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Frades Arrábidos em Minde Alzira Maria Almeida 1 Resumo Ao investigar a presença dos frades Arrábidos em Rio Maior encontrei algumas referências aos arrábidos de Minde. Os documentos tratados falavam de ter sido “abulido o Ospício de Minde2 e de uma mercê do Príncipe regente D. João autorizando o Síndico da Província de Santa Maria da Arrábida a “aquirir o Hospicio do lugar de Rio Mayor, para a fábrica dos Habitos da sua Provincia, que até então se fazião com bastante incómodo no Lugar de Minde3 . Na altura, encontrei o Inventário de Extinção do Hospício de Nossa Senhora da Arrábida de Minde, datado de 1834, e que demonstra ter a fábrica de panos e buréis dos frades de Minde existido até essa data. Sendo estes dados contraditórios, propus-me saber mais sobre os Arrábidos de Minde, nomeadamente, quando se fixaram nessa 1 Licenciada em História pela Universidade de Lisboa. Dedica-se à investigação. Tem colaborado com a imprensa regional através de uma rubrica a que deu o título «O que dizem os documentos». É membro do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão. 2 ADS, Livros Notariais de Rio Maior, Teodoro Botelho Nobre, 1794, fls. 4 e 4v. 3 ADS, Notariais de Rio Maior, Teodoro Botelho Nobre, Lv. 6 (158), 1799, fls. 42v a 43v.

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Frades Arrábidos em Minde

Alzira Maria Almeida1

Resumo

Ao investigar a presença dos frades Arrábidos em Rio Maior

encontrei algumas referências aos arrábidos de Minde. Os

documentos tratados falavam de ter sido “abulido o Ospício de Minde”2

e de uma mercê do Príncipe regente D. João autorizando o Síndico da

Província de Santa Maria da Arrábida a “aquirir o Hospicio do lugar de

Rio Mayor, para a fábrica dos Habitos da sua Provincia, que até então se

fazião com bastante incómodo no Lugar de Minde”3.

Na altura, encontrei o Inventário de Extinção do Hospício de

Nossa Senhora da Arrábida de Minde, datado de 1834, e que

demonstra ter a fábrica de panos e buréis dos frades de Minde existido

até essa data.

Sendo estes dados contraditórios, propus-me saber mais sobre

os Arrábidos de Minde, nomeadamente, quando se fixaram nessa

1 Licenciada em História pela Universidade de Lisboa. Dedica-se à investigação. Tem colaborado com a imprensa regional através de uma rubrica a que deu o título «O que dizem os documentos». É membro do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão.

2 ADS, Livros Notariais de Rio Maior, Teodoro Botelho Nobre, 1794, fls. 4 e 4v.

3ADS, Notariais de Rio Maior, Teodoro Botelho Nobre, Lv. 6 (158), 1799, fls. 42v a 43v.

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localidade, se a sua presença foi profícua para os habitantes e a razão

da sua fábrica de panos e buréis laborar “com bastante incómodo”.

Palavras-chave: Frades Arrábidos, Minde, fábrica de panos e buréis,

cardadores, Condes de Rio Maior

Abstract

When investigating the presence of the Arrábidos friars in Rio

Maior I found some references to the Arrábidos of Minde. The treated

documents spoke of the "abolition of the Ospicio de Minde" [1] and of a

boon of the Prince Regent D. João authorizing the Syndic of the

Province of Santa Maria da Arrábida to "acquire the Hospice of the

place of Rio Mayor, for the factory of the Habits of his Province, which

until then had been done with considerable inconvenience in the place

of Minde. "[2]

At that time, I found the Extinction Inventory of the Hospice of

Nossa Senhora da Arrábida de Minde, dated 1834, which shows that

the factory of cloth and burel fabrics of the friars of Minde existed until

that date.

These facts being contradictory, I proposed to know more

about the Arrábidos de Minde, namely, when they settled in that

locality, if their presence was profitable for the inhabitants and the

reason for their factory of cloth and burel fabrics worked "with

enough discomfort."

Keywords: Arrábidos Friars, Minde, cloth and burel fabrics factory,

carders, Counts of Rio Maior

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Fundação do Hospício

Os documentos consultados não são conclusivos de forma a

indicar-nos uma data. Alguns apontam o ano de 1731, outros o de

1733, outros ainda o de 17344. Segundo Rui M. Mendes5, a data de

1731 é referida, inclusivamente, por Fr. Cláudio da Conceição em

Gabinete Histórico, vol. 11, p. 349 sendo a do ano em que o rei D. João

V autorizou a fixação dos arrábidos em Minde.

Tendo sido extintos em 1834, estiveram 100 anos na

localidade. Pelo inventário6, aquando da extinção, ficamos a saber que

os seus bens imóveis foram avaliados em 540$000 réis, compondo-se

de “casco”, “cerca” e prédio rústico.

Do casco fazia parte o prédio do convento; a igreja; casas que

serviam de barbear; outra contígua que servia de cozinha antes da

reedificação do Hospício; uma que servia de palheiro; outra de

acomodações de criados; duas celas habitáveis onde era o dormitório

antes do incêndio7; casa que servia de fábrica com sete janelas, sendo

só uma envidraçada; e por baixo uma casa que servia de escola de

primeiras letras; outra que servia de cozinha; outra que servia de

refeitório; outra que servia de despensa; outra que chamam casa da

tulha e tem uma janela com grade de ferro.

4 Data constante na pedra que encimava a porta da capela. Minde / História e Monografia, p.87.

5 Rui M. Mendes, “O Padroado do Hospício de Sant’Ana, em Minde (1757)”, in historia-e-arte-barroca.blogspot.com/2011/06/o-hospicio-de-santana-em-minde.html.

6 Ministério das Finanças, Inventário de Extinção do Hospício de Nossa Senhora da Arrábida de Minde.

7 Os autores de Minde / História e Monografia, datam este incêndio de novembro de 1829. Ver p.95.

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A cerca era toda murada, tinha seis árvores e parreiras junto às

casas. Tinha ainda uma casa que servia de depósito.

O prédio rústico descrito era um serrado com árvores, junto ao

Hospício

Através deste documento apercebemo-nos que os Frades

viviam sem luxos como era apanágio da ordem.

Como era hábito haver padroeiros dos conventos, com

obrigatoriedade de doarem uma “ordinária” estipulada por escritura,

vejamos quem apoiava monetariamente este Hospício.

Patronos

Rui M. Mendes diz ter encontrado uma escritura de doação e

padroado do Hospício de Sant’Ana de Minde no Livro de Notas do

Tabelião José António da Silva Freire, datada de novembro de 1757.

Assim resumida pelo escrivão distribuidor:

“Doação = O Padre Apolinário dos Anjos ao Hospício da Senhora Sant’Ana que he dos Padres Arrábidos no Lugar de Minde, termo de Porto de Mós = de 30$000 réis cada ano, e 6 alqueires de azeite perpetuamente; com a condição de o doante, e seus sucessores terem o Padroado da Capela-mór do dito Hospício, e jazigo nele, e outros encargos pios; e para a dita renda ser perpétua, declarou o doante ter feito um Vínculo a favor de sua irmaã Maria da Costa; e por morte della há-de a Misericórdia de Torres Novas a continuar a pagar a pensão ao dito Hospício; conforme a escritura que celebrou na dita vila em 28 de Agosto deste ano.” (DGARQ-ADL, Cartório do Distribuidor, Cx. 35, Lv. 118, f. 305)8

Também o Arquivo Distrital de Santarém refere o Padre

Apolinário dos Anjos como padroeiro do Hospício de Minde.

8 Rui M. Mendes, “O Padroado do Hospício de Sant’Ana, em Minde (1757)”, in historia-e-arte-barroca.blogspot.com/2011/06/o-hospicio-de-santana-em-minde.html.

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Mas existe outra escritura, datada de 1781, que faz parte de um

vasto documento pertencente ao espólio dos Marqueses de Rio

Maior9. Datada de 21 de junho, foi celebrada no Convento de São Pedro

de Alcântara, em Lisboa, entre o Padre Mestre e mais religiosos “do seu

Defenitório” e o procurador “do Excellentissimo João de Saldanha de

Oliveira e Sousa Commendador da Ordem de Christo, e das Commendas

de Sam Martinho de Santarem e de Sancta Maria de Africa e Santa

Maria da Torre, Gentil Homem da Camara de Sua Magestade”10, em que

este aceita o Padroado dos Arrábidos de Minde.

Para melhor compreendermos o que se passou vejamos, uma

declaração assinada pelo Marquês de Rio Maior, em que são

explicados os motivos que o levaram a essa aceitação:

“Havia muito tempo que os PP Arrabidos fazião repetidas deligencias para que o Padroado do seu Hospicio de Santa Anna de Minde ficasse pertencendo a esta caza; e as mesmas razoes em que fundavam as suas repetidas deligencias erão as que faziam eficazes e seguras as suas suplicas: lembrarão se que Eu lhes havia profeçado desde os meus primeiros anos o maior afecto: que entre eles me havia creado, pella antigua vizinhança da caza de meus Pays, e Avos, tanto em Lixboa, junto ao Convento de S. Pedro de Alcantara, como na Quinta de S. Jose da Riba mar, mais próxima do seu convento: Que a mizeria dos prezentes tempos fazia mais dificultoso o acharem Padroeiro competente Hospicio: Que a Ordinaria com que deveria contribuir era de pouquíssimo valor; e finalmente pedião e rogavam incessantemente”11

Ficamos então a saber que alguma coisa correu mal

relativamente ao contrato com o primeiro Padroeiro, Padre

Apolinário dos Anjos.

9 Padroado do Convento de Minde / Sepulturas / No Convento de São Pedro de Alcântara…

10 Padroado do Convento de Minde / Sepulturas / No Convento de São Pedro de Alcântara…, 5.º caderno, Escriptura, p.4.

11Idem, 1.º Caderno, XIV, Declaração.

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Relativamente ao novo Padroeiro, sabendo que este tinha

direitos e obrigações. “Sua Excellencia asseita esta Escriptura obriga a

cumprir sem fallencia alguma […] em tudo favorecer aos ditos

relligiozos mas especialmente não lhe faltar com a dita ordinária dos

vinte mil reis em dinheiro; e os dois cantaros de Aseite”12.

De direito, era usual o padroeiro ter sepultura no altar mor da

igreja dos seus protegidos. Neste caso o novo padroeiro desiste de

“sepultura da Capella mor do Predio Hospício de Minde” acabando por

aceitar jazigo no cruzeiro da igreja de São Pedro de Alcântara, apesar

de o considerar desnecessário uma vez que dispunha de outros, na

capela maior do convento de São Domingos de Santarém, que era

jazigo comum da família Saldanha, na capela maior da igreja dos

Padres Arrábidos de Torres Vedras e ainda a capela de São João de

Capristano na igreja de São Francisco da cidade de Lisboa13.

Para além das sepulturas em São Pedro de Alcântara, e por

escritura de 2 de julho, feita no Moinho da Fonte, termo de Torres

Novas “toma entrega da propriedade chamada Moinho da Fonte e suas

pertenças, visto ser do Padroado, sem que delle se haja de servir e so sim

os ditos religiosos para poderem fabricar os seus boreis e mais panos de

sua Provincia” e “poderem usar de Pisão do Moinho da Fonte para o fim

de suas vestiarias”14.

Por seu lado, os religiosos da Arrábida tinham por obrigação

“mandarem assistir em cada anno na Capella da Igreja de São João

Baptista da Ventoza da Quinta da Azinhaga, em a Vigília e Dia do mesmo

12Idem, 5.º Caderno, cópia da escritura, p. 6.

13Padroado do Convento de Minde / Sepulturas / No Convento de São Pedro de Alcântara…, 1.º Caderno, XIV, Declaração.

14 Idem, 5.º Caderno, cópia de escritura, p. 8.

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Santo, dois Padres do Hospício de Santa Anna de Minde, para

confessarem, e no dia do Santo pregarem”15.

Sabemos que estas escrituras tiveram concretização pois

falecendo o primeiro Conde de Rio Maior a 26 de janeiro de 1804, o

seu sucessor renovou o contrato em escritura assinada a 12 de junho

de 1806, mantendo idênticos direitos e obrigações. Conserva as duas

sepulturas da igreja do Convento de São Pedro de Alcântara onde diz

estarem sepultados o primeiro Conde, seu pai; duas irmãs, um irmão

e uma tia16. Os Frades de S. Pedro ficam obrigados a dizer uma missa

cantada todos os dias 26 de janeiro, “havendo vinte e seis padres” para

a cantarem17. O novo Padroeiro obriga-se a cumprir a ordinária, pelo

Natal, junto dos Padres de Minde18.

Escola

No Livro de Mercês de D. Maria I19 encontra-se registo da

decisão da soberana relativamente a doações às escolas dos

Arrábidos. São contempladas as escolas de Filosofia Racional de São

Pedro de Alcântara, em Lisboa e do Convento de Santo António em

Leiria, e o Convento do Espírito Santo em Loures, onde havia a cadeira

de Gramática Latina.

Também as escolas “de ler, escrever e contar” dos Arrábidos são

beneficiadas.

“Houve S. Mag. e por bem por Sua Real diz.am [?] de 16 de Ag.to do prez.e anno fazer m. ao G.am e Religiosos do Conv.to de N.ª S.ra da

15 Idem, Ibidem, Relação das Obrigações dos Frades Arrábidos.

16 Idem, Ibidem, 3.º Caderno, Proposta.

17 Idem, Ibidem.

18 Idem, Ibidem.

19 Registo Geral de Mercês, D. Maria I, Lv.º 4, fls. 42v a 43v..

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Pie.de em Caparica da Prov.cia de S.ta M.ª da Arrabida de hua escola de ler, escrever e contar com a ordinária anual de 40$r pagos na folha dos Profeçores Regios e deles dará 20$r cada anno ao P.e Fr. Joaq.m de S.ta Anna a q.m a d.ª S.ra tem nomeado para reger a d.ª escola o qual jurará perante o Arcebispo de Lacedemonia na forma ordenada. De que se lhe passou esta carta em 26 Nov. 1776”

E outras cartas idênticas para os Conventos de São Cornélio,

Vale de Figueira e de Minde.

“E outra tal carta como a acima reg.da se passou ao G.am e

rellegiosos do Conv.to de S.to Ant.º de Minde p.ª terem outra escola com

ordinária de 40$r anuais e dela 20$r p.ª o P.e Fr. Eusebio de Jesus M.ª

que o hade reger. E a carta foi feita em 26 Nov. 1776”20

António de Jesus e Silva, natural de Minde, viveu nas últimas

décadas do século XIX e primeiras do século XX21, foi professor nos

Amiais de Baixo e escreveu para os jornais O Santareno, Correio da

Extremadura e o Portomosense. No volume VI de Portugal Antigo e

Moderno, há uma entrada sobre Minde baseada no seu testemunho.22

Diz ele que Minde chegou a contar mais de cem padres, e que em 1875

ainda tinha dezoito eclesiásticos e vários ordenandos.

Mostra-nos a grande importância que a escola dos frades

Arrábidos teve para a população, identificando vários naturais de

Minde que se destacaram pelo seu saber, entre eles dois bispos, um

leitor de teologia, um examinador das três ordens militares, cinco

pregadores régios, um desembargador, um bacharel, dois professores

em Lisboa, um cirurgião, um frade, um beneficiado. Afirma ainda que

“muitos d’aqui sahiram para se espalhar por todos os mosteiros da

20 Registo Geral de Mercês, D. Maria I, Lv.º 4, fl. 43v..

21 Terá falecido em 1926 com 91 anos. Cf. Minde / História e Monografia, p. 110.

22 «Olho da Mira» in Portugal Antigo e Moderno, vol. VI, pp. 237-243.

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Extremadura, não havendo um só convento onde não houvesse frades

naturais desta freguesia”23.

Hospital

Em toda a documentação consultada, existem muito poucas

referência ao hospital ou enfermaria de Santo António de Minde24,

nem dele se faz referência no documento de extinção do Hospício.

Contudo, há um alvará para continuar a esmola de 15 arráteis

de pimenta, 6 de cravo, 10 de canela, 4 de gengibre e 5 de malagueta

aos conventos dos frades arrábidos de N.ª Sr.ª da Piedade de

Salvaterra de Magos; de Santa Catarina; de N.ª Sr.ª dos Anjos de Torres

Vedras; da Madalena de Alcobaça; da Conceição de [Santa Iria] da

Azoia; de N.ª Sr.ª dos Prazeres de Palhais; da Conceição de Alferrara;

de Nossa Senhora da Boa Viagem; da Madre de Deus de Verberena; e

aos hospícios de Santa Ana de Minde; e de Nossa Sr.ª da Arrábida no

Hospital Real de S. José25.

Se pensarmos nas qualidades terapêuticas atribuídas às

especiarias em causa, e ao facto do Hospital Real de São José ser

contemplado, leva a pressupor que, em algum momento, existiu em

Minde um hospital ou enfermaria ligados aos frades Arrábidos26.

Fábrica de panos e buréis

Relativamente à fábrica de panos já muito foi escrito.

23 «Olho da Mira» in Portugal Antigo e Moderno, vol. VI, p. 242.

24 «Arrábida, convento de» in Espectro de Penitentes, pp. 737-739.

25 Registo Geral de Mercês, D. Maria I, Lv.º 24, fls. 24 a 34.

26 Paulo J. S. Barata, na sua obra Os Livros e o Liberalismo […] indica Santo António de Minde como “Hospício e enfermaria”.

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É de revelar, a mercê da rainha D. Maria I que isenta o convento

de pagar “direitos e gabellas” sobre as lãs e buréis.

“Sua Mag.e tendo respeito a lhe representar o Proc.dor G.al da Prov.cia de S.ta Maria da Arrábida deste Reino q’ o S.r Rey D. João 5.º de gloriosa memoria por seu Real Avizo fizera a d.a Prov.cia a esmola e graça de isentar do pagam.to dos direitos e gabelas as lans, e bureis da Fabrica da Vestiaria pertencentes à referida Prov.cia, e porq’ os Menistros e oficiais dos territórios respectivos repugnavão cumprirem a mencionada graça com o fundam.to de os Religiosos já não residirem no Real Conv.to de Mafra expressado no d.o Real Avizo; e como a Prov.cia era da mais estreita observância, e sempre fora favorecida pelos Snr’s Reys destes Reynos: pedia lhe fizesse a esmola de m.dar dar Livres aos costumados direitos as lans e bureis precisos a fabrica de Vestiaria da d.a Prov.cia sita em o Hospicio de S.ta Anna do lugar de Minde […] Há Sua Mag.e por bem por Sua Real rez.am do primr.o de Abril fazer m.ce ao Supp. De lhe conceder a graça que implora para serem isentos de Direitos e gabelas as lans e os bureis da Fabrica e Vestiaria pertencentes aos Conv.tos da d.a Prov.cia de S.ta Maria da Arrábida. De que lhe foy passado Alvara em 15 de Mayo de 1778”27.

Não restam dúvidas que a fábrica laborou em Minde desde

muito cedo. Se a fundação do Hospício se deve ao rei D. João V, por este

documento ficamos a saber que o mesmo rei isentou os frades do

pagamento de impostos sobre as lãs e buréis, o que foi reafirmado por

esta mercê de D. Maria I.

Que funcionou até 1834 parece não oferecer dúvidas. O

documento de extinção do hospício, no inventário dos seus bens

móveis enumera os “Objectos da Fabrica deste Hospício”, referindo,

entre muitas outras coisas, caixão de guardar lã, bancas de pau, oito

tripeças para os cardadores, caldeiras, braços de balança, uma banca

de bater lã, treze arrobas de lã preta lavada avaliada em 46 800 réis,

trinta e quatro arráteis de fiado de lã preta, cinco pentes em bom

27 Registo Geral de Mercês, D. Maria I, Lv.º 24, fl. 44v..

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Frades Arrábidos em Minde

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estado de tecer os panos, uma urdideira, duas tesouras de ferro

grandes, vinte e cinco arráteis de lã lavada28.

Refere ainda o documento de extinção haver um livro in folio

manuscrito, de 144 folhas, de receita e despesa desta fábrica e outro

livro dos cardadores que trabalhavam na fábrica com os respetivos

ordenados, também in folio29. O elevado número de cardadores levou

António de Jesus e Silva a afirmar que Minde era “a terra dos

cardadores” que, na altura própria, se deslocavam pelo país a exercer

a sua profissão.

No volume VI de Portugal Antigo e Moderno, com o contributo

do já citado António de Jesus e Silva, se diz “Fabricam-se aqui muitos

pannos de lan: até 1834, todos os conventos da província gastavam d’aqui

pannos para os seus hábitos”. E mais à frente, falando da decadência do

fabrico de lã em Minde, atribui esse facto, entre outras razões, à

“extincção das ordens religiosas pois no hospicio dos arrábidos desta

freguesia, trabalhavam muitas pessoas, sendo por isso este

estabelecimento religioso considerado também como uma boa fabrica de

lanifícios, com sahida certa, para todos os mosteiros da provincia, […]”30,

e havendo necessidade de comercializar a matéria prima, foi criado o

mercado anual de lãs, em julho, na festa de Santa Ana, sendo o

pagamento de terrado da feira recebido pelos frades de Minde31.

28 Arquivo de História do Ministério das Finanças, n.º 257, fls. 15 a 16v..

29 Idem, Ibidem, fl. 22.

30 «Olho da Mira» in Portugal Antigo e Moderno, vol. VI, p. 239.

31 Abílio Madeira Martins, em A Herança de Dom David, p. 97, transcreve o Decreto de D. José I criando esta feira, datando-o de 26 de julho de 1758.

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“A arte das mantas de Minde terá nascido […] no Convento dos

Frades Arrábidos, que já faziam mantas grosseiras […]” constata a

presidente da direção do C. A. O. R. G., Maria Alzira Roque Gameiro”32.

Extinção do Hospício

De 7 a 9 de julho de 1834, na casa do Provedor do Concelho de

Porto de Mós, dando cumprimento ao decreto lei de 30 de maio do

mesmo ano, estando presentes os frades moradores no Hospício de

Minde, Frei Francisco de Jesus Maria, de 60 anos, Presbítero Pregador,

e Frei Joaquim de São Pedro de Alcântara, de 63 anos, leigo professo,33

se procedeu ao inventário de bens, estando presentes louvados e

testemunhas.

Os bens imóveis e os objetos da fábrica, foram já referidos

atrás. Os outros bens móveis, foram descritos minuciosamente pois

destinavam-se a venda em hasta pública, com exceção dos vasos

sagrados, paramentos, livraria e objetos preciosos não sagrados.

São de destacar, as cinco imagens da igreja: um Santo Cristo,

Um Santo António “de Pau”, São Francisco, Santa Ana, Nossa Senhora

da Conceição de marfim. E ainda quatro painéis que não se

deslocaram, sendo um da Conceição, rebocado, dois de cruxifixo e um

de Santo António.

De tudo isto diz António de Jesus e Silva “só resta a capela, em

ruína, e a cisterna; e isto mesmo foi vendido em hasta pública, por uma

32 Entrevista dada por Maria Alzira Roque Gameiro a Cláudia Gameiro in www.mediotejo.net/mantas-de-minde-quando-as-maos-tecem-um-produto-de-luxo-cv.

33 Ausente na capela de Valverde, Alcanede, estava Frei Pantaleão de Jesus Maria José, de 61 anos, Presbítero Pregador.

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Frades Arrábidos em Minde

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quantia insignificantíssima […] sem haver uma autoridade local que

pedisse a sua conservação para ficar a capella para o público e o edifício

do mosteiro para habitação do professor, e para sala da escola!”34

Conclusão

Desta investigação, podemos concluir, que o hospício de Minde

não foi abolido nos finais do século XVIII, como estava referido no

documento do tabelião de Rio Maior que referi na introdução.

Todavia, o autor ainda questiona, se em Rio Maior, onde os

Arrábidos viveram por 40 anos, a fábrica de hábitos chegou a laborar.

Durante a investigação, nada leva a crer que os hábitos se fizessem em

Minde “com bastante incómodo”.

Mais ainda, a presença dos Frades Arrábidos, em Minde

comprovou ser altamente benéfica para os seus habitantes. Primeiro

porque, dando emprego a muita gente se criou uma mão de obra

especializada, como os cardadores, que podiam usufruir de melhores

condições económicas e segundo, porque muitos naturais de Minde,

aprendendo a ler e a escrever, puderam seguir carreiras superiores na

Igreja ou na Universidade.

Bibliografia

Fontes manuscritas

Hospício de Nossa Senhora da Arrábida de Minde / Documentos sobre o Padroado do Hospício de Santa Ana de Minde dos Religiosos Arrábidos, refundido em duas sepulturas, 1781-1806, PT / TT / MRM / C032 / 008

34 «Olho da Mira» in Portugal Antigo e Moderno, vol. VI, p. 242.

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Alzira Almeida

270 | Mátria Digital • Nº6 • Novembro 2018 – Outubro 2019

Inventário de Extinção do Hospício de N.ª Sr.ª da Arrábida de Minde, 7 julho 1834, PT / TT / MF-DGFP /E /001 /00258

Província de Santa Maria da Arrábida / 20$000 rs anuais para Professor de Primeiras Letras no Convento..., 1779, PT / TT / RGM- E / 0000 / 165103, Lv.º 4, fls. 43 e 43v

Província de Santa Maria da Arrábida / Alvará. Para continuar a esmola de 15 arrateis de pimenta, 6 de cravo, 10 de canela, 4 de gengibre e 5 de malagueta, 1778, PT / TT / RGM / E / 0000 / 139646, Lv.º 24, fls. 24 a 35

Província de Santa Maria da Arrábida / Para serem isentos de Direitos os buréis e lãs das fábricas e vestiarias dos conventos da mesma Província, 1778, PT / TT/ RGM / E /0000 / 165093, Lv.º 4, fl. 42v

Obras impressas

Leal, Augusto Soares de Azevedo Barbosa Pinho, Portugal Antigo e Moderno, 1875, vol. V, pp. 233 a 235 e Vol. VI, pp. 237 a 243.

Martins, Abílio Madeira, A Herança de Dom David, Leiria, Folheto Edições & Design, s.d., p. 255.

Martins, Abílio Madeira e Nogueira, Agostinho, Minde / História e Monografia, Edição do Jornal de Minde, 2002, p. 296.

Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme, Portugal: diccionario histórico, chorographico, heráldico, biográfico, bibliográfico, humanístico e artístico, Lisboa, João Romano Torres Editores, 1904.

NET

Barata, Paulo J. S., Os Livros e o liberalismo: da livraria conventual à biblioteca pública uma alteração de paradigma, Quadro dos conventos extintos em 1834, Biblioteca Nacional de Portugal, 2003, p. 413.

Conceição, Frei Cláudio da, Gabinete Histórico / Política do Sr. Rei D. João V.

Gameiro, Cláudia, “Mantas de Minde, quando as mãos tecem um “produto de luxo”, 2016 in www.mediotejo.net/mantas-de-minde-quando-as-maos-tecem-um-produto-de-luxo-cv.

Mendes, Rui M., “O Padroado de Sant’ Ana em Minde (1757)”, in historia-e-arte-barroca.blogspot.com/2011/06/o-hospicio-de-santana-em-minde.html.

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Frades Arrábidos em Minde

Novembro 2018 – Outubro 2019 • Nº6 • Mátria Digital | 271

Foto publicada por Rui M. Mendes em O Padroado do Hospício de Sant’Ana em Minde (1757).

Em Minde, no local onde existiu o Hospício

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Alzira Almeida

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Vestígios do Hospício dos Frades Arrábidos de Minde, no Beco dos Frades Arrábidos