compra fotogrfica, pela organiza

o de exposies, cursos ou pela instituio dos

dois prmios, Prmio Nacional e Prmio Pedro

Miguel Frade, no resolve, obviamente, os pro

blemas de encomenda de uma nova gerao de

bons fotgrafos que no deixa de crescer. A foto

grafia portuguesa existe, vende a museus e outras

instituies no estrangeiro, expe um pouco por

todo o mundo, tem valores em ascenso, vrios

cursos de fotografia oficiais e privados, festivais

reconhecidos e outros que se afirmam, mas no

tem ainda uma Escola Superior de Fotografia

autnoma e poucas instituies privadas contri

buem para a definio de um verdadeiro mer

cado fotogrfico.

A dcada de 90 marcada por uma gerao

multifacetada ao nvel da experincia individual dos fotgrafos. tambm a dcada do reconhecimento pblico. De destacar os nomes de Valente Alves e Antnio Jlio Duarte.

Centro Portugus de Fotografia, Porto.

1 42